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Volumes
66‑67
Edição
Associação dos Arqueólogos Portugueses
Largo do Carmo, 1200‑092 Lisboa
Tel. 213 460 473 / Fax. 213 244 252
secretaria@arqueologos.pt
www.arqueologos.pt
Direcção
José Morais Arnaud
Coordenação
José Morais Arnaud, Francisco Sande Lemos, Andrea Martins, João Marques e Carlos Boavida
Design gráfico
Flatland Design
Fotografia da capa
José Morais Arnaud
Impressão
Europress, Indústria Gráfica
Tiragem
300 exemplares
Depósito legal
73 446/93
ISSN
0871-2735
47 O mundo funerário da I Idade do Ferro no Sul do actual território português: notas para uma síntese
Francisco B. Gomes
123 Os azulejos das arcadas sob o coro da Igreja de São Roque (Lisboa)
Mariana Almeida, Edgar Fernandes
RELATÓRIOS
153 Associação dos Arqueólogos Portugueses. Relatório da Direcção – 2014
José Morais Arnaud
169 Secção de História da AAP – Relatório de Actividades do Ano 2014. Plano de Actividades
para o Ano 2015
João Marques, Teresa Marques, Carlos Boavida
173 Secção de História da AAP – Relatório de Actividades do Ano 2015. Plano de Actividades
para o Ano 2016
João Marques, Teresa Marques, Carlos Boavida
185 Museu Arqueológico do Carmo / Associação dos Arqueólogos Portugueses. Relatório de Actividades
Coordenadas pela Área da Conservação em 2015
Célia Nunes Pereira
editorial
José Morais Arnaud
Presidente da Direcção
Este volume procura reflectir, como é habitual, a actividade científica desenvolvida pela AAP nos anos de
2014 e 2015, através das suas secções de Pré-História e História e da Comissão de Estudos Olisiponen‑
ses. Porém, como poderão verificar pelos relatórios publicados no final deste volume, só uma parte das
comunicações apresentadas ao longo desses dois anos foi materializada numa publicação. Com efeito,
apesar dos esforços desenvolvidos nesse sentido pelas mesas das secções e comissões, uma parte muito
significativa dos autores de comunicações não chegaram a apresentar os textos das mesmas, acompanha‑
dos da respectiva documentação gráfica. Assim, para não prejudicar demasiado os autores que cumpriram
os prazos, aliás bastante flexíveis, decidiu-se publicar sem mais delongas o presente volume. Como se
poderá verificar pelo índice, dá-se agora à estampa um conjunto muito diversificado de textos sobre vários
períodos cronológicos e abordagens temáticas, onde decerto cada leitor encontrará motivos de interesse,
proporcionando ao mesmo tempo uma panorâmica geral das actividades da AAP.
Nos últimos anos tem-se verificado uma tendência por parte das mesas das secções e da Comissão de
Estudos Olisiponenses para organizar colóquios temáticos, concentrados num só dia, cujos textos seriam
publicados em volumes monográficos, adequando-se, assim, melhor às actuais, embora muito discutíveis,
normas de avaliação da produção intelectual dos bolseiros da FCT. Indo ao encontro dessa tendência, a
Direcção da AAP decidiu criar uma série monográfica, designada Monografias AAP, de que já se publica‑
ram os dois primeiros volumes em 2015, intitulados respectivamente Contextos estratigráficos na Lusitânia
(do Alto Império à Antiguidade Tardia), organizado por José Carlos Quaresma e João António Marques, e
O Neolítico em Portugal antes do Horizonte 2020: Perspectivas em Debate, organizado por Mariana Diniz,
César Neves e Andrea Martins, aguardando-se a entrega pelos respectivos organizadores dos textos refe‑
rentes aos outros colóquios que tiveram lugar em 2014 e 2015. A manter-se esta tendência, verificar-se-á
um esvaziamento gradual da revista Arqueologia e História, cuja vocação, conteúdo, suporte e periodici‑
dade terão que ser repensadas. Entretanto, esperamos que este volume seja do seu agrado.
5
Sessão de Abertura do I Congresso de Arqueologia da AAP, vendo‑se, da esquerda para a direita, a Dr. Isabel Cordeiro, Directora
‑Geral do Património Cultural, Dr. Fernando Nogueira, da Fundação Milennium‑BCP, Dr. António Vermelho do Corral, Presidente da
Assembleia Geral da AAP, Dr.ª Catarina Vaz Pinto, Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, e Dr.ª Inês Cordeiro, Directora
da Biblioteca Nacional de Portugal. Foto: J. M. Arnaud.
1
Associação dos Arqueólogos Portugueses / jemarnaud@gmail.com
2
UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa / Associação dos Arqueólogos Portugueses / m.diniz@fl.ul.pt
3
UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa / Associação dos Arqueólogos Portugueses / c.augustoneves@gmail.com
4
UNIARQ – Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa / Associação dos Arqueólogos Portugueses / andrea.arte@gmail.com
Resumo
Em 2016, a Associação dos Arqueólogos Portugueses submeteu um projecto de investigação para o povoado
Calcolítico de Vila Nova de São Pedro (Azambuja, Portugal), com o objectivo de valorizar, através do conhecimen‑
to científico, um sítio arqueológico com grande destaque no percurso historiográfico da Arqueologia portuguesa.
O presente texto tem como propósito a apresentação do conteúdo, contexto e objectivo do referido projecto
correspondendo, no seu essencial, à componente técnico-científica que foi submetida à avaliação da Direcção
Geral do Património Cultural (DGPC).
Palavras-chave: Vila Nova de São Pedro, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Museu Arqueológico do
Carmo, 3º milénio.
Abstract
In 2016, the Association of Portuguese Archaeologists submitted a research project for the Chalcolithic settle‑
ment of Vila Nova de São Pedro (Azambuja, Portugal), with the aim of value, through scientific knowledge, an
archaeological site with a great prominence in the historiographic development of the Portuguese archaeology.
The purpose of this paper is present the content, context and the main goals of this project, corresponding to
the technical-scientific component submitted to the evaluation of the Directorate-General for Cultural Heritage.
Keywords: Vila Nova de São Pedro, Association of Portuguese Archaeologists, Carmo Archeological Museum,
3rd millennium.
7
Preâmbulo a Pública e a Científica. Em estreita colaboração e
parceria com as entidades locais serão efectuados
O artigo que aqui se apresenta corresponde ao os trabalhos de limpeza do sítio, sinalização e con‑
projecto enviado e aprovado em 2016 pela tutela servação de estruturas, levando também a uma
– Direcção Geral do Património Cultural (DGPC), consciencialização da comunidade para a impor‑
para o povoado Calcolítico de Vila Nova de São tância da protecção do sítio arqueológico.
Pedro (Azambuja, Portugal), tendo sido submetido A ligação à comunidade será ainda realizada
ao plano de Projectos de Investigação Plurianual de através da recuperação das memórias locais, com
Arqueologia (PIPA). Esta apresentação correspon‑ recolha de depoimentos orais dos trabalhadores
derá à primeira publicação integrada neste novo das campanhas realizadas no século XX, habitantes
projecto, sendo a opção pela Arqueologia e Histó de Vila Nova de São Pedro. Esta recolha oral será
ria uma escolha óbvia não só pela ligação do pro‑ também interligada com o registo fotográfico exis‑
jecto à Associação dos Arqueólogos Portugueses tente, levando à criação de um “museu vivo”, com
(AAP) mas, acima de tudo, pelo percurso histórico som e imagem, dos intervenientes nas escavações.
paralelo que Vila Nova de São Pedro e esta institui‑ A raiz deste projecto é a AAP, instituição cente‑
ção detêm desde da década de 30 do séc. XX. nária, no seio da qual foram realizadas as grandes
campanhas em Vila Nova de São Pedro dirigidas por
1. Regressar a Vila Nova de São Pedro Afonso do Paço e Eugénio Jalhay (Jalhay e Paço,
– os materiais, o sítio e as pessoas 1942, 1971; Paço, 1942, 1954, 1960; Paço e Sang‑
meister, 1956). O depósito da grande maioria dos
“Vila Nova de São Pedro, de novo – no 3º milénio” é materiais no MAC faz com que esta instituição seja
um projecto com diversas valências e campos de ac‑ a fiel depositária, não apenas do espólio, mas de
ção cujo principal objectivo é realizar a valorização toda a carga simbólica e científica inerente a este
científica, patrimonial e social do povoado fortifica‑ sítio arqueológico.
do. Este projecto desenvolver‑se‑á em estreita liga‑ Vila Nova de São Pedro continua a ser, apesar de
ção com a Associação dos Arqueólogos Portugue toda a revolução empírica existente, um dos sítios
ses (AAP), pois no Museu Arqueológico do Carmo de referência a nível peninsular para o estudo do
(MAC) estão depositados a maioria dos materiais ar‑ Calcolítico, nomeadamente na problemática dos
queológicos exisitindo, de igual modo, uma sala de povoados fortificados.
exposições dedicada a Vila Nova de São Pedro. Os Com este projecto pretendemos reanalisar a in‑
materiais arqueológicos, o sítio e as pessoas, são os formação disponível à luz da nova realidade científi‑
três pilares sobre os quais o trabalho se desenvolverá. ca, e reintegrar Vila Nova de São Pedro para o mapa
A organização dos estudos prévios, o inventário actual da discussão sobre as transformações econó‑
geral dos materiais recolhidos nas diversas campa‑ micas, sociais e culturais do momento de passagem
nhas e uma nova análise das interpretações de cam‑ das primeiras comunidades agro‑pastoris para uma
po efectuadas anteriormente, permitirá a produção fase de consolidação deste sistema social.
de novas abordagens, novos discursos e novas me‑
todologias de análise. Estas acções possibilitarão 2. Objectivos e linhas de acção
uma valorização dos dados existentes no MAC, do‑
tando a sala destinada a Vila Nova de São Pedro de O objectivo deste projecto é a valorização do povo‑
novos conteúdos científicos e expositivos. ado de Vila Nova de São Pedro através de diversos
Os trabalhos de campo terão como principal campos de acção, que apesar de poderem funcio‑
objectivo a valorização e conservação do espaço nar autonomamente, possibilitarão a criação de um
do povoado, desenvolvendo‑se em duas vertentes: discurso global e articulado sobre a história deste
Figura 1 – Localização de Vila Nova de São Pedro na Península Ibérica e no paleoestuário existente, no Baixo Vale do Tejo (c. 5000 BP).
(base cartográfica: Daveau, [1980] – adaptado). Imagem aérea retirada de Google Earth.
Uma das vertentes dos trabalhos de campo é a escavações (anos 60), e que ainda vivem naque‑
componente de recuperação do património imate‑ la localidade, muitos dos quais de idade bastante
rial, e de ligação com a comunidade local, através avançada, pelo que essa tarefa se reveste de alguma
da recolha de depoimentos dos habitantes de Vila urgência. Estes depoimentos serão, com expressa
Nova de São Pedro que participaram nas antigas autorização dos intervenientes, disponibilizados no
A fase seguinte será destinada à execução de tarefas – Numa primeira etapa será realizado o estudo
estabelecidas após a análise dos resultados das ac‑ e sistematização de todos os elementos reco‑
ções anteriormente descritas: lhidos durante os trabalhos de campo, ou seja,
inventário de materiais, tratamento dos registos
– Caso seja necessário, serão efectuados traba‑ fotográficos, gráficos e cartográficos, e elabora‑
lhos de conservação e restauro em estruturas ção de relatórios;
que mostrem um deficiente estado de conser‑
vação. Esta avaliação será realizada por equipa – Produção de novos conteúdos, face a toda a
especializada em conservação e restauro, que informação recolhida, para a sala de Vila Nova
fará também os trabalhos necessários; de São Pedro existente no MAC. Estes conteú‑
dos serão disponibilizados em diversas platafor‑
– Criação de percurso de visita, com diversos mas digitais conforme referido anteriormente;
pontos de paragem onde estará sinalética e con‑
teúdos produzidos para o local, tendo em vista – Apresentação dos trabalhos realizados em en‑
a simples e correcta percepção pelo visitante. contros científicos (nacional e internacional) e
Esta musealização será efectuada em colabora‑ também para a população local em diversas ac‑
ção com técnico especializado; ções de sensibilização patrimonial;
Resumo
Este artigo pretende apresentar a análise da cultura material, mais concretamente a análise dos materiais cerâ‑
micos, do recinto de fossos da Ponte da Azambuja 2 (Portel, Évora), adotando um perspetiva que visa não só o
enquadramento tipológico dos artefactos mas também a tecnologia da sua execução.
Palavras‑chave: Recinto de fossos, Neolítico Final, Materiais cerâmicos, Sudoeste Peninsular.
Abstract
This paper aims to describe the ceramic analysis of ditched enclosures of Ponte da Azambuja 2 (Portel, Évora),
from a perspective that encompasses both the typological scope of artefacts and their manufacture technology.2
Keywords: Ditched enclosures, Final Neolithic, Ceramic analysis, SW Iberia.
1
O texto que se apresenta resulta da execução da tese de Doutoramento da signatária, correspondendo a um pequeno subcapí‑
tulo da mesma, revisto e resumido (Rodrigues, 2015).
19
1. INTRODUÇÃO diferenciação entre (1) recipientes cerâmicos e (2)
outros materiais cerâmicos, nos quais foram inte‑
O artigo que agora se apresenta, pretende ser o iní‑ grados os fragmentos de colher, de “queijeiras” e
cio de um ciclo de publicações referentes à cultura objetos indeterminados.
material do recinto de fossos da Ponte da Azambuja A remontagem e possíveis associações de frag‑
2 (Portel, Évora), embora já existam artigos publi‑ mentos com características semelhantes, possibili‑
cados anteriormente, dedicados não só a este sítio tou não só a contagem segura do número mínimo de
(Rodrigues, 2008) mas também à sua componente exemplares presentes (Carvalho, 2008), mas também
artefactual, designadamente aos ídolos de cornos avaliar os padrões de fragmentação e eventuais pro‑
e figuras antropomórficas (Rodrigues, 2013), assim cessos deposicionais, culturais ou não‑culturais (Schi‑
como à colecção de fauna mamalógica (Nabais & ffer, 1987), e pós‑deposicionais (Angelucci, 2003),
Rodrigues, 2016) recolhida neste sítio. através da distribuição horizontal e vertical dos ele‑
O presente texto é referente aos materiais cerâ‑ mentos recolhidos (distribuição essa que não é apre‑
micos, estando aqui integrados não só os recipien‑ sentada neste artigo).
tes, mas também outros artefactos elaborados em Assim sendo, iniciou‑se o processo de caracteri‑
argila cozida (e.g. colheres ou “queijeiras”). zação formal, que adotou a tabela tipológica e res‑
Os materiais arqueológicos agora em análise fo‑ petiva caracterização morfológica estabelecida para
ram recolhidos no interior dos dois troços de fossos o Complexo Arqueológico dos Perdigões (Lago et
identificados no sítio – Fosso 1 e Fosso 2 – aquan‑ alii, 1998). Ainda que se tenha ponderado as reser‑
do da abertura das valas para a implementação do vas efetuadas pelos autores do estudo, considera‑se
Aproveitamento Hidroagrícola do Monte Novo – Blo que aquele catálogo é suficientemente abrangente
co 1, Conduta 1.1., cujas características e estratigrafia e caracterizador das produções cerâmicas do Neo‑
foram já anteriormente apresentadas (v. Rodrigues, lítico Final do SW Peninsular, com especial destaque
2008, 2013 e 2015). para o Alentejo Central.
2. METODOLOGIA 3. A AMOSTRA
Tabela 2 – Comparação percentual entre taças carenadas, pratos e cerâmicas mamiladas nos sítios TESP 3 e CB7, de acordo com a
informação disponível bibliograficamente.
Nestes dois sítios, enquadrados na primeira meta‑ recipientes com mamilos / elementos de preensão
de do 3.º milénio a.n.e., verifica‑se que nesta etapa junto ao bordo, prolongando‑se uma tradição que
cronológica há ainda uma preponderância das ta‑ vem já desde o último quartel do 4.º milénio a.n.e.,
ças carenadas sobre os pratos, acompanhada dos conforme os dados de Juromenha 1 e Igreja Velha
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Resumo
Pretende-se compreender a produção das pinturas pré-históricas através do estudo de diversos abrigos com arte
esquemática em Portugal e Espanha. O objectivo é saber a composição química e mineralógica dos pigmentos
pré-históricos, tendo sido utilizadas diversas técnicas micro-analíticas.
Os resultados do trabalho de campo indicam que as pinturas vermelhas são maioritariamente compostas por
hematite, as de coloração preta por carvão e as figuras brancas foram executadas através da utilização de gesso,
calcite ou cera de abelha.
Palavras-chave: Pintura Rupestre Esquemática, Arqueometria, Pigmentos, Península Ibérica.
Abstract
This paper explores the processes involved in the production of prehistoric paintings and the focus of research in‑
volves rock-shelters in Portugal and Spain. The aim of this work was to obtain information about the chemical and
mineralogical composition of the prehistoric pigments. During the investigation several different micro-analytical
techniques have been applied.
The analyses of the prehistoric pigments were performed on the base of two molecular spectroscopy meth‑
ods as EDxrf and micro-Raman spectrometry. The scanning electron microscopy coupled with energy-dispersive
x-ray detector (SEM/EDX) was additionally applied to achieve the elemental composition of pigment at the level
of individual pigment grains.
Results from our fieldwork and research indicate that paintings containing red pigmentation are mainly com‑
posed by hematite; the black ones are made by a charcoal and the white figures are made by gypsum and kaolin,
calcite or beeswax. Based on laboratory work, were also identified some of the preparation techniques, such as
crushing, and probable thermal-treatment.
Keywords: Schematic rock art painting, Archaeometry, Pigments, Iberian Peninsula.
43
O PROJECTO: ANÁLISES E RESULTADOS pectroscopia Raman, microfluorescência de raios‑x
(EDXRF), espectroscopia de varrimento eletrónico
Esta investigação foi realizada no âmbito do projeto (SEM), e por microscopia óptica. Dentro dos estu‑
Rupscience: Análise de Cadeias operatórias, Arque‑ dos de arte rupestre, esta abordagem científica é
ometria, tecnologia e cronologia da Arte Rupestre considerada relativamente recente.
pintada. Esta abordagem utiliza materiais principal‑ Os abrigos com pinturas datam do Neolítico à
mente de Portugal e Espanha (PTDC / HIS‑ARQ / Idade do Bronze, são semelhantes em estilo e for‑
101299/2008. FCT); E visa estabelecer, em pri‑ mam parte da denominada arte rupestre esquemá‑
meiro lugar, a caracterização química‑mineralógica tica muito mais ampla dentro da Europa Ocidental.
de pinturas de arte esquemática do sudoeste da Na Península Ibérica, foram selecionados os abri‑
Península Ibérica e, por outro, levantar questões gos Pego da Rainha, Lapa dos Coelhos, Lapedo 1,
sobre a preparação, produção e conservação de Ribeiro das Casas e Segura no centro de Portugal,
pigmentos pré‑históricos. Estes pigmentos foram enquanto na Extremadura espanhola La Calderita e
analisados usando técnicas arqueométricas que Friso del Terror no Parque Nacional de Monfrague
permitiram a caracterização de cada componente (Figura 1, 2, 3).
mineralógico, particularmente, a aplicação da es‑
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Resumo
A documentação referente às práticas funerárias sidéricas no Sul do actual território português reveste-se de uma
notável riqueza e complexidade, que tem vindo de resto a ser incrementada nos últimos anos por uma série de
trabalhos que vieram acrescentar importantes dados para a análise do fenómeno da morte durante a I Idade do
Ferro na área em apreço. O presente contributo constitui uma sucinta resenha do panorama actualmente dispo‑
nível, insistindo no facto de o carácter diversificado e fragmentado desse panorama constituir um reflexo fiel da
diversidade das comunidades que ocuparam, durante a 1ª metade do I milénio a.n.e., o Sul de Portugal.
Palavras-chave: Necrópoles, Práticas funerárias, I Idade do Ferro, Alentejo, Algarve.
Abstract
The information concerning the Iron Age funerary practices in the Southern Portuguese territory is characterized
by a notable richness and complexity which has been increasing in recent years dues to a number of interventions
which have yielded very important data for the analysis of the phenomenon of death during the Early Iron Age in
the area under study. This contribution aims to present a short review of the currently available panorama, while
insisting on the fact that the diversified and fragmentary nature of that panorama constitutes an accurate reflection
of the diversity of the communities which occupied the South of Portugal in the early 1st millennium BCE.
Keywords: Necropolis, Funerary practices, Early Iron Age, Alentejo, Algarve.
47
1. Observações prévias hoje bastante bem caracterizada (Arruda, 1999
‑2000). Pelo contrário, o registo funerário destas
A abundância de dados relativos às práticas funerá comunidades ditas “Orientalizantes” do litoral con
rias da Idade do Ferro no Sul do actual território tinua a ser bastante mal conhecido. De facto, dos
português e a diversidade do panorama decorren relativamente abundantes sítios de habitat conheci
te desses dados têm vindo a ser recorrentemente dos apenas dois – Alcácer do Sal e Tavira – revelaram
assinaladas pela investigação que se ocupa deste dados concretos relativos às práticas funerárias das
período histórico, tendo já sido objecto de diversas populações ali instaladas.
sínteses (Torres, 1999; Arruda, 1999‑2000; 2004; Até recentemente, de facto, a necrópole do Oli-
Cardoso, 2000; Mataloto, 2013) que contribuíram val do Senhor dos Mártires (OSM), correspondente
para situar as numerosas e diversificadas necrópoles ao povoado que subjaz ao Castelo e ao Centro His
conhecidas no processo histórico desenvolvido du tórico de Alcácer do Sal (Silva et al., 1980‑1), consti
rante o I milénio a.n.e. na fachada atlântica peninsular. tuía o único caso conhecido em território português
Não obstante, tem‑se assistido nos últimos anos de uma necrópole directamente relacionada com
a um incremento sistemático da informação dispo um povoado enquadrável neste horizonte cultural.
nível, resultante tanto de novos trabalhos de campo Identificado já nos finais do século XIX, este con
como da reapreciação de sítios, contextos e mate junto funerário conheceu, ao longo do século XX,
riais conhecidos desde há muito. Neste contexto uma rica mas irregular história de investigação, in
parece oportuno traçar, mesmo que de forma sucin cluindo trabalhos de escavação nunca sistematica
ta, um estado da questão com respeito às práticas mente publicados (Correia, 1925; 1928; Paixão,
funerárias sidéricas, procurando sumariar os desen 1970; 1983) e numerosos estudos de materiais (Al
volvimentos que vieram enriquecer o quadro ante meida & Ferreira, 1962; Pereira, 1962; Brito, 1969;
riormente conhecido. Schüle, 1969; Ponte, 1985; Rouillard et al., 1988‑9;
Na presente contribuição centrar‑me‑ei nos da Frankenstein, 1997), infelizmente sempre muito se
dos respeitantes ao Baixo Alentejo e ao Algarve, na lectivos e parciais.
medida em que os importantes dados que se têm Apesar das sérias lacunas geradas pela falta de
vindo a acumular sobre as práticas funerárias sidéri um registo de campo detalhado e pela ausência
cas no Alentejo Central foram objecto de uma sínte de um estudo integral dos espólios, que só recen
se recente (Mataloto, 2013), muito mais qualificada temente se iniciou2, foi ainda assim possível traçar,
do que aquela que poderia aqui dedicar‑lhe. nos finais do século passado, sínteses gerais que or
Para efeitos de organização agruparei a infor denaram e discutiram a informação disponível (Fa
mação disponível em quatro grandes apartados – bião, 1998: 350‑366; Arruda, 1999‑2000: 72‑86),
necrópoles “Orientalizantes”, de cistas, tumulares estabelecendo as bases dos actuais conhecimen
e com recintos – embora tendo plena consciência tos sobre a necrópole e a sua complexa sequência
que esses grandes blocos abarcam realidades que de utilização.
não são necessariamente homogéneas. Com efeito, o OSM, além de representar um
raro exemplo das práticas funerárias das etapas ini
2. As necrópoles “Orientalizantes” ciais da Idade do Ferro, apresenta também uma in
do litoral vulgar diversidade de soluções funerárias demons
trando não apenas uma considerável diversidade
A emergência, na transição para a Idade do Ferro,
de uma rede de estabelecimentos instalados na orla 2
No quadro do projecto de Doutoramento que venho de
litoral que denunciam uma matriz cultural fortemen senvolvendo, intitulado “Contactos culturais e discursos identi
te influenciada por estímulos orientais encontra‑se tários na I Idade do Ferro do Sul de Portugal (sécs. VII‑V a.n.e.).
