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AS C ISES
•••••

ECONOMICAS
DO CAPITALISMO

1·142.23
192c
8
.1
KARL MARX

AS CRISES ECONÔMICAS
'00 CAPITALISMO

I editora LJ
I / /acadêmica I

Ciência e Cultura

SÃo PAULO -- 1988


DNIVEMIDADE DE CAXl.48 DO SUh _
BIBLIOTECA CENTRAL
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Obra. publicada de acordo com os textos originais.


SUMARIO

1. Causas das crises o ••••••••••••••••••••••••••••••••


7

2. Superprodução de mercadorias e excesso de capital .... 13

3. Unidade de compra e venda, de processo de produção


e de circulação 17
Capa: Vilson F. Ramos
4. Extensão da produção e do mercado 44
Tradução: Vilson F. Ramos
Diagramação e revisão: Equipe da Ed. Acadêmica 5. A acumulação. e o consumo 57
J

.988.Todos os direitos reservados para

lITORA ACAD1l:MICA
q, Riachuelo, 201 - 8.° - s. 1 e. 2-A
17- São Paulo - SP
1S: (011) 36-5922/958-5782

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UNIDADE DE COMPRA E VENDA, DE PROCESSO
DE PRODUÇAO E DE CIRCULAÇAO

Vamos transcrever mais algumas citações da obra de Ricardo:


"Começa-se a pensar ( ... ) que Adam Smith conclui que nos
encontramos, de certo modo, obrigados a produzir um excedente
de trigo, de artigos de lã e de artigos de ferro, e que o capital
que produz estas mercadorias não poderia ser investido de outra
forma. Contudo, a aplicação que se destina a um capital é sempre
fator de livre escolha, razão por que é impossível existir, por um lon-
go período de tempo, excedente de qualquer mercadoria, pois, se hou-
vesse, essa mercadoria cairia abaixo de seu preço natural e o capital
se veria obrigado a uma inversão mais rentável" (op. cit., pp. 341 S8.).
"OS produtos são sempre adquiridos com outros produtos ou com
serviços; o dinheiro é apenas o instrumento pelo qual se realiza a
troca. 3 Pode acontecer que se produza uma quantidade excessiva de
uma certa mercadoria e que esta sobre no mercado em tal demasia
que não dê um retorno ao capital investido em produzi-Ia; mas é
impossível que aconteça a mesma coisa com todas as mercadorias"
(op. cit., capo 21, pp. 341 ss.). "O fato de que este aumento da
produção e a conseqüente demanda que isto gera provoque ou não
uma queda nos salários exceto por um período limitado, vai depen-
der, por sua vez, da facilidade com que se conte para produzir os

3. É a mesma coisa que dizer que o dinheiro é um meio de cir-


culação. e que o próprio valor de troca não é mais do que a forma. desti-
nada a desaparecer. da troca de certos produtos por outros. o que não é
verdade.

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meios de subsistência e artigos de primeira necessidade para os ope-
adotam entre si os dois fatores que se complementam mutuamente
rários" (op. cit., p. 343).
é destruída de um modo violento. Portanto, a crise mostra a unidade
"Quando os comerciantes investem seus capitais no comércio das duas fases substantivadas, uma referente à outra. Não existindo,
exterior ou na indústria do transporte, fazem assim por sua livre porém, esta unidade intrínseca entre fatores, ao que parece, indife-
escolha e nunca porque a necessidade os obrigue a isto; fazem dessa rentes entre si, as crises não existiriam. Não, afirma o apologista da
forma porque esperam ganhar de tais negócios maiores lucros que economia, as crises não se produzem exatamente por causa desta
no comércio interno de seu país" (op. cit., p. 344). unidade. Isto significa simplesmente sustentar que a unidade de
Tomando agora aquilo que se refere às crises, os vários autores fatores contrapostos elimina a contradição.
que souberam colocar e explicar o movimento real dos preços e todos Para provar que a produção capitalista é incapaz de conduzir
aqueles da prática que escrevem em momentos de crise não levam a crises gerais, negam-se todas as condições e determinações formais,
em conta, e com razão, os charlatanismos pretendidamente teóricos e todos os princípios e diferenças específicas; resumindo, nega-se a
não vão além do que afirmar que essa doutrina, daqueles que não própria produção capitalista e demonstra-se, na verdade, que se o re-
admitem a possibilidade de que o mercado esteja saturado, poderá gime capitalista de produção, ao invés de ser uma forma especifica-
estar correta no plano da teoria abstrata, mas é falsa na prática. mente desenvolvida, uma forma peculiar da produção social, fosse
A constante repetição das crises rebaixou os disparates de Say e
um regime de produção anterior a seus mais toscos rudimentos, não
outros à categoria de uma fraseologia própria para ser usada em
existiriam os antagonismos e contradições intrínsecos a ele, e também
tempos de prosperidade, mas inútil em épocas de crise.
não existiria, portanto, a explosão dessas contradições na forma
As contradições e os antagonismos da produção burguesa se de crise.
tornam evidentes nas crises do mercado mundial. E ao invés de per-
"Os produtos - diz Ricardo, seguindo os passos de Say - são
guntar em que consistem os elementos contraditórios, que obrigam
comprados sempre por intermédio de outros produtos ou com serviços;
sua passagem violentamente na catástrofe, os apologistas limitam-se
o dinheiro não é mais que o instrumento pelo qual se efetua a troca."
a negar a própria catástrofe e, a despeito de sua periodicidade fiel
Vemos primeiramente, aqui, que a mercadoria que tem suben-
sujeita a uma lei, insistem em sustentar que, se a produção se ativesse
tendida a contradição entre o valor de troca e o valor de uso passa
às doutrinas de seus manuais, nunca existiriam crises. A apologética
a ser um simples produto (valor de uso) e, conseqüentemente, o
dedica-se a falsificar as relações econômicas mais simples, e princi-
intercâmbio de mercadorias torna-se uma simples troca de produtos,
palmente a sustentar a unidade frente à contradição.
de valores de uso e nada mais. Devemos voltar atrás não mais da
Se, por exemplo, a compra e venda ou a trajetória que segue
produção capitalista, mas inclusive antes da produção simples de
a metamorfose da mercadoria representa a unidade de dois processos
mercadorias, e faz-se desaparecer o fenômeno mais complexo da pro-
ou, melhor dizendo, um processo gerado por duas fases contrapostas
dução capitalista (a crise do mercado mundial) escamoteando a con-
e, portanto, substancialmente, a unidade destas duas fases, não é
dição originária fundamental da própria produção capitalista, ou
menos certo que encerra, também substancialmente, o desdobramento seja: o fato de que o produto tem que aparecer como mercadoria
delas e sua mútua substantivação. Porém, uma vez que estas duas e, portanto, tomar a forma de dinheiro e fazer toda a trajetória de
fases se complementam entre si, a substantivação de uma em relação sua metamorfose. Não se fala, então, de trabalho assalariado, fala-se
à outra tem que revelar-se necessariamente como algo 'violento, como de "serviços", termo usado mais uma vez para mascarar o caráter
um processo de destruição. E é exatamente nas crises que aparece, verdadeiro do trabalho assalariado e de seu emprego (consistindo em
pois, sua unidade, a unidade do desigual. A substantividade que incrementar o valor das mercadorias pelas quais se troca, em criar

