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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES

CURSO DE DIREITO

O TRABALHO INFANTIL NO BRASIL FRENTE AOS LIMITES LEGAIS

Marina Lohmann Arend

Lajeado, junho de 2009


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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES


CURSO DE DIREITO
BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)

O TRABALHO INFANTIL NO BRASIL FRENTE AOS LIMITES LEGAIS

Marina Lohmann Arend

Monografia apresentada para o Curso de


Direito, do Centro Universitário
UNIVATES, como exigência parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.

Orientadora: Prof. Ms. Fernanda Pinheiro


Brod

Lajeado, junho de 2009


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AGRADECIMENTOS

A meus pais, Ruben e Heloisa, que são responsáveis pelo ser humano que
hoje sou; que são meu porto seguro e meus maiores exemplos de força,
determinação, amor incondicional e solidariedade.

A meu irmão Felipe, por ser o primeiro amigo a me acompanhar nesta jornada
chamada “vida”.

A Ditmar Jorge Lohmann e Irna Arend, in memoriam, meus avós queridos que
deixaram, além da saudade, exemplos de perseverança e bondade.

À minha querida amiga Joana Corbellini Cenci, que prestou auxílio essencial
neste trabalho e foi uma grande companheira em meus estágios.

Aos demais amigos e familiares – não citarei nomes, pois seriam muitas
linhas e para não cometer injustiças ao esquecer de algum – que compartilharam
comigo anseios, decepções, conquistas, alegrias e que são essenciais na minha
vida.

À professora Fernanda Pinheiro Brod, pela atenção e pela primazia no


direcionamento da construção deste trabalho.

Aos demais professores, em especial aos do Curso de Direito da Univates,


que fomentaram em mim o desejo de aprender sempre mais e de contribuir para a
melhoria do mundo.
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RESUMO

A presente monografia analisa os limites legais relacionados ao trabalho


infantil e juvenil, iniciando pela descrição histórica do trabalho, especialmente o
infantil no mundo e no Brasil. Após, é analisada a legislação vigente, limites
apresentados pelas mesmas, princípios norteadores e formas de trabalho permitidas
ao menor. Na sequência, realiza-se abordagem sociológica e psicológica desta
forma de trabalho, críticas contrárias aos atuais limites legais, passando-se para
uma análise das consequências do uso da mão de obra infantil para a sociedade,
economia e em relação às próprias crianças em curto e longo prazo. Ainda, destaca-
se a existências de programas e projetos que visam a erradicação do trabalho
infantil, abordando-se suas principais metas e ações. A partir da revisão
bibliográfica, expõe-se o resultado da pesquisa e são sintetizadas as principais
causas e fatores que são determinantes ao trabalho infantil, analisando-se a
adequação dos limiteis legais adotados no Brasil. Passando-se então, a fazer
sugestões de medidas a serem adotadas para prevenir a utilização dessa forma de
trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: Trabalho infantil. Limites legais. Medidas de prevenção e


erradicação. Direitos Fundamentais. Princípio da Proteção Integral. Políticas
públicas.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

§ Parágrafo
Apud Citado por
Art. Artigo
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
CF Constituição Federal
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
d. C. depois de Cristo
IPEC Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil
Nº número
OIT Organização Internacional do Trabalho
ONG Organização não-governamental
p. Página
PETI Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
Parquet Ministério Público
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância
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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................. 7

2 BREVE HISTÓRICO ACERCA DO TRABALHO INFANTIL .......................... 9


2.1 O trabalho infantil na Antiguidade ............................................................ 10
2.2 O trabalho infantil na Idade Média ............................................................ 11
2.3 O trabalho infantil na Revolução Industrial ............................................. 13
2.4 O trabalho infantil no Brasil ...................................................................... 16

3 LIMITES LEGAIS AO TRABALHO INFANTIL ............................................... 24


3.1 Terminologias ............................................................................................. 25
3.2 Limites legais ao trabalho infantil nas Constituições brasileiras .......... 26
3.2.1 Na Constituição Imperial de 1824 .......................................................... 27
3.2.2 Na Constituição Republicana de 1891 ................................................... 27
3.2.3 Na Constituição de 1934 ......................................................................... 28
3.2.4 Na Constituição de 1937 ......................................................................... 29
3.2.5 Na Constituição de 1946 ......................................................................... 31
3.2.6 Na Constituição de 1967 ......................................................................... 31
3.2.7 Na Constituição Federal de 1988 ........................................................... 32
3.2.7.1 Direito da dignidade da pessoa humana na CF/88 ............................ 35
3.3 No Estatuto da Criança e do Adolescente ............................................... 37
3.4 Na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT ......................................... 41
6

3.5 Nas Convenções Internacionais do Trabalho .......................................... 46


3.6 Espécies de trabalho do menor ................................................................ 50
3.6.1 Menor empregado .................................................................................... 51
3.6.2 Menor aprendiz ........................................................................................ 52
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3.6.3 Trabalho educativo .................................................................................. 56

4 DIFERENTES ABORDAGENS ACERCA DA IDADE MÍNIMA PARA O


TRABALHO ........................................................................................................ 58
4.1 A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento ............................ 59
4.2 Os motivos e as conseqüências do trabalho infantil no Brasil ............. 61
4.2.1 Necessidade e valor do trabalho infantil ............................................... 64
4.3 Críticas aos limites legais .......................................................................... 69
4.4 Programas e projetos que buscam a erradicação do trabalho infantil . 70

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................. 77

ANEXOS ............................................................................................................. 81
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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar os limites legais impostos ao trabalho


infantil, de forma a verificar se os mesmos encontram-se de acordo com as
necessidades da sociedade brasileira.

A pesquisa será teórica e descritiva, procurando analisar a questão do


trabalho infantil no Brasil e também prescritiva, no sentido de apresentar possíveis
soluções para sua erradicação.

O método a ser utilizado será o dedutivo, partindo da norma constitucional e


demais legislações que dispõem sobre o tema, apresentando conceitos gerais
relativos ao trabalho infantil, discorrendo acerca de sua utilização através dos
tempos, limites legais e das medidas que estão sendo implementadas no país para a
erradicação do trabalho infantil para, ao final, verificar se a idade mínima para o
trabalho encontra-se de acordo com a realidade social e com a condição das
crianças e adolescentes como sujeitos em formação.

Para tanto, primeiramente, necessária se faz uma breve abordagem da


evolução histórica acerca do trabalho no mundo e no Brasil, as primeiras e principais
legislações que surgiram para regular o mesmo, assim como as diferentes visões
das sociedades sobre o trabalho infantil no decorrer dos tempos. Isto porque o
trabalho contribuiu e até mesmo definiu a evolução e o desenvolvimento das nações,
com a escravidão, com o reconhecimento da relação do trabalho após a Revolução
Industrial, bem como com as legislações vigentes em cada um desses períodos.

Num segundo momento, aborda-se a legislação em específico: as


Constituições Federativas Brasileiras e a evolução (ou involução) dos limites legais
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ao trabalho infantil contidos nas mesmas e, posteriormente, a atual Constituição, no


que tange ao regime de proteção integral da criança e do adolescente, direitos
fundamentais concernentes aos mesmos e os limites legais impostos ao trabalho
infanto-juvenil.
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No mesmo capítulo, abordam-se as legislações esparsas, como a


Consolidação das Leis do Trabalho e o Estatuto da Criança e do Adolescente, bem
como as normas internacionais, tais como recomendações e convenções da
Organização Internacional do Trabalho.

No terceiro capítulo, por sua vez, faz-se uma análise aprofundada das causas
e consequências do trabalho infanto-juvenil, ou seja, das sequelas físicas e sociais
que a introdução precoce dessas crianças no mercado de trabalho acarreta.
Discorre-se, ainda, sobre os programas que buscam erradicar o problema,
analisando-se a efetividade dos mesmos.

A pesquisa será teórica e utilizará especialmente fontes doutrinárias e


documentais, consultando-se autores nacionais e internacionais, bem como artigos
jurídicos da área, inclusive sites da internet, além de legislação atinente ao campo
de estudo. Proceder-se-á no estudo documental e bibliográfico nas áreas do direito
do trabalho, direito constitucional e leis esparsas.

Utilizar-se-á de métodos auxiliares, como o histórico, quando se fará a


descrição da evolução de alguns dos temas básicos do trabalho.
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2 BREVE HISTÓRICO ACERCA DO TRABALHO INFANTIL

Para compreensão do tema, nos seus mais diversos aspectos, importante se


faz uma breve abordagem sobre a evolução histórica do trabalho na humanidade. É
o que se pretende neste capítulo, em que pese sustente Camino (2004, p. 27) que
“as relações de trabalho desenvolvidas na Antiguidade e na Idade Média apenas
constituem registros remotos preliminares, sem correlação direta com o direito do
trabalho”.

O trabalho infantil apresentou-se nas mais diversas sociedades do mundo,


embora poucas sejam as referências feitas sobre o mesmo, talvez porque fosse
considerado como uma atividade comum e normal dentro do núcleo familiar e social,
ou porque não era objeto de maior interesse e preocupação. A consciência dos
malefícios do trabalho precoce, de limitações de idade para o ingresso no mercado
de trabalho e proteção especial às crianças é recente (Oliva, 2006).

Haim Grunspun apud Oliva (2006) afirma que o emprego de jovens e crianças
no trabalho sempre existiu, sendo que no decorrer da história humana, as crianças
sempre trabalharam junto as suas famílias e tribos sem que houvesse distinção com
os adultos com quem conviviam. Constituía, desta forma, no aprendizado através da
prática das atividades cotidianas e elementares à sobrevivência do grupo a que
pertenciam.

Assim, historicamente, a infância teve conotações muito diversas.


Inicialmente, sequer era reconhecida. Evoluindo a humanidade, passou,
gradualmente, a ser valorizada e institucionalizada. Neste contexto, também passou
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por transformação a visão sobre o trabalho realizado por crianças, ou seja, o


trabalho infantil.
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2.1 O trabalho infantil na Antiguidade

Para Camino (2004, p. 25), “a luta secular da Humanidade, na sua persistente


e admirável busca do direito de trabalhar dignamente, está plasmada em dor e
sangue”. Isto porque o estudo da evolução das relações de trabalho leva a
constatação de que a busca do equilíbrio entre a riqueza e o trabalho tem sido
marcada por muitos sacrifícios.

Na sociedade pré-industrial, segundo Nascimento (2002), não havia um


sistema de normas jurídicas de Direito do Trabalho. Predominava a escravidão, “que
fez do trabalhador simplesmente uma coisa, sem possibilidade sequer de se
equiparar a sujeito de direito. O escravo não tinha, pela sua condição, direitos
trabalhistas” (Nascimento, 2002, p. 39, grifo do autor).

A prática da antropofagia deu lugar à escravização do vencido, que passava


de pessoa para propriedade do vencedor. O advento da escravidão é visto como
fator de progresso, uma vez que esta forma de trabalho era de natureza produtiva,
sendo o resultado do trabalho destinado tão somente ao dono dos escravos, a teor
dos ensinamentos de Camino (2004). Desta forma, no Mundo Antigo, a escravidão
constituiu um sistema de trabalho universal, sobre o qual se sustentou toda a
riqueza da civilização greco-romana.

Citado por Oliva (2006), José César de Oliveira aponta antecedentes


históricos das fases arqueológicas, onde o trabalho humano era desenvolvido de
forma rudimentar, visando apenas a subsistência do homem. Refere que, em
relação a estas fases, não existem referências expressas ao trabalho das crianças,
sendo possível que as mesmas, juntamente com as mulheres, ficassem com as
tarefas de coleta dos frutos espontâneos da natureza.

O mesmo autor aponta que é aceita a idéia de que no Egito, entre os


artesãos, por exemplo, os ofícios eram passados dos ascendentes para os seus
descendentes, numa espécie de preservação das tradições profissionais. A respeito
desta mesma civilização, Vianna (2005) destaca que, sob as dinastias XII a XX,
todos os cidadãos, sem distinção, eram obrigados a trabalhar, sendo que os
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menores estavam submetidos ao regime geral, e, portanto, trabalhavam assim que


adquirissem relativo desenvolvimento físico.

Ao discorrer sobre o histórico do trabalho do menor, Talavera (2006) destaca


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que um dos primeiros diplomas legislativos, no qual se encontravam medidas de


cunho protetivo aos menores que laboravam como ajudantes-aprendizes, teria sido
o Código de Hamurabi, que data de mais de dois mil anos antes de Cristo, que
assim estabelecia:

§ 188 – Se um artesão tomou um filho, como filho de criação, e lhe ensinou


o seu ofício, ele não poderá ser reclamado.
§ 189 – Se ele não lhe ensinou o seu ofício, esse filho de criação poderá
voltar para a casa do seu pai.

E embora a doutrina divirja acerca da real intenção dos referidos parágrafos,


conforme destaca Oliva (2006), foram estes marcos de evolução no que tange ao
menor, que iniciaram transformações na forma de visão sobre a infância.

2.2 O trabalho infantil da Idade Média

Na Idade Média e no Início da Idade Moderna, a sociedade não reconheceu a


infância. Isto se denota pelo fato de que, ao atingir aproximadamente sete anos de
idade, as crianças eram consideradas capazes de dispensar os cuidados maternos
ou de suas amas, e passavam, assim, a viver no meio dos adultos. Nessa época, a
socialização das crianças não era assegurada nem controlada pela família,
tampouco se julgava necessária a existência de laços afetivos entre pais e filhos
para o equilíbrio familiar, pois, segundo Marin (2006), era na sociedade que a
afetividade e a socialização das crianças se realizava.

A fragmentação do Império Romano, a partir do ano 476 d. C., determinou


grandes alterações nas relações de trabalho do Mundo Medieval, emergindo
instituições de grande poder, como a Igreja, os feudos e as corporações de ofício.
As nomenclaturas “mestre”, “oficiais” e “aprendizes”, usadas naquela época,
perduram em organizações hierárquicas até os dias de hoje, conforme Camino
(2004).

No definhar do regime feudal, surgiu um fenômeno denominado


“corporativismo”, caracterizado pelo trabalho livre e artesanal urbano. Corporações
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de Ofício foram criadas em virtude do êxodo dos trabalhadores da zona rural,


visando a defesa dos artesãos concentrados na zona urbana. Os trabalhadores das
Corporações dividiam-se entre assalariados e aprendizes. O contrato com os
aprendizes era celebrado por volta dos 12 anos do jovem e a duração da
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aprendizagem podia variar entre dois e dez anos, de acordo com a dificuldade do
ofício. Tal demora, e uma série de outros problemas, fizeram com que o
corporativismo entrasse em declínio, sendo que na França as corporações foram
abolidas pela Revolução Francesa, enquanto que na Inglaterra, no início do século
XIX, perderam seu vigor ao ceder espaço para o “maquinismo”, que eclodiu na
Revolução Industrial, no entendimento de Oliva (2006).

No entanto, “as corporações mantinham com os trabalhadores uma relação


de tipo bastante autoritário e que se destinava mais à realização dos seus interesses
do que à proteção dos trabalhadores”, conforme salienta Nascimento (2002, p. 40).
Registra o autor que:

Com as corporações de ofício da Idade Média as características das


relações de trabalho ainda não permitiram a existência de uma ordem
jurídica nos moldes com que mais tarde surgiria o direito do trabalho. [...]
Cada corporação tinha um estatuto com algumas normas disciplinando as
relações de trabalho. Havia três categorias de membros das corporações:
os mestres, os companheiros e os aprendizes. [...]
Os aprendizes eram menores que recebiam dos mestres ensinamentos
metódicos de um ofício ou profissão (Nascimento, 2002, p. 40).

Já para Marin (2006), na transição do feudalismo para o capitalismo e com a


emergência da classe burguesa, as crianças passaram a ser educadas
separadamente dos adultos, surgindo, então, uma maior preocupação com a
educação escolar. Neste sentido:

A partir de então, admitiu-se que as crianças não estavam maduras para a


vida e que era necessário submetê-las a um regime especial de educação,
antes de interagirem com os adultos. [...] Deu-se início a um processo de
escolarização que as mantinham segregadas em colégios, à distância dos
adultos. Tanto a valorização da aprendizagem escolar quanto a segregação
nos colégios foram decorrentes de um grande movimento da moralização
da sociedade influenciado por reformadores ligados à Igreja, às leis e ao
Estado (Marin, 2006, p. 17).

Frisa o mesmo autor que nesse longo processo de mudanças elaboraram-se


concepções modernas de infância, vinculadas à idéia de maior dependência das
crianças em relação aos adultos, o que resultou na necessidade de fortalecimento
13

da família para maior proteção das crianças e numa maior intervenção da sociedade
e do Estado para oferecer a elas escolarização, assistência e proteção. Tal
consciência surgiu e se desenvolveu, inicialmente, entre a classe burguesa e, muito
tempo depois, difundiu-se entre as classes trabalhadoras, em um processo que
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evoluiu e se realizou em modos e tempos distintos entre os diversos segmentos


sociais.

2.3 O trabalho infantil na Revolução Industrial

Mais tarde, com a descoberta do vapor e da eletricidade, surgiram as


máquinas industriais, que importaram numa radical modificação na organização da
produção. Assim, a partir do século XVIII, ocorreu a Revolução Industrial, que foi um
marco, no mundo, para o nascimento do Direito do Trabalho, conforme aduz Oliva
(2006).

A revolução industrial forçou o aproveitamento de toda mão-de-obra


disponível, sendo empregadas indiscriminadamente as crianças e os adolescentes
em trabalhos penosos e com jornadas de trabalho semelhantes a dos adultos
(Talavera, 2006). E, através da expansão industrial e comercial, “houve a
substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em
larga escala” (Nascimento, 2002 p. 41).

O trabalho infantil sempre existiu para Peres (2002), sendo que após a
revolução industrial, no século XIX, abriu-se espaço para a utilização das chamadas
“meias-forças”, assim considerada a força exercida pelas mulheres adultas, pelas
crianças e pelos adolescentes, que, por assim ser, recebiam salários muito inferiores
aos dos homens.

Também discorrendo acerca das “meias-forças”, Oliva (2006) destaca que,


buscando a redução do preço dos produtos dentro do mercado que se encontrava
extremamente competitivo, a indústria necessitava baratear o custo da produção e a
forma encontrada para tanto - além do rebaixamento dos salários e do aumento da
carga horária de trabalho - foi o emprego das mulheres e das crianças, que
recebiam salários inferiores, em razão de sua inferioridade física.

Por outro lado, acreditando nas promessas de que nas fábricas seriam
transformados em damas e cavalheiros, teriam acesso à alimentação farta e a bens
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que só os ricos possuíam, as crianças, na Inglaterra, transformavam-se em objeto


de comercialização. Ao contrário do que se esperava, eram submetidas à rígida
disciplina, eram mal alimentadas e dormiam nas próprias fábricas, expostas à
insalubridade e à promiscuidade, sem receber qualquer instrução. Assim, para Oliva
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(2006), as crianças que sobreviviam, saíam das fábricas ignorantes e corrompidas,


conforme, ademais, o entendimento esposado no seguinte excerto:

E sem preceitos morais, éticos e jurídicos que os impedissem, os


empregadores exploravam barbaramente a mão-de-obra infantil (e, bem
assim das mulheres), com conseqüências drásticas para a saúde dos
pequenos trabalhadores (Oliva, 2006, p. 41).

