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FERNANDES, Edésio.

Estatuto de Cidade, mais de 10 anos depois: razão de descrença, ou


razão de otimismo? Rev. UFMG. Belo Horizonte. p. 213-233, 2013.

O estatuto das Cidades foi aclamado internacionalmente sendo “o marco regulatório


mais adequado para oferecer bases jurídicas para as estratégias governamentais e sociopolíticas
comprometidas com a reforma urbana” (p.214). Contudo, cresce a sensação de que ou não
pegou, ou serviu para agravar problemas. Ele qualifica noções da Constituição, como a “função
social da propriedade”, criando processos e mecanismo que fizessem valer essa noção,
constituindo o “marco da governança” (p.215).

Grande parte do poder é assim dada aos municípios (uma questão que deixa o nosso
federalismo descentralizado), e cria o Plano Diretor Municipal, dando obrigação de sua
elaboração em alguns casos. Há, contudo, uma nova dinâmica urbana no país, encabeçado pelo
crescimento das cidades médias e pequenas, constituindo regiões metropolitanas (p.216),
atrelado a suas dificuldades fiscais. O déficit habitacional se mantém, programas como o
MCMV tem tido críticas no sentido de reforças a segregação espacial e especulação imobiliária,
e a constituição de vazias urbanos esperando por valorização é muito alto (p.216). O processo
de urbanização informal foi o que mais cresceu, dado no contexto da ocupação e periferização,
mas também no contexto dos condomínios fechados (p.217). Houve também um movimento de
deslocamento das funções públicas de gestão e serviços para o setor privado. Assim, com todo
esse cenário problemático, é o que o autor descreve sobre a descrença no Estatuto da Cidade.

A descrença no Estatuto da Cidade

O Estatuto da Cidade é acompanhado por uma série de outras leis urbanísticas federais
(aquelas citadas na aula da Helena). O que deixa claro é que “uma nova ordem jurídico-
urbanística, articulada e compreensiva, sofisticada mesmo, se constituiu no Brasil nas últimas
três décadas (p.220). Essa nova ordem é resultado de muita mobilização social, principalmente
da década de 80, culminando no Fórum Nacional da Reforma Urbana, esse por sua vez vem
denunciando (p.222): crescimento da especulação imobiliária; “liberação dos valores
imobiliários” para grandes projetos e eventos; abusos do argumento jurídico e emergencial para
o desrespeito da ordem jurídico-urbanística; impacto social e ambiental dos programas federais;
aumento dos conflitos fundiários; crise de mobilidade. Assim, grande parte da crítica está
voltada para a mercantilização da cidade, como objeto da produção capitalista.

A crítica é legítima?

Assim, o autor leva em consideração a necessidade de situar a crítica dentro do campo


do Direito como campo de disputa social, e construído historicamente, não podendo ser uma
ferramenta que soluciona os problemas de maneira hermética. E mais importante do que isso, o
Estatuto inaugura a categoria de função social da propriedade, que coloca o proprietário com
obrigações e deveres frente a ela, reconhecimento assim um ‘importante conjunto de direitos
coletivos” (p.227). Assim, ela cria uma nova forma de gestão territorial no país:

A ordem jurídica consolidada pelo Estatuto da Cidade requer uma mudança


significativa também quanto à compreensão da natureza jurídica do planejamento
territorial: trata-se de obrigação do poder público, direito coletivo da sociedade, e
como tal não é apenas uma política discricionária – a falta de seu cumprimento gera
improbidade administrativa, sendo que Prefeitos já perderam seus mandatos como
consequência (p.227)

O que se colocou como Plano Diretor nessa última década é então fundamentalmente
burocrático, para a captação de recursos federais, e pouco se colocou como proposta de
produção urbana, e principalmente atuação sobre os espaços que não cumpriam com a função
social da propriedade, bem como não contemplam a regularização fundiária.

Conclusão

Urbanistas e gestores públicos ainda se encontrar reféns do mercado imobiliário (p.231), que
demandam enfrentamentos jurídicos e políticos. Mais do que isso, as mudanças contempladas
na lei não foram absorvidas pelos juristas brasileiros (p.231).

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