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mais-valia) e com isso a relação específica que transforma o dinheiro produzir, o produtor torna-se assim, necessariamente, consumidor
e a mercadoria em capital. Quando se diz "serviços", apresenta-se de seus próprios produtos, ou comprador e consumidor dos pro-
o trabalho simplesmente em função do valor de uso (coisa que, na dutos de outros. Não cabe supor que, durante muito tempo, desco-
produção capitalista, é secundária), do mesmo modo que, ao falar nheça sobre o que poderia produzir com mais vantagem para alcan-
de "produtos", descarta-se a própria essência da mercadoria e da çar aquilo que pretende, isto é, a posse de outros produtos; portanto,
contradição inerente a ela; dessa maneira é lógico que o dinheiro não é provável que se dedique a produzir continuamente uma mer-
apareça para nós como apenas um interme~iário no intercâmbio de cadoria para a qual não existe demanda" (op. cit., pp. 339 ss.).
produtos e não como uma modalidade substancial e necessária de Este palavreado infantil pode ser bom para um Say, mas indigno
existência da mercadoria, onde esta é forçosamente revestida enquanto de um Ricardo. Primeiramente porque nenhum capitalista produz
valor de troca, énquanto trabalho social genérico. Uma vez que, ao com o propósito de consumir seus produtos. Com referência à pro-
tornar a mercadoria um simples valor de uso (produto), escamoteia-se dução capitalista, poderíamos afirmar, com toda certeza, que "nin-
a própria essência do valor de troca, já é fácil negar, ou melhor, guém produz para consumir o produzido", mesmo que utilize uma
é obrigatório negar o dinheiro como modalidade essencial da mer- parte de seu produto em função do consumo industrial. Estamos
cadoria e como uma modalidade substantiva no processo de me- nos referindo aqui concretamente ao consumo privado. Anteriormen-
tamorfose frente à sua forma primitiva. Dessa forma são descartadas te, omitia-se algo tão fundamental como o fato de que o produto
discursivamente as crises: deixando de lado ou negando as premissas é uma mercadoria. Agora, omite-se, inclusive, a divisão social do
primordiais da produção capitalista, a existência do produto como trabalho. Onde os homens produzem para si próprios é lógico que
mercadoria, a transformação desta em mercadoria e dinheiro, as fases as crises não existem, mas é porque também não existe uma pro-
de separação no intercâmbio das mercadorias que do dinheiro decor- dução capitalista. Não sabemos se 'na Antigüidade, com um regime
rem e, por fim, a relação entre o dinheiro ou a mercadoria e o sustentado na escravidão, existiam crises, ainda que também naquela
trabalho assalariado. época houvesse produtores que falissem. O primeiro termo do dilema
Não vão muito além disso os economistas que, como Mill, por constitui um absurdo. E o segundo também. Quem produz não pode
exemplo, querem 'dar uma explicação para as crises tomando como optar entre vender e não vender. Ele é obrigado a vender, e nas
ponto de partida a simples possibilidade de crise que está implícita crises revela-se sua impossibilidade de vender o produzido ou de
na metamorfose das mercadorias, como o desdobramento da compra vendê-lo abaixo do preço de produção ou com perda positiva. De que
e da venda. Explicar a possibilidade da crise não é, contudo, expli- adianta para ele ou para nós, nestes casos, o fato de que produza
car sua realidade, explicar por que as fases do processo chocam-se para vender o produzido? Trata-se, precisamente, de saber com quais
entre si de tal forma que sua unidade intrínseca somente se impõe obstáculos pode tropeçar esta sua boa intenção.
mediante uma crise, através de um processo violento. Este desdobra- E acrescenta-se: "E ninguém vende sem o propósito de comprar
mento é o que se manifesta nas crises; é sua forma elementar. Querer outra mercadoria que possa ser imediatamente útil ou contribuir para
explicar a crise baseando-se nessa sua forma elementar é como expli- a produção futura". É uma forma muito elogiosa de apresentar as
car a existência da crise proclamando sua existência em sua forma condições da produção burguesa. Ricardo esquece algo tão essencial
abstrata, isto é, pretender explicar a crise através da própria crise. como isto: que também cabe vender para saldar dívidas, venda esta
Ricardo diz: "Ninguém produz sem que seja para consumir forçada, que se reveste de importância bem considerável nas crises.
ou vender sem a pretensão de adquirir outra mercadoria que possa Na verdade o que o capitalista quer, ao vender, é tornar a converter
ser-lhe imediatamente útil ou contribuir para a produção futura. Ao em capital-dinheiro sua mercadoria, ou melhor, seu capital-mercado-

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ria, conseguindo seus lucros desta maneira. O consu~o (a renda) concepção do dinheiro, em Ricardo, obedece a que ele só se atém
não é alvo para onde está voltado este processo, como e para aquele à determinação quantitativa do valor de troca, isto é, ao fato de
que simplesmente vende mercadorias com o objetivo de transfor- que equivale a uma certa quantidade de tempo de trabalho, perdendo
má-Ias em meios de subsistência. Entretanto não é isto que caracte- de vista sua determinação qualitativa, a saber: a circunstância de que
riza a produção capitalista, na qual a renda se manifesta como o trabalho individual, por meio de sua alienação, tem que se fazer
resultado e não como fim determinante. Aqui o objetivo que move representar necessariamente como um trabalho geral abstrato, como
aquele que vende é, primeiro vender, isto é, converter em dinheiro um trabalho social. 4
a mercadoria . É muito simples e tranqüilo dizer que somente certas mercado-
.No período de crise é possível que aquele que vende sinta-se rias, e não todas, podem encher o mercado e, portanto, só pode haver
muito satisfeito pelo simples fato de vender, e que não pense, na- uma superprodução parcial. Se nos basearmos apenas na natureza
quele momento, em comprar. É lógico que, se o valor realizado deve das mercadorias, vemos que impede que todas elas existam no mer-
tornar a atuar como capital, precisa percorrer outra vez o processo cado em excesso e que, conseqüentemente, todas elas caiam abaixo
de reprodução e, portanto, voltar a ser trocado por trabalho e mer- do seu preço. O que aqui interessa é, unicamente, o momento da
cadoria. Mas a crise é, justamente, a circunstância em que o processo crise. Na realidade, pode existir excesso de todas as mercadorias,
de reprodução se modifica e se interrompe. E não se pode explicar com exceção do dinheiro. Falar que 'a mercadoria precisa ser expressa
esta interrupção afirmando-se que não se produz nos momentos em em dinheiro significa dizer que esta necessidade existe para todas as
que não existe crise, não se pode duvidar de que. ninguém pode mercadorias: a partir do momento em que uma determinada mer-
dedicar-se a produzir continuamente uma mercadoria para a qual cadoria encontra dificuldades para realizar essa metamorfose, essas
não .existe demanda, mas ninguém estabelece uma hipótese tão dificuldades podem ser comuns para todas as mercadorias. O caráter
absurda. Nem esta tem, tampouco, absolutamente nada a ver com geral da metamorfose das mercadorias, que tem implícitas tanto a
o problema. "A posse de outros produtos" não constitui: na reali- dissociação da compra e da venda como sua unidade, longe de excluir
dade, o objetivo da produção capitalista; esta tem como fim a apro- a possibilidade de que o mercado se encontre abarrotado de merca-
priação de valor, de dinheiro, de riqueza abstrata. "., dorias em geral, traz inerente, pelo contrário, essa possibilidade.
O pensamento de Ricardo tem por base a tese do eqU1l~no No raciocínio de Ricardo e também de outras argumentações
metafísico das compras e vendas", tese mantida por J ames MIlI e no mesmo e tilo aparece, sem dúvida, não apenas a relação entre
anteriormente explicada por mim; equilíbrio no qual somente se vê a compra e a venda mas também entre oferta e demanda, sobre
a unidade dentro do processo das compras e vendas, sem pensar em o que voltaremos a falar, quando estudarmos a concorrência entre
seu possível desdobramento. Procede disso a afirmação de Ricardo os capitais. Como disse Mill, a compra é venda e vice-versa, a oferta
(seguindo as pegadas de [ames Mill): é demanda e a demanda, oferta; mas da mesma forma que se con-
"Pode acontecer que se produza em demasia uma determinada fundem, estes atos podem se separar e tornarem-se independentes
mercadoria, da qual exista tal abundância no mercado que não um do outro. Ê possível que num determinado momento a oferta
reponha o capital nela investido, mas isto não acontecerá com todas de todas as mercadorias supere a demanda de todas elas em conjunto,
as mercadorias em geral" (op. cit., pp. 341 ss.).
O dinheiro não é simplesmente "o instrumento através do qual
4. Ricardo, considerando o dinheiro apenas como meio de circulação,
se realiza a troca", mas também o instrumento por meio do qual no fundo quer dizer a mesma coisa que considerar o valor de troca como
a troca de um produto por outro se divide em dois atos, indepen- uma forma destinada ao fim, como algo estritamente formal da produção
burguesa ou capitalista, razão por que não vê nesta um regime de produção
dentes, separados um do outro, no espaço e no tempo. E esta falsa especificamente determinado, mas o regime de produção.

