Você está na página 1de 32

Instituto Federal de Santa Catarina

Departamento Acadêmico da Construção Civil

Introdução a Geodesia

Disciplina: Geodésia e Ajustamento

Professores Responsáveis:

Ivandro Klein
Guilherme Braghirolli

Florianópolis, 11 de Fevereiro de 2020


Geodesia (Γεωδαισία, lê-se “ioudêsía”, Γεω = Terra e δαισία = dividir)
▪ Definição clássica (F. R. Helmert, 1880): “Geodesia é a ciência da medição e
mapeamento da superfície da Terra”

▪ Definição moderna (IAG): “Atualmente, a Geodesia é a ciência da determinação da


geometria, campo gravitacional e rotação da Terra e a sua evolução no tempo”

▪ Origem conhecida: Antigo Egito, onde as terras eram medidas e demarcadas para
cadastro e tributação ao Faraó pelas colheitas em cada ano (≈ 1.400 AC?)
Atuação profissional: quando a Geodesia deve ser aplicada?
▪ Levantamentos georreferenciados (imóveis, redes de referência municipais etc.)

▪ Efeitos da curvatura da Terra sobre as medições de desníveis e distâncias com


estação total em relação ao plano horizontal de referência

▪ Aplicações: agrimensura, cadastro territorial, controle de obras e etc.


Primeiros relatos conhecidos sobre a forma da Terra (na Europa)
▪ Disco plano: Homero (≈800 AC), Tales de
Mileto (≈600 AC), Anaxímenes (≈500 AC) ▪ Cilindro: Anaximandro (≈610-546 AC)
tete
te

▪ Esfera: Escola de Pitágoras (≈570-495 AC), Parmênides


(≈515-450 AC), Platão (≈427-357 AC), Aristóteles ▪ Hiparco (190-120 AC):
(≈384–322 AC), Arquimedes (≈287-212 AC) e etc. posições geográficas
por meio de ângulos
Eratóstenes (≈276-195 AC): 1° medição conhecida do tamanho da Terra
▪ Alexandria – Siena (atual Assuã no Egito):
Distância de ≈ 5.000 estádias (≈ 787,5 km)
▪ Sombra da vara em Alexandria por volta do
meio-dia no solstício de Verão: ≈ 1/50 de
circunferência (ângulo de ≈ 7° 12’)
▪ Logo, para a circunferência total da Terra:
50 ∙ 5.000 = 250.000 estádias (≈ 39.375 km)
(valor de referência atual: 40.074,15 km,
margem de erro da ordem de ≈ 2%)
▪ Maiores fontes de erros na medição: Assuã
está ≈ 3° a leste de Alexandria (≈ 300 km) e
≈ 30’ acima (≈ 50 km) do Trópico de Câncer
▪ Outra descoberta do período: bússola de

https://sites.google.com/site/projetoerato/ magnetita na China (≈ 200 AC – 200 DC)


Legado de Erastóstenes: de C. Ptolomeu (90-168) a Abu Al-Biruni (973-1048):
▪ C. Ptolomeu: Geographia (mapas do mundo conhecido da época em oito volumes)

▪ A. Al-Biruni: cálculo do raio da Terra por trigonometria a partir de um único local

Forte Nandana (Paquistão)

Vista no Forte Nandana

Instrumento: astrolábio
▪ Valor obtido ≈ 3.205 milhas arábicas (≈ 6.282 km, margem de erro ≈ 2%)
A triangulação: quatro séculos de medições e mapeamento da Terra
▪ Método de posicionamento geográfico para grandes distâncias proposto por G.
Frisius (1533) e executado pela 1° vez por T. Brahe (1578-1579)

▪ W. Snell (1580-1626): obteve por triangulação de ≈130 km o comprimento de 1°


de latitude na Holanda: ≈ 108 km (margem de erro < 4%)

