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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE ARTES
BACHARELADO EM MÚSICA - VIOLINO
ANÁLISE MUSICAL I

Juliana Felipe Vieira

Análise das gavotas da suíte V de Bach

Porto Alegre
2016
INFORMAÇÕES PRELIMINARES

A música barroca sempre esteve bastante ligada às danças dos eventos


sociais das cortes. Na França, mais especificamente na corte de Louis XIX, a
dança entre os nobres era uma prática comum e estava presente nos eventos
da corte, sendo chamada de “belle danse”. Essas danças ou músicas
dançantes possuíam caracteres diversos e continham contrastes significativos
de andamento. Dá-se o nome de suíte a reunião destas peças musicais com
caráter de dança. Cada suíte possui normalmente seis movimentos, sendo eles
prelude, allemande, courante, sarabande, um movimento opcional (gavotte,
bourré, minuet) e a gigue.
As seis suítes para violoncelo solo de Johann Sebastian Bach (1685-
1750) foram compostas entre 1717 e 1723. Podemos dizer que são menos
polifônicas que as sonatas e partitas para violino solo, possuindo um caráter
mais contrapontístico ou harmônico. A suíte de número 5 está composta na
tonalidade de dó menor e possui os movimentos prelude, allemande, courante,
sarabande, gavotte e giga. Os movimentos em voga desta análise são os
movimentos de danças opcionais escolhidos para esta suíte, a Gavotte 1 e
Gavotte 2.
Gavotte é uma palavra francesa e faz referência aos moradores de uma
antiga província francesa chamada Delfinado. É uma dança country/folk que foi
incorporada pelas cortes francesas em seus bailes e eventos sociais,
mantendo suas características rústicas. Apresenta um ritmo moderado e é em
compasso simples binário, normalmente 2/2 ou aparecendo com o Ȼ. É
característico de a gavotte começar no terceiro tempo ou no segundo tempo de
um compasso 2/2, com uma anacruse.
Os movimentos de dança opcionais normalmente são movimentos
duplos, ou seja, dois movimentos contrastantes que frequentemente são
tocados sem interrupção, em que após o término do segundo movimento, volta-
se ao início do primeiro movimento. Cada um deles vem com duas partes (à
grosso modo) em que cada uma delas possui uma barra de repetição. Esta
estrutura é observada em todos os movimentos opcionais das suítes para
violoncelo solo de Bach, como, por exemplo, nos minuetos da primeira suíte
em Sol maior BWV 1007:

A mesma estrutura é observada nas gavotas da 5ª suíte, com a variável


dos números de compassos para cada parte que será detalhada mais tarde.
Análise Descritiva da Gavota 1 da Suíte BWV 1011

*ver análise em anexo*

A peça possui 36 compassos e está inserida em uma forma binária


delineada pelas barras de repetição. Cada parte está estruturada em uma
forma de arco com começo, ápice e fim. São duas partes desiguais em número
de compassos, porém simétricas no que se refere aos períodos. O movimento
está na tonalidade da suíte (dó menor) e possui algumas
modulações/incursões por um curto espaço de tempo.

(A) Microanálise
Ritmo: tempo moderado, em compasso binário simples (2/2), começando numa
anacruse com duas semínimas na metade do compasso. Caráter de dança
andada.

Motivo principal:
A anacruse se repete no começo de cada período. O motivo principal aparece
nas duas sessões e a peça possui longos períodos de colcheias contínuas.
Figuração rítmica de menor valor é a colcheia e a de maior valor é a mínima.
Ritmo harmônico rápido: os acordes implícitos na melodia mudam dentro de
um mesmo compasso ou são mantidos por um ou dois compassos. Por
exemplo, do compasso 1 ao 4, a melodia faz o caminho i – iv – ii – i – V – i em
um curto espaço de tempo.
Acentuação no primeiro e segundo tempo.

Melodia: intervalos melódicos diatônicos e não diatônicos. Predominância de


intervalos disjuntos.
Motivo principal formado por intervalos disjuntos, às vezes diatônios e outras
vezes não (no compasso 15, por exemplo, quando a harmonia vai para o
quarto grau menor).
Âmbito – corda solta dó até o 3º mib do violoncelo.
Tessitura do instrumento na peça – grave à média, não chegando aos limites
de extensão do instrumento.
Presença de cadências perfeitas, uma imperfeita, uma semicadência e uma
cadência no relativo maior.