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seja porque a demanda da mercadoria geral, do dinheiro, é maior demos dizer o mesmo de todas as mercadorias produzidas pela
do que a demanda da totalidade das mercadorias especiais, seja por- natureza ou pela indústria. Alguns consumiriam mais vinho se
que a tendência a expressar a mercadoria em dinheiro, a realizar seu pudessem. Outros não desejariam. mais vinhos, mas sim, em troca,
valor de troca, supera a tendência de converter de novo a mercadoria aumentar a quantidade ou melhorar a qualidade de sua mobília.
em valor de uso. Se a relação entre oferta e demanda é dada de Outros desejariam embelezar seus jardins ou aumentar suas casas.
modo mais amplo e mais concreto, vai juntar-se a ela a relação entre A vontade de conseguir tudo isto ou uma parte está em todos os
produção e consumo. Aqui haveria que afirmar novamente a unidade homens; o que falta são os meios necessários para isso, e somente
destes dois atos, que existe por si mesma e se impõe de um modo o crescimento da produção pode oferecê-los" (op. cit., pp. 341 ss.).
violento justamente nas crises, frente à dissociação e ao antagonismo Pode haver um raciocínio mais infantil do que este? É possível
dos mesmos, que existem do mesmo modo e inclusive caracterizam que se produza mais de uma determinada mercadoria que o que
a essência da produção burguesa. se pode consumir. Porém, isto não pode ocorrer com todas as mer-
Tratando-se da distinção entre a superprodução parcial e a su- cadorias em geral, pois as necessidades que são satisfeitas por meio
perprodução geral, toda vez que se trate simplesmente de afirmar das mercadorias não têm limite, e é impossível que todas estas neces-
a primeira para subtrair-se a segunda, podemos ressaltar dois pontos: sidades se satisfaçam por igual. Pelo contrário, a satisfação de uma
1. As crises são precedidas, geralmente, de um aumento geral necessidade subentende uma outra. Só são requeridos, portanto, os
dos preços de todos os artigos correspondentes à produção capita- meios para satisfazer estas necessidades, meios que somente podem
lista. Todos eles tomam parte, desse modo, do crack subseqüente e, ser buscados com o aumento da produção. Nunca poderá existir,
aos preços que tinham antes disso, representam um embaraço no portanto, uma superprodução geral.
mercado. O mercado tem condições de absorver uma quantidade Onde vai dar tudo isso? Em épocas de superprodução, grande
de mercadorias a preços inferiores aos seus preços de produção, parte da nação (especialmente a classe operária) encontra-se como
quantidade que seria impossível absorver aos preços comerciais ante- nunca sem o abastecimento de trigo, calçados etc., e sem falarmos
riores. A massa em excesso de mercadorias é sempre relativa, pois de vinho e móveis. Se fosse possível existir superprodução somente
o é somente em função de certos preços. Os preços aos quais o após satisfeitas mesmo que apenas as necessidades mais elementares
mercado pode absorver as mercadorias são, nestes casos, arruinantes da nação, até hoje não teria sido produzida, na história da sociedade
para o produtor ou o comerciante. burguesa, não uma crise geral de superprodução, mas sequer uma
2. Para uma crise (incluindo também as de superprodução) ser crise parcial. O fato de que, por exemplo, o mercado esteja superlo-
geral, é suficiente afetar os artigos comerciais de maior importância. tado de sapatos, ou tecidos, ou vinhos, ou produtos coloniais, por
Vamos ver de que maneira Ricardo procura descartar especulati- acaso significa que tenham sido satisfeitas as necessidades de sapatos,
vamente o fenômeno do abarrotamento geral do mercado: tecidos etc. de, pelo menos, dois terços da nação? A resposta é não,
"Pode acontecer que se produza em demasia uma determinada porque a superprodução não tem nada a ver com as necessidades
mercadoria, da qual exista tal abundância no mercado que não repo- absolutas. Diz respeito, única e exclusivamente, às necessidades
nha o capital nela investido, mas isto não acontecerá com todas as relativas, solvíveis. A superprodução nunca é uma superprodução
mercadorias em geral; a demanda de trigo está condicionada pelo em função da necessidade absoluta ou do desejo de mercadorias.
número de bocas que hão de comê-Io; a de calçados e vestuário Assim concebida a superprodução, esta não existirá, nem parcial
pelo número de pessoas que hão de usâ-Ios: mesmo que uma comu- nem geral.
nidade ou parte dela possua todo trigo ou todos os calçados e ves- Nem existe, neste sentido, nenhuma contraposição entre elas.
tuário que é capaz de consumir ou possa desejar consumir, não po- Porém, diz Ricardo, a partir do momento em que há uma quanti-

