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UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E EXATAS


CURSO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
Riane Camila Salustiano Resende

A ECONOMIA SOLIDÁRIA E SEU PRINCÍPIO DE AUTOGESTÃO: UMA


ANÁLISE DE SUAS CARACTERISTICAS E IMPACTOS SOCIOECONOMICOS.

Teófilo Otoni
2020
Riane Camila Salustiano Resende

A ECONOMIA SOLIDÁRIA E SEU PRINCÍPIO DE AUTOGESTÃO: UMA


ANÁLISE DE SUAS CARACTERISTICAS E IMPACTOS SOCIOECONOMICOS.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


Curso de Ciências Econômicas, da Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas e Exatas - FACSAE da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri - UFVJM, como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Dr. Naldeir dos Santos Vieira.

Teófilo Otoni
2020
Riane Camila Salustiano Resende

A ECONOMIA SOLIDÁRIA E SEU PRINCÍPIO DE AUTOGESTÃO: UMA


ANÁLISE DE SUAS CARACTERISTICAS E IMPACTOS SOCIOECONOMICOS.

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


Curso de Ciências Econômicas, da Faculdade de
Ciências Sociais Aplicadas e Exatas - FACSAE da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e
Mucuri - UFVJM, como requisito para obtenção do
título de Bacharel em Ciências Econômicas.

Orientador: Prof. Dr. Naldeir dos Santos Vieira.

Data de aprovação _____/_____/_____.

Prof. Msc. Danne Vieira


Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Exatas – UFVJM

Prof. Dr. Naldeir dos Santos Vieira


Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Exatas - UFVJM

Prof. Dr. Rogério Fernandes Macêdo


Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas e Exatas - UFVJM

Teófilo Otoni
Dedico esse trabalho ao meu eterno amor, meu pai Josué Resende, que
virou um anjo.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente quero agradecer a Deus pela força, sabedoria e oportunidade para


superar todas as dificuldades e limitações ao longo dos anos a UFVJM.
A minha mãe, Vânia, pelo amor, apoio, puxões de orelha e sabedoria.
Ao meu pai, Josué (in memoriam) que tenho certeza, lá do céu, vem
acompanhando cada passo meu aqui. Esse agradecimento é todo para ele e minha mãe, pois
sei que estão orgulhosos dessa vitória.
Aos meus irmãos, irmã, cunhados, cunhadas, sogro, sogra e sobrinhos que me
deram forças para suportar todas as quedas e me ajudaram alevantar quando mais precisei, me
incentivando sempre.
Ao meu esposo, Luiz Felipe, por tanta dedicação, compreensão, conselhos e amor.
A minha linda filha, Lívia, por me ensinar o amor incondicional e me dar forças
para lutar.
Aos mestres do curso de Ciências Econômicas pelos conselhos, e aos colegas do
curso, Marcio Pedro e Silvia pela parceria. Vocês são demais!
Ao orientador que se dispôs a me ajudar quando mais precisei professor Naldeir.
A equipe PBF e CRAS pelo apoio e carinho. A igreja IBITO pelas orações.
A todos os meus amigos que contribuíram direta ou indiretamente para a minha
jornada ate aqui. Muito Obrigada!

.
Todos podem ver as táticas de minhas conquistas,
mas ninguém consegue discernir a estratégia que
gerou as vitorias.
Sun Tzu.
RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de analisar de forma breve o movimento de estruturação e


desenvolvimento da Economia Solidária, principalmente no Brasil, a partir da perspectiva e
construção teórica dos principais autores que estudam essa temática e também da análise de
empreendimentos já realizados e inseridos na estrutura econômico/produtiva do país. O
intuito é verificar se esta consiste em mais uma modalidade de adaptação à realidade
econômica frente ao desemprego, pobreza e outras mazelas sociais ou se possui profundidade,
com possíveis impactos na essência e dinâmica do Modo de Produção Capitalista. A
discussão teórica que abarca como a Economia Solidária se expandiu no Brasil e as
especificidades de todo esse processo no cenário político e econômico do país, apreendidos a
partir dos seus nexos com o imperialismo e a condição de dependência externa e
subdesenvolvimento do Brasil perante as nações de capitalismo central, contribui para a
compreensão dos mecanismos e estrutura do modo de produção vigente e a realidade
socioeconômica do país. Os empreendimentos solidários aparecem como uma alternativa de
melhores condições de trabalho e de vida dentro da estrutura de organização capitalista, mas,
em certa medida ainda propiciam mesmo que de maneira involuntária, a perpetuação
sistêmica do modo de produção vigente.

Palavras chave: Economia Solidária. Brasil. Subdesenvolvimento. Dependência Externa.


Capitalismo. Imperialismo.
ABSTRACT

This work aims to briefly analyze the movement of structuring and development of the
Solidarity Economy, mainly in Brazil, from the perspective and theoretical construction of the
main authors who study this theme and also from the analysis of projects already carried out
and inserted in the structure economic/productive capacity of the country. The aim is to verify
if it consists of another modality of adaptation to the economic reality in the face of
unemployment, poverty and other social problems or if it has depth, with possible impacts on
the essence and dynamics of the Capitalist Production Mode. The theoretical discussion that
covers how the Solidarity Economy expanded in Brazil and the specificities of this whole
process in the country's political and economic scenario, apprehended from its links with
imperialism and the condition of Brazil's external dependence and underdevelopment before
the nations of central capitalism, contributes to the understanding of the mechanisms and
structure of the current mode of production and the socioeconomic reality of the country.
Solidarity ventures appear as an alternative for better working and living conditions within the
structure of capitalist organization, but, to a certain extent, it still provides, even if
involuntarily, the systemic perpetuation of the current mode of production.

Keywords: Solidary Economy. Brazil. Underdevelopment. External Dependency. Capitalism.


Imperialism.
LISTA DE SIGLAS

EES – Empreendimentos da Economia Solidária.


EPS – Economia Popular Solidária.
FBES – Fórum Brasileiro de Economia Solidária.
FMEPS – Fórum Mineiro da Economia Popular Solidária.
IBASE/SETAS–Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas.
MTE – Ministério do Trabalho.
PL – Projeto de Lei.
PPA – Plano Plurianual.
PPAG – Plano Plurianual de Ação Governamental.
SEDESE – Secretaria de Estado de Trabalho e Desenvolvimento Social.
SENAES – Secretaria Nacional de Economia Solidária.
UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.
UNISOL – Agência de Desenvolvimento Social da Central Única dos Trabalhadores.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Evolução do número de empreendimentos.............................................................30


Figura 2 – Principais políticas públicas em desenvolvimento.................................................35
Figura 3 – EES por região........................................................................................................37
Figura 4 – Área de atuação das EES no Brasil........................................................................38
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – A Economia Solidária e sua conceituação: especificidades da


estruturação no Brasil e no Mundo.......................................................................................15

1.1 – Introdução.......................................................................................................................15
1.2 – A Economia Solidária: surgimento, conceitos e determinações................................15
1.3 – Considerações gerais sobre a formação social e econômica do Brasil: o abismo
entre as classes sociais no país................................................................................................18
1.4 – Impactos e transformações socioeconômicas: Economia Solidária e a autogestão.21

CAPÍTULO 2 - A Economia popular solidária no Brasil e sua estruturação na economia


e política do país......................................................................................................................25
2.1 – Introdução.......................................................................................................................25
2.2 – Aspectos conceituais e a estruturação da economia solidária no Brasil...................25
2.3 – A Economia Solidária no seu contexto atual no Brasil...............................................27

2.3.1 – Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES..........................................29

CAPÍTULO 3 – Políticas públicas e a Economia Solidária no Brasil: práticas de gestão e


a condição do capitalismo brasileiro.........................................................32
3.1 – Introdução.......................................................................................................................32

3.2 – Economia Solidária como política do desenvolvimento social...................................32


3.3 – Analise geral dos empreendimentos econômicos solidários no Brasil.......................36
3.4 – A Economia Solidária e sua estruturação no modo de produção capitalista...........39

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................42

REFERÊNCIAS..........................................................................................................45
11

INTRODUÇÃO

Por considerar o movimento estrutural que determina a condição socioeconômica


da classe trabalhadora no Brasil e no mundo, que historicamente luta por seus direitos e
melhores condições nas relações sociais de produção no sistema capitalista, que é
caracterizado, dentre outros aspectos, pelo antagonismo entre as classes sociais existentes
(onde em síntese o operário luta por melhores salários, melhores condições de vida e de
trabalho; e o capitalista visa o aumento dos seus lucros e a expansão de seu capital), a
Economia Solidária surge como uma nova possibilidade e uma modalidade de sobrevivência
com melhores condições nas relações sociais e econômicas para a classe trabalhadora.
Advêm da organização e união de trabalhadores que se valem do cooperativismo,
por praticar uma forma de empreendimento econômico com vistas a beneficiar o consumo
capitalista, mas também possibilitar o reconhecimento de várias camadas pertencentes à
classe trabalhadora e suprir suas necessidades de subsistência e humanização.
Na perspectiva de organizações econômicas solidárias, estes empreendimentos
ganham espaço diante as contradições do Modo de Produção Capitalista, visto que, no
decorrer da história registra-se uma massa crescente de excluídos na sociedade devido às
mazelas criadas pela lógica capitalista de produção e distribuição da riqueza, o que destaca o
caráter da Economia Solidária como um movimento social, por considerar que a mesma surge
para amenizar as disparidades econômicas e sociais, afirmando que os benefícios de toda a
atividade econômica devem estar disponíveis para aqueles que os realizam, ou seja, os
trabalhadores.
Analisar as condições de estruturação e desenvolvimento da Economia Solidária
no Brasil e como essa modalidade se organizou em uma nação periférica e dependente de uma
estrutura hegemônica global, requer a compreensão das especificidades do
subdesenvolvimento brasileiro a partir dos seus nexos com o imperialismo.
Desde o início da colonização no continente sul-americano (movimento que
integrou o Brasil à expansão social e econômica européia), consolidaram-se ao longo do
tempo determinados padrões hegemônicos de dominação 1, cujo Brasil se inseriu nessa

1
Florestan Fernandes interpreta a realidade brasileira a partir da compreensão do processo histórico de formação
e desenvolvimento do país, sob quatro padrões de dominação externa na periferia (que é o caso do Brasil), onde
os mesmos expressam a relação de subordinação e dependência do Brasil, que se organiza socioeconomicamente
diretamente influenciado por alterações nos padrões econômicos, políticos e tecnológicos das nações
hegemônicas. O primeiro padrão de dominação externa sobre o Brasil é justamente o Sistema Colonial. O
segundo é representado pelo neocolonialismo, expressando o poder hegemônico inglês no controle do comércio
pós-estrangulamento do sistema colonial. O terceiro tipo de dominação externa segundo Fernandes (2009) está
12

dinâmica global com uma condição desigual na integração entre essas nações, por ser
determinado e limitado pelo papel de maior pólo dinamizador do crescimento das principais
nações hegemônicas.
Interpretes clássicos da realidade brasileira como Florestan Fernandes, Caio
Prado Jr., Celso Furtado e outros pensadores que os tomam como referência, desenvolveram
suas formulações teóricas que nos auxiliam na compreensão da condição social, econômica e
política brasileira contemporânea, considerando estes diferentes padrões de dominação
externa pertencentes ao traçado histórico de interação entre as nações ou grupo de nações, que
consubstanciaram também as relações capitalistas na atualidade.
Resgatar as bases socioeconômicas do país é de extrema importância para a
compreensão das barreiras criadas por todo o processo histórico de formação, bem como para
alcançar a superação desse passado.