O MUNDO FUNERÁRIO DA I IDADE DO FERRO NO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS: NOTAS PARA UMA SÍNTESE 49
Também parece relativamente consensual que as pulturas do 2º Tipo, que representam a introdução
sepulturas do 3º Tipo, embora possam ter convivi‑ de uma modalidade ritual algo distinta, a incinera‑
do no tempo com as do tipo anterior, surgem mais ção em ustrinum com a posterior deposição secun‑
tarde que aquelas, perdurando igualmente até mais dária das cinzas num contentor cerâmico. A sua
tarde. Esta relação parcial de posterioridade pode posição na sequência cronológica e cultural da ne‑
aferir‑se, particularmente, a partir da leitura da plan‑ crópole é difícil de estabelecer, sobretudo porque
ta publicada por A. Cavaleiro Paixão (1983: fig. 4), os espólios que se lhe associavam parecem ter sido
onde se verifica a implantação de sepulturas deste particularmente parcos, o que dificulta a aferição da
tipo sobrepostas a outras do 4º Tipo (Fig. 2). sua cronologia.
Já a natureza dos espólios atribuídos a estas se‑ Contamos, ainda assim, com a própria tipolo‑
pulturas, incluindo lucernas de um só pico, lanças, gia dos contentores cinerários, correspondentes
facas afalcatadas, fíbulas anulares hispânicas, fechos ao tipo das chamadas urnas “Cruz del Negro” (Fig.
de cinturão de tipo “céltico” e “tartéssico” bem como 3), que permite algumas precisões a esse respeito.
braceletes de tipo xorca (cf. Arruda, 1999‑2000: Como tive recentemente oportunidade de assinalar
78‑9), e que demonstram certas concomitâncias (Gomes, no prelo a), os contentores deste tipo pu‑
com os do tipo anterior mas também algumas dife‑ blicados (Frankenstein, 1997: Láms. 48‑50) podem
renças significativas, permitiu datá‑las entre os finais assimilar‑se, respectivamente, aos Tipos 5, 3 e 4
do século VII e inícios do V a.n.e. (idem: 81), de‑ definidos para os exemplares de Medellín (Torres,
monstrando assim uma contemporaneidade parcial 2008: 640‑648), para os quais se propôs uma cro‑
destes dois tipos. nologia entre os finais do século VII e os inícios do
Mais problemático é o enquadramento das se‑ VI a.n.e..
Figura 3 – Urnas “Cruz del Negro” do Olival do Senhor dos Mártires (seg. Frankenstein, 1997).
Esta cronologia advogaria a favor da hipótese da pecífica, e a formas difíceis de precisar de cerâmica
precocidade deste tipo de deposições bem como de engobe vermelho –, a hipótese de uma datação
de uma convivência relativamente prolongada en‑ mais tardia, centrada no século VI a.n.e. e em parti‑
tre este e os anteriormente comentados (Fabião, cular na segunda metade daquela centúria (Arruda,
1998: 356‑7; cf. tb. Torres, 1999: 115) embora, na 1999‑2000: 81) permaneça válida.
ausência de outros indicadores – os restantes es‑ Independentemente da afinação da cronologia
pólios associados a estas sepulturas resumem‑se a deste tipo de deposições o que parece hoje relati‑
lucernas de um só pico, de cronologia pouco es‑ vamente claro é que esta nova fórmula de tratamen‑
O MUNDO FUNERÁRIO DA I IDADE DO FERRO NO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS: NOTAS PARA UMA SÍNTESE 51
abundantes no Algarve, quer em ambientes sub riqueza bastante consideráveis, como no caso da
‑litorais – caso das necrópoles da Fonte Velha Herdade do Gaio onde, independentemente da
de Bensafrim (Lagos) (Veiga, 1891; Rocha, 1972; sua difícil contextualização, se documentaram nu‑
Viana, Formosinho & Ferreira, 1953: 2‑5; Arruda, merosos elementos sumptuários, incluindo o céle‑
1999‑2000: 57), Cômoros da Portela (Silves), bre conjunto áureo de gargantilha e arrecadas, de
Père Jacques (Aljezur) e Alagoa (Loulé) (cf. Arruda, clara tradição oriental, a par de um amuleto de tipo
1999‑2000: 57‑8) ou da cista dos Gregórios (Sil‑ egípcio, de um volumoso conjunto de contas de
ves) (Barros et al., 2005) – quer já em contextos do pasta vítrea e de dois unguentários dessa mesma
interior serrano, onde se destaca a necrópole do matéria‑prima (Costa, 1966; 1972; Arruda, 1999
Cabeço da Vaca (Alcoutim) (Cardoso & Gradim, ‑2000: 96‑7).
2006; 2008). Também na Fonte Velha de Bensafrim se nota a
A presença de necrópoles deste tipo não se li‑ presença de um espólio relativamente abundante,
mita, contudo, a esta região, estando também do‑ ainda que muito padronizado, incluindo os bem
cumentada em território alentejano, quer no litoral conhecidos conjuntos de contas de pasta vítrea
– a necrópole de onde provém o célebre Tesouro já ilustrados por E. da Veiga (1891) ou um curioso
do Gaio (Sines) parece ter sido constituída por mo‑ disco de ouro, recentemente reanalisado (Vilaça &
numentos deste tipo (Costa, 1966; 1972; Arruda, Armbruster, 2012). Os elementos de colar em pas‑
1999‑2000: 96‑7) – quer mesmo no interior, como ta vítrea repetem‑se na cista dos Gregórios, a par
bem exemplifica o caso da necrópole de Corte de uma lança de ferro (Barros et al., 2005: fig. 4),
Margarida (Aljustrel) (Deus & Correia, 2005). e nas de Corte Margarida, associando‑se aqui a um
Esta dispersão geográfica coincide, pelo me‑ amuleto egípcio e a dois ornitomorfos de cerâmica
nos parcialmente, com a das necrópoles de cistas (Deus & Correia, 2005: figs. 2‑3), com paralelos nas
da Idade do Bronze, também elas particularmente necrópoles tumulares de Ourique.
características do território algarvio (Gomes et al., Bastante mais modestos, no seu conjunto, são
1986; 2002; Gomes, 1994; Parreira & Barros, 2007) os espólios exumados na necrópole do Cabeço da
e do litoral alentejano (Silva & Soares, 1979; 2009), Vaca, embora também aí se identifiquem pontual‑
mas também do interior alentejano (v. Soares, 1994; mente elementos de adorno, neste caso uma conta
Soares et al., 2009: 437‑440), facto muito sugesti‑ em cornalina (Cardoso & Gradim, 2006: 217). Apar‑
vo que deverá, de futuro, ser analisado de forma te este elemento isolado, caberia ainda destacar a
mais substancial. presença de armamento, em particular um par de
Por outro lado, e apesar da considerável disper‑ pontas de lança ou de dardo em ferro (idem: fig. 18)
são geográfica assinalada, estes conjuntos funerá‑ e um interessante punhal de lâmina recta com guar‑
rios compartem alguns rasgos dignos de nota. Em da de prata (Cardoso & Gradim, 2008: fig. 14).
primeiro lugar, pode assinalar‑se o quase comple‑ Ainda sobre esta última necrópole julgo impor‑
to desconhecimento do enquadramento territorial tante salientar que, se os espólios são de um modo
destas necrópoles; tanto quanto sei, em nenhum geral sóbrios e modestos por comparação com os
caso foi ainda possível associar um destes conjuntos conjuntos antes comentados, o investimento na
funerários a um povoado concreto, o que poderá monumentalização do espaço funerário é aqui cla‑
sugerir que correspondem a um modelo de povo‑ ramente superior ao verificado em qualquer outra
amento disperso e difícil de detectar. necrópole de cistas sidérica, como se pode inferir
Do ponto de vista dos espólios o conjunto des‑ pela presença de empedrados envolvendo algu‑
tas necrópoles oferece também similitudes dignas mas das sepulturas que, no caso da cista do cha‑
de nota mas também algumas assimetrias não des‑ mado Núcleo II (Cardoso & Gradim, 2008) adquire
piciendas. Estão documentadas concentrações de mesmo, como reconhecem os responsáveis do seu
estudo, um aspecto practicamente tumular (Fig. 4), entanto a sua associação (directa ou indirecta) a um
reminiscente de soluções construtivas próprias do volumoso conjunto de contas de colar de pasta ví‑
mundo interior alentejano. trea, elementos cuja importação massiva no Ociden‑
Quanto ao enquadramento cronológico deste te Peninsular parece iniciar‑se apenas no século VI
grupo de manifestações funerárias, cumpre precisar a.n.e. (Arruda et al., no prelo a; contra Jiménez Ávila,
que o mesmo se encontra totalmente dependente 2001, que propõe cronologias todavia mais baixas,
da análise dos espólios que, como ficou dito acima, dos séculos V‑IV a.n.e.), bem como de dois unguen‑
nem sempre oferecem elementos de juízo tão finos tários da mesma matéria‑prima de tipologias cuja
como seria desejável. Julgo, contudo, que a maioria, presença no Extremo Ocidente não parece recuar
senão mesmo a totalidade destes conjuntos funerá‑ para além do século V a.n.e. (Jiménez Ávila, 2001:
rios poderá situar‑se no período entre os séculos VI 117) levaria a considerar esses elementos como resi‑
e V a.n.e., tal como recentemente se defendeu para duais ou arcaizantes.
os casos algarvios (Parreira & Barros, 2007: 99; cf. tb Estas considerações são, por outro lado, extensí‑
Cardoso & Gradim, 2006: 223; 2008: 114). veis aos restantes conjuntos funerários deste grupo,
É certo que na Herdade do Gaio se recuperaram onde as contas de colar de pasta vítrea são recorren‑
elementos que poderiam advogar por uma cro‑ tes. Outros materiais, como é o caso dos elementos
nologia mais recuada (Arruda, 1999‑2000: 97), no de armamento, apoiam igualmente esta adscrição
O MUNDO FUNERÁRIO DA I IDADE DO FERRO NO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS: NOTAS PARA UMA SÍNTESE 53
cronológica (Cardoso & Gradim, 2006: 217‑221). Estas necrópoles, associadas a pequenos nú‑
Neste sentido, as necrópoles de cistas analisa‑ cleos habitacionais dispersos no território de ca‑
das coincidiriam, cronologicamente, com a etapa fi‑ racterísticas eminentemente rurais (Beirão, 1986:
nal do horizonte dito “Orientalizante” do litoral e, so‑ 103‑122; Arruda, 2001: 210‑239), configuram uma
bretudo, com o horizonte dito “Pós‑Orientalizante” densa malha de ocupação sem paralelos, de mo‑
do interior, com o qual foram já assimiladas (Parreira mento, no restante território alentejano. A sua prin‑
& Barros, 2007: 99), podendo mesmo estender‑se cipal característica definitória reside na sua peculiar
até momentos já enquadráveis na II Idade do Ferro, arquitectura, cujo aspecto mais marcante reside na
se aceitarmos a integração da necrópole do Casa‑ construção de monumentos tumulares de distintas
lão (Sesimbra) (Serrão, 1964) no limite inferior deste morfologias assinalando as sepulturas os quais, por
grupo, como noutro lugar propus (Gomes, 2013). sua vez, se adossam entre si tendendo a formar mo‑
Independentemente das reticências que me pro‑ les pétreas que assumem, nalguns casos, grandes
voca o conceito de “Pós‑Orientalizante”, e que tive dimensões, como na paradigmática necrópole de
já oportunidade de expor anteriormente (Gomes, Fernão Vaz (Correia, 1993: fig. 1).
2014: 28‑29), devo assinalar que o pouco que se Esta peculiar tradição arquitectónica apresenta
pode entrever das comunidades que enterraram os inegáveis similitudes com a das necrópoles tumula‑
seus mortos nas necrópoles de cistas que venho co‑ res da Idade do Bronze documentadas, justamente,
mentando permite identificar numerosos pontos de na região de Ourique, em particular as de Alcaria
contacto com esse horizonte cultural definido a partir e Atalaia (Schubart, 1975), facto já assinalado (Bei‑
da documentação baixo‑alentejana (Arruda, 2001). rão, 1986: 49; Arruda, 2001: 283; Vilhena, 2008:
Existem evidentes concomitâncias, como adian‑ 380‑1) mas que merece, de futuro, uma análise mais
te veremos, ao nível dos espólios funerários, mas substancial.
também ao nível das lógicas de ocupação do terri‑ A restituição da sequência evolutiva destes mo‑
tório, que parecem ter privilegiado um povoamen‑ numentos tumulares constituiu um dos eixos fun‑
to rural disperso na paisagem, e ao nível do investi‑ damentais da investigação. O principal contributo
mento preferencial no espaço da morte enquanto para essa restituição deve‑se aos trabalhos de V. H.
cenário de representação social e comunitária, Correia que, apoiando‑se na estratigrafia horizontal
numa dinâmica de amplo espectro, transversal a vá‑ das necrópoles e nos parcos elementos de juízo dis‑
rios dos grupos aqui comentados, e que merecerá poníveis para o estabelecimento da sua cronologia,
em trabalhos futuros ser aprofundada. estabeleceu uma proposta de faseamento (Correia,
1993: 356‑360) que a investigação posterior tem
4. NECRÓPOLES TUMULARES geralmente aceitado (cf. Arruda, 2001).
A sequência proposta por aquele investigador
Os trabalhos desenvolvidos por C. de Mello Beirão inclui quatro etapas: 1) monumentos circulares (de
e pelos diversos investigadores que com ele cola‑ grandes dimensões); 2) monumentos rectangulares
boraram na região de Ourique permitiram identificar dotados de câmara sepulcral destacada; 3) monu‑
um grupo de manifestações arqueológicas enqua‑ mentos rectangulares cobrindo fossas sepulcrais;
dráveis na I Idade do Ferro que se revestem de uma 4) monumentos em “pi” (Correia, 1993: 360). A su‑
marcada personalidade arqueográfica, dentre as cessão destas distintas soluções construtivas parece
quais mereceram particular atenção os numerosos inegável à luz dos dados arquitectónicos, no entan‑
conjuntos funerários então identificados (Dias, Bei‑ to a sua respectiva datação constitui um problema
rão & Coelho, 1970; Dias & Coelho, 1983; Beirão, mais difícil de abordar.
1986; Beirão, 1990; Correia, 1993; cf. tb. Arnaud, Na proposta original de V. H. Correia adoptaram
Martins & Ramos, 1994; Soares & Martins, 2013). ‑se cronologias que hoje parecem excessivamente
O MUNDO FUNERÁRIO DA I IDADE DO FERRO NO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS: NOTAS PARA UMA SÍNTESE 55
Figura 6 – Planta da necrópole da Nora Velha 2 (Ourique) (seg. Vilhena, 2008).
O MUNDO FUNERÁRIO DA I IDADE DO FERRO NO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS: NOTAS PARA UMA SÍNTESE 57
Viana aquando da sua destruição (Viana, 1945: 311). geológico de morfologia rectangular e secção sim‑
Embora o estudo sistemático deste grupo de ples ou escalonada, cujo sistema de cobertura, nos
necrópoles se encontre ainda num estado embrio‑ casos em que pôde detectar‑se, se compunha de
nário, haveria não obstante a assinalar que os dados lajes pétreas (Santos et al., 2009; Salvador Mateos
disponíveis sugerem a existência, também aqui, de & Pereira, 2012; Arruda et al., no prelo b). Importa
um núcleo arqueográfico com uma marcada iden‑ contudo notar que na documentação preliminar pu
tidade própria. As necrópoles já conhecidas com‑ blicada se encontram também referências a hipotéti‑
partem, com efeito, determinados caracteres que cos casos de incinerações (Santos et al., 2009: 770
permitem aproximá‑las e estabelecer algumas ob‑ ‑775; Salvador Mateos & Pereira, 2012: 321 e fig. 10)
servações preliminares de conjunto. cujo significado se encontra ainda por avaliar.
Desde logo, do ponto de vista territorial, estas O rasgo mais característico destas necrópoles
necrópoles constituem um núcleo bastante denso consiste, contudo, na presença de estruturas negati‑
cuja componente doméstica permanece, contudo, vas de tipo fosso circundando determinadas sepultu‑
mal caracterizada. São, de facto, virtualmente desco‑ ras que aparentemente delimitam recintos funerários
nhecidos os povoados a que corresponderão estes com a evidente intenção de destacar esses contextos
núcleos funerários, o que sugere também aqui um funerários no conjunto da necrópole. Documentou
modelo de povoamento disperso e de escassa enti‑ ‑se parte de um destes fossos na necrópole de Pa‑
dade, o que não deixa de ser paradoxal quando se lhais (Santos et al., 2009: 775‑777), ao passo que na
considera a riqueza dos espólios funerários (cf. infra). Carlota se puderam documentar um total de cinco
Por outro lado, do ponto de vista ritual, a inuma‑ recintos, dos quais os Recintos 1 e 2, por um lado,
ção parece ser predominante, tendo as deposições e 3 e 4, por outro, se encontravam geminados (Sal‑
sido realizadas em fossas escavadas no substrato vador Mateos & Pereira, 2012: fig. 2) (Fig. 7); curio‑
Figura 7 – Planta da necrópole da Carlota (Beja) (seg. Salvador Mateos & Pereira, 2012).
O MUNDO FUNERÁRIO DA I IDADE DO FERRO NO SUL DO ACTUAL TERRITÓRIO PORTUGUÊS: NOTAS PARA UMA SÍNTESE 59
a distintos níveis – local, regional, supra‑regional –, ARRUDA, A. M., COVANEIRO, J. & CAVACO, S. (2008) – A Ne-
que as distintas comunidades forjarão os seus pró‑ crópole da Idade do Ferro do Convento da Graça, Tavira. Xelb, 8,
p.117‑135.
prios discursos identitários, combinando, em dis‑
tintas proporções, elementos de fundo local com BARROS, P. (2008) – Mértola durante os séculos VI e V a.C. In:
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Um dos principais desafios da investigação fu‑
tura é, precisamente, analisar esses discursos iden‑ BARROS, P.; BRANCO, G., DUARTE, C. & CORREIA, J. (2008) –
titários e tentar compreender as lógicas sociais e A cista dos Gregórios (Silves). Xelb, 5, 41‑52.
políticas subjacentes à sua construção, tarefa para a BEIRÃO, C. de M. (1986) – Une civilisation Protohistorique du Sud
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Actas do I Encontro Nacional de Arqueologia Urbana, p.87‑101.
Lisboa: IPPC.
1
Instituto de Arqueologia e Paleociências UNL / Associação dos Arqueólogos Portugueses / cmpboavida@gmail.com
2
Bolseira pós-doc FCT / Instituto de Arqueologia e Paleociências UNL / Instituto de História Contemporânea UNL / ARPA – Arqueologia
e Património, Lda. / Associação dos Arqueólogos Portugueses / tmcasimiro@fcsh.unl.pt
3
Instituto de Arqueologia e Paleociências UNL / ARPA – Arqueologia e Património Lda. / telmoaps@gmail.com
Resumo
A ARPA – Arqueologia e Património Lda. tem desenvolvido ao longo dos últimos cinco anos diversos trabalhos
arqueológicos preventivos, no âmbito de diferentes intervenções urbanas de manutenção e substituição de in-
frastruturas de electricidade, telefone, água e saneamento em vários arruamentos do Centro Histórico de Santa-
rém, conjunto urbano em vias de classificação.
Se em muitos dos locais pouco ou nada foi encontrado, noutros, face aos vestígios identificados no âmbito
desses acompanhamentos, foi necessário proceder à escavação e registo integral desses contextos.
Até ao momento foram localizadas diversas estruturas negativas e positivas, onde se incluem cerca de meia
centena de silos e fossas de despejo, parte de uma necrópole islâmica, fundações de vários edifícios, assim
como uma extensa rede de condutas de saneamento oitocentistas em alvenaria.
Palavras‑chave: Santarém, Arqueologia urbana, Evolução urbanística.
Abstract
Over the past five years, the archaeological company ARPA undertook several preventive archaeological digs
in some streets of Santarém. A major part of those works were made due to the maintenance or replacement of
infrastructures for electricity, telephone, water and sanitation.
If in most of the places little or nothing has been found, in others the evidence found led to the need of their
full excavation and recording.
So far several positive and negative structures have been discovered, such as an Islamic necropolis, about fifty
storage pits, some building walls and an extensive network of sewers masonry pipes from the nineteenth century.
Keywords: Santarém, Urban archaeology, Urbanistic evolution.
* Além das intervenções arqueológicas ocorridas até à data da comunicação a que este artigo se refere, são ainda mencionadas
as que tiveram lugar até ao final de 2013, em parte integradas em projectos iniciados anteriormente (Largo Pedro Álvares Cabral
e Rua Vila Belmonte) e Rua Luís de Camões. Os achados ocorridos num desses locais levaram à alteração do título do artigo que
originalmente era “Do Islâmico ao Contemporâneo: oito séculos de Arqueologia nas ruas de Santarém”
63
1. ENQUADRAMENTO o Centro Histórico de Santarém, tenham entre os
seus intervenientes de campo um arqueólogo. As‑
De acordo com a legislação portuguesa actualmen‑ sim, no cumprimento daquela norma, por diversas
te em vigor é necessário que quaisquer interven‑ vezes, a ARPA foi contactada e contratada para a
ções realizadas em áreas classificadas ou em vias realização desses trabalhos, em obras de carácter
de classificação, como sucede no último caso com público e privado.
Figura 2 – A – Espólio recuperado no Largo de Santiago; B e C – Silo na Rua Ivens, 100. Fotos e desenho T. Casimiro.
No decurso da obra foram ainda picadas as paredes nástica que ocupou anteriormente aquele espaço,
e demolido pequeno compartimento que albergava pois trata‑se do antigo Convento de Nossa Senhora
uma casa‑de‑banho. Além de não se terem encon‑ de Jesus do Sítio, conhecido como o Hospital da
trado outros vestígios patrimoniais, verificou‑se que Misericórdia desde a criação daquele na segunda
estas construções teriam sido já alteradas em perío‑ metade do século XIX (Mendonça, 2000).
do contemporâneo recente (Casimiro, 2011: 8). Numa intervenção em 2009, da responsabilida‑
Embora os arqueólogos só tenham sido contac‑ de da Câmara Municipal de Santarém, foram aber‑
tados e estado presentes no terreno após o início tas algumas caldeiras para a colocação de árvores
dos trabalhos, no n.º 27 da Rua Dr. Jaime Figueiredo na Praça Visconde da Serra do Pilar, do lado Norte
(Casmiro & Silva, 2011: 5) e no edifício da Santa Casa da Igreja de Marvila. Apesar de terem sido identi‑
da Misericórdia (Largo Cândido dos Reis) foram re‑ ficados alguns enterramentos e os vestígios de um
colhidos diversos artefactos de Época Moderna. pavimento, visto estarem abaixo da cota de afecta‑
No último caso, esses vestígios poderão indicar a ção da obra, após o seu registo permanceram in situ.
presença de lixeira utilizada pela comunidade mo‑ Anteriormente, em 2005, igualmente do lado Nor
te da Igreja de Marvila, haviam sido identificados al‑ Devido a factores alheios aos trabalhos arqueológi‑
guns enterramentos de cronologia islâmica (Pinto & cos, mas também para evitar maiores transtornos à
Santos1, 2005a). população, a obra teve lugar em 3 fases.
