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ADRIANA DORFMAN
Florianópolis
2009
2
ADRIANA DORFMAN
TESE DE DOUTOURADO
Adriana Dorfman
Presidente: ______________________________
Profª Drª Leila Christina Dias (UFSC)
Membro: ________________________________
Profª Drª Lia Osório Machado (UFRJ)
Membro: _________________________________
Prof. Dr. Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS)
Membro: _________________________________
Prof. Dr. Bernardo Lewgoy (UFRGS)
Membro: _________________________________
Prof. Dr. Carlos Eduardo Schmidt Capela (UFSC)
Membro: _________________________________
Prof. Dr. Rogério Haesbaert da Costa (UFF)
AGRADECIMENTOS
Clara Fernandes e família, Ana Luíza de Moraes Vieira, Ana Regina Bastos, Ana
Stumpf Mitchell, Antonio Carlos Castrogiovanni, Bernardo Lewgoy, Carla Hirt, Carlos
Rizzon, Cláudia Mauch, Cláudio Búrigo, Cristiane Adiala, Cristiane Bahy, Cynthia
Linhares, Daniel Echeverry, Daniel Schweitz, Dariane Rossi, Flávio Heinz e família,
Gabino Moraes, Genylton, Gilmar Mascarenhas, Gisela Collischonn, Helen Osório,
Helion Povoa Neto, Henry Lorecena, Hires Heglan, Janine Mallmann, João Quadros,
Jussara Bledow e família, Lúcia Couto, Maria Adélia Pinhal, Maria Amélia Vilanova
N., Maria Goretti Tavares, Mariângela Grando, Maria Regina Bettiol, Maria Thereza,
Nelson Rego, Nilo Piana, Nina Fujimoto e família, Paulo Peiter, Paulo Rodrigues,
Pedro Brieger, Rafael Zílio, Regina Weber, Regina Xavier, Roberto Verdum, Rodrigo
Aguiar, Rodrigo Belinaso, Saint-Clair Trindade, Suzana Oliveira e família, Tadeu
Bisognin, Tânia Baumann, Temístocles César, Vanderlei Machado, Volmério Severo
e Zilá Mesquita. Lembro deles com carinho e honra.
Agradecimentos muito especiais à Gladys Bentancor-Rosés, que abriu portas
em Livramento-Rivera, inclusive as de sua casa, facilitando imensamente esta
pesquisa. Espero ter feito bom uso dos contatos, materiais e visões que ela e
Fernando Rosés têm constantemente oferecido. Mãe Chola de Ogum Male
emprestou-me um pouco de sua vasta credibilidade, possibilitando contatos com
informantes essenciais à realização deste trabalho. Aos informantes, cujos nomes
omito por segurança, agradeço a paciência, a sagacidade, a amizade. Espero que
gostem e se reconheçam nas árvores e flores que escolhi para camuflá-los.
In mente, Vanda Ueda e Laura Hecker. Rosemary Vieira tem sido uma amiga
de todas as horas. Um reconhecimento especial à ajuda de Ronaldo Machado,
professor, poeta e amigo desde os primeiros momentos desta investigação. A
generosidade de D. Teresinha, Nádya, Hubert e Cirillo Stassen fez com que nos
tornássemos uma família, juntando-se à Teresa Raimundo de Almeida e ao meu
querido, genial e prestativo irmão Mauro e às amadas Luciana, Alice e Cecília.
Minha mãe e meu pai não verão sua filha doutora, mas é por causa deles que esta
tese foi escrita. Daniel F. de Bem me acompanhou desde a pesquisa de campo à
última versão, criticando e sugerindo com paciência e tenacidade, apoiando nos
momentos mais desesperados e compartilhando idéias e trabalho, criando um
vínculo ricamente tecido de teoria, prática e amor que nos uniu e fortaleceu. Meu
filho querido Rodrigo, dos abraços solidários e da incrível intuição geográfica, esta
tese é dedicada a ti.
