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Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA

Secretaria de Desenvolvimento Territorial - SDT

O Processo de Constituição
de Cooperativas de
Crédito Rural Solidárias
no Brasil
Fábio Luiz Búrigo
Adriano Michelon
Reginaldo S. Magalhães
Silvana Parente.

Brasília, maio de 2006


PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Luiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO


Guilherme Cassel

SECRETÁRIO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL


Humberto Oliveira

DIRETOR DE AÇÕES TERRITORIAIS


Reinaldo Pena Lopes

COORDENADOR-GERAL DE APOIO À ORGANIZAÇÕES ASSOCIATIVAS


Marcelo Pinheiro

ASSESSORIA:
Wilson Dias

Ficha Técnica:
Reginaldo Magalhães
Especialista em elaboração e análise de políticas agrícolas pela Unicamp e mestre em Ciência Ambiental, pela USP. É
diretor da Plural Consultoria e Pesquisas, onde desenvolve trabalhos nas áreas de microfinanças, mercados e políticas
de desenvolvimento. É membro do grupo de pesquisas da USP Instituições do Desenvolvimento Territorial e
consultor do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Adriano Michelon
Assessor do Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito Rural com Intenção Solidária desde sua concepção, formação
em ciências contábeis e especialização em cooperativismo, integrante do grupo de trabalho no BACEN que estuda
atualização normativa relacionado ao cooperativismo de crédito, consultor do Ministério do Desenvolvimento
Agrário e assessor da ANCOSOL.

Fábio Luiz Búrigo


Engenheiro Agrônomo, Mestre em Agroecossistemas e Doutor em Sociologia Política pela UFSC. Desde de 1995
vem atuando profissionalmente e desenvolvendo suas investigações acadêmicas em torno da temática do
cooperativismo de crédito, Consultor do Ministério do Desenvolvimento Agrário;

Silvana Maria Parente


Economista, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal do Ceará, especialista em microfinanças pela
Universidade de Harvard e em Planejamento Regional pelo Instituto de Tecnologfia de Massashusetts. Foi
coordenadora da implantação do Programa CREDIAMIGO no Banco do Nordeste, consultora do PNUD, IICA e
GTZ. Atualmente é Secretária-Executiva do Ministério da Integração Nacional.

Série “Cadernos do Coopersol”, maio de 2006.


“O Processo de Constituição de Cooperativas de
Crédito Rural Solidárias no Brasil”
Sumário

1 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

2 A evolução recente do cooperativismo de crédito no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11


3 O processo de constituição das cooperativas de crédito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.1 O contexto local dos mercados financeiros formais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.2 Motivações para a formação das novas cooperativas de crédito . . . . . . . . . . . 18
3.3 A relação entre as cooperativas de crédito e os bancos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.4 Fortalecimento do capital social dos territórios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
3.5 A relação entre as cooperativas de crédito e outros mercados. . . . . . . . . . . . . 21
3.6 A construção de relações de proximidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3.7 O conhecimento da demanda local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
3.8 As estratégias de concorrência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

4 Parcerias e apoios técnicos, financeiros e operacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

5 Condições operacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

6 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
1 Apresentação

Esta publicação é resultado de um estudo, fruto onde nossos consultores puderam, in loco, discutir
da parceria entre o Ministério do Desenvolvimento com mais conhecimento da realidade local a
Agrário e o Banco Central do Brasil, que em setembro viabilidade destas instituições.
de 2004, formalizaram um convênio para o apoio de
ações voltadas à expansão qualitativa e ordenada do Por outro lado, a atuação da SDT no
cooperativismo de crédito rural no Brasil, para fortalecimento dos Territórios Rurais, como
agricultores familiares e assentados da reforma estratégia para o desenvolvimento sustentável,
agrária. contribuiu para que diversas destas iniciativas
tivessem maior inserção social no âmbito local e
O convênio permitiu uma aproximação pudessem se apropriar com maior segurança dos
importante e inédita entre ambos os organismos, resultados deste processo.
buscando a cooperação técnica e o fortalecimento do
cooperativismo brasileiro, de modo a aperfeiçoar os É importante destacar também que a nossa
mecanismos de divulgação e os modelos intervenção, a partir deste convênio com o Banco
institucionais de atuação das cooperativas de crédito Central, permitiu às cooperativas de crédito da
no país. agricultura familiar, uma maior visibilidade e
reconhecimento de suas instâncias de representação
Sob a coordenação e a atuação direta de nossa nacional junto aos diversos órgãos da esfera federal.
Secretaria neste processo, foi possível conhecer mais
de perto a realidade diversa das regiões do país e as Com o sentimento de que este trabalho
diferentes motivações de grupos organizados representa um marco na historia do cooperativismo
interessados em constituir cooperativas de crédito de crédito brasileiro, desejamos a todas as pessoas
rural, a partir da elaboração de pareceres técnicos, interessadas neste tema, uma boa leitura.

Humberto Oliveira
Secretário de Desenvolvimento Territorial
Ministério do Desenvolvimento Agrário
2 Introdução

As imperfeições do mercado financeiro brasileiros existiam 1.600 sem agencia e sem PAA;
nacional vêm se constituindo num dos entraves para no final de julho de 2005, esse numero subira para
o desenvolvimento social e econômico brasileiro. 1.765. Além disso, em 2.170 municípios havia apenas
Um estudo patrocinado pelo Banco Mundial, em uma dependência bancária (1.536 contavam com
2003, assinala que apesar de sua grande sofisticação uma agência e 634 com um PAA).
tecnológica e altos níveis de lucratividade e número
de filiais, a rede bancária brasileira apresenta Vale ressaltar também que nem sempre a
debilidades estruturais, especialmente quando simples presença de filiais ou PAA de grandes
analisada sob o prisma do atendimento das bancos consegue atender as necessidades dos
necessidades financeiras de setores sociais excluídos do Sistema Financeiro Nacional (SFN). O
específicos e territórios de menor renda. Essas referido estudo do Banco Mundial assinala que sem:
disparidades ocorrem tanto em bairros de uma
[...] recursos com o objetivo explícito de alcançar os
cidade quanto em regiões do país. Ou seja, os
excluídos, mesmo que essas áreas sejam identificadas
e xc l u í d o s e s t ã o e n t r e o s m a i s p o b r e s
adequadamente, o fornecimento de um posto de serviços
economicamente, entre os que residem distante dos
propriamente dito não é suficiente para garantir o acesso
centros maiores e entre os membros de
aos serviços financeiros pelos grupos com menor renda
comunidades segregadas socialmente (KUMAR,
(KUMAR, 2005, p.1).
2005). Segundo dados do Banco Central (BC),
através dos correspondentes bancários e do Banco Fruto dessas constatações é que a experiência
Postal foi possível estender rapidamente a cobertura internacional tem revelado o papel estratégico das
financeira a todos os municípios brasileiros. Se no Instituições Financeiras Locais (IFLs) na
final de 2003 existiam 26.755 pontos de democratização dos serviços financeiros e na
atendimento, em 2004 este número já estava em implementação de projetos de desenvolvimento
46.222, indicando um grande crescimento da oferta local e dentro de uma escala de proximidade. Por sua
desse tipo de serviço. Apesar do saldo positivo, os vez, as instituições microfinanceiras (IMFs), que se
correspondentes nem sempre conseguem atender a difundiram pelo mundo a partir dos anos 1980,
demanda de serviços e produtos financeiros de uma sugerem que os pequenos créditos podem ser
comunidade, pois não oferecem o mesmo empregados como elementos geradores de capital
tratamento e nem a qualidade disponível nos bancos social, ajudando na emancipação das populações
e nas cooperativas de crédito. Além do mais, se a mais pobres, principalmente quando são utilizados
eliminação de municípios desasistidos de associados com outras políticas sociais e
atendimento financeiro encerrou um grave econômicas. Outro aspecto a se considerar é que o
problema social, a cobertura bancária via agências ou crédito induz inovações, podendo ser útil em
postos de atendimento avançado (PAA) está iniciativas que visam alterar a base produtiva e o
diminuindo: no final de 2003, dos 5.578 municípios padrão tecnológico. É por isso que diversos projetos

