Você está na página 1de 55

Caso 1

Produção de biodiesel no Rio Grande do Sul:


competências para uma visão compartilhada*

Guilherme Luís Roehe Vaccaro

O tema biodiesel, no contexto nacional, ganhou força com o Programa Na-


*

cional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), implementado em 2005 pelo


Governo Federal. Esse programa foi o marco regulatório que incorporou o
biodiesel à matriz energética brasileira, impulsionando a estruturação de um
setor focado nesse tema. Um dos objetivos do PNPB é dar condições de fun-
cionamento ao mercado do biodiesel no Brasil, estabelecendo, por exemplo,
percentuais de mistura obrigatória desse biocombustível ao diesel. Soma-se
a esse mecanismo uma política de sustentação do preço do biodiesel, sem
a qual, na configuração atual, o biodiesel teria sua viabilidade econômica
comprometida. Atualmente, o biodiesel seria inviável em mercado livre, pois
concorreria diretamente com o diesel, cujo preço ao consumidor é muito
inferior ao do biodiesel. Por consequência, hoje, o principal mecanismo de
determinação da demanda de biodiesel no mercado nacional é o percentual
mínimo de mistura regulamentado pelo PNPB. Além disso, o PNPB incenti-
va a diversificação da oferta de matérias-primas energéticas para a produção
de biodiesel em todas as regiões do país e busca integrar a agricultura fami-
liar na cadeia produtiva do biodiesel – isso porque a produção deste biocom-

*Texto produzido com base em: VACCARO, Guilherme Luís Roehe; POHLMANN, C. R.;
LIMA, A. C.; SANTOS, Manoela Silveira; CAMARGO, L. F. R.. Cenários de Futuro para a
Cadeia do Biodiesel do Rio Grande do Sul. In: XVI SIMPEP – Simpósio de Engenharia de
Produção, 2009, Bauru. Anais do XVI SIMPEP. Bauru: UNESP, 2009.
bustível é vista pelo Governo Brasileiro como um meio para promover o aumento da renda
e a inclusão social dos pequenos agricultores.

Em três anos de existência, o PNPB obteve avanços para a cadeia nacional de produção de
biodiesel, principalmente: no processo de comercialização do biodiesel por meio de leilões,
nas questões de logística de distribuição, no maior envolvimento dos atores, na introdução
de mecanismos de incentivo à agricultura familiar e no aumento do percentual de mistura
obrigatória (B). No ano de 2008, iniciou-se a obrigatoriedade de 2% de mistura (B2) de
biodiesel no diesel comercializado nacionalmente. Em virtude do papel, assumido pelo go-
verno, de gerador de demanda, o negócio biodiesel tornou-se muito atrativo, o que levou a
uma rápida ampliação do setor produtivo, antecipada à expansão da demanda. Esse movi-
mento sujeitou as usinas a funcionarem com capacidade ociosa. No início do ano de 2008,
por exemplo, já se podia produzir, no Estado, 250% a mais do que a demanda B2 estipulada
pelo Governo. Esse excesso de produção gerou uma concorrência muito acirrada, já que a
demanda era restrita – por exemplo, algumas usinas, procurando garantir vendas, adotaram
estratégias predatórias nos leilões, baixando os preços para níveis economicamente preju-
diciais à cadeia. A situação se agravou quando, no mesmo período, a soja – principal ma-
téria-prima da atual cadeia de produção de biodiesel – foi cotada muito acima do comum,
ampliando os prejuízos das usinas. Em meio a esse cenário desestimulante, veio o aumento
do percentual de mistura para 3% (B3), ocorrida ainda em 2008, que gerou uma certa esta-
bilidade e oportunizou tranquilidade para o mercado operar e reorganizar-se.

Ao longo desse curto período de tempo também emergiram questões importantes para a
competitividade e sustentabilidade da cadeia produtiva do Rio Grande do Sul, as quais ser-
viram como ponto de reflexão para o trabalho de prospecção realizado:

• O que fazer quanto ao descasamento entre capacidade instalada de oferta e demanda


efetiva de biodiesel?

• Como melhorar a divulgação dos fundamentos que determinam o processo de deci-


são das políticas públicas e de funcionamento do mercado de biodiesel no estado e no
país?

• Como avaliar o impacto da existência (ou não) de matérias-primas alternativas à soja


adequadas à produção de biodiesel e que contribuam para desenvolver competitivos
sistemas de produção agrícola?

• Como promover a eficiência do selo social como um dos principais mecanismos para
promover a inclusão da agricultura familiar?

Um primeiro aspecto a ser considerado é o uso da soja como matéria-prima ou a opção


por alternativas. Por um lado, na condição atual, o impacto da cotação de soja é fortemente
sentido na cadeia de produção de biodiesel. Aproximadamente 88% dos custos de produção
do biodiesel estão associados à matéria-prima utilizada. Portanto, um olhar sobre os pro-

2 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


dutores e os mercados de soja e de outras oleaginosas faz-se necessário para compreender
os impactos de sua interação com a cadeia do biodiesel. Para reduzir os riscos desse acopla-
mento pode-se investir na introdução de novos cultivares ou matérias-primas não agrícolas
alternativas à soja. No entanto, é necessário recursos e coordenação para a realização de
pesquisas e viabilização da introdução dessas novas matérias-primas em escala industrial.
Por outro lado, no contexto específico do Rio Grande do Sul, a agricultura familiar participa
ativamente na produção de soja, respondendo por cerca de 50% da área plantada.

Considerado esse contexto, a introdução de matérias-primas alternativas deve perpassar


duas discussões: (i) culturas complementares versus culturas substitutivas e (ii) adoção de
sistemas de produção mais eficientes. O uso de sistemas de produção, em essência, permite
a diversificação das fontes de renda da agricultura familiar, mas demanda pesquisa, assis-
tência técnica e acesso a mercados para os coprodutos gerados. Se considerada a discussão
da disponibilidade de alimentos versus a necessidade de geração de energia, uma alternativa
envolvendo sistemas de produção deverá, também, responder aos apelos internacionais de
garantia de produção de biocombustíveis sem prejuízo à oferta de alimentos. Esse dado, em
perspectiva, reforça o interesse do Estado no sucesso do PNPB.

É neste contexto que foi realizado um estudo técnico, visando a identificar formas criati-
vas de promover sustentabilidade e competitividade neste setor estratégico da economia
regional, nacional e mundial. Dada a complexidade, evidenciada pelo número de variáveis,
atores e inter-relacionamentos potenciais associados ao tema, optou-se por uma abordagem
de modelagem e análise baseada em dinâmica de sistemas e planejamento de cenários, que
permite identificar, a partir de eventos e padrões de comportamento, estruturas de relacio-
namentos de causa-efeito-causa e que coloca atores e variáveis como elementos centrais do
sistema, ao mesmo tempo modificando e sendo modificados pelo contexto (STERMAN,
2000; SENGE, 1996). Com base na análise dos dados passados, presentes e das tendências
futuras, pela construção de modelos, a dinâmica de sistemas busca alinhar percepções e
compreensões dos participantes sobre um tema de foco, nesse caso o trabalho prospectivo.
A partir dessa visão compartilhada, foram planejados e analisados cenários de futuro e, con-
jugando os resultados obtidos, foram propostas ações baseadas na análise comparativa dos
cenários analisados.

O projeto aqui relatado foi realizado ao longo de cinco meses pelo Observatório de Desen-
volvimento Industrial do Rio Grande do Sul (ODI-IEL/FIERGS-RS), em parceria com a
Unisinos, por meio de 15 reuniões realizadas com uma equipe de especialistas e conduzidas
por um professor e dois mestrandos em Engenharia de Produção, em que foram sistematiza-
dos os passos do método sistêmico e coletadas as percepções. As discussões foram baseadas
em dados quantitativos e qualitativos e na construção e refinamento de um mapa sistêmico.
Uma síntese dos passos utilizados na aplicação do método sistêmico pode ser descrita da
seguinte forma (ANDRADE, 1997; ANDRADE et al., 2006):

1) Definir uma situação complexa de interesse: o objetivo nesta etapa é verbalizar clara-
mente o problema de interesse.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 3


2) Apresentar a história por meio de eventos: o objetivo é explorar o primeiro nível do
problema, visando a assinalar eventos relevantes relacionados com a situação de interes-
se ao longo do horizonte de tempo.

3) Identificar as variáveis-chave: montada uma lista de eventos, podem-se elencar fato-


res ou variáveis-chave para a compreensão do problema.

4) Traçar os padrões de comportamento: por meio da análise de gráficos e identificando


tendências das variáveis, busca-se encontrar padrões de comportamento assinaláveis
para melhorar a percepção do problema.

5) Desenhar o mapa sistêmico: nesta etapa já podem ser realizados os primeiros ensaios
da estrutura sistêmica, por meio de uma linguagem adequada.

6) Identificar modelos mentais: levantar crenças ou pressupostos que os atores envol-


vidos na situação mantêm em suas mentes e que influenciam seus comportamentos,
gerando estruturas no mundo real.

7) Realizar cenários: cenários tratam de visualizar futuros possíveis, em contraponto


aos passos anteriores, que buscavam reconhecer uma situação, seja seu contexto his-
tórico seja seu estado presente. Portanto, cenários tratam de desafiar modelos mentais
preconcebidos sobre o futuro e compreender seus desdobramentos.

8) Modelar em computador: permite um local seguro para realização de “experimenta-


ções” utilizando análise de futuros possíveis baseados em cenários e modelos mentais.
Esta etapa não será contemplada neste estudo de caso.

9) Direcionadores estratégicos: envolvem o planejamento estratégico do planejamento


de ações para atingir o alvo desejado. Para tanto será necessário reprojetar o sistema
identificando pontos de alavancagem e considerando as consequências sistêmicas des-
sas alterações.

A três primeiras semanas do projeto focaram um estudo aprofundando de levantamento de


eventos, identificação de variáveis e fatores-chave da cadeia, dados históricos e identificação
de padrões de comportamento. Nas três semanas seguintes, focou-se a construção do mapa
sistêmico e a identificação de arquétipos, permitindo uma visão consensual de todos os
participantes quanto à percepção de inter-relações entre fatores da cadeia de biodiesel. Nas
últimas semanas, foram delineados os atores envolvidos na cadeia e traçados os cenários
que serão detalhados a seguir, bem como as ações estratégicas de preparação para os futuros
possíveis decorrentes de cada cenário.

Um olhar sobre a cadeia de biodiesel do Rio Grande do Sul


A cadeia produtiva do biodiesel possui um grande número de atores que contribuem, de
forma direta ou indireta, para a produção desse biocombustível. A Figura 1 apresenta uma

4 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


visão esquemática dos principais atores dessa cadeia e de seus relacionamentos diretos. Dis-
tante de desejar representar a real multiplicidade de relacionamentos nessa cadeia, a Figura
1 objetiva apenas dar forma aos elementos ora apresentados.

A cadeia de produção do biodiesel no Estado pode ser analisada como um sistema, em que
partes interagem para gerar um resultado conjunto diferenciado dos resultados individuais
gerados por suas partes. Nesse caso, o resultado compreende a produção, a distribuição e
a comercialização de um biocombustível considerado estratégico pela atual gestão federal.

Em qualquer sistema socioeconômico, cada ator tem uma percepção diferente da realidade.
Essa percepção é moldada com base em experiências anteriores, expectativas de futuro, for-
mas de ação e visibilidade dos elos e interações com outros atores do sistema. Mais que isso,
é moldada por modelos mentais, que definem formas de ação e interação com os demais
elementos de um sistema.

Outra forma de abordar essa questão é dizer também que diferentes comunidades de prática
têm diferentes explicações para como um sistema funciona, ou seja, a visão da cooperativa
difere dos usineiros, que difere do governo, etc. – e essas diferenças estão baseadas na visão
que cada um tem da cadeia a partir do ponto em que está nela. Entretanto, a própria cadeia
só existe porque seus diferentes atores percebem a sua existência por meio das interações
que realizam.

Figura 1 Uma visão simplificada da cadeia produtiva de biodiesel no Rio Grande do Sul.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 5


Em uma cadeia produtiva como a do biodiesel no Rio Grande do Sul, vários atores agem
sobre uma mesma variável, muitas vezes em oposição. Situações de impasse ou de conflito
são, tipicamente, fruto de visões diferentes de uma realidade, visões essas baseadas na posi-
ção que ocupam. Assim, o processo de compreender as razões que levam diferentes atores a
tomarem certos cursos de ação viabiliza a busca por soluções de consenso ou de construção
conjunta, reduzindo eventuais percepções de impasse ou conflito por meio de uma com-
preensão mais ampla gerada no discurso. Aqui se adota a visão de Gherardi e Nicolini (2002,
p. 433) que afirmam:

o que acontece nos grupos de pessoas com diferentes backgrounds culturais e organi-
zacionais, que se encontram por um período de tempo para analisar um problema ou
elaborar um projeto é que eles criam uma comunidade discursiva e ativam uma prática
discursiva situada, que lhes permite comparar diferentes perspectivas, percebendo que
elas são e permanecerão isoladas, justapostas, não comunicantes, e até mesmo confli-
tuosas. Comparar as perspectivas significa tanto compreender quanto não compreen-
der, aceitar a diversidade, bem como rejeitá-la, entender e não entender. Assumir uma
posição discursiva é posicionar-se em uma rede de relações sociais estruturadas pelo
poder, interesse e mobilização de interesses.

Assim, por meio da prática discursiva sobre as práticas da cadeia pode-se partir para a cons-
trução de ações que sejam alavancadoras para a sustentabilidade e a competitividade dessa
cadeia produtiva. Mas para isso é preciso construir uma conversação entre as diferentes
partes, o que demanda, primeiramente, a compreensão de seus atores, de seus objetivos e de
suas visões sobre o problema. O alinhamento entre os atores é fundamental para a consoli-
dação de ações robustas focalizadas no bem comum, se considerado, também, o elemento
social envolvido nessa discussão.