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dade de pessoas que precisam de sapatos e tecidos, por que não a compra, D-M, já não oferece nenhuma dificuldade, pois é possível
conseguem os meios necessários para adquiri-los produzindo artigos, trocar o dinheiro diretamente por tudo. O valor de uso da merca
com os quais possam comprar o calçado e os tecidos? Ou melhor doria, a utilidade do trabalho que ela contém, é algo que se deve
dizendo: por que eles próprios não produzem estes produtos? Mas dar por suposto, pois de outra forma não seria tal mercadoria. Da
o que é mais peculiar na superprodução é que os próprios produtores mesma forma, deve-se dar por aceito que o valor individual da mer-
das mercadorias que enchem o mercado, ou seja, os operários, sofrem cadoria é igual ao tempo de trabalho socialmente necessário para
escassez delas. Aqui, porém, não se pode dizer que deveriam pro- produzi-Ia. A possibilidade de crise, da maneira como se apresenta
duzir os objetos necessários para adquirir aquelas coisas, pois, mesmo na forma simples da metamorfose, procede, portanto, simplesmente
produzindo-as diretamente. carecem delas. Não cabe, tampouco, afir- do fato de que as diferenças de forma (as fases) que atuam em seu
mar que exista abundância concreta destas mercadorias no mercado, processo são, primeiramente, formas e fases que obrigatoriamente
porque ninguém precisa delas. Disso se conclui que é impossível se completam e também são formas e fases que, apesar de sua
explicar a superprodução parcial dizendo que as mercadorias que coesão intrínseca, têm uma existência indiferente, uma em relação à
estão em excesso no mercado baixam a satisfação das necessidades outra; existem desconectadas no tempo e no espaço, são formas e
correspondentes, além disso não se poderá descartar a superprodução fases independentes no processo, separáveis e separadas entre si.
universal afirmando que existem necessidades não satisfeitas referen- Derivam, simplesmente, do desdobramento da venda e da compra.
tes a muitas das mercadorias que aparecem no mercado. Se não fosse possível a mercadoria sair da circulação transformada
Tomamos como exemplo um fabricante de tecidos. Enquanto a em dinheiro ou retomar à forma de mercadoria, não existiria qual.
reprodução seguia seu curso sem interrupção - e juntamente com quer possibilidade de crise, dentro das proposições que assinalamos.
ela seguia normalmente a fase em que o produto existente como Toma-se como pressuposto o fato de que a mercadoria, para outros
mercadoria pronta para ser vendida, o tecido, voltava a transfor- possuidores de mercadorias, é um valor de uso. Só não é possível
mar-se em dinheiro conforme seu valor - os operários que produ- trocar a mercadoria na forma de um intercâmbio direto quando esta
ziram o tecido consumiam uma parte dele e, ao desenvolver-se a não tem um valor de uso, ou quando não há um outro valor de uso
reprodução (ou seja, a acumulação) consumiam uma quantidade cada para que ela possa ser trocada. Ou seja, apenas sob estas duas con-
vez maior, ou empregava-se um número maior de operários nessa dições: que de um lado produza inutilmente, ou que do outro não
produção, que eram também, em parte, consumidores da mercadoria tenha nada útil para trocar como equivalente pelo valor de uso.
produzida. Porém, em nenhum destes casos se faria alguma troca. Ao reali-
Antes de prosseguir diremos o seguinte: zar-se a troca, não podem aparecer separados os dois aspectos que
A disparidade entre o processo imediato de produção e o pro- a compõem. O comprador será vendedor, e este, comprador. Desapa-
cesso de circulação faz com que se desenvolva novamente e se recerá, portanto, o momento crítico, o que brota da forma do inter-
aprofunde a possibilidade de crise, que aparecia já na simples me- câmbio, considerado como circulação, e quando falamos que a for-
tamorfose da mercadoria. A crise existe quando esses processos não ma simples da metamorfose contém a possibilidade de crise, estamos
se fundem, mas se tornam independentes um do outro. apenas falando que esta forma traz implícita, por sua. vez, a pos-
Na metamorfose das mercadorias, a possibilidade de crise apare- sibilidade de que as duas fases, que se complementam entre si
ce dessa forma: substancialmente, se desgarrem e se dissociem.
Em primeiro lugar, a mercadoria, que existe de um modo real Mas, isto afeta também o conteúdo. No comércio direto de troca,
como valor de uso e idealmente no preço, como valor de troca, grande parte da produção, por parte do produtor, destina-se à satisfa-
precisa tornar-se dinheiro: M-D. Resolvida essa dificuldade, a venda, ção de suas próprias necessidades ou, à medida que a divisão de tra-

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balho vai se desenvolver, à satisfação das necessidades de outros pro- tanto, sua possibilidade formal, é a metamorfose da própria merca-
dutores, conhecidas daquele. O que se troca como mercadoria é o doria, onde só se contém o movimento originário da contradição
excedente, sem dar importância se este excederite é trocado ou não. do valor de troca e o valor de uso implícito na unidade da merca-
Mas, bem diferente é o caso na produção de mercadorias, pois a trans- doria, de onde provém a contradição da mercadoria e do dinheiro.
formação do produto em dinheiro, a venda, é conditio sine qua nono Aquilo que transforma em crise esta simples possibilidade de crise
Aqui, nada representa a produção direta para as próprias necessida- é algo que supera a própria forma; esta nos mostra que existe apenas
des. A crise aparece tão rápido quanto fracassa a venda. A dificul- a forma para uma crise.
l dade que enfrenta para transformar as mercadorias (o produto con- Sob a ótica da economia burguesa, é isto o que interessa. As
,I
I creto do trabalho individual) em dinheiro, ao contrário delas, em crises do mercado mundial devem ser concebidas como a conden-
l trabalho geral abstrato, em trabalho social, choca-se com o fato de sação real e o violento nivelamento de todas as contradições da
\
\
que o dinheiro não tem por forma um produto concreto do trabalho economia burguesa. Os diferentes modos que se condensam nestas
individual, no fato de que quem já vendeu, e por isso possui sua crises deverão, portanto, manifestar-se e desenvolver-se em todos os
mercadoria em forma de dinheiro, não está obrigado a vender outra domínios da economia burguesa, e, à medida que nos aprofundemos
vez de imediato, tornar a converter o dinheiro num produto concreto nela, mais teremos que pesquisar, por um lado, novos modos desta
do trabalho individual. No comércio de troca não cabe este antago- contradição e, por outro, manifestar as suas formas mais abstratas
nismo. Pois ninguém pode ser vendedor sem ser comprador nem ser como formas que novamente aparecem e estão contidas em outras
comprador sem ser vendedor. A dificuldade da venda (pressupondo mais concretas.
a mercadoria que se vende ter um valor de uso), vem fundamen- Assim, podemos dizer que a crise, em sua primeira forma, é
talmente da facilidade que tem o comprador de retardar a reversão a própria metamorfose da mercadoria, a separação entre a compra
do dinheiro à forma de mercadoria. E a dificuldade de transformar e a venda. Numa segunda forma, a crise tem origem na função do
a mercadoria em dinheiro, de vender, é resultado do fato de que, dinheiro como instrumento de pagamento, onde o dinheiro atua em
se a mercadoria precisa se converter em dinheiro, este não precisa duas fases diversas e separadas no tempo, em duas funções distintas.
tornar-se diretamente mercadoria, sendo possível que a venda e a As duas formas, mesmo totalmente abstratas, se bem que a segunda
compra se dissociem. Já falamos anteriormente que essa forma tem tenha características mais coerentes que a primeira.
implícita a possibilidade de crise, isto é, a possibilidade de que as Conseqüentemente, quando se estuda o processo de reprodução
duas fases que se completam entre si e são inseparáveis se separem do capital, processo que combina perfeitamente com o de sua circula-
e seja preciso, conseqüentemente, que sua união se faça pela força, ção, é preciso mostrar primeiramente que nele tornam a se repetir,
violentando sua substantividade. Na verdade representa uma impo- simplesmente, aquelas formas que vimos, ou melhor, que agora co-
sição violenta da unidade entre as fases que formam o processo de meçam a concretizar-se, a ter uma base para poder manifestar-se.
.produção e que se dissociaram e se substantivaram uma frente à Vamos nos concentrar no percurso do capital a partir do ins-
outra. tante em que abandona, como mercadoria, o processo de produção,
A possibilidade geral, abstrata, da crise, não é senão a forma para dele sair novamente como mercadoria. Deixando de lado qual-
mais abstrata da crise, uma crise sem conteúdo nem motivo material. quer característica de conteúdo, notamos que todo o bloco de capital,
Pode acontecer que a venda e a compra se separem. Porém, são mercadoria, ou uma das mercadorias que o formam, tem necessaria-
crises potenciais e sua coordenação constitui sempre um motivo crí- mente que percorrer o ciclo M-D-M, o fenômeno da metamorfose
tico para a mercadoria. Pode ocorrer, também, que se articulem da mercadoria. A possibilidade geral' da crise, que está contida nessa
entre si sem interrupção. A maneira mais abstrata da crise e, por- forma, a separação entre compra e venda, é essencial ao funciona-