Quadrante usado por Snell

Triangulação principal de
1° Estação-livre: casa de Snell Snell
O advento do desenvolvimento tecnológico e da Geodesia de alta precisão
▪ H.Lippershey (1608), G.Galilei (1609), J.Kepler (1611): telescópio e aprimoramentos
▪ W. Gascoigne (1612-1644): invenção da luneta com retículo
(teia de aranha) e do micrometro para ajuste fino das leituras

Sourdon

Malvoisine
▪ J. F. Picard: triangulação de Malvoisine até Sourdon na França
(≈130 km), 1° geodesista a adaptar as invenções de Gascoigne
▪ Obteve ≈ 57.060 touses (≈ 111,21 km) para 1° de latitude (margem de erro < 1%)
I. Newton (1687): a Terra não é perfeitamente esférica, mas sim um elipsoide
▪ Gravidade + “força” centrífuga = Terra como um elipsoide com achatamento na
direção dos polos, sendo a gravidade variável em função da latitude

▪ C. Huygens (1690): elipsoide com achatamento na direção dos polos

▪ G. e J. Cassini, em continuidade a J. F. Picard, obtiveram resultados que indicavam


que o achatamento é na direção do Equador, contradizendo Newton e Huygens

▪ Equador: g ≈ 9,78 m/s² Newton


Esfera Cassini Huygens
▪ Polos: g ≈ 9,83 m/s² (diferença ≈ 0,3%)
Missões geodésicas francesas: primeiras expedições científicas internacionais
▪ Financiadas pela Academia Francesa de Ciências para resolver esta contradição

▪ Expedição a Lapônia (1736-1737): ▪ Expedição ao Peru, (1735-1744): La


Maupertuis, Celsius, Clairaut e outros Condamine, Bouguer, Godin e outros
▪ Lapônia: arco de meridiano de ≈ 57’

▪ Peru: arco de meridiano de ≈ 3°


▪ 1° de latitude: na Lapônia ≈ 57.437 toises (≈ 111,94 km) e no Peru ≈ 56.753
toises (≈ 110,61 km); na França ≈ 57.060 touses (≈ 111,21 km)
O teodolito moderno e a Geodesia geométrica na definição do metro
▪ J. Sisson (1737): teodolito moderno, constantemente aprimorado até o “grande
teodolito” de J. Ramsden (1785), com precisão angular ≈ 1” a 5” e peso ≈ 90 kg
▪ Definição do metro: 1/10.000.000 parte do arco de meridiano do Equador ao Polo
(P. Méchain e J. Delambre: triangulação de Barcelona a Dunquerque, 1792-1798)

Campanário de
Dunquerque

▪ Surgem os elipsoides de referência,


com achatamento ≈ 1/300 (≈ 0,35%) Castelo de Montjuïc
A Geodesia como instrumento de disputa de poder entre as nações
▪ Grandes navegações: avanços como a projeção de Mercator (1567), mas obter a
longitude em alto-mar permanecia um dos maiores desafios científicos da época

▪ Nações como Espanha, Holanda, França e Reino Unido: “Prêmios da longitude”

▪ O carpinteiro e relojeiro autodidata J. Harrison (1693-1776), dentre outros, obteve


prêmios parciais por seus cronômetros marinhos altamente estáveis para longas
viagens em alto-mar, contrariando as previsões de cientistas como I. Newton
A Geodesia física e o geoide: a gravidade moldando a forma da Terra
▪ P. Bouguer nos Andes (1735-1744) e G. Everest no Himalaia (1806-1841), dentre
outros, mediram o desvio da vertical em direção a grandes massas de montanhas

▪ O desvio da vertical gera inconsistências no cálculo das triangulações,


evidenciando que a forma da Terra não é perfeitamente descrita por um elipsoide

▪ J. C. F. Gauss (1828): a superfície geométrica da Terra é perpendicular a vertical