Em meados de 2013, durante a instalação de Mais uma vez a vala foi aberta no local onde se
cabos de média tensão para fornecer energia a uni‑ encontravam as infrastruturas a substituir, diminuindo
dade hospitalar localizada na Rua Luís de Camões, assim danos em património eventualmente existente
foram identificados cerca de meia dúzia de silos, os no subsolo. Na primeira fase foi aberto o percurso
quais foram intervencionados apenas na área afecta‑ entre o Governo Civil e o Terreirinho das Flores, pas‑
da pela abertura da vala. sando pelo Largo de Mem Ramires (antigo Largo do
Os silos encontravam‑se parcialmente destruí‑ Barão) e com uma ligação à Rua 15 de Março. Ante‑
dos pela presença de canalizações e estruturas afins, riormente, muito próximo destes locais foram iden
tendo parte deles sido já registados em 2003 no âm‑ tificadas diversas estruturas da cidade medieval,
bito do Projecto Almargem (Batata, Barradas & Sou‑ nomeadamente as fundações da Porta de Atamarma
sa, 2005a), apresentando‑se a área intervencionada (Cardoso, Almeida & Mendes, 2001) e cerca de uma
por aqueles trabalhos protegida por areia e manta dezena de silos (Mendes, 1998; Almeida, 1999).
geotêxtil. Alguns dos silos agora encontrados apre‑ Durante os trabalhos levados a efeito pela ARPA
sentam as suas paredes cobertas por espessa cama‑ constatou‑se que praticamente todos os arruamen‑
da de argamassa branca. Durante os trabalhos de tos do percurso já tinham sido alvo de intervenções
acompanhamento da obra de reabilitação do edifí‑ profundas ao nível do subsolo, para substituição de
cio onde a unidade hospitalar foi instalada também condutas de água e saneamento, sendo o espólio
foram identificados alguns silos (Santos, 2011).2 recuperado raro e descontextualizado. A única ex‑
cepção a este facto verificou‑se nas Escadinhas do
3. UMA VALA DE MAIORES DIMENSÕES Carmo, onde se recolheu grande quantidade de
materiais de cronologia moderna (cerâmica, fauna,
A necessidade de substituir quatro cabos de média vidros e metais), dispersos por toda a vala, mas com
tensão e consequente manutenção da rede eléctri‑ especial incidência no topo do escadório, junto ao
ca levou à abertura de uma extensa vala (com cerca edifício do Governo Civil, antigo Convento do Car
de 700 m), atravessando parte do Centro Histórico, mo. Considerou‑se que tal situação poderá ser re‑
entre o Governo Civil e o Convento das Capuchas. sultado da presença de antiga lixeira utilizada pela
comunidade religiosa que ali residia (Boavida, Casi‑
miro & Silva, 2016).
2
Responsáveis científicos do Projecto de Requalificação da
Rua 1.º de Dezembro. Dados conforme informação na página Na parte baixa das escadas, do lado norte, junto ao
online da empresa CRIVARQUE. monumento da Atamarma foram colocados à vista
Figura 5 – A – Vista geral de um dos ustrina; B – Fragmentos de unguentários em vidro; C – Pote cerâmico. Fotos: C. Boavida; desenho:
C. Boavida.
Figura 7 – A – Vista geral dos silos no corte Norte da Travessa das Capuchas (6, 10 e 11); B – Escavação do silo 9 com infrastruturas na
parte superior; C – Pormenor do revestimento no interior do silo 8; D – Escavação do silo 5 com infrastruturas na parte superior e parte da
necrópole; E – Silo 19 e tampa in situ; F – Silo 13 no corte Oeste do Largo Pedro António Monteiro. Fotos: T. Silva, F. Oliveira, T. Casimiro
e C. Boavida.
67 8
6
Corresponde ao antigo Rossio da Amoreira, nas proximi‑ Beirante coloca a hipótese de se tratar de uma palavra de origem
dades do qual ficava a residência de João Fernandes Pacheco muçulmana almocábar, isto é, cemitério, facto igualmente lem‑
(Beirante, 1980: 87), 9.º Senhor de Ferreira das Aves e Guarda brado por António Matias (Matias, 2004: 93). Este último interven‑
‑Mor de D. João I, tendo os seus familiares exercido igualmente cionou no Largo Cândido dos Reis a maior necrópole islâmica da
importantes cargos na corte portuguesa. O seu irmão Fernão cidade (Matias, 2009). Estando aquele local também próximo da
Lopes Pacheco foi alcaide‑mór de Santarém. zona onde estaria a Rua do Almocouvarinho, não é possível perce‑
ber a qual dos cemitérios se poderia referir a herança toponímica.
7
Paralela à Rua Direita de Santo Estevão (actual Miguel Bom
barda) e perpendicular à Travessa das Capuchas, a Oeste desta 8
Esta situação também se verificou na Avenida 5 de Outubro,
última, existia em Época Medieval uma Rua do Almocouvarinho onde vários enterramentos em decúbito lateral foram intercepta‑
(Beirante, 1980: 83). Embora outros autores atribuam significa‑ dos pela abertura de silos (Santos & Liberato, 2012: 59).
do diferente à palavra na origem daquela (almocábar), Ângela
Estas lixeiras são constituídas essencialmente por meiro caso tratam‑se de fabricos provenientes de ofi‑
objectos em cerâmica comum, nomeadamente pa‑ cinas andaluzas, enquanto os outros serão provindos
nelas, frigideiras, cântaros, púcaros e testos, entre de oficinas francesas e flamengas. Este tipo de pro‑
outras formas (Boavida, Casimiro & Silva, 2013b: duções surge noutros contextos portugueses, tanto
938‑939). em grandes cidades portuárias como Lisboa (Gaspar
Estão também presentes, mas em menor quan‑ & Amaro, 1997: 339, Est. 2; Fernandes, Marques &
tidade, fragmentos cerâmicos de peças produzidas Torres, 2008: 166, figs. 13‑14; Silva & Oliveira, 2014)
com pastas rosadas, esmaltadas a branco, decoradas ou Porto (Gomes et alii, 2004: 91‑92), mas também
a azul de cobalto ou com reflexo metálico dourado, em localidades no interior do país como Beja ou
assim como outras em pastas brancas acinzentadas Castelo Novo (Martins & Lopes, 2007; Martins et alii,
cobertas por vidrado verde ou melado escuro na face 2010: 156; Silvério & Barros, 2005: 68‑69).
externa, por vezes com decoração em relevo. No pri‑ Recuperaram‑se alguns fragmentos de objectos
Figura 9 – Espólio recolhido nos silos 5, 6, 9 e 19. A – Cerâmicas esmaltadas; B – Objectos metálicos; C – Almofariz em mármore;
D – Bordo de copo em vidro; E – Torre de roca em osso; F – Numismas (silos 5 e 19). Fotos: C. Boavida e T. Casimiro; desenho:
T. Casimiro.
Figura 10 – Fauna recolhida no interior do silo 5. A – Fauna mamalógica; B – crânio de pato; C – Fauna malacológica e ictiológica.
Fotos: C. Boavida.
século XV, predominando os dinheiros de D. Fer‑ lógica, destacando‑se entre esta última a presença
nando I (1367‑1383). do crânio de um pato.
No interior destas estruturas negativas colectou Este tipo de estruturas negativas é muito fre‑
‑se uma grande quantidade de espólio arqueozo‑ quente no Centro Histórico de Santarém, tendo sido
ológico, situação que se pode ficar a dever à pro‑ encontradas um pouco por todo o planalto de Mar‑
ximidade das carniçarias medievais, que seriam vila (Pinto & Santos9, 2005a; 2005b; Borges & Bar
imediatamente a Sul da Travessa das Capuchas (Bei‑
rante, 1980: 87). Além da fauna mamalógica, onde 9
Responsáveis científicos do Projecto de Requalificação das
predominam os bovideos e porcinos, foi igualmente ruas João Afonso e 1.º de Dezembro. Dados conforme informa‑
recuperada fauna malacológica, ictiológica e ornito‑ ção na página online da empresa CRIVARQUE.
Figura 11 – A – Localização das sondagens de diagnóstico no Largo Pedro Álvares Cabral: B – Vista geral da sondagem 2 no fim dos
11
trabalhos de diagnóstico; C – Prato decorado a verde e negro recolhido no silo 6 (sond. 6); D – Vista geral da sondagem 2 durante os
10
trabalhos de acompanhamento e escavação no decorrer da obra. Fotos: D. Neves e C. Boavida.
10
Durante os trabalhos de acompanhamento arqueológico Rua Miguel Bombarda, Rua José Paulo e Avenida António dos
da ampliação da rede de condutas da Portugal Telecom realiza‑ Santos (pelo menos um silo em cada um dos locais referidos).
dos pela empresa OZECARUS identificaram‑se vários silos em di‑ 11
Foram localizados silos em diversos arruamentos: Rua do
versos arruamentos da cidade: Rua Dr. Teixeira Guedes, Travessa Calvário, Rua Mayer, Rua do Sal, Rua Lourenço de Almada, Calça
do Mareco, Largo Emílio Infante da Câmara, Largo de São Julião, da da Atamarma e Beco da Escola.
Figura 12 – A/B/C – Diferentes aspectos da escavação do silo 4/9; D – Pormenor de bico fundeiro de ânfora Dr. 1 integrado na boca
do silo 4/9; E. Pote encontrado in situ no silo 4/9; F – Pote encontrado in situ no silo 4/9. Fotos e desenho: C. Boavida.
No silo 20 foi recuperado um numeroso conjunto No entanto, no interior de um silo (junto ao cor‑
de objectos cerâmicos, muitos deles completos, e te Este) foi identificado um enterramento, em de‑
aparentemente “arrumados” no seu interior. Trata‑se cúbito dorsal, estando a zona da cabeça orientada
de estrutura que não se encontrava na área da vala, para Oeste, sem sepultura definida e em plano incli‑
visto estar no corte oeste; no entanto, durante o acer‑ nado12. O mesmo encontrava‑se muito danificado
to daquele e uma vez que a parte superior do silo se por infrastruturas contemporâneas, estando apenas
encontrava vazia, verificou‑se um abatimento do ter‑ preservado entre as vértebras lombares e a zona
reno que teve que ser reparado. Aproveitou‑se essa mesial dos fémures. A análise realizada por parte da
oportunidade para fazer o registo e escavação do equipa de antropologia13 concluiu tratar‑se de indi‑
interior do mesmo até à cota de afectação da obra. víduo não adulto (criança ou adolescente) de sexo
Ao contrário do que se suspeitava à partida não indeterminado.
foi identificada nenhuma necrópole associada à igre‑
ja. Tal situação pode dever‑se ao facto de aquela não
12
Para possibilitar a escavação integral da sepultura, após
se tratar de uma igreja paroquial, como sucede com contacto com a DGPC e acordo com o dono de obra, foi feito o
a Igreja de Marvila, localizada a duas ruas de distân‑ alargamento da vala, numa área total de 1 m2.
cia e mais antiga que a Igreja da Graça, cuja constru‑ 13
Os trabalhos de antropologia foram executados pela Dr.ª
ção só se iniciou na década de 80 do século XIV. Nathalie Antunes.
Figura 14 – A – Localização do enterramento, no interior do silo 21, em relação à Igreja da Graça; B – Vista geral dos vestígios do enter‑
ramento identificado no interior do silo 21. Fotos: C. Boavida.
4.3. Estruturas Murárias diculares àquele e paralelos entre si, formando pos‑
No decorrer da abertura das sondagens prévias no sível corredor.
Largo Pedro Álvares Cabral, foi igualmente coloca‑ A área entre os dois muros encontrava‑se ocu‑
do à vista um muro com orientação NE/SO. Com pada pelo derrube de grande parte de um deles, o
o desenvolvimento dos trabalhos verificou‑se que localizado mais a Sul. A Norte destes muros foram
este estava associado a outros dois muros, perpen‑ encontrados dois níveis de pavimentos em seixos
rolados, sobrepostos. Durante a desmontagem des‑ uma argamassa de cal de areia muito compacta, de
tas estruturas foi possível perceber, em corte, que tom amarelado. Ao contrário dos outros muros que
continuam para Oeste. se encontravam construídos directamente sobre o
No corte Este foi também identificado um outro substracto geológico de calcário margoso branco,
muro, paralelo à fachada principal da igreja, com o este estava erguido sobre um dos pavimentos de
mesmo tipo de aparelho que os outros, mas com seixos rolados. O espólio encontrado em associa‑
Figura 16 – A – Vista geral dos muros identificados no Largo Pedro Álvares Cabral; B – Vestígios de pavimentos; C – Perspectiva dos
dois muros paralelos e o derrube; D – Perspectiva do corte Oeste da vala após o desmonte das estruturas. Fotos: C. Boavida.
Figura 17 – A – Muro de fundação da cabeceira da ermida do Hospital dos Santos Inocentes (?) identificado no Largo Pedro António
Monteiro; B – Pormenor do corte oeste vendo-se muro perpendicular ao da cabeceira da actual igreja. Fotos: C. Boavida.
Figura 19 – Reutilização de elementos arquitectónicos na estrutura da conduta de saneamento da Rua Braamcamp Freire. A – Fuste de
coluna; B – Base de pilastra de cunhal. Fotos: C. Boavida.
Além dos ramais de saneamento dos diversos edi‑ tos; no entanto, essas eram construídas em tijolos
fícios presentes na rua, ligavam‑se à conduta ou‑ e encontravam‑se em grande parte desactivadas
tras secundárias, vindas dos arruamentos próximos e aterradas.
como os largos Pedro António Monteiro e Pedro No interior de uma delas foram recuperados al‑
Álvares Cabral, as ruas Miguel Bombarda e Júlio guns objectos da 1.ª metade do século XX, nome‑
Araújo e a Travessa D. Mónica. Na Rua Vila de Bel‑ adamente o fundo de um copo de vidro, talheres
monte foi reconhecida conduta com as mesmas ca‑ e tampas metálicas de pasta medicinal Couto, cuja
racterísticas, igualmente em serviço. produção se iniciou em 1932.
Foram identificados mais alguns troços de con Estas condutas foram construídas sobre uma
dutas de saneamento de menor dimensão na Tra‑ área que poderá corresponder à lixeira do Con
vessa das Capuchas e na Avenida António dos San vento das Capuchas, estando junto da sua cerca.
Figura 21 – A – Localização da conduta de saneamento da Rua Vila de Belmonte em relação à Casa do Brasil / Casa Pedro Álvares
Cabral; B/C – Vista superior e interior da conduta da Rua Vila de Belmonte. Fotos: C. Boavida.
Figura 23 – A/B – Objectos recolhidos no interior da conduta de saneamento da Travessa das Capuchas. A – Talheres; B – Fundo de
copo em vidro; C – Tampa de pasta medicinal Couto. Fotos: C. Boavida.
Figura 24 – Vista geral da área de aterro identificada na Avenida António dos Santos, vendo-se a vala aberta anteriormente para a colo‑
cação da conduta da água; B – Cerâmica esmaltada recuperada durante a escavação do nível de aterro. Fotos: C. Boavida.
tificada uma conduta de saneamento que será uma ALMEIDA, M. J. (1997) – Intervenção arqueológica na Casa do
das mais antigas da cidade. A mesma sofreu algu‑ Brasil, Rua Vila de Belmonte n.º 13/15. Relatório dos Trabalhos Ar
queológicos (policopiado, não publicado).
mas alterações posteriores com a ligação de di‑
versos ramais e de outras condutas que despejam ALMEIDA, M. J. (1999) – Intervenção arqueológica na Rua 15 de
águas residuais e pluviais no seu interior, visto que a Março (Marvila, Santarém). Relatório do acompanhamento arque
ológico das obras. (policopiado; não publicado).
sua parte mais baixa se encontra numa cota inferior
à de todos os outros arruamentos próximos. A aná‑ ALMEIDA, M. J. (2000) – “Trabalhos Arqueológicos na Casa do
Brasil” in Custódio, J. (coord.) Casa do Brasil / Casa Pedro Álvares
lise desta estrutura e de outras idênticas, de menor
Cabral. Santarém: Câmara Municipal (pp. 29‑34).
dimensão, localizadas um pouco por todo o Cen‑
tro Histórico, poderá permitir o estudo de como as ALMEIDA, M. J. (2003) – “Resultados da intervenção arqueológi‑
ca na Rua Miguel Bombarda (Santarém): algumas ideais sobre a
preocupações higiénico ‑sanitárias condicionaram
ocupação do planalto de Marvila” in Encarnação, G. (org.) Actas
ou não a evolução dos espaços urbanos da cidade do Quarto Encontro de Arqueologia Urbana. Amadora: Câmara
a partir da 2.ª metade do século XIX. Municipal / ARQA (pp. 81-94).
Em síntese, ao longo dos trabalhos desenvol‑
ARRUDA, A. M.; VIEGAS, C. (2002) – “A Alcáçova” in Arruda, A.
vidos pela ARPA em Santarém foram identificadas M; Viegas, C.; Almeida, M. J. (coord.) De Scallabis a Santarém;
estruturas e elementos da cultura material que per‑ Lisboa: Museu Nacional de Arqueologia /Câmara Municipal de
mitem um maior conhecimento sobre as vivências Santarém (pp. 73‑82).
das populações scalabitanas nos últimos 2000 BATATA, C.; BARRADAS, E.; SOUSA, V. (2002) – “Novos vestígios
anos, tanto do ponto vista social, como económico da presença islâmica em Santarém” in Amado, C.; Mata, L. (co‑
e religioso. ord.) Santarém e o Magreb: encontro secular (970‑1578). Santa
rém: Câmara Municipal (pp. 68‑77).
Nos últimos anos têm vindo a ser identificados
no Centro Histórico de Santarém inúmeros vestígios BATATA, C.; BARRADAS, E.; SOUSA, V. (2005a) – Relatório Final
do Acompanhamento Arqueológico da Ribeira de Santarém.
do Passado da cidade; no entanto grande parte da
Abrantes: Ozecarus, Serviços Arqueológicos, Lda. (policopiado;
História da capital do Ribatejo permanece por es‑ não publicado).
crever. Conhecem‑se factos, acontecimentos, per
BATATA, C.; BARRADAS, E.; SOUSA, V. (2005b) – Relatório Final
sonagens ilustres, mas como eles se articulavam
da escavação arqueológica de emergência na Rua Lourenço de
com os quotidianos da cidade e a sua evolução ur‑ Almada (Ribeira de Santarém). Abrantes: Ozecarus, Serviços
banística é uma questão que em muitos casos ainda Arqueológicos, Lda. (policopiado; não publicado).
aguarda resposta. BATATA, C.; BARRADAS, E.; SOUSA, V. (2008) – “As muralhas
islâmico‑medievais da Ribeira de Santarém” in Bicho, N. F.; Car
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História 2:2. Aljustrel: Câmara Municipal (pp. 620‑624). História 25.
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Ramires 15/16. Gabinete Projecto Municipal de Santarém a Pa logia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de
trimónio Mundial, Câmara Municipal de Santarém (policopiado; Lisboa (policopiado; não publicado).
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tarém: ARPA – Arqueologia e Património, Lda. (policopiado; não
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259‑276). da Bandeira (Marvila, Santarém). Relatório Final. Santarém: ARPA
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panhamento Arqueológico na Rua 1.º de Dezembro” in Crivar
que Arqueolgia Online (http://www.crivarque.net/pzoom.php? SILVA, T.; CASIMIRO, T. M (2011c) – Acompanhamento Arqueo
identif=59 – visto em Setembro 2014). lógico – Rua 31 de Janeiro, 36 (Santarém). Relatório Final. Santa
rém: ARPA – Arqueologia e Património, Lda. (policopiado; não
publicado).
1
Bolseira pós-doc FCT / Instituto de Arqueologia e Paleociências UNL / Instituto de História Contemporânea UNL / ARPA – Arqueologia
e Património, Lda. / Associação dos Arqueólogos Portugueses / tmcasimiro@fcsh.unl.pt
2
Arqueóloga / afilipaferreira92@gmail.com
3
Instituto de Arqueologia e Paleociências UNL / ARPA – Arqueologia e Património Lda. / telmoaps@gmail.com
Resumo
A intervenção arqueológica efectuada em Alfange (Santarém), nos finais de 2010, permitiu a descoberta de diver‑
sas estruturas arqueológicas associadas à ocupação islâmica daquela zona, tendo a sua escavação sido restrita a
uma pequena área afectada pela construção de uma moradia. A arquitectura, as técnicas de construção e cultura
material permitiram datar o abandono deste local algures na primeira metade do século XII, possivelmente aquan‑
do dos tumultos da invasão cristã, atendendo à ausência de quaisquer dados indicativos de populações cristãs.
Tratava‑se de pequeno assentamento rural, cujo tamanho não foi possível determinar, mas que se comporia
de, pelo menos, duas casas distintas, bem como de silos para armazenamento.
Palavras-chave: Santarém, Alfange, Habitação, Século XII, Islâmico.
Abstract
In late 2010, an archaeological excavation made in Alfange (Santarém) led to the discovery of many archaeologi‑
cal features, though the discovery was restricted to the construction area. The architecture, building techniques
and material culture suggest that this site was abandoned somewhere in the first half of the 12th century possibly
when Christian troops took the city from the Muslims since there are no signs of destruction or Christian occupa‑
tion. This is a small rural settlement with at least two houses and some storage pits.
Keywords: Santarém, Alfange, Dwelling, 12th century, Islamic.
85
1. A INTERVENÇÃO ARQUEOLÓGICA cronologia se concluiu corresponderem a produ‑
ções associadas à ocupação islâmica dos arrabaldes
Durante os trabalhos de acompanhamento da cons‑ de Santarém.
trução de uma moradia unifamiliar em Olival do Par Neste sentido, e atendendo à presença de ma‑
que (Alfange – Santarém), entre 2 de Novembro e 16 teriais arqueológicos, mas à ausência de estrutu‑
de Dezembro de 2010, financiados pelo proprietá‑ ras, foi efectuado acompanhamento arqueológico
rio, foram descobertos testemunhos arqueológicos integral de todos os movimentos de terra na área
de época islâmica. A intervenção, da responsabili‑ onde seria construída a casa. A cerca de 1,200 m de
dade de Telmo Silva e Tânia Casimiro, foi efectuada profundidade, foi identificado conjunto de telhas
pela ARPA – Arqueologia e Património Lda. Outros que sugeria o abatimento de telhado, pelo que a
achados arqueológicos eram já conhecidos nas ime‑ escavação, até ao momento feita com recursos me‑
diações do local, identificados aquando da abertura cânicos, passou a ser efectuada manualmente. Ain
de estrada, nomeadamente, silos, cuja cronologia da que diversas estruturas arqueológicas tenham
fora atribuída, genericamente, à Idade Média. sido efectivamente identificadas, muitas daquelas
Com efeito, a primeira intervenção arqueológi‑ encontravam‑se danificadas por intervenções ante‑
ca traduziu‑se na realização de seis sondagens cu riores, realizadas pelo proprietário do terreno, de
ja profundidade variou entre 0,050 m e 1,500 m, modo a enterrar lixo, segundo o próprio (Fig. 1).
cota de afectação máxima da obra, cuja distribuição O sítio localiza‑se junto à povoação de Alfange
coincidiu com a localização das sapatas no projec (coordenadas aproximadas 39o 13’ 34.46” N 8o 40’
to arquitectónico. A realização destas sondagens 40,32” O), em pequena elevação junto ao Tejo, do
permitiu identificar diversos materiais arqueológi‑ qual dista 105 metros e a 495 m do centro de San‑
cos, nomeadamente produções cerâmicas, cuja tarém (Alcáçova) e a 850 m da Ribeira de Santarém.
Figura 2 – Compartimentos subrectangular (a depressão central foi da responsabilidade do proprietário antes do início da obra).
Figura 6 – Silo 2.
Figura 7 – Panelas.
Figura 8 – Panelas.
A louça de armazenamento corresponde ape são, embora tenha sido impossível inferir a altura.
nas a talhas e cântaros, compreendendo a 21,20% Em maior abundância, os 33 cântaros (19,52%) ofe
do total das cerâmicas. As primeiras foram apenas recem corpos bojudos, colo elevado e bordos ex
reconhecidas em quatro exemplares (2,37%) que, trovertidos e duas asas de perfil convexo. Três deles
devido à espessura das paredes e dimensão dos apresentam pintura a branco sobre as suas paredes
bordos sugere serem objectos de grande dimen- vermelhas.
