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Ana Carolina M. Trindade – Desordens Nutricionais – 2021.

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Bócio endêmico e Anemia Ferropriva

Um bócio (aumento da glândula tireoide) geralmente é decorrente do efeito exacerbado do TSH (tireotrofina) sobre a tireoide,
ou então, o efeito de um peptídeo semelhante ao TSH, como o anticorpo anti-TSH estimulante da doença de Graves. Como
sabemos, o TSH promove hipertrofia e hiperplasia do parênquima tireoidiano, além de aumentar a sua vascularização.

- No mundo, a causa mais comum de bócio difuso atóxico é a deficiência de iodo, endêmica em algumas regiões montanhosas
do globo, nas regiões sem adoção da política de enriquecer o sal com iodo, como no Brasil. Em nosso meio, portanto, esta não é
uma causa comum. É também chamado de bócio endêmico. Este último também pode ser causado pelo consumo de
substâncias bociogênicas, presentes na raiz do aipim (mandioca) e em vegetais como o repolho e a couve-flor.

- Nas demais regiões, predomina o bócio esporádico simples, de causa desconhecida. Este é mais comum em mulheres jovens e
é caracteristicamente eutireóideo. Alguns casos são por herança de defeitos enzimáticos da hormonogênese, que passaram
despercebidos na infância.

- Nas regiões com ingestão suplementada de iodo, a causa mais comum de bócio atóxico hipotireóideo é a Tireoidite de
Hashimoto, causa também mais comum de hipotireoidismo. Existem ainda outras etiologias de bócio atóxico, geralmente
causadas por defeitos de síntese dos hormônios tireoidianos.

Causas de bócio atóxico (o TSH encontra-se elevado):

 Baixa ingestão de iodo – regiões de solo antigo e longe do oceano, que já foram muito lixiviados pelas chuvas, que
carreiam o iodo do solo para o oceano.
 Deficiência do transportador de iodo (bomba de iodeto) – pouco iodo penetra na célula folicular tireoidiana,
prejudicando o mecanismo de concentração de iodo. Assim, a quantidade de iodo que entra na tireoide fica muito
dependente da concentração de iodo extracelular (o que não ocorre nos casos em que o transportador de iodo está
funcionando adequadamente, quando ocorre captação ativa de iodo).
 Defeito da peroxidase – a enzima tireoperoxidase utiliza o peróxido de hidrogênio também conhecido como água
oxigenada (H2O2) para oxidar o iodo que depois será organificado na tireoglobulina.
 Defeitos na síntese da tireoglobulina – defeitos na formação desta macromolécula causam prejuízos no seu processo de
iodação pela tireoperoxidase, formando menos T3 e T4. Existem alguns casos em que os defeitos da molécula de
tireoglobulina não permitem a sua saída do complexo de Golgi.
 Doença de Pendred – a pendrina é uma proteína que forma um canal de iodeto na membrana apical da célula folicular
tireoidiana. Na sua deficiência, menos iodeto passa para o coloide, dificultando a formação dos HT.
 Defeito na desalogenase – a desiodação de MIT e DIT encontra-se prejudicada, permitindo que estas moléculas passem
para a circulação sanguínea e sejam eliminadas pelos rins sem que o iodo seja reaproveitado pela tireoide.
 Deficiências das desiodases – o feedback é insuficiente (lembrar que o T3 é o principal responsável pelo feedback
negativo). Assim o TSH encontra-se elevado.

Clínica e diagnóstico:

Ao detectar um bócio no exame físico da tireoide, o médico deve obrigatoriamente dosar os hormônios tireoidianos.

 A presença de um TSH suprimido indica um bócio tóxico e hipertireoidismo primário.


 Um TSH elevado, com T4 livre normal ou reduzido indica um bócio atóxico hipotireóideo, típico da disormonogênese e
da tireoidite de Hashimoto.
 Na deficiência de iodo e no bócio esporádico, o TSH sérico geralmente se encontra normal! A captação de 24h do I-
131 está aumentada na deficiência de iodo e na disormonogênese, porém francamente reduzida ou nula na tireoidite
de Hashimoto. Na deficiência de iodo, a dosagem do iodo urinário está baixa (< 100 µg/L).

Os sinais e sintomas do próprio bócio dependem de seu tamanho e se ele “invadiu” ou não a região subesternal. Neste caso,
pode-se observar a presença de sintomas compressivos da traqueia (tosse e dificuldade respiratória), esôfago (disfagia) ou
nervos laríngeos recorrentes (rouquidão).

 O “bócio mergulhante” é o nome dado ao bócio subesternal (mediastino anterior). Às vezes, só é detectado pelo exame
de imagem (RX ou TC de tórax). O sinal de Pemberton é característico: ao elevar os braços acima da cabeça, o paciente
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sente fraqueza e tontura, com sinais de congestão facial. A cintilografia tireoidiana pode ajudar a diferenciar um bócio
difuso de um bócio multinodular.