Refere Marin (2006) que o uso do trabalho das crianças também estava
relacionado com as estratégias para diminuição dos custos de produção, uma vez
que estas recebiam salários insignificantes e se submetiam mais facilmente às
imposições. Assim:

De fato, nos primórdios da Revolução Industrial, as crianças pobres não


foram preservadas do trabalho e nem se lhes garantiram direito à educação
escolar. As indústrias tornaram-se os principais espaços de sociabilidade, e
o trabalho, o meio de educação por excelência. A respeito dessa
problemática, Marx (1985) afirmou que o uso e a exploração da força de
trabalho infantil estavam estreitamente associados ao desenvolvimento
industrial, na medida em que a maquinaria reduziu e tornou dispensável a
força muscular, requerendo mais qualidades específicas de agilidade e
flexibilidade.
[...] Além disso, o trabalho infantil possibilitava o rebaixamento dos salários
dos adultos, em decorrência da maior oferta de mão-de-obra no mercado de
trabalho (Marin, 2006, p. 17-18).

A situação das crianças tornou-se cada vez mais degradante. O trabalho


infantil alcançou grandes dimensões e volume, fazendo com que a sociedade
voltasse seu olhar para o problema.

O efetivo marco inicial do Direito do Trabalho no mundo deu-se em 1802, na


Inglaterra, por meio do Moral and Health Act, um movimento pelo amparo legislativo
ao menor trabalhador. A lei conseguiu que a jornada de trabalho do menor
retroagisse para 12 horas e proibiu o trabalho noturno, em que pese crianças de
cinco a seis anos continuassem empregadas em atividade de fabrico (Talavera,
2006). Mas, conforme lembra Oliva (2006), tal lei se tornou ineficaz e, em virtude
disto, em 1819, foi aprovada uma segunda lei que tornou ilegal o emprego de
menores de 9 anos, mantendo, entretanto, a restrição da carga horária em 12 horas.
15

No entanto, ainda eram estarrecedores os dados obtidos acerca da duração


média de vida do trabalhador francês no início do século XIX, para o mesmo autor.
Conforme pesquisa da época, realizada em Mulhouse, na França, esta apontou que
somente 27% dos filhos dos trabalhadores entrevistados chegavam a completar dez
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anos e que um grande número de crianças trabalhadoras morria entre os sete e os


dez anos, muito em razão das degradantes e desumanas jornadas de trabalho, que
variavam entre 16 e 17 horas diárias.

Foi neste cenário de opressão que então nasceu e se fortaleceu o movimento


operário, despertando o interesse dos legisladores pela classe trabalhadora,
inicialmente pelas crianças e mulheres.

O processo de regulamentação dos direitos trabalhistas iniciou-se com as


inquietações sociais decorrentes do apogeu da Primeira Revolução Industrial, no fim
do século XVIII, e assim:

Nesse período, crescia na Europa a preocupação com a situação dos


operários nas fábricas e, por causa disso, ocorreram vários encontros
visando discutir a internacionalização das normas de tutela: Congresso
Internacional de Bruxelas (1856), Congresso Internacional de Frankfurt
(1857), Assembléia Internacional dos Trabalhadores (Londres, 1864),
Congresso Trabalhista de Lyon (1877), Congresso Operário de Paris
(1883), Congresso Internacional Operário (1884), Conferência de Berlim
(1890) e Conferências de Berna (1905 e 1906) (Lima, 2008, texto digital).

O problema adquiriu tamanha proporção que ultrapassou a classe operária,


passando a ser objeto de preocupação, inclusive dos empresários.

Conforme destaca Lima (2008), dois nomes importantes na luta pela tutela
dos direitos dos trabalhadores foram de dois industriais, o inglês Robert Owen e o
francês Daniel Le Grand, que defendiam amplas reformas sociais e a aplicação
dessas novas idéias em suas fábricas, propondo um acordo internacional acerca da
legislação trabalhista e visando a criação de um direito internacional para proteção
contra o trabalho prematuro e excessivo.

Entre 1802 e 1867, dezessete leis inglesas foram editadas buscando a


proteção do trabalho das crianças entre 08 e 13 anos mas, somente a partir de
1870, foi efetivamente reduzida a exploração do trabalho infantil, através da
publicação do Ato de Educação Elementar. Este obrigava as crianças a frequentar a
escola por meio período, sendo que, mais tarde, no início do século XX, “as crianças
britânicas passaram a ser obrigadas a frequentar escola em tempo integral, privilégio
16

que já era conferido aos filhos dos ricos” (Oliva, 2006, p. 48-49).

Na Europa, as primeiras leis trabalhistas destinaram-se a coibir os abusos


cometidos contra o proletariado, especialmente o trabalho infantil e das mulheres,
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podendo se denotar do seguinte ensinamento:

A falta de leis permitiu a utilização do trabalho de menores de 8, 7 e até 6


anos de idade nas fábricas e jornadas de trabalho excessivas para as
mulheres. Desse modo, surgiram leis sobre a idade mínima para o trabalho
na indústria e duração diária do trabalho. Leis de previdência e assistência
social também foram elaboradas, iniciando a área do direito social hoje
denominada seguridade e segurança social (Nascimento, 2002, p. 43, grifo
do autor).

Seguindo esta mesma linha evolutiva, em outros países da Europa, tais como
Alemanha e Itália (esta última mais tardiamente, em virtude de seu atraso no
processo de industrialização), buscou-se a regulamentação do trabalho infantil com
normas que limitavam a idade para ingresso no mercado de trabalho (Oliva, 2006).
Nascimento (2002) destaca as seguintes leis ordinárias: a de 1814, que na França
proibiu o trabalho de menores de 8 anos de idade; a de 1886, na Itália, que visava
proteger o trabalho da mulher e do menor; e, a de 1939, na Alemanha, que proibia o
trabalho de menores de 9 anos de idade.

2.4 O trabalho infantil no Brasil

No decorrer do tempo, as leis trabalhistas não se restringiram a textos


eventuais e específicos, tornando-se códigos, em alguns países. Assim, o direito do
trabalho se consolidou tendo em vista a necessidade dos ordenamentos jurídicos em
função das suas finalidades sociais. Portanto, na contemporaneidade, “o direito do
trabalho, embora mantendo seus objetivos iniciais de tutela do trabalhador, passou
também a desempenhar uma função coordenadora dos interesses entre o capital e o
trabalho” (Nascimento, 2002, p. 44).

No Brasil, conforme Marin (2006), o trabalho infantil se tornou um problema


social nas primeiras décadas do século XX, no início da industrialização. E, ainda
hoje, em pleno século XXI, milhões de crianças e adolescentes trabalham nas
cadeias produtivas dos setores industriais e agrícolas, assim como no comércio e na
prestação de serviços (Peres, 2006).
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No que tange à legislação referente ao trabalho para as crianças e os


adolescentes, esta obteve um gradual desenvolvimento, sendo que a primeira
iniciativa de proteção aos jovens se deu através de um decreto promulgado em
1825. Mais tarde, numa notável evolução, o ensino obrigatório foi regulamentado em
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1854, conforme Lorenzi (2007):

No entanto, a lei não se aplicava universalmente, já que ao escravo não


havia esta garantia. O acesso era negado também àqueles que
padecessem de moléstias contagiosas e aos que não tivessem sido
vacinados. Estas restrições atingiam as crianças vindas de famílias que não
tinham pleno acesso ao sistema de saúde, o que faz pensar sobre a
influência da acessibilidade e qualidade de uma política social sobre a outra
ou como vemos aqui, de como a não cobertura da saúde restringiu o acesso
das crianças à escola, propiciando uma dupla exclusão aos direitos sociais.
(Lorenzi, 2007, texto digital).

Como nas demais sociedades, no Brasil a escravidão também esteve


presente, bem como o preconceito racial.

A história do Brasil está marcada, nos períodos colonial e imperial, pela


escravidão dos negros africanos, trazidos através do tráfico, em sua página
mais degradante. Desnecessário dizer da importância dos negros na
economia e, fundamentalmente, na formação cultural do provo brasileiro. Em
tudo eles estão generosamente presentes, embora a submissão de mais de
três séculos ainda repercuta na segregação da pobreza e preconceito racial
velado (Camino, 2004, p. 39).

Oliva (2006, p. 59) estima que “entre 1550 e 1855, cerca de 4 milhões de
escravos africanos tenham sido trazidos para o Brasil”. Não consta ter sido discutida
a necessidade de serem estabelecidas regras entre patrões e escravos, haja vista
que as mesmas se tornariam inúteis, por não serem os escravos sujeitos, e sim,
objetos de direito. Os escravos deveriam trabalhar assim que adquirissem condições
físicas para tanto, sendo que muitas crianças eram retiradas de sua família para ser
vendidas como mercadorias baratas.

A situação das crianças e adolescentes filhos de escravos era tão aviltante


aqui como em qualquer outro lugar do mundo. Nos leilões públicos de lotes
de escravos, crianças e idosos tinham preços inferiores aos pagos por
homens e mulheres fortes. Por mais de três séculos, o Brasil dependeu
essencialmente, no plano econômico, da mão-de-obra escrava (Oliva,
2006, p. 60).

Provavelmente, devido a sua grande importância na economia brasileira, a


escravidão teve fim de forma gradual, sendo que a primeira medida tomada para
tanto foi a Lei do Ventre Livre, Lei nº 2.040 de 28 de agosto de 1871, promulgada
18

pelo Visconde de Rio Branco. Estabelecia que os filhos de escravos nascidos a


partir da vigência da Lei, seriam considerados livres. Somente em 1888 a escravidão
foi formalmente abolida, quando a Princesa Isabel a declarou extinta através da Lei
Áurea, Lei nº 3.353 de 13 de maio de 1888. É de se destacar que, embora referida
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lei não tenha tido “qualquer caráter justrabalhista, pode ela ser tomada em certo
sentido, como marco inicial de referência da História do Direito do Trabalho
brasileiro” (Delgado, 2006, p. 105). Afirma-se isto, pois constituiu-se num diploma
que “eliminou da ordem sociojurídica relação de produção incompatível com o ramo
justrabalhista (escravidão)” estimulando a incorporação pela prática social da
relação de emprego, que praticamente inexistia (Delgado, 2006, p. 106).

Mesmo com a abolição da escravidão, as crianças continuaram sendo


exploradas, posteriormente, na expansão industrial, uma vez que “após a abolição
da escravatura, as crianças órfãs e pobres passaram a ser recrutadas para o
trabalho das fazendas e das casas grandes dos ‘Senhores’” (Oliva, 2006, p. 62).
Buscando soluções para o abandono e delinqüência infanto-juvenil, o trabalho
precoce era aceito e até mesmo estimulado.

A primeira lei específica de proteção à infância referente ao direito do trabalho


no país data de 1891. Apesar disso, até meados de 1980, o trabalho infantil sempre
foi aceito e tolerado pelo governo e pela sociedade. O problema era praticamente
ignorado ou se diluía em meio às questões sobre crianças abandonadas ou em
situação de rua. Aos poucos, o assunto foi ganhando destaque na opinião pública,
especialmente na década de 90.

A proteção ao trabalho infantil no Brasil está documentada em expedientes


legais a partir de 1882, quando foi regulamentado o ensino profissional e o da
aprendizagem do menor. Com relação à regulamentação do trabalho, em 1891, o
Decreto nº 1.313 estipulou em 12 anos a idade mínima para início das atividades
laborativas. Mas, como destaca Lorenzi (2007), para alguns autores tal
determinação não se fazia valer na prática, pois as indústrias que se expandiam e a
agricultura necessitavam da mão-de-obra infantil. Em 1930, foi promulgada a
primeira lei que estabeleceu limites ao trabalho infantil, fixando 12 anos como sendo
a idade mínima para o trabalho.
19

Internacionalmente, nos anos de 1945, 1946 e 1948, respectivamente, foram


criadas a Organização das Nações Unidas – ONU, e o Fundo das Nações Unidas
para a Infância – UNICEF, e aprovada a Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Visavam a manutenção da paz, a segurança internacional, a cooperação
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e o desenvolvimento entre as nações, sendo que a Unicef, especialmente, forneceu


assistência emergencial a milhões de crianças no período pós-guerra na Europa,
Oriente Médio e na China. Mais de 10 anos depois, em 1959, foi aprovada a
Declaração Universal dos Direitos da Criança, elencando, através de seus 10
princípios, direitos aplicáveis à infância (organização Internacional do Trabalho,
2007), dispondo que:

1º Princípio – Todas as crianças são credoras destes direitos, sem distinção


de raça, cor, sexo, língua, religião, condição social ou nacionalidade, quer
sua ou de sua família.
2º Princípio – A criança tem o direito de ser compreendida e protegida, e
devem ter oportunidades para seu desenvolvimento físico, mental, moral,
espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e
dignidade. As leis devem levar em conta os melhores interesses da criança.
3º Princípio – Toda criança tem direito a um nome e a uma nacionalidade.
4º Princípio – A criança tem direito a crescer e criar-se com saúde,
alimentação, habitação, recreação e assistência médica adequadas, e à
mãe devem ser proporcionados cuidados e proteção especiais, incluindo
cuidados médicos antes e depois do parto.
5º Princípio - A criança incapacitada física ou mentalmente tem direito à
educação e cuidados especiais.
6º Princípio – A criança tem direito ao amor e à compreensão, e deve
crescer, sempre que possível, sob a proteção dos pais, num ambiente de
afeto e de segurança moral e material para desenvolver a sua
personalidade. A sociedade e as autoridades públicas devem propiciar
cuidados especiais às crianças sem família e àquelas que carecem de
meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial
e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias
numerosas.
7º Princípio – A criança tem direito à educação, para desenvolver as
suas aptidões, sua capacidade para emitir juízo, seus sentimentos, e
seu senso de responsabilidade moral e social. Os melhores interesses
da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e
orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais. A
criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os
propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades
públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.
8º Princípio - A criança, em quaisquer circunstâncias, deve estar entre os
primeiros a receber proteção e socorro.
9º Princípio – A criança gozará proteção contra quaisquer formas de
negligência, abandono, crueldade e exploração. Não deve trabalhar quando
isto atrapalhar a sua educação, o seu desenvolvimento e a sua saúde
mental ou moral.
20

10 º Princípio – A criança deve ser criada num ambiente de compreensão,


de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal
e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a
serviço de seus semelhantes (Organização Internacional do Trabalho, 2007,
texto digital, grifei).
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O início do século XX, além da expansão industrial, foi marcado também pelo
consequente surgimento das lutas sociais do proletariado nascente, sendo que,
neste contexto, durante a greve geral nacional de 1917 1, liderada por trabalhadores
urbanos, foi criado o Comitê de Defesa Proletária. O Comitê reivindicava, entre
outros direitos, a proibição do trabalho de menores de 14 anos e a abolição do
trabalho noturno de mulheres e de menores de 18 anos, conforme Lorenzi (2007).

Anos depois, em 1923, foi criado o Juizado de Menores, tendo Mello Mattos
como o primeiro Juiz de Menores da América Latina. E seguindo os mesmos
princípios, no ano de 1927, foi promulgado o primeiro documento legal para os
menores, qual seja, o Código de Menores, mais conhecido como Código Mello
Mattos, em reconhecimento de seu precursor (Oliva, 2006).

O período de 1937 a 1945, chamado Estado Novo, foi marcado no campo


social pela instalação do aparato executor das políticas sociais no país, dentre as
quais se destacam a legislação trabalhista, a obrigatoriedade do ensino e a
cobertura previdenciária associada à inserção profissional, configurando em uma
espécie de cidadania regulada. No período mais autoritário do Estado Novo, por
volta de 1942, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor – SAM, que:

Tratava-se de um órgão do Ministério da Justiça e que funcionava como


um equivalente do sistema Penitenciário para a população menor de idade.
Sua orientação era correcional-repressiva. O sistema previa atendimento
diferente para o adolescente autor de ato infracional e para o menor
carente e abandonado (Lorenzi, 2007, texto digital).

Mais tarde, com o Golpe Militar de 1964, uma ditadura militar foi instituída,
interrompendo por mais de 20 anos o avanço da democracia no país, sendo que a
nova Constituição (promulgada em 1967), estabeleceu diferentes diretrizes para a
vida civil, o que resultou em recuos no campo dos direitos sociais (Neto, 2006).

1
A Greve Geral de 1917 é o nome pela qual ficou conhecida a paralisação geral da indústria e
do comércio do Brasil, em Julho de 1917, como resultado da constituição de organizações operárias
de inspiração anarcossindicalista aliada à imprensa libertária.
21

Marco neste período foi a promulgação do Código de Menores, Lei nº 6.697


de 10 de outubro de 1979, que introduziu o conceito de “menor em situação
irregular”, conferindo à autoridade judiciária poderes ilimitados quanto ao tratamento
e destino destes menores.
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Nas primeiras décadas do século XIX, enquanto que as crianças da Europa


saíam das fábricas para se matricular nas escolas, no Brasil elas passavam a
ocupar os empregos dos adultos, conforme lembra Marin (2006). Segundo o autor,
apesar de a década de 1980 ter sido um período de contradições entre o regime
militar e a luta pela democratização do Brasil, surgiu um movimento que trouxe
mudanças significativas nas concepções sobre infância e adolescência: uma das
primeiras conquistas para erradicação do trabalho infantil foi a incorporação do art.
227 à Constituição Brasileira de 1988.

Em 20 de novembro de 1989 foi aprovada a Convenção Internacional dos


Direitos da Criança, um dos mais importantes tratados de direitos humanos, que foi
ratificado por todos os países membros da ONU, com exceção dos Estados Unidos
e da Somália (Lorenzi, 2007).

A promulgação da Constituição Federal de 1988, a adoção, em 1989, da


Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, a aprovação, em 1990,
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os suportes técnico e financeiro do
Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC) da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), somados aos programas do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) - a partir de 1992 - acabaram por
incluir definitivamente o tema do combate ao trabalho infantil na agenda nacional de
políticas sociais e econômicas (Schwartzman, 2007).

Assim, pode-se notar que, em que pese a sociedade e o governo tenham se


voltado e preocupado com a infância, reconhecendo a problemática do trabalho
infantil, os abusos e descasos persistiram, como ainda persistem. Isto pode ser
explicado com o fato de que este problema social tem raízes na própria formação de
nosso país, pois, conforme explana Marin (2006), o Brasil se estruturou no
colonialismo, na escravidão e, depois, no oligarquismo, na industrialização tardia e
na modernização conservadora da agricultura. Ou seja, estruturou-se numa
sociedade excludente, de injusta distribuição de riquezas, com interesses privados
22

se sobrepondo aos coletivos e mediante a repressão e o disciplinamento da


população pobre. Assim, o trabalho foi, desde a tenra idade, uma alternativa de
socialização para as crianças das classes trabalhadoras.
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Infelizmente, enfrentando grandes problemas com a criminalidade, abandono


de menores, pobreza, desemprego, falta de incentivo à educação e à saúde, a
sociedade tem aceito o trabalho infantil, ainda, como alternativa de fuga para uma
vida aparentemente mais digna.