Harmonia:
Ritmo harmônico rápido.
Primeira frase começa na tônica e faz caminho harmônico até ii – V – i
(cadência autêntica perfeita). Frase conclusiva. Período acaba em uma meia
cadência, acabando no V.
Segundo período começa no dominante menor e faz caminho harmônico até
cadenciar na relativa maior (v-III). Incursão pelo primeiro grau maior no terceiro
período, cadência imperfeita para voltar para a tônica menor (V7²-i) e cadência
perfeita (V-i) para finalizar.
Dissonâncias: Uso do Am7 e Aø, do campo harmônico de C. Um acorde de iiø
(terceiro tempo do compasso 22). Compasso 30 – Incursão por C e uso do
I7(9). Uso da dominante com a 7ª menor no baixo no compasso 32. Presença
de vários acordes com sétima.

Som:
Peça para violoncelo solo, escrita idiomática e estrutura polifônica.
Uso do timbre do violoncelo ao acrescentar bastante o uso das cordas duplas
quando se quer uma textura mais densa.

(B) Macroanálise
Ritmo: Forma binária. A primeira sessão possui 12 compassos com um
período composto por três frases. A segunda sessão possui 24 compassos
com um período duplo de 12 compassos cada um. Cada sessão possui uma
barra de repetição.
Após a exposição do tema com o motivo principal e suas variações e em um
ritmo mais fragmentado, temos um material novo com um ritmo contínuo de
colcheias, onde podemos observar O.

Melodia:
Uso da escala de C menor melódica.
Intervalos recorrentes: terças menores e maiores.
Intervalos descendentes de quinta diminuta na primeira sessão, associado ao
aumento de tensão rítmica. (O)
Na segunda sessão, próximo ao fim, a insistência no intervalo descendente da
tônica para o sétimo grau maior.
Materiais escalares utilizados em finais de frases, anacruses para novas frases
ou em cadências.
Uso de intervalos não diatônicos em momentos de tensão rítmica. (O)

Harmonia:
Ritmo harmônico rápido (mais rápido quando perto de cadências).
Estrutura fraseológica bastante separada por cadências. Cadências usuais,
exceto pelo momento quando há a cadência no III.
Afastamento da tônica por longos períodos, principalmente nas colcheias
anteriores aos momentos de repouso.
Tonicalização para C maior no compasso 25. Retorno ao i no compasso 28.
Nova passagem pelo no compasso 30, volta à tônica menor através de uma
cadência imperfeita.
Som:
Dinâmica pode acompanhar as ideias harmônicas e o fator CT.

(C) Análise intermediária

Ritmo: ritmicamente cria T através da continuidade das colcheias a partir do


compasso 4.
Crescimento: Os longos períodos de colcheias são materiais novos (N) e o
tema é variado nos compassos 20-22. A repetição das duas sessões são
fatores de crescimento.
A primeira sessão possui três frases de quatro compassos cada (começa na
metade do compasso e termina na metade do compasso). A segunda sessão
possui no primeiro período três frases nos moldes da sessão anterior e no
segundo período uma frase de oito compassos e outra frase de quatro
compassos.

Melodia:
T alcançada pela presença de grau não diatônicos (a partir do compasso 4) e
pela chegada na nota mais aguda na peça (compasso 7). C (repouso)
alcançado pelo retorno do motivo principal e a semicadência (compasso 13).
Material melódico novo (N) acompanhado pela continuidade das colcheias.
Estrutura frasealógica definida por cadências em alguns pontos.

Harmonia:
A primeira frase funciona como uma exposição do tema, com uma cadência
autência perfeita, frase conclusiva. Logo dá espaço a uma grande espectativa
devido ao aumento da T harmônica, do compasso quatro em diante, (associado
à T melódica e T rítmica), com o uso de dissonâncias (acordes com sétima e
meio diminuto), com a preparação com o V, quebrando essa expectativa ao
terminar a primeira sessão em uma meia cadência. O inesperado também
ocorre na primeira cadência do segundo período, que vem de um ritmo
harmônico bastante rápido, mudando os acordes rapidamente (associado ao
ritmo) e cadenciando no relativo maior. Ao voltar para a tônica no compasso 32
têm-se a sensação de repouso, que logo dá espaço para um novo momento de
T (ii°, uso do iv7 e V) para finalmente acabar a sessão no i, em uma cadência
perfeita.
Podemos chamar de forma binária de arco, pois cada sessão possui um
momento de T e C bem definidos.

Som:
Semelhança entre as duas sessões no que se refere ao uso das dinâmicas.
Criar tensão: crescendos. Recolhimentos: decrescendos ou repousos.
Análise Descritiva da Gavota 2 da Suíte BWV 1011

*ver análise em anexo*

O segundo movimento dos movimentos opcionais da suíte nº 5 é um rondo


(ABACA). Este movimento também está na tonalidade da suíte (do menor) e
não possui modulações. A primeira parte A posssui uma barra de repetição,
depois BACA é repetido também. Textura monofônica (uma voz).

