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CRIPTOATIVOS NO BRASIL:
DESAFIOS DAS TECNOLOGIAS
DISRUPTIVAS E O
TRATAMENTO TRIBUTÁRIO
BRASILEIRO
Barbara das Neves
Advogada, Mestranda em Direito do Es-
tado da Universidade Federal do Paraná
(ênfase em direito tributário), Especia-
lista em Direito Tributário pelo Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários – IBET.
1. Introdução
O desenvolvimento e aprimoramento da tecnologia nos
últimos anos transformou a forma como as pessoas, físicas e
jurídicas, se relacionam e conduzem novos negócios.
As chamadas tecnologias disruptivas que, como o
nome mesmo pressupõe, decorrem da ruptura dos mo-
delos tecnológicos já estabelecidos e conhecidos pelo
mercado, acabam por alterar a forma como o próprio
direito é interpretado.
Afinal de contas, a regulação das condutas dos indi-
víduos deve ser adaptada de acordo com a existência de
novos fatos sociais interessantes ao meio jurídico e que ne-
cessitam, eventualmente, de uma interpretação própria.
15 https://www.conjur.com.br/2018-jan-08/thiago-vasconcellos-uso-bit-
coins-viavel-operacoes-societarias - visualizado em 01/07/2018.
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Outra catalogação utilizada é a de que as moedas vir-
tuais seriam “um meio de troca” e/ou “unidade de conta”.
Muito embora os termos se assemelhem, na prática pos-
suem relevantes diferenças.
De fato, as criptoativos podem ser utilizadas como
meio de troca, entretanto, ainda que a sua utilização te-
nha sido ampliada com o decorrer do tempo, em com-
paração ao modelo padrão de moedas, ainda é um fraco
catalizador de trocas16.
Já “unidade de conta” nada mais é do que a possibi-
lidade de atribuição de uma referência de valor aos bens
e serviços. Assim, como os criptoativos são, regra geral,
convertidos em moedas correntes para identificação de
quanto valem, tal classificação resta prejudicada. Também
há a questão do risco da alta volatilidade17 da moeda, sem a
segurança quanto à atribuição de um valor de referência18.
Dessa forma, ainda que o criptoativo possa ser uti-
lizado como meio de troca, torna-se bastante difícil sua
16 FOLLADOR, Guilherme Broto. Criptomoedas e competência tri-
butária. Revista Brasileira de Políticas Públicas. ISSN 223-1677, p. 87, ci-
tando: BAL, Aleksandra. How to Tax Bitcoin? In: CHUEN, David Lee Kuo.
Handbook of Digital Currency: Bitcoin, Innovation, Financial Instruments,
and Big Data. Elsevier: San Diego, 2015. p. 269.
17 Volatilidade mede a variação do preço de um determinado instrumento
financeiro dentro de um determinado período de tempo. Trata-se de um
meio para avaliação do risco do instrumento. Quanto maior for a volatilida-
de, mais arriscado é o instrumento.
18 https://g1.globo.com/economia/noticia/numero-de-fundos-de-investi-
mento-em-criptomoedas-aumenta-com-volatilidade-do-bitcoin.ghtml - vi-
sualizado em 24/07/2018.
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classificação como moeda, tendo em vista que a sua refe-
rência de valor estaria limitada e determinada na conver-
são à própria moeda corrente19.
Quanto à definição dos criptoativos como ativos
financeiros, justifica-se o referido enquadramento pela
existência de um ativo não físico cujo valor é derivado
de uma reivindicação contratual, como depósitos ban-
cários, títulos e ações. Os ativos financeiros geralmente
são mais líquidos do que outros ativos tangíveis, como
commodities ou imóveis e podem ser negociados nos
mercados financeiros.
Neste sentido, Iudicibus20 define ativo como o con-
junto de bens e direitos controlados pela empresa, com o
objetivo de contribuir, direta ou indiretamente, para o flu-
xo de caixa e equivalentes de caixa. Ou seja, que possam
resultar em benefícios financeiros futuros por meio de uma
mensuração confiável.
Aliás, os criptoativos poderiam ser compreendidos
como valores mobiliários conforme entendimento da pró-
pria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicado
em nota no dia 11 de outubro de 201721.