6
RESUMO
O contrabando é uma prática eminentemente geográfica, podendo ser
descrito como o comércio ilícito baseado nas diferenças – de preço, qualidade e
disponibilidade de mercadorias – geradas pelas barreiras aduaneiras associadas à
delimitação dos Estados-Nação. Esse tipo de comércio internacional ilegal exige de
seus agentes o conhecimento da geografia aplicada da fronteira, aprendida na
experiência da condição fronteiriça. Esta tese coloca bases metodológicas para o
estudo da geografia dos contrabandistas na(s) cidade(s) de Santana do Livramento
(Brasil) - Rivera (Uruguai). Seu objetivo é explorar as práticas dos contrabandistas
naquele lugar, abordando a dimensão cotidiana da fronteira internacional e
estabelecendo bases para um estudo geográfico do contrabando. Nesta análise,
partimos da literatura de fronteira e dos contos de contrabando, representações
textuais em circulação na região, dentro da Comarca do Pampa, onde o
contrabandista figura como um personagem tradicional, depositário de verdades
locais. Passamos ao exame da história e das teorias sobre a fronteira, que
mostraram que a intensificação do povoamento e da urbanização do limite deveu-se
às iniciativas estatais de demarcação dos territórios nacionais. Ainda assim, os
contatos entre populações, línguas e costumes geraram uma cultura local
transnacional, como verificamos no trabalho de campo, atento à tradução cultural:
compreender o vocabulário específico à prática e ao lugar foi requisito para acessar
representações e sentidos locais. Articulamos representações textuais de origem
geográfica e social variada e de diferentes gêneros através de uma abordagem
atenta à geografia dos pensamentos colocados em relação. Produzimos uma
cartografia de base qualitativa, enfocando especialmente os contrabandistas de
pequenos volumes, os bagayeros. Identificamos diferentes escalas no contrabando
em Santana do Livramento-Rivera: o contrabando cotidiano; o bagayo; o
descaminho de produtos dos free shops; o abigeato; além de formas envolvendo
grandes volumes, valores e distâncias. Quanto ao contrabandista, podemos
classificá-lo pelo artigo e o volume negociado; conforme a origem e o destino da
mercadoria (rural ou urbano, do ou para o Brasil, Uruguai ou terceiros países);
segundo a tradição da prática (como no caso do bagayo e abigeato; o contrabando
de agrotóxicos, de CDs ou de equipamentos de informática como modalidades
emergentes); conforme as contravenções implicadas (elidir impostos; passar
mercadorias proibidas; subornar; coagir; atentar contra o ambiente; matar); conforme
a rede mobilizada etc. Verificamos que a relação com a aduana oscila entre
conivência e punições legais. Identificamos que os armazéns, depósitos de lã, couro,
madeira ou de produtos da exportação indireta, as paradas de ônibus e outras
materializações do comércio transfronteiriço na(s) cidade(s) se organizam em dois
eixos: 1.ao longo da fronteira e 2.nas proximidades das rodovias para Porto Alegre
ou para Montevidéu e o oeste do Uruguai. Concluímos que o contrabando organiza
lugares e é absolutamente estrutural nessa sociedade, no abastecimento e no
sustento das pessoas, sendo visto mais como trabalho do que como delito,
realizando-se através das redes de solidariedade indispensáveis à sua execução e
legitimação. Além disso, o ethos contrabandista cria uma identidade de lugar,
distinguindo outsiders e membros (cúmplices) do grupo, numa territorialidade com
extensão, passagens e polarizações em constante atualização, dada a variabilidade
dos conteúdos da fronteira.
8
ABSTRACT
Smuggling is eminently a geographic practice, which can be described as illicit
commerce based in differences - of price, quality and availability of merchandises -
generated by custom barriers associated to the delimitation of the Nation-State. This
type of illegal international trade demands from its agents the knowledge of the
applied geography of the border, learned in the experience of the bordering
condition. This thesis places methodological bases for the study of the geography of
the smugglers in the city(ies) of Santana do Livramento (Brazil) - Rivera (Uruguay).
Its objective is to explore the practices of smugglers in that place, examining the daily
dimensions of the international border and establishing bases for a geographic study
of smuggling. In this analysis, we examine border literature and smugglers´
narratives, textual representations that circulate in the region, within the Comark of
Pampas, where the smuggler appears as a traditional character, bearer of local
truths. Then, we look into local history and border theories, which point to the fact
that the encouragement of settling and urbanization in the area was part of a State
policy. However, as we maintained an eye on cultural translation, with the aim of
understanding local representations through the language forms specific to
smuggling and smugglers, fieldwork revealed a transnational local culture resulting
from contact among local populations, shared languages and habits. As amatter of
fact, we compared textual representations of varied geographic and social origins
and genres, which resulted in the creation of a Geography of Thinking. The actual
result was a cartography of qualitative base, which focuses on petty smugglers,
bagayeros. We identified different scales of smuggling in Santana do Livramento:
daily smuggling; bagayo; embezzlement of products of free shops; cattle theft;
besides other forms involving greater volumes, values and distances. The smugglers
can be classified according to goods and the amounts he/she trades; the origin and
the destination of the merchandise (rural or urban, to or from Brazil, Uruguay or third
countries); according to the tradition of the practice (bagayo and cattle theft are
traditional, pesticides or computer parts are emerging modalities); to associated
contraventions (tax evasion, trading of forbidden merchandises; bribing; coercing;
attempting against the environment; killing); to social networking etc. We verified that
the relation with the Custom oscillates between connivance and legal punishments.