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mento do capital quando, este é também mercadoria, e apenas mer- de algodão atua em função do fabricante de fios, o de maquinaria
cadoria. Da união entre a metamorfose de umas mercadorias e de sobre os fabricantes de fios e tecidos. O fabricante de fios não
outras decorre que algumas transformam-se em dinheiro por causa poderá pagar se não pode fazê-Io o fabricante de tecidos; os dois
de outras deixarem a forma de dinheiro para outra vez transforma- também não irão pagar ao fabricante de maquinaria e este tam-
rem-se em mercadorias. Ou melhor, a dissociação da compra e da pouco pagará aos produtores de ferro, madeira e carvão. Estes,
venda aparece aqui, dessa maneira: à transformaçãó de um capital por sua vez, não tendo como tornar efetivo o valor de suas merca-
de mercadoria em dinheiro deve obrigatoriamente corresponder a dorias, não terão como repor a parte que compõe o capital constante.
transformação de outro capital, isto é, de dinheiro em mercadoria; E produzir-se-á uma crise geral. B simplesmente a possibilidade de
a primeira metamorfose de um capital deve corresponder à segunda crise desenvolvida no dinheiro como meio de pagamento; mas aqui,
de outro, a saída de um capital do processo de produção ao retorno na produção capitalista, deparamo-nos com uma junção dos créditos
de outro. Esta junção, este entrelaçamento dos processos de repro- e das obrigações recíprocas, entre as compras e as vendas, onde a
dução ou circulação de capitais distintos, são causados, de um lado, possibilidade pode tornar-se realidade.
pela própria divisão do trabalho, enquanto que" de outro, são algo Portanto, não existe crise quando a compra e a venda não
fortuito, o que provoca uma ampliação da crise no que se refere adquirem substantividade própria, uma em relação à outra, não sen-
ao seu conteúdo. do preciso uni-Ias violentamente, nem mesmo, de outra forma, quando
Além disso, referente à possibilidade de crise que obedece à for- o dinheiro funciona como meio de pagamento, de tal modo que os
ma de dinheiro como meio de pagamento, o capital já oferece uma créditos se cancelam reciprocamente, isto é, quando não se efetua a
base mais real de realização. Assim, exemplificando, o industrial têx- contradição que está implícita na própria existência do dinheiro;
til tem que desembolsar todo o capital constante, cujos elementos lhe dizendo de outra maneira, a crise não existe quando não existem
são subministrados pelo fabricante de fios, pelo agricultor que cultiva realiter, como tais, estas duas formas abstratas da crise. Não pode
o algodão, pelo fabricante de maquinário, pelo produtor de ferro e existir crise sem que se suprimam entre si e entrem em conflito a
madeira, pelo produtor de carvão etc. Conforme estes produzem compra e a venda; ou se manifestem as contradições implícitas no
o capital constante que só entra no processo de produção sem incor- dinheiro como meio de pagamento; portanto, sem que a crise venha
porar-se à mercadoria final, o tecido, limitam-se a repor seus meios à luz na forma mais rudimentar: a contradição entre a compra e
de produção mediante o intercâmbio de capital. Vamos supor que a venda, a .contradição intrínseca ao dinheiro como meio de paga-
o industrial têxtil venda sua mercadoria ao comerciante por 1.000 mento. Porém, tais formas não são mais do que simples possibilida-
libras esterlinas, mas não por moeda, e sim contra uma letra de des de crise; também são formas, formas abstratas da crise real. A
câmbio, isto é, de forma que o dinheiro só interfira como forma existência das crises toma lugar nelas, nas suas formas mais simples
de pagamento. O agricultor que vende o algodão ao fabricante de e com seu conteúdo mais simples também, enquanto que esta forma
fios o faz também contra uma letra de câmbio, e o mesmo acontece é o conteúdo mais simples da crise, porém, sem que tal conteúdo seja
com o fabricante de fios e o de tecidos, o fabricante de maquinaria por enquanto fundamentado. A circulação simples de dinheiro e, in-
e o de tecidos, o produtor de madeira e ferro e o de maquinaria, o clusive, a circulação do dinheiro como meio de pagamento, e ambãs
de carvão e o de fios, o de maquinaria e o de ferro e madeira. Vamos são bem anteriores à produção capitalista e existiam antes que as cri-
supor também que os produtores de ferro, carvão, madeira e algodão ses existissem, são possíveis e têm existência real sem ser preciso que
façam seus pagamentos entre si com letras de câmbio. Ora, se o aconteçam as crises. Não é possível uma explicação, baseando-se
comerciante não receber dinheiro em troca de sua mercadoria não apenas nelas, porque estas formas tomam um aspecto crítico, porque
poderá pagar a letra de câmbio do fabricante de tecidos. O produtor a contradição contida potencialmente nelas manifesta-se como tal.

30 31
Note-se dessa forma a infantilidade dos economistas que, quando já O processo de circulação ou de reprodução como um todo é
não podem descartar especulativamente o fenômeno da superprodu- a unidade de sua fase de produção e a de circulação, um processo
ção e das crises, acomodam-se no fato de que aquelas formas só constituído por estes outros dois, como suas fases. Está subentendida
levam implícita a possibilidade de que se produzam crises, achando aqui outra possibilidade mais desenvolvida, outra forma abstrata da
que estas são produzidas de forma acidental, o que equivale ~ con- crise. Por este motivo os economistas que rejeitam especulativamente
siderar o próprio fato de que se produzam como uma casuahdade. a crise prendem-se somente à unidade destas duas fases. Se elas
As contradições, e, portanto, as possibilidades de crise, contidas na existissem separadas, sem formar uma unidade, não haveria possibi-
circulação de mercadorias e na circulação do dinheiro se reproduzem lidade de sua dissociação violenta, o que constitui a crise. Esta
por si mesmas no capital, já que, na realidade, a circulação de mer- é a imposição pela força da unidade entre fases substantivas e a
cadorias e a de dinheiro só se desenvolvem, hoje, sobre a base do substantivação pela forma de fases que constituem substancialmente
capital. Conseqüentemente, o problema que se coloca é o de seguir uma unidade.
o desenvolvimento da crise potencial, pois a crise real só pode ex- Conseqüentemente:
por-se baseando-se no funcionamento real da produção capitalista, a) A possibilidade geral das crises é parte do próprio processo
da concorrência e do crédito, na proporção em que satisfaz as ca- de metamorfose do capital, e de dois modos: primeiramente quando
, l,
, . racterísticas próprias de forma do capital e não inerentes à sua
existência como mercadoria e dinheiro. O simples processo direto de
o dinheiro funciona como meio de circulação, por meio da separação
da compra e da venda; por outro lado, enquanto funciona como
produção de capital não pode, por si mesmo, acrescentar nada de meio de pagamento, agindo em duas funções diversas: como medida
novo. Para que possa existir deve-se supor as condições que o tor- de valores e como realização do valor. Na crise, estas funções se
nam possível. Por isso, no primeiro capítulo sobre o capital, o pro- separam. Se o valor se altera entre ambas as funções, se na hora
cesso direto de produção, não aparece nenhum elemento novo de de ser vendida, a mercadoria não tem o mesmo valor que tinha
crise. Tal elemento já está incluído nele, uma vez que o processo quando o dinheiro atuava como medida de valores e, por conseguin-
de produção é apropriação e, portanto, produção de mais-valia. te, das obrigações mútuas, o preço das mercadorias não será suficiente
Porém, não tem como se manifestar no próprio processo de produ- para cobrir as obrigações contraídas, muito menos quitar todas as
ção, pois não versa de forma exclusiva sobre a realização do valor transações que dependem retroativamente delas. Assim mesmo, se
reproduzido mas, sim, sobre a realização da mais-valia. Só pode a mercadoria não for vendida dentro de certo espaço de tempo,
manifestar-se no processo de circulação, onde ele mesmo é processo mesmo que não mude seu valor, o dinheiro não poderá atuar como
de reprodução. meio de pagamento, porque para isso tem que atuar dentro de um
Porém, é preciso considerar aqui que é necessário mostrar o determinado prazo. Uma vez que esta quantia de dinheiro movimenta
processo de circulação ou de reprodução antes de mostrar ~ capi~al uma série de transações e obrigações mútuas, a insolvência afetará
já acabado, o capital e o lucro, já que se trata de exphcar nao concretamente vários pontos, o que representa uma crise.
apenas como o capital produz, mas também como é produzido. Não Estas são as possibilidades formais das crises. As primeiras
obstante, o movimento real parte do capital existente, quer dizer, o podem acontecer sem as últimas, ou seja, pode haver crises sem
movimento real firmado na produção capitalista desenvolvida, que créditos, sem que o dinheiro funcione como meio de pagamento.
tem origem em si mesma e pressupõe a si mesma. Portanto: o pr:,- Mas, em contrapartida, a segunda não pode se dar sem a primeira,
cesso de reprodução e as premissas das crises nele desenvolvidas sao isto é, sem que a compra e a venda se dissociem. Entretanto, neste
colocadas de modo incompleto sob esta rubrica, precisando de uma último caso, a crise não se produz só porque a mercadoria seja
complementação no capítulo que trata de "O capital e o lucro". invendível, mas porque não é vendível dentro de certo tempo e aqui