(A) Microanálise
Ritmo: andamento rápido e constrastante ao primeiro movimento, em
compasso binário simples (2/2), começando numa anacruse com duas
semínimas na metade do compasso.
Motivo rítmico principal inicia todas as partes/períodos:

Utilização de tercinas contínuas e semínimas no final de cada parte.


Agrupamento diferenciado das tercinas no compasso 15.
Ritmo harmônico lento, poucas mudanças harmônicas. O mesmo grau percorre
vários compassos.

Melodia: intervalos majoritariamente diatônicos. Intervalos quase sempre


conjuntos e alguns arpejos. Motivo principal formado por intervalos conjuntos.
Âmbito – corda solta dó até o 3º mib do violoncelo. Mesmo que da gavotte 1.
Tessitura do instrumento na peça – grave à média, não chegando aos limites
de extensão do instrumento.
Presença de uma semicadência e cadências perfeitas (difícil dizer a espécie de
cadência, se é autêntica ou não, devido à textura monofônica desse
movimento).
Compasso 4 (do-do) aparece arpejado no compasso 15 para fazer a emenda
com a parte C.

Harmonia:
Ritmo harmônico lento. Harmonia relativamente simples.
Primeiro período começa na tônica e termina na tônica. Segundo período
começa na relativa maior (Eb) e termina em uma semicadência. Terceiro
período faz o mesmo caminho da parte A. Parte C vai para o subdominante
menor, fa menor. Retorno à dó menor no compasso 20.
Não há presença de dissonâncias nesse movimento.

Som:
Peça para violoncelo solo, escrita idiomática e estrutura monofônica.
Aspecto constrastante: ausência de acordes e cordas duplas como na gavotte
1. Aspectos de dinâmica irrelevantes.

(B) Macroanálise
Ritmo: forma ABACA, rondo.
Os primeiros três períodos (ABA) são formados por quatro compassos cada
um. A parte C é a maior parte apresentando aproximadamente 8 compassos e
o último A é uma sessão abreviada do primeiro A (é a única parte que não
começa com o motivo principal).

Melodia:
Uso da escala de C menor melódica. Aparecimento da escala de fa menor na
forma melódica (parte C).
Materiais escalares constantes pelo uso de graus conjuntos. Alguns
movimentos arpejados.

Harmonia:
Ritmo harmônico lento. O mesmo grau percorre vários compassos. Pouca ou
nenhuma tensão harmônica. Predominância de consonâncias, tendendo a
estar quase sempre em repouso.

Som:
Fatores irrelevantes.

(C) Análise intermediária

Ritmo: podemos dizer que o momento de maior tensão rítmica é na parte C,


pois há um período bem maior tercinas contínuas e possui no compasso 15 um
agrupamento diferente das tercinas. Porém, o ritmo neste movimento não é
muito variado, não apresentando grandes contrastes entre C e T.
Crescimento: o crescimento se dá principalmente por repetições, pela
reexposição do motivo principal e por desenvolvimento.

Melodia:
Pouco ou quase nenhum momento de tensão melódica, permanecendo em
repouso a maior parte do tempo.

Conclusão

A Gavota I possui um ritmo mais lento e fragmentado que a


Gavota II, mas uma harmonia mais elaborada, textura polifônica e variações de
dinâmica. A Gavota II, mais rápida, possui uma harmonia bastante simples e
textura monofônica, em uma melodia bastante linear e ritmo mais contínuo. É
comum os movimentos opcionais apresentarem contrastes grandes entre si.
As duas peças apresentam semelhanças ao começarem suas frases/períodos
na anacruse, o que já é uma característica da própria dança. Também são
semelhantes na utilização das barras de repetição e dentro de cada uma é
possível observar algum tipo de simetria. As duas começam e terminam na
tônica. O primeiro movimento possui modulação, o segundo é mais estático.
Na estrutura, são diferentes. A Gavota I é uma forma binária de arco,
possui 12 compassos no primeira sessão e 24 compassos na segunda sessão
com um período duplo. A Gavota II é um rondo, ABACA, em que o primeiro A é
repetido como uma exposição do tema, depois BACA é repetido, para ao fim,
voltarmos da capo da Gavota I.
As duas danças opcionais da suíte nº5 de Bach são bastante
contrastantes apesar de as duas terem a mesma origem estilística.

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