Para o início do projeto foi necessário identificar as forças que fazem os atores da cadeia
interagirem. Essas forças estão associadas a fatores-chave que merecem cuidadosa avalia-
ção e compreensão, pois, ao interagirem, definirão o comportamento futuro do sistema. No
contexto da cadeia de produção de biodiesel do Rio Grande do Sul, os fatores-chave identifi-
cados representam forças políticas, econômicas, sociais, tecnológicas e ambientais. São eles:

• Políticas públicas: o Governo Federal deu a partida para o PNPB, definindo, como
posição estratégica, desenvolver alternativas para a substituição de combustíveis de
origem fóssil por biocombustíveis, motivado por mudanças climáticas globais e pela
possibilidade de independência energética por meio de fontes renováveis. Com essa ini-
ciativa, vislumbrou a possibilidade de utilizar, por meio de um marco legal, as forças de
crescimento da cadeia produtiva de biodiesel para promover a diversificação produtiva
e a inserção social da agricultura familiar. Mais amplamente, o Governo Federal per-

6 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


cebeu uma oportunidade de contribuir na redução de bolsões de miséria existentes na
zona rural, criando o programa Selo Combustível Social, um mecanismo para garantir
a participação da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel pela redução de
impostos para as usinas em contrapartida ao repasse de recursos financeiros, por essas,
aos pequenos agricultores fornecedores dessa cadeia.

• Preço e diversificação de matérias-primas: a atual matriz de produção não apresen-


ta uma matéria-prima alternativa economicamente viável mais atrativa que a soja, que
não concorra com a produção de alimentos e em escala industrial. Assim, a busca por
matérias-primas baratas e não comestíveis torna-se um dos maiores desafios do PNPB e
da cadeia produtiva do biodiesel.

• Agricultura familiar: por força das diretrizes do PNPB a agricultura familiar é um


ator-chave na cadeia produtiva do biodiesel. Por outro lado, o sucesso do plano está
vinculado ao potencial de alavancagem da inserção dessas famílias na cadeia de produ-
ção do biodiesel. Este é um fator determinante para o Governo Federal: a promoção da
agricultura familiar com diversificação e aumento na produção de alimentos fortalece o
PNPB e as políticas públicas e, por consequência, toda a cadeia produtiva. Além disso,
permite que se ambicione conquistar mercados internacionais, especialmente europeus,
para o biodiesel mediante certificações específicas, tais como o selo social e selos am-
bientais e de segurança alimentar.

• Alinhamento e compartilhamento de informação: a falta de informação e o pouco


alinhamento dos atores não contribuem para a existência de políticas públicas eficazes
e eficientes na busca da competitividade do biodiesel produzido no Estado. Tampouco
contribuem para subsidiar decisões dos agentes privados. O alinhamento, apesar de ser
um fator que requer predisposição dos próprios atores, possui decisiva importância para
a competitividade e sustentabilidade da cadeia produtiva do Rio Grande do Sul.

• Ocupação da capacidade instalada: a concessão de instalação de usinas no Estado


não foi acompanhada por uma elevação adequada dos valores do percentual de mistura
de biodiesel no diesel. Essa estratégia adotada pelo Governo Federal provocou a exis-
tência de capacidade ociosa no elo industrial da cadeia, situação incompatível com os
custos e investimentos associados à operação desse elo.

A partir desses fatores, foi aplicado o método sistêmico como forma de construção de uma
prática discursiva, na qual os diferentes discursos atravessam fronteiras e se combinam para
formar discursos mais amplos, enquanto as pessoas coordenam seus empreendimentos,
convencem-se uns aos outros, conciliam suas perspectivas e formam alianças (WENGER,
1998). Esse processo deu origem ao mapa sistêmico apresentado na Figura 2.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 7


8
NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS
Figura 2 Mapa sistêmico desenvolvido.
A partir do mapa, com uma visão mais ampla e compartilhada das diversas interações e
suas implicações, ou seja, a partir da aprendizagem gerada, partiu-se para a elaboração de
cenários prospectivos estratégicos (SCHWARTZ, 2006), para analisar a competitividade e
sustentabilidade da cadeia produtiva de biodiesel do Rio Grande do Sul. Por imaginar pos-
síveis cenários futuros, buscou-se uma compreensão ainda maior do problema, explorando
os impactos para os diferentes atores da cadeia. Os cenários prospectivos foram construídos
com base nas reflexões sobre o diagnóstico técnico da cadeia produtiva de biodiesel do Rio
Grande do Sul e da compreensão das forças motrizes associadas a essa cadeia, identificadas
em dois eixos: (1) eficácia das políticas públicas para a cadeia do biodiesel no RS e (2) preço
da matéria-prima para produção de biodiesel. Conforme a abordagem metodológica utili-
zada, a cada eixo foram atribuídos dois níveis extremos possíveis.

Para facilitar sua interpretação e referência, cada cenário foi batizado com um nome, uma
palavra-chave, que permita sintetizar a essência do mesmo frente aos atores dele participan-
tes. A Figura 3 apresenta os cenários gerados, os quais serão descritos a seguir.

Figura 3 Cenários de futuro para a cadeia do biodiesel do RS.

Cenário 1 – Desafio competitivo


O nome Desafio Competitivo indica um cenário que se configura a partir da obtenção de
matérias-primas a custos relativamente baixos e da ineficácia das políticas públicas dispo-
níveis no que tange à cadeia de biodiesel do Estado. Nesse cenário, o percentual mínimo
de biodiesel no diesel é baixo, da ordem de 2 a 3%; o preço do biodiesel se aproxima ao do
diesel. Há, no RS e no Brasil, uma matéria-prima economicamente atrativa para a produção
de biodiesel, mas eventualmente dissociada da produção agrícola tradicional.

Como fruto desse contexto, há dependência de P&D desenvolvidos pela iniciativa privada.
O mercado interno oportuniza baixo resultado e o mercado externo tem importância es-

NA TRILHA DOS PROCESSOS 9


tratégica. Há dificuldades de sustentação de usinas com insuficiência de capital próprio. A
produção industrial tende a concentrar-se em grandes corporações. O poder de negociação
das usinas frente à Petrobras e às distribuidoras é reduzido.

Neste cenário de futuro, a estrutura dos atores que atualmente formam a cadeia não é sus-
tentável. A participação da agricultura familiar perde importância com a ampliação do uso
de matérias-primas não agrícolas. No entanto, outros atores se incorporam ligados à pro-
dução de biodiesel de segunda geração, como poderia ser o caso de produtores de algas, por
exemplo. O mercado interno é restrito e gerido pela capacidade de negociação e escoamento
da produção de biodiesel. A competição entre as usinas aumenta, restringindo o mercado
às mais competitivas. A competitividade dependerá de investimentos privados e pouco de
políticas públicas.

Cenário 2 – Perigo!
No cenário de futuro batizado como Perigo!, os atores da cadeia de biodiesel do RS estão
desalinhados. Como reforço, há baixa credibilidade nos atores e deles entre si, favorecendo
o surgimento de silos de informação (isto é, conjuntos de dados relevantes ou estratégicos
para um sistema, mas que ficam restritos a um número reduzido de atores, não sendo com-
partilhados). Como resultado, as informações disponíveis são precárias e as análises delas
decorrentes são incompletas. As ações executadas por parte do setor público e dos agentes
privados são ineficazes. Nesse futuro, o PNPB tem baixa credibilidade, pois não contribui
para a geração de renda na agricultura familiar. Há pressão para aumento da transferência
de renda por meio de subsídios. As estratégias utilizadas para fiscalizar e regulamentar a
cadeia de biodiesel são falhas e os resultados decorrentes da pesquisa científica e tecnológica
têm pouca expressão em termos de viabilidade econômica.

As consequências na competitividade e sustentabilidade são grandes. O preço elevado da


matéria-prima mitiga a competitividade da cadeia e aumenta a demanda por subsídio, sem o
qual a cadeia não persiste. Com poucas políticas de incentivo, o setor agrícola não tem con-
dições de melhorar sua produtividade e, por consequência, os custos e a sustentabilidade do
setor. A agricultura familiar tem dificuldade para se inserir na cadeia. Sem essa participação,
há ausência de selos sociais e é dificultado o acesso ao mercado externo. Como efeito, usinas
fecham e o mercado é potencialmente monopolizado pela Petrobras ou por uma grande
corporação.

Cenário 3 – Melhores dias virão


No cenário de futuro batizado como Melhores Dias Virão, o custo de produção do biodiesel
continua alto em face do elevado custo das matérias-primas. No entanto, a demanda pelo
biodiesel é elevada e, mesmo com margens unitárias pequenas, há ganhos em escala. Neste

10 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


cenário, novas matérias-primas surgem, mas o óleo de soja continua sendo a matéria-prima
preferencial. Persiste a busca por uma solução para a questão alimento versus biocombustí-
vel no que se refere à utilização de óleos comestíveis. No entanto, o biodiesel é uma opção de
substituição ao diesel pela questão ambiental e pelos ganhos sociais.

A sustentabilidade da cadeia é dependente das políticas governamentais. Os agricultores


familiares têm mais oportunidades para diversificar a produção e novos acessos de mercado,
ampliando renda e inclusão social. A concorrência com outros Estados ameaça a competiti-
vidade da cadeia do RS. A questão tributária e o custo logístico terão mais valor. Cria-se um
desafio ao alinhamento: a margem das usinas depende da redução de custos, da produção
em escala e de subsídios.

Cenário 4 – Crescimento e desenvolvimento


O cenário de futuro batizado como Crescimento e Desenvolvimento retrata um contexto no
qual o alinhamento entre os atores existe e a informação e o conhecimento gerados e com-
partilhados na cadeia estabeleceram decisões mais racionais, inclusive para novos entrantes
e para a recuperação de usinas existentes. O preço do biodiesel é igual ou inferior ao do
diesel. Os custos de produção e distribuição do biodiesel aproximam-se do patamar ideal.
O biodiesel é uma opção de substituição ao diesel pela questão ambiental. A indústria não
apresenta ociosidade. Os atores da cadeia de biodiesel terão lucro e capacidade de investi-
mento.

Há sustentabilidade e há competitividade. A tecnologia para a cadeia avança e há profissio-


nalização de todos os atores da cadeia. As indústrias possuem capacidade para se manterem
no mercado nacional e internacional operando sem ou com baixa ociosidade e com mar-
gens que possibilitem ampliar os investimentos. A cadeia estadual de produção de biodiesel
necessita se preocupar com a questão de distribuição do combustível, pois o custo logístico
tem maior importância em termos de competitividade. Há acúmulo de glicerina e outros
coprodutos pelo aumento da oferta. Assim, novos mercados de glicerina e coprodutos ne-
cessitam ser prospectados.

Proposição de ações
A geração de cenários prospectivos, sua análise e comparação visam identificar ações es-
truturadoras e alavancadoras do sistema. Estruturadoras por serem pensadas com base na
análise de uma estrutura sistêmica de relacionamentos entre atores e variáveis associadas
ao contexto do biodiesel no Estado. Alavancadoras por permitirem atuar sobre elementos-
-chave dessa estrutura, visando favorecer os aspectos atrativos dos cenários anteriormente
apresentados e, simultaneamente, proteger a cadeia dos aspectos indesejáveis desses poten-
ciais futuros.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 11


Com base na análise realizada, foi desenvolvido pelo grupo um conjunto de propostas de
macroações, visando a promover o diálogo entre os interessados na sustentabilidade e com-
petitividade da cadeia de produção de biodiesel do Estado. As macroações afetam a reali-
dade e os atores, preparando a cadeia de forma positiva, independentemente do cenário de
futuro que ocorrerá.

As macroações propostas são baseadas em focos estratégicos definidos com base nos cená-
rios anteriormente apresentados. Adicionalmente, podem ser identificadas ações comple-
mentares, úteis para a preparação para um ou dois cenários em particular. As ações pro-
postas não são excludentes. Dada a complexidade da cadeia e o número de diferentes atores
participantes, o número de propostas é elevado. Buscou-se priorizá-las em função do tempo
de percepção de seus potenciais benefícios, em ações de curto prazo (CP), médio prazo
(MP) e longo prazo (LP), conforme resumido no Quadro 1.

Dessas 27 ações propostas, 12 foram selecionadas como prioritárias (destacadas em negrito


no Quadro 1), de acordo com a percepção de seus potenciais benefícios. A implementação
dessas ações requer um esforço conjunto do governo e das entidades de classe. As ações
A1, A4, A11, A14 e A25 estão sendo reforçadas pelos governos federal e estadual, por meio
de projetos estruturantes. As ações A11 e A12 são suportadas por fundos estratégicos do
governo, mas são necessárias outras iniciativas das associações industriais e dos represen-
tantes não governamentais. O mesmo ocorre com as ações A5, A8 e A19, que são de grande
interesse para os atores industriais dessa cadeia. Finalmente, as ações A9, A16 e A22 são
atualmente gerenciadas por ministérios brasileiros, mas requerem ações coordenadas dos
atores da cadeia de biodiesel, de modo a garantir sustentabilidade futura.

A temática do biodiesel insere-se em uma discussão de estratégia nacional e regional. O po-


tencial agrícola do Estado do Rio Grande do Sul representa, ao mesmo tempo, uma oportu-
nidade e um desafio para a produção de biodiesel. O estudo realizado mostra fortes indícios
de que a coordenação dos atores e o compartilhamento de conhecimento são fatores chaves
para promover a sustentabilidade e a competitividade do biodiesel. Alguns movimentos são
observados no sentido dessa coordenação, como a antecipação da vigência da mistura B4
em relação ao cronograma original.

Sem a pretensão de ser definitivo, este estudo buscou divulgar a percepção de necessidade
de ações de benefício comum entre os integrantes da cadeia, tais como as sugestões de ações
aqui relatadas. Por outro lado, buscou fomentar o diálogo entre os diversos elos da cadeia
de produção de biocombustíveis do Estado, para que sejam compartilhadas informações e
se construa, por meio de uma prática discursiva conjunta, uma visão comum de como asse-
gurar relações saudáveis, sustentáveis e competitivas, desde agora e no futuro, beneficiando
não apenas os integrantes dessa cadeia, mas a sociedade sul-rio-grandense e brasileira.

12 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Quadro 1 Ações propostas para alavancagem da cadeia de biodisel no Rio Grande do Sul

Ação
Criar fóruns e sistemas de alinhamento de informações entre os atores da cadeia (formar
um grupo de mobilização representativo das entidades).
Estimular lideranças na cadeia de biodiesel do RS.
Ampliar o comitê estratégico de biocombustíveis.
Promover alinhamento com MDA, MCT, MAPA, Embrapa, centros de pesquisa e iniciativa
privada para implementação de projetos de pesquisa em novos produtos e novos usos na
cadeia de biodiesel.
Realizar estudo para otimização da cadeia de suprimentos e distribuição.
curto prazo

Buscar aproximação com projetos similares na Petrobras.