32 33
a crise não aflora e seu caráter não vem simplesmente da impos- oscilações dos valores), devem ser buscadas e explicadas a partir
sibilidade de vender as mercadorias, mas da impossibilidade de fazer das condições gerais da produção capitalista.
uma série de pagamentos que dependem da venda dessa mercadoria A crise pode advir: 1. Quando da reconversão em capital pro-
concreta, dentro de um certo tempo. E esta, portanto, a verdadeira dutivo; 2. Da alteração do valor dos elementos do capital produtivo,
forma que apresentam as crises de dinheiro. principalmente da matéria-prima, por exemplo, quando diminui a
Em conseqüência, quando se produz uma crise pela dissociação massa de algodão colhido, elevando seu valor. Aqui ainda não nos,
entre compra e venda, tal crise se desenvolve até tornar-se uma crise referimos aos preços, mas aos valores.
de dinheiro no instante em que o dinheiro se desenvolva como meio Posto o problema, encontramos como fator de uma crise:
de pagamento, e esta segunda forma das crises se compreende por A transformação do dinheiro novamente em capital. Tomemos
si própria uma vez dada a primeira. Dessa forma, quando se procura como premissa determinada fase da produção ou da reprodução.
saber por que a possibilidade geral das crises torna-se real, quando Consideramos o capital fixo como uma dada soma, permanente, que
são investigadas as condições das crises, é simplesmente perda de não entra no processo de valorização. Dado que a reprodução da
tempo dar atenção àquelas que surgem do desenvolvimento do di- matéria-prima não depende somente do trabalho nela investido, mas
nheiro como meio de pagamento. E exatamente por isso que os de sua produtividade sujeita a condições naturais, pode acontecer
economistas se agarram com todas as forças nesta forma evidente que, mesmo ficando estável o modo de produção (dadas as más
como a causa das crises. Conforme o desenvolvimento do dinheiro colheitas), diminua a massa do produto da mesma quantidade de
como meio de pagamento coincide com o desenvolvimento do crédito trabalho. Nestas condições o valor da matéria-prima aumentará e
e do supercrédito, deverão ser expostas, sem dúvidas, as causas a sua massa diminuirá. Vai modificar-se à proporção em que o dinhei-
que correspondem estes últimos, o que não cabe aqui. ro deve voltar a transformar-se nos vários elementos integrantes do
capital, para manter a produção em seu nível anterior. Será preciso
b) Quando as crises estão sujeitas às trocas e às revoluções
investir uma quantia superior em matérias-primas, restando uma
de preços que não se ajustam com as mudanças de valor das mer-
quantidade menor para o trabalho sem que se possa empregar a
cadorias, não podem ser expostas, naturalmente, ao se estudar o
mesma massa de trabalho anterior. Primeiro, por uma razão física,
capital em geral, porque aqui os valores de mercadorias pressupõem
já que haverá um déficit de matérias-primas; em segundo, porque
preços idênticos.
será necessário transformar em matérias-primas uma fração maior
c) A possibilidade geral das crises é a metamorfose formal do de valor do produto, restando por isso uma fração menor para
próprio capital, a separação da compra e da venda no tempo e no transformar em capital variável. Em tais condições a reprodução
espaço. Porém, tal possibilidade geral não significa a causa da crise. não poderá se repetir na escala anterior. Uma parte do capital fixo
Ou seja, simplesmente, a possibilidade mais geral da crise, isto é, ficará parada; um determinado número de operários ficará sem em-
a própria crise em sua expressão mais generalizada. Não se pode prego. A margem de lucro vai diminuir, pois aumentará o valor do
dizer que a forma abstrata da crise represente a causa desta. Pro- capital constante com referência ao variável e o capital variável
curando a causa, trata-se exatamente de saber por que sua forma investido será menor. Os tributos fixos (juros, renda da terra)
abstrata, a forma de sua possibilidade, passa de possibilidade para antecipados em função da cota permanente de lucro e da exploração
realidade. do trabalho permanecem os mesmos e, em parte, não podem ser
d) As condições gerais das crises, quando independem das osci- satisfeitos. E a crise se produz. Crise de trabalho e de capital. Trata-se
lações de preços (as quais, por sua vez, podem estar relacionadas de um corte do processo de reprodução, provocado pelo aumento do
ou não com o sistema de crédito, oscilações dos preços distintas das valor da parte do capital constante que será restituído com o valor