3.2. Metais
Foram identificados diversos objectos metálicos de Figura 16 – Objectos metálicos.
uso quotidiano sendo a maioria em ferro. Foram re
cuperados 22 pregos de dimensões variáveis (entre cipal de cada habitação, existiriam alpendres ou
0,050 m e 0,985 m) que acreditamos terem sido utili outros compartimentos com paredes em madeira,
zados sobretudo no suporte de madeira que susten possivelmente.
taria o telhado, considerando que a maioria foi efec A maior parte da cerâmica foi recuperada dentro
tivamente recuperada dentro dos compartimentos. das habitações mencionadas. Ela traduz‑se por ser,
Apenas um pequeno prego em liga de cobre foi essencialmente, cerâmica de utilização quotidiana.
recuperado (compr. 0,056 m) possivelmente per Apenas a taça decorada a verde e manganês pode
tencendo a qualquer peça de mobiliário. ser considerada como louça de melhor qualidade,
Ajudando ao conhecimento das actividades de sendo a cerâmica pintada representada apenas por
senvolvidas no local, foram identificadas duas pontas sete objectos, um com pintura a vermelho, outro a
de fuso em ferro (compr. 0,124 m), demonstrando negro e cinco a branco. Neste sentido e atendendo
que a fiação seria uma actividade desenvolvida na ao elevado grau de fragmentação, ausência de pe
quele ambiente, muito possivelmente por mulheres. ças onerosas, assim como a inexistência de sinais de
Estes são achados comuns no Gharb, todavia são destruição abrupta, acreditamos que o local tenha
igualmente usuais em liga de cobre (Gomes, 2003). sido abandonado, tendo os seus habitantes levado
Foi ainda recuperada ponta de lâmina de faca, consigo os bens de maior valor. Não deve, no en
em ferro que demonstra o tipo de utensilagem me tanto, ser esquecido que o presente estudo preten
tálica que aqui existiria (Fig. 16). de apenas a interpretação de fracção do local e que
os seus habitantes podem ter continuado as suas
4. CONCLUSÃO funções quotidianas nas outras casas ali perto.
Atendendo à possibilidade de abandono e ao
O sítio arqueológico agora dado a conhecer, pode facto de apenas pequena parte do assentamento ter
ser classificado como parte de assentamento rural sido escavado não é fácil inferir sobre o nível sócio
localizado nos arrabaldes de Santarém. Os edifícios ‑económico dos habitantes deste aglomerado po
são estruturados com paredes em taipa com ou pulacional. Contudo, tomando a parte como o to
sem a base em pedra e onde diversos buracos de do, deve referir‑se a presença de cerâmica de utiliza
poste nos fazem crer que, associados ao corpo prin- ção quotidiana semelhante à que foi recuperada na
to possivelmente de finais do século XI e primeira GOMES, R.V. (2003) – Silves (Xelb), uma cidade do Gharb al
metade do século XII. Apenas uma peça, um frag ‑Andalus: a Alcáçova, Trabalhos de Arqueologia n.º 35, Instituto
mento de taça com cordões verticais pode ser Português de Arqueologia, Lisboa.
atribuído a produções mais tardias, já Almóadas GÓMEZ MARTÍNEZ, S. (1998) – “Cerâmica de verde e manga
(Gomes, 2003). No entanto, este fragmento foi en nês do Castro da Cola” in Actas das 2ª Jornadas de Cerâmica
contrado durante a abertura das sondagens que Medieval e Pós‑Medieval. Métodos e resultados para o seu estu‑
do, Tondela: Câmara Municipal (pp. 57‑65).
não apresentaram estratigrafia definida e pode per
feitamente ter vindo de outro local, um escorrimen NAVARRO‑PALAZÓN, J.; JIMÉNEZ‑CASTILLO, P. (1996) – “Estu
to das barreiras scalabitanas. dio sobre once casas andalusies de Siyâsa” in Memorias de Ar
queología, 5; Múrcia (pp. 526‑595).
Poderá a comunidade aqui residente ter abando
nado o local devido à aproximação das tropas cris SILVA, M. (2011) – A Cerâmica Islâmica da Alcáçova de Santa
rém, das unidades estratigráficas 17, 18, 27, 28, 30, 37, 39, 41,
tãs, atendendo que se encontravam fora da muralha
193, 195, 196, 197 e 210; Disseratação de Mestrado em Arqueo
e claramente desprotegida, deslocando‑se para o logia apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lis
interior das muralhas, procurando a sua protecção? boa (texto policopiado).
1
Membro da Academia Portuguesa da História e da Academia Nacional de Belas-Artes. Docente de Arqueologia do Departamento de
História e membro integrado do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade
Nova de Lisboa / Av. de Berna, 26C, 1069-061 Lisboa/ mv.gomes@fcsh.unl.pt
2
Docente do Departamento de História e directora do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Faculdade de Ciências Sociais
e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa / Av. de Berna, 26C, 1069-061 Lisboa / rv.gomes@fcsh.unl.pt
Resumo
O ribāt da Arrifana, por nós identificado em 2001, é já considerado por muitos investigadores que se dedicam ao
estudo da presença islâmica medieval no Ocidente, como uma das mais importantes descobertas arqueológicas
do século XXI. Paulatinamente, ali temos dirigido campanhas anuais de escavações, com diferente fôlego, mas
que vêm contribuindo para o melhor conhecimento daquele sítio excepcional, não só pelos testemunhos que
conserva como pela possibilidade de os podermos cruzar com diversa informação literária. O ribāt da Arrifana
foi classificado, em Julho de 2013, como Monumento Nacional de Portugal.
Palavras-chave: Ribāt, Ibn Qāsī, Arrifana, Aljezur, Algarve, Mesquita.
Abstract
The Arrifana ribāt, identified by us in 2001, is considered by many researchers, who study the Islamic presence
in the West to be one of the most remarkable archaeological discoveries of the 21st century. Gradually, once a
year, the authors have performed archaeological excavations, aiming to understand this exceptional site not only
through the field evidences, but also with the possibility of crossing archaeological information with literary data.
The Arrifana ribāt was classified, in July 2013, as a Portugues National Monument.
Keywords: Ribāt, Ibn Qāsī, Arrifana, Aljezur, Algarve, Mosque.
97
1. TESTEMUNHOS LITERÁRIOS que naquele local se preparavam para a guerra
santa (djihād) (Gomes, 2006; 2011; 2011a; Gomes
A Arqueologia das Idades Históricas, hoje conside‑ e Gomes, 2004; 2004a; 2005; 2005a; 2005b;
rada imprescindível para o completo conhecimento 2006; 2007; 2011; 2012; 2014; Barceló, Gomes e
daquelas, tem o privilégio, não raro, de poder con‑ Gomes, 2011).
frontar a informação empírica que manipula com a Poucos foram os autores que se debruçaram
obtida nos documentos escritos. Este enriquecedor sobre a história dos últimos tempos do Gharb al
cruzamento de testemunhos, das variadas vertentes ‑Andalus que não abordaram a figura complexa de
do pensamento e das materialidades, legados pe‑ Abūl‑l‑Qāsim Ahmad Ibn al‑Husayn Ibn Qasī, mestre
las sociedades humanas pretéritas, tem alcançado sufi nascido na kora de Silves, com o qual se encon‑
expressão no estudo do ribāt da Arrifana, apesar da tra sempre conotada a existência do denominado
escassez de textos antigos, tanto daqueles que o re‑ ribāt al‑Rihana, por ele fundado.
ferem como dos relacionados com o seu fundador. A mais importante fonte, coeva da vida daquele
A instituição ribāt é bem conhecida no mundo líder espiritual e político, é o texto desaparecido de
islâmico, onde se encontra intrinsecamente ligada Ibn al‑Salā, de Beja, “A Revolta dos Muridun” (Kitāb
à sua expansão político‑religiosa e militar, como à Thawrat al‑Muridun), retomado por Ibn al‑Abbār
manutenção daqueles poderes, tendo‑se sobre ela (Kitāb al Hullat, al siyarā), na primeira metade do sé‑
debruçado diversos autores (Farinha, 2007). Cons‑ culo XIII, e por Ibn al‑Khatīb (Kitāb a māl al‑a’lām),
tituem os exemplos mais conhecidos, das estrutu‑ na centúria seguinte, devendo‑se a David Lopes
ras que corporizam aquele conceito, os rubut de (1910) a primeira tradução, embora parcial, daque‑
Monastir e de Sousse, na actual Tunísia, fundados, les documentos para português.
respectivamente, em 796 e 861, ou os rubut de Tit O “mosteiro da Arrifana”, situado na “orla do
(Mazagão) e de Rabat, ambos almoadas e no actual mar” foi mencionado por Ibn al‑Abbār (1199‑1250),
Marrocos, que responderam a alterações ideológi‑ homem da corte almoada de al‑Mansūr e desapare‑
cas e políticas, no seio de territórios islamizados. cido um século depois de Ibn Qasī, no relato da vida
Traduzem problemática semelhante a existência de Ibn Almúndir, um dos mais directos seguidores
de rubut no al‑Andalus, onde a informação literária do mahdī, quando a sua opção ascética (zuhd) con‑
regista a presença de rábitas ou arrábidas, que a to‑ duziu a que se retirasse para o ribāt referido. Por ou‑
ponímia também conserva, embora tais complexos tro lado, Ibn Al‑Khatīb (1313‑1374), deixou expresso
religiosos possam ser mais tardios e, até, edificados que Ibn Qasī “(…) edificou um mosteiro em alcaria
em tempos cristãos. importante do termo de Silves (…)”, quando “(…)
Os rubut peninsulares, em termos arquitectóni‑ uma multidão de eremitas e gente de guerra tomou
cos bem diferentes dos magrebinos, são conheci‑ o seu partido, entre os quais os seguintes: Ibn Wazir
dos através de dois arqueossítios, o ribāt de Guar‑ (…), Ibn Anane (…), Ibn Almúndir (…), Ibn Abú Habi‑
damar e o da Arrifana (Azuar Ruiz, 2007, pp.35, 36). be e muitos outros indivíduos importantes da parte
O primeiro situa‑se no delta do rio Segura (Alicante), ocidental do al‑Andalus.” (Coelho, 1973, p.252;
na Costa Levantina, foi fundado nos finais do século Picard, 2000, pp.93,94).
IX, encontrando‑se activo durante o século X e nos Texto de al‑Marrākushī (Al‑Dhayl), elaborado em
inícios da centúria seguinte. O ribāt da Arrifana (Alje‑ Bagdade, de cerca de 1224 e, por certo, esteado
zur), apesar das referências escritas, só foi identifica‑ nas narrações da autoria de Ibn al‑Salā e talvez de Ibn
do em 2001 e ali efectuámos onze curtas campanhas al‑Abbār, descreve a revolta dos murābitūn e, negati‑
de escavações arqueológicas, que têm proporcio‑ vamente, a acção de Ibn Qasī. Também Abū Bakr al
nado o conhecimento das suas estruturas e aspec‑ ‑Baydhak elaborou “História dos Almoadas”, onde
tos do quotidiano dos seus utentes, os murābitūn, cita o mestre silvense (Alves, 2001, pp.122, 123).
sobre estrutura de madeira e, no último caso, com reconheceu‑se a necrópole, inicialmente circunda‑
massa de terra. da por muro que fechava o espaço do ribāt, mas que
Na zona por onde se fazia o ingresso no ribāt haveria de também ocupar o espaço exterior anexo.
(Sector 4), mais próxima do mundo profano, Ali foram postas à vista sessenta e cinco sepulturas,
encontrou‑se um grande pátio, com duas mesquitas as quais, exceptuando três, agrupadas a nordeste e
e outras edificações anexas, no lado sudeste, muito tendo orientação norte‑sul, encontravam‑se orien‑
possivelmente correspondendo a escola corânica tadas no sentido nordeste‑sudoeste, indicando a
(madrasa), onde se faria a iniciação na doutrina sufi disposição dos cadáveres, que nelas seriam depo‑
e à comunidade ali instalada. Uma das pequenas sitados em decubitus lateral, com a cabeça dirigida
mesquitas, a melhor conservada de todas as até para aquela segunda direcção e a face voltada para
agora exumadas no ribāt, dado algumas das suas sudeste (Meca), aspectos que a escavação de sete
paredes atingirem ainda 1,80 m de altura, mostrava fossas funerárias e os restos osteológicos ali encon‑
área sobrelevada no topo nordeste do seu interior. trados confirmam.
A sul identificou‑se uma pequena mesquita que, Todas as sepulturas possuem planta rectangu‑
tal como as outras, possuía qibla dirigida para sudes‑ lar, mas de diferentes dimensões, encontrando‑se
te. A nascente das estruturas acima mencionadas algumas adossadas às qiblas das mesquitas acima
VIVER E MORRER NUM RIBĀT NO EXTREMO SUDOESTE DA EUROPA (ARRIFANA, PORTUGAL) 101
Figura 2 – Plantas e reconstituições de mesquitas e outras estruturas, dos sectores 3 (A), 2 (B) e 1 (C) (desenhos J. Gonçalves).
referidas ou ao muro mencionado, sendo assinala‑ momento da morte, a data em que esta ocorreu e
das por tumuli, muito baixos, limitados por muretes frases pertencentes a formulário de carácter religio‑
de pedras e preenchidos com terra e, em alguns ca‑ so. O texto principal foi datado em 461 H. / 1069
sos, cobertos com pedras, nomeadamente blocos J.C., a que se juntou fragmento do Corão, entre 485
de arenito de cor branca. Algumas sepulturas foram e 495 H. / 1094‑1102 J.C., e ulteriormente pequena
assinaladas por pequenas estelas anepígrafas, cons‑ palavra invertida, na base do monólito, talvez antes
tituindo excepção dois exemplares encontrados ain‑ de 505 H. / 1112 J.C.
da erguidos in situ, dado oferecerem longos textos. Torna‑se difícil sabermos se o epitáfio, reutili‑
Uma daquelas estelas (A) erguida no canto sul zado em tempos mais modernos que a data con‑
do tumulus da sepultura 4, que media 2,56 m de signada na lápide, estava in situ no local onde se
comprimento por 1,32 m de largura e 0,210 m de edificou o ribāt ou foi para ali transladado, de pe‑
altura, talvez sendo o fundador do espaço mortuá‑ quena alcaria situada próxima. Recordemos que Ibn
rio e a que se encostavam dois outros tumuli de di‑ al‑Hatīb (1313‑1379) refere na Kitāb a‘māl al‑a‘lām
mensões algo menores. Na face da estela voltada (Lévi‑Provençal, 1934, p.286) o facto de Ibn Qasī ter
para noroeste o texto encontra‑se distribuído por fundado o seu ribāt junto de qarya ğalla ou “alcaria
oito linhas, e informa sobre a identidade do indi‑ importante” (Coelho, 1973, p.252; Lopes, 1910; Pi‑
víduo sepultado, qual o seu nome, a sua idade no card, 2000, pp.93, 94).
VIVER E MORRER NUM RIBĀT NO EXTREMO SUDOESTE DA EUROPA (ARRIFANA, PORTUGAL) 103
Figura 4 – Aspectos da necrópole (Sector 4) (fotos M. V. Gomes).
Figura 5 – Estelas epigrafadas das sepulturas 4 e 54 (fotos J. P. Ruas; tradução Carmen Barceló).
VIVER E MORRER NUM RIBĀT NO EXTREMO SUDOESTE DA EUROPA (ARRIFANA, PORTUGAL) 105
A escavação completa de sete das sepulturas importância simbólica do sítio que ocupava, como
identificadas, permitiu reconhecer serem individu‑ pelo facto de junto se encontrar minarete. Este foi,
ais e registar as formas, dimensões e posicionamen‑ no século XIV, transformado em torre‑atalaia, geran‑
to das fossas funerárias, indicando que os corpos do o micro‑topónimo através do qual a península é
seriam inumados em decubitus lateral, orientados hoje conhecida. Do minarete os fiéis eram chama‑
nordeste‑sudoeste, com a face voltada para Meca, dos cinco vezes ao dia para fazerem as suas orações
os braços junto ao abdómen e as pernas ligeiramen‑ e deveria, igualmente, funcionar como torre de vi‑
te flectidas. Não foi encontrado outro espólio nas gia da costa.
sepulturas para além dos restos osteológicos. Neste A análise arquitectónica permitiu identificarmos
contexto, importa recordar que o Profeta apelou à três grandes momentos construtivos no ribāt da
simplicidade das sepulturas e, até, à sua inexistên‑ Arrifana. O mais antigo corresponde ao “muro de
cia, pugnando pela igualdade de todos na morte. orações” que existiu na extremidade da Ponta da
Edificação situada na zona norte da necrópole, Atalaia (Sector 3), ao qual se sucedeu outro que
provida de bancada, depósito para água e tina, es‑ integraria as sete mesquitas com mihrāb de contor‑
cavada no solo, apresentando o chão e as paredes no exterior quadrangular ou rectangular, e os seus
bem revestidos com massa, muito rica em cal, indi‑ diversos anexos, reflectindo período de grande
ca tratar‑se, segundo a nossa interpretação e princi‑ afirmação religiosa. Por fim, o terceiro integra obras
palmente esteados em paralelos hodiernos, de sala de ampliação ou de renovação, conforme ilustra a
para preparação dos mortos (bayt al‑janaez). Ali se grande mesquita do Sector 1, que se adossa a um
lavariam e tratavam os cadáveres que, envoltos na dos templos referidos, e outra de menores dimen‑
mortalha, seriam sepultados na necrópole que ocu‑ sões, ambas providas de mihrābs com contorno ex‑
pa espaço anexo a sudoeste. terior de planta semicircular.
Para ocidente, em zona onde a península da Ar
rifana estreita, descobriu‑se um denso complexo de 3. OS ARTEFACTOS
construções, formado por quatro mesquitas, uma
das quais com grandes dimensões, e um grupo de Conforme sempre acontece em zonas de habitat,
“vivendas”, algumas com pátio (Sector 1). Este con‑ também o espólio exumado no ribāt da Arrifana tra‑
junto permitia controlar a passagem para o interior duz aspectos da vivência comunitária e particular dos
daquele espaço, também defendido por altas falé‑ seus ocupantes, os murābitūn ou monges‑guerreiros
sias envolventes, sugerindo corresponder ao local ascetas, ali congregados em torno do seu líder espi‑
com maior actividade do ribāt. ritual e político.
Na restante área, identificámos uma pequena As cerâmicas constituem o espólio não só mais
mesquita com anexos, ocupando relevo sobrancei‑ numeroso mas, também, mais significativo em ter‑
ro ao mar e situada no lado sul da península (Sector mo paleoetnológicos, sendo muito escassos os
2), por certo usada por personagem destacada e artefactos produzidos com outras matérias‑primas.
seus acólitos, assim como conjunto de edificações Os espólios cerâmicos subdividem‑se em duas
na extremidade da Ponta da Atalaia. De facto, a grandes categorias: a dos recipientes e de outras
zona debruçada sobre o Oceano, correspondeu, pequenas peças relacionadas com as actividades
por certo, ao lugar mais sagrado do ribāt (Sector 3), quotidianas e a da cerâmica de construção, repre‑
ali se tendo descoberto os restos de “muro de ora‑ sentada, exclusivamente, por fragmentos e alguns
ções” (mussallā), edificado em taipa, constituindo, exemplares completos de telhas, não raro decora‑
muito provavelmente, a primeira construção ergui‑ dos através de conjuntos de três traços digitados,
da no ribāt. Pequena mesquita, situada nas proximi‑ formando desenhos variados. Um destes elementos
dades, pode ter sido a utilizada pelo mestre, dada a construtivos apresenta inscrição incisa em árabe.
VIVER E MORRER NUM RIBĀT NO EXTREMO SUDOESTE DA EUROPA (ARRIFANA, PORTUGAL) 107
Tiveram função defensiva as pequenas argolas a simbologia da luz, física e transcendente, teria
de cotas de malha, embora mostrando dimensões importante desempenho. Uma outra lucerna, em
maiores em relação a outras encontradas em Silves perfeito estado de conservação, foi colocada, ainda
ou Faro, procedentes de contextos almoadas. obedecendo a aspecto ritual, entre a parede exte‑
Duas pequenas contas, uma de faiança, de cor rior de forno e muro, no Sector 4.
bege, e outra de cornalina, não têm, por ora, para‑ Pequenos rolos‑amuleto de chumbo, que fo‑
lelos no mundo islâmico peninsular, podendo tratar ram introduzidos nas paredes das mesquitas, cons‑
‑se de artefactos importados do Oriente, chegados tituem ainda peças que reflectem as actividades
ao ribāt dado usufruírem significado especial, talvez sócio‑religosas decorrentes das funções próprias
ligado às suas origens exógenas. A cor vermelha do ribāt, onde se faria o apelo à guerra santa, dali
intensa da cornalina e a forma esférica da conta, partindo os combatentes.
auferiam de simbologia conotada com poderes Os rolos de chumbo, então obtidos junto dos
curativos, profilácticos e apotropaicos. Duas outras templos ou dos túmulos de personagens santas,
pequeníssimas contas, de vidro, constituem teste‑ eram introduzidos nas paredes das mesquitas, con‑
munhos mais recorrentes. forme acontecia com exemplares provenientes dos
Também se exumaram fragmentos de pequenas Sectores 2 e 4 do ribāt da Arrifana. Geralmente con‑
mós rotativas, de pedra, cossoiros, peças de jogo e têm frases, pintadas, gravadas ou em relevo, de ca‑
pequenos tabuleiros para jogos, de xisto, tal como rácter religioso, onde se expressava a Fé.
pelouro de sienito pesando 1300 gr, o único teste‑ Identificaram‑se restos de pequenos estojos
munho de arma de cerco oferecido pelo ribāt. ‑amuleto de cobre/bronze, um deles decorado,
correspondendo a artefactos com funções apotro‑
4. MANIFESTAÇÕES DE FÉ paicas, dado que guardavam frases do Corão, es‑
critas sobre papel ou pergaminho, acreditando‑se
Para além da própria existência do ribāt, com as não só protegerem como, de certo modo, predesti‑
suas mesquitas e necrópole, possuindo ritualização narem a vida de quem as usava.
específica e estelas funerárias com passagens corâ‑
nicas, ali encontrámos outros testemunhos da forte 5. CONCLUSÕES
religiosidade dos seus habitantes.
No interior da parede norte da mesquita de Apesar de termos escavado apenas um quarto da
maiores dimensões, placa de xisto, contendo epí‑ área que pensamos ter sido ocupada primitivamen‑
grafe, regista a reafirmação da fé em Deus e na pa‑ te pelo ribāt da Arrifana, é possível, ainda que de
lavra do profeta Maomé, talvez conotada com Ibn modo preliminar, elaborar algumas conclusões.
Qasī que, ao abraçar o sufismo, passou a usar o A primeira daquelas concerne à presença física
nome daquele (Muhammad em nome de Deus, o de um ribāt no Gharb, para o qual se conhece, mes‑
Clemente, o Misericordioso). Em outra placa de xis‑ mo que aproximadamente, a data de fundação, o
to, de menores dimensões, recuperada junto a mes‑ seu fundador e a cronologia do abandono. Tendo
quita do Sector 1, lê‑se, integrada em cartela, a frase ‑se identificado apenas um outro ribāt na Península
“O poder pertence a Deus”, doxologia bem conhe‑ Ibérica, em Guardamar, no Sharq, e apesar de este
cida, sobretudo durante o Período Almoada. Pedra ser algo mais recuado, ambos apresentam inegáveis
que integrava parede da madrasa apresentava a fra‑ afinidades entre si, como o tipo de implantação e de
se “Louvor a Deus”. estruturas, diferenciando‑se dos rubut do Maghreb.
Também descobrimos, no interior da parede da O ribāt da Arrifana além das diversas estruturas
mesquita no Sector 4, lucerna completa, ali depo‑ ligadas ao quotidiano dos murābitūn, conhecendo
sitada no contexto de prática sócio‑religiosa, onde ‑se nove mesquitas, vivendas, possível madrasa, e
VIVER E MORRER NUM RIBĀT NO EXTREMO SUDOESTE DA EUROPA (ARRIFANA, PORTUGAL) 109
muro de orações etc., possuía minarete, junto a um BIBLIOGRAFIA
dos templos e extensa necrópole, associada a com‑ ALVES, Adalberto (1999) – Ibn Qasī – Esse desconhecido. In O
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Este projecto foi apoiado pela Fundação Max van vol. III. Lisboa: Seara Nova.
vo da Fundação é promover o estudo da Arqueo‑ DOMINGUES, José Domingos Garcia (1945) – História Luso
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e Literatura Islâmicas e Arábicas. DOMINGUES, José Domingos Garcia (1954) – O místico loule‑
tano Al‑Orianie e o pensamento filosófico‑teológico do Islame
Ocidental. Lisboa: Edição do Autor.
VIVER E MORRER NUM RIBĀT NO EXTREMO SUDOESTE DA EUROPA (ARRIFANA, PORTUGAL) 111
MARQUES, António Henriques de Oliveira (1972) – História de
Portugal. vol. I. Lisboa: Edições Agora.
Resumo
O projeto arqueológico desenvolvido no Castelo dos Mouros – Sintra, de 2009 a 2013, pôs a descoberto novas
estruturas domésticas muçulmanas, uma necrópole medieval cristã e, entre estas, numerosos fragmentos de
produções cerâmicas do Neolítico antigo do atual território português, sendo um dos achados mais relevantes
um vaso inteiro e diversos fragmentos de cerâmica simbólica, raros na Pré-História do nosso País.