Identificar as organizações certificadoras e ONGs para conhecer a demanda e os critérios
de implementação de selos.
Solidificar contratos entre usinas e agricultores familiares.
Identificar mercados alvo para biodiesel e coprodutos.
Identificar padrões internacionais de normatização/especificação do biodiesel de interesse
para a cadeia do biodiesel (RS)
Propor alinhamento aos atores da cadeia do biodiesel RS e universidades: fortalecer a
consciência de cada ator sobre a importância e função de cada ator da cadeia.
Captar recursos para promover os projetos de pesquisa entre atores.
Estimular a governança no comitê estratégico de biocombustíveis.
Buscar recursos e empreender mapeamento e pesquisa agroclimática e de viabilidade
econômica (Embrapa, Emater, Fetag, Cooperativas) para oleaginosas alternativas à soja
com FOCO na identificação das competências das regiões.
Criar projeto piloto (MDA, Fetag, usinas, centros de pesquisa) com foco em cultivares/varie-
tais que reforcem sistemas de produção associados ao biodiesel.
Estimular a mudança na governança do PNPB, com maior participação da iniciativa priva-
da.
Fomentar redes de pesquisa tecnológica para redução de custos operacionais, produtivos e
aumento da produtividade.
Atualizar estudos e informações relativos a perdas no transporte e armazenagem de grãos,
médio prazo

envolvendo indústria, cooperativas, GF, Conab, etc.


Articular Embrapa e Emater para implantar projetos para redução de perdas agrícolas.
Envolver a indústria de máquinas e equipamentos e os agricultores para apoiarem a imple-
mentação de projetos.
Realizar estudo para propor a criação de um selo que comprove a inserção social com segu-
rança alimentar e ambiental na produção de biodiesel (RS).
Propor a criação de um selo reconhecido internacionalmente para inserção social, segu-
rança alimentar e ambiental para o biodiesel.
Implementar um sistema de assistência técnica para implementação das metas requeridas
pela certificação.
Criar indicadores de desempenho para as dimensões de certificação.
Estimular a criação de redes de cooperação, grupos de aprendizagem, redes de pesquisa,
para fortalecer os mecanismos de geração e difusão do conhecimento entre os atores da
cadeia.
Negociar padrões internacionais de normatização/especificação reconhecidos pelos merca-
dos alvo a serem usados para comércio internacional.
prazo
longo

Condicionar o repasse federal de recursos à constituição de redes de pesquisa e de centros


integrados (via projetos).

NA TRILHA DOS PROCESSOS 13


Referências
ANDRADE, A.; SELEME, A.; RODRIGUES, L. H.; SOUTO, R. Pensamento Sistêmico Caderno de
Campo. 1. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006.
ANDRADE, Aurélio L. Pensamento Sistêmico: Um Roteiro Básico para Perceber as Estruturas da
Realidade Organizacional. REAd – Revista Eletrônica de Administração. ed. 5, v. 3, n. 1, 1997.
GHERARDI, S.; NICOLINI, D. Learning in a constellation of interconnected practices: canon or dis-
sonance? Journal of Management Studies, v. 39, n. 4, p. 419-436, 2002.
SENGE, P. M.; KLEINER, A.; ROBERTS, C.; ROSS, R. & SMITH, B. A Quinta Disciplina – Caderno de
Campo. São Paulo: Qualitymark, 1996.
SCHWARTZ, Peter. A arte da visão de longo prazo: planejando o futuro em um mundo de incertezas.
São Paulo – SP: Editora Best Seller, 2006.
STERMAN, John D. Business dynamics: systems thinking and modeling for a complex world. Boston:
McGraw-Hill, 2000.
WENGER, E. (1998) Communities of practice. Learning, meaning and identity. Cambridge: Cam-
bridge University Press.

14 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Caso 3

Processo de implantação e desenvolvimento


das equipes autogerenciáveis na Elster

Susana Cardoso Marques Azi

O Grupo Elster é líder mundial no fornecimento de soluções de alta quali-


dade em precisão e medição integrada nos segmentos de água, eletricidade
e gás. O grupo atua na América do Sul, América do Norte, Europa e Ásia
através de suas unidades de operação espalhadas em 38 países e de seus mais
de 9 mil colaboradores, contando com a alta qualidade dos seus produtos e
sistemas que refletem a riqueza do conhecimento e experiência adquiridos
através dos mais de 170 anos de dedicação à medição.

A Elster foi fundada em 1948 por Johann Sigmar Elster, em Berlim, na Alema-
nha. A unidade Elster Medição de Energia de Cachoeirinha/RS foi fundada
em 1967, com o nome de APREL – Aparelhos de Precisão S.A. Em 1981, a
APREL foi adquirida pela Westinghouse, passando a ser chamada de Wes-
tinghouse – Divisão Aprel do Brasil S.A. Em 1988, a ABB adquiriu a unidade
Cachoeirinha, que passou a se chamar ABB – Asea Brown Boveri Ltda. Em
2005, o grupo CVC adquiriu o Ruhrgas, passando o conglomerado a se cha-
mar Grupo Elster. A partir disso, a unidade Cachoeirinha passou a se chamar
Elster Medição de Energia Ltda.

A sede do grupo Elster fica em Luxemburgo e é líder mundial em medidores


de água, eletricidade e gás.

A Elster é uma empresa do ramo eletrônico e, no final da década de 1990, es-


tava passando por mudanças constantes atreladas à globalização, vivencian-
do, entre outras situações, uma alta concorrência com outras organizações
do mesmo ramo e de outros países. A privatização veio com força total no Brasil no mesmo
período, fazendo que, segundo os gestores da empresa, a relação entre clientes e fornecedo-
res se tornasse muito mais embasada em profissionalismo, negociação e parcerias. No mun-
do dos negócios, percebia-se que os sistemas de gestão autoritária, centralizada, hierárquica,
envolvendo grandes estruturas nas organizações, vinham sendo substituídos por modelos
de gestão participativa.

As novas configurações de competitividade têm estimulado as empresas a experimentar


formas variadas e alternativas de gerir pessoas e produção, trazendo como consequência
a contínua busca de qualidade e de resultados sustentáveis nas organizações empresariais
contemporâneas, os quais estão cada vez mais atrelados ao desenvolvimento do potencial
humano como força produtiva. No ramo da engenharia da energia, em nível nacional e in-
ternacional, essa realidade é muito perceptível.

O processo iniciou quando os gestores perceberam que as ações de manutenção e melhoria


de seus processos não estavam suficientes para competir no mercado. Seus clientes queriam
saber: quem faz o produto que estamos comprando? Quem participa do processo produti-
vo? Em que condições humanas?

Na época, ocorria a queda de preços, a redução do tempo de resposta, a melhoria da qua-


lidade, a não tolerância do cliente por demora e retrabalhos. No Brasil, desencadeava uma
série de privatizações neste segmento, mudando a forma de venda de seus produtos.

O desejo de ser escolhido pelos seus clientes como fornecedor preferencial e de atuar com
velocidade, flexibilidade e iniciativa servia de desafio e motivação. Questionavam o que es-
tavam realmente fazendo para mudar as relações de poder dentro de sua organização, qual
era o grau de autonomia de seus operadores e se estavam realmente preparando seus colabo-
radores para atuarem neste cenário.

Desse modo, os gestores perceberam que uma simples mudança de layout não seria sufi-
ciente para garantir pessoas mais ágeis, flexíveis. O aumento da tecnologia exigia que ou-
tras competências de seus colaboradores viessem a ser desenvolvidas. Com isso, a empresa
decidiu e iniciou a implementação de equipes autogerenciáveis (EAGs). Direção e gestores
encontravam-se desafiados e motivados. Os colaboradores estavam surpresos, curiosos, al-
guns com medo que esta mudança pudesse levar à perda de seu emprego, mas gostando
das melhorias iniciais (refrigeração de toda unidade, cadeiras e bancadas ergonomicamente
corretas, estudos para os que necessitavam e desejavam a concluir sua formação escolar).

O que são as equipes autogerenciáveis (EAGs)?


A EAG é um grupo íntegro de pessoas as quais trabalham juntas contínua e diariamente
e que são responsáveis por todo um produto ou um segmento claramente definido de um
processo.

16 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Em uma EAG as pessoas passam a ter mais responsabilidade e comprometimento com os
resultados e dão maior atenção às necessidades dos clientes internos e externos. Não apenas
cumprem com suas responsabilidades inerentes ao serviço, mas também planejam, progra-
mam e tomam decisões com relação a processos que envolvem o seu trabalho, tomam provi-
dências no sentido de solucionar problemas e compartilham atividades de liderança.

Trata-se de um sistema de trabalho que privilegia o uso das habilidades naturais do ser hu-
mano, propiciando-lhe oportunidades de desenvolvimento e autorrealização, permitindo-
-lhe ampliar sua visão relativa ao negócio, além de obter maior nível de cultura geral.

Pontos a serem considerados no processo de implantação das EAGs


A implantação das EAGs trata-se de uma profunda intervenção na estrutura de tarefas, nas
relações de trabalho, nos comportamentos e nos estilos de gerenciamento. Logo, todos os
funcionários da empresa deverão estar sensibilizados e comprometidos com a mudança.
Além disso, altera todo o sistema de poder, as relações entre pessoas, os conceitos e os com-
portamentos.

A organização deve ser percebida por todos os seus funcionários como um sistema social
aberto, em que as pessoas possam compartilhar responsabilidades por objetivos.

As pessoas devem ser percebidas como seres integrais − racionais, emocionais e sociais −
tendo suas necessidades satisfeitas através de sua corresponsabilidade pelo trabalho e seus
consequentes resultados.

Os fatores de incentivo são centrados no comprometimento proporcionado pela responsabi-


lidade compartilhada em todas as fases e cujos resultados afetam os indivíduos.

A eficiência é obtida pela utilização máxima do potencial individual, e o envolvimento é ob-


tido através do comprometimento com os resultados, somado ao auxílio mútuo na execução
de todas as tarefas e tomadas de decisão.

Resultados esperados
• Melhoria na produtividade

• Melhoria na qualidade

• Implantação do processo de melhoria contínua

• Estrutura mais enxuta e sinérgica

• Enriquecimento da função/atividade dos funcionários

NA TRILHA DOS PROCESSOS 17


• Alteração dos níveis de poder e sua disseminação pela equipe

• Uma estrutura organizacional mais flexível, com habilidades individuais, como poli-
valência e capacidade de tomar decisões.

O processo de implementação de EAGs na Elster


Foi estabelecida, pelo grupo de gestores, uma visão, isto é, para aonde queriam ir, por
que precisavam chegar lá, quais as dificuldades que encontrariam e quais os sucessos
que atingiriam. Este processo leva, em média (conforme o tamanho da organização,
cultura, lideranças e relações de poderes), de 2 a 3 anos. Isto assusta os empresários, pois
eles reforçam que não têm tempo para tal processo.

Nos primeiros meses, os resultados já aparecem, o que motiva alguns a querer continuar
e, até mesmo, a querer acelerar o processo de mudança. Estes resultados estão no de-
senvolvimento das pessoas, no processo, no produto, na flexibilidade, na qualidade, na
produtividade e, por que não dizer, na lucratividade.

Contato inicial com a consultoria


A organização solicitou um encontro com a consultoria para falar de uma proposta de tra-
balho. Naquele momento, o supervisor trouxe várias solicitações, sendo difícil identificar
sua necessidade, pois havia muitas frentes abertas a serem trabalhadas. Como consultora,
discuti com o Desenvolvimento Humano Organizacional (DHO) da organização quais eram
suas necessidades apresentadas e trabalhamos por prioridades com ações estratégicas e pla-
nejadas.

As primeiras mudanças – visão


Esta etapa foi constituída de:

• Formação de um comitê de estudos, com representantes das diversas áreas da empresa.

• Visitas a empresas com as melhores práticas na área de equipes.

• Leitura técnica sobre o assunto.

• Avaliação do grau de prontidão da organização para implementação das EAGs.

Até então, a empresa tinha um processo de produção verticalizado. Quando se torna ABB, é
realizado um processo de terceirização gradativa, passando etapas produtivas para fornece-
dores especializados nos diversos subprocessos ou para empresas dirigidas por ex-gerentes,
que eram conhecedores dos mesmos. Com isso, ocorreram mudanças na planta da produ-

18 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


ção de medidores de energia elétrica, eletromecânicos e eletrônicos, objetivando atender à
estratégia competitiva adotada.

A partir dessa mudança, foi dado início ao trabalho de rearranjo do layout remanescente,
buscando otimizar os espaços deixados pelos setores que saíram, mas, principalmente, pas-
sar de um layout tradicional para uma distribuição que visava: reduzir as perdas por trans-
porte interno, melhorias de qualidade, balanceamento de tempos, multifuncionalidade dos
operadores, ergonomia do processo de trabalho, implantação de equipes autogerenciáveis e,
sobretudo, flexibilidade.

No mesmo ano, a manufatura da ABB/Elster passou pelas seguintes transformações:

• O local passou a ser refrigerado (antes chegava a uma temperatura de aproximada-


mente 40°C no verão) e foram colocadas portas automáticas.

• Os funcionários passaram a trabalhar em células de 6 a 8 pessoas, conforme o proces-


so. Estas células estavam divididas conforme o processo de construção dos medidores
e/ou modelo. A experiência de trabalhar através de células havia sido experimentada 2
anos antes, mas sem sucesso. Então eles voltaram a trabalhar por linhas na produção.
A nova investida em células no processo deixou o grupo de operadores desconfiados,
porém animados com as novas atribuições. Eles ainda estavam se adaptando ao novo
layout.

• As bancadas de trabalho foram adaptadas à altura dos funcionários e elaboradas para


seu melhor manejo de ferramentas e peças. Para esta atividade, foi contratada uma con-
sultoria em ergonomia da UFRGS. Desta forma, o ambiente de trabalho na produção
começou a ser preparado para trabalhar em células de produção, posteriormente no
modelo de EAGs.

• Implantação das EAGs

Nesta fase, estabelecemos metas e objetivos a partir de um cronograma de implantação de


trabalho em equipes. A forma de implantação escolhida foi por área piloto, pelos seguintes
motivos:

• Estávamos trabalhando com uma equipe interna de implantação, o que nos impossi-
bilitaria desenvolver e implantar em toda unidade.

• Sabíamos que a primeira etapa do trabalho seria uma reavaliação de processos e mu-
danças de layout.