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do produto. Mesmo diminuindo a margem de lucro, sobe o preço e) Crises oriundas de perturbações na primeira fase da repro-
do produto em tais condições. E se este produto entra como meio
dução; portanto, perturbação na conversão da mercadoria em dinhei-
de produção em outros ramos, seu encarecimento vai provocar neles
ro, ou ainda, perturbação na venda. Nas crises do primeiro gênero,
a mesma paralisação para a reprodução. Se entra no consumo geral
a crise tem origem de perturbações no retorno dos elementos do
como meio de subsistência, pode acontecer o seguinte: que forme ou capital produtivo.
não parte do consumo dos operários. No primeiro caso coincidirá Superprodução geral e parcial:
também, em razão de seus efeitos, com um enfraquecimento do
Vamos retomar Ricardo e o exemplo anterior antes de abordar-
capital variável, do que falaremos mais adiante. mos as novas formas de crise. .
Nas condições em que fizer parte do 'Consumo geral, isto pode Ao mesmo tempo que o produtor têxtil reproduz e acumula, seus
se traduzir (se não diminuir seu consumo) em uma queda da demanda operários compram também uma parte de seu produto, gastando no
de outros produtos, entorpecendo-se dessa maneira a conversão de tecido uma parte de seu salário. Quando produz, o fabricante
tais produtos novamente em dinheiro, no volume correspondente a fornece os meios necessários para comprar uma parte de seu produto
seu valor, significando um estorvo para o outro aspecto de sua re- e os operários lhe dão, em parte, os meios para vender o que produz.
produção, não para a nova transformação do dinheiro em capital, O operário só pode comprar (iniciar demanda), tratando-se de mer-
mas para a reconversão de mercadoria em dinheiro. Enfim, neste cadorias que entram no consumo individual, pois não pode valorizar
ramo de produção cairá a massa de lucro e a massa dos salários e por si próprio seu trabalho, pois não têm os elementos e condições
da mesma forma parte dos retornos (returns) necessários à venda de necessários, instrumentos de trabalho e matérias-primas, para sua
mercadorias de outros ramos de produção. realização. Este fato, onde a produção se encontra desenvolvida na
Não obstante, essa falta de matérias-primas pode acontecer sem forma capitalista, já exclui a maioria dos produtores, aos próprios
a influência das colheitas e a produtividade natural do trabalho do operários, como possíveis consumidores, compradores de meios de
qual se extraem essas matérias-primas. Na verdade, se se investe em produção. Os operários não têm como comprar matérias-primas nem
maquinaria etc. uma parte excessiva da mais-valia, do capital exce- instrumentos de trabalho; somente podem comprar meios de subsis-
dente, resultará que as matérias-primas que seriam suficientes na tência, mercadorias necessárias ao seu consumo individual. Portanto
antiga escala de produção não seriam mais na nova escala. Isto é é absurdo falar da identidade de produtores e consumidores, uma
fruto da transformação desproporcional do capital excedente em seus vez que num número infinito de ramos da produção (todos os que
diversos elementos. Deparamo-nos com um caso de superprodução não produzem diretamente artigos de consumo), a massa de homens
de capital fixo que cria os mesmos fenômenos que o caso de antes que produz fica excluída da compra de seus próprios produtos.
(confira a última págína).' Eles não são diretamente consumidores ou compradores desta grande
Ou melhor, as crises são devidas a uma superprodução de capital parte de seus próprios produtos, ainda que paguem uma parte do
fixo e, portanto, uma superprodutividade relativa do capital circulante. valor dos mesmos nos artigos de consumo comprados por eles.
Sendo o capital fixo, da mesma maneira que o capital circulante Revela-se aqui um duplo sentido da palavra "consumidor" e
é constituído de mercadorias, não há coisa mais ridícula que ver os quão falso é identificá-Ia com a palavra "comprador". Do ponto
mesmos economistas que negam a superprodução de mercadorias de vista industrial, são precisamente os operários, os consumidores da
aceitarem a superprodução de capital fixo. maquinaria e das matérias-primas, os que as absorvem no processo
de trabalho. Porém não as absorvem para si; e por isso não são
compradores delas. A maquinaria e as matérias-primas não são, para
5. Esta página de que Marx fala foi extraviada. eles, valores de uso, mercadorias, mas condições objetivas de um
36 37
processo de que eles mesmos, os operários, também fazem parte como lente do que consomem. Longe disto ser verdade, tão logo não
condições subjetivas. produzem mais que um simples equivalente, seu consumo pára e,
Poder-se-ia pensar que o patrão os representa na compra dos portanto, não têm nem um equivalente a consumir. Seu trabalho
instrumentos de trabalho, matérias-primas e salários. Portanto o pa- se paralisa ou diminui, e no melhor dos casos, seu salário se reduz.
trão precisa de um mercado mais amplo do que necessitariam os Neste último caso, permanecendo igual o nível de produção, não
operários. consomem nenhum equivalente do que produzem. E se, em tais
Assim, os operanos são produtores sem serem consumidores, condições, precisam de meios de subsistência, não é porque não
(mesmo quando não se interrompe ou entorpece o processo de pro- produzam bastante, mas porque a eles se destina apenas uma pequena
dução) de todos os artigos que não são consumidos individualmente, parte de seu produto.
mas industrialmente. Conseqüentemente quando o problema se restringe às relações
Portanto, não passa de um absurdo dizer, para descartar a crise, entre os consumidores e produtores, omite-se que o trabalhador as-
que os consumidores (compradores) e os produtores (vendedores), salariado de um lado, e de outro o capitalista, são dois produtores
na produção capitalista, são idênticos. Pelo contrário, são fatores completamente diferentes, sem levar em consideração os consumidores
completamente distintos. Quando o processo de reprodução se desen- que não produzem nada. Aqui se pretende escamotear também o
volve, esta identidade somente pode ser afirmada referindo-se a um antagonismo, pondo de lado aquele que realmente existe na produção.
entre 3.000 produtores, isto é, o capitalista. Assim mesmo, não deixa A simples relação entre operário assalariado e capitalista implica:
de ser falso afirmar, contrariamente, que os consumidores sejam 1. Que a maioria dos produtores (os operários) não sejam
produtores. O latifundiário (renda da terra) não produz, mas con- consumidores (compradores) de uma grande parte de seu trabalho,
some. O mesmo acontece com todo o capital, o dinheiro. ou seja, dos instrumentos de trabalho e das matérias-primas.
A fraseologia em que os apologistas se prendem na sua pre- 2. Que a maioria dos produtores, os operários, só podem con-
tensão de descartar a crise tem significado no sentido de que prova sumir um equivalente do que produzem sempre, e quando produzam
sempre, na realidade, o contrário do que se propõe demonstrar. Para mais que este equivalente, uma mais-valia ou um produto excedente.
descartar a crise, afirma a existência de uma unidade onde existe Devem produzir sempre mais, mais que suas próprias necessidades,
antagonismo e contradição. Isto é importante enquanto se pode afir- para poderem ser consumidores ou compradores restringidos por
mar que com isso provam, aqueles que o dizem, que não haveria suas necessidades.
crises se não existissem, na realidade, as contradições que pretendem Em relação a esta classe de produtores, torna-se falsa, portanto,
escamotear. Porém as crises existem, na verdade porque existem estas a pretendida unidade de produção e consumo.
contradições. Tudo aquilo que eles argumentam contra as crises não Ricardo ao dizer que o único limite com que tropeça a demanda
são mais que contradições escamoteadas, isto é, contradições reais é a própria produção e que esta se encontra limitada pelo capital, isto,
e, portanto, outras tantas razões das crises. A preocupação para se ignorarmos as falsas premissas, quer dizer apenas que a produção
esconder, negar, as contradições significa ao mesmo tempo o reco- capitalista não tem mais medida que o capital, conceito que inclui
nhecimento destas contradições efetivas, mesmo que na sua boa também a força de trabalho incorporada a ele (comprada por ele)
intenção alguns obstinem-se em negá-Ias. como uma de suas condições de produção. Importa portanto saber
Na realidade, o que os operários produzem é mais-valia. Produ- se o capital, como tal, é também o limite do consumo. Pode-se dizer
zindo-a, têm algo que consumir. Tão logo deixam de produzi-Ia, que sim, mas de um modo negativo, ou seja, no sentido de que
seu consumo termina, porque termina sua produção. Porém, quando não pode consumir-se mais do que se produz. Contudo o que inte-
têm aquilo que consumir, não significa que produzam um equiva- ressa é saber se constitui, também, um limite positivo, isto é, se