A estrutura colonial que contém essencialmente uma relação de dominação e


hegemonia, não se limitou a este determinado momento histórico no Brasil. Perpassa por toda
a história de desenvolvimento das relações econômicas, sociais e políticas do país, onde o
“sentido da colonização2” não se restringe apenas às estruturas da sociedade colonial, mas
determina as especificidades das relações de produção no Brasil, que beneficia uma burguesia
externa e interna em detrimento de toda uma sociedade e uma estrutura interna com potencial
crescimento.
Torna-se uma particularidade no desenvolvimento da sociedade brasileira, as
mazelas e o abismo social criado pela condição de grande concentração de riqueza em uma
pequena parcela da população, que se organiza estruturalmente nas bases da cultura agrária
exportadora, a escravidão e o grande latifúndio.
Esse passado arcaico que prevalece pós-estrangulamento do sistema colonial
condicionou o Brasil para uma extroversão economia e social estrutural, que assevera os
pontos nodais das relações socioeconômicas e posteriormente das classes sociais no país, com
relacionado aos resultados do processo de acumulação primitiva, que se desdobra na revolução industrial e o
Modo de Produção Capitalista. A quarta fase de dominação externa exposta pelo autor seria o mundo pós-
Segunda Guerra Mundial, expressado pelo poder hegemônico norte-americano, e o Imperialismo Total
evidenciando a incapacidade dos países latino-americanos de impedir sua incorporação dependente ao espaço
econômico, cultural, político das diversas e sucessivas nações hegemônicas. Ver em: FERNANDES (2009).
2
A análise elaborada por Prado Jr. (2000) sobre o processo histórico de formação socioeconômica do Brasil,
elucida um sentido específico que direcionava todo o processo de formação do país. No contexto externo, a
expansão comercial internacional ditava a atividade brasileira e o contexto interno respondia ancorando-se em
pilares estruturais como o trabalho escravo, o grande latifúndio e a monocultura, atendendo assim, as
expectativas do processo de acumulação primitiva. Essas são as bases da estrutura produtiva, econômica e social
do Brasil, e demonstram o caráter da dependência externa e subordinação, visto que, neste momento histórico
que são criadas as condições para a ascensão do Modo de Produção Capitalista PRADO JR. (2000).
13

a emergência do Modo de Produção Capitalista, acentuando as mazelas e desigualdades


sociais em níveis assombrosos.
A partir destes condicionantes, o trabalho pretende analisar e discutir sob a
perspectiva dos principais autores da área, a essência, prática e a necessidade ou não da
Economia Solidária, argumentando se a mesma consiste em mais uma forma de adaptação
perante a realidade socioeconômica do modo de produção vigente (frente ao desemprego e a
pobreza) ou se possui um sentido de transformação estrutural, com possibilidades de
confrontar a dinâmica capitalista de apropriação privada da riqueza socialmente produzida.
Desta forma, o trabalho será dividido em três capítulos. O primeiro pretende
resgatar de forma breve, partindo de uma perspectiva materialista histórica, os aspectos gerais
da formação socioeconômica do Brasil para fundamentar as condições sociais, econômicas,
culturais e políticas do país na atualidade, além de apresentar a Economia Solidária e sua
estruturação. Os demais tópicos trarão uma análise sobre o conceito e as determinações da
mesma, a partir do seu princípio de autogestão.
O segundo capítulo tem a finalidade de analisar como a Economia solidaria se
consolidou e se desenvolveu no Brasil, verificando a relação desta com o caráter do
subdesenvolvimento, as principais fases deste processo, e como a classe trabalhadora se
organizou no cooperativismo.
O terceiro capítulo tem o objetivo de analisar e discutir as políticas públicas,
sociais, econômicas e culturais no Brasil através dos ditos empreendimentos solidários (o
processo e estratégias), tendo em vista as políticas do governo nas duas últimas décadas e
como os trabalhadores e as comunidades se organizam dentro das cooperativas e associações,
bem como o planejamento econômico, o sistema produtivo e suas ferramentas como acervo
dentro do sistema capitalista, considerando as especificidades do subdesenvolvimento e
consolidação do capitalismo dependente brasileiro.

A Economia Solidária cada vez mais vem se tornando uma saída viável frente às
mazelas sociais e econômicas promovidas pela dinâmica capitalista, principalmente no Brasil,
onde as características regionais são muito distintas (considerando a grandeza geográfica do
país), e a participação com a organização dos Estados e principalmente dos municípios se
torna extremamente importantes para fortalecer o trabalho cooperativo, e o crescimento
conjunto das regiões mais pobres.

Mas é de extrema importância analisar e discutir se esses direcionamentos ditos


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solidários impactam estruturalmente no sistema capitalista e, conseqüentemente, no conflito


entre as classes antagônicas (trabalhadores versus capitalistas), com vistas a galgar um
desenvolvimento qualitativo, profícuo e real. Digno e de direito à toda sociedade.

CAPÍTULO 1 – A Economia Solidária e sua conceituação: especificidades da


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estruturação no Brasil e no Mundo.

1.1 – Introdução.

Este capítulo tem o objetivo de realizar uma breve analise das transformações
promovidas pela dinâmica capitalista mundial, principalmente com o advento do
imperialismo, evidenciando que existe uma parcela considerável da classe trabalhadora no
Brasil e no mundo, que se estabelece sobre uma densa desigualdade socioeconômica e sem
maiores perspectivas de transformação qualitativa dessa condição no quadro geral da relação
entre as classes sociais.
As iniciativas populares de coordenação e cooperação estabelecidas pelo princípio
da solidariedade e a propriedade coletiva dos meios de produção, evidenciam a Economia
Solidária como uma forma diferenciada de estruturação do trabalho e dos meios de produção.
Por isso, os tópicos deste capítulo irão trazer uma análise das especificidades da
estruturação e desenvolvimento da Economia Solidária no Brasil e no mundo, por verificar
sua conceituação e suas determinações, argumentando sobre a condição estrutural de
desigualdade social e concentração de riqueza no Brasil, fator este, que contribui para
consubstanciar a realidade degradante imposta a grande massa de trabalhadores do país, fator
que justifica e impulsiona a necessidade e importância das organizações populares..

1.2 – A Economia Solidária: surgimento, conceitos e determinações.

O conceito de Economia Solidária se solidificou a partir de meados do século XX


e trouxe consigo um ideário de solidariedade dentro de um sistema produtivo já estabelecido,
contrapondo de certa forma, a competitividade e o individualismo característicos do Modo de
Produção Capitalista e principalmente de sua dinâmica neoliberal de reprodução sistêmica
(SINGER, 2004).
Suas determinações se formatam a parir da organização e integração entre
produtores, consumidores intermediários e finais, prestadores de serviços e outros agentes que
compõem a estrutura produtiva e de mercado, onde essa interação dos mesmos é baseada por
meios democráticos e igualitários de autogestão, por propiciar maior justiça e igualdade entre
os participantes da organização e todos os envolvidos no sistema produtivo (SINGER, 2004).
Ao analisar sua conjuntura a parir da década 1970, verifica-se que a Economia
16

Solidária vem se consolidando como uma importante variável no desenvolvimento das


comunidades e organizações populares (principalmente no Brasil), por propiciar a
oportunidade de desenvolver idéias que possam abrir os caminhos para a emancipação da
solidariedade, bem como a manutenção das normas de política e ética na integração e
interação em uma sociedade globalizada (GAIGER, 2004).
Mas, a Economia Solidária tem sua origem em um passado remoto na história das
organizações em sociedade e está intimamente relacionada à luta pela autodeterminação dos
povos, ao reconhecimento do conceito de bem-viver e se expressa cotidianamente nas lutas
das comunidades tradicionais contra a mercantilização da vida, em favor do bem comum, da
gestão comunitária e da reciprocidade (CNES, 2010).
Os empreendimentos ditos solidários podem ser compreendidos como resultado
de um desdobramento histórico de organização social, em que na Europa do século XVIII a
sociedade já divida em classes antagônicas (considerando o processo de revolução industrial e
a emergência do modo de produção capitalista) estabelecia por parte das classes dominantes,
um sistema opressor e condições de trabalho desumanas, que se dissipou por todo mundo com
a condição universal do capitalismo (SINGER, 2004).
Segundo Singer (2004), a Economia Solidária se estrutura como uma forma de
organização social onde a produção se caracteriza pela igualdade de direitos, estabelecendo
que os meios de produção se apresentem como uma forma de propriedade coletiva para
aqueles que estão envolvidos no processo, e por isso, sua característica principal é a
organização em cooperativas e a autogestão.
A Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), também conceitua essa
modalidade como uma forma diferenciada de se estruturar a produção e a circulação de bens e
serviços, propondo uma nova alternativa que possibilite a geração de emprego e renda, e
assim, criar melhores condições de subsistência para a classe trabalhadora com um comércio
justo e o ideário de consumo solidário.
Portanto, a Economia Solidaria se estrutura como uma forma de trabalho
cooperativo ou associado, tanto na produção quanto na comercialização de bens e serviços,
visando uma melhor condição de renda e emprego para uma grande parcela da população que
vive a margem da estrutura e da superestrutura social 3, fortalecendo as relações da
reciprocidade nas praticas de autogestão e do cooperativismo.