Durante as reuniões para a construção do trabalho de desenvolvimento com as células, o


gerente da manufatura percebeu esta como uma oportunidade para construir algo maior;
como um novo desafio para ele e para o grupo. Relatou que só trabalhar em equipes não
seria suficiente para enfrentar os novos desafios do mercado e comentou que tinha feito
leituras sobre as equipes autogerenciáveis (EAGs). Confirmou-se a importância dos autores

NA TRILHA DOS PROCESSOS 19


que ele havia lido e foi mostrado a ele mais autores e conteúdos sobre comportamento or-
ganizacional.

Naquele momento, o gerente referia que, neste modelo de equipe (EAGs), poderia ser traba-
lhado um maior grau de autonomia nos grupos, mas com conceitos definidos pela organiza-
ção e focando o resultado a ser atingido na produção. Percebemos que estava se colocando
uma proposta de construção de uma aprendizagem em grupo. No papel de consultora − o
contrato estava firmado como uma consultoria de procedimento − eu atuaria como facilita-
dora e “continente” para o grupo, trabalhando as dificuldades que os impediam de avançar,
como seus medos e mudanças, assim como contribuiria para que eles permanecessem no
foco que definissem.

Como se tratava de um novo desafio para os integrantes desta reunião, formamos um grupo
de estudos, com encontros semanais, em que começamos a estudar juntos novas etapas do
processo. Participaram os superintendentes, os profissionais de recursos humanos (do De-
senvolvimento Humano Organizacional – DHO), os gerentes, os encarregados e os supervi-
sores. Refletíamos sobre aonde queríamos chegar, o momento da organização e o contexto
mundial. Buscamos livros, artigos, materiais que acreditávamos poder nos ajudar no estudo
naquele momento. Deste estudo surgiu o Programa de Formação e Desenvolvimento das
EAGs.

Dava-se início ao processo de construção do conhecimento daquele grupo sobre o tema


das EAGs, procurando trazer este tema para a prática na organização, refletindo se iria ou
não funcionar tal modelo nesta empresa. Assim, estava em questão experimentar-se como
um grupo que teria um grande desafio a ser construído, não só como programa, mas como
processo, de aculturar e de validar o modelo proposto para a matriz (naquele momento,
Inglaterra), para São Paulo e também para outros grupos.

Como grupo de estudo, apresentávamos os resultados das leituras em subgrupos. Desta for-
ma, todos se preparavam para apresentar, mas, em cada encontro, apenas um grupo era
sorteado para apresentar o seu trabalho. Todos se mostravam comprometidos e desafiados,
até porque a identificação com o desafio era característica do grupo. Eles agiam de forma
resiliente diante dos desafios.

Ocorreram também visitas técnicas, em que buscamos conhecer indústrias que estavam tra-
balhando no seu processo de produção em células com equipes semiautônomas. Ao retornar
para a organização, o grupo voltava a se reunir e conversar sobre as suas percepções e sobre
como essa experiência conhecida poderia contribuir ou não para a construção das EAGs.
Eles validavam o seu desafio e as características de grupo. Os encontros eram coordenados
pela consultora no papel de facilitadora e continente para o grupo, como já indicado.

Posteriormente, o grupo iniciou uma investigação, utilizando entrevistas e questionários,


para diagnosticar se a organização tinha os requisitos mínimos para a construção de EAGs.
Ao fazer o diagnóstico parcial, eu fazia que o grupo buscasse conhecer mais sobre sua cultu-
ra, valores, crença em seus ideais, permitindo que avançassem. Eles sentiam que iniciavam

20 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


a gestão da mudança. Temiam, mas eram estimulados a ir adiante. Um dos estímulos era
acreditar e perceber que faziam parte de um grupo que estava criando algo novo, que era
como uma semente que estava sendo plantada, com responsabilidade e com riscos de errar.
Era um processo de construção com acertos, erros, ajustes, ressignificações e acertos nova-
mente.

Na organização, iniciou-se, então, um trabalho comportamental e técnico com os grupos


das células, envolvendo aproximadamente 280 pessoas, divididas em grupos de 2 a 3 células
do mesmo turno, com encontros mensais, de duração de 16 horas cada. Esses encontros
ocorreram ao longo de três anos, durante seis meses no primeiro ano e quatro meses no
segundo e terceiro anos. Nesses encontros, foram trabalhados com os grupos temas como:
liderança, relações sociais (interpessoais, intrapessoais, intergrupais, intragrupais), poder,
comunicação, negociação, conflito, mudanças, iniciativa, criatividade, identificação de pa-
péis, conflitos, campos de força, numa proposta de discutir o “aqui e agora”. Posteriormente,
as reuniões envolveram células de turnos diferentes, para que nelas se trabalhasse o processo
de “passar o serviço” de um grupo para o outro e as relações pessoais. Na troca de turno,
ocorria também o conhecimento das atividades de outros setores.

Durante esses três anos, foram trabalhados, simultaneamente, o aperfeiçoamento do co-


nhecimento técnico sobre o produto a ser desenvolvido, bem como questões de processo e
gestão, como: qualidade, processo da produção, materiais, logística, eletricidade, entre ou-
tros aspectos. É importante ressaltar que, algumas vezes, os gestores preocupavam-se com o
tempo de implantação das EAGs, mas, na caminhada, perceberam que os resultados apare-
ceram desde o primeiro ano.

Com as outras áreas da organização − comercial, controladoria, DHO, engenharia, adminis-


tração e suprimentos − foram realizados seminários comportamentais para tornar possível
o trabalho em equipe.

Desenvolvimento das EAGs


Os gestores apresentaram dificuldade em delegar (costumo dizer que “delargavam”), rela-
tando que, desta forma, não seriam mais os líderes das células, que estavam sendo esvazia-
dos de suas funções. Eles queriam acreditar nas novas funções que estavam prestes a absor-
ver, mas não sabiam como conduzi-las e não conseguiam perceber e vivenciar quais eram
estas novas atividades. Em função disso, passa-se a trabalhar com os gestores a mudança de
seu papel para facilitadores. Este trabalho foi realizado por meio de seminários comporta-
mentais, trabalhando o processo do grupo (medos, resistências e desafios), cursos e visitas
técnicas, participação nas reuniões, procedimentos construídos junto às EAGs, cursos fora
da organização, incluindo cursos de extensão na universidade.

Paralelamente, continuavam acontecendo os encontros do grupo de estudo em que se bus-


cavam formas de ação dos facilitadores. À medida que o processo de desenvolvimento ocor-

NA TRILHA DOS PROCESSOS 21


ria com o grupo, percebíamos que ocorriam as melhorias necessárias. Era um processo edu-
cativo, de construção, de desconstrução, de aprendizagem e de descobertas.

Os operadores passam a fazer reuniões em suas células para discutir e buscar melhorias do
trabalho e/ou das relações, melhorias estas para serem implantadas pela organização. Os
grupos continuavam sendo trabalhados em seminários e começou a preparação para traba-
lhar com pontas de estrela. A noção de pontas de estrela permite que o funcionário, além das
atividades produtivas, desenvolva outros papéis, como o de cuidar do seu plano de treina-
mento, realizar manutenções básicas, participar da seleção de novos colegas para a equipe,
acompanhar equipes de desenvolvimento de produto, fazer compras de materiais de uso
diário – cada uma dessas atividades representando uma ponta da estrela. Os integrantes da
EAGs escolheram quando e quem iria se envolver com as ações das pontas de estrela. Desta
forma eles determinaram o tempo que cada um permaneceria em cada ponta da estrela.

Os operadores sentiam desejo de aprender nas e com as outras células, mas continua-
vam pertencendo a sua célula original. Eles aprenderam a dividir as tarefas e, quando já
eram calibradores (calibrar é uma etapa do processo na construção dos medidores em
que cada medidor é aferido e calibrado, e isto requeria do colaborador um conhecimen-
to de todo o processo. Esse cargo era ocupado por operadores experientes que tinham
muito tempo na organização e que já tinha passado por todas as etapas) passaram a
ensinar aos outros. Começaram a diminuir o “pulmão” produtivo, que era o número de
medidores extras produzidos por um integrante de bancada e que sobrecarregava o co-
lega. Na verdade, o objetivo do pulmão era poder fazer uma pausa de aproximadamente
20 minutos, sem prejudicar o andamento da célula. Além disso, quando alguém falta,
um operador de outra célula pode substituí-lo, atuando como coringa. A oportunidade
de atuar em outra célula passa a ser valorizada, o que não ocorria antes.

Alguns operadores circulavam na engenharia, controladoria e DHO, às vezes sendo estra-


nhos para as pessoas que trabalhavam nessas áreas. Consultavam a internet para saber sobre
a empresa. O local de trabalho tornou-se muito limpo, havendo uma preocupação com a es-
tética. Paralelamente ao trabalho, os operadores criaram um grupo de esporte, um grupo de
ginástica, um grupo de festas, promoveram passeios, atividades na piscina, etc. Em alguns
momentos, por iniciativa própria, os grupos passaram a reunir-se não só para falarem das
atividades, mas também sentimentos envolvidos quando algo os estava incomodando. Al-
guns operadores das EAGs fizeram viagens, por exemplo, para São Paulo e Chile, para, prin-
cipalmente, ensinar e aprender com outros colegas. Alguns destes operadores foram buscar
formação acadêmica, em cursos superiores (engenharia elétrica e pedagogia empresarial) e
outros estudam em cursos técnicos. Outros, ainda, foram fazer aulas de inglês e informática.
Eles não obtiveram auxílio financeiro da organização, mas não deixaram de ter estímulo
próprio (motivação) para continuar seus estudos.

A partir desses resultados, o grupo de estudo também percebeu a necessidade de trabalhar


de forma diferenciada a remuneração das EAGs. Foram feitos contatos com consultorias
para a construção e implantação da remuneração por habilidades e competências. O mo-

22 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


delo da remuneração por habilidades/competências, construído pelo grupo da ABB/Elster,
buscou, assim, adequar as políticas de remuneração às práticas realizadas na organização.

O processo de capacitação e desenvolvimento das EAGs também foi revisto. Percebíamos


que, no seu desenvolvimento, o grupo só validava cursos e instrutores que falassem de sua
prática (dia a dia), acrescentando conhecimentos novos, mas possíveis de serem aplicados.
Mostravam-se muito contentes, principalmente quando o instrutor era um dos colegas da
produção ou engenharia. A organização contratou uma consultoria específica que realizou
diagnósticos, trabalhos ergonômicos e ações como: ginástica laboral, cursos e palestras de
conscientização. Após três anos, este trabalho chegou a zerar problemas de LER (Lesão por
Esforço Repetitivo). Além disso, alguns operadores com caso de doença já instalada tiveram
a possibilidade de voltar para a organização. Alguns retornaram ao processo produtivo, uma
vez que as trocas de função e a posição nas células permitiam uma maior movimentação
do corpo inteiro, o que diminuía a repetição excessiva de movimentos localizados. Outros
operadores voltaram para funções diferentes na organização.

Outros ganhos com a implantação das EAGs


Com a ampliação dos saberes e a exigência de novas competências, o trabalho manteve sua
ênfase na dimensão manual, mas com um maior grau de exigência intelectual. Estas alte-
rações apareceram no grau de complexidade da tarefa através de aumento da produção,
busca de novos conhecimentos técnicos e comportamentais. Os operadores buscaram novas
formas de trabalhar, tanto individual quanto em grupo. Algumas experiências foram res-
significadas, adaptando-se à nova realidade. Os operadores valorizam o trabalho manual,
não só por saberem fazer, mas para entenderem por que fazer e o que está sendo feito. Eles
buscaram encontrar outras formas de trabalho. Ocorreu aumento das atividades que envol-
viam o aspecto intelectual e, com isto, o aumento de sua capacidade intelectual e, também,
o aumento das atividades manuais. Houve também exigência por parte da empresa de um
maior conhecimento técnico.

Quanto à questão da especialização versus multifuncionalidade, os operadores tiveram ne-


cessidade de se tornarem multifuncionais no primeiro momento em sua própria célula de
trabalho, para, posteriormente, exercerem outras atividades em outras células. Houve exi-
gência por parte da organização, e pelo próprio processo, de uma especialização na área de
atuação dos operadores, com aumento de seu conhecimento técnico. A multifuncionalidade
dos operadores ocorreu também através do “rodízio” − pela troca na célula −, ocorrendo
também uma ampliação no seu relacionamento interpessoal.

O grupo percebeu também uma mudança nas relações de poder, pois eles passaram grada-
tivamente a receber um grau maior de autonomia. Os “supervisores” que permaneceram
passaram a exercer o papel de facilitadores, com ênfase em ajudar o grupo a resolver os
problemas. Os facilitadores tinham o objetivo de identificar a necessidade de treinamentos
para o grupo se desenvolver e, assim, atingir os resultados esperados pela organização. O

NA TRILHA DOS PROCESSOS 23


grupo necessitou compreender e saber como lidar com o grau de autonomia que recebia,
identificando o que de autonomia individual e coletiva a organização lhe possibilitava vi-
venciar. A decisão individual nem sempre era validada pelo grupo, principalmente quando
ela só beneficiava o sujeito que opta e/ou prejudica o grupo. Para atingir os resultados, os
saberes tiveram de aumentar individual e grupalmente. Houve um aumento da criatividade
e iniciativa tanto individual quanto em grupo.

O grupo de operadores foi aprendendo a pensar junto e passou a ganhar e buscar construir
um grau maior de autonomia, necessária para o seu trabalho. E a organização estruturou o
que seriam, para os operadores, graus de autonomia. Os gestores, através dos facilitadores
e do DHO, tiveram que ressignificar para os operadores o que vem a ser autonomia. A au-
tonomia foi sendo “descoberta”, não estando sempre claros os seus limites e desafios, tanto
para os operadores como para os gestores. Os gestores demonstravam clareza quanto ao
conceito de autonomia e seus graus de evolução, mas, quando repassavam este conceito para
os operadores, percebiam que o desenvolvimento destes era rápido; os gestores nem sempre
se encontravam preparados para delegar e lidar com a tomada de iniciativa e a análise crítica
dos operadores.