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se pode e se deve consumir (base da produção capitalista) tudo. o. uso, é possível acontecer que a sorna delas perca, em certas e deter-
que se produz. Ricardo, em sua tese, devidamente analisada, diz minadas condições, uma parte de seu valor de uso.
exatamente o. contrário do. que deveria dizer: que a produção não. Porém, não. estamos no.s referindo. à crise baseada numa pro-
se desenvolve tendo. em vista os limites existentes do. consumo, mas dução. desproporcional, isto. é, numa desproporção referente à distri-
que se encontra limitada pelo. próprio. capital. Isto. constitui, com buição. do. trabalho. social entre os diferentes ramos de produção.
certeza, uma das características do. regime capitalista de produção. Tal problema só cabe quando. se trate da concorrência de capitais.
Conseqüentemente, conforme a premissa tomada como ponto de Temos conhecimento de que a alta ou baixa do. valor comercial,
partida, o. mercado. encontra-se superlotado, po.r exemplo, de tecidos junto. desta desproporção, provoca a retração do. capital de um ramo.
de algodão, os quais são. invendíveis em parte, ou em sua totalidade, de produção e sua remoção para outro, a transferência do. capital
ou só são. vendíveis muito. abaixo. de seu preço, ou melhor, de seu de uns a outros ramo.s da produção. Mas esta compensação traz em
valor. Por enquanto. usaremos "seu valor" porque, ao. estudar a cir- si mesma o. contrário da própria compensação e, portanto, a pos-
culação. .ou o. processo de reprodução, vamos nos deparar todavia sibilidade de uma crise, uma vez que esta pode atuar também co.mo.
corn o. valor sem que nos apareça ainda o. preço. de produção e compensação. Tal forma de crise é reconhecida por Ricardo e outros.
menos ainda o. preço. comercial, Além disso, e tomando todo o. Quando. tratamos do. processo de produção, vimos que todos os
problema em conjunto, deve-se ter em mente que em certos ramos esforços da produção capitalista têm em vista monopolizar a maior
se produz em excesso, permitindo. que em outros se produza muito. quantidade possível de trabalho. excedente, isto. é, materializar a maior
pouco, por causa das crises parciais poderem o.bedecer a uma pro- quantidade possível de trabalho. imediato. com um dado. capital, seja
dução. desproporcional (e abrindo. um parêntesis, que a produção aumentando. o. tempo. de trabalho, seja diminuindo. o. tempo. de traba-
proporcional é sempre resultado. da produção desproporcional ba- lho. necessário. desenvolvendo e aperfeiçoando a capacidade produtiva
seada na concorrência), e uma forma geral desta produção. despro- do. trabalho, a aplicação. da cooperação, a divisão. do. trabalho, a ma-
porcional pode ser a superprodução do. capital fixo. e também, por quinaria etc., em resumo, pela produção em grande escala, mediante
outro lado, a superprodução. do. capital circulante.s Da mesma forma a produção em massa. A produção capitalista subentende, como algo.
que é condição das mercadorias que sejam vendidas por seu valor, essencial, a produção, sem levar em conta o.s limites do. mercado.
que elas só contenham o. tempo. de trabalho. socialmente necessário, Na reprodução partimos primeiramente do. pressuposto de que
em se tratando. de todo um ramo. de produção. do. capital, é uma o. regime de produção permanece o. mesmo, do. jeito. que é durante
condição a que, do. tempo. total de trabalho. da sociedade, só se invista certo. tempo, ainda que a produção se amplie. A massa das merca-
neste ramo. concreto a parte necessária; apenas o. tempo. de trabalho. dorias produzidas cresce po.rque se emprega mais capital; e não. por-
necessário. para satisfazer a necessidade social (da demanda). Inves- que este seja empregado. de modo mais produtivo, Mas o. aumento.
tindo-se mais, poderã acontecer que cada mercadoria por si só encerre unicamente quantitativo. do. capital implica, ao. mesmo. tempo, o. au-
o tempo. de trabalho. necessário, mas a soma delas encerrará mais mento. da capacidade produtiva do. mesmo. E se seu aumento. quan-
do. tempo. de trabalho. socialmente necessário. para todas, da mesma titativo. é resultado. do. desenvolvimento de sua capacidade produtiva,
forma que ainda que cada mercadoria tenha, por si própria, valor de esta cresce, a partir de uma base capitalista mais ampla e mais
desenvolvida. l! uma relação. de mútua interdependência que se esta-
belece. A reprodução sobre uma base mais ampla, a acumulação,
_ 6. Quando as máquinas de fiar foram inventadas. houve uma produ- mesmo. quando. apenas apareça como uma ampliação. quantitativa da
çao em excesso de fios. superior às necessidades das oficinas têxteis.
Este excesso desaparece com o aparecimento de teares mecânicos na produção - como uma produção com mais capital, porém realizada
fabricação de tecidos. nas mesmas condições de produção - ao. atingir determinado. pente

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aparece também qualitativamente como um maior rendimento das de que dispõem para comprar tecidos e outros artigos de consumo
condições onde se desenvolve a reprodução. Dessa forma, a massa se limitam, se reduzem, devido ao mercado conter uma quantidade
de produtos não aumenta somente numa proporção simples, como excessiva de tecido. Além disso tal fato atinge também as outras
ocorre com o capital na reprodução ampliada, ou seja, na acumulação. mercadorias (artigos de consumo). Deparamo-nos imediatamente com
Retomemos o exemplo de tecidos: o fato de que também existe uma superprodução relativa destas, di-
A paralisação do mercado, abarrotado de tecidos, entorpece a minuindo-se os meios necessários para adquiri-Ias e, portanto, a de-
reprodução do capital deste fabricante. Este entorpecimento atinge, manda delas. Ou seja, mesmo que nestes ramos da produção não se
antes de tudo, seus operários. Pois reduzem seu consumo ou deixam produza em excesso, é como se também neles existisse superprodução.
t~Il de ser consumidores absolutos de sua mercadoria, os tecidos, e de- Se a superprodução não atinge apenas os tecidos de algodão,
CI mais artigos que compunham seu consumo. Continuam necessitando mas também os de linho, de seda ou lã, deduz-se prontamente que
1\
I' de tecido para seu vestuário, porém não têm meios necessários para a superprodução destes artigos, mesmo em pouco número, tem grande
comprá-lo: carecem destes meios porque não podem continuar pro- importância e deve obrigatoriamente se traduzir numa superprodu-
duzindo, e não podem fazê-lo porque produziram demais, porque ção mais ou menos geral (relativa) que afete o mercado em sua
no mercado foi acumulada uma grande quantidade de tecido. Para totalidade. Por um lado deparamo-nos com uma massa excessiva de
nada adiantou o conselho de Ricardo de "ampliar sua produção" ou todas as condições de reprodução e com uma massa excessiva de todo
de "produzir algo distinto". Estes operários representam, agora, uma tipo de mercadorias invendíveis no mercado. Por outro lado, estamos
parte da superprodução momentânea; superprodução de operários, diante de um grande número de capitalistas falidos e com uma massa
de produtores de tecidos, neste caso concreto, pois é uma superpro- enorme de operários carentes de tudo e jogados na miséria.
dução de tecidos que acontece no mercado. Contudo, esse argumento tem duas versões. Se é fácil com-
Mas, além dos operários que trabalham diretamente para o ca- preender que a superprodução, quando afeta alguns artigos de con-
pital investido neste ramo têxtil, o estancamento do processo de sumo muito importantes, obrigatoriamente desencadeia uma super-
reprodução desta indústria atinge também os mais variados produ- produção mais ou menos geral, isto não mostra como acontece a
tores: fiadores, cultiva dores de algodão, fabricantes de fusos e teares, superprodução referente àqueles artigos a que nos reportamos. Com
produtores de ferro e carvão etc. Todos estes produtores terão da efeito, o fenômeno da superprodução geral se origina da dependência,
mesma forma paralisado seu processo de reprodução, pois a repro- não somente os operários que trabalham diretamente nestas indús-
dução de tecido é condição determinante da sua própria. E tal fenô- trias, mas dos diversos ramos industriais que produzem, nas fases
meno acontecerá mesmo quando estes não produzam com excesso distintas, preliminares, de seus produtos, seu capital constante. Para
em seus próprios ramos, ou seja, não produzam uma quantidade estes, a superprodução constitui um resultado. Mas, no que concerne
maior do que as que uma próspera indústria têxtil exija e justifique. aos primeiros, de onde provém? Os últimos continuam produzindo,
Estas indústrias têm em comum somente o fato de que não consomem ao passo que os primeiros continuam desenvolvendo sua produção
suas receitas (os salários e lucros) em seu próprio produto, mas no e com esta continuidade da produção parece garantida a progressão
produto dos ramos que produzem artigos de consumo, entre os quais geral das rendas e, conseqüentemente, a de seu próprio consumo.
figura o tecido. Assim, tanto o consumo como a demanda de tecido
diminuem exatamente por haver muitos tecidos no mercado. Da mes-
ma forma também diminuem a demanda e o consumo de todas
aquelas outras mercadorias, ou seja, artigos de consumo onde são
aplicadas as receitas destes produtores indiretos de tecido. Os meios
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