Palavras-chave: Castelo, Neolítico, Bronze, Cerâmica, Islâmico, Necrópole.
Abstract
The archaeological project undertaken at the Moorish Castle – Sintra, from 2009 to 2013, under the direction
of the archaeologist Maria João de Sousa and Parques de Sintra – Monte da Lua, S. A. served to discover new
Moorish domestic structures, a Christian medieval necropolis and, in among these, numerous fragments of ce-
ramic productions dating in age from the ancient Neolithic period through to the early centuries of Portuguese
occupation of this site with the most significant finds including an entire vase and diverse fragments of symbolic
ceramics, rare in the Pre-history of Portugal.
Keywords: Castle, Neolithic, Bronze, Ceramics, Islamic, Necropolis.
113
O Castelo dos Mouros, construído no topo de um 1. EVIDÊNCIAS ARQUEOLÓGICAS
dos cumes rochosos mais altos da Serra de Sintra,
localiza‑se no interior da Paisagem Cultural de Sintra, A existência de várias realidades arqueológicas dis‑
classificada pela UNESCO como Património Mun‑ tintas já se encontravam referenciadas por trabalhos
dial (1995), e foi sempre um dos locais mais visitados realizados em 1981, 1993‑1995 e 1998‑2000 onde
da zona de Lisboa, devido à sua relação simbólica se identificou uma ocupação neolítica, parte da
com o passado histórico da região e pelo sítio, de necrópole da Igreja de São Pedro de Canaferrim e
onde é possível admirar uma espetacular vista pano‑ estruturas de uma habitação muçulmana (SIMÕES,
râmica da costa, da vila de Sintra e até Mafra. 1999 e COELHO, 2000).
Não tendo sido objeto de intervenções signi‑ Os trabalhos arqueológicos que decorreram
ficativas nas últimas décadas, a Parques de Sintra entre 2009 e 2013 pretenderam alargar, integrar e
– Monte da Lua, S.A., a quem a gestão do Castelo aprofundar os estudos anteriores e permitir conhe‑
está entregue, pôs em marcha o projeto “À Con‑ cer, de modo mais objetivo, as ocupações humanas
quista do Castelo”, com o objetivo de restaurar e do castelo, as suas fases construtivas e espaços de
valorizar o Castelo dos Mouros. vivência. (Fig. 1)
identificou também neste compartimento, parte de bém mais bases de silos destruídos, tendo sido pos
uma habitação sob o pano de muralha, semelhante sível recolher neste compartimento moedas cristãs
ao já identificado no compartimento Norte. da primeira dinastia, ferraduras, um candil islâmico
Com o desmonte da outra coluna, recolheram e dois fragmentos de tigelas em terra sigillata que
‑se três grandes fragmentos de um vaso cerâmico de correspondem aos únicos vestígios do período
superfície brunida e decoração excisa (CARDOSO e romano até agora identificados no castelo (SILVA e
SOUSA, 2014), mais uma vez indiciando o desman SOUSA, 2015).
telamento de uma ocupação mais antiga aquando O alargamento da área de estudo para a envol
da construção dos silos e dos vários aterros ocorri vente das antigas cavalariças permitiu que se abris
dos nesta zona ao longo de séculos. sem sondagens junto à cisterna e na esplanada das
A escavação dos restantes níveis revelaria tam Cavalariças (setores 11 e 5).
estruturas de armazenamento na área entre a Porta uma grande quantidade de telhas, um pequeno tro‑
da Cisterna e a Esplanada das Cavalariças. ço de muro e ainda uma lareira semicircular formada
Nesta área de esplanada executou‑se uma son‑ por pequenas pedras de granito.
dagem entre a parede Sul das Antigas Cavalariças e Com esta sondagem recolheu‑se um grande
a Torre Oca, tendo sido possível identificar mais um número de vestígios cerâmicos entre os quais ma‑
troço de muro associado a um silo em bom estado lhas de jogo em cerâmica de cronologia islâmica
de conservação, fornecendo desta forma mais ele‑ e uma taça carenada com fundo em ônfalo, filiável
mentos para a constituição cartográfica da implan‑ em contextos do bronze final sugerindo mais uma
tação do povoamento muçulmano entre os séculos área habitacional nesta vertente (Fig 8) (CARDOSO
X e XII. (Fig. 7) e SOUSA, 2014).
instalou‑se, provavelmente, na área da Alcáçova, FRANÇA, José Augusto (2010) – Lisboa – História Física e Moral.
utilizando toda a encosta nascente do Castelo para
GARCIA, Cristina, 1996 – “Ermida de São Saturnino: breve nota
a implantação do bairro islâmico, que terá funciona‑ de uma escavação arqueológica na serra de Sintra”, Revista de
do a partir do século X até à conquista definitiva de Arqueologia Medieval, nº5, Campo Arqueológico de Mértola,
Sintra, em 1147. Edições Afrontamento, p.85‑101.
A Serra de Sintra possui todas as condições para LAING, Samuel (1844) – Chronicle of the Kings of Norway. Trans
a fixação destas comunidades medievais. Possui lated from the Icelandic of Snorro Sturleson, vol. III, London.
fontes de água natural, terras férteis que permitem
REI, António (2007) – “Os Rostos do Poder na Lisboa das Taifas
o cultivo e subsistência e várias áreas de bosque e (1009‑1093). Novas leituras”, Actas do Encontro Internacional
mato que proporcionam lenha e caça, acumulando «Nova Lisboa Medieval II», Lisboa, IEM / Livros Horizonte, pp.
o facto de que do alto dos seus penedos se controla 60‑70.
um vasto território, proporcionando que se tornas‑ RODIL, J. e CARVALHO, S. L. de. (1995) – Sintra: As Pedras e o
se uma guarda avançada da cidade de Lisboa. Tempo. Sintra: Ministério da Educação.
cio Beatriz, Márcio Martingil, Raquel Granja, Sónia SIMÕES, T. (1999) – O sítio neolítico de São Pedro de Canafer
Ferro e Tiago Pereira. rim, Sintra: contribuições para o estudo da península de Lisboa.
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logia; 12).
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CARDOSO, João Luís e SOUSA, Maria João de (2014) – O Bronze Investigação Arqueológica do Castelo dos Mouros, Sintra (Por
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Lisboa, p. 207‑225.
1
Doutoranda em História, especialidade em Arqueologia, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa;
IAP, Universidade Nova de Lisboa; IHC, Universidade Nova de Lisboa /mariana.brit.almeida@gmail.com
2
Doutorando em Arqueologia no programa de doutoramento Societat i Cultura da Universidade de Barcelona; IAP, Universidade Nova
de Lisboa; CHAM, Universidade Nova de Lisboa e Universidade dos Açores / edgarmcmfernandes@hotmail.com
Resumo
O presente artigo pretende analisar os azulejos das arcadas sob o coro da Igreja de São Roque (Lisboa). Para
tal, examinaremos a adaptação dos painéis aos espaços em que se inserem, identificaremos discrepâncias e
desajustes na decoração, motivados por modificações e reparações posteriores, e toda essa infomação será
relacionada com alterações estruturais registadas no interior do templo. O objectivo deste estudo é a elaboração
de uma leitura diacrónica das arcadas e da sua decoração azulejar, com vista a fornecer mais um contributo para a
compreensão das modificações espaciais e decorativas ocorridas na Igreja de São Roque ao longo dos séculos.
Palavras-chave: Igreja de São Roque (Lisboa), Arcadas sob o coro, Azulejos policromos, Discrepâncias deco‑
rativas, Análise espacial, Leitura diacrónica.
Abstract
This paper aims to analyse the tiles from the arcades under the choir of the Church of Saint Roch (Lisbon). To that
end, we will examine the adaptation of the panels to the spaces to which they belong, we will identify discrep‑
ancies and mismatches in the decoration motivated by later modifications and repairs, and that information will
be related to documented structural changes within the temple. The goal of this study is the formulation of a
diachronic reading of the arcades and their tile decoration, in order to provide another contribution towards the
comprehension of the spatial and decorative modifications that took place in the Church of Saint Roch through‑
out the centuries.
Keywords: Church of Saint Roch (Lisbon), Arcades under the choir, Polychrome tiles, Decorative discrepancies,
Spatial analysis, Diachronic reading.
123
1. Introdução ram na Igreja de São Roque ao longo dos séculos.
A Igreja de São Roque, em Lisboa, foi edificada na 2. Os azulejos das arcadas sob o coro
segunda metade do século XVI, pela Companhia da Igreja de São Roque
de Jesus. Contém no seu interior diversos painéis
de azulejo provenientes de oficinas portuguesas Debaixo do coro alto da Igreja de São Roque, a
e possivelmente espanholas, sevilhanas, que inte‑ Oeste e Este, existem duas pequenas arcadas com‑
gram hoje o património artístico da Santa Casa da postas por dois arcos cada. O interior e o exterior
Misericórdia de Lisboa. destes elementos estão decorados com painéis de
Em 2011, iniciámos o estudo dos azulejos ditos azulejos muito diversos, com maior ou menor poli‑
espanhóis da Igreja de São Roque, que se concen‑ cromia, alguns dos quais apresentam datas.
tram nas paredes do transepto, na Capela de Santo Santos Simões (19902, p. 89) refere estas com‑
António, na Capela do Senhor dos Passos, nas arca‑ posições, mas apenas no que concerne os tímpa‑
das e paredes próximas à entrada da igreja, no coro nos dos arcos, cujos azulejos considera típicos das
alto e na sacristia. Apresentámos, a 07 de Maio de oficinas de Roque Hernández e Cristóbal de Augus‑
2013, uma conferência sobre essa temática, na As‑ ta, mencionando que num dos tímpanos se lê a data
sociação dos Arqueólogos Portugueses. Todavia, de 1596. Os restantes painéis de azulejo e epígrafes
é‑nos impossível publicar aqui um artigo sobre to‑ das arcadas não foram mencionados pelo autor.
das essas áreas e composições azulejares, já que tal José Meco (1989, p. 52), por seu turno, diz que
trabalho seria sempre demasiado extenso para os os azulejos da área sob o coro e do transepto, inse‑
critérios editoriais da revista. ríveis na produção ítalo‑flamenga quanto à técnica
Assim, optámos por apresentar um artigo de‑ e decoração, foram feitos em 1596, por uma ofici‑
dicado apenas à análise das arcadas sob o coro na sevilhana que tinha como pintores o flamengo
da Igreja de São Roque e dos seus azulejos. Esco‑ Frans Andries e os espanhóis Roque Hernández e
lhemos esta alternativa porque, estando próximas Cristóbal de Augusta e, posteriormente, o italia‑
da entrada do edifício e sendo periféricas, as arca‑ no Antonio Sambarino e o espanhol Fernando de
das apresentam uma decoração azulejar singular, Valladares. O autor menciona também que a oficina
de grande complexidade figurativa, ao passo que terá começado a decair em inícios do século XVII,
outras áreas mais próximas da capela‑mor exibem portanto, pouco depois da realização das composi‑
composições muito mais simples, formadas essen‑ ções em análise. Mais adiante, Meco (1989, p. 194)
cialmente por azulejos de padrão. considera que os azulejos da área sob o coro consti‑
O presente texto analisará as arcadas e os seus tuem o melhor conjunto de azulejaria sevilhana ma‑
painéis, tendo em atenção aspectos como a adap‑ neirista conservado em Portugal, datado de 1596,
tação dos azulejos ao seu suporte e também discre‑ e que a decoração em torno dos arcos é uma ex‑
pâncias e desajustes decorativos, causados por mo‑ celente composição sevilhana de grotescos, cuja
dificações ou reparações posteriores. Pretende‑se ingenuidade e rudeza do desenho é compensada
igualmente relacionar a informação obtida através pela vivacidade das cores, reforçadas pelo fundo
da análise dos azulejos com alterações estruturais amarelo dos painéis.
ocorridas no interior da igreja. Este artigo terá, as‑ Em 1994, em livro dedicado aos azulejos de vá‑
sim, por objectivo proceder a uma leitura diacró‑ rios imóveis da Santa Casa da Misericórdia de Lis‑
nica das arcadas sob o coro e dos seus painéis de boa, Júlio Parra examina igualmente os azulejos das
azulejo, de modo a contribuir para um entendimen‑ arcadas sob o coro da Igreja de São Roque (Parra,
to progressivamente mais completo das diversas 1994, pp. 31‑33). O autor analisa pormenoriza‑
transformações espaciais e decorativas que ocorre‑ damente a iconografia dos painéis – tanto de um
OS AZULEJOS DAS ARCADAS SOB O CORO DA IGREJA DE SÃO ROQUE (LISBOA) 125
to, pensamos tratar‑se de algo distinto. De facto, caso, reconhecem‑se naquela zona vários pedaços
a ser uma alusão mariana, está relegada para uma do monograma IHS, que não pertencem ali e que
posição completamente secundária no espaço do já tinham sido observados por Pais (2006, p. 143,
templo, facilmente ignorada por um fiel. Para além nota 32). Podem ainda ver‑se azulejos de «ponta
disso, seria a única referência à Virgem no seio de de diamante» e «dente de lobo» – que existem um
um programa decorativo e simbólico exclusivamen‑ pouco por toda a igreja – e alguns azulejos perten‑
te cristológico, tornando essa interpretação pouco centes a composições figurativas que aparentam
verosímil ou mesmo algo forçada. ser do século XVI – por paralelos de técnica e colo‑
Propomos que o monograma AM possa cor‑ ração com as das quintas da Bacalhôa e das Torres,
responder à marca da oficina, ou mesmo do artista em Azeitão (Setúbal). Um dos azulejos identificados
que pintou os azulejos, devido à particularidade de apresenta o quadrante superior direito de uma cruz
ser encimado por uma linha horizontal cujo centro dentro de um medalhão e é em tudo semelhante a
é em arco e que apresenta um enrolamento para outro que encontraremos in situ na arcada este.
cima e uma pequena curva para baixo em cada uma O motivo que se registaria a meio da arcada
das pontas. Com efeito, encontramos este mesmo não é imediatamente nítido. Por comparação com
signo a encimar monogramas (no caso, VR, AMR e outras áreas das arcadas, percebe‑se a existência
AF) na cidade de Faenza, Itália, enquanto marcas de de um medalhão muito destruído, cercado por ele‑
uma olaria, utilizadas na marcação de peças de ce‑ mentos fitomórficos e cabeças humanas. Trata‑se de
râmica (Chaffers, 1901, p. 23). Nem Santos Simões um medalhão semelhante àqueles que apresentam
(19902, p. 89), nem Meco (1989, p. 52), nem Parra o monograma IHS em ambas as arcadas. À partida,
(1994, pp. 31-32) explicaram as razões que condu‑ parece impossível compreender o que se encontra
ziram às suas atribuições de autoria dos azulejos, dentro do medalhão, devido ao grau de destruição
pelo que é possível equacionar que o monograma do painel. No entanto, quando se localiza a cabe‑
AM corresponda ao nome do autor ou da oficina. ça humana do lado direito e uma espécie de voluta
Ademais, o facto de a data de 1596 estar in situ junto que está imediatamente abaixo dela, percebe‑se
ao monograma AM, no mesmo medalhão, não dei‑ que aquela área preserva uma pequena parte da
xa de fazer lembrar diversas obras de arte recentes, cercadura do medalhão. Dentro da cercadura, pin‑
presentes em espaços públicos, em que o nome tada no mesmo azulejo que ela e sobre um fundo
ou assinatura do autor é frequentemente acompa‑ amarelo, observa‑se nitidamente a metade inferior
nhado pela data de elaboração. Julgamos ser este de um S semelhante aos que compõem o monogra‑
o caso. A propósito da data de 1596 – presente em ma IHS noutros espaços das arcadas. Estando este
azulejos de ambas as arcadas, mas só in situ na ar‑ azulejo in situ, não há margem para dúvidas: esta
cada oeste, como veremos adiante –, Meco (1989, área no centro da arcada oeste teve, em tempos,
p. 52) utiliza‑a para atribuir cronologia a todos os um medalhão com o monograma IHS, semelhante
azulejos sob o coro e aos do transepto. Em nossa aos que ainda substistem em ambas as arcadas.
opinião, essa opção parece demasiado abrangen‑ Finalmente, na área mais setentrional da arcada
te. Acreditamos que a data de 1596 só poderá ser oeste, o medalhão que ostenta o monograma IHS
utilizada para conferir cronologia aos painéis figura‑ apresenta‑se cortado e sem qualquer tipo de cer‑
tivos policromos das arcadas. cadura entre a figuração e o limite físico da arcada
Os erros que se observam a meio da arcada são a Norte. A cercadura é parte integrante dos painéis
do mesmo género dos anteriores e deverão ter sido das arcadas sob o coro em todos os locais onde a
agravados devido à colocação de um candelabro composição original se conserva. Há inclusive que
(vd. fotografia em Parra, 1994, p. 32), circunstância notar que não existem azulejos de cercadura e azule‑
já registada por Pais (2006, pp. 143‑144). Neste jos figurativos: um mesmo azulejo contém frequente‑
OS AZULEJOS DAS ARCADAS SOB O CORO DA IGREJA DE SÃO ROQUE (LISBOA) 127
rum, «Do Reino dos Céus»). Este painel semicircular 2.2. Arcada este
exibe a cercadura típica em redor e não apresenta À semelhança do que acontece para a arcada oes‑
quaisquer discrepâncias ao nível da figuração. te, também os azulejos da arcada este viram as suas
A zona abaixo do tímpano está decorada com principais características amplamente publicadas.
azulejos de «ponta de diamante» e «dente de lobo», De um modo genérico, as diferenças mais relevantes
cercados por peças de enxaquetado azul. Esta orna‑ ao nível da decoração prendem‑se com a existência
mentação, que ocupa o espaço visual privilegiado de um tímpano, afrontado à Capela do Senhor dos
que é o centro do arco, é muito menos complexa Passos, em que os azulejos têm pintada uma concha
em termos figurativos e cromáticos do que aquela sobre a qual se observa um medalhão com motivos
que se localiza nos espaços periféricos, superiores fitomórficos associados, que contém uma cruz à
e laterais, da arcada. Seria expectável que o centro frente da qual se encontram duas chaves cruzadas
apresentasse a decoração mais complexa, o que na diagonal. Também ao nível da epigrafia se encon‑
não se verifica. tram diferenças: no tímpano mais a Sul, observa‑se a
Nos outros espaços da igreja, os azulejos de inscrição R[e]GNI/CŒLO/RVm1596// (Parra, 1994,
«ponta de diamante» e «dente de lobo» não ocu‑ p. 31; Pais, 2006, p. 142‑144).
pam posições de centralidade nos lugares em que A arcada este desperta questões semelhantes
estão colocados. No transepto, o centro é ocupa‑ às da sua congénere oeste. Para começar – de Sul
do pelos vários vãos que se abrem, acompanha‑ para Norte –, a zona sobre as arcadas que fica mais
dos, em certa medida, por quadrados e triângulos próxima da parede sul da igreja oferece um grande
compostos por azulejos policromos. Na Capela de número de azulejos ex situ, que serão porventura
Santo António e na Capela do Senhor dos Passos, exteriores ao templo. Trata‑se de peças do mesmo
encontram‑se nas paredes laterais e, consequente‑ tipo das «pontas de diamante» encontradas em lu‑
mente, longe do âmago cenográfico desses espa‑ gar semelhante, na arcada oeste, mas também de
ços de oração. restos de composições figurativas que parecem da‑
O princípio de relegar os azulejos de «ponta de tar do século XVI.
diamante» e «dente de lobo» para locais periféricos De igual modo e na mesma zona, são reconhe‑
não está em consonância com a centralidade que se cíveis dois azulejos provenientes dos quadrados
regista no interior do arco mais meridional da arcada de laçarias do transepto e que aqui foram coloca‑
oeste da igreja. Ademais, também aqui se percebe dos para preencher o espaço deixado vazio pelos
que os azulejos da segunda fiada a contar do topo originais. Uma grande parte dos azulejos que cum‑
e da segunda fiada a contar da esquerda foram cor‑ prem esta mesma função parece provir de painéis
tados para poderem caber na área disponível e, as‑ idênticos àqueles que ainda se encontram in situ nas
sim, colocados de baixo para cima e da direita para arcadas. O conjunto encontra‑se rodeado, nas zo‑
a esquerda. Finalmente, a ocorrência de uma cerca‑ nas em que se utilizaram peças ex situ, pela mesma
dura de azulejos enxaquetados em azul presta‑se, cercadura do restante painel, embora cortada irre‑
em nossa opinião, a atribuir a esta composição al‑ gularmente no interior, ou por enxaquetados azuis.
guma semelhança cromática com a cercadura dos O espaço entre os arcos, por seu lado, é afecta‑
painéis policromos existentes acima dos arcos e nas do por vários erros de padronagem, que não che‑
pilastras, conferindo alguma coerência à totalidade gam a perturbar as áreas limítrofes da composição.
das composições azulejares da arcada oeste. Estes executam‑se de modo a tirar partido das co‑
Por todas as razões acima descritas, acreditamos lorações dos motivos fitomórficos que cercam um
que este painel de azulejos de «ponta de diamante» medalhão praticamente arruinado, aplicando azule‑
e «dente de lobo» não se encontra no local para o jos com tonalidades semelhantes, os quais também
qual foi originalmente concebido. pertenceriam a painéis figurativos do século XVI, de
OS AZULEJOS DAS ARCADAS SOB O CORO DA IGREJA DE SÃO ROQUE (LISBOA) 129
composição, a falta óbvia da letra E em Regni, que bem como outras discrepâncias pictóricas, compro‑
está presente na arcada oeste. Também se obser‑ vam a ideia de que pelo menos dois medalhões po‑
va que, fora as quatro peças de azulejo que são licromos foram misturados neste espaço.
obviamente extravagantes em relação ao painel, Quanto à decoração do vão mais a Sul, trata
o conjunto em redor do medalhão tem claras defi‑ ‑se de «pontas de diamante» e «dentes de lobo»,
ciências de construção, que nos levam a defender rodeados por azulejos de enxaquetado azuis, que
que as peças saíram de composições diferentes, acreditamos terem sido colocados, como na arcada
embora semelhantes. oeste, fora do seu sítio original. As mesmas razões
Ademais, cabe perceber que o fabrico dos azu‑ de centralidade de uma composição mais pobre
lejos epigrafados que analisamos neste ponto obe‑ levam‑nos a defender tal ideia. Por outro lado, esta
dece a critérios de algum modo estandardizados. arcada sofreu, ao que tudo indica, danos estruturais
No caso de Regni Cœlorum, a expressão é distri‑ causados por um terramoto de magnitude elevada,
buída pelos azulejos da seguinte maneira: R|E|GNI| muito provavelmente o de 1755, encontrando‑se
CŒ|LO|RVm. Isto é facilmente comprovável quando inclinada para a direita do observador. Todavia, os
se comparam as duas arcadas, mesmo não estando azulejos adaptam‑se perfeitamente ao espaço, o
a letra E presente na oriental. Também a data de que sugere que a sua última colocação será poste‑
1596 aparece sempre pintada num único azulejo, rior ao sismo.
em ambos os lados da igreja.