19 https://www.ab2l.org.br/criptomoedas-definicoes-e-porque-voce-pre-
cisa-saber/ - visualizado em 03/07/2018.
20 IUDÍCIBUS, SÉRGIO DE. Teoria da Contabilidade. 7ª ed. São
Paulo: Atlas, 2004.
21 http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20171011-1.html - visua-
lizado em 01/07/2018.
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Segundo a comissão, considerando o avanço das ope-
rações conhecidas como “oferta inicial de moedas” - ou
em inglês, Initial Coin Offering (ICO)- e “visando esti-
mular o empreendedorismo e a introdução de inovações
tecnológicas no mercado de valores mobiliários”, as moe-
das utilizadas em operações de ICO podem se caracterizar
como valores mobiliários. Contudo, a CVM é categórica
em apontar que as operações em ICO não se encontram em
sua competência, tendo em vista que não se configuram
como ofertas públicas de valores mobiliários.
O posicionamento acima adicionou um novo tipo ao
art. 2º da Lei nº 6.385/76, com alterações feitas pela Lei nº
10.303/01, as quais definem o que são valores mobiliários:
I. as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II. os cupons, direitos, recibos de subscrição e cer-
tificados de desdobramento relativos aos valores
mobiliários;
III. os certificados de depósito de valores mobi-
liários;
IV. as cédulas de debêntures;
V. as cotas de fundos de investimento em valo-
res mobiliários ou de clubes de investimento em
quaisquer ativos;
VI. as notas comerciais;
VII. os contratos futuros, de opções e outros de-
rivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores
mobiliários;
25 https://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?method=de-
talharNormativo&N=114009277 – visualizado em 01/07/2018.
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a) Como um ativo sujeito à tributação de ganho de
capital ou incorporado à receita tributável em razão das ati-
vidades operacionais, a exemplo dos tratamentos adotados
pela Austrália e Estados Unidos;
b) Como moeda estrangeira, de modo que qualquer
valorização será tratada como ganho de capital em moeda
estrangeira, a exemplo da Alemanha;
c) Como método de compra ou forma de pagamento,
muitas vezes sujeitos ao imposto sobre consumo, a exemplo
do posicionamento do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Em outras palavras, a dificuldade em se estabelecer
a tributação dos criptoativos está totalmente relacionada
à própria falta de definição da regulamentação em âmbito
nacional. Atualmente, as criptomoedas não são conside-
radas moedas nacional ou estrangeira, sendo “apátridas”,
pois nem mesmo universais são caracterizadas.
Aliás, conforme indicado, alguns países, assim como
ocorre no Brasil, não caracterizam as criptomoedas como
moedas, sejam elas nacionais ou estrangeiras, mas sim
como ativos/investimentos.
Deste modo, os criptoativos poderiam ser enqua-
drados como “moeda”, nacional ou estrangeira, dinhei-
ro eletrônico, mercadorias, valor mobiliário, ativo, den-
tre outras categorias.
De um jeito ou de outro, ainda que carente de regu-
lamentação (ou regulamentações) nacional (ou nacionais)
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sobre o tema, fato é que se faz necessário discutir a natu-
reza das operações, afinal de contas é indiscutível que tais
transações demonstram efetiva manifestação de riqueza
dos envolvidos. E assim o é em razão de serem operações
passíveis de estarem sob a exação tributária estatal.
26 http://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2017/pergun-
tao/pir-pf-2017-perguntas-e-respostas-versao-1-1-03032017.pdf - visualiza-
do em 01/07/2018.
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Os tais “ativos” devem ser declarados como “ou-
tros bens e direitos”, no valor acima de R$ 5.000,00
(cinco mil reais).
Com a alienação, eventual ganho de capital será
tributado para pessoas que aufiram valores positivos
superiores a R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) men-
sais para pessoas físicas. Contudo, estes limites serão
considerados em relação ao bem ou direito ou ao valor
do conjunto dos bens ou direitos da mesma natureza,
alienados em um mesmo mês. No caso das pessoas ju-
rídicas não há limitação.