Quanto à carreira (salário, reconhecimento, oportunidade, etc.), os operadores perceberam


que as oportunidades ocorriam para todos, mas que nem todos aproveitaram para crescer
além da multifuncionalidade. No primeiro momento, houve aumento de informações, de
participação em cursos técnicos e da necessidade de trabalhar de forma intensa em grupos.
Para alguns ocorreu a oportunidade de trabalhar também em outras células da produção,
conhecendo outras etapas do trabalho e/ou produtos. Outros tiveram a oportunidade de
viajar, trabalhar temporariamente em outros países na mesma função para ensinar colegas
estrangeiros. É importante ressaltar que, anteriormente, quem participava neste tipo de via-
gem era alguém com formação em engenharia, trabalhando no desenvolvimento do produ-
to nesta organização. Para outros, a oportunidade surgiu com a participação em um proces-
so seletivo interno, em que foram selecionados para trabalhar em outros setores (financeiro,
engenharia, laboratório, comercial, etc.), agregando a formação que buscaram também fora
da empresa, com cursos técnicos e/ou universitários. Os operadores sentiram-se reconhe-
cidos quando os eventos supracitados aconteciam, quando tinham espaço para tomar ini-
ciativa e criar, quando suas solicitações eram ouvidas ou suas dúvidas eram esclarecidas. Os
operadores são avaliados de forma individual e em grupo e seu desempenho se reflete na sua
remuneração. Este procedimento mexe com o indivíduo, que tem que lidar com algumas
“zonas de conflito” nos grupos (por exemplo, o absenteísmo) para, desse modo, não refletir
no resultado da sua avaliação de desempenho e, consequentemente, na sua remuneração.

24 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Caso 4

e-projeti: desenvolvendo as
capacidades dinâmicas a partir
de seus recursos e processos

Viviane Freire Löw


Rafael Donini Rodrigues

A e-projeti Tecnologia é uma startup do setor de tecnologia da informação


que nasceu da união de duas empresas da mesma área (e-Merit e Projeti)
com o intuito de criar um ambiente propício à inovação em que se desen-
volvessem novos produtos e serviços de tecnologia da informação (TI) com
maior valor agregado, permitindo assim ofertar ao mercado soluções dife-
renciadas.

A empresa está instalada em um dos principais parques tecnológicos do Bra-


sil, o parque tecnológico de São Leopoldo – Tecnosinos, no Rio Grande do
Sul. A governança do parque é dividida entre a Unisinos (Universidade do
Vale do Rio dos Sinos), empresas e iniciativa pública, ou seja, estabelece-se
na intersecção entre o setor público, privado e acadêmico, adotando o con-
ceito de Tríplice Hélice. O parque tem hoje cerca de 70 empresas de base
tecnológica, gerando aproximadamente 3 mil empregos. Contudo, no plane-
jamento estratégico do Tecnosinos, feito em 2010, há objetivos mais ambicio-
sos, como o de alcançar 300 empresas instaladas no parque até 2019, gerando
10 mil empregos diretos.
Como tudo começou?
A e-projeti nasceu dos esforços de três empreendedores que, a partir de uma vi-
são compartilhada e de objetivos comuns, uniram-se para formar uma empresa inovadora,
não apenas nos seus produtos e serviços, mas principalmente no modelo de negócio, que
tem como desafio quebrar paradigmas organizacionais e culturais.

A Projeti, fundada em 2002, tinha como foco prestar serviços de infraestrutura de informá-
tica e projetos de TI, e a e-Merit, fundada em 2005, focava a terceirização de serviços de TI
(outsourcing). Essas empresas tornaram-se parceiras por terem alguns clientes comuns, o
que facilitou a interação e criou sinergia entre as empresas e empresários.

Em setembro de 2010, as empresas se fundiram e, em outubro, foi dado o primeiro grande


passo da e-projeti, que foi o investimento em um sistema de gestão de TI robusto que possi-
bilitava o gerenciamento, o monitoramento e o suporte da infraestrutura computacional de
rede, chamado Kaseya. Esse sistema permitiu gerenciar e controlar remotamente os dispo-
sitivos de todos seus clientes, mantendo uma base única com as informações dos ambientes
de TI desses clientes.

Em dezembro do mesmo ano, a empresa fechou parceria com a fabricante de hardware para
estações de trabalho Positivo. Como a e-projeti não tinha a intenção de comercializar hard-
ware por não fazer parte de sua estratégia de negócio, a Positivo possibilitou que fossem
locados seus equipamentos para a e-projeti ao invés de vendê-los. Isso levou a uma remode-
lação do modelo de negócio recém-criado, incluindo a oferta do hardware e software para as
estações de trabalho, além dos serviços de gerenciamento e suporte.

No final de 2010, a e-projeti adquiriu a empresa de hospedagem de sites e serviços online


Webstorage, da qual tinha uma pequena participação societária. A principal razão foi a es-
tratégia de expandir a oferta de infraestrutura de TI, que era atualmente focada no ambien-
te interno do cliente, passando a oferecer serviços online em cloud computing como, por
exemplo, servidores virtuais.

No início de 2011, foi incorporada ao modelo de negócio, de forma definitiva, a entrega do


hardware e do software, levando a empresa a focar sua estratégia no conceito de infraestru-
tura como serviço (IaaS) em que entrega ao cliente o gerenciamento e o suporte do ambiente
computacional e também o hardware e o software, tudo como um pacote de serviço. A par-
tir desse novo modelo de negócio que entrega as estações de trabalho Positivo, a empresa
buscou um parceiro para adotar o mesmo modelo para entregar também servi-
dores de rede.
O parceiro escolhido foi a SuperMicro (USA) que desenvolve servidores de primeira linha
e já possui uma fábrica no Brasil (Bahia), o que facilitou as negociações. Essa parceria acon-
teceu em maio de 2011 em Porto Alegre durante a Feira Bits – Business IT South America,
promovida pela CeBIT e considerada a principal feira de indústria de tecnologias da infor-
mação e comunicação (TIC) no mundo.

26 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


O modelo é ainda recente, pouco difundido e enfrenta ainda algumas resistências, princi-
palmente culturais. Porém, o conceito de IaaS é uma tendência mundial, e a e-projeti está
saindo na frente no mercado gaúcho, o que foi identificado por pesquisas feitas pela empresa
na fase de estruturação do modelo, em que foram identificadas apenas três empresas de TI,
do centro do país, todas de grande porte, que estão oferecendo seus serviços dentro desse
conceito, inclusive na região Sul. C ontudo, o foco dessas são as grandes empresas.

No modelo de infraestrutura de TI como serviço, a empresa consegue entregar aos seus


clientes toda a solução de infraestrutura de rede local, como estações de trabalho, servido-
res, sistemas operacionais, sistemas de segurança da informação – UTM firewall (desenvol-
vimento interno) e antivírus, além de prover infraestrutura computacional como serviços
online em cloud computing.

Esse novo conceito de oferta de serviços de TI vai ao encontro da tendência de mercado


em que as empresas buscam fornecedores que possam entregar o maior leque de soluções
integradas de TI, englobando tanto os equipamentos e softwares quanto os serviços neces-
sários para manter o ambiente tecnológico em plena operação, garantindo uma redução de
downtime e reduzindo os custos e o tempo de administração de TI.

Toda a entrega é realizada a partir de projetos de implantação de infraestrutura seguindo


as práticas do PMI (Project Management Institute). A forma de cobrança desse modelo de

NA TRILHA DOS PROCESSOS 27


serviço é feita através de um valor fixo mensal por dispositivos gerenciados/entregues. Isso
permite desonerar o cliente na aquisição de ativos de TI e possibilita manter sua infraestru-
tura constantemente atualizada e adaptada à realidade da empresa, sem a necessidade de
altos investimentos em TI, principalmente nos casos de expansão do negócio.

Plano estratégico
Para conseguir chegar a esse modelo de negócio, a empresa percorreu algumas etapas im-
portantes, como o desenvolvimento de um plano estratégico, que contribuiu para identificar
quais recursos e capacidades precisavam ser desenvolvidos para viabilizar e dar sustentabi-
lidade ao negócio.

A e-projeti, desde sua concepção, entende a importância de “organizar a casa” para cres-
cer de forma sustentável. Para isso, utilizou recursos financeiros – próprios e também de
incentivos públicos ao desenvolvimento da pequena empresa – para a organização da sua
estrutura operacional e estratégica.

Dessa forma, apresenta-se o mapa estratégico da empresa, que relaciona quatro perspectivas
estratégicas divididas da seguinte forma: a) resultado, b) clientes, c) processos internos, d)
aprendizagem, desenvolvimento e inovação (A.D.I).

Na perspectiva (a), a estratégia da empresa é tornar a empresa rentável com sustentabilida-


de. Para isso, foram definidos os seguintes objetivos estratégicos: chegar em 2015 com um
faturamento anual cinco vezes maior que o faturamento anual de 2011; atingir rentabilidade
de 30%; e ter capital de giro para manter a empresa saudável. Foi definido que o capital de
giro ideal é o equivalente a três meses de custos totais da empresa. Esse é o resultado que se
pretende atingir nos seus primeiros cinco anos de vida.

Na perspectiva de (b), a estratégia é focar em alguns nichos que a empresa entende como
estratégicos. Além disso, existe a preocupação em manter um bom nível de satisfação dos
clientes e aumentar as vendas para os clientes atuais. A estratégia é ter 70% do portfólio de
clientes em setores estratégicos. Os setores definidos como estratégicos são: redes de varejo,
construção civil e logística (transporte).

Na perspectiva (c), a estratégia é estruturar a empresa para o crescimento sustentável. Aliado a


isso estão sendo implementadas algumas ferramentas de gestão para melhorar o gerenciamen-
to das áreas de serviços (Helpdesk), financeira e administrativa (ERP) e comercial (CRM),
e também para dar sustentação à estratégia do negócio. Nessa perspectiva, vários processos
prioritários para o negócio são identificados; tais processos são organizados e um plano de
ação é definido para que os mesmos sejam organizados e implementados pela empresa.

Na perspectiva (d), a estratégia principal é propiciar o desenvolvimento profissional e pes-


soal, pois os gestores da empresa entendem que é importante desenvolver as pessoas em
todos os níveis das suas vidas, uma vez que as atitudes no âmbito social influenciam o pro-
fissional e vice-versa.

28 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Essa última perspectiva é a base da estratégia da empresa. É nela que estão sendo desenvol-
vidas as competências dos recursos humanos para que esses sejam articulados de forma a
proporcionar a vantagem competitiva da empresa. O mapa a seguir resume a estratégia da
empresa.

Desenvolvendo as capacidades dinâmicas


Os principais recursos internos da e-projeti estão concentrados nas competências dos seus
recursos humanos, que por meio da experiência técnica, da inteligência comercial e do foco
estratégico foram capazes de alavancar o negócio e construir esse novo modelo de negócio,
antes só passível de ser adotado por empresas de TI de grande porte. Tais competências fo-
ram potencializadas pela sinergia das competências individuais que transcendem a simples
execução de tarefas e rotinas.

• Experiência técnica: a experiência dos sócios nos diferentes níveis da TI (manuten-


ção, suporte, programação, desenvolvimento de produto e desenvolvimento de projetos)
foi um fator-chave para a alavancagem do novo modelo de negócio. Tal experiência é
compartilhada com demais colaboradores, replicando o conhecimento dentro da em-
presa por meio de seminários e de um sistema de base de conhecimento (Wiki), for-
mando assim uma equipe com alto grau de capacidade técnica.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 29


• Inteligência comercial: a inteligência comercial é um misto entre a rede de relacio-
namento dos sócios e a ferramenta de gestão online, que engloba o CRM e a Gestão
Estratégica.

• Foco estratégico: o foco estratégico está agregado à habilidade de planejamento e exe-


cução dos gestores. A empresa entende que para sobreviver em um mercado dinâmico
como o de TI é preciso muito mais do que ter bons produtos, é preciso enxergar a em-
presa de forma sistêmica, ter um planejamento estratégico e saber colocá-lo em prática.

Além das competências dos recursos humanos, o plano estratégico apontou alguns proces-
sos elencados como prioritários para a organização da empresa e para o desenvolvimento
das suas capacidades dinâmicas. Esses processos estão relacionados aos recursos e às capa-
cidades que vêm a integrar, coordenar, reconfigurar e transformar os ativos da empresa em
fontes valiosas de vantagem competitiva. São eles:

• Captação e retenção de talentos: os recursos humanos são vitais para o sucesso da


empresa, principalmente por se tratar de uma empresa de serviços em que a inteligência
e as competências humanas são consideradas seu bem mais valioso. Assim, tão impor-
tante quanto captar uma mão de obra qualificada é propiciar um ambiente que incentive
seu crescimento e sua permanência duradoura na empresa.

• Plano de desenvolvimento de carreira: esse processo é complementar ao anterior e


demonstra que a empresa está comprometida com a carreira dos seus colaboradores,
apontando, de forma clara e objetiva, aonde cada um pode chegar dentro da organiza-
ção. Como subsídio para o processo de desenvolvimento de carreira a empresa adotou
uma ferramenta de avaliação de desempenho, que será aplicada anualmente.

• Mix de produtos e serviços: esse processo foi estruturado levando em consideração


vários aspectos, como demanda de mercado, tendências tecnológicas, porte de cliente,
custos da e-projeti, custos para o cliente, entre outros.

• Desenvolvimento da estratégia de vendas: esse processo consistiu em definir e estru-


turar o formato da área comercial, desde a capacitação dos colaboradores nos produtos,
serviços e ferramenta de CRM, até políticas de remuneração e rotinas de reuniões en-
tre a equipe comercial, e em desenvolver uma estratégia de atenção contínua aos clien-
tes que engloba desde as pesquisas de satisfação até contatos em datas comemorativas,
como aniversário da empresa, do diretor, títulos do time de futebol preferido, etc.

• Desenvolvimento da estratégia de serviços: trata-se de um processo crítico para a


empresa, pois a área de serviços da e-projeti exige uma equipe tecnicamente capacitada
e alinhada de acordo com os níveis de complexidade da área, que estão subdivididos
em Helpdesk, Servicedesk, Missão Crítica, Desenvolvimento de Sistemas e Gestão de
TI. Cada uma dessas subáreas necessita de processos e procedimentos detalhadamente
especificados para garantir que o atendimento seja realizado com agilidade, eficácia e

30 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


dentro do padrão de qualidade exigido e para garantir a melhor eficiência operacional
da equipe de serviço.

Dessa forma, entende-se que, a partir da mobilização dos recursos e da estruturação reali-
zada por meio de processos estratégicos, a empresa desenvolveu suas capacidades dinâmi-
cas, dentre as quais se pode destacar a capacidade de antecipar as necessidades dos clientes e
transformá-las em oportunidades de negócio, desenvolvendo produtos e serviços inovado-
res que atendam a tais necessidades.