Ora a distribuição do espaço no tímpano da ar‑ 3. AS ARCADAS SOB O CORO E OS SEUS
cada este não permite, como facilmente se pode AZULEJOS NO ÂMBITO ESPACIAL DA IGREJA
observar, a presença do azulejo que deveria conter DE SÃO ROQUE: LEITURA DIACRÓNICA
a letra E, que acaba por ser substituído, em termos E PROPOSTA DE RECONSTITUIÇÃO
volumétricos, pelo azulejo com a data de 1596, im‑ DA DECORAÇÃO
pedindo que o medalhão fique excessivamente va‑
zio no quarto inferior direito. Após termos analisado as diversas composições
Por outro lado, o azulejo onde se encontra a azulejares que adornam as arcadas sob o coro da
sílaba GNI apresenta vestígios de uma cercadura Igreja de São Roque, cabe agora relacionar os da‑
pintada de azul escuro, azul claro e laranja. Ao ob‑ dos de que dispomos com o que se conhece da
servar que o GNI do tímpano da arcada oeste se en‑ história da igreja, tendo por objectivo integrar estes
contra num azulejo todo pintado de amarelo, sem conjuntos de azulejos no espaço e no tempo.
qualquer cercadura, e verificando ainda que a maior Em primeiro lugar, há duas questões, decorren‑
parte da cercadura do medalhão com a inscrição tes da análise que efectuámos, que nos parecem
Regni Cœlorum apresenta outro tipo de espessura, fundamentais: a aparente continuidade da decora‑
padrão e coloração – em tudo idênticos ao do me‑ ção para Norte e a presença de diversos azulejos
dalhão intacto da arcada oeste –, concluimos que o ex situ que pertencem a composições semelhantes
azulejo com GNI presente na arcada este não está àquelas que se encontram in situ nas arcadas. As
colocado no sítio onde originalmente se encontra‑ fontes escritas parecem confirmar a ideia de um
va. Com efeito, não podemos mesmo assegurar que azulejamento para Norte. O padre jesuíta Baltasar
esta peça compusesse a expressão Regni Cœlorum, Teles, na sua Chronica da Companhia de Iesu na
porque o medalhão a que pertenceria é totalmente Provincia de Portugal1, descreve esta área da igreja
diferente daqueles que sabemos, sem margem para do seguinte modo:
dúvidas, que exibiam esta locução – de que é exem‑
plo o medalhão da arcada oeste. 1
Agradecemos ao Mestre João Miguel Simões (Museu de
Todas as observações descritas neste parágrafo, São Roque) a indicação desta importante referência bibliográfica.
OS AZULEJOS DAS ARCADAS SOB O CORO DA IGREJA DE SÃO ROQUE (LISBOA) 131
sem outras epígrafes nos tímpanos dos arcos mais a dos por proximidades cromáticas e/ou figurativas
Norte, hoje obliterados. relativamente às composições cujas falhas vão col‑
Em relação às pilastras, em que a decoração está matar. Percebe‑se que muitos deles pertenceriam
estritamente ligada à Paixão de Cristo, é possível originalmente às próprias arcadas, estando agora
que aquelas que hoje já não existem apresentassem fora do sítio original de implantação. Outros têm
outros símbolos dentro da mesma temática. Não paralelos noutras áreas da igreja, algumas das quais
podemos ter a certeza de que símbolos seriam, mas se encontram, por sua vez, colmatadas com ou‑
existe um paralelo bastante mais tardio que nos po‑ tros azulejos ex situ. Os quadrados policromos do
derá eventualmente elucidar. O resplendor do Se‑ transepto são um bom exemplo desta situação. No
nhor Santo Cristo dos Milagres (Ponta Delgada, São braço oeste, um dos quadrados está colmatado por
Miguel, Açores), feito entre 1777 e 1786, apresenta diversos azulejos de padrão, dos séculos XVII e XVIII
os símbolos da Paixão que ainda hoje se vêem nas (Parra, 1994, p. 30); no espaço correspondente a
arcadas, mas também outros: o galo, o estandarte outro quadrado, encontra‑se o ossário – para o qual
com a sigla SPQR (Senatus Populusque Romanus, não encontrámos cronologia – do Pe. Simão Rodri‑
«O Senado e o Povo Romano»), a coroa de espi‑ gues (1510‑1579), primeiro provincial da Província
nhos, os pregos, a mão que esbofeteou Cristo, o de Portugal da Companhia de Jesus. No entanto,
maço de um dos algozes, a túnica, o látego e o feixe nas arcadas, encontram‑se azulejos idênticos aos
de varas com que Cristo foi flagelado, as escadas e, dos quadrados do transepto, que terão certamen‑
por fim, o gomil, a bacia e a toalha com que Cristo te saído dessas composições. Por fim, há diversos
lavou os pés aos discípulos (Franco et al., 2014, pp. azulejos ex situ nas arcadas que não encontram pa‑
100, 111‑112). Não é impossível que alguns ou to‑ ralelos na igreja, sendo possivelmente provenientes
dos estes símbolos da Paixão estivessem presentes de recoveiros.
na decoração azulejar de pilastras hoje obliteradas.
Quanto aos vãos cegos dos arcos, que hoje 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
apresentam azulejos de «ponta de diamante» e
«dente de lobo», estariam abertos e operacionais, As arcadas sob o coro da Igreja de São Roque, sen‑
no estado original da igreja, e só deverão ter sido do espaços periféricos no interior do templo, surpre‑
transformados após a inutilização dos confessioná‑ endem pela riqueza figurativa e cromática dos seus
rios descritos pelo Pe. Baltasar Teles. O cronista jesu‑ azulejos. Dentro da igreja, só os painéis da Capela
íta não refere especificamente que todos os nichos de São Roque e os quadrados e triângulos de azule‑
deixaram de funcionar como confessionários, sendo jos policromos do transepto apresentam semelhan‑
possível que os que ainda se mantêm tenham conti‑ ças com as composições das arcadas, simplesmente
nuado a cumprir essa função mesmo depois de as pelo facto de não serem azulejos de padrão, que são
quatro capelas a Sul do púlpito terem sido constru‑ maioritários no templo.
ídas. Como referimos atrás, a inclinação que se ob‑ Depois da apresentação dos dados decorrentes
serva na arcada este terá sido causada por um sismo da nossa análise dos painéis de azulejo e da leitura
de elevada magnitude, muito provavelmente pelo da crónica do Pe. Baltasar Teles, parece‑nos eviden‑
Terramoto de 1755. Estando os azulejos de «pon‑ te que as arcadas e a sua decoração azulejar perten‑
ta de diamante» e «dente de lobo» perfeitamente cem a uma fase mais antiga da Igreja de São Roque,
adaptados ao espaço que ocupam, somos levados da qual já não existem muitos outros testemunhos.
a considerar que a sua colocação tenha sido poste‑ Os azulejos das arcadas apresentam a data de 1596
rior a esse momento. e deverão ser entendidos como parte de um mo‑
Importa notar que a grande maioria dos azulejos mento construtivo e decorativo coincidente com a
ex situ que se encontram nas arcadas foram escolhi‑ fase final de edificação da igreja.
OS AZULEJOS DAS ARCADAS SOB O CORO DA IGREJA DE SÃO ROQUE (LISBOA) 133
ao Mestre Carlos Boavida (AAP; IAP, Universidade SIMÕES, João Miguel dos Santos (1997) – Azulejaria Portuguesa
Nova de Lisboa), por nos ter convidado a apresentar no século XVII. Tomo I – Tipologia (com desenhos e aguarelas de
Emílio Guerra de Oliveira). 2.ª edição (revista e actualizada). Lis
uma conferência sobre este tema à Secção de His‑
boa: Fundação Calouste Gulbenkian.
tória da Associação dos Arqueólogos Portugueses.
SOUSA, Francisco Luís Pereira de (1909) – Effeitos do terremoto
de 1755 nas construções de Lisboa. Lisboa: Imprensa Nacional.
BIBLIOGRAFIA
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(OLIVEIRA, Maria Helena; MORNA, Teresa Freitas, coord. geral).
Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa / Museu de São
Roque. ADENDA (24 DE MARÇO DE 2017)
CHAFFERS, William (1901) – The Collector’s Hand‑Book on Pottery Ainda no que diz respeito ao monograma AM, existente na ar‑
and Porcelain of the Renaissance and Modern Periods. Londres: cada oeste, identificámos um paralelo formal numa pintura atri‑
Reeves and Turner. buída, com reservas, a Inácio de Oliveira Bernardes (1697-1781),
FRANCO, Anísio; PENALVA, Luísa; PIMENTEL, António Filipe; datada de 1730, que adorna o altar-mor do Oratório Real Sul
BASTOS, Celina (2014) – O resplendor do Senhor Santo Cristo do Palácio de Mafra. Este quadro representa Nossa Senhora do
dos Milagres. A maior e melhor jóia devocional portuguesa. In Livramento com o Menino Jesus ao colo, sobre um pedestal em
HENRIQUES, Ana de Castro, coord. ed. – Splendor et Gloria. Cin que se lê a inscrição LIBERATRIX / IN NECESSITATIBVS. S. Jo: /
co joias setecentistas de exceção. Lisboa: Museu Nacional de Ar Damasc.//, que se traduzirá por «Libertadora nas necessidades»,
te Antiga (Colecção Sala do Tecto Pintado), pp. 100‑113. seguindo-se o que parece ser uma alusão a São João Damasceno
(c. 655-c. 750) (vd. Saldanha, 1994, pp. 198-199).
MECO, José (1989) – O Azulejo em Portugal. Lisboa: Edições Alfa. O pormenor que aqui nos interessa registar é a presença,
no pedestal, de um monograma AM encimado por uma coroa
ODCC = CROSS, Frank L.; LIVINGSTONE, Elizabeth A., eds. (1997)
fechada e tendo, à direita, uma palma e, à esquerda, um ramo de
– The Oxford Dictionary of the Christian Church. 3.ª edição. Nova
flores, os quais se unem em baixo. Trata-se de um monograma
Iorque: Oxford University Press.
em tudo idêntico ao da arcada oeste, excepto na circunstância
PAIS, Alexandre (2006) – O espólio azulejar nos palácios e con‑ de ser encimado por uma coroa, em lugar do signo que encon‑
ventos da Misericórdia de Lisboa. In OLIVEIRA, Maria Helena, tramos sobre o exemplar da arcada, e também no facto de a letra
coord. geral – Património Arquitectónico – Santa Casa da Mise A não apresentar a típica barra horizontal a meio.
ricórdia de Lisboa. Vol. 1. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Nuno Saldanha, que estudou a pintura no livro em que a
Lisboa / Museu de São Roque, pp. 136‑161. encontrámos, interpreta o monograma como referindo-se à rai‑
nha D. Maria Ana de Áustria (1683-1754), esposa de D. João V
PARRA, Júlio (1994) – Azulejos. Painéis do Século XVI ao Século
(r. 1706-1750), visto que o quadro e o oratório se encontravam
XX. Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa / Museu de São
nos aposentos privados da rainha (Saldanha, 1994, pp. 198-199;
Roque (Colecção Património Artístico, Histórico e Cultural da San
Oratório Sul, site do Palácio Nacional de Mafra). Porém, em nos‑
ta Casa da Misericórdia de Lisboa; 1).
sa opinião, o facto de o monograma AM se achar num pedes‑
RODRIGUES, Maria João Madeira (1980) – A Igreja de São Roque. tal sobre o qual se encontra a Virgem poderá atribuir sentido à
Lisboa: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. teoria segundo a qual este significa Ave Maria. A coroa sobre o
monograma poderia, talvez, remeter para a instituição de Nossa
RODRIGUES, Maria João Madeira (1988) – A Capela de S. João Senhora da Conceição como padroeira de Portugal por D. João
Baptista e as suas colecções na Igreja de S. Roque, em Lisboa. IV (r. 1640-1656), que abdicou de usar a coroa, tal como os seus
Lisboa: Edições Inapa (Colecção História da Arte). sucessores, e que jurou a Virgem, com toda a Família Real, nas
Cortes de 1645-1646 (Costa e Cunha, 2006, pp. 203-204). Tam‑
RAMALHO, Maria M. B. de Magalhães; SOROMENHO, Miguel;
bém o epíteto de «Rainha do Céu», que inicia o hino Regina Cœli
NUNES, Ana; SERPA, Catarina; SANTOS, Ana Luísa; UMBELINO,
(vd. ODCC, p. 1376), poderia justificar a presença da coroa.
Cláudia (1999) – Da antiga Ermida à Igreja e Casa Professa de S.
No entanto, esta interpretação é hipotética e tem uma alter‑
Roque. Alguns vestígios arqueológicos e antripológicos. In BRAN
nativa na atribuição do monograma AM à rainha – tal como na
DÃO, Elvira, ed. – A Ermida Manuelina de São Roque. Lisboa:
arcada oeste da Igreja de São Roque, onde defendemos que
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/Museu de São Roque, pp.
poderá constituir uma marca de produção azulejar. Ainda assim,
17‑36.
qualquer uma destas suposições parece carecer de provas mais
SIMÕES, João Miguel dos Santos (1990) – Azulejaria Portuguesa concludentes.
no século XV e XVI. Introdução geral. 2.ª edição. Lisboa: Funda
ção Calouste Gulbenkian.
Figura 1 – Arcada oeste: A – Espaço entre a parede sul da igreja e o arco sul. B – Espaço entre os arcos. C – Espaço entre o arco norte
e a Capela da Sagrada Família. D – Pilastra sul. E – Pilastra central. F – Pilastra norte. G – Tímpano do arco sul.
OS AZULEJOS DAS ARCADAS SOB O CORO DA IGREJA DE SÃO ROQUE (LISBOA) 135
Figura 2 – Arcada este: A – Espaço entre a parede sul da igreja e o arco sul. B – Espaço entre os arcos. C – Espaço entre o arco norte
e a Capela de Nossa Senhora da Doutrina. D – Pilastra sul. E – Pilastra central. F – Pilastra norte. G – Tímpano do arco norte. H – Tímpano
do arco sul.
Resumo
O Homem associou as dimensões lineares a padrões dimensionais de partes do seu corpo para estabelecer
sistemas coerentes de medidas. Assumindo os mesmos nomes – dedo, polegada, palma, palmo, pé e côvado
– são distintos os comprimentos destas unidades, consoante as culturas e civilizações. As metrologias anteriores
ao metro privilegiam a base sexagesimal e duodecimal, em vez da decimal.
Resultando de estudos aritmológicos, caracterizaram-se os sistemas métricos medievais que detectámos em
objectos arquitectónicos localizados no actual território português: o côvado muçulmano, o pé de rei – e a sua
variante da quina, utilizada pelos Mestres construtores – e o sistema craveiro português, que perdurou desde a
fundação da nacionalidade até à introdução do sistema métrico decimal.
Palavras‑chave: Arquitectura, Aritmologia, Medidas medievais, Medidas muçulmanas, Sistema craveiro, Pé
de rei.
Abstract
Man has associated linear dimensions to dimensional paterns of parts of his body in order to establish coherent
systems of measurements. Assuming the same names as the body parts – finger, inch, hand, palm, foot and cubit
– the lengths of these units differ for different cultures and civilisations. Metrology prior to the metre privileges the
sexagesimal and duodecimal standart, instead of the decimal system.
Resulting from arithmologycal studies, one can categorise the medieval metrical systems that were detected
in architectural objects located in current Portuguese territory: the Iberian Muslim cubit, the king’s foot (pied de
roi), and the variant that was used by Master builders, the “Quina” – and the Portuguese “craveiro” system, that
lasted ever since the foundation of nationality up to the introduction of the decimal metric system.
Keywords: Architecture, Arithmology, Medieval measurements, Muslim measurements, “Craveiro” system, King’s
foot (pied de roi).
137
1. INTRODUÇÃO seus construtores, utilizar os mesmos meios que o
Criador usou. Esses meios traduzem‑se pela aplica‑
As medidas utilizadas na arquitectura são um ele‑ ção da aritmologia, que é um ramo derivado do co‑
mento caracterizador, implícito mas determinante, nhecimento matemático pitagórico, de onde retém
que importa desvelar para melhor compreender o carácter simbólico religioso. Aliando a geometria
estruturas arqueológicas. Para isso, temos de des‑ e o número, a aritmologia divide‑se em estrutural e
vendar os sistemas de medidas que foram utiliza‑ dimensional e constitui o simbolismo operativo da
dos, bem como os traçados e os números que de‑ arquitectura tradicional3.
terminaram essas construções. A aritmologia estrutural é observável por qual‑
Para conhecer a simbólica e os padrões dimen‑ quer um que se disponha a fazê‑lo sobre uma re‑
sionais que estão na matriz da arquitectura, recor‑ presentação rigorosa e utiliza as formas elemen‑
remos aos estudos efectuados por George Jouven1. tares incluídas no plano arquitectónico. Recorre a
Para a caracterização das medidas lineares aplicadas elementos geométricos simples: a recta, o círculo,
em Portugal, antes da adopção do sistema métrico os polígonos regulares – o triângulo equilátero, o
decimal, recorremos a um nosso trabalho2. Estudos triângulo isósceles recto, o quadrado, o duplo qua‑
posteriores permitiram‑nos avançar sobre as medi‑ drado, o pentágono, bem como figuras suas deriva‑
das muçulmanas que se encontram em estruturas, das, como o octógono e o decágono – o cubo e a
desse período, situadas no Sul de Portugal. esfera, que constituem a base utilizada pelos arqui‑
tectos para delinear as edificações, tanto em planta
2. A ARITMOLOGIA ESTRUTURAL como nos planos elevados.
E DIMENSIONAL A aritmologia dimensional refere‑se ao valor das
cotas da forma arquitectónica e expressa‑se, com
O Homem edificou tomando por modelo a perfei‑ números, considerados privilegiados, e em unida‑
ção da Criação. Acreditava, no seu íntimo religioso, des sagradas: o pé, para o mundo cristão, e o côva‑
que os números, particularmente alguns com pro‑ do, para as restantes religiões. Só é reconhecível
priedades excepcionais, possuíam uma atribuição por quem conhecer esses números e o padrão da
divina, tendo presidido à criação do Cosmos. Por sacra medida4.
isso, a arquitectura é portadora de um simbolismo
cosmogónico e, portanto, divino, que se traduz na 3. A MATRIZ DA METROLOGIA MEDIEVAL
utilização de formas geométricas, medidas e nú‑ – AS MEDIDAS PELA MÃO DE VITRÚVIO
meros significativos. Estes símbolos, incluídos no
delinear dos edifícios, permitiam, na convicção dos Vitrúvio, nos Dez livros de arquitectura, explica a ori-
3
O conceito de arquitectura tradicional aqui utilizado é dis‑
1
Esta informação está patente na obra de Georges Jouven, tinto do usual e deve ser entendido como Georges Jouven o de‑
iniciada com a publicação de Rythme et Architecture, em 1951, fine: «(...) Le vocable d’« Architecture tradicionnelle » sera utilisé
retomada em Les Nombres Cachés, editada em 1978, e L’Archi pour désigner l`Architecture tracée. (...)» in L`Architecture Cachée
tecture Cachée, do ano seguinte, e culmina com o livro La Forme – tracés harmoniques, p. 10. Este conceito também está presente
Inicial que sintetiza os anteriores estudos e constitui a sua tese de na «árvore da tradição» da aritmologia, que tem raízes no início
doutoramento. da civilização, desde o III milénio a.C., e vigorou até à Revolução
Francesa. Pontualmente, como no caso de Le Corbusier, os ra‑
2
As Medidas Como Elemento Caracterizador da Arquitectu
mos deste saber chegaram à contemporaneidade. Cf., Jouven,
ra Entre os Séculos XII e XVIII, com base no estudo de Monsaraz,
George – La Forme Initiale – Symbolisme de l`Architecture Tradi
tese do Curso de Mestrado em Reabilitação da Arquitectura e
tionelle. Paris: Dervy‑ Livres, 1985, pp. 65‑67.
Núcleos Urbanos, 1992/94, da U.T.L. – F.A. Com base nesta dis‑
sertação foi publicado, em 2003, pela editora Caleidoscópio, o 4
Sobre este tema veja‑se Jouven, George – La Forme Initia
livro: As Medidas na Arquitectura, séculos XIII a XVIII. O estudo de le – Symbolisme de l`Architecture Traditionelle. Paris: Dervy‑ Livres,
Monsaraz, Col. Pensar a Arquitectura. 1985, pp. 57‑64.
5
Vitrúvio, Marco Lucio – Los diez livros de arquitectura, Figura 1 – Desenho que acompanha a tradução de Claude
Barcelona: Editorial Iberia, 1985, p. 67. Optou‑se, quer nesta, quer Perrault de «Os dez livros de arquitectura de Vitrúvio». À esquer‑
nas restantes citações, por se fazer uma tradução livre com base da, as proporções do corpo humano e, à direita, a ilustração dos
no texto traduzido directamente do Latim por Agustín Blánquez, sistemas metrológicos grego, romano e do pé de rei. Retirado
comparado com o da tradução de Claude Perrault, de 1624. de Les Dix Livres D’Architectures de Vitruve, traduzidos e corrigi‑
6
Idem, ibidem, p. 67. dos por Claude Perrault em 1624. Ed. Fac-simile, Pierre Mardaga
Editeur, 1979, p. 59.
7
Diz‑nos Vitrúvio: «(...) a Natureza fez o corpo humano
de maneira que o rosto, medido desde o queixo até o alto da
fronte e a raiz dos cabelos, fosse a décima parte da altura total. Foram as propriedades aritméticas do número
Igualmente, a palma da mão, desde o nó do pulso ao extremo
do dedo médio, é outro tanto. A cabeça, desde o queixo até ao
seis, que se subdivide em números inteiros, que fi‑
topo, é a oitava parte de todo o corpo. A mesma medida existe zeram eleger, pelos matemáticos, o uso das sequên‑
desde o alto do pescoço até à parte superior do peito. Do alto cias sexagesimal e duodecimal, para as medidas
deste até à raiz do cabelo vai uma sexta parte; e até ao topo,
uma quarta. E no mesmo rosto, há um terço desde o queixo ao
anteriores à adopção do metro. Esta base da métri‑
nariz; desde este até às sobrancelhas, outro terço; e outro igual‑ ca recua, cronologicamente, muito além do mundo
mente desde ali até à raiz dos cabelos, onde começa a fronte. E
quanto ao pé, é a sexta parte da altura do corpo; o côvado, a
quiseram que o número perfeito fosse o seis, porque os divisores
quarta parte. A palma, a vigésima quarta, e assim todos os de‑
de este número, no seu modo de raciocinar, somados, igualam o
mais membros têm cada um suas medidas e suas corresponden‑
número seis (…). Igualmente porque o pé do homem corresponde
tes proporções (...)» Idem, ibidem, pp. 67‑68.
à sexta parte da altura do seu corpo, ou noutros termos, porque
8
Vitrúvio também explica a origem da eleição das séries de‑ a expressão da altura do corpo em número de pés é este número,
cimal e sexagesimal, utilizadas para a estrutura numérica das me‑ que é o de pés da altura, estes resultam seis, declararam o seis
didas. «(...) Os antigos estimaram perfeito o número dez porque o número perfeito; e também verificaram que o comprimento do
tomaram do número de dedos das mãos; dos dedos nasce logo côvado se compõe de seis palmas, e por conseguinte de vinte e
a palma, e da palma o pé. (…). Os matemáticos, pelo contrário, quatro dedos (...)» (Idem, ibidem, p. 69-70).
9
«Anticipant de quelques siècles la fondacion de Bizance, zado no século seguinte, cuja construção atribui aos bizantinos.
nous avons pour des raisons simplificatrices attribuié le vocable « Depois, identificou‑o nos primeiros e mais significativos monu‑
bizantin » au pied de Sainte‑Sophie qui était en usage en Grande mentos cristãos mediterrânicos: desde logo, no Anastasis e na
Grèce e au Proche‑orient avant le début de l’ère cheétienne.» basílica constantiniana do Santo Sepulcro, bem como na basílica
Jouven, George – op. cit., p.98. da Natividade – quer nas estruturas que permanecem da edifica‑
ção mandada fazer por Constantino, no século IV, quer do templo
10
Idem, ibidem, p. 50.
determinado, no século VI, por Justiniano. Reconheceu esta mes‑
Nas suas análises aritmológicas, Jouven encontrou‑o em
11
ma medida em Santa Sofia de Constantinopla e em San Vitale, de
edifícios realizados no princípio da nossa Era, como o anfiteatro Ravena, edificadas no século VI, bem como em São Marcos de
de Nimes, do fim do século I a.C. e no Coliseu de Roma, reali‑ Veneza, datada do século XI. Idem, ibidem, p.49.
A análise dimensional dos trabalhos, publicados um côvado de 47 cm, assim como os seus múltiplos
por Mário Varela Gomes e Rosa Varela Gomes, so‑ e submúltiplos, aplicados na definição de elemen‑
bre o Castelo de Silves, o Ribat da Arrifana e o Cas‑ tos dessas estruturas arquitectónicas muçulmanas
telo Belinho, permitiu‑nos identificar o estalão de (fig. 3).
Figura 3 – Estudo dimensional de Castelo Belinho, com a identificação da métrica muçulmana, sobre o desenho da estrutura, cujo
levantamento foi da responsabilidade de Mário e Rosa Varela Gomes, a quem agradecemos a generosa cedência de imagem.
inscrição ajuda a compreender porque é que as uni‑ clérigos construtores, sendo este o estalão utilizado
dades de medida utilizadas pelos construtores, valida- para a modulação das obras religiosas. Nestes esta‑
das pela sua origem sagrada, se tornaram tão estáveis e leiros, mestres de obra, companheiros e construto‑
perenes no tempo, constituindo‑se no cânon utilizado res, ligados por laços profissionais, organizavam‑se
no dimensionamento dos edifícios religiosos cristãos. em lojas, onde também partilhavam o cânon com a
Carlos Magno (742‑814), com a provável inten‑ dimensão do pé do Grande Arquitecto.