Outro aspecto relevante é a necessidade de competitividade e barateamento


da mão-de-obra na indústria e na agricultura. Para Neves (2001, p. 150), no caso do
meio rural na sociedade brasileira, o trabalho infantil passou a ser condenado “diante
de sua expressiva visibilidade, no contexto de constituição das relações de trabalho
correspondentes ao processo de interdependência entre agricultura e indústria”.

Posto em prática na década de 70 do século findo, mediante subsídios


governamentais dos mais diversos, ele, através do desenvolvimento
tecnológico, propiciou o aumento da acumulação e a reprodução de
massas de trabalhadores precocemente inviabilizados para a atividade
laborativa, dadas as condições extremamente adversas da venda da força
de trabalho.
O desenvolvimento tecnológico na agricultura - caso especial da cana-de-
açúcar, da soja, do café e do tomate - exigiu a constituição de um
trabalhador coletivo, reduzido a movimentos precisos e à existência sob
ciclos determinados de concentração de demanda da força de trabalho.
Para tanto, impôs a residência dos trabalhadores em espaços
centralizados, geralmente na periferia das cidades, de modo a facilitar o
descontínuo recrutamento. Tais fatores propiciaram então o barateamento
do custo da mão-de-obra e impuseram piores condições de reprodução às
famílias dos trabalhadores (Neves, 2001, p. 151).

Mas, como refere a autora, diante das mudanças tecnológicas, necessária se


fez a participação da família no processo produtivo, visto que, exigidos a atingir a
intensidade e agilidade das máquinas, os trabalhadores – na obrigação de
corresponder ao “trabalhador médio” - tiveram de agregar o trabalho familiar para
continuarem integrados ao mercado de trabalho. Primeiramente, as mulheres foram
massivamente incorporadas. Mas poucas delas alcançando a desenvoltura
adequada ao ritmo das máquinas, foram agregando o trabalho dos filhos para
corresponder ao “trabalhador médio” (Neves, 2001, p. 153).

Assim, neste histórico de contradições entre descaso e preocupação, surgiu a


necessidade de se encontrar um equilíbrio entre a lei e a realidade.
23

Estaria a nossa lei em desacordo com a realidade? Existem falhas,


obscuridades? Por que a legislação não alcança a eficácia desejada?

Para responder a estas e a outras questões, há que se analisar


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primeiramente o alcance da proteção legal no que concerne ao trabalho infantil.


24
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3 LIMITES LEGAIS AO TRABALHO INFANTIL

O conceito de trabalho infantil não é tão simples como talvez possa parecer e
varia de um país para outro.

Para Neves (2001), o termo “trabalho infantil” tem sido considerado símbolo
do não reconhecimento de determinadas atividades produtivas remuneradas,
realizadas sob condições vis ou penosas por crianças e adolescentes, sendo, por
isso, proibido pela legislação. Tais condições são qualificadas como impeditivas da
continuidade do processo de formação do ser adulto que então se encontra em
curso, o que abrange a complementação do ciclo de desenvolvimento físico, social,
moral e profissional.

Esta perversa forma de inserção laborativa assalaria aqueles que não podem
responder livremente pelos seus atos civis; transfere força física de quem
dela necessita para completar o desenvolvimento biológico e a incorpora
para desvalorizar o preço da força de trabalho. Integrando a criança ou o
adolescente como trabalhador, o empregador remunera-os enquanto
incapazes de responder pelos atos que cumprem ou nos termos do
reconhecimento da responsabilidade civil definida legalmente. Além disso,
como a criança e o adolescente não respondem por seus atos, eles se
inserem no mercado de trabalho como se fossem apêndices dos pais, sob
constrangimentos que os descaracterizam como trabalhador livre.
Nos termos desta definição, o trabalho infantil tem mobilizado o investimento
de uma verdadeira cruzada moral, liderada principalmente por porta-vozes da
OIT - Organização Internacional do Trabalho, no sentido da condenação de
formas aviltantes ou intoleráveis de pobreza. Para efeitos de sua
condenação, ele tem sido utilizado a partir da cristalização de significados
auto-evidentes: ele responde a carências materiais e sociais dos que a eles
se submetem. E tem sido identificado às condições específicas de países de
desenvolvimento econômico dependente. (Neves, 2001, p. 149-150).

Marin (2006, p. 13) define o trabalho infantil como o “trabalho remunerado


25

realizado por crianças e adolescentes em determinadas atividades produtivas


reconhecidamente prejudiciais, por impedirem o desenvolvimento físico, emocional,
moral, social e intelectual de um ser humano em formação”.
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Não se inclui, nesse caso, o trabalho executado no âmbito residencial, em


casa ou nos seus arredores, sem fins lucrativos, que pode ser
compartilhado por todos os integrantes da família e de que todos são
beneficiados (Marin, 2006, p. 13).

Conforme Peres (2002), nem todo o trabalho na infância é prejudicial. Ou


seja, o trabalho infantil pode ser utilizado, em alguns casos, como forma de
desenvolver na criança idéias de responsabilidade e dar valor às coisas, tais como o
trabalho em colaboração na família, com pequenas tarefas domésticas, entre outros.
O trabalho infantil propriamente dito, pode ser definido como aquele que emprega e
explora a mão-de-obra da criança, que prejudica seu desenvolvimento intelectual,
psíquico e físico, ou seja, o trabalho penoso, humilhante e incompatível com a
escola.

Buscando maior proteção ao trabalho infanto-juvenil, a lei pátria estabeleceu


que o trabalho infantil é todo aquele exercido por pessoa que tenha menos de 16
anos de idade, permitindo, entretanto, o trabalho a partir dos 14 anos, desde que na
condição de aprendiz. Atualmente, é considerada uma das mais avançadas
legislações no que tange à proteção da infância e da adolescência, lastreada nas
ratificações de convenções internacionais, pelo Brasil (Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil, 2007).

A seguir, analizar-se-á dispositivos legais vigentes no Brasil, no que tange aos


limites e especificidades do trabalho do menor.

3.1 Terminologias

O termo “criança”, conforme Javeau (2005), professor de sociologia de


Bruxelas, tem sua conotação ligada à ordem psicológica. Desta forma, nas
disciplinas originadas da psicologia comportamental, o discurso que trata das “fases
de desenvolvimento” da criança adquiriu uma forte legitimidade onde a “criança”
estaria destinada a passar por níveis diversos e sucessivos na aquisição de
competências, cada um deles constituindo uma etapa na formação da personalidade
dos indivíduos.
26

“Criança”, para o ECA, conforme disposição de seu art. 2º, é o indivíduo de


até 12 anos de idade incompletos, enquanto que “adolescente” é aquele situado na
faixa etária entre 12 anos completos e os 18 anos incompletos.
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“Trabalho infantil”, não pressupõe, todavia, apenas aquele trabalho


desenvolvido por crianças, considerando que a legislação fixa a idade mínima para
realização do mesmo aos 16 anos - exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14
anos - pois, na concepção jurídica, a expressão não assinala simplesmente “o
período que vai até a puberdade, ou no qual a pessoa deixa de ser criança (...) e
ingressa na adolescência” (Oliva, 2006, p. 86).

Já Oliveira (2006), define “trabalho infantil” como sendo todo aquele em que
haja desobediência às limitações legais, ou seja, o trabalho proibido, com fins
econômicos ou equiparados e até mesmo aquele sem fins lucrativos em ambiente
residencial, realizado para terceiros, onde se configurara o trabalho doméstico.

O trabalho infantil, portanto, deve ser entendido como o trabalho


expressamente proibido, realizado por crianças e adolescentes com idade inferior a
16 anos de idade.

3.2 Limites legais ao trabalho infantil nas Constituições brasileiras

Constituição, para Neto (2006, p. 25), “é a forma específica e inimitável


assumida pela entidade estatal”, sendo um conjunto de forças políticas, econômicas
e ideológicas que determinam a realidade social do Estado.

Conforme o doutrinador português Canotilho (2002, p. 51),


“Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o principio do governo
limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da
organização político-social de uma comunidade” (grafia original). Para o autor,
constitucionalismo moderno representa uma técnica específica de limitação do
poder, com fins garantísticos, transportando, desta forma, um claro juízo de valor, e
sendo uma teoria normativa da política.

[...] fala-se em constitucionalismo moderno para designar o movimento


político, social e cultural que, sobretudo, a partir de meados do século XVIII,
questiona nos planos político, filosófico e jurídico, os esquemas tradicionais
de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo, a invenção de uma nova
forma de ordenação e fundamentação do poder político. Este
constitucionalismo, como o próprio nome indica, pretende opor-se ao
27

chamado constitucionalismo antigo, isto é, o conjunto de princípios escritos


ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais
perante o monarca e simultaneamente limitadores de seu poder (Canotilho,
2002, p. 51-52, grifos do autor).
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Desta forma, para compreensão do vigente sistema constitucional brasileiro e


do limite legal estabelecido para o trabalho infanto-juvenil, mister se faz uma breve
abordagem das Constituições que o precederam, principalmente no tocante ao tema
proposto.

3.2.1 Na Constituição Imperial de 1824

Com a declaração da independência do Brasil, em 07 de setembro de 1822,


necessário se fez dar início ao processo de consolidação da soberania brasileira.
Isto se deu em 1824, através da outorga da Carta Imperial (Neto, 2006), inspirada no
constitucionalismo inglês, conforme lembra Oliva (2006).

O artigo 1º da Carta estabelecia que:

Art. 1º - O Império do Brasil é a associação Politica de todos os Cidadãos


brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte
com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha á
sua Independencia (grafia original).

Conforme destaca Neto (2006) a grande novidade da Constituição de 1824 foi


a quadripartição das funções do Estado nos poderes Legislativo, Executivo, Judicial
e Moderador; este último, concedido de forma exclusiva ao Imperador.

Para o Direito do Trabalho “A Constituição Imperial de 1824 preconizou o


direito à liberdade do trabalho, ao abolir as corporações de ofício (art. 129, nº 25)”,
para Camino (2004).

No entanto, “nenhuma norma de proteção ao trabalhador infanto-juvenil


havia” (Oliva, 2006, p. 68).

3.2.2 Na Constituição Republicana de 1891

A inauguração da forma de governo republicano no Brasil se deu através do


Decreto nº 01, de 15 de novembro de 1889, que consagrou a República e a forma de
Estado Federal (Neto, 2006), sendo que seu artigo inicial assim dispunha:
28

Art. 1º - A Nação Brazileira adopta como fórma de governo, sob o regimen


representativo, a República Federativa proclamada a 15 de novembro de
1889, e constitui-se, por união perpetua e indissoluvel das suas antigas
provincias, em Estados Unidos do Brazil (grafia original).
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Alteração significativa se deu com o art. 6º da Constituição de 1891, que


assegurava a não-intervenção do Governo Federal em questões referentes aos
Estados membros, “exceto para repelir invasão estrangeira (...); manter a forma
republicana federativa; restabelecer a ordem e a tranqüilidade e assegurar a
execução das leis e decisões judiciais” (Neto, 2006, p. 65).

Para Camino (2004, p. 41), as Constituições Republicanas traçaram o norte


da evolução do Direito do Trabalho no Brasil, pois, a primeira Constituição
Republicana de 1891 “garantiu o livre exercício de qualquer profissão ´´moral,
intelectual ou industrial´´ (art. 72, 4º)”.

Entretanto, igualmente, se omitiu em relação ao trabalho do menor, conforme


destaca Oliva (2006).

Mas, entre o final do século XIX e início do século XX, com o fenômeno do
Constitucionalismo Social 2, o sistema constitucional de 1891 tornou-se inadequado
diante da prevalência do sentido social do direito, o que ensejou sua ruptura e
promulgação da Constituição de 1934 (Neto, 2006).

3.2.3 Na Constituição de 1934

Para Nascimento (2002, p. 48), “todas as Constituições brasileiras desde a de


1934 passaram a ter normas de direito do trabalho”, sendo que a de 1934 destacou-
se pela instituição do pluralismo sindical, ou seja, autorização para criação, na
mesma base territorial, de mais de um sindicato da mesma categoria profissional.

Como consequência da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas, o


direito do trabalho ingressou no constitucionalismo brasileiro através da Constituição
de 1934, onde se estabeleceu “a garantia da liberdade e autonomia sindicais (art.
120), a declaração dos direitos dos trabalhadores com previsão de legislação tutelar
(art. 121) e a instituição da Justiça do Trabalho” (Camino, 2004, p. 41), sendo esta

2
Para Neto (2006), o Constitucionalismo Social buscava modificar a postura do Estado em
face dos indivíduos, estando vinculado ao princípio da não-neutralidade, ou seja, mediante um
comprometimento da filosofia constitucional com os desfavorecidos.
29

vinculada ao Poder Executivo e composta por representantes de empregadores e


empregados. Surgiu, assim, a instituição da representação classista na composição
dos órgãos da Justiça do Trabalho.
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É de se frisar que esta constituição inaugurou, também, a intervenção do


Estado no domínio da economia, pois, um dos seus princípios era o fomento da
economia popular, sendo um documento de compromisso com o liberalismo e o
intervencionismo.

O art. 115 da Constituição de 1934 acentuava que “a ordem econômica


deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da
vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro
desses limites é garantida a liberdade econômica”, ao passo que o
parágrafo único previa que “os poderes públicos verificarão, periodicamente,
o padrão de vida nas várias regiões do paiz” (Neto, 2006. p. 66, grafia
original).

Instituiu que lei complementar estabeleceria as condições de trabalho, como


forma de compatibilizar a proteção social do trabalhador com os interesses
econômico do Estado. Proibia a diferença de salário em razão de idade, sexo,
nacionalidade ou estado civil, bem como o trabalho, em geral, aos menores de 14
anos, o noturno aos menores de 16 anos e aos menores de 18 anos em indústrias
insalubres (Oliva, 2006).

3.2.4 Na Constituição de 1937

Esta Constituição, em pleno regime autoritário (chamado Estado Novo),


consagrou os direitos dos trabalhadores em seu art. 137, com a restrição da
liberdade sindical e a criminalização da greve (Camino, 2004). A greve era vista,
nesta Constituição, como “recurso anti-social e nocivo à economia e à continuidade
da elaboração de leis trabalhistas de modo amplo”, para Nascimento (2002, p. 48).

Expressou a concepção política do Estado Novo, impondo restrições ao


movimento sindical tendo em vista a idéia de organização da economia pelo Estado
através do Conselho Nacional de Economia. Os sindicatos passaram a ser
enquadrados em categorias declaradas pelo Estado, ficando proibido mais de um
sindicato representativo dos trabalhadores (Nascimento, 2002).

Na vigência desta Constituição foi elaborada a CLT:


30

É nesse período, mais precisamente, em 1º de maio de 1943, através do


Decreto-Lei nº 5.452, que surge a Consolidação das Leis do Trabalho, ainda
hoje a síntese da legislação trabalhista por excelência (Camino, 2004, p.
41).
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Mas, ao menos formalmente, dito diploma legal apresentou ações estatais


voltadas para a educação infanto-juvenil, conforme se depreende do seu art. 129:

Art. 129 – À infância e à juventude, a que faltarem recursos necessários à


educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos estados e dos
municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas, de ensino em
todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada
às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

Em seu artigo 130, estabeleceu que o ensino primário fosse obrigatório e


gratuito, e tratou da orientação profissional em seu art. 132:

Art. 132 – O Estado fundará instituições ou dará o seu auxílio e proteção às


fundações por associações civis, tendo umas e outras por fim organizar
para a juventude períodos de trabalho anual nos grupos e oficina, assim
como promover-lhe a disciplina moral e o adestramento físico de maneira a
prepará-la ao cumprimento dos seus deveres para com a economia e a
defesa da Nação.

O trabalho era considerado, como se depreende do artigo supracitado, como


“dever social”, assim também tratado no título “Da Ordem Econômica” em seu artigo
136 (Oliva, 2006).

Proibiu expressamente, o trabalho de menores de 14 anos; o trabalho noturno


aos menores de 16 anos e em indústrias insalubres aos menores de 18 anos e
mulheres (art. 137, k).

Embora notável avanço para a infância foi, entretanto, marcada


principalmente pela “efetiva centralização do poder público em mãos do Presidente
da República” (Neto, 2006, p. 68).

Todavia, com o final da II Guerra Mundial, o povo clamava pelo


restabelecimento dos princípios democráticos. “Paz” e “democracia” eram palavras
de ordem, o que fez com que Getúlio Vargas enviasse ao Congresso lei que alteraria
a Constituição de 1937, inclusive dispondo sobre a Assembléia Constituinte, a qual
promulgaria a Constituição de 1946.
31

3.2.5 Na Constituição de 1946

Extinto o Estado Novo, emerge, então, a Constituição de 1946, que outorgou


à Justiça do Trabalho status de Órgão do Poder Judiciário “mantendo a sua
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organização paritária e outorgando-lhe poder normativo, na solução dos conflitos


coletivos de trabalho” (Camino, 2004, p. 41).

Esta constituição colheu princípios liberais na ordem política e restabeleceu o


direito de greve, mas manteve as mesmas diretrizes da Constituição anterior, pois
não respaldou o direito coletivo do trabalho.

Em seu artigo 157, inciso II, proibiu a diferenciação remuneratória e salarial


entre menores trabalhadores e adultos, conforme destaca Talavera (2006). No inciso
IX do mesmo artigo, ficou proibido o trabalho de menores de 14 anos e aos menores
de 18 anos o trabalho noturno e nas indústrias, prevendo, entretanto permitindo a
análise do caso concreto pelo juiz competente para relaxar as proibições legais,
caso verificada a necessidade do trabalho precoce para sustento do infante ou de
sua família (Oliva, 2006).

Na Carta em comento, foi mantida a obrigatoriedade do ensino primário, o


ensino gratuito para todos, quando oficial. No inciso III de seu art. 168, ainda, impôs
às empresas com mais de 100 funcionários a obrigação de proporcionar ensino
primário aos empregados e aos filhos destes; e às empresas industriais e
comerciais, a incumbência de ministrar aprendizagem de seus trabalhadores
menores (inciso IV).

Outrossim, referiu expressamente, em seu art. 145, a necessidade de


conciliação entre a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
Mas seu ponto mais característico, conforme Neto (2006), foi a repressão ao abuso
do poder econômico através do art. 148, tornando-se um referencial desta
Constituição, o que foi repetido nas Cartas que se seguiram.