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Crédito Rural Solidárias no Brasil 7
de desenvolvimento passaram a incorporar em suas o empreendimento (macroinstituições) se insere,
estratégias a "luta" pelo crédito e por serviços das políticas de governança ou arranjos
financeiros de proximidade. Fica cada vez mais claro institucionais (microinstituições) que fundamentam
que eles são importantes alternativas para se reforçar as transações, e de outro, da qualidade dos vínculos
a organização do tecido social e para se aumentar a sociais estabelecidos pelos seus principais atores,
dinamização de economias locais. manifestada pelas redes sociais e pela confiança
criada entre os participantes (SCHRÖDER, 2004).
A partir das idéias de Marx, Weber, Durkheim e
mais tarde de Polanyi, a Nova Sociologia Econômica Tais ferramentas teóricas têm ajudado a se
resgatou a noção de embeddedness, que, numa analisar o comportamento das diferentes
definição sintética, afirma que as manifestações organizações que atuam no mercado financeiro,
econômicas estão inseridas na esfera social. Isso sejam elas formais ou informais. Esse debate ganha
ajudou a se perceber que, assim como em outros mais força nos últimos anos, depois que as
mercados, o mercado financeiro deve ser visto como instituições de microfinanças e os programas de
uma construção social, e estando, portanto, microcrédito passaram a ser empregados em várias
condicionado por fenômenos econômicos e por partes do mundo, enquanto estratégia de combate à
fenômenos não-econômicos. Do mesmo modo, pobreza e de transformação social. Tendo em vista
como ressalta Granovetter (2000), a existência de suas características jurídicas e culturais, as
ligações estreitas entre as redes de financiamento e as cooperativas de crédito têm se transformado numa
redes técnicas e comerciais possibilita inovações das referências mais promissoras quando se pensa
organizacionais que podem mais facilmente levar ao em desenvolvimento da vida financeira de um
sucesso dos pequenos negócios. Assim, a oferta município ou de um território. Uma das grandes
adequada de serviços financeiros e a articulação com vantagens, em relação aos demais tipos de IMFs
políticas de capacitação, assistência técnica e brasileiras, é que elas podem captar depósitos à vista
comercialização são elementos chave para a e a prazo, instrumentos chaves nos processos de
sustentabilidade das atividades financiadas pelas emponderamento e de sustentabilidade das
cooperativas de crédito. Essa articulação pode ser iniciativas sociais no campo financeiro. Apesar de
promovida através da inserção das cooperativas de sua presença ainda pequena dentro do Sistema
crédito em redes de organizações, o que amplia não Financeiro Nacional (representa cerca de 2 % dos
só as possibilidades de conjugar diferentes políticas, ativos), o crescimento das cooperativas de crédito
como também amplia o acesso ao conhecimento das brasileiras se mostra constante, desde que elas
cooperativas sobre a situação do seu público alvo, retomaram sua força no período Pós Ditadura. Os
bem como as suas demandas financeiras, as benefícios dessa expansão podem ser medidos em
condições específicas do entorno social e várias dimensões: no campo sócio-econômico, além
econômico e das variáveis gerenciais, comerciais e de poder atuar decisivamente na democratização de
tecnológicas dos negócios locais. Serviços adaptados programas oficiais de crédito, nota-se que o
também às condições ambientais são fundamentais cooperativismo de crédito tem despertado a
para a sustentabilidade das economias locais. Por sua capacidade das populações excluídas de lutar por
vez, as teorias da Nova Economia Institucional têm seus direitos. Dentro do mercado financeiro, as
ajudado a compreender que, a sustentabilidade das cooperativas de crédito têm servido como uma
iniciativas econômicas depende, de um lado, do alternativa para diversas categorias profissionais
ambiente institucional que regula o mercado em que organizadas e para empresários de ramos produtivos

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específicos escaparem de taxas abusivas cobradas reuniram-se e sistematizaram-se as informações
pela rede bancária tradicional. A formação de novas sobre a região e o município em que se pretendia
cooperativas de crédito rurais vem sendo estimulada iniciar a cooperativa de crédito, bem como se fez
pelos próprios sistemas e seus órgãos de uma análise do Plano de Viabilidade enviado ao BC,
representação, mas também por diversas pelo grupo proponente. Em seguida realizou-se uma
organizações populares, que apóiam as experiências visita para conhecer a "in loco" a experiência e
locais e regionais. No Governo Federal, além do conversar com as principais lideranças da
tradicional apoio que o cooperativismo sempre cooperativa. Nessa visita são contatadas também as
recebeu no Ministério da Agricultura, recentemente organizações que informaram prestar apoio à
ele vem ganhando suporte da Secretaria Nacional da entidade. Na medida do possível realizaram-se ainda
Economia Solidária (Senaes) do Ministério do visitas aos futuros associados e às outras
Trabalho e Empreg o. No Ministério do experiências associativas, desenvolvidas pelos
D e s e n vo l v i m e n t o A g r á r i o ( M DA ) , o proponentes. De posse das informações secundárias
cooperativismo de crédito galgou destaque depois e dos dados e das impressões colhidas no contato, o
da instalação do Programa de Fomento ao consultor elabora seu Parecer Técnico seguindo um
Cooperativismo da Agricultura Familiar e Economia roteiro padrão em que são elencadas questões como:
Solidária (Coopersol). O Programa foi criado em o histórico do processo, o potencial sócio-
2004 pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial econômico da região, a capacidade de angariar
(SDT) e pela Secretaria da Agricultura Familiar apoios materiais, políticos e o quadro de articulação
(SAF). institucional da iniciativa, o grau de capacitação
técnica dos envolvidos e como pretendem
O presente documento pretende discutir o desenvolver a gestão da futura cooperativa. Por fim é
processo recente de constituição das cooperativas de efetuada uma avaliação geral e emitida uma opinião a
crédito rural de economia familiar e solidária no respeito da viabilidade da proposta. Ressalte-se que a
Brasil. Visa resgatar os elementos que têm análise do MDA se debruça, sobretudo, sobre os
impulsionado e os que têm dificultado esse intento. aspectos sociais e organizativos da iniciativa e menos
Ao fazê-lo busca, igualmente, sistematizar as lições sobre as informações de natureza financeira, já que
apreendidas pelos promotores dessas experiências, estas são avaliadas diretamente pelo BC. Ou seja, a
bem como apresentar sugestões para qualificar o partir das informações procura-se diagnosticar as
processo de expansão do cooperativismo de crédito motivações e o grau de inserção da iniciativa nas
no país. Tomou-se como base as cooperativas de comunidades em que pretende atuar, os apoios que
crédito rurais solidárias que se organizaram no detêm e se o grupo proponente conhece as
período que vai de junho 2003 (emissão da responsabilidades de gerir uma cooperativa de
Resolução 3.106 do BC) à dezembro de 2004, crédito.
aproximadamente. Terá como fonte principal de
consulta 38 Pareceres Técnicos elaborados por O presente artigo apresentará, na primeira
consultores do MDA que visitaram as regiões e os parte, uma retrospectiva dos pedidos de constituição
grupos proponentes das novas cooperativas. e as autorizações outorgadas pelo BC no período. Os
Aproveita também a experiência profissional dos dados serão apresentados por sistema e por região.
autores nessa área. Em termos metodológicos o Em seguida são elencados as principais motivações e
trabalho dos consultores do MDA consistiu-se um panorama dos processos organizativos que
basicamente de três etapas. Em primeiro lugar, culminaram na criação das cooperativas. Uma

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Crédito Rural Solidárias no Brasil 9
análise dos arranjos institucionais que dão forma às experiências, o trabalho pretende dar ênfase aos
iniciativas e um perfil dos principais atores que se requisitos e as recomendações consideradas mais
envolveram diretamente compõe a parte seguinte do importantes nos Pareceres. Imagina-se que as
trabalho. Após, se fará uma avaliação das condições considerações aqui reportadas poderão subsidiar as
operacionais que deram suporte às propostas, instituições públicas e privadas que atuam na área e
identificando o perfil das organizações que se nas reflexões acadêmicas a respeito da temática, bem
dispuseram a prestar apoio material, suporte técnico como auxiliar os grupos e movimentos sociais que
e capacitação às novas cooperativas. Em sua pretendam constituir uma nova cooperativa de
conclusão, além de fazer uma avaliação geral das crédito.

10
3 A Evolução Recente do Cooperativismo
de Crédito no Brasil

O cooperativismo de crédito vem observando substituídas por cooperativas de âmbito regional.


um constante processo de crescimento no Brasil, nos Segundo dados do BC, no final de 2004 os associados
últimos anos. Depois de ter boa parte das das cooperativas de crédito estavam perto de 2,1
cooperativas de crédito encerradas durante o período milhões de pessoas, o que representam patamar
militar, o Brasil assiste, a partir da década de 1980, ainda modesto em relação ao total da população.
uma retomada do setor. O Gráfico 1 demonstra a Além do mais, a reestruturação do cooperativismo de
evolução do número de cooperativas na última crédito brasileiro nas últimas décadas acompanhou,
década.
Gráfico 1 - Número de cooperativas e centrais de crédito ativas no Brasil (1994 a 2004)

Fonte: Pinheiro (2005) e BC. Adaptado pelos autores.

No último ano nota-se uma pequena redução grosso modo, o processo de crescimento econômico
no número de cooperativas de crédito, mesmo do país, reproduzindo, por isso, algumas de suas
continuando a existir um processo de expansão. disparidades em termos geográficos e desequilíbrios
Como se verá, entre 2003 e 2004, o ritmo de criação demográficos, gerados pelo aumento exacerbado das
de novas cooperativas de crédito diminuiu em função taxas de urbanização. Desse modo, foi no Sul e no
das mudanças na legislação. Mas, contribuiu também Sudeste que o cooperativismo de crédito ressurgiu
para isso o crescimento da fiscalização, que tem com mais força. Foi também nos centros urbanos, via
levado ao cancelamento de cooperativas sem as categorias profissionais e trabalhadores de
viabilidade, e a continuidade de movimento de empresas públicas e privadas (crédito mútuo), que ele
verticalização dos maiores sistemas. Sobretudo no ganhou mais expressão. Ressalte-se, todavia, que
espaço rural, esse movimento tem reduzido o mesmo não se tendo dados precisos sobre o número
número de cooperativas de pequeno porte, que são de cooperados em cada ramo de atividade, quando

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Crédito Rural Solidárias no Brasil 11
Tabela 1 - Quantidade de cooperativas de crédito, por tipo e ramo de atividade (jul. 2005)
Confederação 1
Cooperativas centrais 39
Segmentação por tipo e ramo de atividade
Crédito Rural 452
Crédito Mútuo / Atividade Profissional 264
Crédito Mútuo / Empregados 600
Crédito Mútuo / Vínculo Patronal 14
Crédito Mútuo / Empreendedores - Micros e Pequenos 17
Crédito Mútuo / Livre Admissão - Pequenos Municípios 24
Crédito Mútuo / Livre Admissão - Grandes Municípios 12
Crédito Mútuo / Mista 2
Luzzatti 11
Total 1.436
Fonte: BC.