ção política de se demarcar do padrão bizantino do O pé de Paris, designação que o pé de rei, pos‑
Império do Oriente, promoveu uma reforma metro‑ teriormente, adquiriu em França, possuía o mesmo
lógica com uma nova medida unificadora e univer‑ valor, correspondendo ao pé implementado por
sal – o pé de rei. Não se referindo este pé ao rei dos Carlos Magno. O seu uso permaneceu na arquitec‑
francos e imperador do Ocidente, mas a Cristo Rei. tura francesa, desde a Idade Média até à Revolu
Foi com esta medida, autenticada pela sua origem ção Francesa. A mesma longa vigência também se
divina e que o imperador acreditava ser sagrada, regista no côvado de Omar e no sistema craveiro
que se iniciou a unificação da metrologia, imple‑ adoptado em Portugal, já que deverá ter sido imple‑
mentando a dimensão que reinará nas construções mentado na formação da nacionalidade e foi usado
religiosas da Idade Média, no Ocidente. até vingar o sistema métrico decimal, na segunda
metade do século XIX.
12
A ligação não é absolutamente rigorosa, pois regista um Não sendo uma medida portuguesa, verifica‑se
desvio de 4 mm, mas, se considerarmos simbolicamente o biná
que o pé de rei se encontra em território nacional. A
rio do Céu [1] e a Terra [2], a relação reforça as atribuições divinas
das duas medidas. sua introdução e utilização foram feitas primeiro pe‑
13
Tradução latina do Omphalos, lugar simbólico privilegiado
las ordens religiosas de origem francesa16 e, depois,
pois encontrava‑se equidistante dos três espaços religiosos: a Pri pelas ordens religioso‑militares, devido às relações
são, o Gólgota (Calvário) e o Túmulo.
14
JOUVEN – Op. cit., p. 143, citando Vincente e Abel, que se 15
Jouven, Georges – Op. cit., p.51. (...) A partir d’une date
referem aos Itinéraires russes en Orient, p.12 e seg., de Madame que nous fixons arbitrairement l’achèvement de la grande nef de
de Khitrovo, refere que o higúmeno Daniel (abade de um mostei‑ Cluny (vers 1070) (infra p.235) qui mesurait très exactement 400
ro ortodoxo) em peregrinação aos Lugares Santos, no princípio pieds de roi de 32,484 cm, (...).
do século XII escreveu: II, 1. «Derrière l’autel à l’extérieur du mur 16
Virgolino Jorge identificou o pé de rei, que denominou de
(de l’Anastasis, c’est‑à‑dire dans le Saint‑Jardin) se trouve l’ombilic pé real, na modulação arquitectónica da igreja cisterciense de
de la terre qui est recouvert d’une petite construction au‑dessus de São João de Tarouca (1169) (Jorge, 2006, pp. 376‑385) bem
laquelle le Christ est represente en mosaïque avec cette légende: la como na igreja abacial de Alcobaça (1178), também pertencente
plante de mon pied sert de mesure pour le Ciel et la Terre ». à Ordem de Cister (Jorge, 1994, pp. 113‑119).
Quadro 2 - As cinco medidas da quina dos mestres de obra e da sua correspondência no sistema métrico decimal.
Ao adoptar unidades dimensionais retiradas da dulo base. Pela análise dos vários exemplares arqui‑
série de Fibonacci,as medidas da quina garantem, tectónicos que tivemos oportunidade de fazer em
entre elementos sucessivos, a proporção da média Monsaraz, o sistema craveiro, ao ser implementado
e extrema razão e cumprem a relação com o Nú‑ pelos primeiros reis portugueses, coexistiu – pelo
mero de Ouro20. Para maior comodidade, esta vara menos manuseado nos estaleiros medievais, entre
podia ser composta por segmentos articulados que os companheiros e mestres de obra – com o pé de
seriam a materialização da dupla progressão aritmé‑ rei, retomando, paulatinamente, o seu lugar. Esta
tica e geométrica da Secção de Ouro21. passagem parece ter acontecido em paralelo com
as profundas alterações na organização do trabalho
8. O SISTEMA CRAVEIRO PORTUGUÊS dos estaleiros de arquitectura portugueses nos sé‑
culos XV e XVI (figs. 5 e 6).
As medidas craveiras constituem a metrologia da Não é possível, no actual estado da investiga‑
tradição portuguesa de que o palmo é o seu mó‑ ção, apontar uma data, acontecimento ou imposi‑
ção oficial que determine o predomínio do sistema
20
Porque o resultado do quociente entre dois termos suces‑ craveiro no território português, mas subsistem pa‑
sivos tende para esse número, sendo mais rigoroso, conforme au‑
menta a sucessão da série: 1/1 = 1; 2/1 = 2; 3/2 = 1,5; 5/3 = 1,666;
drões murais de medidas medievais, que chegaram
8/5 = 1,6; 8/13 = 1,625, 21/13 = 1,615; 34/21 = 1,619; 55/34 = até nós, e que constituem testemunhos arqueológi‑
1,6176; 89/55 = 1,618; 144/89 =1,6719; 233/144 = 1,61805; etc. cos fundamentais para o estudo da antiga metrolo‑
21
Cada termo é igual à soma dos que o precedem, numa sé‑ gia portuguesa.
rie aritmética (233 = 144 + 55; 144 = 89 + 55; 89 = 55 + 34), mas
que é, também, igual ao produto do que o precede pelo número
de ouro F, concretizando uma série geométrica (34 x 1.618 =
55; 55 x 1,618 = 89; 89 x 1,618 = 144; 144 x 1,618 = 233).
Figura 6 – Ermida de Santa Catarina, nos arredores de Monsaraz. Enquanto a ousia, do século XIII, está dimensionada tendo o pé de
rei, como módulo, e a quina dos Mestres de obra, nos elementos arquitectónicos, o corpo da nave, construído três séculos depois,
patenteia o sistema craveiro português.
22
Barros, Henrique da Gama – História da Administração
Pública em Portugal nos séculos XII a XV, vol. X, Lisboa: ed. Tor
quato de Sousa Soares, s/d, p. 20. 24
Cf. Mário Jorge Barroca, «Medidas‑padrão medievais por‑
23
«Medidas‑padrão medievais portuguesas», in: separata da tuguesas», in: separata da Revista da Faculdade de Letras. His
Revista da Faculdade de Letras. História, Porto, 1992. tória, Porto, 1992, pp. 64‑66.
25
A vara admite divisão em medidas inteiras de duas, três,
quatro e cinco partes, podendo ainda obter‑se – com a subdi‑
visão das três últimas, nas suas metades – a sexta, a oitava e a
décima parte da vara. Todas estas fracções se enquadram em nú‑
meros inteiros de linhas. Este facto, só permitido porque a vara
se estrutura em números decimais e duodecimais, dá‑lhe uma
Figura 7 – Correspondência anatómica das medidas do sistema versatilidade, sem dúvida, superior ao metro que, por este ser
craveiro português. 1 – Pé; 2 – Palmo; 3 – Mão-travessa (1/2 pal‑ só decimal, ao ser fraccionado de modo semelhante, não tem
mo); 4 – Palma (4 dedos); 5 – Furco (1/2 pé). sempre submúltiplos em números inteiros.
Jarda 99 Cm
Vara 110 Cm
Toesa 198 Cm
Braça 220 Cm
Cana ou Aguilhada 396 Cm
Quadro 4 – Quadro da correspondência do Sistema Métrico Decimal com as medidas do Sistema Craveiro português.
Após um período de intensa actividade, relaciona‑ Arqueológicos”, pelo artista plástico Kelvin Wilson
da com a comemoração dos 150 anos da nossa As‑ (2/12/2014).
sociação, que envolveu todos os sectores da vida Verificou-se também um aumento exponencial
associativa, 2014 foi sobretudo um ano de consoli‑ da actividade da Comissão de Heráldica, devido
dação de resultados e experiências, em que se con‑ à recente reorganização administrativa do país, de
tinuou a procurar melhorar a eficiência dos serviços que resultou a fusão de inúmeras freguesias, e a
prestados aos nossos consócios, bem como à co‑ consequente necessidade de alteração das respec‑
munidade que nos rodeia. tivas representações heráldicas. Com efeito, neste
Conseguiu-se, assim, manter o nível de activi‑ ano foram analisados 209 processos e emitidos
dade científica das várias secções e comissões, que 202 pareceres, o que contrasta com cerca de uma
reuniram com regularidade, tendo sido apresenta‑ dezena de pareceres emitidos no ano de 2013.
das cerca 14 comunicações , a maior parte das quais Neste ano concluiu-se a reorganização do Ar‑
tiveram bastante assistência e suscitaram animados quivo Histórico, com o apoio da Fundação Calouste
debates entre os presentes. Além das sessões re‑ Gulbenkian, encontrando-se também muito adian‑
gulares de trabalho foram ainda organizados os se‑ tada a catalogação e informatização da Biblioteca.
guintes colóquios: “Sou arqueólogo ou não?, notas No que respeita ao Museu Arqueológico do
sobre o enquadramento jurídico da profissão” (Sec Carmo, reforçou-se também a actividade do Servi‑
ção de Pré-História 14/5/2014), e “Recintos fortifi‑ ço Educativo, com a introdução de novos progra‑
cados e amuralhados d’Aquém e d’Além-Mar” (Sec mas e a renovação dos já existentes, proporcionan‑
ção de História, 15/11/2014). Merecem ainda refe‑ do, assim, um total de 14 programas destinados a
rência o Seminário Internacional “Imagens e Liturgia várias classes etárias e níveis de escolaridade, ten‑
em Portugal na Idade Média”, organizado pela do abrangido um total de 460 crianças e jovens de
Doutora Carla Varela Fernandes, em colaboração escolas públicas e privadas. Outras actividades do
com o Centro de Estudos de Arte, Arqueologia e Ci‑ Serviço Educativo foram também desenvolvidas
ências do Património da Universidade de Coimbra durante os períodos de férias (abrangendo cerca de
(29/3/2014), e a masterclass “O Passado está aqui, 200 crianças) e ou por ocasião de festas de aniver‑
hoje: o uso da narrativa na visualização dos Achados sário (110 crianças). Realizaram-se ainda numerosas
157
tre do Centro de Portugal – Antropização simbólica actividades destinadas a crianças das escolas públi‑
da paisagem pelas primeiras sociedades agro-pas‑ cas da área envolvente do MAC, integradas no pro‑
toris, tendo ainda atribuído menções especiais às grama “Passaporte Escolar”, em colaboração com
Doutoras Ana Bica Dias Osório, pelo seu trabalho CML, e a organização de iniciativas destinadas às
Gestos e Materiais: uma abordagem interdisciplinar famílias, como a actividade “No Dia em que a Terra
sobre cerâmicas com decorações brunidas do Bron‑ Tremeu!”, que decorreu no dia 31 de Outubro, e vá‑
ze Final / Idade do Ferro e Sofia Catarina Soares de rias outras, ao longo do ano. Tiveram também gran‑
Figueiredo, pelo seu trabalho A arte esquemática de sucesso os programas de aniversários de crian‑
do Nordeste Transmontano: contextos e linguagem. ças. Foram também organizados workshops sobre
Aguarda-se, assim, a entrega dos textos finais das ilustração, orientados por Catarina Sobral, nos dias
obras premiadas para se proceder à sua publicação. 12 e 19 de Dezembro, vários espetáculos de teatro,
Na sequência da tomada de posição pública da dedicados às famílias com crianças, como “O incon‑
AAP em relação às recentes destruições na Síria de testável Nuno”, produzido por Elvira & Cia, ou “D.
importantes monumentos classificados como Pa Afonso Henriques – 3 em 1”, pelo Output Teatral
trimónio da Humanidade, pelo autodenominado de Lisboa, e ainda o Encontro dos Urban Sketchers
Exército Islâmico, decorreu no dia 3 de Junho no no âmbito das Comemorações do Dia Internacional
auditório do Museu Nacional de Arqueologia um dos Museus, a 16 de Maio.
debate sobre “Património Cultural, Memória da Hu Criaram-se também novas linhas de produtos
manidade”, organizado pela AAP, em estreita cola‑ para a Livraria/Loja, desenvolvidos por diversos
boração com o MNA, e com as Comissões Nacio‑ criadores, mas sempre tendo como motivos inspira‑
nais do ICOMOS e do ICOM, no qual participaram dores peças ou elementos decorativos pertencen‑
presencialmente representantes diplomáticos do tes ao acervo do MAC.
Iraque e do Egipto, e que contou também com a Apesar da inexistência de um espaço próprio,
participação em videoconferência do Dr. Jorge Sam‑ realizaram-se na capela-mor algumas exposições,
paio, Presidente da Plataforma Global de Assistên como as de Filipe Romão, “Na quietude do Lugar”,
cia Académica de Emergência a Estudantes Sírios. em Março, e as a de João Moreno, “Sketches do
Decorreram ainda no auditório várias outras ini‑ MAC”, em Novembro, e de Rui Gomes Coelho,
ciativas que contaram com a colaboração da AAP, “Retratos para después de una Guerra”, em De‑
como por exemplo o colóquio “Portugal: Qual o zembro.
futuro do Património Industrial e Técnico?”, organi‑ Decorreram também diversas instalações e per‑
zado pela APAI-Associação Portuguesa de Arque‑ fomances na parte descoberta do Museu, subor‑
ologia Industrial, nos dias 9 e 10 de Outubro, ou dinadas ao tema “Presença e Ausência”, dirigidas
as Conferências Internacionais sobre “Investigação pelo Prof. Fernando Crespo, no âmbito da colabo‑
em Artes: Ironia, Crítica e Assimilação de Méto‑ ração regular com a Escola Superior de Dança de
dos”, organizadas pelo Prof. José Quaresma, da Lisboa, nos meses de Março e Abril, as quais des‑
Faculdade de Belas Artes de Lisboa, na qual partici‑ pertaram bastante interesse por parte do público.
param investigadores portugueses, belgas, suecos No domínio das Artes Plásticas um dos aconte‑
e neozelandeses. cimentos mais marcantes deste ano foi o ciclo de
No que respeita ao Museu Arqueológico do conferencias “O Chiado e o Cinema” do Cinema‑
Carmo, reforçou-se também a atividade do Serviço tógrafo ao Videomapping “Artes na Esfera Pública”,
Educativo, com a introdução de novos programas, organizado pelo Prof. José Quaresma, da Faculda‑
e a renovação dos já existentes, destinados a diver‑ de de Belas Artes de Lisboa, no dia 8 de Maio, in‑
sos grupos etários, e a assinalar ocasiões especiais, cluindo a apresentação de vídeos inéditos de Elsa
como o Dia da Arqueologia, a 24 de Julho, com Bruxelas e Rui Cardoso, e ainda exposição de obras
Durante o ano associativo de 2014 a Secção de Pré lénio a.C. em Trás‑os‑Montes oriental: algumas
‑História realizou diversas actividades com distin‑ questões” e de J.C. Senna Martinez: “Rota(s) do
tos objectivos, consolidando o trabalho realizado Estanho e o desenvolvimento da metalurgia do
ao longo deste mandato que termina no início de Bronze no ocidente peninsular”;
2015. Os objectivos propostos pela direcção da – a 12 de Maio realizou‑se a conferência de João
secção foram cumpridos, nomeadamente a divul‑ Pedro Tereso: “Para além do que os olhos veem:
gação da actividade arqueológica no nosso terri‑ estratégias de amostragem em arqueobotânica”;
tório, o debate entre investigadores e a abertura à – a 24 de Maio realizou‑se a conferência de Ana
participação de estudantes e jovens arqueológos. Margarida Arruda: “Lisboa Pré‑Clássica”, segui‑
Destaca‑se a colaboração dos membros da secção da de visita à exposição “Lisboa Pré‑Clássica”,
na organização do I Congresso da AAP, realizado presente na Galeria Millennium, onde a investi‑
em 2013, que reuniu cerca de 260 investigadores gadora fez a visita guiada;
que apresentaram 120 comunicações, tornando‑se – a 24 de Junho a conferência de Paulo Lima: “O
no maior evento de reunião e divulgação da ciência Abrigo Rupestre Pré‑Histórico da Pala Pinta. Re‑
arqueológica na última década em Portugal. sultados de uma abordagem multidisciplinar”;
– a 21 de Outubro a conferência de Sara Garcês,
Relativamente às actividades desenvolvidas em 2014 Luiz Oosterbeek, Hipólito Collado e George
deu‑se continuidade à realização de conferências Nash: “A Arte Rupestre no Vale do Tejo: últimos
periódicas, sobre os mais variados temas da arque‑ desenvolvimentos”;
ologia Pré e Proto‑histórica, convidando quer inves‑ – a 13 de Novembro a conferência de Francisco
tigadores com vários anos de experiência, como Gomes: “Esferas de interacção e integração na I
jovens arqueólogos que apresentaram os principais Idade do Ferro do Sul de Portugal: uma leitura a
resultados da sua investigação. partir do registo funerário”;
As conferências promovidas neste ano foram as – a 4 de Dezembro a conferência de José Morais
seguintes: Arnaud, Mariana Diniz, César Neves e Andrea
– a 27 de Janeiro realizaram‑se as conferências Martins: “Vila Nova de São Pedro, de novo, no
de Elsa Luís: “A transição terceiro/segundo mi‑ 3º milénio”;
Outro objectivo presente no plano de actividades Outra actividade desenvolvida pela Secção de Pré
foi também alcançado, tendo‑se iniciado, em cola‑ ‑História foi a continuação da manutenção do perfil
boração com a Direcção da AAP, o projecto de in‑ do facebook desta Secção, onde além da divulga‑
vestigação e valorização do povoado de Vila Nova ção de todas as actividades realizadas no seio da
de São Pedro (Azambuja). Este projecto foi apresen‑ AAP, foi igualmente feita a divulgação e debate de
tado no XVII Congresso Mundial da UISPP, realizado diversos temas e problemáticas relacionadas com a
de 1 a 7 de Setembro 2014 em Burgos (Espanha) Pré‑História e Arqueologia em geral, quer no nosso
e, posteriormente, numa sessão na AAP organizada território, quer em outros países.
pela Secção de Pré‑História. A comunicação apre‑
sentada na UISPP teve como título: “Walls within Como lhe compete, a secção de Pré‑História, apro‑
walls with ditches inside: back to the third millen‑ vou um conjunto de sócios que seguramente con‑
nium at Vila Nova de S. Pedro (Azambuja. Portugal)” tribuirão para o enriquecimento científico e cultural
(Fig. 3), suscitando bastante interesse por parte de desta centenária instituição.
diversos colegas, confirmando a importância que
Vila Nova de São Pedro continua a ter no panorama Lisboa, Janeiro de 2015
da investigação da Pré‑História recente Europeia.
A actual direcção da Secção de Pré‑História da As‑ make fire?”, por Harold Dibble e Vera Aldeias;
sociação dos Arqueólogos Portugueses foi eleita, As conferências inseridas no Ciclo de Conferên‑
por unanimidade, na reunião ocorrida a 15 de Abril cias “Manifestações do Simbólico na Pré‑História”
de 2015. Pretendeu-se dar continuação ao trabalho foram:
desenvolvido durante o primeiro mandato cujo ba‑ – a 6 de Maio – conferência de Andrea Martins, in‑
lanço final foi bastante profícuo. titulada: ”A Pintura Rupestre do Centro de Portu‑
Durante o ano associativo de 2015 foram efectu‑ gal: antropização simbólica da paisagem pelas
adas diversas actividades de distintos âmbitos, que primeiras sociedades agro‑pastoris”;
contaram com a colaboração de colegas arqueólo‑ – a 7 de Outubro – conferência de Hugo Gomes,
gos e com o total apoio da actual Direcção da AAP. intitulada: “Arqueometria de Pigmentos na Arte
Rupestre”;
Deu‑se continuidade à realização de conferências – a 9 de Dezembro – conferência de Sofia Figuei‑
periódicas, sobre os mais variados temas da arque‑ redo intitulada: “Formas e paisagens nas pintu‑
ologia Pré e Proto‑histórica, iniciando‑se dois ciclos ras rupestres esquemáticas do Nordeste Trans‑
de conferências com os seguintes títulos: “Evolu‑ montano”;
ção Humana” e “Manifestações do Simbólico na
Pré‑História”. A 21 de Fevereiro de 2015 organizou‑se o Colóquio
Deste modo, a 12 de Novembro tivemos a con‑ “O Neolítico em Portugal antes do horizonte 2020:
ferência de Helena Reis intitulada: “O povoamento perspectivas em debate”, que decorreu no auditó‑
do Mesolítico Final e Neolítico Antigo na costa su‑ rio da Faculdade de Belas Artes da Universidade de
doeste portuguesa: novas leituras.” Lisboa, contando com a presença de 18 investiga‑
As conferências inseridas no Ciclo de Conferên‑ dores que apresentaram as mais recentes linhas de
cias “Evolução Humana” foram: investigação acerca desta problemática. Destaca‑se
– a 23 de Outubro – “Revisiting the debate over a audiência de dezenas de estudantes de arqueolo‑
Neandertal burial” proferida por Dennis Sand‑ gia, bem como de numerosos colegas arqueólogos
gathe e Vera Aldeias; (Figs. 1 e 2). Foram apresentadas as seguintes co‑
– a 23 de Outubro – “Could European Neandertals municações:
Figura 3 – Workshop de Tecnologia Cerâmica 1 (Pré‑História) – Figura 5 – Workshop de Tecnologia Cerâmica 1 (Pré‑História) –
aula práctica. peças produzidas.
Ao longo do ano de 2014 a Secção de História da Após a interrupção do Verão, realizou‑se uma visita
Associação dos Arqueólogos Portugueses manteve guiada à exposição “O Tempo Resgatado ao Mar”,
a sua actividade habitual, convidando diversos inves‑ patente no Museu Nacional de Arqueologia, que foi
tigadores para a apresentação dos seus projectos e acompanhada pelo seu comissário científico, Adolfo
trabalhos de investigação. As comunicações profe‑ Silveira (MNA).
ridas caracterizaram‑se por uma grande diversidade Os trabalhos terminaram em Novembro com a
de temáticas e períodos cronológicos abordados. realização de um colóquio intitulado “Recintos Forti
Assim, entre Janeiro e Junho tiveram lugar cinco ficados e Amuralhados d’Aquém e d’Além‑Mar (Me
reuniões onde foram efectuadas as seguintes con‑ dievais e Modernos)”. No âmbito deste foram apre‑
ferências: sentadas sete comunicações:
– Conservação e restauro em Arqueologia: um ter‑ – A investigação arqueológica no Castelo de Ansi‑
reno de compromissos epistemológicos, discipli‑ ães: Um contributo para o estudo da Idade Mé
nares e sociais por Luís Raposo (MNA); dia no Vale do Douro por António Luís Pereira
– As intervenções arqueológicas no Castelo dos (DRCN);
Mouros no âmbito do projecto “À Conquista do – O porquê da fortificação de um campo de ba‑
Castelo – 2009‑2012” por M.ª João Sousa (PSML); talha medieval – o exemplo de Aljubarrota por
– Arqueologia das Cidades de Beja. Onde a Cida‑ Maria Antónia Athaíde Amaral (DGPC);
de se encontra com a sua construção por M.ª da – O morro do Castelo de São Jorge – recintos for
Conceição Lopes (FL/UC); tificados por Ana Gomes e Alexandra Gaspar
– O Imperador Augusto: A Religião e o Poder por (DGPC);
José d’Encarnação (FL/UC) – esta no âmbito dos – Torres, Portas e Alambores: (des)construções do
2000 anos da morte do Imperador Augusto e Castelo de Leiria por Vânia Carvalho e Isabel Iná‑
– As medidas na Arquitectura: Uma Perspectiva cio (CMLeiria e Arqueohoje);
Arqueológica por Rui Maneira Cunha (IAP/UNL). – A fortificação medieval e moderna de Serpa:
169
Figura 1 – A – M.ª João Sousa (3 Abril); B- M.ª Conceição Lopes (8 Maio); C – José d’Encarnação (22 Maio); D – Rui Maneira Cunha (17 Ju‑
nho); E/F/G – Visita à exposição “O Tempo Resgatado ao Mar” – Museu Nacional de Arqueologia (27 Setembro); fotos Carlos Boavida.