3.2.6 Constituição de 1967

A Constituição de 1967 exprimiu os ideais da ditadura militar que se iniciou


em 1964, regime este que contribuiu para a exclusão da democracia.
32

Introduziu o Fundo de Garantia por tempo de Serviço, que já havia sido criado
por lei ordinária do ano de 1966 (Nascimento, 2002). Em contrapartida, apresentou
um retrocesso, visto que, em seu artigo 158, inciso X, fixou em 12 anos a idade
mínima para admissão ao trabalho (que antes era de 14 anos) e restabeleceu as
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disparidades salariais entre trabalhadores adultos e jovens, as quais foram mantidas


pela Emenda Constitucional de nº 1 de 1969, através do artigo nº 165 inciso III e X
(Talavera, 2006).

Outro retrocesso, para Camino (2004, p. 42), se deu com a Emenda nº 1/69,
que vetou a greve nos serviços essenciais e limitou a competência da Justiça do
Trabalho, “tornando praticamente inócuo o seu poder normativo e deslocando para a
Justiça Federal Comum os litígios individuais trabalhistas envolvendo servidores
públicos federais”.

No que tange à proteção infanto-juvenil, manteve a obrigatoriedade do ensino


primário gratuito e da aprendizagem administrada pelas empresas, mas, conforme
destaca Oliva (2006, p. 73), “consagrou autêntico retrocesso ao suprimir a vedação
de discriminação salarial em razão da idade e reduzir o limite de idade para ingresso
no mercado de trabalho para 12 anos”, conforme dispunha seu art. 158, inciso X.

3.2.7 Constituição Federal de 1988

Canotilho (2002) dispõe que o constitucionalismo moderno promoveu o


surgimento da chamada “constituição moderna”, que pode ser entendida como a
ordenação sistemática e racional da comunidade política através de um documento
escrito, no qual se declaram as liberdades e os direitos e se fixam limites para o
poder político.

Podemos desdobrar este conceito de forma a captarmos as dimensões


fundamentais que ele incorpora: (1) ordenação jurídico-política plasmada
num documento escrito; (2) declaração, nesta carta escrita, de um conjunto
de direitos fundamentais e do respectivo modo de garantia; (3) organização
do poder político segundo esquemas tendentes a torná-lo um poder limitado
e moderado (Canotilho, 2002, p. 52, grifos do autor).

Já para Delgado (2006, p. 145), Constituição representa: “fonte normativa


dotada de prevalência na ordem jurídica. Ela é que confere validade – fundamento e
eficácia – a todas as demais regras jurídicas existentes”.
33

Em 1° de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte,


presidida pelo Deputado Ulysses Guimarães, sendo que, um de seus grupos se
reuniu para concretizar os direitos das crianças e dos adolescentes na Constituição
Brasileira. O resultado disto foi a elaboração do art. 227, que, posteriormente, será a
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base do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lorenzi, 2007).

Seguindo o modelo de “constituição moderna”, foi então promulgada, em 05


de outubro de 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil, que,
buscando solidificar direitos fundamentais, dispôs em seu art. 1° que a “República
Federativa do Brasil constitui-se num Estado Democrático de Direito”, tendo, entre
seus fundamentos, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais
do trabalho. Busca, fundamentalmente, conforme disposição do art. 3°:

(...)
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
(...).

Em seu art. 5°, estabelece a Carta, ainda, que todos são iguais perante a lei,
garantindo-se aos residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade e à segurança. Em seu art. 6°, estabelece que:

Art. 6°. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o


lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição
(grifei).

Conforme destaca Oliva (2006), a Constituição de 1988 foi a constituição que


mais direitos trabalhistas contemplou, sendo inclusive popularmente denominada
como “Constituição Cidadã”.

Neste sentido, verifica-se a inovação trazida pela Carta em relação às


anteriores “ao estatuir que todo o poder emana do povo, que o exercerá por meio de
seus representantes eleitos ou diretamente” (Delgado, 2006, p. 123).

Ao tratar dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, em seu art. 7°, inc.
XXXIII, proíbe o trabalho noturno, perigoso ou insalubre para menores de 18 anos, e
34

de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a


partir dos 14 anos.

No Capítulo VII, que trata da família, da criança, do adolescente e do idoso, a


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Carta Magna dispõe:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança


e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da
criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não
governamentais e obedecendo os seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na
assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para
os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de
integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o
treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos
bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos.
§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos
edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a
fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o
disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato
infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por
profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de
qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos
fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de
guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao
adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual
da criança e do adolescente.
§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que
estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de
estrangeiros.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção,
terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação.
35

§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á


em consideração o disposto no art. 204.

Esta Constituição, como se vê, consagrou a “Proteção Integral das crianças e


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adolescentes como um dos seus princípios basilares” (Oliva, 2006, p. 75) através do
supra citado artigo e também de acordo com a disposição dos seus artigos 205 e
214, IV. A educação, vista como um direito de toda a população e um dever do
Estado bem como da família, passou a ter como uma de suas metas a formação
para o trabalho.

A doutrina Internacional da Proteção Integral, adotada pela mesma, se


originou da Declaração dos Direitos da Criança de 1959. Esta doutrina deve, assim,
pautar o exercício dos poderes normativos e guiar o comportamento de governantes
e governados, configurando-se em um sistema onde crianças e adolescentes são
titulares de interesses dependentes perante o Estado, assim como perante a família
e a sociedade (Oliva, 2006).

Nesse sentido, depreende-se que já o texto constitucional sustenta ser


também de responsabilidade da sociedade em geral assegurar às crianças seus
direitos constitucionalmente previstos.

3.2.7.1 Direito da dignidade da pessoa humana na CF/88

Dentre os princípios fundamentais insculpidos na Constituição de 1988, como


se disse acima, está o da dignidade da pessoa humana. Este princípio concede
unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades
humanas. É destacado, em específico, neste trabalho por ser fundamento do Estado
Democrático de Direito e de suma importância para delineamento do tema em
questão, pois:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se


manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das
demais pessoas, constituindo-se um mínimo vulnerável que todo o estatuto
jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam
ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre
sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas
enquanto seres humanos (Moraes, 2004, p. 52, grifo do autor).
36

Sarlet (2001) dispõe que direitos fundamentais são amplos, abrangendo os


direitos e deveres individuais e coletivos, os direitos sociais, políticos, a
nacionalidade e o regramento dos partidos políticos.
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O termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser


humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional
positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos
humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional,
por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano
como tal,independentemente de sua vinculação com determinada ordem
constitucional. (Sarlet, 2001, p. 33).

O Constitucionalismo contemporâneo e o brasileiro, em particular, já têm


consolidado como máxima teórica, entre outras, que os direitos fundamentais estão
centralizados, como consequência da centralidade do homem e de sua dignidade.
Isto significa que, tanto o Estado como o Direito, existem para proteger e promover
estes direitos (Neto, 2006).

No que tange à natureza dos direitos fundamentais, há duas concepções: a


jusnaturalista e a positivista. Para a primeira, referidos direitos são inerentes à
pessoa humana, cabendo ao Estado apenas o seu reconhecimento, em face da
preexistência desses direitos. Na segunda concepção, sendo estabelecidos por lei,
devem somente ser incorporados ao direito positivo do Estado. Desta forma, conclui-
se que normatização dos direitos fundamentais vem da necessidade de se impor
limites ao poder Estatal a fim de resguardar direitos dos seres humanos
individualmente considerados, assegurando-lhes dignidade, liberdade e igualdade.
Neste sentido Sarlet (2005) salienta que a dignidade, como qualidade intrínseca da
pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, pois, qualifica o ser humano como tal
e, portanto, é um direito que dele não pode ser retirado.

Compreende-se que os direitos fundamentais são aqueles indispensáveis à


pessoa humana, sendo reconhecidos e garantidos por uma ordem jurídica.

Mesmo que se possa sustentar que a dignidade da pessoa humana encontra-


se ligada também à condição humana de cada indivíduo, há, da mesma forma, que
se considerar a necessária dimensão comunitária (social) desta mesma dignidade
para todas as pessoas, por serem todos reconhecidos como iguais em dignidade e
direitos pela Declaração Universal de 1948 e pela circunstância de viverem estas em
comunidade (Sarlet, 2005).
37

Loureiro apud Sarlet (2005, p. 24), sustenta que o que importa nisto é que se
tenha presente a consciência de que a dignidade da pessoa humana “(...) implica
uma obrigação geral de respeito pela pessoa (...), traduzida num feixe de deveres e
direitos correlativos (...)” indispensáveis ao “florescimento humano”.
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Camino (2004, p. 26-27) destaca que o recente direito do trabalho, assentado


no valor da igualdade, “constitui um dos instrumentos de que dispõe o Estado para
melhor distribuir a riqueza”, buscando, da mesma maneira, “concretizar a idéia da
convivência harmoniosa e justa entre o capital e o trabalho”, de forma que os valores
humanos se sobreponham aos bens materiais.

Romita (2007) ao discorrer sobre o princípio da igualdade nas relações de


trabalho, afirma poder ser admitido que o princípio de igualdade não impede que a
lei estabeleça regras não idênticas entre pessoas que se encontram em situações
distintas. Desta forma, depreende-se que para proteção dos direitos das crianças e
adolescentes, mister se faz tratá-los como tais e, portanto, de forma desigual, visto
tratarem-se de seres em desenvolvimento que necessitam de tutela especial.

3.3 No Estatuto da Criança e do Adolescente

Mais especificamente voltada à infância, foi instituída a Lei n° 8.069, de 13 de


julho de 1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi e ainda é
considerado uma das legislações mais avançadas no que tange aos direitos das
crianças e dos adolescentes.

Antes do atual, em 1927, foi promulgado o Código de Menores, que não se


aplicava a todas as crianças, mas apenas àquelas tidas como estando em "situação
irregular", consoante explicitava seu art. 1°: “O menor, de um ou outro sexo,
abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido
pela autoridade competente ás medidas de assistencia e protecção contidas neste
Código” (grafia original).

O Código de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato da


infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho
infantil, tutela e pátrio poder, delinqüência e liberdade vigiada. O Código de
Menores revestia a figura do juiz de grande poder, sendo que o destino de
muitas crianças e adolescentes ficava a mercê do julgamento e da ética do
juiz. (Lorenzi, 2007, texto digital)
38

Posteriormente, foi promulgado o Código de Menores de 1979, que se


constituiu em uma revisão do Código de Menores de 1927, mantendo, entretanto,
sua linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população
infanto-juvenil. Introduziu o conceito de "menor em situação irregular”, que ficava sob
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custódia da Justiça de Menores. Promoveu mudanças de conteúdo, método e


gestão do panorama legal e nas políticas públicas que tratavam dos direitos da
criança e do adolescente, criando os Conselhos Tutelares, Conselhos de Direitos
Municipais e Estaduais, bem como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e
do Adolescente – CONANDA (Schwartzmann, 2001, p. 04).

O atual estatuto estabelece que criança é toda aquela pessoa que ainda não
completou 12 anos e adolescente aquela entre 12 e 18 anos de idade. Entretanto, a
OIT considera criança a pessoa que tem idade inferior a 15 anos, sendo este o limite
internacionalmente estabelecido para o ingresso no mercado de trabalho (Peres,
2002).

Os princípios norteadores da Lei encontram-se explicitados preliminarmente


nos arts. 3°, 6° e 7°, os quais vale transcrever:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais


inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata
esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento
físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e
de dignidade.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que
ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais
e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como
pessoas em desenvolvimento.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o
nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas
de existência (grifei).

Dispõe, ainda, ser de responsabilidade não só da família, mas também da


comunidade em geral e do poder público, assegurar a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à profissionalização, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar das crianças, garantindo que “[...] nenhuma
criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão [...]”, consoante interpretação dos arts.
4° e 5°.
39

No que tange aos princípios fundamentais erigidos na Constituição de 1988,


estes foram trazidos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme se
depreende da leitura dos artigos 15 a 18, e ainda, do art. 53 deste:
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Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à


dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na
Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários,
ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;
VI - participar da vida política, na forma da lei;
VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação
da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente,
pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante,
vexatório ou constrangedor.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno
desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e
qualificação para o trabalho, [...].

Em seu Capítulo V, o Estatuto trata do “Direito à Profissionalização e à


Proteção no Trabalho”, estabelecendo:

Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade,


salvo na condição de aprendiz.
Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação
especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.
Art. 66. Ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho
protegido.
Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de
trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental ou
não-governamental, é vedado trabalho:
I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas
do dia seguinte;
II - perigoso, insalubre ou penoso;
III - realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu
desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
IV - realizado em horários e locais que não permitam a freqüência à escola.
40

Art. 69. O adolescente tem direito à profissionalização e à proteção no


trabalho, observados os seguintes aspectos, entre outros:
I - respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento;
II - capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho.
Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
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direitos da criança e do adolescente.


Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer,
esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

De se frisar que o artigo 60, supra referido, foi tacitamente revogado pelo
novo texto do artigo 7°, XXXIII, da Constituição Federal, cuja redação foi dada pela
Emenda Constitucional n° 20. Assim, fica proibido qualquer tipo de trabalho antes
dos 14 anos de idade, sendo que acima de 14 anos e até os 24 anos é permitido o
trabalho na condição de aprendiz, que será abordado mais especificamente na
sequência.

Proibido resta o trabalho insalubre ao jovem menor de 18 anos. Com relação


às vedações do art. 67, supra citado, Süssekind (2005) define como “insalubre” o
trabalho onde o empregado sofre agressão de agentes físicos ou químicos acima
dos níveis de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, e como
“perigoso” o trabalho que por sua natureza ou método “implique contato permanente
do empregado com inflamáveis ou explosivos, em condições de risco acentuado” (p.
933, grifo do autor), a teor do art. 193 da CLT. Já o trabalho “penoso”, na ausência
de definição do art. 67, pode ser entendido como aquele onde o adolescente
carregue peso superior a 20 ou 25 quilos, tratando-se de trabalho contínuo ou
eventual, respectivamente, de acordo com o que dispõe o art. 405, §5º da CLT
(Vianna, 2005).

No que tange ao trabalho insalubre para adolescentes, houve regulamentação


por parte Governo Federal, através do Decreto n° 6.481 de 12 de junho de 2008,
que elenca as piores formar de trabalho infantil, bem como os locais e serviços
insalubres, bem como os perigosos, para adolescentes.

Ainda, o trabalho exercido pelo menor deve ser compatível com as atividades
escolares, de forma a permitir a frequência escolar. Para Oliveira (2006, p. 235),
“esta compatibilidade deve concretizar-se em duração de jornada que efetivamente
permita a freqüência à escola”, sendo que dados indicadores sociais sobre a
41

duração diária e semanal do trabalho do adolescente apontam que a compatibilidade


“escola-trabalho” não é respeitada. O trabalho, então, constitui-se em uma das
causas de abandono da escola.
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No que tange à prevenção da ocorrência de ameaça ou violação dos direitos


da criança e do adolescente, o ECA prevê em seu art. 132, que em cada município
haverá, no mínimo, um Conselho Tutelar, sendo este, conforme definição dada pelo
art. 131, “um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela
sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
definidos nesta lei”, órgão que, conforme o magistrado carioca Soares (2006, p.
447), é “uma imposição constitucional decorrente da forma de associação política
adotada, que é a Democracia participativa”, a qual emana do princípio de que o
poder emana do povo.

Com relação ao Ministério Público, o referido Estatuto sustenta em seu artigo


201:

Art. 201. Compete ao Ministério Público: [...]


XI - inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento e os
programas de que trata esta Lei, adotando de pronto as medidas
administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades
porventura verificadas [...].

Para exercer atribuição de zelar pelos direitos das crianças e dos


adolescentes, pode o parquet efetuar recomendações visando à melhoria dos
serviços públicos e de relevância pública relacionados aos menores, podendo, para
tanto, promover audiências públicas (Mazzilli, 2006).

Depreende-se, assim, que esta lei defende que o melhor para as crianças e
adolescentes não é o trabalho, mas sim a escola, a fim de que possam se tornar
adultos qualificados técnica e intelectualmente, bem como ser portadores das
condições de cidadãos (Marin, 2006).

3.4 Na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT

Para Canotilho (2002), a Revolução Francesa procurava edificar uma nova


ordem sobre os direitos naturais dos indivíduos, entendendo que os direitos do
homem eram individuais, ou seja, todos os homens nasciam livres e iguais em
42

direitos, não sendo “naturalmente desiguais” por integração, em razão da ordem


natural das coisas.

Assim, a partir das novas relações econômicas estabelecidas pela ação


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coletiva e permanentemente organizada da classe trabalhadora, surgiu a


necessidade de regulamentações para o trabalho remunerado, sendo que a
universalização e regulamentação do direito do trabalho, na primeira metade do
século, se deu através de leis esparsas (Camino, 2004).

No Brasil, a legislação trabalhista foi consolidada em 1943, através da


Consolidação das Leis do Trabalho. E a CLT é, então, o compêndio das leis
esparsas existentes na época em que foi instituída, acrescida de novos institutos
criados por seus elaboradores. Embora não fosse a primeira lei acerca do trabalho,
já que vigorava a Lei n° 62 do ano de 1935 (que se aplicava a industriários e
comerciários) e alguns decretos que dispunham sobre direitos específicos sobre
cada profissão, foi a primeira “lei” geral. Isto porque se aplicava a todos os
empregados, sem distinção entre a natureza do trabalho técnico, manual ou
intelectual, sendo de grande importância na história do direito do trabalho brasileiro
pela influência que exerceu e pela técnica que revelou, como lembra Nascimento,
(2002).

Conforme o mesmo autor, consoante disposição do art. 402 da CLT, menor,


para fins trabalhistas, é aquele de 14 até 18 anos de idade. Prestando serviços
subordinados, contínuos e remunerados a empregador, o menor será considerado
empregado, de acordo com o que dispõe o art. 3° da referida Consolidação, sendo
que terá todos os direitos trabalhistas assegurados assim como para qualquer
adulto, embora com algumas especificações.

Ainda, conforme disposição do art. 403 da CLT, é proibido o trabalho do


menor de 16 anos, sendo tão somente permitido o trabalho a partir dos 14 anos na
condição de aprendiz.

Os arts. 404 e 405 dispõem regras acerca do trabalho do menor. Fica proibido
o trabalho noturno (entre 22 e 5 horas) ao menor de 18 anos, bem como o trabalho
do menor em locais insalubres ou perigosos, e em locais prejudiciais à sua
moralidade, quais sejam:
43

Art 405 (…)


§ 3º Considera-se prejudicial à moralidade do menor o trabalho:
a) prestado de qualquer modo, em teatros de revista, cinemas, boates,
cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos;
b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e
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outras semelhantes;
c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos,
cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer
outros objetos que possam, a juízo da autoridade competente, prejudicar
sua formação moral;
d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.

Nascimento (2002) lembra que a duração do trabalho do menor se iguala a do


adulto, ou seja, de 8 horas diárias, consoante disposição do art. 411, assim como os
intervalos. Ficam, entretanto, proibidas as horas extraordinárias, salvo as
decorrentes de acordo de compensação de horas, ou por motivo de força maior,
conforme art. 413, I e II. O salário, inclusive o mínimo e os pisos salariais, será o
mesmo do adulto.