analisadas em relação ao percentual da população, as como também entidades que prestaram apoio à
cooperativas de crédito são ainda mais presentes no organização desse tipo de cooperativismo, das
meio rural. Isso pode ser verificado através da Tabela diferentes partes do Brasil. Tal articulação ganhou
1, que aponta a composição geral do cooperativismo novo impulso em 2004, com a constituição da
de crédito brasileiro, em julho de 2005. Associação Nacional do Cooperativismo de Crédito
da Economia Familiar e Solidária (Ancosol) e, mais
Embora o Brasil detenha em torno de 20% da recentemente, em 2005, através da fundação da
sua população no campo, o cooperativismo de União Nacional das Cooperativas da Agricultura
crédito rural representa mais de 31% do total das Familiar e da Economia Solidária (Unicafes).
cooperativas de crédito, o que certamente indica sua
maior penetração no tecido social rural. Desde 2003, o cooperativismo de crédito
brasileiro vive sob a égide de um novo marco legal.
Sob o ponto de vista da representação política, Através da Resolução 3.106 e de outras medidas
os diferentes sistemas cooperativos brasileiros vêm complementares, o Governo Federal reestruturou o
se aglutinado em dois campos principais1 . De um setor visando estimular a propagação do
lado, estão os principais sistemas existentes cooperativismo de crédito pelo país. Além de
atualmente (Unicred, Sicoob e Sicredi), que atuam estabelecer novas atribuições às centrais de crédito e
sob a égide de estruturas integradas de representação permitir a criação de cooperativas de livre admissão,
ligadas à Organização das Cooperativas Brasileiras as novas regras introduziram exigências extras para
(OCB). Trafegam por espaços institucionais já autorizar o funcionamento das cooperativas. Pela
conhecidos e que podem, por isso, ser denominados Resolução 3.106 os interessados precisam enviar
de entidades ligadas ao cooperativismo tradicional. previamente ao BC um plano de viabilidade,
De outro, estão os sistemas e as cooperativas de contendo um detalhamento de como se será a gestão
crédito que se autodenominam de solidárias. A partir da futura cooperativa e as projeções em termos de
de 2000, estas organizações estabeleceram uma
articulação própria, depois de atuarem por alguns 1
Esta separação nem sempre corresponde em diferenças muito claras na
anos de forma independente. Criaram um Fórum forma de atuação, principalmente quando se observa a atuação cotidiana das
cooperativas singulares. Servem apenas para se compreender o desenho
congregando sistemas e cooperativas de crédito, político e as forças sociais que se movem no setor.

12
crescimento. Segundo o BC, as medidas deveriam dar crédito e, de outro, as dificuldades em se cumprir
maior consistência aos pedidos de autorização, novas exigências legais limitavam essa expansão.
evitando a formação de cooperativas de crédito em
situações em que os grupos proponentes se Diante desse paradoxo e depois de muitas
mostrassem despreparados e sem apoio social para pressões sociais, o próprio Governo passou a buscar
organizar tal empreendimento. alternativas para agilizar o processo. Uma das ações
foi a de aumentar o número de funcionários do BC
Mas, os novos procedimentos acabaram dedicados às cooperativas de crédito. Criou-se,
diminuindo o ritmo de criação de cooperativas no inclusive, um Departamento de Fiscalização de
país. Isso pode ser comprovado pelas informações Instituições Não Bancárias, em que as cooperativas
do próprio BC, que apontavam que em 2002, 2003 e de crédito estão inseridas. Ao mesmo tempo, o BC e
2004 foram abertas, respectivamente, 84, 60 e 21 o MDA celebraram um acordo visando agilizar os
novas cooperativas de crédito. Ou seja, apesar do processos de autorização de funcionamento das
estímulo do Governo Federal, no ano anterior cooperativas de crédito rurais. Através do referido
nasceram mais cooperativas de crédito do que no ano Convênio, os técnicos do MDA passaram a emitir
posterior a publicação das medidas. Em janeiro de pareceres técnicos, ajudando o BC avaliar o grau de
2005, um levantamento a respeito das solicitações organização do g r upo proponente e as
das novas cooperativas de crédito desde a publicação possibilidades da experiência ter êxito.
da Resolução 3.106, comprovava que o Sul e o
Sudeste continuavam a liderar os pedidos analisados A partir de janeiro de 2005, a equipe de
e os aprovados pelo BC. A Tabela 2 apresenta estas consultores do MDA passou a visitar as experiências
informações. e encontrar as lideranças que tinham enviado
pedidos de autorização ao BC. As tabelas a seguir
Percebe-se que as novas regras acabaram discriminam as cooperativas de crédito que foram
gerando uma situação impensada pelos promotores contatadas entre janeiro e julho de 2005, indicando o
oficiais do cooperativismo de crédito. De um lado, os sistema, o município, o estado e a situação do pedido
programas governamentais e as iniciativas da e se ele foi considerado nas análises qualitativas
sociedade civil propagavam o cooperativismo de desenvolvidos no presente artigo.

Tabela 2 - Processos de constituição e transformação de cooperativas de crédito, por região*.

Situação /Região Aprovadas Indeferidas Arquivadas Em ser Soma


Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %
NORTE 1 1,0 0 0,0 1 1,8 15 6,7 17 4,5
NORDESTE 3 3,1 0 0,0 5 8,8 35 15,7 43 11,3
SUL 52 54,2 1 33,3 17 29,8 72 32,3 142 37,5
SUDESTE 35 36,5 2 66,7 28 49,1 86 38,6 151 39,8
CENTRO OESTE 5 5,2 0 0,0 6 10,5 15 6,7 26 6,9
TOTAL 96 100,0 3 100,0 57 100,0 223 100,0 379 100,0
* dados coletados entre junho de 2003 e janeiro de 2005. Fonte: Departamento de Organização do Sistema Financeiro (BC), adaptado
pelo autor.

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 13
Tabela 3 - Cooperativas analisadas pelo Convênio BC / MDA (1)

Sistema Município sede UF Situação* Parecer analisado (amostra)


1. CRESOL Ituporanga SC 3 X
2. CRESOL Apiuna SC 3
3. CRESOL Vitor Meireles SC 3
4. CRESOL Taió SC 3 X
5. CRESOL Witmarsum SC 3 X
6. CRESOL Xanxerê SC 3 X
7. CRESOL Frei Rogério SC 3
8. CRESOL Paim Filho RS 3
9. CRESOL São João da Urtiga RS 3 X
10. CRESOL Blumenau SC 3 X
11. CRESOL Águas Mornas SC 3 X
12. CRESOL Imaruí SC 3 X
13. CRESOL Águas de Chapecó SC 3 X
14. CRESOL Pinhalzinho SC 3
15. CRESOL Rio Fortuna SC 2
16. CRESOL Xavantina SC 2
17. CRESOL Tangará SC 2
18. CRESOL Ouro SC 2
19. CRESOL Guarani das Missões RS 2 X
20. CRESOL Cerro Largo RS 2 X
21. CRESOL São João PR 3 X
22. CRESOL N. Esperança do Sudoeste PR 2
23. CRESOL Grandes Rios PR 2
1. INTEGRAR Arapiraca AL 3 X
2. INTEGRAR Dois Riachos AL 2 X
3. INTEGRAR Igaci AL 2
4. INTEGRAR Pão de Açúcar AL 3 X
5. INTEGRAR Quixadá CE 3 X
6. INTEGRAR Sapé PB 2 X
7. INTEGRAR Bom Conselho PE 2 X
8. INTEGRAR Águas Belas PE 3 X
9. INTEGRAR Poço Verde SE 3 X
10. INTEGRAR Simão Dias SE 3 X
11. INTEGRAR Apodi RN 2
* Cooperativa: em (1) em formação; (2) em análise no BC; (3) autorizada;
** processos arquivados para a criação de duas cooperativas (desmembramento).
Dados de setembro de 2005. Fonte: BC. Adaptado pelos autores.

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Tabela 4 - Cooperativas analisadas pelo Convênio BC / MDA (2)
Sistema Município sede UF Situação* Parecer analisado
1. CREDSOL Muqui ES 3 X
2. CREDSOL Colatina ES 3 X
3. CREDSOL Montanha ES 3 X
1. CREHNOR Tupanciretã RS 2 X
2. CREHNOR Ijuí RS 3
3. CREHNOR Eldorado do Sul RS 2 X
4. CREHNOR Palmitos SC 3
1. CREDITAG Silvânia GO 3 X
2. CREDITAG Fervedouro MG 2 X
3. CREDITAG Cláudio MG 2 X
4. CREDITAG Capão Bonito SP 2
5. CREDITAG Apiaí SP 2** X
6. CREDITAG Ibiúna SP 2
7. CREDITAG Guarulhos e região SP 2
8. CREDITAG Goiânia GO 2 X
9. CREDITAG Sabinópolis MG 2
10. CREDITAG João Pinheiro MG 2
11. CREDITAG Belo Jardim PE 2 X
12. CREDITAG Caruaru PE 2 X
13. CREDITAG Tapiramutá BA 2
14. CREDITAG Brejo da Madre de Deus PE 2 X
15. CREDITAG Bonito BA 2
16. CREDITAG Morro do Chapéu BA 2
17. CREDITAG Pontes e Lacerda MT 2 X
18. CREDITAG Porto Esperidião MT 2 X
19. CREDITAG S. José Quatro Marcos MT 2 X
20. CREDITAG Cáceres MT 2 X
1. ECOSOL Araripe Ouricuri PE 3
2. ECOSOL Serra Talhada PE 3
3. ECOSOL Tupi Paulista SP 2**
4. ECOSOL Espera Feliz MG 2
5. ECOSOL Simonésia MG 2
* Cooperativa: em (1) em formação; (2) em análise no BC; (3) autorizada; ** processos arquivados para a criação de duas cooperativas
(desmembramento). Dados de setembro de 2005. Fonte: BC. Adaptado pelos autores.

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 15
Verifica-se que os pedidos vieram de 66 cooperativas estruturarem-se, primeiramente, através de Bases
integrantes de seis organizações diferentes, sendo Regionais de Serviços. Uma análise efetuada mais de
que uma delas (Credsol) está discutindo se cria um dois anos depois das medidas de junho de 2003
sistema próprio ou se integra o Sistema Creditag. permite aferir que o cooperativismo de crédito
Entre os seis sistemas, três (Ecosol, Crehnor e brasileiro continua presente com mais força nas
Cresol) já possuem uma central de crédito, e um regiões Sul e Sudeste, mas as cooperativas de crédito
(Creditag) possui seu pedido de central em análise no rural solidárias começam a ganhar força também no
BC. O Sistema Integrar e a Credsol optaram por Nordeste. A Tabela 5 ilustra essa situação.