A ideia de inovação é muito presente dentro da empresa, pois se sabe que esse setor é muito
dinâmico e que as mudanças ocorrem muito rapidamente. Por isso a constante preocupação
em buscar novas soluções que garantam um resultado positivo e sustentável. Contudo, sabe-
-se que para uma inovação ter sucesso ela deve ser aceita pelo mercado. Então, a capacidade
de ler esse mercado e, assim, conseguir antecipar as necessidades dos clientes é essencial
para que a empresa tenha sucesso.

Existem ainda outros fatores que contribuem para o desenvolvimento dessas capacidades,
como a habilidade de fazer escolhas estratégicas e a habilidade de adaptar-se rapidamente
às mudanças do ambiente, além de criar um ambiente voltado à inovação. Tais habilidades
são observadas na trajetória de empreendedorismo dos sócios da e-projeti que, desde 2002,
vêm empreendendo em TI, sempre buscando diferenciais para se manterem competitivos
no mercado, o que culminou nesse novo modelo de negócio.

Outro fator importante para o desenvolvimento das capacidades dinâmicas da e-projeti é


o fato de ela estar instalada em um parque tecnológico que estimula a cooperação entre as
empresas, gerando um ambiente de troca e compartilhamento de conhecimentos, além de
incentivar sistematicamente a inovação nas empresas que ali habitam.

Para reflexão
1) Na sua percepção, uma empresa startup é mais suscetível a mudanças e a correr ris-
cos do que uma empresa já estabelecida no mercado?

2) Além dos elementos citados nesse estudo, você visualiza outros fatores que podem
influenciar no desenvolvimento da e-projeti?

3) A existência de capacidades dinâmicas garante que a empresa terá uma vantagem


competitiva sustentável?

NA TRILHA DOS PROCESSOS 31


Caso 5

Fras-le: o sistema corporativo


de inovação como base para a
competitividade e internacionalização
das empresas brasileiras

Alexandre Garcia
Junico Antunes

Os desafios impostos às empresas brasileiras são crescentes e cada vez mais


complexos. Nas últimas duas décadas, além do aumento da concorrência no
mercado interno, as organizações passaram a se estruturar visando competir
no âmbito mundial. Uma empresa que busca a internacionalização precisa
elevar substancialmente seus níveis de competitividade.

Dentre os fatores importantes no processo de aumento da competitividade


ganha ênfase o papel da inovação. Nesse cenário, é importante a identifica-
ção de empresas que inovam visando elevar seus padrões de competitividade
e, assim, desenvolvem estratégias de internacionalização. Nesse contexto, é
apresentada a Fras-le, empresa que foi objeto de estudo dos autores desse case
e que apresenta aspectos didáticos e inspiradores.

A FRAS-LE foi fundada em 1954 em Caxias do Sul/RS por Francisco Stedile


e sócios. No ano de 1995, a empresa passou a ser controlada pela Randon
Implementos e Participações S.A., que atualmente possui sob sua tutela mais
oito empresas (www.randon.com.br).
A empresa produz materiais de fricção, como pastilhas, lonas e sapatas para freios. As mar-
cas Fras-le e Lonaflex estão presentes na África do Sul, Alemanha, Argentina, Chile, China,
Emirados Árabes, Estados Unidos e México.

No ano de 2009, as exportações da empresa representaram 14% de seu faturamento, e a re-


ceita no mercado externo (faturamento fora do Brasil) representou outros 30%, totalizando
44% do faturamento total da empresa − um número interessante sob a ótica da internacio-
nalização da empresa.

A gestão da organização é estruturada em torno do Sistema de Gestão Fras-le (SGF), que por
sua vez é gerenciado por meio do sistema de indicadores. Esse sistema de gestão (SGF) tem
como pilar conceitual o método PDCA (Plan, Do, Check, Action), que é a base conceitual
da área do conhecimento denominada Gestão pela Qualidade. Algumas das certificações
e premiações da empresa são: ISO 9001, ISO 14001, QS 9000, troféus bronze, prata, ouro
e diamante do PQRS – Prêmio de Qualidade do Rio Grande do Sul, troféu PNQ – Prêmio
Nacional da Qualidade em 2007 e Prêmio FINEP de Inovação Tecnológica 2007 (Fundo de
Financiamento de Estudos e Projetos), além de diversos outros reconhecimentos desse tipo.

A FRAS-LE é uma empresa inovadora desde sua fundação e atualmente é possível identi-
ficar que a inovação ocorre por meio de três subsistemas: i) P&D – Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento, ii) SPF – Sistema de Produção Fras-le e iii) inovação industrial.

Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)


O surgimento do P&D na Fras-le, em 1974, se deu sob influência de um empreendedor ino-
vador: um engenheiro belga que foi contratado em 1971 e que passou a organizar o desen-
volvimento de produtos. Pessoas que vivenciaram essa época afirmam que esse engenheiro
era um visionário que fez grande esforço para mostrar à Fras-le que a sobrevivência em um
setor dinâmico e competitivo como o da indústria automobilística exigia contínuos e ex-
pressivos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).

Atualmente, fazem parte do P&D os laboratórios químico, piloto e físico/produto. Os recur-


sos dos laboratórios são utilizados de forma matricial e as respectivas funções são:

• laboratório químico: especificar e buscar novas matérias-primas, analisar produtos,


desenvolver a concepção básica dos produtos;

• laboratório piloto: fabricar os protótipos;

• laboratório físico/produto: testar os produtos.

A Figura 1 explicita o funcionamento do P&D:

34 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Figura 1 Funcionamento do P&D.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em relatos obtidos na empresa.

Outra etapa de responsabilidade do P&D são os testes práticos, que ocorrem na Fras-le des-
de 1971. Inicialmente, esses testes eram feitos em pistas externas, porém, com um investi-
mento das empresas do Grupo Randon, foi construída uma pista de provas, inaugurada em
2009, que serve à maioria das empresas coirmãs.

SPF – Sistema de Produção Fras-le


Até 2006, a Fras-le tinha diversas práticas de gestão, ferramentas, técnicas em diferentes
estágios de maturidade. O problema identificado era que nem sempre esses mecanismos
de gestão estavam alinhados entre as diferentes fábricas. Por exemplo, uma determinada
ferramenta poderia funcionar muito bem em uma planta fabril e não funcionar em outra.
Muitas vezes isso ocorria simplesmente porque o conhecimento dessas práticas, ferramentas
e conceitos não era homogêneo entre as fábricas. Outras vezes eram observadas dificuldades
na implantação e na manutenção de determinadas ferramentas.

Tentando equacionar esse problema e, com isso, alavancar a competitividade da empresa,


surgiu o SPF – Sistema de Produção Fras-le.

Há duas imagens didáticas e metafóricas referentes à situação anterior e posterior ao SPF. Na


Figura 2, há diversas metodologias, ferramentas, técnicas e práticas de gestão já existentes
antes da implementação do SPF.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 35


Figura 2 Técnicas de gestão antes do SPF.
Fonte: Material fornecido pela empresa.

Já na Figura 3 constam as mesmas metodologias, ferramentas, técnicas e práticas de gestão


agrupadas, contextualizadas e acrescidas de novos conceitos que representam o pós-SPF. Ou
seja, ocorreu um alinhamento, expressado metaforicamente pelo quebra-cabeça.

Figura 3 Técnicas de gestão com o SPF.


Fonte: Material fornecido pela empresa.

As Figuras 2 e 3 representam, grosso modo, o aspecto prático e operacional do SPF. Entre-


tanto, há fatores conceituais e estratégicos nesse “guarda-chuva” da gestão da produção da
Fras-le, isto é, o SPF foi construído tendo por principais bases os conceitos de unidades de
negócio (derivados do trabalho proposto por Skinner em 1974), produção enxuta (Sistema
Toyota de Produção) e teoria das restrições (a partir dos estudos de Eliyahu Goldratt).

O principal objetivo do SPF é a melhoria organizacional contínua visando atingir simulta-


neamente o aumento da lucratividade, a redução dos desperdícios, o aumento da eficiência
operacional e o incremento da cultura de fazer mais com menos.

36 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


O modelo esquemático do SPF está apresentado na Figura 4:

Figura 4 Modelo do SPF.


Fonte: Material fornecido pela empresa.

O SPF funciona de forma matricial, a partir da adoção das unidades de negócio. Assim, as
pessoas que estão alocadas em suas respectivas áreas de trabalho, ao utilizarem metodolo-
gias e ferramentas visando à melhoria contínua, estão praticando o SPF.

Inovação industrial
Outra vertente de inovação na Fras-le é denominada pela empresa como inovação industrial.
Esta prática de gestão da inovação começou a ser estruturada em 2007 em função da neces-
sidade de um sistema mais formal de gerenciamento das inovações. Ou seja, antes da inova-
ção industrial, as ideias surgiam, porém eram desenvolvidas de forma pontual e esporádica.

Durante a montagem do sistema, após análise dos diversos conceitos de inovação, a empresa
gerou seu conceito próprio de inovação industrial, a saber: “a inovação industrial é a busca,
descoberta, experimentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, novos
processos e novas técnicas organizacionais, que produzam resultados econômicos”.

Um dos objetivos da inovação industrial é criar e capturar valor. Para tanto, são considera-
dos aspectos como aumento da receita, redução de custos, diminuição do risco e aceleração
do retorno sobre investimentos. Os principais focos são novos processos de fabricação e
novas tecnologias.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 37


O subsistema de inovação industrial é descrito como um conjunto de ações no sentido de
liderar e institucionalizar a geração, avaliação, priorização, criação de protótipo e validação
de ideias. O foco da inovação industrial são as inovações semirradicais e radicais.

O subsistema de inovação industrial é gerenciado por um engenheiro especialista em inova-


ção com função de staff que atua de forma matricial. As inovações são geridas por diversos
colaboradores, de diferentes áreas, dependendo das características de cada caso. É aplicado
um sistema de “apadrinhamento” em que cada ideia, após passar pelos estágios iniciais, se
transforma em um projeto, sendo que cada projeto possui um responsável. A rotina da ino-
vação industrial funciona seguindo as etapas representadas na Figura 5:

Figura 5 Etapas da inovação industrial.


Fonte: Material fornecido pela empresa.

Sistema Corporativo de Inovação


Entre 2008 e 2010, a Fras-le foi alvo de pesquisa dos autores desse case. Como prisma teórico
para o entendimento da inovação na empresa foi utilizado o Sistema Corporativo de Inova-
ção – SCI. Esse modelo abrange oito variáveis: conceitos/objetivos, estratégia, estrutura or-
ganizacional, gestão da inovação, indicadores, comunicação, gestão do conhecimento para
inovação e relacionamento externo. A Figura 6 representa esse modelo:

38 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


SCI - Sistema Corporativo de Inovação

Gestão da
Gestão do conhecimento
Relacionamento externo

inovação
para inovação

Comunicação
Indicadores

Estrutura
Estratégia
organizacional

Conceito / objetivo

Figura 6 Sistema Corporativo de Inovação.


Fonte: Garcia, A.S. O Sistema Corporativo de Inovação/dissertação de mestrado – Unisinos, 2010.

Conclusão
O caso Fras-le é interessante para o debate sobre inovação e gestão de empresas por alguns
motivos. O primeiro deles é que na Fras-le a inovação ocorre de diferentes maneiras (ou
seja, de forma plural) inter-relacionadas e sob um guarda-chuva mais amplo intitulado de
Sistema de Gestão Fras-le (SGF). Ou seja, o P&D com processos formais de pesquisa e de-
senvolvimento de materiais gera novos produtos para a empresa. O SPF, através da unifica-
ção de conceitos, métodos e ferramentas da gestão pela qualidade e da engenharia de produ-
ção, contribui para a geração de melhorias incrementais. Já a inovação industrial possui um
processo mais formalizado de gestão de ideias, que viram projetos e passam por um circuito
de desenvolvimento para a geração de inovações de processo. A análise do caso Fras-le pro-
porciona uma reflexão no sentido de que a inovação pode ocorrer, simultaneamente, sob
várias óticas e perspectivas.

Outro aspecto interessante de analisar no caso Fras-le é que foi identificada uma oportu-
nidade de melhoria no sistema de inovação. Na pesquisa de campo, houve a percepção de
que os três subsistemas de inovação (P&D, SPF e inovação industrial) têm interação com o
planejamento estratégico da empresa e, também, com o Sistema de Gestão Fras-le – SGF. No
entanto, foi identificado que a interação entre os três subsistemas (P&D, SPF e inovação in-
dustrial) pode ser consideravelmente melhorada. Com isso, a empresa poderia discutir uma
forma de integrar mais os subsistemas de inovação e, assim, os fortalecer ou talvez criar o
seu próprio sistema corporativo de inovação. A Figura 7 traz a representação das interações
citadas anteriormente:

NA TRILHA DOS PROCESSOS 39


Figura 7 Interação entre subsistemas de inovação, planejamento estratégico e SGF.
Fonte: Elaborado pelos autores com base em relatos obtidos na empresa.

A análise do caso Fras-le apresenta indícios de que os subsistemas de inovação, vinculados


a um sistema de inovação integrado, são uma lógica essencial para a competitividade das
empresas. É notório que, mesmo com oportunidades de melhoria, a inovação na Fras-le é
responsável por parte dos resultados da empresa, pois ajuda a alavancar a competitividade
da organização. Esse bom nível de competitividade pode ser verificado através dos resul-
tados de 2009, em que 44% do faturamento da empresa ocorreu de forma vinculada ao
mercado externo. Ou seja, no caso Fras-le, percebe-se que a inovação gera competitividade,
que por sua vez é um elemento crucial para a internacionalização sustentável das empresas
brasileiras.

40 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Caso 6

Gestão para Inovação e Liderança:


inovação no processo de ensino
superior brasileiro

Gustavo S. Borba

Contexto
A formação superior, considerando o paradigma das competências e não o
foco em conteúdo é um dos principais desafios que as universidades preci-
sam enfrentar.

Paralelo a este processo, a evolução das tecnologias tem empregado uma di-
nâmica distinta em sala de aula, da que existia no paradigma analógico. As
novas ferramentas digitais, o conceito de web 2.0 e a consequente mudança
no protagonismo do processo de ensino e aprendizagem reforçam a impor-
tância de um paradigma de ensino que preconiza a troca, a prática e a cons-
trução do conhecimento coletivamente. Considerando estas questões, Levy
(1999) constata uma necessidade atual de diversificação e de personalização,
pois “os indivíduos toleram cada vez menos seguir cursos uniformes ou rí-
gidos que não correspondem as suas necessidades reais e à especificidade de
seu trajeto de vida” (p. 169).