Já o art. 406, ao fazer remissão às alíneas “a” e “b” do parágrafo 3° do art.


405, prevê hipóteses em que o Juiz da Infância e Juventude (atual denominação do
“Juiz de Menores”) poderá autorizar o trabalho do menor em teatros, cinemas e
afins, desde que a representação tenha fim educativo e não venha a prejudicar a
formação moral do menor, ou, num segundo caso, desde que se certifique ser a
ocupação do menor indispensável a sua subsistência ou de seus familiares e não
traga prejuízos à sua formação moral (Oliva, 2006).

Como dito, a duração do trabalho do menor será regulada pelas disposições


legais relativas à duração do trabalho em geral, no entanto, deverão ser observadas
algumas restrições, quais sejam:

Art. 412 - Após cada período de trabalho efetivo, quer contínuo, quer
dividido em 2 (dois) turnos, haverá um intervalo de repouso, não inferior a
11 (onze) horas.
Art. 413 - É vedado prorrogar a duração normal diária do trabalho do menor,
salvo:
I - até mais 2 (duas) horas, independentemente de acréscimo salarial,
mediante convenção ou acordo coletivo nos termos do Título VI desta
Consolidação, desde que o excesso de horas em um dia seja compensado
pela diminuição em outro, de modo a ser observado o limite máximo de 48
(quarenta e oito) horas semanais ou outro inferior legalmente fixada;
II - excepcionalmente, por motivo de força maior, até o máximo de 12 (doze)
horas, com acréscimo salarial de, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento)
44

sobre a hora normal e desde que o trabalho do menor seja imprescindível


ao funcionamento do estabelecimento.
Parágrafo único. Aplica-se à prorrogação do trabalho do menor o disposto
no art. 375, no parágrafo único do art. 376, no art. 378 e no art. 384 desta
Consolidação.
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Art. 414 - Quando o menor de 18 (dezoito) anos for empregado em mais de


um estabelecimento, as horas de trabalho em cada um serão totalizadas.

Descumpridas as disposições do Capítulo IV, que trata da proteção ao


trabalho do menor, ficam os infratores sujeitos à aplicação de multa, que será
imposta pelos Delegados Regionais do Trabalho ou pelos funcionários por eles
designados (art. 434, 435 e 438), sendo importante frisar que, conforme art. 440,
contra os menores de 18 anos não corre qualquer prazo de prescrição.

Conforme lembra Delgado (2006), o Direito trabalhista fixa que a capacidade


plena para os atos trabalhistas inicia-se aos 18 anos, conforme o Código Civil
vigente e art. 402 da CLT.

Ressalte-se que o preceito celetista que antes lançava certa cortina de


dúvida sobre esse termo inicial da maioridade (o art. 406 dispunha que
entre 18 e 21 anos presumia-se o trabalhador autorizado a trabalhar, por
seu responsável legal) encontra-se, hoje, expressamente revogado (Lei n°
7.855/89). Mesmo antes de sua revogação expressa, o preceito já estava
esterilizado, por incompatibilidade, em vista do parâmetro etário
constitucional firmemente acolhido em 1988 (arts. 7°, XXXIII, e 227, caput, e
§ 3°, da CF/88).
Entre 16 e 18 anos situa-se a capacidade/incapacidade relativa do obreiro
para os atos da vida trabalhista (14 anos, se vinculado ao emprego através
de contrato de aprendiz). É o que deriva do texto constitucional, combinado
com o modelo jurídico celetista adaptado à nova Constituição (art. 7°,
XXXIII, da CF/88, conforme EC n° 20, de 15.12.98; arts. 402 a 405 da CLT).
Antes da Emenda n° 20/98, tais parâmetros eram, respectivamente, 14 e 12
anos. (Delgado, 2006, p. 409).

Para Camino (2004), tem sido penosa a evolução da jurisprudência quando a


relação de emprego envolve incapazes pelo excessivo apego aos conceitos trazidos
pelo direito comum, sendo que as “clássicas” incapacidades não foram pensadas
para o direito do trabalho. Sustenta que na perspectiva de proteger o incapaz que se
deve projetar o princípio da irretroação da nulidade; ou seja, se a lei civil invalida
atos praticados pelo incapaz para protegê-lo, da mesma forma deveria ocorrer no
direito do trabalho, máxime considerando que o trabalhador incapaz entregou sua
força para proveito econômico de outrem. A doutrinadora, ao defender a prevalência
do valor-trabalho e dos direitos sociais de ordem trabalhista, destacando a
45

relevância da correspondência da relação de emprego e do contrato de trabalho,


sustenta:

É bastante o ato-fato-trabalho subordinado em favor de quem o explora e


dele retira proveito econômico para que o direito do trabalho incida com
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toda a carga de tutela contrato mínimo legal. Para o direito do trabalho,


existente a relação de emprego – e, consequentemente, o contrato de
trabalho – há imediata repercussão no plano da eficácia,
independentemente da validade (Camino, 2004, p. 274).

Prossegue ainda contestando o não reconhecimento por parte da


jurisprudência do tempo de serviço no que tange ao trabalho de incapazes, vez que
o contrato de trabalho, por força da nulidade, deixa de projetar efeitos quanto ao
tempo de serviço, no entendimento de alguns operadores do direito.

As mesmas dificuldades surgem na apreciação dos contratos com menores


de dezesseis anos. Aqui se expõe, com toda a sua crueza, a falta de
sensibilidade para a chaga social do trabalho das crianças, em tudo igual
àquele prestado pelos adultos, perfeitamente afeiçoado à tipicidade legal.
Porque proibido o seu objeto (art. 7°, inciso XXXIII, CF/88), não se lhes
reconhece o direito à relação de emprego, salvo os salários, quando a lei
com toda a clareza de sua literalidade assumida, a equipara ao contrato.
O apego à idéia ortodoxa do contrato tem impedido o avanço em favor do
reconhecimento da relação de emprego no plano da eficácia, dando a esses
pequenos trabalhadores – já que a sociedade lhes nega o direito de ser
crianças -, ao menos, a possibilidade de uma aposentadoria precoce
(Camino, 2004, p. 275-276).

A relação de emprego surge quando reunidos seus cinco elementos fático-


jurídicos constitutivos, quais sejam: prestação de trabalho por pessoa física a
outrem, pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade e subordinação entre as
partes envolvidas. Caberá ao operador jurídico examinar se o Direito do Trabalho
confere efetiva validade a relação empregatícia que surgir, analisando os elementos
jurídico-formais do contrato, conforme doutrina Delgado (2006). Neste sentido,
dispõe o doutrinador:

Trata-se de elementos cuja higidez e regularidade jurídicas são essenciais


para que o Direito autorize a produção de plenos efeitos à relação oriunda
do mundo dos fatos sociais. [...]
São elementos jurídicos-formais do contrato empregatício os clássicos
elementos constitutivos da figura contratual padrão conhecida: capacidade
das partes contratantes; licitude do objeto contratado; forma contratual
prescrita em lei ou por esta não proibida; higidez na manifestação da
vontade das partes (Delgado, 2006. p. 305-306).
46

Se, conforme disposição do art. 65, ao adolescente aprendiz maior de


quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários, por que
não o reconhecer também aos incapazes, em que pese o desrespeito à limitação?
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3.5 Nas Convenções Internacionais do Trabalho

Fundamental e relevante se mostra o papel das organizações não-


governamentais na guerra contra o trabalho infantil, isto porque, foram estas que
saíram à luta contra a perversidade da exploração do trabalho infantil (Talavera,
2006).

No decurso dos anos, surgiram dispositivos legais fundamentados na


doutrina da proteção integral defendida pela Organização da Nações Unidas
(ONU), e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base
na Declaração Universal dos Direitos da Criança, bem como nas diversas
convenções e recomendações de reconhecimento universal, propugnadas
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Na essência, essa
doutrina reforça os seguintes pontos: o valor intrínseco da criança como ser
humano; a necessidade de respeito à sua condição de pessoa em
desenvolvimento; o valor prospectivo da infância como portadora da
continuidade de sua família, de seu povo, e da espécie humana; e o
reconhecimento de sua vulnerabilidade. Tais ordenamentos jurídicos
refletem a convicção de que a infância e a adolescência são fases da vida a
serem dedicadas à educação e ao desenvolvimento físico e social. Crianças
e adolescentes constituem-se, portanto, sujeitos de direitos próprios e com
necessidades de proteção diferenciada, específica e integral, que devem
ser asseguradas pela família, pela sociedade, e pelo Estado (Marin, 2006,
p. 13-14).

Atualmente, fala-se em um direito internacional do trabalho, enquadrado no


ramo do direito público, que trata tanto das relações dos Estados entre si, quanto
com organismos internacionais, no intuito de universalizar os princípios da justiça
social e respectivas normas legais e visando a cooperação internacional e a
melhoria das condições de trabalho. Tal direito tem sua normatividade consolidada
em tratados, declarações, recomendações e resoluções da OIT - Organização
Internacional do Trabalho (Camino, 2004).

Tais normas expressam a permanente busca dos povos de efetivar a idéia


de um direito que viabilize harmoniosa convivência entre capital e trabalho,
que somente será possível quando a humanidade se convencer de que o
valor do trabalho humano deve prevalecer, sendo o capital mero
instrumento de sua realização (Camino, 2004, p. 35).

Para Nascimento (2002), “tratado”, segundo a Convenção de Viena, é “um


acordo internacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo direito
47

internacional”. Já “convenção”, define como sendo “um acordo internacional votado


pela Conferência da OIT”, sendo que “recomendações” ocorrem quando o assunto
tratado em uma conferência não permitir a adoção imediata de uma convenção.
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Estas normas, quando ratificadas pelo Brasil, têm, portanto, “se tornado
importantes fontes formais justrabalhistas no país” (Delgado, 2006, p. 155).

A Organização Internacional do Trabalho - OIT foi criada pelo Tratado de Paz


de Versalhes em 1919. Sediada em Genebra, na Suíça, onde mantém uma
secretaria permanente, possui 61 escritórios de representação, distribuídos em seus
170 países-membros, sendo que, em 1946 passou a integrar o sistema da
organização das Nações Unidas como um organismo especializado na área do
trabalho.

Foi também a OIT quem levantou a bandeira do trabalho decente para todos
como meio de buscar uma globalização mais justa, capaz de favorecer a inclusão
social. Para a referida organização, o trabalho decente se baseia no reconhecimento
de que o trabalho é fonte de dignidade pessoal, estabilidade familiar, paz na
comunidade, de democracias que produzam crescimento econômico e fonte que
possibilite o trabalho produtivo e o desenvolvimento das empresas, sendo que, no
seu entender, o emprego produtivo e o trabalho descente são elementos-chave para
alcançar a redução da pobreza, para Romita (2007).

O mesmo autor ainda afirma que o trabalho decente reflete a prioridade da


agenda social, econômica e política do sistema internacional, que seriam: a
globalização justa, atenuação da pobreza, segurança, inclusão social, dignidade e
diversidade. A implantação do Programa de Trabalho Descente, persegue, entre
outros objetivos, a criação de postos de trabalho.

Buscando melhores condições de trabalho, bem como a eliminação de


determinadas formas de trabalho consideradas prejudiciais e desumanas, a OIT
editou algumas Convenções, como lembra Talavera (2006):

A questão do trabalho infantil, tema de mais de vinte convenções e


recomendações, tem estado entre as principais preocupações que afligem
a OIT que, desde seus primórdios, tem-se empenhado, por todos os meios
a seu alcance, em dar sua contribuição institucional para a eliminação
desse mal que se expande e que, por sua gravidade e dimensão,
repugnam a consciência do mundo moderno (Talavera, 2006, p. 119).
48

As convenções e tratados passam a ter eficácia no ordenamento jurídico de


cada país que os aprova através de ratificações. No Brasil, é exclusiva do
Congresso Nacional, conforme art. 49, inc. I da CF/88, a competência para aprovar,
ou não, as mesmas (Nascimento, 2002).
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Neste contexto há de se destacar a existência da Convenção Americana


sobre Direitos Humanos, a qual foi aprovada em San José da Costa Rica, em 22 de
novembro de 1969, sendo ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
Outrossim, destaca-se também a Declaração de Genebra, de 1924, que:

[...] determinava ‘a necessidade de proporcionar à criança uma proteção


especial‘; da mesma forma que a Declaração Universal dos Direitos
Humanos das Nações Unidas (Paris, 1948) apelava ‘ao direito a cuidados e
assistência especiais’; na mesma orientação, a Convenção Americana
sobre os Direitos Humanos (pacto de São José, 19690 alinhava em seu art.
19: ‘Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição
de menor requer, por parte da família,da sociedade e do Estado’.
Ainda mais recentemente, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras de Beijing
(Res. 40/33 da Assembléia-Geral, de 29.11.85); as Diretrizes das Nações
Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad
(Assembléia-Geral da ONU, novembro/90); bem como As Regras Mínimas
das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade
(Assembléia-Geral da ONU, novembro/90), lançaram as bases para a
formulação de um novo ordenamento no campo do Direito e da Justiça,
possível para todos os países, em quaisquer condições em que se
encontrem, cuja característica fundamental é a nobreza e a dignidade do
ser humano criança.
A proteção integral dispensada à criança e ao adolescente encontra suas
raízes mais próximas na Convenção sobre o Direito da Criança, aprovada
pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 20.11.89 e pelo Congresso
Nacional brasileiro em 14.9.90, através do Dec. Legislativo 28. A ratificação
ocorreu com a publicação do Dec. 99.710, em 21.11.90, através do qual o
Presidente da República promulgou a Convenção, transformando-a em lei
interna.
O espírito e a letra desses documentos internacionais constituem importante
fonte de interpretação de que o exegeta do novo Direito não pode
prescindir. Eles serviram como base de sustentação dos principais
dispositivos dos Estatuto da Criança e do Adolescente e fundamentaram
juridicamente a campanha Criança e Constituinte, efervescente mobilização
nacional de entidades da sociedade civil e milhões de crianças, com o
objetivo de inserir no texto constitucional os princípios da Declaração dos
Direitos da Criança (Costa, 2002, p. 16, grifos do autor).

No que tange ao trabalho infantil, foram ratificadas pelo Governo Brasileiro as


Convenções n° 138 e 182 da OIT.

A Convenção 138 de 1973 foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro


através do decreto nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002. Ao dispor sobre a idade
49

mínima para o trabalho, objetiva a abolição do trabalho infantil, estipulando que a


idade mínima de admissão ao trabalho ou ao emprego não deverá ser inferior à
idade da conclusão do ensino obrigatório e em seus primeiros artigos dispõe que:
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Artigo 1°. Todo Estado-membro, no qual vigore esta Convenção,


compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva
abolição do trabalho infantil e eleve, progressivamente, a idade mínima de
admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno
desenvolvimento físico e mental do jovem.
Artigo 2°. 1. Todo Estado-membro que ratificar esta Convenção
especificará, em declaração anexa à sua ratificação, uma idade mínima
para admissão a emprego ou trabalho em seu território e em meios de
transporte registrados em seu território; ressalvado o disposto nos artigos 4º
a 8º desta Convenção, nenhuma pessoa com idade inferior a essa idade
será admitida a emprego ou trabalho em qualquer ocupação.
2. Todo Estado-membro que ratificar esta Convenção poderá
posteriormente notificar o Diretor-Geral da Secretaria Internacional do
Trabalho, por declarações ulteriores, que estabelece uma idade mínima
superior à anteriormente definida.
3. A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1º deste artigo não será
inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer
hipótese, não inferior a 15 anos.
4. Não obstante o disposto no parágrafo 3º deste artigo, o Estado-membro,
cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente
desenvolvidas, poderá, após consulta com as organizações de
empregadores e de trabalhadores interessadas, se as houver, definir,
inicialmente, uma idade mínima de 14 anos.
Artigo 3º. 1. Não será inferior a dezoito anos a idade mínima para admissão
a qualquer tipo de emprego ou trabalho que, por sua natureza ou
circunstância em que é executado, possa prejudicar a saúde, a segurança e
a moral do jovem.

Já a Convenção 182 da OIT, de 1999, foi aprovada no Brasil pelo Decreto


Legislativo n° 178, de 14 de dezembro de 1999 e promulgada pelo Decreto n° 3.597,
de 12 de setembro de 2000. Dispõe sobre as piores formas de trabalho infantil e
defende a adoção de medidas imediatas e eficazes que garantam a proibição e a
eliminação das mesmas bem como das consideradas perigosas, penosas,
insalubres ou degradantes. Neste sentido Romita (2007) destaca que:

A expressão ‘piores formas de trabalho infantil’ abrange: a) qualquer forma


ou condição análoga à de escravo, como venda e tráfico de crianças,
servidão por dívidas ou condição de servo, trabalho forçado ou obrigatório,
recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para utilização em conflitos
armados; b) utilização, recrutamento ou oferecimento de crianças para
prostituição, produção de pornografia ou ações pornográficas; c) utilização,
recrutamento ou oferecimento de crianças para realização de atividades
ilícitas, especialmente produção e tráfico de entorpecentes; d) trabalho que,
por sua natureza e condições em que é executado, cause provável dano á
saúde ou à moral das crianças (Romita, 2007, p. 226-227).
50

Recentemente, os arts. 3°, alínea “d”, e 4º desta Convenção foram


regulamentados pelo Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. A partir de então, o
trabalho doméstico passa a integrar lista de exploração grave, assim como o
trabalho escravo, a exploração sexual e o tráfico de drogas, entre outros.
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Vale transcrever reportagem veiculada, que destaca considerações do então


Presidente da República sobre o referido decreto:

Esse decreto serve para que nossos fiscais possam ter instrumentos para
punir o trabalho escravo. Às vezes o combate não depende da fiscalização,
porque é uma questão cultural”, disse o presidente, lembrando que muitas
crianças ajudam os pais nas atividades diárias em busca do sustento.
Segundo o presidente, é preciso diferenciar cada atividade. “É preciso a
gente tratar de forma humana e diferenciada cada tipo de atividade. O
empresário, por exemplo, não tem nenhum cabimento manter uma criança
trabalhando. Se precisar de uma criança aprendiz é preciso tomar cuidado
para que isso não atrapalhe a criança de estudar. 14 anos não é idade de
trabalhar”, salientou.
Lula disse ainda que os pais têm um papel importante no combate do
trabalho infantil. “Nós com esse decreto aperfeiçoamos um pouco mais [o
combate ao trabalho infantil]. Mas temos que fazer apelo para que os pais
dessas crianças e adolescentes evitem que a pretexto de trabalhar elas
deixem de estudar, porque elas vão sentir falta disso depois”, afirmou (LULA
assina decreto para ampliar combate ao trabalho infantil, 2008, texto digital).

A OIT considera como trabalho infantil o trabalho executado por criança


menor de 15 anos de idade, com o objetivo de prover seu sustento e o de sua
família, estando o Brasil, portanto um passo à frente neste sentido, já que adota o
limite de 16 anos de idade (Talavera, 2006).