3
Compreende-se por estrutura, toda a organização econômica e social, o que corresponde a um determinado
nível de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção. A superestrutura e caracterizada pelo
conjunto das instituições, dos ideários sociais e da cultura que determina as formas e normas de convívio social.
17

Diversos estudiosos dessa temática formulam suas construções teóricas que tratam
de conceituar a Economia Solidária de diversas formas, mas sempre com o mesmo sentido de
que a mesma se relaciona com o seu papel social transformador, mesmo que ela propicie o
alcance de interesses individuais, pois, sua especificidade está diretamente relacionada à
propriedade coletiva e a autogestão (SINGER, 2004).
Seus princípios gerais buscam, em síntese, a integração entre produção e
circulação, por possibilitar uma tentativa de minimizar as contradições causadas pela
dinâmica capitalista, promovendo a valorização do trabalho humano, a satisfação das
necessidades humanas e estabelecendo uma relação de harmonia com a natureza.
A Economia Solidária não é apenas um fenômeno econômico resultante das
condições ou tendências históricas do mercado de trabalho, mas é também resultado do
acúmulo do movimento popular nos anos 70 e 80 por todo o mundo (MANCE, 2000).
(...) a concepção da ideia de rede do principio de que unidades produtivas que
operam isoladamente tendem a fracassar, pois não conseguem superar a
concorrência capitalista. A alternativa das redes de colaboração solidária se
baseia no trabalho em conjunto, mediante interligação entre movimentos de
consumo e produção por meio de mecanismos verticalizados de produção, ou
seja, o encadeamento de cédulas produtivas, em que o bem final produzido
por uma serve de insumo demandado por outra (MANCE, 2000. p. 30).

A transformação social e econômica entre os trabalhadores que lutaram


pelos seus direitos com a criação de cooperativas e outras formas organizadas da
classe, fez com que fortalecessem o movimento operário ao longo dos anos. Para
Singer (2000), a economia solidária ressurgiu de forma esparsa nos anos 80 e tomou
impulso crescente nos anos 90, resultado de movimentos sociais que reagiram à crise
do desemprego em massa.

Os estudos no campo da Economia Solidária têm alcançado recentemente, cada


vez mais destaque e importância nos negócios. Vale salientar que a proposta da Economia
Solidária emerge como uma possibilidade de geração de renda, inserção e mudança social. A
Economia Solidária se baseia na ideia de que os benefícios da atividade econômica devem
estar ao alcance daqueles que a realizam, ou seja, dos trabalhadores, justamente em função
dos seus princípios e valores. Seus fundamentos são o humanismo, a liberdade, a igualdade, a
solidariedade e a racionalidade (BARRETOS; LOPES; PAULA, 2011).

1.3 – Considerações gerais sobre a formação social e econômica do Brasil: o abismo


entre as classes sociais no país.
18

Inicialmente, é de extrema importância pontuar a forte expressão histórica do


período da colonização brasileira e seus rebatimentos na contemporaneidade, por considerar
sua influência na estrutura cultural, social, econômica e política do país.

Analisar o desenvolvimento da sociedade brasileira em seu traçado histórico para


uma melhor compreensão do momento presente perpassa por considerar o processo de
formação do país, com uma leitura na dimensão da sociedade colonial em sua organização,
como chave central para o processo de acumulação primitiva e a peça fundamental para a
ascensão do Modo de Produção Capitalista (COUTINHO, 2011).
É a partir do processo de colonização que se consolida a idéia da posição
assumida pelo Brasil na distribuição das relações econômicas internacionais, e posteriormente
(por considerar a objetivação capitalista por todo o mundo), a posição assumida pelo país de
economia complementar dentro de uma estrutura global, que determinou e limitou o contexto
de crescimento e desenvolvimento brasileiro, que passou a ser conduzido de acordo com as
diretrizes e necessidades das nações ou grupo de nações que ocupavam uma posição
hegemônica na estrutura geral das relações internacionais (COUTINHO, 2011).
Ao compreender o processo de formação do Brasil a partir da sua realidade
enquanto colônia de exploração remete-se a uma articulação entre uma dinâmica externa e
interna, em que os mecanismos que compõem as relações de comércio dentro dos espaços
coloniais baseavam-se, por exemplo, no exclusivo metropolitano 4, enquadrando em um
controle total das condições do comércio em favor da metrópole, por estabelecer uma relação
unilateral na dinâmica comercial que favorecia sempre as necessidades da mesma (PRADO
JR., 2000).
Dentro dessa perspectiva, desde o início, com a ocupação do território brasileiro, o
país tem uma relação subalterna considerando o contexto internacional de expansão comercial
européia que se desencadeou a partir do século XVI, que deixou suas impressões infortunas
que perpassam por toda a história do país, determinando as vicissitudes da economia e da
sociedade de uma forma geral, que se desenvolveu sob o propósito das nações que ocupavam
a posição de centralidade nas relações internacionais, com o intuito claro de sempre apropriar-
se das riquezas do país (PRADO JR., 2008).
A situação de dependência e subordinação orgânica e funcional da economia
brasileira com relação ao conjunto internacional de que participa, é um fato
que se prende às raízes da formação do país, como já foi ampla e
repetidamente analisado ao correr de todo este livro. Economia de

4
O termo remete a noção de exclusividade ou monopólio forçado pela metrópole nas relações de comércio com a
colônia, o que permitiu extrair uma grande concentração de riqueza metalizada, que foi drenada pela Europa.
19

exportação, constituída para o fim de fornecer gêneros alimentícios e


matérias-primas tropicais aos países e populações das regiões temperadas da
Europa e mais tarde também da América, ela se organizará e funcionará em
ligação íntima e estreita dependência do comércio ultramarino em função do
qual se formou e desenvolveu. Será essencialmente uma economia colonial,
no sentido mais preciso, em oposição ao que denominaríamos de economia
"nacional", que seria a organização da produção em função das necessidades
próprias da população que dela participa. Esta é a circunstância principal que
tornará o Brasil tão vulnerável à penetração do capital financeiro
internacional quando o capitalismo chega a esta fase do seu desenvolvimento.
O país far-seá imediata e como que automaticamente, sem resistência
alguma, em fácil campo para suas operações (PRADO JR., 1957, p. 270).

De acordo com que essa estrutura colonial vai ganhando complexidade e


desenvolvendo uma dinâmica própria, conjuntura proporcionada também pelo processo de
objetivação capitalista nos centros hegemônicos, a especificidade do trabalho escravo
pautando as relações de produção no Brasil, do presente e as futuras, de acordo com Prado Jr.
(1933), se estabelecem como um elemento fundamental e estrutural, particular à objetivação
do modo de produção capitalista brasileiro.
O processo de colonização não foi um acidente histórico. Ele é o ponto de partida
para toda uma integração econômica mundial, onde o sentido de ser da formação
socioeconômica brasileira está diretamente relacionado ao mesmo e a forma particular de
constituição capitalista no país. A possibilidade de acumulação que este determinado período
proporcionou aos países ibéricos significa, proporcionalmente, um processo de
“desacumulação” nos espaços coloniais, visto a debilidade criada na estrutura interna pelo
monopólio no comércio com a metrópole e a riqueza drenada através da empresa agrícola,
escravidão e o extrativismo.
O período colonial produziu marcas profundas na sociedade brasileira. Um
estranhamento entre o povo e o território, uma estruturação econômica que mantém a riqueza
altamente concentrada, o extermínio dos povos nativos e a sobreposição das raças, a dinâmica
internacional sobrepondo o crescimento interno (PRADO JR., 2000).
Segundo o pensamento de Prado Jr. (1957), as transformações promovidas pela
ascensão do Modo de Produção Capitalista e sua condição intrínseca de constante
metamorfose, estabeleceu sob nova roupagem a subordinação orgânica e funcional da
economia brasileira, com o advento do imperialismo, que a partir do século XIX passa a
estabelecer a concentração de capital em níveis muito altos nos países estabelecidos como
centrais, e o simples intuito de vender produtos dão lugar às atividades econômicas
financeiras.
20

O processo de revolução burguesa e a consolidação do Modo de Produção


Capitalista no Brasil se estabelecem sob o capitalismo em sua fase imperialista 5, em que o
mesmo acentua a condição de exploração e subordinação. As estruturas coloniais acomodadas
como especificidade da formação do capitalismo brasileiro 6, estabelecem uma condição de
inter-relação entre as estruturas arcaicas internas e o movimento de expansão do capital
mundial, moldando toda a estrutura econômica e social do país. O imperialismo representa um
estágio desse movimento de expansão, pois nesta etapa específica de desenvolvimento
capitalista, o controle não está mais no comércio de artigos coloniais, mas sim, nas atividades
produtivas e financeiras mantendo o mesmo viés de expropriação.
Neste sentido, Prado Jr. (1966) aponta os limites e possibilidades históricas para a
revolução brasileira e os entraves que impossibilitam a construção de uma emancipação
nacional e autônoma, capaz de alavancar as condições sociais da população de forma
qualitativa.
A constituição da estrutura social e econômica do país se dá por uma organização
que privilegia uma camada interna minoritária em detrimento da espoliação do restante da
população, e por uma classe dominante que se subordina aos interesses externos perpetuando-
se no poder. O Brasil se constituiu sob contingências estabelecidas por seu papel
desempenhado nas relações político-econômicas internacionais, onde sua estrutura social de
uma forma geral é direcionada a responder as necessidades supranacionais, seja no período
colonial, capitalista concorrencial ou imperialista.
A desigualdade social típica do período colonial e de todo o processo de
estruturação do Brasil, foi reconstituída como necessidade para reprodução do capitalismo
que é construído no país, que se caracteriza principalmente por acomodar as estruturas
arcaicas em sua nova dinâmica, afeito a reversões coloniais em tempos de crise (PRADO JR.,
1966).
Neste sentido, apontam-se os limites históricos e as dificuldades na constituição e
desenvolvimento nacional, principalmente sobre nos marcos do capitalismo, tornando-se

5
O imperialismo é o capitalismo no estágio de desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos
monopólios e do capital financeiro; em que a exportações de capital adquiriu marcada importância; em que a
partilha do mundo pelos trustes internacionais começou; em que a partilha da terra entre os países capitalistas
mais importantes terminou (LENIN, 2012, p. 124, 125).
6
Prado Jr. (1957) expõe no capítulo 7 que a economia capitalista internacional, não se apresenta enquanto um
simples agregado de países situados em níveis diferentes de progresso econômico. Cada país constitui uma
função especifica neste conjunto; e cabem aos países subdesenvolvidos no que tange sua relação nesse sistema
internacional, devido a circunstancias de intervenção externa nos seus processos e seus nexos de dependência
econômica; a falta de estruturação das suas bases econômicas próprias e nacionais, uma função econômica
especifica neste conjunto.
21

necessário compreender como o Brasil nasce e como a massa populacional (constituída em


sua maioria pela classe trabalhadora) permanece ao longo do tempo, mesmo após sucessivos
processos e tentativas de transformação, à margem do processo social, econômico e político
do país.