Tabela 5 - Número de cooperativas de crédito existente por região

Nº de solicitações de Cooperativa
Situação /Região Maio 2003 Julho 2005 cooperativas de solidárias com Planos

Nº % Nº % Nº % Nº %

NORTE 75 5,3 77 5,2 0 0 0 0

NORDESTE 151 11,0 160 10,5 19 28,8 8 27,6

SUDESTE 724 52,7 764 50,4 14 21,2 3 10,3

SUL 363 21,9 318 25,3 27 40,9 17 58,6

CENTRO OESTE 123 9,1 132 8,6 6 9,1 1 3,4

TOTAL 1436 100 1451 100 66 100,0 29 100,0

* Apenas as cooperativas de créditos incluídas no Convênio MDA / BC (dados de setembro de 2005). Fonte: BC. Adaptado pelo
autor.

Nota-se que em torno de 44% dos pleitos continua sendo um grande desafio. Nem mesmo
submetidos aos pareceres do MDA (66) já tiveram os sistemas solidários possuem planos de
seus planos de viabilidade aprovados pelo BC (29). expansão para aquela região.
Sabe-se que algumas das cooperativas de crédito
autorizadas já estão com as portas abertas e outras O trabalho passará analisar agora questões
estão finalizando os atos constitutivos. Por outro qualitativas relacionadas à constituição de uma
lado, o cooperativismo de crédito na região Norte cooperativa de crédito rural solidária.

16
4 O Processo de Constituição das
Cooperativas de Crédito

A formação de uma cooperativa de crédito envolve sua vez, têm a percepção de que os agricultores
um conjunto complexo de estratégias de organização familiares possuem negócios frágeis e instáveis, não
social. Mais do que a constituição de uma se comportam como empreendedores, desenvolve
organização financeira em si ela deve significar uma uma atividade de alto risco, cujo financiamento
reorganização ou a formação de um novo mercado apresenta elevado custo operacional. Esta grande
financeiro local. A análise do potencial de distância entre os agricultores familiares pobres e os
sustentabilidade das novas organizações depende bancos faz com que o mercado financeiro formal,
então da análise dos aspectos econômicos do público inclusive os bancos públicos, se direcione para as
alvo e dos territórios, mas também da qualidade das categorias de agricultores familiares que estão mais
redes sociais formadas entorno das cooperativas. integradas às cadeias agroindustriais e aos canais de
Após uma rápida consideração sobre o contexto comercialização formais, ou para aqueles que já se
institucional dos mercados financeiros onde estão encontram em estágio avançado de organização em
sendo constituídas as novas cooperativas de crédito, cooperativas de produção, beneficiamento e
esse tópico analisará as motivações, a relação com os comercialização. Os técnicos e gerentes dos bancos
bancos, o capital social, as relações entre mercados, públicos têm uma compreensão incompleta, para
as relações de proximidade, as estratégias de não dizer incorreta da agricultura familiar, suas
concorrência e o conhecimento sobre o público que características, potenciais e fragilidades. Em geral
as cooperativas pretendem atender. vêem o desenvolvimento rural de modo setorial e
empresarial e se orientam por um protótipo de
sucesso oriundo de negócios urbanos, industriais e
4.1 O contexto local dos mercados financeiros comerciais. Essa perce pção tem g erado
formais incompreensões e conflitos quanto a estratégias de
Apesar de se observar uma expansão do desenvolvimento rural, como é o caso da necessidade
atendimento financeiro no território nacional nos de diversificação de atividades da unidade familiar ao
últimos anos, os agricultores familiares, sobretudo os invés da preferência que os bancos dão a
mais pobres que se encontram em municípios de especialização setorial e ao aumento de escala. São
frágil base econômica, se acham ainda excluídos do estratégias opostas as das organizações dos
sistema financeiro formal. Para os agricultores agricultores familiares, que apostam, por exemplo,
ligados as novas cooperativas, "os bancos não se em pequenas agroindústrias familiares rurais ao invés
interessam em operar com os pobres e só emprestam de grandes agroindústrias, ou em agricultura
para quem já tem dinheiro". Quando indagados orgânica e agroecologia e não na agricultura
porque eles acham que os bancos se comportam convencional, que privilegia a utilização de insumos
assim, dizem que é porque "os agricultores pobres químicos. Além disso, os bancos analisam
não têm unidade rural estruturada e não têm geralmente propostas individuais, enquanto muitos
garantias para dar". Reclamam também da falta de agricultores familiares buscam se viabilizar e se
informação sobre os financiamentos. Os bancos, por fortalecer através de organizações coletivas, com o

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 17
apoio de vários tipos, muitas vezes informais, de município de São João (PR) a maioria dos
organização. agricultores possui conta nos bancos públicos para
ter acesso ao Pronaf, porém poucos as utilizam para
Relacionamento impessoal entre os bancos e os
fazer sua movimentação financeira. Os motivos são
agricultores, desconhecimento da realidade rural e
as taxas cobradas para a administração das contas e as
agrícola, excesso de burocracia, custo dos serviços,
dificuldades de acesso a outros serviços. Em terceiro,
etc. são algumas das críticas que embasam as
os agricultores familiares reclamam do sistema do
justificativas de criação da maioria das cooperativas
auto-atendimento. A maioria se sente inseguro e
de crédito visitadas. Mesmo os agricultores familiares
constrangido diante de uma máquina. Como vão
que têm acesso aos bancos reclamam do
poucas vezes ao banco, necessitam esclarecer
atendimento, por três motivos principais. O primeiro
dúvidas que para os funcionários são coisas óbvias e
diz respeito à dificuldade de acesso ao crédito e está
rotineiras. Segundo os agricultores, "os funcionários
mais relacionada à rejeição de propostas, burocracia,
dos bancos não falam a mesma linguagem que eles".
demora para liberação, falta de informações, falta de
transparência na comunicação, o que gera uma As respostas a estas questões são variadas, mas
grande incerteza para os agricultores e elevado custo têm sempre um ponto em comum: a dificuldade de
de transação, com excessos de deslocamentos e acesso dos agricultores familiares a financiamentos e
demora nas decisões. Segundo lideranças da serviços bancários. O que varia é o grau de
cooperativa de Taió (SC), os agricultores familiares importância e de gravidade, em função do nível de
ficam dependentes dos recursos disponíveis nas organização em que se encontram os agricultores
agências bancárias e do grau de interesse do gerente familiares e do nível de acesso que eles já têm à
em financiar os projetos de menor valor. O grupo política de financiamento do Pronaf e a outros
organizador da cooperativa de Xanxerê (SC) afirma serviços junto aos bancos.
que as agencias dos bancos público locais tem
número reduzido de funcionários, o que gera filas,
dificuldade para se obter informações e atraso nas 3.2 Motivações para a formação das novas
liberações. Em Imaruí (SC), os agricultores familiares cooperativas de crédito
reclamam da falta de informações confiáveis sobre as Na maioria das futuras cooperativas,
regras dos financiamentos e critérios de seleção. O especialmente onde os agricultores familiares
distanciamento e o conseqüente desconhecimento encontram-se mais organizados (sob o aspecto
entre bancos e agricultores provocam um processo político, social e produtivo) a motivação principal é a
altamente seletivo. Segundo as lideranças de Guarani exclusão bancária. Com a cooperativa de crédito
das Missões (RS), o Banrisul (banco do estado) opera rural solidária, dizem eles, será possível viabilizar
mais com Pronaf D e mantêm pouquíssimos projetos alternativos e inovadores, projetos grupais,
contratos. Na mesma linha, o Bansicredi (banco associativos, de forma a inserir um número maior de
cooperativo do sistema Sicredi) trabalha apenas com famílias e fortalecer suas organizações. A cooperativa
agricultores mais capitalizados. pode andar passo a passo com os agricultores, o que
O segundo tipo de problemas diz respeito às não acontece com os bancos e outros modelos de
tarifas e da pressão exercida pelos bancos para se cooperativas de crédito mais tradicionais.
adquirir serviços casados aos financiamentos do No caso de algumas cooperativas apoiadas pela
Pronaf. Em Porto Esperidião (MT) as principais base de serviços do futuro Sistema Integrar (na
críticas dos agricultores aos bancos são, além da região nordeste) o interesse principal é ampliar o
dificuldade de acesso ao crédito, o custo dos acesso ao crédito para os assentamentos e
encargos, das tarifas e dos custos de transação. No municípios longínquos e com reduzida cobertura