3.6 Espécies de trabalho do menor

A contratação empregatícia da criança e do adolescente, conforme sustenta


Delgado (2006), é proibida antes dos 16 anos, exceto aos 14 anos, quando se tratar
de menor aprendiz, nos termos do que dispõe o art. 7°, XXXIII da Constituição
Federal de 1988:

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de


18 (dezoito) anos e de qualquer e de qualquer trabalho a menores de 16
(dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze)
anos.
51

Diante da análise legislativa anteriormente realizada, verifica-se que o menor


poderá ser contratado, após os 16 anos, com as respectivas limitações, e a partir
dos 14 anos, tão somente na qualidade de menor aprendiz.
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3.6.1 Menor empregado

Para fins trabalhistas, menor empregado é aquele com menos de 18 anos,


que presta serviços subordinados, contínuos e remunerados a um empregador,
conforme artigos 402 e 3º da CLT, sendo que terá todos os direitos trabalhistas
previstos na CLT para qualquer empregado adulto, embora com algumas
especificações (Nascimento, 2002).

De acordo com o art. 69 do ECA, “o adolescente tem direito à


profissionalização e à proteção ao trabalho”, devendo ser respeitada sua condição
peculiar de pessoa em desenvolvimento e a necessidade de capacitação profissional
adequada ao mercado de trabalho.

Neste sentido, são impostas algumas restrições relativas ao menor


empregado, as quais consistem na proibição do trabalho noturno, perigoso ou
insalubre. A respeito do trabalho noturno, Oris de Oliveira apud Oliva (2006, p. 166)
destaca que a vedação se explica porque “os estudos científicos comprovam que o
trabalho noturno tem como efeito um maior desgaste físico e mental, sem falar em
outros de natureza diversa, como o de dificultar a convivência familiar e social”. Se
até mesmo para os adultos o trabalho noturno já afeta o relógio biológico, muito mais
prejudicial será para os adolescentes e, portanto, deve ser o mesmo proibido.

Já a definição legal de trabalho noturno encontra-se no art. 404 da CLT,


estabelecendo como noturno o trabalho realizado entre as 22 horas de um dia e as 5
horas do dia seguinte, e “não considera, assim, as particularidades relativas ao
trabalhador rural” (Oliva, 2006, p. 167). O ECA adota a mesma disposição, conforme
art. 67.

No que tange ao trabalho perigoso, este encontra definição no art. 193 da


CLT. Atividades perigosas são aquelas que, por sua natureza ou métodos de
trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos em
condições de risco acentuado.
52

Ainda, de acordo com o art. 195 da CLT, a caracterização e a classificação da


periculosidade e a insalubridade dependem de laudo a ser realizado por Médico do
Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.
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Delgado (2006), acerca da contratação irregular do menor, ou seja, em


desacordo com os limites legais estabelecidos, refere que, se existente tal situação
na prática, deverão ser pagas ao empregado menor todas as parcelas cabíveis e o
vínculo deverá ser extinto imediatamente:

Neste caso, a capacidade obreira é que não foi respeitada. Não obstante o
vício em um dos elementos jurídico-formais do contrato, todos os efeitos
trabalhistas devem ser reconhecidos, em face da tutela justrabalhista ter
sido construída exatamente para proteger a criança e o adolescente – e não
ampliar a perversidade de sua exploração (Delgado, 2006, p. 307).

O contrato de trabalho do menor poderá ser extinto, conforme dispõe a CLT


em seu art. 408. Quando o menor aceitar um emprego com a devida autorização de
seus responsáveis legais, mas verificado que a atividade possa provocar prejuízos
de ordem física e moral, o contrato poderá ser extinto (Vianna, 2005).

3.6.2 Menor aprendiz

Inspirada na estrutura hierárquica das corporações de ofício medievais,


atualmente ainda persiste, no vigente regulamento jurídico, a figura do “aprendiz”.

A aprendizagem caracteriza-se como uma primeira fase de desenvolvimento


educacional e profissional, ou seja, uma formação técnico-profissional, de forma
alternada, que permita a instrução teórica e prática, tendentes ao desenvolvimento
de aptidões para a vida produtiva. Assim, a escola profissionalizante, deve fornecer
todos os conhecimentos técnicos específicos que possibilitem a adaptação do
trabalhador ao mercado de trabalho, conforme Talavera (2006).

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA dispõe, em seu art. 62, que:


“considera-se aprendizagem a formação técnico-profissional ministrada segundo as
diretrizes e bases da legislação de educação em vigor”, expondo, na seqüência,
seus princípios norteadores:

Art. 63. A formação técnico-profissional obedecerá aos seguintes princípios:


I - garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular;
II - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente;
53

III - horário especial para o exercício das atividades.

A aprendizagem, portanto, deverá ser compatível com a escola, não podendo


envolver atividades perigosas, insalubres, fisicamente penosas e que acarretem
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desgaste psíquico, sendo que as atividades teóricas e práticas deverão ocorrer de


forma alternada (Oliveira, 2006).

A CLT, em seu art. 428, alterado pela Lei nº 11.180/2005, traz a atual
definição do contrato de aprendizagem, dispondo que a aprendizagem é um contrato
de trabalho especial, onde o empregador compromete-se a assegurar ao maior de
14 anos e menor de 24 anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação
técnico-profissional metódica. O contrato deve ser ajustado por escrito e por prazo
determinado e a aprendizagem deve ser compatível com o desenvolvimento físico,
moral e psicológico do aprendiz. Ainda, autorizado fica, seja excedido o limite de
idade máximo quando se tratar de jovem portador de deficiência.

Transcreve-se referido artigo, na atual redação:

Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial,


ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se
compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e
quatro) anos inscrito em programa de aprendizagem formação técnico-
profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e
psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência as tarefas
necessárias a essa formação. (Redação dada pela Lei nº 11.180, de 2005)
§1º - A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na
Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e freqüência do
aprendiz na escola, caso não haja concluído o ensino médio, e inscrição em
programa de aprendizagem desenvolvido sob orientação de entidade
qualificada em formação técnico-profissional metódica. (Redação dada pela
Lei nº 11.788, de 2008)
§2º - Ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o
salário mínimo hora. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)
§3º - O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de 2
(dois) anos, exceto quando se tratar de aprendiz portador de deficiência.
(Redação dada pela Lei nº 11.788, de 2008)
§4º - A formação técnico-profissional a que se refere o caput deste artigo
caracteriza-se por atividades teóricas e práticas, metodicamente
organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no
ambiente de trabalho.. (Incluído pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000)
§5º - A idade máxima prevista no caput deste artigo não se aplica a
aprendizes portadores de deficiência. (Incluído pela Lei nº 11.180, de 2005)
§6º - Para os fins do contrato de aprendizagem, a comprovação da
escolaridade de aprendiz portador de deficiência mental deve considerar,
sobretudo, as habilidades e competências relacionadas com a
profissionalização. (Incluído pela Lei nº 11.180, de 2005)
54

§ 7º - Nas localidades onde não houver oferta de ensino médio para o


cumprimento do disposto no § 1º deste artigo, a contratação do aprendiz
poderá ocorrer sem a freqüência à escola, desde que ele já tenha concluído
o ensino fundamental. (Incluído pela Lei nº 11.788, de 2008).
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A novidade advinda com a alteração dos dispositivos, conforme Oliva (2006),


está na ampliação do limite de idade do aprendiz para 24 anos, o que,
consequentemente, amplia “consideravelmente a faixa de jovens que terão acesso
ao mercado de trabalho pelo contrato de aprendizagem” (p. 217).

Quanto à natureza jurídica da aprendizagem, há três correntes: a primeira


dispõe que o contrato de aprendizagem é efetivamente um contrato de trabalho,
embora possua finalidade de ensino; a segunda, nega o caráter de contrato de
trabalho, tendo em vista que a finalidade principal é o aprendizado; já a terceira,
entende que a aprendizagem é um contrato sui generis (Nascimento, 2002).

Adotando a primeira corrente, Oliva (2006, p. 221) considera o contrato de


aprendizagem como um contrato de trabalho, “mas de natureza especial, por
envolver uma relação triangular – empresa, instituição de aprendizagem qualificada
e adolescente”.

Para Machado (2003, p. 190), no entanto, a aprendizagem “é faceta muito


limitada, bastante precária, do direito à profissionalização, na complexidade do
mundo contemporâneo”, sustentando, ainda, que nos termos em que está
configurada no art. 428 da CLT não é atividade educativa, mas sim, laboral pois,
embora contemple medidas para a formação profissional, a atividade está norteada
pelos princípios de produtividade e lucro do empregador.

Neste sentido, em que pese esteja em fase de aprendizado, é preciso,


conforme Talavera (2006), que o trabalhador aprendiz esteja ciente que do sucesso
da empresa depende sua remuneração e neste sentido o ECA prevê a possibilidade
de o menor receber uma bolsa de aprendizagem, “que significa uma remuneração a
que o estagiário faz jus devido a sua inserção no processo de produção” (Talavera,
2006, p. 101).

A bolsa aprendizagem tem previsão no art. 64 do ECA, sendo que, conforme


art. 65 do mesmo estatuto “ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são
assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”.
55

Importante lembrar que estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados


a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem de 5%
até 15% dos trabalhadores cujas funções exijam formação profissional, o que não se
aplica para entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a educação
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profissional, a teor do que dispõem os artigos 429 e 425, §1º, ambos da CLT.

As exigências para o contrato de aprendizagem são:

1) anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social;


2) matrícula e freqüência do aprendiz à escola [...];
3) duração máxima do contrato de dois anos;
4) jornada diária de seis horas, sendo vedadas horas extras e compensação
de horas, limite que poderá ampliar-se para até oito horas para aqueles que
completarem o ensino fundamental, se forem computadas as horas
destinadas à aprendizagem teórica;
5) garantia, ao aprendiz, de no mínimo o salário mínimo horário
(Nascimento, 2002, p. 184).

No que tange aos direitos específicos do aprendiz, Oliva (2006) enfatiza que
tem aquele, de regra, os mesmos direitos do empregado em geral, havendo algumas
particularidades, dentre elas as previstas nos arts. 433 e seguintes da CLT:

Art. 433. O contrato de aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou


quando o aprendiz completar 24 (vinte e quatro) anos, ressalvada a
hipótese prevista no § 5º do art. 428 desta Consolidação, ou ainda
antecipadamente nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei nº
11.180, de 2005)
I – desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz;
II – falta disciplinar grave;
III – ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou
IV – a pedido do aprendiz.
§2º - Não se aplica o disposto nos arts. 479 e 480 desta Consolidação às
hipóteses de extinção do contrato mencionadas neste artigo.

Tal contrato extinguir-se-á quando findo o seu prazo ou quando o aprendiz


atingir a idade máxima. Ainda, poderá ser extinto antecipadamente quando o
aprendiz tiver desempenho insuficiente ou inaptidão, falta disciplinar grave, ausência
injustificada à escola que implique na perda do ano letivo, ou ainda, a pedido do
aprendiz. No caso de rescisão antecipada, não fica assegurada ao aprendiz a
indenização de metade da remuneração do período faltante para o fim do contrato,
nos termos do artigo 433, §2º da CLT (Nascimento, 2002).
56

3.6.3 Trabalho educativo

Outra possibilidade juridicamente possível de trabalho do menor é o trabalho


educativo, previsto no ECA, que assim dispõe:
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Art. 68. O programa social que tenha por base o trabalho educativo, sob
responsabilidade de entidade governamental ou não-governamental sem
fins lucrativos, deverá assegurar ao adolescente que dele participe
condições de capacitação para o exercício de atividade regular remunerada.
§ 1º Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral em que as
exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do
educando prevalecem sobre o aspecto produtivo.
§ 2º A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a
participação na venda dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter
educativo.

Para Oliveira (2002), o trabalho educativo não se trata de uma atividade


laborativa qualquer, mas sim de um projeto pedagógico que visa ao
desenvolvimento pessoal e social do educando e, por assim ser, o ritmo e as
atividades deverão ser preestabelecidos por programa educacional.

Mesmo recebendo remuneração ou tendo participação na venda dos produtos


de seu trabalho, estando o adolescente a exercer trabalho predominantemente
educativo, tal não “subtrairá a natureza educativa do trabalho, nem gerará, portanto,
vínculo empregatício entre as partes envolvidas” (Oliva, 2006, p. 249).

Sobre a espécie, vale ainda citar o seguinte entendimento:

O trabalho educativo, embora historicamente tenha sua raiz no trabalho


social com crianças e adolescentes encontrados em estado de
necessidade, não pode e não deve, de maneira alguma, ser reduzido a este
aspecto de sua evolução. Na verdade, a introdução do instituto do trabalho
educativo no Estatuto da Criança e do Adolescente nos dá a base legal para
a organização de escolas-cooperativas, escolas-oficiais, escolas-empresas,
dirigidas a qualquer tipo de educando e não apenas às crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social (Costa, 2002, p. 224).

Nessa conceituação de trabalho poderão enquadrar-se atividades como: o


estágio (fora da relação de emprego), atividades profissionalizantes de
“cooperativas-escola” ou “escola-produção”, atividades de reciclagem ou
requalificação profissional, entre outras, sendo que poderá ser realizado dentro ou
fora de uma relação de emprego (Oliveira, 2002).

Para Costa (2002, p. 223), “o trabalho educativo não é um trabalho qualquer”,


pois se trata de uma relação laborativa específica, sendo sua finalidade principal o
57

desenvolvimento pessoal e social do educando, sem se excluir, no entanto, a


possibilidade de produção de bens ou serviços.

E é neste contexto que se encontram os aspectos mais desafiadores no


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sentido de haver um limite entre o trabalho simplesmente produtivo e o trabalho


educativo. Ainda conforme o mesmo doutrinador, entende-se que neste ponto
deverão ser tomados em conta o número de horas voltadas para a formação do
educando e o caráter das atividades laborais realizadas em termos de ritmo e
estruturação pedagógica, “ou seja, as atividades laborais devem ajudar e não
prejudicar o processo de aprendizagem/ensino” (Costa, 2002, p. 224).

Desta forma, o que se verifica é uma busca legal de inserção gradativa e


parcial do menor no mercado do trabalho e, principalmente, de um maior preparo e
qualificação dos jovens através da “educação para o trabalho”, em que pese
ocorram formas de desvirtuamento da real intenção, eventualmente.

Existindo, então, todo um aparato regulamentar que busca efetivar os direitos


fundamentais das crianças e adolescentes e que reconhece o trabalho dos mesmos
como uma atividade que lhes é prejudicial, qual seria o motivo da persistência do
trabalho infantil no Brasil?
58
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4 DIFERENTES ABORDAGENS ACERCA DA IDADE MÍNIMA PARA


O TRABALHO

Realizada a análise histórica e legislativa, caberá neste capítulo expor


posicionamentos acerca dos limites de idade para o trabalho infantil.

Primeiramente, destaca-se que trabalho é “uma das atividades coletivas


humanas que historicamente mais contribuíram para agregar os homens em
sociedade” (Machado, 2003, p.173), como visto. Mas, por outro lado, o mesmo, ou a
apropriação das riquezas que ele produz “é a fonte dos maiores conflitos da história
da humanidade”, gerando, inclusive, a exploração do trabalho infantil, o que se
procura superar atualmente, como lembra Machado (2003, p. 175-176).

Mazzotti (2002, p. 88-89) dispõe que são duas as ordens de preocupações


que motivam os esforços pela erradicação do trabalho infanto-juvenil: “as condições
de trabalho impostas às crianças e aos adolescentes e os prejuízos causados à
escolarização”. Isto porque, a maioria das crianças trabalha muito e ganha pouco,
além de não estar protegida pela legislação trabalhista, sendo que os prejuízos na
escola se demonstram através da repetência, baixo grau de instrução, bem como da
evasão escolar.

Visto como solução para os problemas das crianças pobres por alguns, o
trabalho infantil tem sido reconhecido por outros como um grave problema, pois,
perpetua a miséria e promove maior exclusão dos mais desfavorecidos. E sob esta
ótica, o Brasil, ampliando a idade mínima para o trabalho de 14 para 16 anos e
ratificando convenções e recomendações internacionais, parece buscar livrar-se
59

desse mal que perdura há mais de 500 anos (Oliva, 2006).

4.1 A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento


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Como visto, a Constituição Federal de 1988 criou um sistema especial de


proteção aos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, consolidado
em seu art. 227, entre outros, sendo inspirado na doutrina da Proteção Integral.

Para Machado (2003, p. 109), o ponto central da positivação constitucional


está na compreensão da condição peculiar de pessoas humanas em
desenvolvimento, pois “crianças e adolescentes encontram-se em situação especial
e de maior vulnerabilidade, ensejadora da outorga de um regime especial de
salvaguardas”, e que, portanto, permita que constituam plenamente suas
potencialidades humanas sob todos os aspectos, quais sejam: físico, psíquico,
intelectual, moral e social.

Neste sentido, Loguercio (2006, p. 94) afirma que “todo o trabalho infantil é
altamente prejudicial à formação física, psíquica e emocional da criança” sendo,
ainda, responsável por reproduzir o ciclo da miséria, pois, além de impedir o acesso
à educação formal, a mão-de-obra infantil está ocupando o lugar dos trabalhadores
pais de família. Assim, conforme a autora, as crianças se tornam alvo das piores
explorações, “dos trabalhos mais pesados e impróprios para seus frágeis
organismos, da absoluta negação de qualquer proteção legal ou fática” (Loguercio,
2006, p. 95).

Para Sarmento (2005, p. 365-366), a infância é historicamente construída a


partir de um longo processo de desenvolvimento que lhe atribuiu um “estatuto social
e que elaborou as bases ideológicas, normativas e referenciais do seu lugar na
sociedade”. Tal estatuto, no entanto, não se esgotou, pois é continuamente
atualizado pela prática social, nas interações entre crianças, e entre crianças e
adultos.

As crianças devem ser consideradas como uma população dotada de traços


culturais, ritos, linguagens, estruturas e “modelos de ações” próprios. Não podem,
entretanto, “ser vistas como um universo prefigurando o dos adultos, e ainda menos
como uma cópia imperfeita do mundo adulto” (Javeau, 2005, p. 385), pois são
dependentes do grupo adulto, ou seja, as crianças - pelo menos nos primeiros anos
60

de vida - são incapazes de sobreviver sozinhas, o que demanda, evidentemente,


cuidado dos adultos. Por isso, os adultos “com elas contraem uma obrigação
tendencial e progressivamente regulada de proteção jurídica e de defesa ante a
vulnerabilidade constitutiva” (Sarmento, 2005, p. 366).
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A infância designa um conceito polissêmico que reenvia a uma


multiplicidade de dimensões ou campos. Se esse conceito é reduzido ao
termo “criança”, entra-se no campo psicológico; ao termo “infância”, no
campo demográfico, o qual se revela ser também de ordem econômica; se
se fala de “crianças”, entra-se no campo propriamente antropológico ou
socioantropológico. A área que essa última dimensão define constitui o
verdadeiro objeto susceptível de ser abordado pelas ciências sociais no que
diz respeito a essa faixa da população (Javeau, 2005, p. 379).