1.4 – Impactos e transformações socioeconômicas: Economia Solidária e a autogestão.

A Economia Solidária é uma forma de produção e distribuição de riqueza centrada


na valorização do ser humano, e não no capital. Com uma base associativista e cooperativista
voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido,
tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida (SILVA; SILVA, 2008).

Sob os marcos do capitalismo industrial, operários viram a necessidade de


se organizarem como resposta à pobreza e ao desemprego, resultantes da difusão
desregulamentada das máquinas e do motor a vapor e a Economia Solidária,
historicamente, nasceu após o capitalismo industrial como reação à grande
concentração do desemprego e extrema pobreza que foram provocados pela difusão
das máquinas e da organização fabril de produção (SINGER, 2002).

A Grã Bretanha, tornou-se o principal país da Primeira Revolução


Industrial, que procedeu a expulsão das massas de camponeses dos domínios
senhoriais que se transformaram no proletariado, elevando a exploração do trabalho
nas fábricas. (SINGER, 2002).

O Munarim (2007, p. 16) destaca que os pensamentos primários sobre a


economia solidária surgem no início do século XIX na Europa, com grande ênfase na
França e Inglaterra sob os estudos de Claude Saint-Simon (1760-1825), Charles
Fourier (1772-1873), Pierre Proudhon (1908-1865) e Robert Owen (1773-1858).

Para Mance (2000), a economia solidária cresceu ao se integrar entre os


mercados que competia e no Brasil ou em outros países, o consumo solidário tornou-
se fator de sustentação de algumas empresas solidárias, do mesmo modo como são os
clubes de troca.

O primeiro traço da Economia Solidária foi sob o formato da Economia


Social, nomeado por alguns como “associativismo pioneiro”, em que este primeiro
momento da economia social nasce, como reação à precariedade das condições de
trabalho e demais efeitos sociais negativos do capitalismo. Surgiram assim, várias
iniciativas de associativismo, mutualismo e cooperativismo (ALEIXO, 2015).

Foi a partir dos efeitos sociais negativos do capitalismo que surgiram


várias iniciativas de associativismo, mutualismo e cooperativismo e isso se deu a partir
do formato da Economia Solidária que era denominado como associativismo pioneiro
(LEAL; RODRIGUES, 2018).
22

Nesse contexto, destaca-se que os empreendimentos solidários “negam a


separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a
base do capitalismo” (SINGER, 2004 apud SILVA; SILVA, 2008), ou seja, nesse tipo
de “empresa” tem-se o trabalhador como dono do capital.

Assim, o debate sobre a Economia Solidária não é considerado algo novo,


mas ultimamente vem tendo maior destaque, no qual é considerada de difícil
construção objetiva e conceitual, dada que cada região define de uma maneira
diferente o ‘ser solidário’, ou o sentido de construir relações sociais econômicas de
forma solidária em si (BARBOSA, 2016).

Enquanto isso, no Brasil, a Economia Solidária surgiu como alternativa de defesa


da classe trabalhadora, contra o processo neoliberal de aniquilamento de milhões de postos de
trabalho formal que se dá a partir da década de 80, da iniciativa privada e do setor público,
fazendo com que a classe trabalhadora, que perdera seus empregos, se organizasse em seus
próprios negócios, na forma de cooperativas (MUNARIM, 2007).

A chegada da Economia Social à América é marcada pelo


desenvolvimento da teoria econômica da autogestão, na década de 80 e a partir de
então, acontece a sua difusão tanto na América do Norte como na América Latina e no
Brasil, por considerar as crises vivenciadas no mesmo período, que motivaram
movimentos trabalhistas que se erguiam contra a exploração da mão de obra barata, o
que influenciou também no aparecimento de empreendimentos solidários (LECHAT,
2002 apud LEAL, RODRIGUES, 2018).

Nesse âmbito histórico, o enfrentamento dos trabalhadores diante desses


processos econômicos frente à burocracia de instituições públicas e financeiras, veio
das suas dificuldades econômicas, que “ao longo dos anos, os trabalhadores lutaram
por direitos, o que faziam com que fortalecesse o movimento operário como a
transformação dos sindicatos em organizações poderosas que se tornariam a defesa de
interesses dos assalariados na luta contra o modo de produção capitalista” (SILVA;
OLIVEIRA, 2009. p. 126).

A partir dos anos 1980 o Estado perde seu papel de protagonista e agente
planejador central e deu lugar à chamada livre ação das forças de mercado, defendida
pelo pensamento ortodoxo. Diante disso, desencadeou-se no mundo capitalista um
processo rápido de desregulamentação de mercados e liberalização comercial em nível
global, dando ao capital cada vez mais mobilidade para buscar melhores oportunidades
de investimento, em termos de taxa de retorno (SILVA; NAGEM, 2012).

A leitura ortodoxa de que o mercado é autoregulativo e que situações de


desequilíbrios econômicos estão ligadas a questões relacionadas com a oferta e demanda,
legitimavam uma desigualdade social estrutural entre os que detinham os meios de produção,
em detrimento dos que eram destituídos dos mesmos.
23

Um marco na história da Economia Solidária foi a sua chegada à América


que foi motivada pelos movimentos trabalhistas contra a exploração da mão de obra.
A temática da economia solidária e seus negócios mostram que “prerrogativa de que o
termo detém uma noção de que inúmeras práticas que abarcam um sistema antagônico
ao capitalismo, mesmo convivendo em principio dentro dele”. (GAIGER, 2006. p.
96).

Nesse contexto, as pessoas mesmo empobrecidas e excluídas do mercado


de trabalho, buscam a sua valorização, capacidade de trabalhar e empreender, a
Economia Solidária começou a ressurgir de forma esparsa na década de 1980 e tomou
impulso crescente a partir da segunda metade dos anos 1990 (SINGER apud COSTA
et al, 2015).

Assim, no seu ressurgimento por volta dos finais do século XX, a


Economia Solidária nasce como uma resposta dos trabalhadores à reestruturação
produtiva e ao uso abusivo e sem critérios de novas tecnologias, que provocaram
desemprego em massa, encerramento de firmas e marginalização cada vez maior,
sobretudo nos países chamados de terceiro mundo. (SINGER, 2002 apud SILVA;
SILVA, 2008).

As mudanças no mundo do trabalho são cada vez mais frequentes e


perceptíveis, o paradigma da precarização do trabalho assombra a classe
trabalhadora, ora, no contexto do pós – guerra expressa a sua solidariedade
entre os trabalhadores os direitos sociais e o pleno emprego, e tendo em vista
novas estratégias de reestruturação produtiva, a organização coletiva de
cunho sócio – econômico assumida em grande parte institucionalizada nas
cooperativas e associações, trata-se de uma organização que surge como uma
reação determinada pelos trabalhadores frente ao processo de acumulação
capitalista (BENINI; BENIN, 2010, p. 607).

A Economia Solidária possui uma finalidade multidimensional, isto é, que


envolve a dimensão social, a econômica, a política, a ecológica e a cultural. Isto
porque, além da visão econômica de geração de trabalho e renda, as experiências de
Economia Solidária se projetam no espaço público no qual estão inseridas, tendo como
perspectiva a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável.

Os empreendimentos solidários em termos de produção são observados


como oposição à ditadura do capital e ao poder ilimitado que o direito de propriedade
privada determina, excluindo e controlando vidas, além dessas, estabelecem um abalo
na própria estrutura democrática que se baseia a sociedade moderna, criando um
mundo polarizado e insustentável. (SANTOS, 2002)

É correto afirmar, que para manter a taxa de apropriação de mais trabalho,


que vem sendo decrescente em vista dos avanços tecnológicos, o capital busca formas
flexíveis em sua composição, sendo o trabalho, o elemento fundamental e infindável
de valorização do valor. (SANTOS, 2002).
24

Assim, os empreendimentos autogestionários7 uma vez inseridos no capitalismo se


constituem como um dos elementos essenciais para o sistema, servindo como uma
organização funcional a estrutura ou as cadeias produtivas (sendo utilizados e subcontratados
pelas empresas convencionais) por desestimular toda uma categoria que, inseridos nessa nova
modalidade, excluem alguns trabalhadores ligados à rede, deixando de ser solidários.
(BENINI; BENINI, 2010).

CAPÍTULO 2 – A Economia Popular Solidária no Brasil e sua estruturação na


economia e política do país.

2.1 - Introdução.

A Economia Solidária traz em sua essência o intuito de introduzir o trabalhador


no âmbito central da atividade econômica, por priorizar as relações sociais e a valorização do
7
O conceito de autogestão não é algo novo, ele foi proposto por socialistas utópicos, por anarquistas, pelos
soviéticos, mas desenvolveu-se com mais força a partir da segunda metade do século XX e retomou vigor com
os estudos sobre a Economia Solidária. Quanto às formas autogestionárias de organização da produção, elas são
um elemento fundamental na luta histórica dos trabalhadores desde o início do capitalismo caracterizando-se,
portanto, como fenômeno social, como práticas sociais historicamente construídas (LECHAT, et al, 2012).
25

trabalho. Toda a estrutura desse modelo de produção é centrada na realocação dos que estão à
margem dos processos sociais e do mercado de trabalho, promovendo a dignidade e criando
meios de subsistência alternativos contrapondo, em certa medida, a estrutura capitalista.
No Brasil, essa modalidade se estruturou com seus princípios que defendem a
vida e a dignidade, frente às inúmeras disparidades sociais e econômicas que são
características do subdesenvolvimento do país, almejando um desenvolvimento sustentável e
racional, além de possibilitar uma melhoria na qualidade de vida e renda para a população
mais carente.
Este capítulo não propõe uma critica ou defesa dos empreendimentos solidários
no Brasil, nem tampouco sobre a estrutura e dinâmica capitalista. Mas sim, vai analisar os
aspectos conceituais e características da estruturação da Economia Solidária no Brasil,
apresentando os principais aspectos da iniciativa no país e como se dá o arranjo da
organização entre governo, trabalhadores e empresas. Para assim, demonstrar o histórico de
origem da mesma no Brasil e suas formas de organização na estrutura específica do
capitalismo do país.