18
bancária. Considerando que a exclusão vem da social e política que a luta pelo crédito trouxe à
própria fragilidade da agricultura, as cooperativas agricultura familiar, e que marcou as lutas sindicais
deverão atuar em parceria com outras entidades de rurais da última década, parece ofuscar quase
apoio e articuladas com projetos de desenvolvimento totalmente outros papéis que as cooperativas de
local, de capacitação e fortalecimento organizacional crédito poderiam e deveriam desempenhar. Isto
dos agricultores. provoca uma grande preocupação quanto a
sustentabilidade das cooperativas e quanto ao seu
Em algumas cooperativas do Espírito Santo,
papel no desenvolvimento dos territórios. As
vinculadas ao sistema Credsol, a principal motivação
experiências de gestão do Pronaf nas cooperativas
é fortalecer a capacidade de atrair programas de
mais antigas mostram que sues recursos não podem
financiamento governamentais, com vistas a
ser tratados de forma isolada de outros serviços
viabilizar projetos de desenvolvimento local e
financeiros. A mobilização da poupança, por
regional com foco nos agricultores familiares. Para as
exemplo, é fundamental tanto para a sustentabilidade
lideranças das regiões de Muqui, Montanha e
das cooperativas, quanto dos próprios agricultores
Colatina "é necessário construir uma instituição
familiares. Reverter essa visão é um grande desafio
financeira que tenha o enfoque do desenvolvimento
para as novas cooperativas e seus sistemas.
territorial!".
Além da ampliação e facilitação do acesso ao
Pronaf, a motivação para a criação da cooperativa de 4.3 A relação entre as cooperativas de crédito e
Cerro Largo (RS) é o desejo de transformar a matriz os bancos
produtiva local, com a diversificação de atividades
Como foi visto acima, a formação de
como leite e hor tifr utig ranjeiros, a
cooperativas de crédito são marcadas pela forte
agroindustrialização familiar, em especial de
crítica que os agricultores familiares fazem a atuação
produtos orgânicos. Uma motivação correlata é a
dos bancos. As lideranças admitem, entretanto, que
vontade de fortalecer o controle social por parte dos
mesmo não atendendo os agricultores familiares, os
ag ricultores familiares. Segundo eles, a
bancos são importantes para o desenvolvimento
transformação da matriz produtiva só será possível
local e podem ser parceiros das cooperativas de
com uma organização financeira local controlada por
crédito. Em muitos municípios, a parceria entre
próprios envolvidos. Assim poderão financiar
sindicatos de trabalhadores rurais e o Banco do Brasil
projetos alternativos e inovadores, com garantias
(BB) tem criado estratégias eficazes de redução dos
solidárias e baixa inadimplência. Outra grande
custos de acesso ao Pronaf. Na maioria dos casos, é o
motivação é a busca pela permanência dos jovens nas
sindicato que divulga o Pronaf, organiza grupos de
áreas rurais. É o caso de Guarani das Missões (RS),
produtores, discute as possibilidades de
município que possui uma Escola Agrícola Federal
financiamento, prepara as propostas para os bancos,
que apesar de formar muitos jovens, "exporta-os"
recolhe, encaminha a documentação exigida, faz o
para outras regiões do país, por falta de condições de
trabalho operativo de análise de risco e tomada de
aproveitá-los em atividades locais. Com a cooperativa
decisão sobre a concessão e, em alguma medida,
de crédito rural solidária, esperam eles, ficará mais
controla e negocia os casos de inadimplência. Vale
fácil ampliar oportunidades para que esses jovens
ressaltar, que a despeito de todo esse trabalho, são os
permaneçam em suas regiões de origem.
bancos quem recebem quase que integralmente o
Em raras situações, as lideranças vêem a
cooperativa como um instrumento de mobilização 2
Remuneração recebida pelos bancos a título de pagamento
da poupança local e de acesso a outros serviços dos custos administrativos e tributários dos contratos do
financeiros, além do crédito. A enorme importância Pronaf.

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 19
2
del-credere do Pronaf . financiar projetos inovadores e alternativos para os
agricultores familiares. A gestão local e o controle
Sem embargo, em algumas regiões, a
social dos agricultores, já que a maioria deles estava
constituição das cooperativas é vista também como
sendo bem atendida pela cooperativa no município
um processo de fortalecimento do sistema financeiro
vizinho, era considerada de grande importância.
local. De fato, analisando os dados sobre depósitos e
Segundo as lideranças, "chegou a hora de termos a
empréstimos bancários por município, através do
nossa própria cooperativa, decidirmos nosso próprio
Sisbacen - BC, observa-se que na maioria dos
rumo e não apenas sermos atendidos pela
municípios onde são criadas cooperativas de crédito
cooperativa do município mais próximo". Isso
há um aumento do volume de depósitos e de crédito
reforça a importância da proximidade na oferta dos
nas IFLs. Isso contribui para aumentar a capacidade
serviços financeiros.
econômica dos territórios, especialmente daqueles
que possuem uma pequena cobertura bancária Um dos resultados mais visíveis desse processo
Alguns sistemas (de cooperativas de crédito já de fortalecimento do capital social dos territórios é a
constituídas) estão negociando contratos de formação das redes de cooperação. A oferta
correspondentes bancários com o BB e a Caixa adequada de serviços financeiros e a articulação com
Econômica Federal, o que também ajudará a ampliar políticas de capacitação, assistência técnica e
a oferta de serviços financeiros aos seus cooperados. comercialização são elementos chave para a
Essas experiências vêm contribuindo para substituir sustentabilidade das atividades financiadas. Essa
uma visão de concorrência que existe atualmente articulação pode ser promovida através da inserção
entre os bancos e cooperativas de crédito. Elas das cooperativas de crédito em redes sociais, o que
podem demonstrar que a cooperação entre esses dois amplia não só as possibilidades de conjugar
tipos de organização financeira é fundamental para a diferentes políticas, como também amplia o acesso
sustentabilidade das organizações, para elevar a ao conhecimento das cooperativas sobre a situação
oferta de serviços financeiros e, por conseguinte, do seu público alvo, bem como as suas demandas
para o fortalecimento da capacidade de financeiras, as condições específicas do entorno
desenvolvimento dos territórios. social e econômico e das variáveis gerenciais,
comerciais e tecnológicas dos negócios locais.
Serviços adaptados também às condições ambientais
4.4 Fortalecimento do capital social dos são fundamentais para a sustentabilidade das
territórios economias locais. Infelizmente são poucas as
Diversas pesquisas científicas têm demons- iniciativas de formação de cooperativas de crédito
trado que a formação de cooperativas de crédito é que se orientam claramente para a formação de redes
uma importante contribuição para o fortalecimento de cooperação.
de relações de cooperação entre os atores sociais de Os sindicatos de trabalhadores rurais são os
um território. Além disso, contribui para ampliar a principais protagonistas dos processos de
participação social e o poder político dos segmentos constituição das cooperativas de crédito. Participam
que antes se encontravam excluídos dos mercados. A também diversas organizações locais de agricultores
grande mobilização em torno da formação das familiares, como associações, centrais de associações
cooperativas de crédito mostra que este processo e cooperativas. Contam também com o apoio de
ajuda a promover e fortalecer o capital social dos prefeituras, ONGs, fóruns e conselhos de
territórios. desenvolvimento. A ênfase das parcerias está
Na Cooperativa de Xavantina (SC), a motivação centrada no trabalho de capacitação e no apoio
das organizações sociais foi além da necessidade de financeiro e material para o funcionamento das

20
cooperativas. Em outros municípios participam assentamentos. O seu papel na rede será o de
também vários tipos de associações, organizações org anizar os produtores e dar apoio à
estaduais de assistência técnica, várias ONGs, comercialização. A Cooptec é uma cooperativa de
universidades, igrejas, Sebrae, diversos movimentos assistência técnica, que dará suporte técnico aos
sociais e outras cooperativas. São mobilizações agricultores que receberem financiamento da
sociais em torno de um objetivo comum: aumentar a cooperativa de crédito. A formação desse plano
poupança local e fortalecer a capacidade de financiar integrado de financiamento, de produção e de
o desenvolvimento local. No município de Cáceres comercialização deverá favorecer as condições de
(MT), por exemplo, estão participando da criação da sustentabilidade do conjunto de toda a cadeia de
cooperativa de crédito o Sindicato dos Trabalhadores negócios.
Rurais, a Prefeitura Municipal, a Câmara de
Vereadores, a agência do BB, o Conselho Municipal
de Desenvolvimento Rural Sustentável, a Associação 4.5 A relação entre as cooperativas de crédito e
Comercial e Conselho Estadual de Desenvolvimento outros mercados
Rural Sustentável. As cooperativas de Brejo da Madre A existência de relações entre diferentes
de Deus (PE), de Caruaru (PE) e algumas outras mercados é uma característica importante na
estão amarrando, durante o processo de constituição, formação de novos mercados. Recursos econômicos
protocolos de parceria com órgãos estaduais e e não econômicos, como conhecimento,
ONGs, que prestam serviços de assistência técnica. informação, clientes e fornecedores, parcerias, de um
Uma orientação geral nesse sentido, por parte dos mercado podem ser transferidos para outro em
sistemas e das instituições de apoio, seria muito formação (FLINGSTEIN, 2001). As cooperativas
importante para reunir condições locais mais de crédito financiam atividades que dependem de
favoráveis a sustentabilidade das cooperativas e dos mercados específicos para se tornarem viáveis. O
negócios por elas financiados. conhecimento das condições dos mercados dos
Mas, infelizmente, na maioria dos casos estas quais dependem as atividades que são financiadas
parcerias falham, por não transformar esse grande pelas cooperativas de crédito é fundamental para
potencial num planejamento articulado de ações, uma oferta adequada de serviços e para a avaliação
com papeis e responsabilidades bem definidas, metas mais precisa dos riscos envolvidos. Embora existam
e critérios de avaliação e em contratos formais que grandes potenciais em diversas atividades agrícolas e
garantam os compromissos de cada organização. não agrícolas nos territórios onde estão sendo
Infelizmente, sem bons planejamentos, as redes constituídas as cooperativas, há poucos casos de
sociais não passam de boas intenções. estratégias bem articuladas de integração de serviços
financeiros às iniciativas de organização da produção
Um exemplo positivo, e que caminha no sentido
e de acesso a outros mercados. O planejamento dos
contrário dessa tendência, é o da Cooperativa de
serviços financeiros e do quadro social, na maioria
Tupanciretã (RS), que tem uma estratégia bem
das cooperativas, não tem levado em conta a
formulada de formação de uma rede de
importância da formulação de planos integrados de
organizações. Três organizações planejam um plano
produção, comercialização e financiamento. Dentre
integrado de trabalho junto aos agricultores,
as novas cooperativas, o caso que parece ter a
articulando o financiamento com a orientação
estratégia mais bem articulada entre dois mercados é
técnica, o apoio à gestão e à comercialização. A
de São João (PR), cuja proposta de trabalho passa por
Cooperterra é uma cooperativa de produção, criada
uma parceria com a cooperativa de leite da
há dois anos e possui cerca de 300 associados, cuja
agricultura familiar (Claf). Os serviços que serão
principal atividade é o apoio à produção de leite nos
oferecidos pela futura cooperativa de crédito estão