Tratamento:

O tratamento visa reduzir o bócio, com o intuito meramente estético ou para prevenir ou tratar os fenômenos compressivos. A
terapia de escolha é a supressão do TSH com levotiroxina! Inicia-se a dose de 100 µg/dia em jovens e de 50 µg/dia em idosos,
objetivando um TSH normal-baixo. A regressão é mais comum nos jovens e ocorre em 3-6 meses. Nos idosos, pelo grau de
fibrose instalado, a regressão só é possível em 1/3 dos casos.

A cirurgia está indicada nos casos de bócio muito grande (> 150 g), nos casos de refratariedade à terapia supressiva e sempre
quando há sintomas compressivos. A ablação com radioiodo é uma opção terapêutica, com sucesso em 50% dos casos. A
reposição de iodo está indicada quando da sua deficiência confirmada. Pela fibrose, às vezes, o bócio endêmico não regride.

 A cirurgia deve ser seguida pela reposição com Levotiroxina para manter no nível inferior de referência, e assim impedir
um novo crescimento do bócio.

Estratégias de enriquecimento de ferro e iodo na alimentação

A biofortificação caracteriza-se pelo aumento no conteúdo de nutrientes nos alimentos, por meio de melhoramento genético
convencional ou da engenharia genética  adicionam os micronutrientes (ferro, zinco e vitamina A) na semente dos alimentos
no momento do plantio. As sementes biofortificadas podem ser utilizadas para o consumo direto ou na produção de alimentos
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enriquecidos. É uma estratégia efetiva e complementar a outros métodos de erradicação de deficiências carenciais de
micronutrientes. Tenta-se biofortificar o arroz, feijão, batata-doce, mandioca, milho, feijão-caupi, trigo e abóbora.

O sprikles ou saches é um método que implica no uso de saches contendo fumarato ferroso (80mg) e zinco (10mg)
microencapsulados, adicionados aos alimentos de transição ao desmame, com a finalidade de tratamento de anemias.

O ferro é um nutriente essencial para o crescimento humano, desenvolvimento e manutenção do sistema imunológico. As
carnes são boas fontes deste mineral. A técnica de fortificação de alimentos tem obtido sucesso na redução da prevalência de
anemia sendo uma forma fácil, segura, de baixo custo e efetiva em curto e médio prazo, além de melhorar a qualidade dos
alimentos disponibilizados à população.

A fortificação de alimentos no enfrentamento à anemia ferropriva não substitui necessariamente a suplementação com ferro
nem as orientações sobre mudanças na dieta, mas, quando incentivada em longo prazo, pode ocorrer um aumento das reservas
orgânicas de ferro de uma população. Nos programas de fortificação, há necessidade de identificação de uma fonte de ferro
biodisponível não reativo e veículos alimentares adequados à fortificação, podendo ser dirigida a grupos vulneráveis.

A fortificação com ferro é um método complexo, pois as formas biodisponíveis são quimicamente reativas e produzem, na
maioria das vezes, efeitos indesejáveis quando adicionadas aos alimentos. A complexidade na fortificação do ferro consiste na
seleção de um composto que seja discreto e bem absorvido, ressaltando que os compostos solúveis são mais bem absorvidos e
quimicamente mais reativos, enquanto os compostos com fosfato são pouco reativos e apresentam baixa biodisponibilidade em
seres humanos.

Em agosto de 2001, o Ministério da Saúde decidiu tornar obrigatória a fortificação com ferro de todas as farinhas de trigo e
milho disponíveis para a venda no mercado brasileiro, com valor correspondente a 30% da IDR de ferro, representando 4,2 mg
de ferro em 100 g de farinha. A Anvisa, com o objetivo de normatizar a fortificação dessas farinhas, abriu consulta pública em
agosto de 2001.

↓ prevalência de anemia em gestantes


↓ prevalência de inadequação do consumo de ferro em adultos
Sem impacto na prevalência de anemia em crianças  Necessidade de ações para prevenção e controle da anemia em crianças,
especialmente crianças < de 2 anos  Uso dos sachês.

Biodisponibilidade do ferro:

- Biodisponibilidade é a fração de qualquer nutriente ingerido que tem o potencial para suprir demandas fisiológicas em tecidos
alvos. Sofre influência devido a especiação, ligação molecular, quantidade ingerida, matrix alimentar (pode ter compostos que
impedem a absorção de minerais), atenuadores da absorção e bioconversão, estado nutricional, fatores genéticos ou
relacionados ao indivíduo (sexo, idade, etapa do desenvolvimento fisiológico), interações (minerais x minerais, minerais x
vitaminas)

A biodisponibilidade do ferro depende da composição e forma como os alimentos são consumidos e da combinação destes na
dieta. O ferro heme presente na carne bovina, peixes, aves e vísceras apresenta alta biodisponibilidade, sendo absorvido pelo
intestino em maior porcentagem (10 a 30%) do que o ferro não heme. O ferro não heme, tem biodisponibilidade variável, porém
sempre baixa. A biodisponibilidade desse tipo de ferro pode ser potencializada pelo consumo simultâneo de carnes, vísceras,
alimentos ricos em ácidos orgânicos como o ascórbico, a vitamina A e carotenos.

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