É nesse contexto que se insere o modelo de graduação proposto, ainda em


2002, pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Denominado inicialmente
de graduação de referência, o modelo tinha como principal objetivo a forma-
ção por competências e a quebra da tradição disciplinar dos cursos de graduação. O presente
texto descreve esta experiência, buscando ampliar a reflexão sobre os processos de inovação
curriculares, com ênfase na formação por competências.

A universidade
A Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) é mantida pela Associação Antônio
Vieira, da Companhia de Jesus, a ordem dos jesuítas fundada por Santo Inácio de Loyola.
Entre as maiores universidades privadas do Brasil, concentra, no câmpus, em São Leopoldo
(RS), cerca de 25 mil estudantes em cursos de graduação, pós-graduação e extensão. Tam-
bém integra uma rede de 200 instituições de ensino superior jesuítas, com 2,2 milhões de
alunos no mundo todo.

A Unisinos já diplomou cerca de 63 mil estudantes, cuja formação espelha as grandes opções
estratégicas da instituição: transdisciplinaridade, educação por toda a vida e desenvolvimen-
to regional.

Reconhecida atualmente como a melhor universidade privada da região Sul (MEC, 2009), a
Unisinos possui:

• 59 cursos de graduação

• 291 projetos de pesquisa em andamento

• 45 especializações

• 19 mestrados

• 10 doutorados

Dentro da visão de ser protagonista na construção do conhecimento, a unisinos tem promo-


vido ações inovadoras no campo da educação que atendam as necessidades da sociedade e
a missão institucional de formação integral da pessoa humana. Nesse contexto, em 2002 a
universidade realizou seu planejamento estratégico, construindo um projeto especifico para
o desenvolvimento de novos cursos, a partir de um paradigma construtivista.

Este processo deu origem a um grupo de cursos, reconhecidos nacionalmente como exem-
plo de inovação, são eles:

• Administração – Gestão para Inovação e Liderança

• Design

• Comunicação Digital

42 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


• Realização Audiovisual

• Engenharia da Computação

Construção de um novo modelo de graduação:


curso de gestão para inovação e liderança
Destaca-se neste estudo o curso de Gestão para inovação e liderança, reconhecido por pro-
fessores das principais escolas de gestão do país como um exemplo de inovação em prece-
dentes em nossas universidades.

Dentre os pressupostos teóricos do curso, destacam-se os seguintes pontos, descritos por


Saft et al., 2002:

A) priorização do processo de desenvolvimento formativo;

b) aprendizagem como um movimento que envolve o ensinar e o aprender em um pro-


cesso de co-responsabilidades entre os sujeitos envolvidos – professores, parceiros, aca-
dêmicos etc;

c) comprometimento direto com a realidade: inserção regional, vinculação com o mun-


do do conhecimento e do trabalho e educação por toda a vida; concepção epistemológi-
ca que rompa com o tradicional, priorizando metodologias que provoquem a necessária
tensão estrutural e disciplinas requeridas para o envolvimento em pesquisa, no desen-
volvimento de programas de aprendizagem, na resolução de problemas, entre outras;

e) uma integração de atividades formativas fortemente vinculadas com o saber, o fazer,


o ser e o conviver;

f) vinculação com projetos sociais.

Além dos pressupostos descritos anteriormente, o modelo de ensino-aprendizage, faz uso de


uma dinâmica processual, realizada através dos programas de aprendizagem.

Segundo Saft et al (2002) os cursos deveriam considerar o seguinte processo:

“O movimento do processo formativo caracteriza-se por ser em espiral, de modo que a orga-
nização do curso, das propostas didático-pedagógicas e do processo cognitivo sigam um ca-
minho ascendente, contínuo e aberto a articulações, iniciativas e contribuições individuais e
coletivas, inspirado e permeado pelo MAGIS. A figura exposta a seguir expressa, de forma
gráfica, a representação desse processo.”

NA TRILHA DOS PROCESSOS 43


Movimento
do processo
formativo do
curso

Missão
Credo
Inserção regional
Parcerias
fonte de luz Demanda identificada

Figura 1 Movimento do processo de desenvolvimento do curso.


Fonte: Saft ET AL (2002)

A estruturação por Programas de Aprendizagem como uma nova base de organização cur-
ricular acaba por susbistituir o sistema tradicional de disciplinas. Cabe ainda reforçar que
a base para a contrução dos programas não é o conteúdo e sim os campos de problemas da
realidade ou as competências necessárias ao perfil do profissional em formação.

Os programas de aprendizagem possuem uma dinâmica orgânica, sendo permite que os


mesmos sejam:

“...(re)projetados no decorrer do processo de aprendizagem, de acordo com as particu-


laridades dadas pela turma, pelo contexto, pelas demandas e pelo surgimento de novos
conhecimentos. Esses Programas são executados a partir de orientação epistemológica
e metodológica que cause a tensão estrutural necessária e permanente para dar conta
da formação do profissional desejado, subsidiando a construção do conhecimento.”
Saft ET all (2002)

A seção a seguir descreve o processo de desenvolvimento do curso de Gestão para Inovação


e Liderança, a partir da concepção proposta na presente seção.

Gestão para inovação e liderança – processo


de desenvolvimento do curso
Para a construção do projeto político pedagógico do curso, foram utilizadas diferentes for-
mas de coleta de dados, considerando todos os interessados no processo, a saber: professo-
res, alunos, empresas e universidade.

44 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


Dentre os instrumentos de coleta, destacam-se:

• Grupo de foco com egressos do ensino médio, buscando identificar o curso ideal na
área de administração

• Pesquisa nos principais periódicos internacionais, buscando identificar quais os eixos


formativos e competências em discussão e considerados diferenciais

• Reuniões e entrevistas com empresários da região, buscando identificar as necessida-


des do mercado

• Reuniões com pareces, na universidade e em diferentes instituições para análise dos


modelos utilizados no país

• Análise de cursos inovadores em áreas distintas, para a identificação das melhores


práticas

A partir deste processo, foi percebida a necessidade de construção do curso a partir de uma
unidade curricular distinta das tradicionais disciplinas, que preconizam o conteúdo. Nesse
contexto, buscou-se a construção de programas de aprendizagem, os quais caracterizam-se,
no curso em questão, como (Borba, Silveira, Faggion, 2003):

• a base da organização curricular. Substituem o sistema tradicional de disciplinas se-


mestrais

• constituídos a partir da compreensão dos problemas da realidade, ou de habilidades

• e competências necessárias ao perfil esperado do egresso;

• executados a partir de orientação epistemológica e metodológica que provoque uma


tensão estrutural permanente para dar conta da formação do profissional desejado, sub-
sidiando a construção do conhecimento;

• um metodologia baseada em processos de interação, possibilitando colaboração, coo-


peração, respeito mútuo e solidariedade interna

Cabe salientar que os programas de aprendizagem, enquanto base curricular, possuem uma
forte correlação interna (atividades do programa) e externa (relação com os demais pro-
gramas de aprendizagem do curso). Nesse contexto a aprendizagem é compreendida como
processual e vivencial, crescendo em complexidade à medida que os alunos avançam em seu
plano curricular.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 45


O currículo na prática
Para alcançar os resultados esperados, durante os 7 primeiros anos de funcionamento do
curso, diferentes metodologias e ferramentas foram utilizadas. Cabe destacar algumas delas,
para que possam servir como referência para futuras inovações e mudanças curriculares.

Estudos de caso – os estudos de caso envolvem aspectos teóricos (casos internacionais ana-
lisados em aula), bem como aspectos práticos (empresas que disponibilizam problemas que
devem ser solucionados pelos alunos)

Oficinas – uma das principais metodologias utilizadas no curso é o espaço para aprofunda-
mento de necessidades específicas, denominado de oficina. Estes espaços são utilizados para
apoio ao desenvolvimento de projetos específicos. Destaa-se a existência, no plano curricu-
lar, de oficinas temáticas (envolvem um tema, disciplina ou conjunto de saberes específicos)
e as oficinas articuladoras (espaços para facilitar a articulação de conhecimentos)

Seminários – os seminários caracterizam-se como encontros destinados para que os sujei-


tos envolvidos no processo apresentem e discutam cientificamente investigações ou experi-
mentos realizados.

Reuniões de (re)planejamento e acompanhamento – as reuniões de planejamento e acom-


panhamento são fundamentais para a construção processual proposta pelo curso. Nestes es-
paços, periodicamente, os professores discutem questões do curso que envolvem a evolução
dos alunos. Alem disso, são realizadas reuniões entre os coordenadores de Pas e os alunos,
para ajustes e acompanhamento da evolução do curso

Espaço aberto – na grade curricular existe a flexibilidade para a discussão de conhecimen-


tos de ponta ou mesmo para a realização de atividades alternativas, não planejadas anterior-
mente. Os espaços abertos são um importante pulmão do curso, permitindo a ampliação das
competências dos alunos, e respeitando as características especificas de cada turma.

As características expressas nesta seção podem ser percebidas como elementos fundamen-
tais para a formação por competências. A seção a seguir descreve este processo.

Formação por competências


Considerando a formação por competências e o paradigma vigente nas instituições de ensi-
no superior, percebe-se a existência de importantes diferenciais no curso em análise.

Pode-se destacar os seguintes pontos (adaptado de Fonseca e Daudt, 2007):

46 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


1. Foco em competências chave
• Desenvolvimento de competências em inovação e liderança: o curso possui dois eixos
temáticos que perpassam todas as atividades acadêmicas. Estes eixos, denominados ino-
vação e liderança, são o fio condutor da formação dos alunos

• Formação em língua inglesa: a competência de uso de uma língua estrangeira é funda-


mental no curso.

• Ênfase em comunicação e expressão: A competência de comunicação e expressão é


fundamental para os egressos do ensino superior, nesse sentido, o curso busca reforçar
estas competências, através de atividades acadêmicas e de consultoria

2. Habilitadores para a formação por competências


• Integração entre diferentes áreas: o processo de ensino é concebido a partir de uma
unidade acadêmica denominada programa de aprendizagem rompendo com a com-
preensão de disciplinas. Dessa forma, o processo de formação por competências é prio-
rizado, a partir de problemas práticos e teóricos.

• Intercâmbios Internacionais: o intercambio internacional é compreendido como uma


atividade acadêmica na qual os alunos compreendem diferentes culturas e reforça não
só o aspecto técnico da formação, mas a compreensão da formação integral

• Convergência Digital: o publico que busca o presente curso faz parte das gerações que
nasceram mais próximas do ambiente digital (geração Y e geração z – nativos digitais).
Nesse sentido, a construção de espaços de aprendizagem além da sala de aula é fundamen-
tal. No curso, além das ferramentas de web 2.0 utilizadas pelos professores, dependendo
da atividade, é utilizada a plataforma Moodle, para a realização de atividades à distância
– não presenciais. Além disso, todos os alunos recebem no inicio do curso um notebook e
utilizam uma estrutura com internet sem fio para apoio didático as atividades.

• Integração com empresas: o curso possui convênios com empresas da região, as quais
são percebidas como locais de aprendizagem. Além disso, nas diferentes atividades dos
programas de aprendizagem, os empresários podem levar sua empresa como estudo de
caso para análise, ou provocar os alunos com desafios que a empresa precisa dar conta,
como a construção de um projeto de internacionalização.

• Pesquisa: a unisinos possui um programa de pós-graduação em administração com


grande reconhecimento, no mestrado e doutorado. Além disso, possui um pós-gradua-
ção em educação, conceito Capes 6, sendo uma das referencias nacionais. Nesse sentido,
a pesquisa apóia o desenvolvimento das atividades do curso nos diferentes níveis.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 47


• Processo de avaliação dos alunos no curso: o processo avaliativo é processual, e com
constante feedback para os alunos. A avaliação do programa de aprendizagem é global e
consolidada a partir de reuniões periódicas dos professores. O Aluno é percebido como
ser integral e são avaliadas suas competências, como um todo. Além disso, o aluno rece-
be um parecer descritivo, apresentando como foi seu processo de aprendizagem consi-
derando as diferentes competências do programa

• Acompanhamento individualizado: as alunos são acompanhados, individualmente,


durante o curso. Dessa forma, pode-se avaliar como está ocorrendo o desenvolvimen-
to das competências, em cada um, o que permite que diferentes ações, personalizadas,
sejam tomadas. Alem disso, o processo de avaliação envolve a entrega do parecer indi-
vidual aos alunos, pelo coordenador do programa de aprendizagem, o que permite que
uma reflexão conjunta sobre o processo – coordenador e aluno – seja feita.

Referências
ANDREOLA, Balduino Antonio. Interdisciplinaridade na obra de Freire: uma pedagogia
da simbiogênese e da solidariedade. In: STRECK, Danilo; REDIN, Euclides; MÄDCHE,
Flávia (orgs.) et al. Paulo Freire. “Ética, utopia e educação. Petrópolis”: Vozes, 1998.

BORBA, Gustavo Severo de; SILVEIRA, Teniza da; FAGGION, Gilberto. Praticando o que ensinamos:
inovação na oferta do curso de graduação em Administração – Gestão para Inovação e Liderança da
UNISINOS. Anais do XXVIII EnANPAD, Curitiba, 2004
BORBA, Gustavo Severo de; SILVEIRA, Teniza da; FAGGION, Gilberto. Praticando o que ensinamos:
inovação na oferta do curso de graduação em Administração – Gestão paraInovação e Liderança da
UNISINOS. Organizações e Sociedade, v. 12, n. 35, p. 165-182. Escola de Administração da Universi-
dade Federal da Bahia, Out/Dez, 2005
UNISINOS. Projeto do Curso de Administração: Gestão para Inovação e Liderança. Centro de Ciên-
cias Econômicas, São Leopoldo: 2002a.
BRASIL, MEC. As Novas Diretrizes Curriculares que Mudam o Ensino Médio Brasileiro, Brasília,
1998.
CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FAGUNDES, L.C.; SATO, L.S.; MAÇADA, D.L. Aprendizes do futuro: as inovações
começaram! Coleção Informática para a Mudança na Educação. MEC, 1999.
HERNADES, F., & VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1997.
KOLVENBACH, SJ. Peter-Hans. A pedagogia inaciana hoje. In: Pedagogia inaciana:
uma proposta prática. Trad. Pe. Mauricio Ruffier, S.J. São Paulo: Loyola, 1994.
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. Ed. 34, 1993.