O ganho de capital será considerado como a diferença
positiva entre o custo de aquisição das criptomoedas e o
valor da alienação, sempre com a conversão em reais.
Para pessoas físicas, caso exista ganho de capital, este
será tributado de acordo com alíquotas progressivas pre-
vistas pela própria legislação:
Pessoa Física - ganhos bens/direitos de qual-
quer natureza
(i) sobre a parcela do ganho de capital de até R$
5.000.000,00 incidirá alíquota de 15%;
(ii) sobre a parcela do ganho de capital de R$
5.000.000,01 até R$ 10.000.000,00 incidirá a alí-
quota de 17,5%;
(iii) sobre a parcela do ganho de capital de
10.000.000,01 a R$ 30.000.000,00 incidirá a alí-
quota de 20%; e
30 Neste mesmo sentido, BORGES, Letícia Menegassi; SILVA, Luiz Gus-
tavo Doles. O Regime Jurídico Tributário Aplicável às Criptomoedas.
Anais do V Encontro Internacional do CONPEDI. Montevidéu, Uruguai. Flo-
rianópolis, CONPEDI, 2016, p. 164. Disponível em <https://www.conpedi.
org.br/publicacoes/9105o6b2/e0t8aw62/a299kp8E5RF9nWxR.pdf>. Aces-
so em 13 de agosto de 2018.
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de incidência apenas em razão de fatos que extrapolam as
realidades conhecidas.
É preciso que estes novos fatos sejam totalmente
compatíveis com as hipóteses de incidência dos tributos,
de modo a se tornaram fatos jurídicos tributários e resulta-
rem na relação jurídica tributária entre fisco e contribuinte
e arrecadação aos cofres públicos31.
Diante desta perspectiva, e sem a pretensão de
exaurir os a problemática quanto à competência e ar-
recadação tributária, elencamos abaixo alguns pontos
ainda pendentes de definição e que resultam em ver-
dadeiros impasses quanto à incidência de tributos nas
diferentes esferas fazendárias.
Afinal de contas, dada a sua utilidade “camaleão”
32
, a tributação se diferenciará em virtude das finalidades
econômicas da utilização destes criptoativos, como a troca,
venda, empréstimo, doação ou intermediação de bitcoins.
Talvez a maior implicação da tributação esteja na
mineração das criptomoedas, afinal de contas, há ser-
viço prestado no pagamento de taxas (mining fees) ou
no recebimento dos bitcoins pelos mineradores sujeito
à cobrança do ISS (Imposto sobre Serviços de Qual-
6. Considerações finais
Conforme visto, não há uma definição exata quanto à
natureza regulatória dos criptoativos em território brasilei-
ro. Aliás, poucos são os países que se detiveram à regula-
mentação da matéria.
Diferentemente de outras ciências, como as Ciências
Econômicas, o âmbito jurídico demorou ao se dedicar so-
bre os efeitos nas implicações da utilização da moeda.
No entanto, a nova tecnologia não aguardou esse in-
teresse tardio das autoridades regulatórias e jurídicas ao
desenvolver-se a passos largos e independentemente de
qualquer intervenção estatal.
O resultado desta indefinição são possíveis ques-
tionamentos em outras áreas, como o direito tributário.
A despeito de parecer bastante pioneira a discussão so-
bre os aspectos tributários antes da própria regulamen-
Referências bibliográficas
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comunicado Nº
25.306, de 19 de Fevereiro de 2014. Disponível em: ht-
tps://www3.bcb.gov.br/normativo/detalharNormativo.do?-
method=detalharNormativo&N=114009277. Acesso em
01/07/2018.
BITVALOR. Mercado brasileiro de bitcoin: Re-
latório julho 2017. Disponível em:<https://bitvalor.com/
files/Relatorio_Mercado_Brasileiro_Bitcoin_Julho2017.
pdf>. Acesso em: 09 de abril de 2018.
BORGES, Letícia Menegassi; SILVA, Luiz Gustavo
Doles. O Regime Jurídico Tributário Aplicável às Crip-
tomoedas. Anais do V Encontro Internacional do CONPE-
DI. Montevidéu, Uruguai. Florianópolis, CONPEDI, 2016