2.2 - Aspectos conceituais e a estruturação da Economia Solidária no Brasil.

A Economia Solidária começou a surgir no Brasil na década de 1980 e somente


após a segunda metade da década de 1990 que a mesma toma impulso e se multiplica,
ocorrendo na grande difusão do termo Economia Solidária no país (Economia Social nos
demais países da América Latina) (LAVILLLE; GAIGER, 2009).
Para Singer (2002), o desenvolvimento principal do sistema solidário no Brasil
deu-se pelo cooperativismo, que se estabeleceu como modelo de empreendimento no país no
início do século XX. Trazido pelos imigrantes europeus e se adequando as necessidades de
organização da classe trabalhadora no Brasil, esse esquema solidário toma forma em
cooperativas de consumo nas cidades, e cooperativas agrícolas no campo.
Em meados do século XX os empreendimentos solidários se constituem
legalmente enquanto esfera jurídica no Brasil, o que possibilitou a criação de vários grupos e
órgãos de estudo, fomento e consultoria na Economia Solidária no país, de modo que este
movimento não ficou apenas restrito a esfera econômica, mas se constituiu também em um
movimento social (LOPES, HEREDIA, 2014).
O Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES, caracterizou a Economia
Solidária como o “fundamento de uma globalização humanizada, de um desenvolvimento
sustentável, socialmente justo e voltado para a satisfação racional das necessidades e
qualidade de vida de cada um” (GADOTTI, 2009, p. 56). Assim, o valor central da Economia
Solidária é o trabalho e o indivíduo por sua natureza, e não o capital na sua forma geral
(GADOTTI, 2009).
26

O objetivo das cooperativas e empreendimentos solidários não é a busca pela


maximização do lucro, mas sim, tornar-se uma alternativa na produção capitalista,
viabilizando oportunidades de trabalho e gerando democracia, cooperação e igual distribuição
dos resultados8.
Na década de 1980 noventa milhões de postos de trabalho foram perdidos no
Brasil, em decorrência de uma crise estrutural do capital em âmbito mundial, o que acentuou a
exclusão social no país, e, nesse caso, a Economia Solidária reviveu no Brasil, se renovando e
estruturando-se na forma de cooperativas ou associações produtivas em diferentes
modalidades, mas sempre autogestionárias. (MANCE, 2000).
Mas, a Economia Solidária também se estruturou como instituição política de
governos, estabelecendo uma participação ativa principalmente nos quadros estruturais dos
governos direcionados pelo Partido dos Trabalhadores – PT no início do século XXI, que
criou a Secretaria Nacional de Economia Solidária conhecida como SENAES, para melhor
condução política, governamental e fortalecimento das estruturas e ferramentas necessárias
para a difusão da Economia Solidária no país (SENAES, 2011).
Com isso, essas estruturas e ferramentas se tornaram organismos de incubação de
Empreendimentos Econômicos Solidários – EES, com destaque político no Governo Federal,
tendo foco como prestação de serviços e de suportes para os grupos de trabalhadores que
decidem criar formas de organização econômica solidária (SENAES, 2011).
Gaiger (2009, p. 78) aponta que as EES têm os seguintes princípios: “propriedade
coletiva dos meios de produção, o primado dos membros trabalhadores sobre o capital, a
institucionalização da gestão democrática do processo de acumulação, a eficácia em lograr a
satisfação das necessidades, a superação da estrita relação mercantil e as interações calcadas
na racionalidade comunicativa”.
A compreensão do desenvolvimento solidário perpassa por um processo de
fomento e instauração de diferentes relações de produção, de modo que
promova um processo sustentável de crescimento econômico e preserve a
natureza e a redistribuição dos frutos do crescimento em favor dos que se
encontram marginalizado da produção social (SINGER, 2004, p. 7).

Sobre os movimentos e iniciativas no contexto da proposta da Economia Solidária


no Brasil, enfatiza-se a busca reiterada de criar novos elementos de sustentação, por caminhar
além do processo imediato de trabalho e produção, com destaque à criação de moedas sociais,

8
O objetivo dos sócios de uma empresa solidária é promover a economia solidária tanto para dar trabalho e renda
a quem precisa como para difundir num país ou no mundo um modo mais democrático e igualitário de organizar
atividades econômicas (SINGER, 2002, p.16).
27

cooperativas de crédito, novas tecnologias e mecanismos para constituir uma rede


organizacional (BENINI, 2011).
É nesse ponto que explica a natureza de se constituir o tipo especifico de relações
de trabalho que não se esgotam na sua organização produtiva mais imediata, mas sim, com
mediações sistêmicas que lhes sustentam. De modo que, a Economia Solidária nos dias atuais
demonstra o seu quadro organizacional, por conotar seu movimento dialético, de uma forma
ou de outra, absorvendo as dificuldades do desenvolvimento da autogestão dentro do modo de
produção capitalista, como relação antagônica e contraditória, principalmente apreendendo as
características do desenvolvimento capitalista dependente e subordinado do Brasil (BENINI,
2011).

Compreende-se que a Economia Solidária juntamente com os seus


princípios é a apropriação coletiva dos meios de produção, a gestão democrática das
decisões dos seus membros e a deliberação coletiva sobre os rumos da produção, sobre
a utilização dos excedentes e também sobre responsabilidade coletiva quanto aos
eventuais prejuízos da organização econômica. (II CONAES, 2010).

2.3 – A Economia Solidária no seu contexto atual no Brasil.

Considera-se, historicamente, o processo dialético entre economia e solidariedade,


que são fenômenos dentro da estrutura do capital no qual são excluídos da prática social pelas
classes dominantes, pois são defesas contra a precarização do trabalho e direitos dos
trabalhadores. (MANCE, 2000).
Frente ao alto índice de desemprego, surge a necessidade da organização e gestão
dos trabalhadores em empreendimentos autônomos, e com o passar dos anos visualiza-se a
possibilidade de um momento de fortalecimento e organização do processo de
desenvolvimento da Economia Solidária, com uma maior estruturação, integração e
participação da classe trabalhadora no contexto do conflito entre as classes no Brasil.

Ainda que compreenda as iniciativas entre o conceito e a prática das suas


vantagens comparativas em relação ao capitalismo, para se tornar
efetivamente um modelo de desenvolvimento justo, sustentável e
democrático, a economia solidária ainda carece de instrumentos públicos de
reconhecimento, apoio e fomento, que historicamente os empreendimentos
capitalistas tiveram. Sem as condições fundamentais de acesso diferenciado
ao financiamento, infraestrutura, incentivos tributários e fiscais, assessoria
técnica adaptada às suas especificidades e ao conhecimento e tecnologia, os
empreendimentos da economia solidária estão fragilizados e impossibilitados.
É preciso fortalecer e dar condições à economia solidária, através de seu
28

reconhecimento, para que a agenda de desenvolvimento se transforme mais


(II CONAES, 2010).

Ainda hoje no país a Economia Solidária não é estimulada de forma necessária e


efetiva como um instrumento público de transformação, e em contraponto, os
empreendimentos capitalistas que tiveram sempre as condições fundamentais de acesso
diferenciado aos incentivos tributários e fiscais, entre outras modalidades que é adaptada às
suas especificidades, sem contar o acesso à tecnologia.
Em momentos de crise econômica é que se evidencia a importância dessa
modalidade solidária, mas é importante a compreensão de que a Economia Solidária não pode
ser considerada como um conjunto de políticas sociais ou medidas que possam compensar as
contradições do modo de produção capitalista, mas sim, “o seu desafio é o de projetar-se
como a superação de paradigmas, estimulando modelos de desenvolvimento que tem por
fundamento um novo modo de produção, comercialização, finanças, consumo e outros (...)” (I
CONAES, 2006, p.13).
A Economia Solidária no Brasil em tempos atuais configura-se como um reflexo
importante de exemplo e referência nos debates por todo o mundo. A respeito das formas de
trabalho associado e da organização do trabalho, a mesma sugeriu e embasou a implantação
de políticas públicas solidárias e autogestionárias em diversos países latino-americanos.
(LAVILLE, 2009).
Vale salientar que os avanços tecnológicos foram de extrema importância para o
desenvolvimento solidário nos últimos anos no Brasil e no mundo, e para que esses
empreendimentos consigam se estabelecer de forma sólida no mercado do país, no caso do
Brasil, é necessário que a Economia Solidária siga como política pública prioritária para o seu
fortalecimento, e consolidar seu espaço na estrutura econômica e social (SINGER, 2002).
A Economia Solidária é formada por empreendimentos individuais e familiares,
associados e por empreendimentos autogestionários, buscando também no sentido do
progresso tecnológico, porém contrário a competição intercapitalista, à satisfação de
necessidades consideradas prioritárias pela maioria. (SINGER, 2002).
É de suma importância que esses espaços tenham condições políticas de debater
com a sociedade para que futuros marcos que interagem com as formas organizativas da
Economia Solidária, possam ampliar os seus empreendimentos econômicos e avançar na
melhoria da condição de trabalho, bem como a distribuição de renda para os trabalhadores
com políticas de fortalecimento e apoio.
29

2.3.1 – Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES.