48 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


LÉVY, P. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999.
MORIN, Edgar. A religação dos saberes: o desafio do século XXI. Rio de janeiro:
Bertrand Brasil, 2001.
______. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de
janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
______. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo:
Cortez, Brasília, DF: UNESCO, 2000.
SCHLEMMER, Eliane. AVA: Um ambiente virtual de convivência interacionista
sistêmico para comunidades virtuais na cultura da aprendizagem. 2002. 370f. Tese
– Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, UFRS, Porto Alegre.
SAFT, Emi M. S. et al. Princípios e pressupostos norteadores para a construção de
uma nova graduação. São Leopoldo: Unisinos, 2002.

Para reflexão
1) O curso denominado de graduação de referência da Unisinos surgiu para atender a
necessidade de um contexto. Você concorda com essa necessidade! Justifique. Quais são
as competências demandadas neste contexto?

2) Explique a dinâmica processual do modelo de ensino e aprendizagem do novo mo-


delo de graduação: curso gestão para inovação e liderança. Cite as diferenças entre este
novo modelo de ensino e aprendizagem e o modelo tradicional.

3) Apresente o processo de construção do curso gestão para inovação e liderança, des-


tacando os principais pontos.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 49


Caso 7

Pipe-in-pipe Canapu: um projeto de


sucesso para o escoamento do gás da
bacia do Espírito Santo

Cristina Orsolin Klingenberg


Frederico Paro

A Petrobras, sociedade anônima de capital aberto cujo maior acionista é o go-


verno brasileiro, foi fundada em 1953 pelo então presidente Getúlio Vargas,
com o objetivo de desenvolver a indústria do petróleo no país. Ao longo dos
seus 56 anos, a empresa experimentou um grande crescimento, passando a
atuar em diversos setores de energia: exploração e produção, refino, comercia-
lização e transporte de óleo e gás natural, petroquímica, distribuição de deri-
vados, energia elétrica, biocombustíveis e outras fontes renováveis de energia.

Atualmente está presente em 28 países e, em 2009, teve um lucro de mais de


US$ 15 bilhões. Com as recentes descobertas de petróleo na camada pré-sal,
a empresa se prepara para um novo salto: de 2009 a 2013 prevê investimentos
de mais de US$ 220 bilhões a serem alocados em diversos projetos das suas
unidades de negócio, em consonância com as prioridades e programas do
governo.

Um desses programas, o PLANGAS (Plano de Antecipação da Produção de


Gás), tem o objetivo de aumentar a produção e escoamento de gás pela Pe-
trobras, reduzindo a dependência brasileira do mercado externo.
O projeto Canapu compõe essa carteira, tendo sido concluído em 2009 com pleno sucesso
no atendimento aos quatro direcionadores estratégicos do projeto: o escopo, o custo, o prazo
e a qualidade. Este estudo de caso procura analisar os fatores que contribuíram de forma
decisiva para o alcance dos objetivos propostos.

Gerenciamento
A área de engenharia da Petrobras, através da Gerência de Implementação de Empreen-
dimentos para Dutos Submarinos – IEDS, foi responsável pela determinação da estratégia
para condução do empreendimento, pela sua abordagem junto ao mercado fornecedor de
bens e serviços e, consequentemente, pelo gerenciamento de sua implementação. Definida a
forma de condução do projeto, as principais atividades desenvolvidas pela área de gerencia-
mento de projetos e contratos da Petrobras ficaram pautadas na integração entre as diversas
áreas afetadas e relacionadas ao projeto, bem como no desenvolvimento do contrato em
todas as suas frentes de trabalho − a fiscalização do contrato.

De acordo com o Manual de Gestão da Engenharia da Petrobras – MAGES –, as diretrizes


do processo de gerenciamento e fiscalização de contratos são:

Diretrizes para o Processo de Gerenciamento e Fiscalização de Contratos

a) assegurar o cumprimento do escopo contratual e requisitos contratuais e legais;


b) assegurar a gestão de interfaces relacionadas com o contrato, com o mapeamento
das partes interessadas (clientes, fornecedores, instituições públicas, etc.), estabe-
lecendo procedimentos de interação;
c) preservar a responsabilidade legal da Companhia quanto a não existência de passi-
vos trabalhistas, legais e ambientais;
d) assegurar o adequado fluxo e tratamento de toda a documentação do contrato;
e) atender os indicadores corporativos;
f) assegurar o registro das ocorrências contratuais;
g) aplicar os procedimentos do Sistema de Gestão Integrado pertinentes ao gerencia-
mento do contrato;
h) utilizar preferencialmente os sistemas informatizados corporativos, citados neste
capítulo, para o processo de gerenciamento e fiscalização de contratos;
i) aplicar a Metodologia de Gerenciamento de Riscos para levantar e planejar as
ações mitigadoras;
j) utilizar-se das lições aprendidas, boas práticas, pontos de atenção e das experiên-
cias das gerências e das equipes de fiscalização de contratos similares.

Fonte: Manual de Gestão da Engenharia PETROBRAS – MAGES

Para a realização dos serviços foi contratada uma empresa especializada em instalações
marítimas. O contrato foi do tipo EPCI (Engineering, Procurement, Construction and
Installation), no qual a contratada executa, diretamente e também através de subcontra-
tadas, o detalhamento de projeto, a compra dos equipamentos e materiais, a construção

52 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


e a instalação do gasoduto, enquanto a engenharia da Petrobras aprova e comenta cada
solução técnica proposta pela contratada, bem como fiscaliza todos os serviços de acor-
do com as condições contratuais e seguindo as diretrizes estabelecidas no MAGES.

Ao todo, trabalharam no projeto 35 empresas localizadas em diversos países, tais como:


França, Inglaterra, Estados Unidos, Escócia, além do Brasil. A complexidade do projeto,
caracterizada pelos aspectos citados, associada ao número expressivo de equipes envol-
vidas exigiu uma grande capacidade de coordenação da Petrobras e da contratada, e foi
exatamente esse o fator crítico para o sucesso do empreendimento. Na IEDS, uma equi-
pe constituída por cerca de 30 pessoas, distribuídas em diferentes níveis e atribuições,
foi responsável por esse trabalho.

Escopo
Consumido pelo mercado industrial, petroquímico, automotivo e residencial, térmico,
o gás é uma importante fonte de energia para o país. A demanda de gás na região Su-
deste do Brasil tem crescido de forma significativa nos últimos anos e tem sido suprida
pelo mercado internacional. Para reduzir a dependência externa e garantir o abasteci-
mento, é necessário o desenvolvimento de sistemas de coleta e escoamento. O projeto
do gasoduto de Canapu foi concebido para permitir a coleta do gás produzido no poço
submarino ESS-138, na bacia do Espírito Santo, a uma plataforma do tipo FPSO (Floa-
ting Production Storage and Offloading) aumentando assim a oferta de gás para a região
Sudeste do Brasil.

O projeto Canapu consistiu na instalação de um duto rígido submarino de aproxima-


damente 20 quilômetros de extensão e de dois PLETs (Pipeline End Terminal) – equipa-
mentos colocados nas duas extremidades do duto para permitir a conexão com tubos
flexíveis – em profundidades de 1600m e 1400m, conforme destacado na área pontilha-
da na Figura 01.

Figura 1 Sistema de coleta Canapu.

NA TRILHA DOS PROCESSOS 53


Implementação
O prazo estabelecido para a implementação do projeto foi de 620 dias, um prazo desafia-
dor considerando o caráter pioneiro do projeto − primeiro pipe-in-pipe instalado no Brasil
e primeiro pipe-in-pipe para escoamento de gás instalado no mundo −, o elevado grau de
isolamento térmico requerido, a profundidade de instalação, o método de instalação no mar
(reel-lay), tudo isto associado à diversidade, quantidade e complexidade das atividades a
serem desenvolvidas, a saber:

• detalhamento de projeto: elaboração dos procedimentos executivos e especificações


de materiais e equipamentos;

• aquisição de materiais: aquisição dos tubos e dos equipamentos, que precisam ser fa-
bricados de acordo com as especificações do projeto;

• construção e montagem: soldagem dos tubos e inserção de um tubo dentro de outro e


instalação dos acessórios nos tubos;

• instalação: lançamento do duto e dos equipamentos e testes.

Com um prazo exíguo, o cronograma foi definido com folga zero, tornando assim todas as
operações críticas. Nesse caso, qualquer desvio atrasaria a conclusão do projeto. A Petrobras
e sua contratada enfrentaram esse desafio com uma estratégia de fast tracking, ou seja, a
execução paralela de atividades que, em uma situação normal, seriam realizadas de forma
sequenciadas. Isso reduz a possibilidade de impacto do atraso de uma operação na outra,
mas aumenta sobremaneira a complexidade da gestão e o risco de perda da etapa concluída.

Com relação aos requisitos técnicos, o maior desafio foi atingir um altíssimo índice de iso-
lamento térmico do gasoduto para evitar que a temperatura do gás, ao fluir do poço até o
FPSO, caísse para valores que levassem à formação de hidrato, substância sólida que pode-
ria obstruir o gasoduto. A solução encontrada foi o pipe-in-pipe, um duto dentro de outro
com o espaço anular preenchido por um material isolante térmico. A queda de temperatura
deveria ser tão pequena que apenas um tipo de isolante poderia atender aos requisitos, o
aerogel, componente usado em satélites, carros de Fórmula 1 e naves espaciais.

Como o uso de pipe-in-pipe para gás em água profunda era algo inédito no mundo, ficou
evidente que, além do prazo menor que o usual para empreendimentos similares, o projeto
compreendia o desenvolvimento de novas tecnologias.

Nas fases iniciais de concepção de Canapu, foram criados grupos de trabalho multidiscipli-
nares para elencar os riscos de projeto e as estratégias de mitigação. Profissionais da área de
gestão de projetos, design, planejamento e controle, meio ambiente e segurança trabalharam
juntos para tratar de forma sistêmica as potenciais ameaças às metas estabelecidas. Nestes
fóruns, em vista do curto prazo e dos desafios técnicos, foi identificado que o projeto apenas

54 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS


seria bem sucedido se a interface técnica entre a Petrobras e a contratada fosse eficiente a
ponto de permitir a comunicação irrestrita e não burocrática entre as pessoas-chave do pro-
jeto, possibilitando a rápida solução de problemas. Para tanto, as formalidades deveriam ser
minimizadas, o que só era possível com uma relação de confiança entre os parceiros. Nesse
sentido, foi fundamental a decisão da contratada de designar um brasileiro como gerente
técnico, o que eliminou barreiras culturais e de comunicação e favoreceu o entendimento
entre as partes.

Nos primeiros meses após a assinatura do contrato, a equipe da Petrobras, liderada por um
profissional com perfil perfeccionista, discutiu com a contratada cada detalhe do projeto, o
que foi feito por meio de uma série de longas reuniões em que as hipóteses de trabalho eram
analisadas e testadas. Esse intenso envolvimento inicial fez que a contratada compreendesse
o grau de exigência com que o projeto seria gerenciado.

Cerca de um ano após a assinatura do contrato e concluída a fase de estruturação do projeto,


composta da identificação de riscos e oportunidades tanto de natureza técnica quanto ge-
rencial e do estabelecimento de ações e planos mitigadores dos riscos identificados, tornou-
-se oportuna a substituição do gerente do contrato por um profissional com uma visão mais
sistêmica, com foco maior nas relações interpessoais, que, combinada com o conhecimento
técnico, assegurou flexibilidade para implementar os ajustes necessários ao andamento do
projeto. Essa conjunção de um perfil detalhista inicial com uma postura mais flexível e foca-
da na execução foi essencial para o sucesso.

Durante o andamento do Projeto foram realizadas duas reuniões semanais, uma de coorde-
nação e uma técnica, combinadas mensalmente e com o envolvimento das gerências supe-
riores de ambas as empresas, visando dar celeridade às decisões de maior impacto em custo
e prazo.

A reunião de coordenação, conduzida pelo fiscal de contrato Petrobras, tinha como objetivo
o monitoramento constante das interfaces, a verificação da aderência ao cronograma, a dis-
cussão de soluções para os problemas relacionados ao gerenciamento e o esclarecimento de
eventuais dúvidas contratuais. Na reunião técnica, que era conduzida por um grupo da Pe-
trobras formado por especialistas de múltiplas áreas, eram tratados os aspectos relacionados
às especificações, aos requisitos técnicos, à qualificação dos componentes e às necessidades
de modificações de projeto.

Nesse processo, surgiram articuladores de forma espontânea, um na Petrobras e outro na


contratada. Esses profissionais agiam internamente buscando alternativas para os problemas
que surgiam, gerenciando eventuais conflitos e informando e sinalizando aos seus superio-
res os pontos comuns entre as partes, o que facilitava a negociação, fazendo das reuniões o
momento de oficialização dos entendimentos pré-acordados.

Além do intenso relacionamento entre as equipes de projeto, outro aspecto importante para
garantir a correta execução dos serviços foi o acompanhamento in loco das atividades atra-

NA TRILHA DOS PROCESSOS 55


vés de fiscais de campo da Petrobras, tanto nas fábricas da contratada, como também nas
das suas subcontratadas. As principais locações foram:

• fábrica de tubos, localizada em Pindamonhangaba, São Paulo;

• fábrica de válvulas, localizada em Rivanazzano, Itália;

• canteiro de montagem de equipamentos, localizado em Curitiba, Paraná;

• canteiro de soldagem e montagem do pipe-in-pipe, localizado em Alabama, EUA;

• embarcação de lançamento, que operou no Espírito Santo.

Durante o projeto, sete profissionais se revezaram para acompanhar o recebimento de ma-


teriais, os testes de qualidade, a calibração, a metrologia, a embalagem e a expedição dos
equipamentos. Qualquer não conformidade identificada era imediatamente comunicada ao
fiscal do contrato, que buscava a solução junto aos seus pares na contratada. Além do ganho
em qualidade, essa prática trouxe uma melhoria da confiabilidade das previsões de prazo, o
que possibilitou uma melhor alocação de recursos e pessoal.

Conclusão
A forma como o projeto foi gerenciado e coordenado foi o diferencial do projeto Canapu,
tendo garantido que o serviço fosse concluído no escopo, custo, prazo e qualidade planeja-
dos. Êxito esse que, em 2009, foi coroado com o prêmio Destaque de Melhor Projeto Con-
cluído da Engenharia, um reconhecimento corporativo da Petrobras ao trabalho das equipes
que contribuem efetivamente para o alcance dos resultados da engenharia por meio de seu
desempenho.

56 NA TRILHA DAS COMPETÊNCIAS

Você também pode gostar