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 21
sendo planejados conjuntamente com o grupo envolvido terá melhores condições de analisar
planejamento da produção e comercialização de leite. os riscos e potenciais das atividades econômicas do
Aliás, a parceria entre as cooperativas de crédito do território. Essa também é a estratégia da cooperativa
Sistema Cresol e as cooperativas de leite tem sido de Espera Feliz (MG), que fez um levantamento da
fundamental para os dois mercados. A Cresol oferece demanda financeira do seu futuro quadro social
serviços financeiros para a produção de leite, tanto o dentro do processo de elaboração participativa do
financiamento para investimentos, como a aquisição plano de desenvolvimento do território. Outros dois
de equipamentos e de animais, o capital de giro casos que se destacam são o da Cooperativa de
necessário aos fluxos da atividade e os serviços de Crédito Rural Solidária de Eldorado do Sul (RS), que
pagamento dos produtores pela produção de leite está sendo organizada com uma estratégia específica
comprada pelas cooperativas. Por outro lado, a de financiar a produção agroecológica dos
produção de leite é uma atividade que oferece riscos assentamentos. Na já citada Cooperativa de Espera
de crédito muito menores que a tradicional produção Feliz (MG), se percebe que a entidade deverá nascer
de grãos. Além disso, o giro financeiro rápido é uma integrada numa rede de apoio à produção e à
importante vantagem às cooperativas de crédito. comercialização de produtos agroecológicos e se está
Segundo técnicos da Cresol-Baser, no último ano, estudando o mercado de eco e agro turismo. Nesses
entre 60% e 70% da carteira de crédito das casos, as cooperativas fornecerão financiamentos
cooperativas de crédito da região foram destinados a com condições e prazos adequados a este tipo de
financiamentos da produção de leite. atividade, já que não se encontram linhas adequadas e
disponíveis para essas atividades no crédito rural
Outras cooperativas de crédito parecem que vão
tradicional.
adotar estratégias semelhantes, ainda que não tão
bem planejadas. Esse é o caso da futura cooperativa Várias cooperativas de crédito dos sistemas
de crédito de Witmarsum (SC) e a associação dos Cresol e Crehnor estão atuando no mercado
produtores de conservas. É também o que se viu na imobiliário para a população rural. O financiamento
parceria que deverá se estabelecer entre a de casas, em parceria com a Caixa Econômica
Cooperativa de Muqui (ES), a Feira dos Produtores, Federal resultará também num importante serviço
combinado com o financiamento, através de vales, que os agricultores familiares das novas cooperativas
que a Prefeitura local já oferece aos seus poderão dispor. Isso deverá elevar sua auto-estima,
funcionários, para estes fazerem compras na Feira. com uma conseqüente melhoria dos laços de
Neste caso, três serviços: financiamento da produção fidelidade com a organização, o que revela um
agrícola, comercialização e consumo poderão estar potencial aumento do capital e dos depósitos das
integrados num mesmo sistema, aumentando as cooperativas de crédito.
chances de sustentabilidade do conjunto. Tal
iniciativa poderá criar, igualmente, um impacto
positivo na vida econômica e social do município. 4.6 A construção de relações de proximidade
Ainda no interessante caso de Muqui (ES), que O uso de tecnologias de gestão de serviços
parece ter uma estratégia mais ampla para a financeiros adequados às microfinanças é uma tarefa
promoção do desenvolvimento do território, se essencial para se ampliar o público atendido e
pretende incrementar a articulação das organizações aumentar a penetração das cooperativas nas camadas
sociais visando à elaboração de projetos conjuntos de mais baixas da pirâmide social. As tecnologias de
desenvolvimento local. Dessa forma, a nova microfinanças (PARENTE, 2003) são processos
cooperativa poderá contar com projetos mais específicos de análise, concessão e acompanhamento
adequados às suas condições de financiamento, e o do crédito. Os agentes de crédito, ou agentes de

22
desenvolvimento local e grupos solidários criam aproveitados para permitir a devolução dos
laços de cooperação, reduzem custos, riscos e empréstimos a um custo baixo de monitoramento
ampliam o alcance dos serviços para pessoas que não das operações. Em vários municípios visitados pelos
tinham, até então, acesso a serviços financeiros pareceristas não há uma forte articulação de
formais. A oferta de serviços de capacitação organizações locais. Associações comunitárias,
integrados ao crédito, através de parcerias entre as municipais ou regionais, sindicatos, cooperativas de
instituições de microfinanças e organizações de produção, conselhos e grupos religiosos estão
capacitação e assistência técnica, amplia as condições presentes e participando da criação de cooperativas
de sustentabilidade dos negócios financiados e de crédito em quase todos os municípios. Mas, da
aumenta a segurança das IMFs. Os comitês de análise mesma forma que as redes de cooperação necessitam
de projetos, formados por lideranças e técnicos de planejamento e de contratos, a construção de
locais, qualificam a análise dos projetos e constroem relações de proximidade depende de políticas
direcionamentos estratégicos que são fundamentais claramente organizadas com esse objetivo.
para o sucesso dos negócios financiados pelas IMFs.
Na Cooperativa de Águas de Chapecó (SC), a
Estes e vários outros sistemas de governança para
estratégia principal de gestão do risco é a criação de
microfinanças (MAGALHÃES, 2003) são
um comitê de crédito, com representantes das
fundamentais para a sustentabilidade, nas suas várias
comunidades. O Comitê será formado por pessoas
dimensões.
das mesmas comunidades das quais virão os pedidos
Outro aspecto importante no uso de métodos de financiamento. Assim, ao analisar os riscos se
adequados aos mercados de microfinanças é a gestão poderá levar em conta informações que não estariam
do risco. Os bancos dispõem geralmente apenas de disponíveis nos métodos formais e impessoais de
informações cadastrais sobre os seus clientes. Já gestão de risco. Na Cooperativa de Eldorado do Sul
organizações com relações de proximidade contam (RS) a estratégia principal de gestão do risco é a
com uma densa rede de informações formada por formação de grupos de aval solidário nos núcleos de
associações comunitárias, sindicatos e diversos tipos base dos assentamentos. Nesse caso, recorre-se
de organizações locais, formais ou informais. Esta também aos vínculos comunitários e de vizinhança
rede de informações possibilita às organizações para controlar o comportamento dos associados
obter informações mais completas e uma análise frente as suas obrigações para com as cooperativas.
mais precisa sobre os riscos dos financiamentos,
Em Blumenau (SC), onde existem vários bancos
reduzindo assim a assimetria de informações e a
estabelecidos, os agricultores não temem a
seleção adversa. Esta rede de informações permite
concorrência na praça. Segundo eles nenhum banco
também às instituições operar com custos de
tem a capacidade de atender os agricultores
transação mais baixos. A freqüência e a continuidade
familiares da forma como eles pretendem que a
das relações entre as instituições financeiras e os
Cooperativa faça: estabelecer relações de
usuários, assim como de toda a rede de informações e
proximidade e que respeite a cultura germânica,
relações existentes, promove o fortalecimento de
privilegiando o atendimento personalizado e na
laços de confiança entre as organizações e os
língua alemã.
indivíduos. Esta é uma das maiores virtudes das
tecnologias de empréstimos que se apóiam em
grupos de aval solidário: o trabalho recente de 4.7 O conhecimento da demanda local
Moreira (2005), sobre a organização de microcrédito
da Prefeitura de São Paulo (São Paulo Confia) mostra A maioria das cooperativas demonstra pouco
bem como os laços sociais já existentes são conhecimento sobre as demandas de sua base social

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 23
pelos variados serviços financeiros, o que certamente Outro exemplo significativo vem da mesma
será um grande limite para que ela atenda de forma Cooperativa de Silvânia (GO). Lá, a Cooperativa de
adequada o seu quadro social e tenha melhores Produtores implantou, em 2001, um sistema de
chances de crescer de forma sustentável. A oferta de crédito pré-aprovado para seu quadro social, no qual
serviços financeiros bem planejados e de acordo com todo cooperado pode comprar na praça local até
as necessidades específicas dos seus usuários 70% do valor entregue em leite no mês anterior. Pelo
favorece o sucesso da atividade financiada e reduz os acordo, a Cooperativa garante o pagamento em 70
riscos do crédito. Um balanço adequado entre lojas do comércio local. Esse sistema de crédito para
poupança e crédito, entre crédito produtivo e crédito o consumo passará a ser administrado pela nova
de consumo, bem como a oferta de seguros, serviços cooperativa de crédito, o que significará que a
de pagamento, etc. com baixos custos são também instituição iniciará seu trabalho com uma carteira de
pontos fundamentais. Para isso, é necessário que as crédito já bem constituída e amadurecida.
cooperativas tenham algum tipo de estudo de
Imaruí (SC) é um dos poucos municípios onde
mercado, que possa ser feito de forma freqüente
aparece explicitamente uma estratégia de
pelas próprias organizações locais, com baixos custos
mobilização da poupança local. As lideranças
e com uso de metodologias adequadas para este tipo
planejam captar uma significativa parcela de recursos
de empreendimento.
que está atualmente depositada em outras
A maioria das organizações dos agricultores organizações financeiras, para viabilizar seu próprio
familiares já possui um conhecimento do mercado capital de giro e para reinvestir no desenvolvimento
financeiro local, ainda que parcial e restrito ao da região. Em algumas cooperativas observou-se
crédito. Um bom número das cooperativas que estão também a existência de planos para oferecer outros
sendo criadas parte de experiências de manejo do serviços financeiros como o pagamento de
crédito mais ou menos bem sucedidas, seja a partir de aposentados e arrecadação de tributos municipais.
fundos rotativos, antes administrados por ONGs ou
de experiências de parceria entre sindicatos de
trabalhadores rurais e bancos. Os sindicatos dos 4.8 As estratégias de concorrência
municípios de Cláudio (MG), Colatina (ES), A maioria das cooperativas de crédito está sendo
Fervedouro (MG), São João da Urtiga (PR) e outros constituída em regiões atendidas por agências
possuem convênios com BB para contratação de bancárias e outras cooperativas de crédito. Porém,
crédito do Pronaf. A Coocreal (AL), as cooperativas não são os bancos os principais concorrentes das
de Goiânia (GO), Blumenau (SC) e Brejo da Madre cooperativas de crédito. Apesar de pouco conhecido
de Deus (PE) possuem parcerias já estabelecidas com existe um grande e diversificado mercado financeiro
fundos rotativos pré-existentes. A Cooperativa de informal que atende as necessidades das populações
Silvânia (GO) surge de uma experiência da central de de baixa renda. Esses mercados são os principais
associações do município. Esta entidade repassa do concorrentes das cooperativas de crédito solidárias.
Fundo Constitucional do Centro Oeste associado a E, em muitos casos, não é uma concorrência fácil. Os
uma política de crédito comercial da Cooperativa agentes financeiros informais não usam a taxa de
Agropecuária dos Produtores de Silvânia. juros como principal estratégia de atração dos seus
Certamente A experiência com as políticas de crédito clientes. Mesmo cobrando juros muito elevados eles
proporcionará às futuras cooperativas um melhor são amplamente utilizados pela população, inclusive
conhecimento do mercado local e da demanda de baixa renda. Por que? Os agentes informais fazem
potencial de crédito a ser atendida, bem como dos uso das relações interpessoais, de vizinhança ou de
fatores de risco específicos destes municípios. parentesco, que eles possuem. Utilizam também