Na maioria dos países, o direito comum fixa com precisão as idades em que
as diversas “maturidades” são proclamadas adquiridas, quais sejam: sexual, civil,
política, entre outras. Neste sentido, Javeau (2005) disciplina que:

Conforme o contexto institucional, essas idades podem variar


consideravelmente. Mas sabe-se, tomando-se em consideração somente os
países atualmente mais desenvolvidos, que, se a idade de entrada no
mercado de trabalho – e por conseguinte a vida simplesmente – era de
apenas 14 anos há alguns decênios para a maioria dos meninos e das
meninas, hoje em dia essa idade é muito mais alta. Ao mesmo tempo, o
começo da adolescência – fase de experiência que os jovens acima
evocados não conheciam pois passavam sem transição da escola primária
ao trabalho operário ou agrícola – deslocou-se, quanto a ele, para baixo, de
modo que se o coloca por volta dos 10 anos para os adeptos da sociedade
de consumo, isto é, para a maioria das faixas demográficas às quais se
refere. O período da adolescência se estira, pois, da pré-puberdade até o
momento da entrada no mercado de trabalho, isto é, por volta dos 25 anos.
E ainda assim certos autores fazem durar a “post-adolescência” até mais ou
menos 30 anos. Neste ponto da questão, escolheremos fixar por volta dos
10 anos o limite superior da faixa de idade que nos ocupa, insistindo porém
no fato de que se trata somente de uma aproximação cômoda que não se
aplica a todas as situações empiricamete detectáveis.
Mas as delimitações demográficas não são as únicas a serem levadas em
consideração. Outros pontos de vista o devem ser igualmente (Javeau,
2005, p. 381).

As mudanças sociais, que a infância tem sofrido como categoria estrutural,


bem como o modo como as crianças contribuem para a sociedade contemporânea,
estão ganhando nova conceitualização: a situação da infância contemporânea
convida à interrogação sociológica sobre as promessas incumpridas da
modernidade ante a infância. E assim sendo, a construção histórica da infância se
deu através de um conjunto de prescrições e de interdições, formas de
entendimento e modos de atuação, que se inscrevem na definição do que é
61

admissível e do que seria inadmissível de ser feito com as crianças ou que estas o
fizessem. Ou seja, a concepção moderna do conceito de infância se deu a partir da
separação do mundo dos adultos e de institucionalização das crianças, onde a
criação de creches e escolas públicas teve um papel determinante com o
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alargamento dos anos de escolaridade e do tempo efetivo de frequência (Sarmento,


2005).

A Constituição Federal de 1988 não ignorou que o ordenamento jurídico


cumpre “função dinâmica organizadora das relações sociais”, conforme Machado
(2003, p. 125). Para a autora, a “conformação estrutural especial dos direitos
fundamentais de crianças e adolescentes (...) diz também com esta regulação pelo
Direito das transformações nas relações sociais”, (Machado, 2003, p. 131). Assim,
através do art. 227, §3º, I, assegura ao menor o direito de não trabalhar, não assumir
a responsabilidade pelo sustento seu e de sua família e assim o faz por
compreender que nessa tenra idade é primordial a preservação de fatores básicos
que constituem o adulto de amanhã, tais como:

(I) o convívio familiar e os valores fundamentais que aí se transfundem; (II)


o inter-relacionamento com outras crianças, que molda o desenvolvimento
psíquico, físico e social do menor; (III) a formatação da base educacional
sobre a qual incidirão aprimoramentos posteriores; (IV) o convívio com a
comunidade para regular as imoderações próprias da idade (Vianna, 2005,
p. 1013-1014).

Portanto, reconhecendo as desigualdades, a legislação brasileira reconheceu


também a necessidade de superá-las.

4.2 Os motivos e as consequências do trabalho infantil no Brasil

A legislação apresentou grande evolução no Brasil, há diversas campanhas


de esclarecimento à população e foram criados alguns programas para combater a
exploração do trabalho infantil. Mas a irreguladidade ainda ocorre, com mais
frequência e em números maiores do que se imagina.

Isto se denota através do estudo realizado pela OIT, que estima que cerca de
5 milhões de crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhavam no Brasil no
início da década de 90, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios - PNAD 2001, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
62

(Organização Internacional do Trabalho, 2008).

Segundo a PNAD de 2007 (IBGE, 2007), o Brasil ainda tinha cerca de 2,5
milhões de crianças e adolescentes de 5 a 15 anos que trabalhavam, o que
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representava uma porcentagem de 6,6% do total de pessoas nessa faixa etária - que
totalizava 37.938.344. Comparado com os anos anteriores, houve avanço, embora
pequeno, já que em 2004 havia quase 2,8 milhões de crianças em situação de
trabalho infantil e, em 2005, ainda houve relativo aumento.

Esta última pesquisa ainda apontou que, entre os 2,5 milhões de meninos e
meninas brasileiros que trabalhavam, 2,5% deles não estudavam, ou seja, cerca de
62,5 mil crianças sem educação formal. Em relação ao tipo de ocupação das
crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, apurou-se que cerca 63% delas trabalham
com atividades não-agrícolas, (tarefas domésticas, em indústrias, no comércio, entre
outros), enquanto que as atividades agrícolas ocupavam 37% de meninos e meninas
na faixa etária, totalizando 925 mil. De acordo com as faixas etárias da pesquisa, as
crianças de 5 a 9 anos com ocupação somavam 195 mil meninos e meninas, das
quais a maioria delas (cerca de 147 mil) exerciam atividades agrícolas. No grupo de
10 a 14 anos, apontou-se maior equilíbrio entre as atividades agrícolas e não
agrícolas, mas o número total de pessoas com ocupação passava de 1,8 milhão.

A pesquisa apontou, ainda, a tendência de que quanto mais velhas, maior a


tendência dos jovens se evadirem para as cidades ou outras áreas, que não a da
lavoura, para trabalhar.

O que se vê, então, é uma contradição entre a legislação e a realidade. Neste


sentido Marin (2006) entende que necessário se faz o estudo da estrutura de
produção das relações de trabalho, pois o que se vê é que, na medida em que ao
capital interessa produzir mercadorias a baixos custos, os princípios humanitários
dos direitos das crianças e dos adolescentes passam a ser letra morta. Salienta,
também, que, ao mesmo tempo que a pobreza e a marginalização se tornam
ameaças à sociedade, o trabalho é apresentado como meio natural de socialização
para crianças e adolescentes pobres.

E como lembra Javeau (2005):

Seria fútil negar que o trabalho de socialização, ele mesmo dividido em uma
fase “primária” e em várias fases “secundárias”, não se insere num
substrato biológico cuja universalidade não pode ser contestada. Mas nem
63

mesmo esse substrato escapa à “construção social da realidade”. Como


para com os “velhos”, a infância é objeto de uma definição social, mais ou
menos partilhada pela população interessada. De um certo modo, e por
paradoxal que essa afirmação possa parecer, não se nasce criança, vem-
se a sê-lo. Há ainda neste planeta muitos lugares onde a maneira de se
tornar criança não tem nada a ver com uma sinecura, nem com uma história
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de nursery, de creche ou de kindergarten (Javeau, 2005, p. 382, grifei).

Neste mesmo sentido, vale transcrever os ensinamentos de Sarmento (2005):


Longe de ser meramente constituída por factores biológicos,
correspondentes ao facto de ser integrada por um grupo de pessoas que
têm em comum estarem nos seus primeiros anos de vida, a infância deve a
sua natureza sociológica, isto é, o constituir-se como um grupo com um
estatuto social diferenciado e não como uma agregação de seres
singulares, à construção histórica de um conjunto de prescrições e de
interdições, de formas de entendimento e modos de actuação, que se
inscrevem na definição do que é admissível e do que é inadmissível fazer
com as crianças ou que as crianças façam. (Sarmento, 2005, p. 367, grafia
original).

O que se nota, somente com o passar do tempo, é que esta alternativa


paliativa provoca o isolamento relacional e se reproduz entre gerações,
transformando a pobreza num legado, conforme destaca Neves (2001):

A transmissão intergeracional da posição precária adquire maior


expressividade no caso das famílias que se valem do trabalho remunerado
(direta ou indiretamente) dos filhos durante a infância. Estes, desde tenra
idade, devem internalizar os limites sociais como modo natural de estar no
mundo. São excluídos do acesso a alternativas de mudança de posição,
porque integram poucas chances de conhecer outras formas de inserção
social. Pelo contrário, acumulam as desvantagens da desqualificação,
quando não são precocemente inviabilizados como portadores de força de
trabalho mercantil, diante de acidentes e doenças profissionais e, da mesma
forma, precocemente convertidos em deficientes e indigentes (Neves, 2001,
p. 151).

Talavera (2006, p. 106) salienta que os números são alarmantes e


reveladores de uma realidade assombrosa pois, “nada menos que 3,50 milhões de
crianças brasileiras perdem a infância trabalhando”. Diante dos descasos das
autoridades, o Brasil parece referendar a opinião de que “a educação alarga a
mente, porém não ajuda a sobreviver” (Talavera, 2006, p. 107), onde a
escolarização não se mostra uma alternativa para obtenção de trabalho, o que faz
com que muitos pais concluam em favor da alternativa do trabalho de seus filhos
como a mais sensata para a sobrevivência.
64

Atendo-se aos efeitos intergeracionais do trabalho infantil entre trabalhadores


rurais da agroindústria sucro-alcooleira, Neves (2001) enfatiza que o trabalho
realizado pelas crianças garantia a socialização desses como futuros trabalhadores.
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Nesta atividade produtiva, a incorporação do trabalho infantil sempre fora


constitutiva dos diversos modos de estruturação dos sistemas de
imobilização da força de trabalho. Tanto no sistema de escravidão como no
da parceria, que o sucedeu, o trabalhador se agregava como progenitor. Ele
assegurava assim a força de trabalho extraordinária para momentos de pico
produtivo (a colheita e o transporte da cana-de-açúcar das unidades
agrícolas para as unidades fabris). Além disso, garantia a socialização
dos futuros trabalhadores. Sob o assalariamento massivo, forma
predominante de vinculação da força de trabalho no contexto da
interdependência entre agricultura e indústria, especialmente utilização
intensa de instrumentos mecanizados no processo de trabalho agrícola, o
uso do trabalho de crianças e jovens continuou a operar como recurso de
imobilização da força de trabalho.
Como este uso precoce tende a inviabilizar a maioria dos trabalhadores
rurais para muitas outras condições de inserção no mercado de trabalho,
ele constrói a disponibilidade para o recrutamento sazonário (Neves, 2001,
p. 150-151, grifo meu).

Mas consenso entre os especialistas no assunto é que o trabalho infantil é


uma chaga que precisa ser extirpada da sociedade brasileira e que não existe
apenas uma causa para o trabalho infantil, “mas sim uma combinação de fatores: do
acesso às escolas ao tamanho da família e de sua renda”, como destaca Peres
(2002, p. 27). Assim, a baixa qualidade das escolas, renda per capta, o desemprego
e até mesmos fatores culturais influenciam e contribuem para a exploração da mão-
de-obra infantil.

4.2.1 Necessidade e valor do trabalho infantil

Como visto, o trabalho infantil recebeu diferentes conotações no curso da


humanidade. Atualmente, sua coibição se contrapõe à necessidade e valoração do
mesmo em determinados segmentos, principalmente na camada mais pobre da
população. Enquanto para uns é visto como uma prática cruel que compromete o
desenvolvimento da criança, para outros é visto como forma de dignificação como
trabalhador ou uma fuga à criminalidade e à pobreza.

Sob a ótica dos direitos fundamentais, Machado (2003) afirma haver um


conflito de valores que o ordenamento jurídico busca harmonizar.

No que se refere ao trabalho infantil, principalmente no âmbito da agricultura


65

(familiar ou não), um aspecto muito levantado é a sua necessidade, tanto como meio
de inserção social, quanto como forma de complementação de renda familiar, pois,
conforme estudo realizado por Marin (2006). Muitos dos pais consideram o trabalho
como uma “agência educadora”, disciplinadora e capaz de evitar que os filhos
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entrem para o mundo da mendicância, da marginalidade ou do crime, pois sentem-


se ameaçados diante da ausência de alternativas de educação para as crianças.

Sob outro aspecto, Javeau (2005) disciplina que, as competências cognitivas


e comportamentais da criança são adquiridas principalmente na escola, que é um
dos lugares essenciais - juntamente com a família e demais grupos (formados na rua
ou na própria escola) - para que surjam as modalidades de interação dos mais
jovens à sociedade global. Destaca que em muitas sociedades a infância é
considerada improdutiva, ultrapassando os limites mínimos fixados em lei por ser
extremamente respeitada a obrigação escolar. Também sob o aspecto econômico, o
aluno é visto como investimento, sendo a escola considerada como um local de
produção de competências, “cujo efeito diferido é suposto ser útil à conservação e
se possível ao incremento do bem-estar material, componente essencial do sistema
social global” (Javeau, 2005, p. 383).

Neste sentido, há de se destacar o exemplo de Portugal:

A geração da infância está, por consequência, num processo contínuo de


mudança, não apenas pela entrada e saída dos seus actores concretos,
mas por efeito conjugado das acções internas e externas dos factores que a
constroem e das dimensões de que se compõe.
[...] a alteração das políticas públicas no que respeita ao alargamento a
escolaridade tem impactos tanto nos cotidianos das crianças quanto na
conceptualização que delas temos, por efeitos correlativos na entrada no
mundo do trabalho, na possibilidade de condições autónomas de existência
e no peso das responsabilidades sociais; aliás, isso é significativo em
Portugal, onde nas três últimas décadas ocorreram importantes mudanças
nos anos de freqüência e nas taxas de abandono da escolaridade
obrigatória, colocando a posição estrutural das crianças que actualmente
frequentam este nível de escolaridade numa posição muito distinta com
relação à dos seus pais, ao trabalho escolar, à expectativa de frequência, às
aspirações de emprego etc (Sarmento, 2005, pg. 366, grafia original)

Em relação à educação, em seu estudo realizado no Brasil, Marin (2006)


enfatiza que, na maioria das vezes, os locais de trabalho ficam distantes das
residências. Isto faz com que muitos trabalhadores permaneçam por muito tempo
afastados de casa. Estes sabem que, por um período do dia, seus filhos estarão
ocupados na escola, mas temem os riscos do ócio do turno em que não possuem
66

estas atividades, já que não dispõem de locais (como creches) onde deixá-los. Por
esta razão, muitos pais preferem levar seus filhos para o local trabalho, à deixá-los
em casa e, assim, diante de tantos problemas, depositam no trabalho a esperança
de desenvolver nos filhos o senso da disciplina e ao mesmo tempo controlar o tempo
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livre daqueles. Consequentemente, não lhes agradam as leis que interditam o


trabalho infantil e que prolongam a idade para o ingresso no mercado de trabalho.

Neste mesmo sentido, Carlos Amaral apud Peres (2002) destaca que o
trabalho infantil passa principalmente pela questão socioeconômica, pois para as
crianças o trabalho proporciona ter acesso a bens que valorizam e que os pais não
podem lhes oferecer, enquanto “os pais, por sua vez, pensam que, colocando os
filhos para trabalhar, estão fazendo um bem a eles, impedindo que se tornem
delinqüentes e vagabundos” (Peres, 2002, p. 28).

O fim da infância, associada à entrada direta no mundo do trabalho, significa


conquista de maior autonomia propiciada pelo salário ganho com o próprio
esforço físico, bem como a introjeção da disciplina e do comportamento
social apropriados aos adultos. A iniciação no trabalho implica a
internalização do domínio das habilidades e dos movimentos corporais,
processo este que não deve ser adiado por muito tempo, pois “a vocação”
pode ser outra que não o trabalho. [...] Os pais de família entendem como
sua a missão primordial de desenvolver o senso da responsabilidade dos
futuros trabalhadores, evitando a agregação daqueles valores que
configuram a antítese do homem trabalhador (Marin, 2006, p. 58).

No que tange à educação, entende-se que a mesma está ligada também ao


desenvolvimento da personalidade infanto-juvenil, estando inserida, tanto no rol do
art. 6º como no art. 208, ambos da Constituição Federal de 1988, considerando-a
como direito de todos e conferindo obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
fundamental, como lembra Machado (2003):

É tão marcadamente de prestação positiva o dever imposto ao Estado de


assegurar o direito à educação de crianças e adolescentes, que não basta
que oferte vagas para todos, observando o conteúdo da educação já
delimitado no próprio texto constitucional; a Constituição exige do Estado o
recenseamento de crianças e adolescentes em idade escolar, que faça a
chamada deles e que zele, junto com os pais, pela frequência à escola
(Machado, 2003, p. 194).

Dito isto, a pobreza e a miséria brasileiras poderiam levar à conclusão de que


o trabalho dos menores de 16 anos seria necessário, inclusive, para a própria
subsistência da família. Entretanto, Oliva (2006, p. 163) questiona: “será que é justo
atribuir tal responsabilidade a um adolescente?”. Para o autor, até a referida idade o
67

jovem deve se preparar para a vida, “primeiro brincando e, depois, frequentando os


bancos escolares. E é incumbência do Estado garantir-lhe condições para tal” (Oliva,
2006, 164).
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A OIT (Organização Internacional do Trabalho, 2007), destaca que muitos


buscam justificar o trabalho infantil argumentando que “crianças e jovens (pobres)
devem trabalhar para ajudar a família a sobreviver”, “o trabalho enobrece a criança”,
“antes trabalhar que roubar”, entre outros. Mas, frisa que é a família quem deve
amparar a criança, e, alternativamente, o Estado, na incapacidade daquela.

“Atualmente, é difícil conscientizar a população sobre os benefícios de vedar-


se o trabalho daqueles que ainda não completaram 16 anos” (Oliva, 2006, p. 162),
pois, mesmo sendo proibido, procura-se muitas vezes justificar o trabalho infantil.

Por outro lado, tanto pela sociedade brasileira como por órgãos
internacionais, tornou-se recorrente a valorização da infância como período do
estudo, da brincadeira, da inocência e da irresponsabilidade social, buscando
erradicar esta forma de trabalho. Isto porque, quando a criança ou adolescente
exercita o trabalho pela necessidade de prover o próprio sustento, “o trabalho
conflita com outros interesses seus, quais sejam, aqueles ligados ao
desenvolvimento da personalidade” (Machado, 2003, p. 177).

Portanto, a legislação volta-se para proteção cada vez maior das crianças e
adolescentes, entendendo que devem ser atacadas as causas do problema, e não,
simplesmente buscar minimizar os seus efeitos (Oliva, 2006).

O texto constitucional e o ECA representam um avanço extraordinário,


colocando o Brasil na vanguarda de legislações a respeito da criança. Os
instrumentos apresentados são muito significativos e, diante da realidade que se
apresenta na sociedade brasileira, Coelho (2002) entende melhor haver ferramentas
jurídicas qualificadas para a luta pela modificação da mesma – embora nem sempre
eficazes – do que não tê-las.