(direção da gravidade) em toda a sua extensão, sendo o oceano uma parte dela

▪ F. Bessel (1837) estipula tal superfície como referência para as medições


geodésicas; J. Listing (1873) sugere o termo “geoide” para esta superfície de nível
Vertical
(gravidade) Superfície
Elipsoide
Normal ao Geoide
elipsoide
Século XIX: O estabelecimento da Geodesia como Ciência
▪ J.C.F. Gauss: invenção do heliótropo, triangulação na Alemanha, a distribuição
normal e o método dos mínimos quadrados, também deduzido por A.M. Legendre
▪ G.G. Stokes (1849): determinação do geoide a partir de medições da gravidade
▪ J.H. Pratt (1854) e G.B. Airy (1855): compensação das massas visíveis (“isostasia”)
▪ F.R. Helmert (1880, 1884): a Geodesia como “ciência” e o inicio da “Geodesia
moderna”, apresentando diversas formulações sobre a forma e dimensões da Terra
O Século XX: consolidação dos sistemas geodésicos clássicos (topocêntricos)
Kern DKM1 Rede
do
SAD-69

Wild T2
H.Wild

A.Springs 1950 Minesota 1934 Lellukallio

Zeiss Jena Theo 002

1° triangulação no Canadá (1905)


O inicio da Geodesia por satélites e a triangulação estelar de Väisälä
▪ P. S. Laplace (1802): achatamento terrestre em função do movimento lunar

▪ Y. Väisälä (1946): método astronômico de triangulação para a orientação de


grandes triângulos, dispensando a visibilidade entre os vértices

▪ O método consiste em fotografar (cronometrando) duas “estrelas artificiais” S e S’


contra o firmamento estrelado, a partir de duas estações terrestres A e B

▪ Em 1959, Väisälä obteve a direção (azimute) entre os observatórios de Helsinki e


Turku na Finlândia (distância de ≈ 150 km) com precisão da ordem de 1”

▪ W. Markowitz (1954): câmera lunar para obter a posição 3D pelo movimento lunar
A revolução dos satélites e a 1° rede geodésica mundial (1966-1974)
▪ Parceria entre os EUA e a Suíça
▪ Satélite passivo lançado pela NASA
▪ Altitude da órbita ≈ 4.000-4.500 km
▪ Duração (período) da órbita ≈ 3h
▪ 46 estações (todos os continentes)
▪ Lados da rede de até 6.000 km
(fotografias simultâneas do satélite)
▪ Imagens estáticas (rastro do satélite) ▪ Precisão posicional das estações ≈ 4-5 m
Estação de Palmer (Antártica) Satélite PAGEOS

Câmera Wild BC-4 Diâmetro de 30,48 m


O inicio da Geodesia por satélites ativos: sistema TRANSIT (1964-1996)
▪ Primeiro sistema de posicionamento por satélites artificiais (marinha dos EUA)

▪ Utilizava o efeito Doppler do sinal do satélite para obter a posição do receptor

▪ No Brasil, foi utilizado principalmente na região amazônica


A era da Geodesia espacial: o GPS e sistemas GNSS (1980’s em diante)
G. West
GLONASS (Rússia)

GPS (EUA)
BeiDou (China) Galileo
(Europa) QZSS IRNSS (Índia)
(Japão)

P. J. G. Teunissen e o RTK (1995)


1° receptor GPS do NOAA: Atualmente:
Macrometer V1000 (1982)
Muito além do GPS/GNSS: outros métodos da Geodesia espacial
Lunar Laser Ranging (LLR) Very Long Baseline Interferometry (VLBI)

Tamanhos e distância Terra-Lua (em escala)

Sensoriamento remoto

DORIS

Satellite Laser Raning (SLR)

Altimetria por satélites


Sistemas geodésicos geocêntricos: precisão 3D de poucos mm (global)

Nevada University: dados de >17.000 estações ativas

Futuramente: posição 3D + altitude física

M.S. Molodenskii
Modelando a forma da Terra: as missões gravimétricas por satélites
Missão GOCE (2009-2013)