A SENAES foi criada em 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, indicando o professor Paul Singer como Secretário do Movimento Social em
seu primeiro governo. (II CONAES, 2010)
A secretaria foi criada no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE) como fomento e geração de emprego e renda de forma diferenciada na
organização de trabalho e com a tentativa de confrontar desigualdades econômicas e
políticas oriundas do pensamento neoliberais. (SINGER, 2009).
O MTE desde a sua criação, tem por missão proteger os direitos dos
trabalhadores formalmente estabelecidos e principalmente os que não estão, e figuram
com destaque os números levantados na agenda do ministério, que justificam o
surgimento da SENAES por representar uma ampliação significativa do âmbito de
responsabilidades do MTE, que passa a incluir o cooperativismo e o associativismo
urbano (o rural é representado pelo Ministério da Agricultura) nas suas atribuições.
A SENAES surgiu a partir da mobilização de vários atores sociais,
organizados em torno da temática da Economia Solidária e que atuam em diversas
áreas da sociedade brasileira, e que demonstravam um alinhamento com o
posicionamento dentro das ações governamentais do Partido dos Trabalhadores (PT),
que estimulou a Economia Solidária como alternativa ao sistema hegemônico vigente
no Brasil e no mundo (SINGER, 2009).
Um mapeamento recente mais completo, entre 2010 a 2012, foi abarcado
11.663 empreendimentos solidários, desde 2004 e foram identificados 33.518
Empreendimentos de Economia Solidária (EES), em todo território nacional
(SANTIAGO, 2013).
O aspecto relevante deste mapeamento se refere aos 50% (5.811 EES) que
foram criados depois de 2004, o que evidencia o dinamismo social e econômico da
Economia Solidária no país, sem estar necessariamente vinculada a contextos de crise
e desemprego que caracterizou seu surgimento (SIES, 2013).
Na figura a seguir, é possível analisar a evolução do número de
empreendimentos desde 1900, explicitando o seu processo de crescimento:

Figura 1 - Evolução do número de empreendimentos.


30

35000
30000
25000
20000
15000
10000
5000
0
1900 1950 1970 1980 1990 2000 2005 2007 2013

Fonte: Compilação de dados de SIES/SENAES, 2013 (elaboração da autora).

Nesse contexto, os projetos da Economia Solidária estão na relação social


entre os trabalhadores em face aos meios de produção e na sua capacidade de trabalho.
A SENAES apoia os Empreendimentos da Economia Solidária de forma
direta e por meio de cooperação com outros órgãos governamentais e
juntamente com organizações da sociedade civil, tal apoio foi viabilizado
como política pública a partir de 2004, com a implantação do Programa
Economia Solidária em Desenvolvimento (SENAES, 2005).

O desenvolvimento dos empreendimentos solidários no cenário político e


econômico brasileiro foi possibilitado, em partes, pelo Ministério do Trabalho e
Emprego e Secretaria Nacional de Economia Solidária, cuja missão é “difundir e
fomentar a Economia Solidária por todo Brasil, proporcionando apoio político e
material às iniciativas do Fórum Brasileiro de Economia Solidária - FBES” (SINGER,
2004, p.4).
De acordo com Singer (2004), a SENAES com o apoio dos movimentos,
promove o combate à pobreza mediante as oportunidades, por exemplo: Fome Zero
como programa de redistribuição de renda, fomentar o debate da reforma agrária e por
outras políticas sociais de governo, que programem a cooperação entre secretarias e
ministérios com vistas ao desenvolvimento solidário.
Vale enfatizar que a Economia Solidária organizada de forma a interligar-
se aos sindicatos e a fiscalização do MTE, contribui para a luta pela preservação dos
direitos sociais e sua ampliação. Diversos países já adotaram legislações que obrigam
as cooperativas de trabalho e de produção a garantir aos membros o gozo de todos os
seus direitos legais, tendo em vista precisamente evitar que as formas cooperativas
sejam usadas para agravar a espoliação de trabalhadores. (BENINI, 2011).
A SENAES luta para que se estabeleça esse mesmo formato de legislação,
adaptado a realidade do contexto brasileiro, inclusive que cooperativas autênticas de
trabalho não sejam confundidas com as falsas pela fiscalização e pelo Ministério
Público do Trabalho. (SINGER, 2002).
Na perspectiva econômica e social, a Economia Solidária trouxe para o
debate público, noções importantes como a de utilidade social e do interesse coletivo,
que colocou como objetivo as atividades que surgiram como um modo substancial
31

centrado nas relações entre os atores e as atividades dos trabalhadores, possibilitando


que a Economia Solidária ultrapasse barreiras significativas (LAVILLE, 2009).

CAPÍTULO 3 – Políticas Públicas e a Economia Solidária no Brasil: praticas de gestão e


a condição do capitalismo dependente brasileiro.

3.1 - Introdução.

Analisar a Economia Solidária como uma estratégia de política e


desenvolvimento social, pressupõe compreendê-la como instrumento ou um
ferramental, instituídos como direitos perenes dos trabalhadores e é dever do Estado
republicano e democrático, garantir o fomento e possibilitar o estabelecimento de
novos empreendimentos da iniciativa popular solidária no país.
É notória a grande desigualdade econômica, política e social existente
entre as nações ou grupo de nações dentro da estrutura capitalista de organização. Em
algumas regiões do mundo (exclusivamente em países subdesenvolvidos e
subordinados economicamente ao poder hegemônico das nações centrais), houve
regresso no desenvolvimento social, em particular, no que se refere à expectativa de
vida que se tem reduzido significativamente.
Este capítulo pretende analisar e discutir como o Brasil programou suas
políticas públicas, direcionadas para os empreendimentos ditos solidários e toda a
estrutura ligada a área, analisando as políticas de governo das últimas décadas e dados
disponíveis sobre o setor, produzidos e compilados pelas instituições que compõe toda
a estrutura de desenvolvimento e organização da Economia Solidária no Brasil.
O capítulo ainda analisará o sistema produtivo solidário como acervo e
ferramenta no sistema capitalista, para fundamentar a questão que permeia este estudo,
que alem de apresentar a mesma como uma alternativa ao desenvolvimento social, é
32

também verificar a efetividade da Economia Solidária em contraponto à dinâmica


capitalista.

3.2 - Economia Solidária como Política do Desenvolvimento Social.

Segundo Pereira, Oliveira e Gonçalves (2015), a Economia Solidária é um


conjunto de iniciativas populares marcadas pela autogestão e pelo espírito solidário,
que contribuem para garantir direitos fundamentais da população, sobretudo dos
excluídos do mercado capitalista.
Ao mesmo tempo, se apresenta como “projeto de outro sistema
econômico, voltado para o desenvolvimento social e humano, que resgata a
centralidade do trabalho, saber e criatividade humana que tem como forma de
interação a cooperação, a reciprocidade, a complementaridade do diverso (pessoas,
coletividades, regiões, nações) e a solidariedade” (ARRUDA, 2006 apud PEREIRA;
OLIVEIRA; GONCALVES, 2015).
No contexto de construção da realidade social, é necessário que o
desenvolvimento esteja diretamente vinculado a um processo de superação das
desigualdades e exclusões, para que o mesmo se apresente como um ganho qualitativo
à sociedade e promova efetivamente, a transformação da condição incongruente em
que se encontra a sociedade frente ao desenvolvimento capitalista.
A globalização da economia provocou uma reestruturação do mercado
através dos avanços tecnológicos e perpetuou as estruturas desiguais e assimétricas das
esferas econômica e social, fazendo com que os modelos de desenvolvimentos com
uma tendência ideológica liberal tivessem que ser revistos, para melhorar ou garantir
minimamente uma condição de subsistência digna e de direito a toda sociedade
(SOBER, 2009).
Por ser uma política de desenvolvimento e voltar-se para um público
historicamente excluído ou que, progressivamente vem ampliando sua situação de
pobreza e exclusão social, a Economia Solidária demanda não só de ações setoriais
específicas, mas também ações que articulem instrumentos das várias áreas do Estado
(saúde, educação, meio ambiente, habitação) para criar um contexto efetivamente
propulsor de emancipação e da sustentabilidade.
A Economia Solidária se apresenta como mais uma possibilidade para o
aumento da participação das mulheres, povos e comunidades tradicionais, imigrantes e
diversos grupos sociais (que de certa forma são excluídos dos processos sociais,
principalmente no Brasil, que carrega em sua formação cultural fortes traços do
patriarcado) de se inserirem em iniciativas econômicas solidárias de produção,
serviços, finanças e consumo, ainda que, permaneçam existindo relações desiguais de
gênero, raça e etnia que precisam ser superadas para o fortalecimento das redes
solidárias (CONSELHO NACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2010).
Singer (2004) destaca uma diferenciação entre a Economia Solidária na
especificidade de seu desenvolvimento e a dinâmica capitalista em si, por uma
característica essencial do capitalismo de que “ele não é para todos”, pelo simples fato
dos seus processos produtivos serem seletivos. Todas as redes da Economia Solidária
visam remontar as cadeias produtivas capitalistas idealmente, mas por reconfigurar a
ideia de mercado e do sistema de produção, todas as etapas (produção, comércio,
crédito e consumo) ocorreriam no interior desta rede promovendo um contrapeso ao
sistema capitalista (MANCE, 2003).
33

Diante de todos os acontecimentos da política brasileira sob uma


perspectiva nas transformações sociais nos anos 90, a política social com os seus
dilemas de desenvolvimento manteve-se em pauta no cotidiano das ações de
planejamento, execução e avaliação das diferentes áreas da Economia Solidária
(SINGER, 2004).
A possibilidade interventiva do Estado, estrategicamente utilizada como
uma forma de diminuir os conflitos diante as questões geradas pelo conjunto de
desigualdades sociais, segundo Santos (1989), na atual conjuntura econômica, a
política social é aquela que deveria ordenar direcionamentos estratégicos segundo um
princípio de justiça consistente e coerente. Sendo assim, a política social é na realidade
uma meta política que justifica a integração com quaisquer outras políticas de
desenvolvimento.
Nesse sentido, é correto avaliar e perceber que as políticas públicas de
Economia Solidária podem ser medidas anticíclicas efetivas, emancipatórias e que
possibilitam um conjunto de transformações localizadas e pontuais, porém, analisadas
no macro, se apresentam como medidas concretas (II CONAES, 2010).
Segundo Singer (2004) é necessário compreender que as políticas públicas
para o segmento, fazem parte de um cenário recente em construção no país. A
principal característica das políticas públicas é assinalar os resultados positivos,
negativos, erros e distorções de sua implementação, para permitir seu aperfeiçoamento
ou reformulação. Assim, essa lacuna social de política pública surge a necessidade da
organização social de forma independente, dando ênfase aos objetivos de estabelecer
sistemas que apoiam os processos e impactos que contribuam para que as estratégias
tenham um resultado positivo (CONSELHO NACIONAL DE ECONOMIA
SOLIDÁRIA, 2010).
(...) a construção de metodologias específicas para este tipo de análise, a
avaliação possui duas dimensões: a técnica (caracterizada por produzir ou
coletar, de acordo com procedimentos reconhecidos, informações utilizadas
nas decisões) e a valorativa (exame de informações com critérios específicos,
com a finalidade de extrair condições acerca do valor da política do programa
ou projeto) (RUA, 2009).