O Estatuto, dando cumprimento à Constituição, legisla igualmente sobre a


instrumentação para serem alcançados os direitos, e, por isto, já no seu art.
3° é enfatizado que são asseguradas, por lei ou por outros meios, todas as
oportunidades e facilidades para seu desenvolvimento físico, mental,
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
A grande meta é o desenvolvimento como pessoa humana [...]. Uma
sociedade será justa no momento em que se oportunizar a todas as suas
crianças e aos seus adolescentes estas condições de desenvolvimento
68

íntegro, nas diferentes dimensões fundamentais do ser humano. Para que


este ‘desenvolvimento’ não seja transposto como objetivo para
organizações autoritárias, massificantes, sufocantes, como muitas vezes
acontece em seu nome, o Estatuto condiciona explicitamente a liberdade e
a dignidade da criança ou do adolescente como pré-requisito inarredável
para este desenvolvimento acontecer (Coelho, 2002, p. 36).
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Há de se lembrar que as transformações sociais não se dão de forma


imediata, tampouco por força exclusiva e automática da lei, fazendo-se necessária a
adoção de um caminho para se chegar ao objetivo, para Machado (2003),
destacando que:

Por outras palavras, e quiçá de maneira meio simplista, se pelo consenso


político-social plasmado na Constituição de 1988, a nação não reconhece
força em si mesma para reduzir de chofres as desigualdade sociais ao
patamar mínimo delineado no texto constitucional, opta-se por priorizar a
efetivação dos direitos da infância, na perspectiva de que, temporal e
gradualmente, vai-se assegurando patamares de maior igualdade; e, assim,
paulatinamente se vai diminuindo a desigualdade social, pois conforme as
crianças “mais iguais estatisticamente” vão crescendo, o problema da
desigualdade, como um todo, tende a diminuir; espera-se criar um círculo
virtuoso, e menos traumático politicamente, de superação da desigualdade
social, já que a criança de hoje é o adulto do futuro (Machado, 2003, p.
133-134, grifei).

Loguercio (2006) questiona de que forma fiscalizar e conter o trabalho


insalubre, perigoso e noturno de meninos e meninas que estão sendo escravizados
pelo trabalho e conclui:

O número sempre insuficiente de funcionários e os riscos (inclusive de vida)


a que estão submetidos os fiscais do trabalho em várias regiões do país têm
contribuído para a persistência dessa vergonha nacional. A multiplicação de
órgãos de combate, os Fóruns nacional e regional de Erradicação do
Trabalho Infantil, as Bolsas PETI (...), não têm sido suficientes para barrar
ou amo menos para não aumentar o uso da mão de obra infantil.
Torna-se indispensável a correta compreensão deste fenômeno, não
apenas como um problema social a ser resolvido com o pagamento de uma
bolsa para que a família não precise mandar uma criança para o trabalho.
Urge a punição dos tomadores do trabalho infantil. Quando (...) o trabalho
infantil é forçado pelos próprios pais do menor, em razão, de um lado, da
ignorância, e, de outro, da necessidade de aumentar a produção exigida ou
a renda necessária, cumpre que a penalização recaia sobre os tomadores
do trabalho daquela família (Loguercio, 2006, p. 95).

No Brasil, verifica-se que o trabalho infantil é cultural e está vinculado à


pobreza e às deficiências do sistema de educação. De acordo com a UNICEF, os
principais fatores que determinam a oferta da mão-de-obra infantil estão, assim,
ligados à pobreza das famílias, valores e tradições sociais, bem como à “ineficiência
69

do sistema educacional no Brasil, que torna a escola desinteressante para os alunos


e promove elevadas taxas de repetência e evasão” (Oliva, 2006, p. 140).

Estudos da Organização Internacional do Trabalho revelam também que a


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educação compulsória é uma das mais efetivas formas de evitar o trabalho infantil.
No entanto, sem sentido são as leis que a tornam obrigatória “se não houver número
adequado de escolas disponíveis e se material, uniforme, transporte etc. não forem
acessíveis ou subsidiados”, lembra Peres (2002, p. 31).

Para Oliva (2006), somente quando compreendidos os nefastos resultados


econômicos que a exploração da mão-de-obra infantil acarreta, é que os
governantes deixarão de enfrentá-lo na teoria e passarão a adotar práticas eficazes
de combatê-lo. A subtração das crianças dos bancos escolares trará consequências
futuras, uma vez que as nações que não preparam suas crianças e seus jovens
adequadamente, investindo na formação educacional e profissional dos mesmos,
pagarão pela irresponsabilidade de uma política equivocada. Assim, a erradicação
do trabalho infantil deve, primordialmente, ser entendida como uma forma de
combater a pobreza, desenvolver a educação e garantir a eficácia dos direitos
humanos.

4.3 Críticas aos limites legais

O Brasil, através da Emenda Constitucional de nº 20/98, adotou idade mínima


superior à recomendada pela Convenção Internacional nº 138 da OIT. Encontra-se
em situação confortável perante a comunidade internacional, neste aspecto, pois,
enquanto que muitos países buscam a adoção da idade mínima indicada, no Brasil
isto já é uma realidade. No entanto, sendo de 15 anos a idade mínima permitida, e
considerando que para países em desenvolvimento se aceita a fixação da idade em
14 anos para ingresso no mercado, algumas críticas têm sido feitas, conforme
lembra Oliva (2006).

Temos a impressão de que nosso legislador, ao aprovar a EC n. 20, estava


persuadido de que o Brasil é uma nação do primeiro mundo e de que, sob
os primas cultural, social e econômico, é um todo homogêneo, com taxa de
emprego da ordem de 3% e renda per capta de 25 mil reais. Desse
devaneio do nosso legislador, nasceu um verdadeiro pesadelo para
inúmeros adolescentes que chegaram ao término de sua educação aos 14
ou 15 anos e estão sem acesso ao mercado de trabalho (Saad, 1999, p.
188).
70

Da mesma forma, Süssekind (2005) apresenta alguns argumentos contrários


à elevação da idade mínima para 16 anos. Para ele, o Brasil é um país onde a
economia e a educação estão insuficientemente desenvolvidos, caso em que
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deveria ser adotada a facultatividade de adoção de idade mínima inferior a de 15


anos para inserção no mercado de trabalhos, recomendada na Convenção nº 138 da
OIT.

Destarte, há quem afirme que, se o objetivo do País com a adoção da


recomendação e estabelecendo idade mínima de 16 anos, era de reduzir o índice de
desemprego com a diminuição da população existente na faixa etária considerada
economicamente ativa, tal medida se mostrou ineficaz. Além de não ter ocorrido a
diminuição do índice de desemprego, a medida teria aumentado a população
passível de exploração do trabalho considerado infantil (Oliva, 2006).

No que tange à legislação de outros países, os limites apresentam-se de


forma muito variada. Por exemplo: nos Estado Unidos, a idade mínima para ingresso
no mercado de trabalho é a mesma do Brasil, ou seja, 16 anos de idade. Já na
Inglaterra, é de 13 anos de idade, enquanto que em países como a Suíça,
Alemanha, Itália, Uruguai e Paraguai é de 15 anos de idade. Esta diferença se dá
porque em alguns países a infância está apenas relacionada à idade cronológica,
enquanto que em outros, fatores sociais e culturais também são considerados
(Peres, 2002).

4.4 Programas e projetos que buscam a erradicação do trabalho infantil

Para a erradicação do trabalho infantil “apenas leis não são suficientes”,


sustenta Oliva (2006, p. 140), havendo necessidade de implementação de políticas
públicas e da consolidação de uma rede nacional de prevenção. Com este objetivo,
por todo o Brasil, existem diversas instituições, governamentais e não-
governamentais, que se preocupam com as crianças brasileiras, buscando retirá-las
do ambiente de trabalho e mantê-las na escola. Assim, também destaca Talavera
(2006):

Fundamental e de especial relevância é o papel reservado às organizações


não-governamentais nessa guerra. Isso ocorre porque foram estas
organizações, por meio de suas entidades e lideranças mais combatidas,
militantes e críticas, que saíram à luta contra a iniqüidade da exploração do
71

trabalho infantil e, na prática, são responsáveis pela condução da


mobilidade ética e política que levou à produção do Estatuto da Criança e
do Adolescente (Talavera, 2006, p. 115).

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome


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(Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, 2007), o Brasil é considerado


referência mundial no combate à exploração de crianças, sendo o único país a
adotar política específica contra esta mão-de-obra.

Em 1995, com o apoio da OIT e da UNICEF, foi criado o Fórum Nacional de


Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, objetivando promover a discussão da
eliminação do trabalho infantil e a articulação de ações entre os parceiros, sendo
coordenado pelo Ministério do Trabalho e contando com a participação de órgãos
Federais, centrais sindicais, organizações de empregadores e ONG’s nacionais
(Talavera, 2006).

Após isto, em 1996, o Governo Federal brasileiro criou o Programa de


Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, sendo ele resultado da mobilização da
sociedade, cujo principal objetivo sempre foi de retirar crianças e adolescentes de 7
a 15 anos do trabalho perigoso, penoso, insalubre e degradante:

O PETI é uma ação do governo que desperta em nossas crianças e em


suas família a possibilidade de um outro futuro. Atualmente, as ações de
proteção social especial às crianças e adolescentes vêm sendo
transformadas em política pública e ações continuadas a serem executadas
regularmente por meio do Sistema Único da Assistência Social - SUAS. Ao
lado disto, existe o compromisso do governo federal de alcançar até 2006
todas as crianças e adolescentes utilizados como mão-de-obra. Segundo o
PNAD/2003 são 2,7 milhões, na faixa dos 5 a 15 anos, representando
7,46% das crianças nesta idade. Em 1995, um ano antes da criação do Peti,
eram 5,1 milhões - 13,74% das crianças entre 5 e 15 anos. (PROGRAMA
de Erradicação do Trabalho Infantil, 2007, texto digital)

A OIT, através do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho


Infantil – IPEC, no contexto do trabalho infantil na agricultura familiar, também tem
realizado projetos inovadores no sentido de buscar alternativas econômicas para as
famílias em áreas rurais. As lições aprendidas com o Projeto “Bode-Escola”, em
especial na região sisaleira do País, são hoje reconhecidas internacionalmente como
uma iniciativa eficaz, pois aliam a questão agrária à geração de renda, economia
familiar ao combate do trabalho infantil e proteção do trabalhador adolescente por
meio das organizações comunitárias, governo local e sindicatos de trabalhadores
rurais (Organização Internacional do Trabalho, 2007).
72

Conforme destaca Peres (2002, p. 21), o Brasil foi o primeiro país da América
Latina a fazer parte do referido programa e a escolha se deu devido às “altas taxas
de atividades envolvendo crianças entre 10 e 14 anos”. O índice, na época (1992)
era de 18%, “superando outros países subdesenvolvidos, como Honduras (14,3%),
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Marrocos (14,3%) e Indonésia (11,1%)” (Peres, 2002, p. 21).

O IPEC, além de transferência de alguns recursos financeiros para serem


redistribuídos como bolsas de estudo, vem pressionando os países signatários de
convenções a ratificar as intenções em programas, exigindo a adaptação de
legislações nacionais e a melhoria dos serviços de inspeção do trabalho. No Brasil,
foi criado um programa correspondente, o PETI - Programa de Erradicação do
Trabalho Infantil, que, paulatinamente, vem criando alternativas para retirar crianças
do trabalho em certos setores da produção, embora as medidas sejam ainda muito
tênues e restritas às intenções e à elaboração de modelos de intervenção, para
Neves (2001).

Conforme Peres (2002), outro programa de grande importância para a


erradicação do trabalho infantil é o Bolsa Escola, que faz parte do programa Escola
de Todos, coordenado pelo Governo Federal e que tem como objetivo matricular na
escola todas as crianças do Brasil. Este programa - sabendo que maior parte das
crianças que estão fora da escola não conseguem estudar porque precisam
trabalhar e ajudar seus pais - tem como proposta oferecer para as famílias de baixa
renda uma ajuda de custo mensal para que mantenham seus filhos na escola. Para
fazer parte do Bolsa Escola, a família precisa atender a alguns critérios, como, por
exemplo, ter renda per capta mensal inferior a R$ 90,00 e comprovar que seus filhos
em idade escolar (entre 6 e 15 anos) estejam frequentando a escola.

A família beneficiada com o Bolsa Escola recebe uma ajuda de R$ 15,00 por
criança na escola, com o limite de R$ 45,00 por mês. A cada três meses a
freqüência das crianças é checada e se as faltas passarem de 15%, o benefício
pode ser suspenso. As prefeituras que adotam o Bolsa Escola são responsáveis por
cadastrar e selecionar as famílias beneficiárias e também podem complementar esta
renda (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, 2007).

Dentre algumas das organizações não-governamentais que buscam erradicar,


ou, ao menos diminuir a incidência do trabalho infantil, pode-se citar a Fundação
73

Abrinq pelos Direitos da Criança, a qual foi fundada em 16 de abril de 1990, tendo
como objetivo principal a promoção dos direitos elementares de cidadania das
crianças. A aplicação de seus objetivos se dá por meio de projetos e da articulação
de mobilização da sociedade, sensiblizando e promovendo o engajamento da
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sociedade civil e das forças empresariais em projetos para a solução e dissipação


dos problemas dos menores. Seu principal propósito é a promoção dos direitos
essenciais e elementares inerente às crianças, nos termos da Convenção
Internacional dos Direitos da Criança, Constituição Federal e Estatuto da Criança e
do Adolescente (Talavera, 2006).

Como lembra Oliva (2006), vários programas governamentais e ações de


entidades não-governamentias foram implantados no Brasil, dentre os quais, 100
deles são acompanhados pela OIT. Este fato torna o País um referencial para
muitos outros.
74
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho analisou a situação das crianças e adolescentes no que se


refere ao trabalho infantil, com ênfase nos limites legais estabelecidos e com o
propósito de verificar a adequação dos mesmos.

Inicialmente, para compreensão da evolução legislativa, realizou-se uma


breve abordagem histórica do trabalho em geral, bem como do trabalho infantil, no
mundo e no Brasil. Verificou-se que o trabalho sempre foi atividade presente e
determinante para a evolução da humanidade.

Marco determinante para a ruptura do sistema de economia e produção foi a


Revolução Industrial, que forçou o uso de toda mão-de-obra disponível, inclusive a
de crianças e adolescentes. Neste período, então, diante da massiva incorporação
dos menores ao mercado de trabalho, que se deu de forma desumana e degradante,
a sociedade e governo passam a demonstrar preocupação com o trabalho infantil.

Num segundo momento, após o estudo da evolução constitucional brasileira,


analisou-se a legislação vigente e ordenamentos internacionais adotados, no que
tange ao menor e limites legais para sua inserção no mercado de trabalho. Verifica-
se que o Brasil adotou o limite de 16 anos de idade para o início do trabalho do
menor - salvo na condição de aprendiz - superando a idade recomendada
internacionalmente. Constata-se que o Brasil possui uma legislação extremamente
avançada, reconhecendo a criança e o adolescente como sujeitos em
desenvolvimento, que necessitam, portanto, de proteção especial.
75

Posteriormente, apresenta-se o trabalho infantil sob a perspectiva sociológica:


seu valor e necessidade, bem como motivos da sua utilização e conseqüências que
o mesmo acarreta. Questiona-se o limite legal para o trabalho do menor, bem como
sua adequação perante a realidade social de exclusões e falta de incentivos
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governamentais.

Através do trabalho realizado, verifica-se que o Brasil apresenta uma


realidade contraditória, pois, de um lado, apresenta uma das legislações mais
avançada no que tange à infância e à juventude, e por outro lado, apresenta
estatísticas desoladoras em relação à exploração da mão-de-obra infantil. O limite
de idade mínima para ingresso no mercado de trabalho adotado pela legislação
brasileira é, inclusive, superior ao recomendado na Convenção nº 138 da OIT, o que,
para alguns autores, demonstra avanço, enquanto para outros é algo inadmissível
num país em desenvolvimento.

O que se depreende da análise realizada é que o limite de 16 anos de idade


para ingresso no mercado de trabalho, não se encontra de todo adequado à
realidade social do Brasil. No entanto, regredir seria um retrocesso e uma fuga
paliativa às medidas que realmente precisam ser tomadas pelo Estado, sociedade e
família. O Brasil deve melhorar as políticas públicas para manter crianças e
adolescentes nas escolas, investir em projetos educacionais – em especial escolas
profissionalizantes - e creches, bem como garantir a todos o acesso, principalmente
fora da zona urbana. Deve também investir na fiscalização dos locais de trabalho,
buscando da mesma forma, evitar o desvirtuamento da aprendizagem. Antes de
tudo, deverá - com a ajuda de entidades civis e públicas voltadas para o assunto -
buscar conscientizar a sociedade dos malefícios que o trabalho infantil trás para as
crianças de hoje, e para jovens e adultos desqualificados de amanhã. Analisar com
a própria sociedade, as conseqüências que o trabalho infantil acarreta na
Previdência Social, na economia, em marginalidade, em criminalidade, entre tantas
outras.

Erradicar, ou ao menos diminuir os índices do trabalho infantil, envolve uma


combinação de ações tão complexas quanto suas causas. Mantido o contexto social
atual, os limites legais persistirão sendo transgredidos. Deve haver limitações, por
óbvio, e as mesmas devem ser respeitadas. No entanto o que se depreende é que,
aumentadas ou diminuídas, sempre haverá transgressões enquanto a sociedade
76

não reconhecer a infância e não respeitar as fases de desenvolvimento pelas quais


crianças e adolescentes devem passar.

O Estado, por outro lado, já reconheceu a infância e dispõe de um aparato


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legislativo, considerado extremamente desenvolvido. Todavia, deverá dispor de


mecanismos eficazes para conscientizar a sociedade dos malefícios e prejuízos que
todos sofrerão a longo e curto prazo, fiscalizar e punir quem permitir e se utilizar
desta mão-de-obra.

Há que se observar, de igual modo, que a legislação que protege a criança e


o adolescente de qualquer tipo de violência e abuso é primorosa, mas inaplicável
num país sem infra-estrutura econômica e social capaz de propiciar bem-estar e
condições dignas de sobrevivência, como o Brasil. Igualmente, há de se observar as
diversas realidades em que vivem as crianças brasileiras. Todos estes aspectos
deverão ser analisados na busca de soluções para a erradicação do trabalho infantil.

A própria Carta Magna brasileira deixa ao encargo da família, da sociedade e


do Estado o dever de zelar pelas crianças e adolescentes. Crianças preparadas e
qualificadas asseguram o futuro da nação. Mas, para que isso se efetive, deverá
ocorrer uma mudança estrutural e da mentalidade da sociedade, que deverá primar
mais pelos recursos humanos e não apenas pelo capital e lucros.
77
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ANEXOS
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BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A - Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho sobre


idade mínima para admissão a emprego

ANEXO B - Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho sobre


proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação

ANEXO C – Decreto Federal nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que regulamenta os


artigos 3º, alínea “d”, e 4º da convenção 182 da Organização Internacional do
Trabalho

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