24
diversos meios de constrangimento moral como cobram 5% ao mês de juros sobre os empréstimos.
forma de garantir os pagamentos combinados. As lideranças locais acreditam que a transferência do
Muitas vezes, o serviço de financiamento informal prestígio e legitimidade do sindicato para a
está associado com a compra de produtos agrícolas, cooperativa é o que irá construir uma relação de
como a tradicional "venda na palha", "venda na confiança que não existe entre os agricultores e
pedra", "aviamento", etc. Estas instituições agiotas. Além disso, a Cooperativa oferecerá serviços
financeiras informais formam, muitas vezes, que não estão hoje disponíveis para os agricultores
pequenos monopólios, exercem forte controle sobre familiares, nem nas agências bancárias, nem no
a população rural, que fica, sob essas condições em mercado informal, com custos mais baixos.
permanente endividamento (MAGALHÃES, 2005). Convênios com o BNDES, BRDE e Banco Popular
do Brasil vão ampliar a oferta de serviços e espera-se
Em Águas de Chapecó (SC) e nos outros quatro
assim conquistar a fidelidade dos futuros sócios da
municípios que irão compor a área de abrangência da
cooperativa de crédito.
futura cooperativa existem cinco agências bancárias.
A maioria dos agricultores familiares não utiliza Em Tupanciretã (RS), a futura Cooperativa está
serviços formais de poupança, conta corrente ou sendo organizada com apoio direto do Movimento
cheque, devido ao alto valor das taxas, ao Nacional dos Trabalhadores Sem Terra. As
relacionamento distante com os gerentes, à lideranças locais acreditam que o principal fator de
dificuldade de utilizar o caixa eletrônico e à atração de cooperados será a oferta de serviços mais
dificuldade de entender os extratos. Os aposentados adequados à realidade dos assentamentos,
são os que mais se queixam das filas e do mau principalmente os repasses de crédito de custeio e
atendimento dos bancos. Por esse motivo, a investimento, o crédito habitação e a oferta de
população utiliza os serviços financeiros de agiotas serviços como cheques, cobrança de água e luz,
que oferecem serviços de crédito e de poupança e, empréstimos pessoais, custeio pecuário e pagamento
nesse caso, em condições bem vantajosas. Segundo as de benefícios do INSS. Segundo seus proponentes,
lideranças do município, os agiotas pagam em média as principais vantagens da nova cooperativa de
2 % ao mês sobre o dinheiro que lhes é confiado e crédito com relação às demais instituições
financeiras da região serão as cobranças de tarifas
mais baixas que os bancos, juros mais baixos nos

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 25
5 Parcerias e Apoios Técnicos,
Financeiros e Operacionais

Geralmente as novas cooperativas estão Como são, juridicamente, cooperativas centrais de


inseridas em articulações e redes sociais mais amplas prestação de serviços, seu caráter técnico e
do que o universo local. Isso se dá via as centrais de operacional têm ajudado também na elaboração dos
créditos de sistemas estruturados, via as bases de Planos de Viabilidade e nos contatos das novas
serviço ou entidades de apoio. Em alguns casos a organizações com o BC, o principal órgão regulador
cooperativa conta com apoio das organizações de envolvido no processo de constituição. Nos sistemas
produção locais e regionais ou de estruturas mais novos observa-se uma dificuldade maior, pois
sindicais, de caráter estadual ou nacional. não existem bases regionais estruturadas. Nesses
casos, o papel de assessoria em termos documentais é
Estas estruturas estão disponibilizando quadro geralmente desenvolvido vias entidades parceiras da
pessoal e técnico para acompanhamento dos cooperativa (ONGs e estruturas sindicais). Porém
projetos. Porém, principalmente nas instituições isso cria limitações, pois normalmente o serviço
com pouca tradição no cooperativismo de crédito se burocrático ligado a constituição de novas
têm encontrado dificuldades para se identificar cooperativas de crédito não faz parte do dia-a-dia das
profissionais com perfil adequado e experiência para organizações de apoio.
atuar nas cooperativas singulares. Por isso é
fundamental contar com parcerias locais como os Também são as bases regionais quem
sindicatos, cooperativas de produção, associações, respondem de forma mais imediata as demandas
prefeituras, etc. técnicas e operacionais das novas cooperativas. Mas,
todos os sistemas ou organizações articuladoras das
Observa-se que esses apoios terão um papel
novas cooperativas possuem boas políticas de
decisivo igualmente na estruturação operacional das
intercâmbio, com os sistemas já em funcionamento.
cooperativas. As ajudas deverão se materializar pelo
empréstimo de espaço físico para a sede das Nos pareceres foi possível observar, por
cooperativas, doação de móveis, apoio tecnológico exemplo, a existência de intercâmbios já planejados
para conexão de telefone e internet, recursos para entre cooperativas do futuro Sistema Integrar
compra de computadores, suporte logístico via (Nordeste) com o Sistema Cresol (Sul). Esses
empréstimos de veículos e auxílio de transporte para contatos têm desempenhado um importante papel
os trabalhos junto ao quadro social, entre outras. de transferência de tecnologia e de conhecimento às
novas cooperativas. Os intercâmbios ajudaram
Onde existem, as bases regionais de serviço e
também a evitar a geração de expectativas infundadas
de apoio têm cumprido o papel de principal
sobre a capacidade e a ação das cooperativas de
articulador na condução da constituição das novas
crédito. Isso reduz o risco de se tentar criar
cooperativas. Em muitos sistemas elas são o elo de
cooperativas de crédito com a visão de que ela seja
ligação entre a futura singular e a central de crédito.

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 27
capaz de resolver todos os problemas da agricultura dos casos estão sendo transferidos recursos federais
familiar do município, ou de que a única função das para a capacitação e treinamento, principalmente das
cooperativas de crédito rural solidárias seja o de cooperativas singulares, mas também de suas
repassar recursos públicos de crédito, como o instâncias organizativas - bases de serviços, centrais
Pronaf. de crédito, etc. Notou-se que foi destinado o
montante mínimo de R$ 15 mil para a capacitação do
Outra forma importante de apoio às novas corpo dirigente (Conselho Fiscal e Administração) e
cooperativas de crédito rural solidárias advém da funcionários de cada cooperativa crédito envolvida
ação da SDT, através da Coordenação Geral de no Convênio, como também que foram repassadas
Apoio as Organizações Associativas e do Programa verbas para ajudar na estruturação técnica dos
Coopersol. Os pareceres registram que na maioria sistemas já formados e dos em formação.

28
6 Condições Operacionais

Com se viu, muitas das novas cooperativas cooperativas. As cooperativas recebem os


funcionarão em espaços cedidos pelas prefeituras, equipamentos em comodato e após um ano
igrejas, sindicatos, associações ou cooperativas de repassam um conjunto de equipamentos novos e
produção. Normalmente, uma parte dos móveis semelhantes aos recebidos para uma cooperativa
necessários é também conseguida em comodato que está sendo implantada naquele momento, e
com os parceiros locais e outra é recebida como assim sucessivamente. Para reduzir custos, muitas
doação. Em certos casos, os móveis são adquiridos vezes os sistemas de comunicação de dados
com recursos do capital social integralizado pelos (telefone e internet) das cooperativas são
sócios e em outros são garantidos via uma parceria viabilizados através de acordos com prefeituras e
com o Pronaf Infra-Estrutura. Em vários outras entidades locais que já possuem as redes
municípios, os computadores são igualmente próprias em funcionamento. Chama atenção que o
adquiridos através de parcerias com o Pronaf Infra- software de gerenciamento a ser empregado pela
estrutura, ou com recursos doados por sindicatos, maioria das novas cooperativas será o mesmo. Trata-
associações e prefeituras. Esse tipo de ajuda envolve se do Coopcred, um programa desenvolvido e
recursos monetários, pois se trata de aquisição de aprimorado pela Leosoft, Os sistemas solidários que
equipamentos novos. Alguns sistemas possuem um utilizam atualmente o Coopcred são: Integrar,
fundo rotativo, denominado "kit-informática", pelo Cresol, Crehnor, Crescer / Credsol (Sistema
qual são cedidos equipamentos para as novas Creditag) e a Ecosol (em parte).

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 29
30
7 Conclusão

Em primeiro lugar, o presente trabalho ajudou a crédito, as condições estruturais em que elas estão
se perceber que o cooperativismo de crédito não está sendo assentadas e como está se dando o
se desenvolvendo de maneira uniforme nas envolvimento da comunidade local. A partir da
diferentes regiões do país, como seria o desejável. A análise dos pareceres foi possível identificar
situação mais preocupante está no Norte, onde não igualmente que apesar da significativa expansão da
existem projetos de expansão, nem mesmo das redes cobertura bancária, a exclusão dos agricultores dos
solidárias. A boa novidade vem, todavia, do serviços financeiros formais ainda é marcante e
Nordeste, onde se nota o surgimento de um constitui-se num dos principais motivos para a
movimento mais articulado de criação de mobilização dos atores sociais para a criação de
cooperativas de crédito rural solidárias. cooperativas de crédito no país.