No que tange os avanços do desenvolvimento social nas políticas públicas que


promovem a segurança dos empreendimentos e do meio ambiente na Economia Solidária,
vale ressaltar que os cuidados que os trabalhadores estabelecem com o meio ambiente e o
consumo consciente como forma para que contribua e promova a organização solidária, onde
o consumo ético, consciente e responsável considera os impactos que são causados na
produção de bens e serviços sobre a natureza, sobre trabalhadores e sobre as comunidades. Ao
promover as trocas solidárias, a aproximação e a cooperação entre produtores e consumidores,
as práticas de comércio justo e solidário contribuem para mudanças profundas na cultura
contemporânea do consumismo, que leva as pessoas a acharem satisfação e significado para
as suas vidas, através do que possuem e utilizam (CONSELHO NACIONAL DE
ECONOMIA SOLIDÁRIA, 2010).
34

A Economia Solidária enquanto estratégia e política para a geração de trabalho e


renda, no contexto de desenvolvimento econômico brasileiro, dentre as políticas públicas,
programas, projetos e ações que já foram ou estão sendo implementados através da SENAES,
apresenta-se como algumas das principais, conforme destacado no documento oficial,
“Políticas Públicas para o Desenvolvimento Econômico-Solidário do Brasil” da I CNES
(2006), as:
Figura 2 – Principais políticas públicas em desenvolvimento.

1 Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária;


.

2 Articulação da política da Economia Solidária com o sistema público de emprego,


. explorando-se algumas consequências dessa articulação;

3 Centros públicos de Economia Solidária: espaços locais para a Economia Solidária para
. aglutinação de diversas iniciativas, formação, reuniões dos Fóruns estaduais, abrigo de
eventos culturais ligados à Economia Solidária, pequenas atividades comerciais;

4 Mapeamento da oferta organizada da agricultura familiar (associações, organizações);


.

5 Ação de Promoção do Comércio Justo e Consumo Responsável;


.

6 Centrais de Comercialização;
.

7 Programa de Fomento a Feiras, elaborando-se um calendário unificado de feiras


. municipais, estaduais, nacional; trabalhando-se a formação juntamente com a
comercialização, foi desenvolvido em parceria com entidades da sociedade civil e o
Governo Federal (Políticas Públicas para o Desenvolvimento Econômico-Solidário do
Brasil, 2006).

As políticas e programas de fomento à Economia Solidária são


considerados essencialmente como organizações e demandas, e para isso, é
fundamental “estruturar uma política que permita o acesso universalizado aos seus
instrumentos e mecanismos, atingindo patamares mais sustentáveis de
desenvolvimento e pertencimento social, e que promovam redistribuição de renda,
bens e recursos que permitam acesso aos direitos sociais e desenvolvimento
sustentável e solidário” (I CONAES, 2006).
35

A economia solidária ainda não é uma prioridade como política pública


para governos estaduais e municipais, pois é vista como política assistencialista ou
emergencial por gestores públicos dentro do contexto da política de trabalho, sendo,
restrita ou limitada pelas atuações apenas por parte das secretarias de assistência social
(II CONAES, 2010).
Ao reconhecer a existência destes sujeitos sociais e das potencialidades
emancipatórias da Economia Solidária, é igualmente necessário reconhecer os direitos
para as formas de organização econômica baseadas no trabalho associado, na
propriedade coletiva e na cooperação, na autogestão, na sustentabilidade e na
solidariedade, e também é necessário implementar e efetivar o acesso aos bens e
recursos público de forma subsidiada e direcionada para o seu desenvolvimento, o
qual já ocorre com os empreendimentos capitalistas, garantindo a capacidade
produtiva e organizativa de todas as pessoas que participam da economia solidária sem
discriminação de raça, etnia, gênero, classe social ou portadores de necessidades
especiais (II CONAES, 2010).
Além do desenvolvimento social, a Política Nacional de Economia
Solidária configura-se que em assegurar os empreendimentos econômicos solidários
para que possam assumir diferentes formas societárias, inclusive cooperativas sociais,
desde que contemplem todas as características do sistema. (II CONAES, 2010).
O movimento da Economia Solidária é bastante recente, e começa a sua
articulação durante o Fórum Social Mundial no final da década de 1990,
fundamentando o movimento social na consolidação de uma política de caráter
democrático que amplia a cidadania da população. (I CONAES, 2006).
A partir do início do século XXI, a Economia Solidária se fortaleceu
socialmente e economicamente por ampliar suas bases de empreendimentos, por
organizar fóruns, associações representativas e redes de cooperação, que também
possibilitou a transformação na quantidade de entidades da sociedade civil de fomento
e assessoria e articulação com outros movimentos sociais (SINGER, 2002).

3.3 – Análise geral dos empreendimentos econômicos solidários no Brasil.

Segundo o mapeamento realizado pelo MTE que embasa os


direcionamentos atuais dos estudos e análises da Economia Solidária no Brasil, há
cerca de 14.954 empreendimentos solidários no país, espalhados por 41% dos
municípios do Brasil, e a região Nordeste concentra o maior percentual de
empreendimentos mapeados, como mostra a figura a seguir:

Figura 3 – EES por região.

Fonte: SENAES/MTE 2007.


36

As pesquisas envolvendo o campo dos empreendimentos solidários no


Brasil passaram a contar com uma nova base de dados e informações pertinentes,
coletadas no primeiro mapeamento nacional da economia solidaria no país, que
consolidou informações de mais de 15 mil empreendimentos em todo o Brasil,
conhecendo sua gênese, suas estratégias e seus integrantes, possibilitando uma base de
dados com uma ampla visão do perfil socioeconômico desses empreendimentos
(SENAES, 2007).
Durante muito tempo a inexistência de informações direcionadas e
sistematizadas, restringiu a pesquisa e uma abordagem qualitativa nas especificidades
das organizações solidárias, para identificar seus limites e possibilidades na
transformação da qualidade de vida dos trabalhadores. Esse mapeamento permitiu a
análise dessas organizações econômicas, de forma que os trabalhadores agenciem seus
recursos produtivos, humanos e materiais da melhor maneira possível, atendendo suas
necessidades e seus objetivos (SENAES, 2007).
A coleta de dados também possibilitou uma análise desses
empreendimentos de acordo com a abrangência de atuação, tanto na área rural quanto
urbana. De acordo com os dados da SIES, 48% dos empreendimentos solidários
mapeados no Brasil estão concentrados na zona rural e 35% na urbana. Os outros 17%
atuam tanto na zona rural quanto na urbana, como mostra a figura a seguir:

Figura 4 – Área de atuação das EES no Brasil.

Fonte:
SENAES/MTE 2007.

Verifica-
se a maior
concentração e atuação
de

empreendimentos e trabalhadores na área rural no Brasil, concentrando uma grande


massa de trabalhadores envolvidos direto e indiretamente nestes empreendimentos,
sendo as regiões Nordeste e Sul as que concentram o maior numero de
empreendimentos e trabalhadores, com aproximadamente 400 mil trabalhadores em
cada região (SENAES, 2007).
As principais atividades desenvolvidas pela economia popular solidária no
Brasil estão ligadas à produção agropecuária, extrativismo e pesca. Outro importante
mercado também explorado no país são as atividades destinadas a produção e serviços
de alimentos e bebidas. Mas a de se considerar os implementos solidários da área
urbana, que concentram suas atividades em diferentes ramos na produção têxtil, de
artesanato e demais itens de produção industrial e prestação de serviços diversos
(SENAES, 2007).
De acordo com os dados levantados pelo IBGE em setembro de 2007, o
salário mínimo no Brasil neste período era de R$ 380,00, enquanto nos
empreendimentos solidários a média era R$392,00. A diferença em valores não é
muito significativa, mas ao analisar como toda a cadeia de solidariedade é organizada
37

com respeito a natureza, ao trabalho e a dignidade humana, a comparação do


rendimento médio nos demonstra que a Economia Solidária se faz valer como
alternativa viável de segmento para os trabalhadores.
Um dos desafios para se superar a pobreza e das disparidades sociais, é
justamente também a capacidade de promover a oportunidade de trabalho decente com
maior possibilidade de se perpetuar na forma de organizações associativas e
cooperativas.
O cenário atual da Economia Solidaria no Brasil e no mundo apresenta
desafios consideráveis, pois cada vez mais a necessidade de consumo da humanidade
se eleva, estimulando as tendências das praticas capitalistas de produção incessante de
mercadorias e a Economia Solidária, precisa se desenvolverem respondendo às
necessidades de eficiência econômica, promovendo boas experiências de trabalho e
fortalecimento social da cooperação e participação (GAIGER, 2004).
A Economia Solidária se constitui como uma proposta de transformação
inclusive no mercado de trabalho e principalmente, para os mais carentes. Por ter
como base de sua estrutura a constituição de uma pequena empresa comunitária, a
agricultura familiar, o trabalho doméstico na forma de empresas comunitárias, vem se
apresentando como resposta e enfrentamento aos desafios do mercado capitalista,
mostrando-se como uma possibilidade viável de minimizar as desigualdades.

3.4 – A Economia Solidária e sua estruturação dentro do modo de produção capitalista.