Figura 2 – Colóquio “Recintos Fortificados e Amuralhadas d’Aquém e d’Além-Mar” (15 Novembro; A – M.ª Antónia Athaíde Amaral;
B – Abertura – João Marques; C – Ana Gomes e Alexandra Gaspar; D – Ana Sofia Gomes; E – Vânia Carvalho e Isabel Inácio; F – Luís Gil
e André Teixeira; G – Ant.º Luís Pereira); fotos Carlos Boavida.
SECÇÃO DE HISTÓRIA DA AAP. RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DO ANO 2014. PLANO DE ACTIVIDADES PARA O ANO 2015 171
172 ARQUEOLOGIA & HISTÓRIA, Vol. 66-67, 2014-2015
secção de história da aap
relatório de actividades
do ano 2015
plano de actividades para
o ano 2016
João Marques1, Teresa Marques2, Carlos Boavida3
1
Presidente
2
Vice‑Presidente
3
Secretário
Ao longo do ano de 2015 a Secção de História da A 16 de Outubro, assinalando os 630 Anos da Ba‑
Associação dos Arqueólogos Portugueses manteve talha de Aljubarrota e os 600 anos da Tomada de
a sua actividade habitual, convindado diversos inves‑ Ceuta, realizou‑se o colóquio “Entre Aljubarrota e
tigadores para a apresentação dos seus projectos e Ceuta – 1385/1415 – Dados históricos e arqueológi‑
trabalhos de investigação. As comunicações profe‑ cos recentes”, que contou com o apoio da Direcção
ridas caracterizaram‑se por uma grande diversidade ‑Geral do Património Cultural e da Fundação Batalha
de temáticas e períodos cronológicos abordados. de Aljubarrota.
Em Abril, após a reeleição, por unanimidade, da Entre membros da organização, comunicantes
mesa cessante, iniciou‑se um programa de activida‑ e assistentes, participaram no colóquio cerca de
des que incluiu a realização de quatro conferências, 50 pessoas. No dia seguinte e ainda no âmbito do
três colóquios temáticos, duas visitas e o lançamento colóquio tiveram lugar visitas ao Centro de Interpre‑
de uma publicação. tação da Batalha de Aljubarrota e ao Mosteiro de
O primeiro colóquio teve lugar a 23 de Maio, Santa Maria da Vitória, acompanhadas respectiva‑
sob o título “Lisboa Islâmica e as suas necrópoles”, mente, pelo Eng. João Mareco, director da Funda‑
no qual foram apresentadas três comunicações. ção Batalha de Aljubarrota e pelo Dr. Pedro Redol,
coordenador do Mosteiro da Batalha. As visitas
– “Lisboa Islâmica: contributo da Arqueologia” contaram também com a presença da Dr.ª M.ª An‑
(Jacinta Bugalhão – DGPC / FLUL‑UNIARQ / Bol‑ tónia Amaral, em representação da DGPC.
seira FCT); As despesas de deslocação no âmbito da visita
– “Necrópole dos Lagares: um contexto funerário foram totalmente pagas com a receita das inscrições
islâmico na Mouraria (Lisboa)” (Inês Mendes da no colóquio, tendo o almoço no local sido ofereci‑
Silva e Lucy Evangelista – Era Arqueologia) e do pela Fundação Batalha de Aljubarrota.
– “A necrópole islâmica do Arrabalde Oriental” No âmbito do colóquio foram apresentadas dez
(Vanessa Filipe e Joana Inocêncio). comunicações:
173
Figura 1 – A – Adolfo Silveira (14 Abril); Fernando Correia de Oliveira (3 Dezembro); José d’Encarnação (16 Junho); D – Juan Luis Montero
Fenollós (5 Maio); E/F/G – Colóquio “Lisboa Islâmica e as suas necrópoles” (23 Maio); E – Inês Mendes da Silva e Lucy Evangelista;
F – Vanessa Felipe e Joana Inocêncio; G – Jacinta Bugalhão); H – Lançamento da Monografia 1 – “Contextos Estratigráficos na Lusitânia.
Do Alto Império à Antiguidade Tardia” (15 Setembro; José Morais Arnaud, João Marques e José Carlos Quaresma); fotos Carlos Boavida
e Manuel Moura (B).
Figura 2 – Colóquio “Entre Aljubarrota e Ceuta – 1385/1615 – Dados históricos e arqueológicos recentes” (16 Outubro; A – Abertura –
José Morais Arnaud, João Marques, M.ª Antónia Athaíde; B – Saúl Gomes; C – João Mareco; D – Nuno Pires; E – Sónia Filipe; F – Pedro
Redol; G – M.ª Antónia Athaíde); fotos Carlos Boavida.
Figura 3 – Colóquio “Entre Aljubarrota e Ceuta – 1385/1615 – Dados históricos e arqueológicos recentes” (16 Outubro; A – Helena
Pinheiro; B – Carlos Boavida; C – André Teixeira e Joana Torres); D/E/F – Visita Centro Interpretativo da Batalha de Aljubarrota e Mosteiro
de Santa Maria da Vitória (17 Outubro); fotos Carlos Boavida (A, C, D e F) e José Morais Arnaud (B).
SECÇÃO DE HISTÓRIA DA AAP. RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DO ANO 2015. PLANO DE ACTIVIDADES PARA O ANO 2016 175
Nos dias 30 e 31 de Outubro, numa colabora‑ – “O Aqueduto das Águas Livres e os danos cau‑
ção com a Comissão de Estudos Olisiponenses teve sados pelo Terramoto de 1755” (Bárbara Silva
lugar o colóquio “Terramoto de Lisboa – Arqueolo‑ Bruno – EPAL – Museu da Água).
gia e História”, no qual participaram mais de duas – “Igreja e Convento do Carmo: 600 anos de dinâ‑
dezenas de investigadores que proferiram um total micas sísmicas” (António Marques – CAL/CML;
de 16 comunicações: Raquel Santos – Neoépica);
– “Largo Duque do Cadaval. Evidências uma ca‑
– “A Tripla Catástrofe contada ao Papa. Contribu‑ tástrofe” (Mariana Almeida e Tânia Casimiro –
to da correspondência entre Portugal e a Santa IAP – FCSH/NOVA, IHC – FCSH/NOVA);
Sé para o conhecimento dos factos ocorridos em – “O Terramoto de 1755 em Belém” (Ana Ramos
Lisboa” (Carlos Boavida – IAP – FCSH/NOVA; ‑Pereira – IGOT/UL);
AAP); – “O Terramoto de 1755 – O caso de Peniche”
– “O Terremoto de 1755 a partir do Códice 132 (Adriano Constantino, Luís Rendeiro, Inês Lou‑
do Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia” renço e Daniela Andrade – Associação Patrimo‑
(Rafael Marques Ferreira Barbosa Magalhães e nium – Centro de Estudos do Património da Re‑
Alícia Duhá Lose – Univ. Federal da Bahia); gião de Peniche);
– “Após a catástrofe: a gestão da emergência e – “La huella del Terremoto de Lisboa en la ciudad
socorro no Terramoto de 1755” (Amélia Ferreira de Lugo. La crónica de los daños producidos y
– UCP; Unidade Local de Saúde de Matosinhos; de las reformas empreendidas” (Ana E. Goy Diz
Alexandra Esteves – UCP; Lab2PT – ICS – Univer‑ – Univ. Santiago de Compostela / Directora del
sidade do Minho); Centro de Estudios de la Ciudad).
– “A Graça em 1755. O Terramoto como factor de
aceleração de urbanização do Cardal da Graça No final do colóquio foi exibido o documentário “A
e do Vale de Cavalinhos” (João Castela Cravo – Ira de Deus”, episódio da série Catástrofes Extraor‑
CITAD/Univ. Lusíada); dinárias, produzida pelo Smithsonian Channel, em
– “O outro lado do Terramoto: para uma revisão parte gravado no espaço do actual Museu Arqueo‑
do ócio e espectáculos na Lisboa Romana” (Sara lógico do Carmo.
Henriques dos Reis – FL/UL); A organização do colóquio teve ainda o apoio
– “Um painel azulejar do Terreiro do Paço antes do do Instituto de Arqueologia e Paleociências e do
Terramoto e outras visões de Lisboa no Palácio Instituto de História Contemporânea, dois centros
do Correio‑mor, em Loures” (Augusto Moutinho de investigação da Faculdade de Ciências Sociais
Borges – CLEPUL, Cátedra Infante Dom Henri‑ e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, assim
que Estudos Insulares e Globalização). como da empresa Lisboa Autêntica. Esta última re‑
– “A Baixa de Lisboa antes e depois do Terramoto” alizou no dia 7 de Novembro o passeio “Lisboa do
(Jacinta Bugalhão – DGPC); Terramoto”, no qual participaram cerca de três de‑
– “Sinais de um quotidiano que o Terramoto de zenas de pessoas.
1755 interrompeu” (Lídia Fernandes – Museu de Nos meses de Abril, Maio, Junho e Dezembro,
Lisboa/Teatro Romano – CML); no âmbito das reuniões mensais da Secção tiveram
– “O Terramoto de 1755 no Castelo de S. Jorge“ lugar ainda mais quatro conferências:
(Alexandra Gaspar e Ana Gomes – DGPC);
– “Palácio Lavradio. Edifício pré‑Terramoto” (Cor. – “O Tempo Resgatado ao Mar. Mais do que uma
José Paulo Berger – Gabinete de Estudos Arque‑ exposição no Museu Nacional de Arqueologia”
ológicos da Engenharia Militar); (Adolfo Silveira – Museu Nacional de Arqueologia);
SECÇÃO DE HISTÓRIA DA AAP. RELATÓRIO DE ACTIVIDADES DO ANO 2015. PLANO DE ACTIVIDADES PARA O ANO 2016 177
178 ARQUEOLOGIA & HISTÓRIA, Vol. 66-67, 2014-2015
comissão de estudos olisiponenses – aap
relatório de actividades
do ano 2015
Mário Varela Gomes1, Tânia Manuel Casimiro2, Carlos Boavida3
1
Presidente
2
Vice‑Presidente
3
Secretário
179
conhecido como o Terramoto de Lisboa, não afec‑ missão de Estudos Olisiponenses, e no qual partici‑
tou exclusivamente esta cidade. param três dezenas de pessoas.
As comunicações, num total de 16, organizaram Na sequência deste evento a Comissão de Es‑
‑se em dois grandes temas: “Visões, Relatos e Con‑ tudos Olisiponenses – AAP foi convidada pela di‑
sequências” e “Sítios e Evidências” (de acordo com recção editorial da revista Al‑Madan, editada pelo
o programa que se anexa). Se em ambos os casos Centro de Arqueologia de Almada, a redigir notícia
se abordou o tema do ponto de vista histórico, real‑ sobre o mesmo, que será publicada no próximo nú‑
çando os acontecimentos daqueles dias de meados mero daquele periódico.
do século XVIII, no segundo foram analisados diver‑ A última reunião da Comissão teve lugar no pas‑
sos locais, em Lisboa, mas também noutros sítios sado dia 14 de Dezembro, durante a qual foi profe‑
que, de algum modo foram afectados pelo sismo. rida, por Carlos Didelet, a conferência “Manipula‑
Entre organização, comunicantes e público, partici‑ ções cranianas na Pré‑História Recente da Península
param no colóquio cerca de 60 pessoas. de Lisboa”, resultado da sua investigação no âmbito
Os trabalhos foram encerrados com a exibição da sua tese de mestrado em Arqueologia.
do documentário “A Ira de Deus”, episódio da série Nessa reunião foram ainda aprovados, por unani‑
“Catástrofes Extraordinárias”, produzida pelo Smi‑ midade, três propostas de novos sócios para a AAP.
thsonian Channel, em parte gravado no espaço do Por último, deve ser ainda referido que a mesa da
actual Museu Arqueológico do Carmo. Ainda no Comissão de Estudos Olisiponenses criou um email
âmbito do colóquio, no dia 7 de Novembro, teve próprio e dispõe igualmente de página na rede so‑
lugar a visita “Lisboa do Terramoto”, passeio pe‑ cial Facebook, onde é seguida até ao momento por
destre realizado com o apoio da Lisboa Autêntica, cerca de três centenas e meia de internautas.
tendo aquele sido dirigido pelo secretário da Co‑
Figura 1 – A – Guilherme Cardoso; B – Carlos Didelet; C/D/E/F – Colóquio “Terramoto de Lisboa – Arqueologia e História” (C – Rafael
M. F. Barbosa Magalhães; D – Amélia Ferreira; E – Sessão de Abertura; F – Sara Henriques dos Reis); fotos Carlos Boavida.
Figura 3 – Colóquio “Terramoto de Lisboa – Arqueologia e História” (A – Ana Ramos-Pereira; B – Mariana Almeida e Tânia Casimiro;
C – Luís Rendeiro, Inês Lourenço e Daniela Andrade; D – António Marques e Raquel Santos; E – Ana E. Goy Diz; F – Documentário
“Catástrofes Extraordinárias – A Ira de Deus”); fotos Carlos Boavida.
Colóquio
“Terramoto de Lisboa. Arqueologia e História”
30 e 31 de Outubro de 2015 / 1 de Novembro de 2015
Museu Arqueológico do Carmo, Lisboa
PROGRAMA
10h00
Lisboa do Terramoto – Passeio Pedestre
Lisboa Autêntica
O presente relatório tem como objectivo registar empresa foi ainda encarregue dos trabalhos de
as actividades realizadas no ano de 2015 no Museu conservação e restauro do primeiro tramo na nave
Arqueológico do Carmo, não apenas na área da sul, onde se encontra integrada obra manuelina, o
conservação, mas também noutros campos em que Túmulo do Cavaleiro (Nº de Inv. Esc.238). Aguar‑
também tive oportunidade de colaborar. damos a entrega do relatório. Durante o decurso
Na área da Conservação1 foi feito um relatório desta obra, a mesma foi visitada por vários alunos
do estado de conservação do acervo MAC para de escolas de restauro.
entregar à Direcção deste museu, bem como à em‑ Em resposta às solicitações que temos feito em
presa que viria a ser seleccionada para fazer inter‑ busca de propostas de intervenção para o Túmulo
venções de restauro no seu interior. Após a empre‑ de D. Fernando I (devido ao seu frágil estado de
sa ter sido seleccionada, os trabalhos iniciaram‑se conservação), recebemos apoio do Instituto José
através da limpeza de todo o clerestório, aplicação de Figueiredo (DGPC), que nos enviou em Mar‑
de herbicida, remoção de entulhos, aves mortas e ço de 2014 a técnica Elsa Murta acompanhada da
ninhos, limpeza e conservação das zonas parietais bolseira FCT Inês Gomes, que recolheram algumas
Sul, reparação do telhado da torre Sul (telha parti‑ amostras. Nos meses seguintes a Dra. Inês Gomes
da), manutenção de ambos os telhados das torres iniciou o estudo dessas amostras no laboratório
Norte e Sul (desentupimento de caleiras), aplicação Hércules em Évora. A conservadora fez várias ten‑
de rede anti‑pombos entre as zonas intercomuni‑ tativas de contacto com o Instituto José Figueiredo
cantes do clerestório, tal como atesta de forma mais ao longo desses meses para saber se havia novida‑
pormenorizada o relatório entregue pela empresa des. Em Setembro de 2015 soubemos que a bolsa
Gabinete de Património, Conservação, Restauro e da Dra. Inês Gomes tinha terminado e que a mesma
Reabilitação, cujos responsáveis são o Dr. Pedro se encontrava a trabalhar no Norte do país. A Dra.
Serra e o Dr. Hugo Fraga de Oliveira. Esta mesma Elsa Murta, ficou encarregue de a contactar. Entre
Setembro e Dezembro contactamos com regu‑
laridade o Instituto para saber se já tinham conse‑
1
A restauradora Sónia Pires ainda não entregou o relatório
de intervenção de conservação e limpeza do sarcófago egípcio, guido contactar a Dra. Inês Gomes. Paralelamen‑
realizada em 2009/2010. te tentamos também, através de outros colegas
185
conservadores‑restauradores, encontrar o contacto preventiva dos rodapés (com bio‑kill) e colocação
da Dar. Inês Gomes, mas sem sucesso. Em Janeiro de novas armadilhas. Como método de conserva‑
de 2016, ao contactar novamente a Dra. Elsa Murta, ção preventivo, o Arquivo da AAP foi submetido
fomos informados que a Dra. Inês Gomes havia re‑ uma desinfestação através da mesma empresa.
gressado a Lisboa. Ficou acordado que contactaria Terminando o registo das várias intervenções
o MAC em breve para agendar uma reunião, que pontuais na área da conservação do edifício,
tem como objectivo dar continuidade ao plano de salientem‑se as obras realizadas pela empresa Esfe‑
trabalho que foi iniciado de modo a chegar a uma ra de Imagens debaixo das vitrinas das 5 salas do
proposta de intervenção. (Confesso que o caso de MAC, cujo revestimento foi mudado de argamassa
conservação deste túmulo é uma das situações que bastarda para laje de pedra lioz. Todas as fechadu‑
mais me preocupa… já foi visto por vários especia‑ ras das vitrinas foram substituídas, bem como silico‑
listas desde que cá trabalho… e ninguém arriscou nes, borrachas e chaves.
até hoje fazer uma proposta.) De modo geral a limpeza e manutenção geral
Zelando pela salvaguarda da colecção dos bo- do espólio do MAC/AAP foram asseguradas pela
letins da Associação dos Arqueólogos Portugue- conservadora.
ses, composta por 14 volumes, foi contratada a Dra. Depois de quase 3 anos de diálogo com as vá‑
Diana Pires de Avelar para os restaurar. Trabalho rias empresas que diziam ter a patente do programa
que foi realizado com sucesso, possibilitando o informático Matriz, no mês de Dezembro foi adqui‑
manuseamento de alguns exemplares que já não o rida uma nova licença do programa Matriz Inventá-
permitiam devido ao seu mau estado de conserva‑ rios de Colecções, cuja gestão está neste momen‑
ção (consultar relatório). to a cargo da empresa Magnetik.
Durante os meses de Janeiro e Fevereiro, com Com o auxílio da Câmara Municipal de Lisboa,
o objectivo de acondicionar da melhor forma pos‑ através da geóloga Eva e do arqueólogo António
sível o acervo artístico do MAC que se encontra‑ Marques, foram retiradas todas as antigas lajes de
va em Reserva no edifício do Arquivo da Guarda pedra que se encontravam junto do portal Sul do
Nacional Republicana, na Praça da Armada em Al MAC. Estas lajes de pedra provieram das escava‑
cântara, procedeu‑se ao aluguer de um novo espa‑ ções realizadas entre 2000 e 2003 no exterior do
ço sito no Largo do Carmo para acolhimento des‑ portal sul e encontram‑se agora em depósito nas
se espólio. A embalagem, o acondicionamento e instalações da citada autarquia.
transporte foram assegurados pela conservadora e Em relação ao plano de emergência e seguran‑
pela equipa do Departamento dos Bens Culturais ça contra incêndios, já se encontra quase concluído
da Guarda Nacional Republicana. O restante espó‑ pela Engª Helena Lamy da empresa Verde Transpa‑
lio que se encontrava nas instalações do Museu, na rência, que entregou recentemente 4 cópias do pla‑
área do antigo baptistério, também transportado no e respectivas plantas realizadas pelo Arqº Tiago
para esse local. da Empresa Loviril (em formato digital). Aguardamos
Na Biblioteca foram colocadas novas armadi‑ que nos sejam enviados manuais do quadro eléctri‑
lhas para insectos no mês de Novembro. As que co (pela empresa Electro‑Carnaxide) e do detector
foram retiradas detectaram a presença de alguns in‑ de incêndios (pela Securitas Direct). Assim que rece‑
sectos voadores ou rastejantes (peixinhos‑de‑prata bermos o plano concluído, o mesmo será enviado
e aranhas). O Biólogo Daniel Oliveira (responsável para aprovação do Protecção Civil. Depois da sua
pela última desinfestação), assegurou‑nos que a si‑ aprovação será marcada uma acção de formação
tuação não é alarmante, indicando que o último tra‑ com toda a equipa do MAC, onde serão ministra‑
tamento efectuado pela Rentokil ainda está actuan‑ dos conhecimentos para agir em caso de emergên‑
te, devendo apoenas proceder‑se à desinfestação cia. Haverá sempre uma cópia de consulta do plano
MAC / AAP. RELATÓRIO DAS ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS PELA ÁREA DA CONSERVAÇÃO EM 2015 187
Museu da Farmácia, Museu Nacional de Arte Con‑ História da Arte, Heráldica, Belas‑Artes e Arquitec‑
temporânea, Museu de S. Roque, Museu da Água tura, o MAC/AAP tem colaborado em outro projec‑
(Mãe d’Água), Fundação Arpad‑Szenes Vieira da tos de que nos teêm permitido adquirir mais conhe‑
Silva, Museu Geológico e Museu Nacional de Histó‑ cimentos sobre as colecções deste museu, entre
ria Natural/Museu da Ciência, continua a ser divul‑ eles há que destacar o projecto de “Musealização
gado sobretudo por Lisboa, promovendo a riqueza da Capela Do Santo Cristo Captivo” lançando pelo
cultural deste trajecto turístico entre a Baixa‑Chiado Centro de Arqueologia de Lisboa, o projecto de
e as Amoreiras, através da circulação de painéis arqueologia “Vila Nova de S. Pedro” e o projecto
com fotografias das 8 entidades e seus espólios por “Hera – Humanities in the European Research Area.
várias estações de metro e locais de grande visibi‑ Uses of the Past”. A par destes projectos a conser‑
lidade cultural (Belém, Amoreiras, Santa Apolónia, vadora encontra‑se a ultimar o seu estudo “Arte na
Metro de Lisboa, entre outros). Igreja do Carmo de Lisboa”.
Dentro da divulgação, criaram‑se novos flyers No que respeita às acessibilidades, vários me‑
(design da empresa Flatland) em 5 línguas (portu‑ lhoramentos foram feitos em todo o museu e sua
guês, francês, alemão, italiano, espanhol e inglês), área envolvente. Entre eles há que sublinhar a actu‑
os quais se tem procurado distribuir pelos vários alização do WC (existente no piso 0 da Torre Norte)
Hostels e Hóteis existentes na área da Baixa‑Chiado para indivíduos com dificuldades motoras e a colo‑
e arredores. Com estas instituições foram estabe‑ cação de uma plataforma elevatória junto da recep‑
lecidas em 2012 algumas parcerias, atribuindo‑se ção, permitindo o acesso ao museu.
descontos para grupos de visitantes que venham No que respeita ao site MAC/AAP, aguarda‑
através desses estabelecimentos, os quais também mos que novas directrizes para realização dos tex‑
nos oferecem descontos em alojamento para os par‑ tos e conteúdos a inserir na estrutura desenhada
ticipantes em acções promovidas pelo MAC/AAP. pelo Dr. Francisco Sande Lemos em anexo (já com
Procedeu‑se à actualização dos textos de sala uma revisão do que existe, está activo e/ou precisa
do MAC e de alguns dos principais guias e platafor- de ser actualizado).
mas de informação: Best Guide e Turismo de Lisboa.
Neste âmbito o MAC/AAP colaborou ainda em
várias edições, vídeos promocionais e programas * Nota: Julgo ser importante voltar a insistir com
televisivos da TV GLOBO, TV2 e RAI. a Câmara Municipal de Lisboa e com a empresa
Ainda na área da divulgação continua‑se a in‑ Ferrovial, para que procedam ao envio do relatório
vestir numa relação de aproximação com entidades sobre os comportamentos da estrutura (cimbre) que
como o Ondelisboa, Lifecooler, Time Out, Público, se encontrou durante vários meses presa às colunas
Estrelas e Ouriços (Serv. Educativo), EGEAC, Cen‑ na nave centro do MAC, de modo a que se tenha
tro Nacional de Cultura, Faculdade de Belas Artes conhecimento se houve alterações no edifício.
da Universidade de Lisboa que divulgam periodi‑
camente as actividades com o MAC. Sublinhe‑se
ainda o importante papel que o Turismo de Lisboa
tem vindo a desempenhar em relação á promoção
do espaço das ruínas para organização de eventos
de carácter comercial (sobretudo através da Dra.
Célia Marques).
Na âmbito da investigação, além dos apoios
pontuais para elaboração de estudos académicos
principalmente nas áreas da Arqueologia, História,