As dificuldades burocráticas em torno da Notou-se uma grande diversidade nos graus de


aprovação de novas cooperativas, observadas em articulação e de amadurecimento a respeito da
2003 e 2004, trouxeram prejuízos e desgastes para os proposta. Alguns grupos pareceram conscientes do
líderes e para as organizações comunitárias que significa uma cooperativa de crédito, mas outros
envolvidos. Isso foi visto principalmente nos locais ainda careciam de informações elementares nesse
em que o processo de animação estava mais sentido, o que, em alguns casos, levou os pareceristas
adiantado. Além disso, como as solicitações estavam a recomendar que a proposta fosse inteiramente
demorando muito para serem liberadas pelo BC, repensada. Em certas situações sugeriu-se o
certos grupos começaram a criar formas de tentar desmembramento dos pleitos, pois eles envolviam
ganhar tempo. Uma das maneiras foi o de preparar um número muito grande de municípios. Percebeu-
Planos de Viabilidade de forma açodada e enviá-los se, ainda, que os Planos de Viabilidade nem sempre
ao BC, acreditando que durante o período que os conseguem transmitir a riqueza do processo em
pleitos ficariam sob a análise, os líderes teriam espaço curso, visto as dificuldades naturais de elaboração e
para realizar os processos de discussão e capacitação da falta de experiência em abordar as questões
necessários para se implantar a cooperativa. Na solicitadas pelo BC. Observa-se que a verificação "in
medida que as análises dos pareceres e dos planos loco" enriquece a análise e permite criar um vinculo
ganhem um ritmo mais acelerado, os grupos maior entre os proponentes e os agentes reguladores
precisarão se preparar melhor antes de enviar seus ou que prestam acompanhamento. Essa relação se
pleitos, sob pena de que o MDA e o BC procedam as mostra vital para se estabelecer uma política pública
suas avaliações em cima de processos ainda muito favorável e consistente à expansão do
prematuros. cooperativismo de crédito no país. Do mesmo modo
ficou claro que existe uma grande diversidade de
O documento abordou também as diferentes formas se prestar assessoria à constituição de novas
motivações que levam a criação das cooperativas de cooperativas. Enquanto uns sistemas adotam

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 31
metodologias mais definidas em relação ao rito de acesso ao Pronaf. Para se viabilizarem enquanto um
constituição de novas cooperativas, outros estão agente de desenvolvimento local (BÚRIGO, 2003) e
ainda descobrindo a melhor forma de se estruturar atuarem como uma organização financeira de
nesse campo. Como era natural se imaginar, os proximidade, as cooperativas precisam ajudar a
sistemas que estão em formação foram os que fortalecer a organização do tecido social, criar novos
tiveram mais dificuldades para se adaptar às regras produtos a partir da demanda local e estabelecer
criadas em 2003. Além de ter que demonstrar a estratégias gerais para o desenvolvimento dos
viabilidade das singulares ao BC, eles precisam territórios onde vão atuar.
comprovar como estão construindo seus sistemas e
como estes prestarão suporte às novas cooperativas. Uma forte implicação do modelo de auto-gestão
Foi aí, que ficou mais patente a importância das bases de uma cooperativa de crédito é exatamente a adoção
regionais de serviços enquanto instrumento dos princípios da cooperação e articulação
estratégico de apoio. Sistemas em que não existem institucional, finanças de proximidade, com
bases e onde as centrais estão (ou estarão) localizadas acompanhamento personalizado e ágil dos clientes e
em lugares distantes parecem oferecer menos não apenas de suas operações. As relações de
segurança ao BC e aos próprios proponentes das confiança e compromissos, assumidos entre a
novas cooperativas. Notou-se a existência de organização financeira, seus sócios, que também são
diversificados arranjos institucionais locais em torno seus clientes são baseadas em objetivos comuns, de
das iniciativas. Tais arranjos são e serão vitais para a mais longo prazo e norteadas por valores solidários e
viabilidade das novas cooperativas de crédito. Eles humanistas. Assim, é possível compatibilizar
permitem a ampliação da demanda por serviços resultados financeiros e econômicos com impactos
financeiros e, principalmente ampliam as condições sociais e melhoria da qualidade de vida, tanto
de sustentabilidade dos negócios de pequeno porte individual quanto coletiva.
dos cooperados. Porém, mesmo considerando que
As cooperativas do Sistema Cresol, por
os formatos dos sistemas de governança mais
e xe m p l o, a d o t a m u m a m e t o d o l o g i a d e
eficientes são únicos e específicos para cada contexto
relacionamento com os cooperados através de
ambiental, cultural, social e econômico, sabe-se que
agentes de desenvolvimento e crédito. Elas têm uma
eles são sempre o resultado de certos estímulos. O
equipe de agentes de desenvolvimento e crédito que
que se verificou em muitas visitas e nos pareceres
vai até as comunidades discutir as necessidades e as
consultados é que esses estímulos são ainda frágeis,
possibilidades de financiamento. Esta política reduz
geralmente localizados e em apenas poucos casos
os custos dos agricultores e garante maior
estão inseridos em estratégias bem delineadas e mais
proximidade e confiança na relação entre os clientes
amplas. Nos sistemas novos este problema é mais
e a instituição financeira, contribuindo para a
preocupante, pois eles precisarão ainda formar sua
sustentabilidade, tanto da instituição, mas
própria cultura institucional e acumular
principalmente, dos projetos financiados. Os agentes
conhecimento técnico suficiente para se consolidar.
são escolhidos nas comunidades e passam por um
Para isso não podem focar suas estratégias de
programa de capacitação oferecido pela central de
formação de cooperativas via a capacitação de um
crédito, com atualização a cada três meses. Sua
grupo limitado de lideranças, nem na simples
função principal é manter um relacionamento
transferência de recursos materiais e técnicos que
estreito entre a cooperativa e os associados. Para isso,
permitam o funcionamento da entidade, como
são realizadas reuniões mensais nas comunidades
também apenas na abertura de um novo canal de
para levantamento de demandas e repasse de

32
informações e de novos serviços da cooperativa. Os recursos oficiais destinado a suas filiadas. Assim,
agentes se reúnem na cooperativa a cada mês para pode-se imaginar que a sua mediação tornará mais
avaliar a situação dos associados e os problemas da factível a criação de compromissos das cooperativas
cooperativa. Os agentes são também consultados de crédito com os programas de desenvolvimento. A
pelos dirigentes para a avaliação do risco de crédito. articulação da Ancosol e das suas filiadas poderá
garantir, por exemplo, que a participação das
É necessário, portanto que as novas cooperativas de crédito junto ao Pronaf vá além do
cooperativas estabeleçam alguns uso do crédito.
mecanismos para estimular a formação de
sistemas de governança, fortalecendo assim Fica claro também que abertura de cooperativas
suas condições de sustentabilidade. Alguns de crédito rural solidárias isoladas representa um
desses mecanismos poderiam ser: risco muito grande em termos de sustentabilidade.
Em regiões pioneiras, em que não existam sistemas
1. Desenvolver metodologias participativas de próximos, acredita-se que seria mais estratégico se
elaboração de planos de negócios, que planejar a implantação de três ou mais cooperativas
contenham estudos de demanda e estratégias dentro de uma região. Isso viabilizaria a formação de
de formação de arranjos institucionais locais; uma base de serviços regional e de um pré-sistema.
Além de uma redução de custos operacionais, a idéia
2. Estabelecer condições de contrapartida,
poderia representar mais oportunidades de
mo b iliz a çã o de recurso s lo ca is,
aprendizado coletivo às cooperativas singulares,
complementaridade de políticas, formação
segurança e controle para o processo, como também
de parcerias e arranjos institucionais para o
maior perspectiva em termos de desenvolvimento
acesso a recursos públicos;
territorial.
3. Estimular a integração das cooperativas em
Por fim, a partir das visitas e dos pareceres
projetos territoriais de desenvolvimento e
analisados pode-se perceber a importância de uma
nos Planos Safras territoriais;
maior oferta de informações aos grupos
4. Estimular a formulação de planos territoriais proponentes. Para tanto se torna vital que os futuros
específicos para o desenvolvimento das cooperados e dirigentes possam dispor de materiais
microfinanças, promovendo parcerias entre didáticos e outras formas de treinamento que os
cooperativas, bancos, correspondentes ajudem a conhecer e praticar as noções de
bancários e outras organizações de apoio. cooperativismo de crédito. Isso certamente auxiliaria
as comunidades interessadas a descobrir quais são os
A partir dessas necessidades, a presença da caminhos mais seguros para se abrir uma cooperativa
Ancosol ganha destaque, visto ser ela a entidade que de crédito, como também apontaria os rumos para se
está ajudando a debater os planos de expansão e planejar a estruturação de sistemas de crédito
coordenando as negociações de boa parte dos solidário em regiões pioneiras.

O Processo de Constituição de Cooperativas de


Crédito Rural Solidárias no Brasil 33
34
Referências

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Anais...São Paulo: Anpocs, 2004.1 CD-Rom.
Ciência Ambiental, Universidade de São Paulo.

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Crédito Rural Solidárias no Brasil 35
Secretaria de Desenvolvimento Territorial - SDT

SBN Qd. 1, Bloco "D", Ed. Palácio do Desenvolvimento, 8º Andar


70057-900 - Brasília-DF
Telefones: (61) 2191 9873 Fax: (61) 2107 0005
E-mail: sdt@mda.gov.br

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Departamento de organização do Sistema Financeiro,


SBS Q 3 Bloco B Ed. Sede 16º Andar
Telefones (61) 6414-1645 e Fax (61) 3225-7149

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