Missão GRACE (2002-2017) Representação com exagero do geoide


(ondulações entre -100 m até +80 m)
A influência da Lua e do Sol sobre os movimentos e a forma da Terra

Aristarco Seleuco N.Copérnico J. Kepler Aryabhata Hiparco J.Bradley S.Chandler I.Newton


1° ≈ 71,6 anos

Rotação ≈ 23h 56m Translação ≈365,26 dias


1° ≈ 4m (Foto: Utah/EUA)
Pêndulo de Foucault Precessão ≈25.772 anos

Nutação ≈ 18,6 anos


O Trópico de Câncer
1° ≈ 18,6 dias
sobre a Rodovia 83
(México) ano a ano
Marés: Maranhão: ≤8m Maré sólida (Marques, 2014)
recuo do mar até ≈2 km

Atração luni-solar Estação PPTE/SP


Aplicações na Geodinâmica: a Geodesia decifrando o planeta Terra

Báez et al.
(2012)
Jan/2003-
Mar/2014
Detecção de terremoto “silencioso” no México por GPS:
K.M. Larson

Onda sísmica: longa duração (≈8 meses)

Costa et al. (2012): nível d´água do rio


Amazonas e altitude da estação NAUS
Estação NAUS Rio Amazonas

Raio = 8 km
Um olhar para o futuro: a Geodesia e as mudanças climáticas e ambientais
INPE: GNSS e
meteorologia

Colorado
GNSS e ionosfera (EUA)
Nievinski, Larson (2014): profundidade de neve no solo por GNSS
(relação entre a reflexão do sinal no solo e a camada de neve)
Larson et al. (2017): detecção de cinzas vulcânicas por GNSS
(relação entre o ruído do sinal e a camada de cinza na atmosfera)

Nível médio do mar: 1993-2018


A Geodesia atual além dos satélites: métodos geodésicos não espaciais
Estação total robótica
VANT

Laser scanner
Fotogrametria terrestre
Gravimetria

Ruínas de São Miguel/RS:


GNSS + estação total + VANT +
fotogrametria terrestre + laser
scanner 3D (LAFOTO/UFRGS)
Nivelamento Batimetria

Radar InSAR terrestre


O monitoramento geodésico em formações naturais e grandes obras da Engenharia

Túnel de São Gotardo/Suíça (57 km)


Ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai (55 km) Burj Khalifa (828 m)

Monitoramento do Morro Coripós emBlumenau/SC (≈ 100 alvos) Importância da Geodesia


A Geodesia em nosso cotidiano: sistemas de navegação autônoma
Agricultura de precisão Pousos e decolagens sem visibilidade

Entregas e taxi aéreo por drone Veículos autônomos

▪ Requer comunicação (via internet, satélite geoestacionário e etc.) com um serviço


de posicionamento GNSS preciso em tempo-real (comercial ou público/gratuito)
Desafios científicos atuais: sistema internacional de altitudes
L. Sánchez (2016): diferenças (em cm)

(referência global)

▪ Qual nível do mar / “geoide” de referência? (> 100 sistemas


nacionais, diferenças de decímetros até alguns metros)
▪ Em qual época de referência? (nível do mar variável)
▪ Como determinar pontos com altitudes de referência no
interior dos continentes? (“marégrafos secos”)
Desafios tecnológicos atuais: posicionamento em ambientes adversos

Cânions urbanos Cânions naturais Futuramente...


Ambientes internos

Vegetação densa
Interferência
proposital

Anomalias ionosféricas
Considerações finais sobre a Geodesia
▪ Possui uma importância histórica no desenvolvimento científico da humanidade

▪ Cada vez mais presente em nosso cotidiano, mesmo que de forma indireta

▪ Futuramente: modelos digitais 3D e localização centimétrica em tempo-real à


baixo-custo em diversos ambientes, inclusive em um sistema único de altitudes

▪ Quais serão os desafios da Geodesia e seus profissionais nas próximas décadas?


Próxima aula (13/02): Elementos geodésicos!

FIM!

Você também pode gostar