De acordo com o contexto histórico internacional e nacional que abarca o


movimento de consolidação e de transformação social da Economia Solidária,
verifica-se a combinação de vários elementos estruturais que possibilitam esse avanço
e também, o potencial de inserção da mesma, frente ao problema da inclusão social e
econômica que é realidade concreta na atual estrutura em que nos encontramos
(CARDOSO, 2000).
As transformações promovidas nas relações de produção e no trabalho
com a ascensão do modo de produção capitalista, comparado ao que existia na Europa
pré-capitalista, proporcionaram uma realidade com maiores condições de
produtividade econômica, mas, ao mesmo tempo, intensificaram os mecanismos de
apropriação da riqueza socialmente produzida por implicar também no que tange a
compreensão da liberdade individual e da justiça social (CARDOSO, 2000).
Não condiz com a estrutura capitalista de produção e acumulação ampliada
uma distribuição equitativa da riqueza socialmente produzida, e há de se questionar o
entendimento do princípio da “liberdade” que acompanha os preceitos ideológicos da
organização capitalista, pois as condições impostas pelo sistema desde sua gênese (que
se edificou sobre a condição de expropriação de terras que forçou as grandes massas
da população a se concentrarem nas cidades e venderem sua força de trabalho)
impossibilitando equacionar, a liberdade dos que se lançam no mercado de trabalho
desprovidos de capital e apenas com sua força de trabalho para vender, comparado aos
que detém a propriedade dos meios de produção (CARDOSO, 2000).
O desenvolvimento das forças produtivas proporcionado pela consolidação
do modo de produção capitalista exacerbou a exclusão de uma parcela majoritária da
população nos resultados oriundos desse aumento da produtividade, e na inserção dos
cidadãos de uma forma geral na estrutura econômica. Essa questão fundamenta a
relevante discrepância e o abismo entre as classes existentes, o que compõe também a
constante tensão entre trabalhadores e capitalistas. Nesta questão, se encontra a chave
38

central da estrutura de desenvolvimento do capitalismo. O trabalhador e sua


disponibilidade de venda da força de trabalho (CARDOSO, 2000).
Neste contexto, emerge a importância da economia social frente às
contradições impostas pela dinâmica capitalista, pois, a partir da segunda metade do
século XIX esse movimento concentrou-se em construir uma alternativa contraria ao
desenvolvimento do capitalismo, baseando-se por experiências concretas que
opunham essa estrutura de organização (como por exemplo, o regime soviético), mas
com um escopo que delimitava em combater os efeitos nocivos causados pelo
principio da propriedade privada que é central na estrutura capitalista (SINGER,
2001).
Para a Economia Solidária, as duas esferas (a econômica e a social),
devem se encontrar e promoverem a proteção social. Mesmo que intrinsecamente os
empreendimentos ditos solidários que já foram conceituados e analisados ao longo
dessa analise, de certa forma, propiciem a continuidade da reprodução ampliada do
capital, mas no que toca a questão da renda e das condições de vida da classe
trabalhadora que é quem amargura as condições promovidas pelas disparidades sociais
e econômicas do sistema vigente, permite amenizar os efeitos provocados por essa
inserção desigual (SINGER, 2001).
Os desafios encampados pela Economia Solidária não são centrados em
dados macroeconômicos de índices de emprego e renda, mas sim, preocupa-se em
modificar o mundo do trabalho, promovendo mudanças tanto culturais quanto
institucionais. Isso é demonstrado pela organização e desenvolvimento das estruturas
solidárias com a criação da SENAES, os fóruns de discussão da economia solidária em
si e para os trabalhadores (SINGER, 2000).
As empresas capitalistas almejam o maior retorno sobre o capital investido
nas mesmas pelos proprietários dos meios de produção o mais rapidamente possível,
utilizando-se da extração do mais valor para a obtenção dos seus lucros. Já os
empreendimentos solidários que por sua vez pertencem aos trabalhadores, justamente
a causalidade da propriedade coletiva dos meios de produção os diferencia dos
empreendimentos capitalistas, pois nas empresas solidarias não há predominantemente
trabalho assalariado (ARANHA & MARTINS, 1992).
O lucro, que também se caracteriza como um dos princípios centrais do
capitalismo é chamado de sobras nas empresas da economia solidária. O mesmo é
divido entre os trabalhadores e reinvestido nos negócios, de acordo com as
deliberações acertadas pelos associados em assembléias (ARANHA & MARTINS,
1992).
Mas essa diferenciação do nome (lucro e sobras), não altera o fenômeno
em si. O modo de produção capitalista é universal e as empresas solidárias (mesmo
com seus princípios já citados), não deixam de fazer parte da estrutura capitalista. Por
considerar que a mais valia é a diferença entre o trabalho realizado e o trabalho não
pago, para que a sobras dos empreendimentos solidários tivessem um viés diferente do
lucro, as mesmas teriam que incorporar um valor menor que o trabalho realizado, o
que se torna impossível e inviabiliza os negócios (ARANHA & MARTINS, 1992).
O mais valor é a soma oriunda do trabalho não pago ao operário dada a
venda de sua força de trabalho, e mesmo na perspectiva dos empreendimentos da
economia solidária não podem ser compreendidos com um sentido diferente deste.
Pois para manter dignamente sua condição de subsistência, os trabalhadores deveriam
receber uma remuneração equivalente a media de mercado e mesmo que esse
excedente seja apropriado pelos próprios trabalhadores, a lógica capitalista de
exploração está sendo reverberada (ARANHA & MARTINS, 1992).
39

Um dos diferenciais centrais existentes entre os empreendimentos


solidários e os capitalistas no que tange a apropriação das sobras ou dos lucros, é que
nos solidários a apropriação é coletiva, com o intuito de remunerar e promover
minimamente um deslocamento qualitativo nas condições de vida da classe
trabalhadora (ARANHA & MARTINS, 1992).
Estruturalmente, nem a curto ou médio prazo, a Economia Solidária não
quebra a estrutura e dinâmica de reprodução do modo de produção capitalista. Mas a
mesma demonstra que há possibilidade de se organizar de uma forma mais justa e
equitativa, respeitando a natureza e o bem estar de toda a sociedade.

Considerações finais.

O trabalho mostra que a Economia Solidária tem a potencialidade de se


apresentar como uma alternativa de desenvolvimento viável, pois, ao mesmo tempo,
reconhece a importância dos vínculos de identidade da população com o território,
para gerar maior senso de responsabilidade com os recursos naturais locais, como
também estabelece alternativas econômicas viáveis, do ponto de vista social,
econômico e ambiental para as populações locais.

As experiências da autogestão e os seus princípios apresentam um


significativo crescimento nas últimas décadas, podendo se afirmar que este campo
econômico, social e político já faz parte da história dos movimentos sociais no Brasil
sendo um patrimônio de conquistas e valorizado no âmbito dos movimentos sociais.

A Economia Solidária destaca propostas nas participações sociais não


apenas nos lucros dos empreendimentos, mas também aos trabalhadores que possuem
propriedade e o controle de meios de produção, esses fatores determinam as
organizações da economia solidária formal e informal das organizações sociais que
pretendem superar a exploração capitalista do trabalho humano.

A gestão das cooperativas, onde cada indivíduo vota com direitos,


independente da sua participação na formação do capital social da organização, que
tem se difundido à medida que o capitalismo globalizado tem gerado precarização do
trabalho assalariado, relações de trabalho e uma massa de desempregados ou não, a
transformação destas experiências em políticas públicas e a conquistas de espaços
governamentais responsáveis por fomentá-las e reconhecê-las, tem colocado novas
questões para o conjunto do mundo do trabalho e apontam para novas possibilidades
de construções de novas propostas que superam aquelas construídas no contexto da
sociedade salarial.

Analisando as teorias de que a Economia Solidária decorre da economia


social, seja como uma vertente, ou seja, como uma remodelação que nos leva à
40

conclusão de que os aspectos históricos que contribuíram para o surgimento daquela


são os movimentos operários na Europa, assim como os primeiros empreendimentos
cooperativistas e associativistas, também na Europa, e os movimentos trabalhistas na
década de 1980 no Brasil. Portanto, a Economia Solidária tem suas raízes ligadas às
aspirações por uma sociedade melhor, partindo da luta por melhores condições de
trabalho, por uma vida pautada no desenvolvimento humano e não na acumulação de
capital.

A luta pelo desenvolvimento local inclusivo e sustentável requer mais


recursos e atenção política por parte do Estado. A Economia Solidária vem
acumulando experiências significativas de formação, produção, trabalho, consumo,
comercialização e iniciativas artístico-culturais que valorizam o trabalho associado e
adotam os princípios e práticas da sustentabilidade e da solidariedade, as formas de
extrativismo sustentável e de produção agro ecológica resgatam e valorizam a cultura
dos povos e comunidades tradicionais.

A análise da SENAES está inserida em um contexto teórico relativo aos


movimentos sociais em que as instituições são vistas como estruturas híbridas,
constituídas por atores tanto da sociedade civil como do Estado e que devem ser
incluídas nos estudos relativos às mobilizações políticas. Esse contexto deriva de uma
concepção de relação ampla entre o Estado e a sociedade civil, que não se dá
necessariamente com base no conflito, mas também na cooperação e na colaboração.

A criação da SENAES dentro do MTE que impulsionou a inovação da


organização econômica e social. Também vale ressaltar que a cada dia mais, a
economia solidária necessita se expandir mais com as ações das políticas públicas ao
nível dos entes da federação brasileira que poderia ampliar e transformar as ações da
economia solidária, democrática e popular através do governo federal resultando os
seus investimentos.

Conclui-se, então, que os primeiros anos de atuação da Secretaria serviram


para preparar sua atuação estratégica futuramente, mas que não foram capazes de gerar
resultados mensuráveis em razão do próprio caráter difuso de suas tarefas iniciais.

Entende-se que não há Economia Solidária sem a participação da


população, assim como a Economia Solidária não acontece sem a autogestão. É
evidente que para a construção dessa organização alternativa, inúmeros fatores são
contribuintes e essenciais para o desenvolvimento e é preciso que as pessoas,
envolvidas ou não, se organizem e trabalhem juntas em prol do coletivo, ou seja, todos
os envolvidos serão beneficiados de forma igualitária.

Compreende-se que a Economia Solidária por ter surgido e nascido através


de uma parcela de excluídos do sistema capitalista que precisava encontrar uma forma
de sobreviver dignamente na sociedade, ela veio mostrar que existe alternativa de
construção de uma nova sociedade, uma nova faceta de um mundo mais solidário.

A mesma pretende chegar onde a igualdade é possível, e com isso, a


barreira desse sonho que este mundo ultrapassa possa ser reconhecido e construído o
qual pode se tornar realidade, sendo um poderoso aliado e instrumento de combate à
exclusão social. Assim, a Economia Solidária é vista como um movimento
41

socioeconômico real que carrega em sua face, uma gama repleta de possibilidades,
seja para o bem ou para o mal, e que também dê melhoria de condições de vida
daqueles que fazem parte da composição de miséria geral por se tornarem parte da
exploração do capital.

Enfim, a Economia Solidária deixou de ser parte de uma agenda apenas da


resistência às transformações do mundo do trabalho para se constituir em uma política
e uma estratégia de desenvolvimento socialmente justo e sustentável.

Desta feita, a Economia Solidária no Brasil tem feito parte de uma agenda
que busca sempre pensar modelos alternativos de desenvolvimento socioeconômico,
inclusivo e democrático abrindo novos e amplos horizontes para as lutas
emancipadoras no presente.

Nesse âmbito, a maior contribuição que o movimento socioeconômico que


se denomina Economia Solidária, é atingir patamares que contribuam na
transformação social positivamente no Brasil.

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