We identified that the warehouses of wool, leather, wood or products of the indirect
exportation, bus stops and other materializations of transborder commerce in the
city(ies) are organized along two axles: 1. along the border itself and 2. near the
highways heading for Porto Alegre or Montevideo and the west region of Uruguay.
We conclude that smuggling is absolutely structural to this society, being important in
supplying for the needs of the population; rather than as an act of felony, smuggling
is regarded as a form of employment, a way of making a living. It is carried out
through solidarity networks, which also serve as its source of legitimization.
Furthermore, smuggler ethos creates a local identity, setting outsiders apart from
group members and developing a territoriality with extension, passages and
polarizations, engaged in a permanent updating, according to the variable contents of
the border.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 33: Santana do Livramento: foto das bagayeras na linha – 2006............ 216
FIGURA 34: Santana do Livramento: foto do banco na Casa Globo – 2006.......... 217
FIGURA 35: Uruguai: mapa da hinterlândia do bagayo vindo de Santana do
Livramento – 2008.................................................................................... 218
FIGURA 36: Rivera: foto do pai aduaneiro – anos 1950......................................... 228
FIGURA 37: Rivera: foto do filho contrabandista (na Praça Internacional) –
anos 1950................................................................................................. 228
FIGURA 38: Reportagem “Fronteira: Queda do real dá sobrevida a chibeiros” –
1999.......................................................................................................... 236
FIGURA 39: Manoel Diaz: foto da aduana e da parada de ônibus – 2005............. 283
FIGURA 40: Rivera: foto do interior do free shop Siñeriz, Av. Sarandí – 2007....... 290
FIGURA 41: Santana do Livramento: foto do Supermercado 300,
Av. Tamandaré – 2005............................................................................. 291
FIGURA 42: Rivera: foto da barraca de couro I – 2005.......................................... 292
FIGURA 43: Rivera: foto da barraca de couro II – 2005......................................... 293
FIGURA 44: Rivera: foto da feira dominical em frente ao Club Social y Deportivo
Frontera Rivera Chico, na Av. 1825 – 2007............................................. 294
FIGURA 45: Rivera: foto da descarga numa barraca de couro – 2005.................. 295
FIGURA 46: Rivera: foto de galpão – 2005............................................................. 296
FIGURA 47: Rivera: foto do galpão de Olivo com vista do bairro Sacrifício de
Sônia – 2005............................................................................................ 297
FIGURA 48: Santana do Livramento: foto do galpão de Olivo com marco de
fronteira – 2005........................................................................................ 298
FIGURA 49: Rivera: foto do busto de Olyntho Maria Simões no Paseo de los
Poetas, no Cerro del Marco...................................................................... 322
FIGURA 50: Esquema mostrando a passagem como ato perpendicular à
fronteira………………………………………………………………………… 325
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LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 18
1. RAÍZES HISTÓRICAS DO COTIDIANO FRONTEIRIÇO EM SANTANA DO
LIVRAMENTO-RIVERA........................................................................................ 31
1.1. Primórdios da fronteira e do contrabando gaúchos........................................... 31
1.2. Governador e contrabandista na fronteira do século XVIII................................ 34
1.3. Urbanização: controle e contato......................................................................... 38
1.4. A política econômica da República Velha para a fronteira gaúcha.................... 45
1.5. Nexos transfronteiriços no período das charqueadas........................................ 49
1.6. A nacionalização da fronteira na primeira metade do século XX....................... 53
1.7. Formação territorial da fronteira gaúcha: síntese dos processos....................... 56
1.8. A estatização do trigo e o contrabando de farinha............................................. 59
1.9. Uma geografia urbana das trocas legais e ilegais.............................................. 61
1.10. O cotidiano na condição fronteiriça.................................................................. 71
2. AS REPRESENTAÇÕES TEXTUAIS E O CONTRABANDO.............................. 80
2.1. Textos legais sobre o contrabando.................................................................... 80
2.2. As representações textuais e a Geografia......................................................... 84
2.3. Uma geografia do pensamento sobre a fronteira............................................... 87
2.4. Uma tipologia das interações fronteiriças........................................................... 92
2.5. Um conceito gaúcho para a fronteira................................................................. 95
2.6. Literatura e ciência........................................................................................... 103
2.7. Traduções culturais.......................................................................................... 106
2.8. Regionalismo político e regionalismo literário.................................................. 110
2.9. Uma literatura de fronteira................................................................................ 114
2.10. Causo, conto e documento: traduzindo do oral ao escrito............................. 119
3. O CONTRABANDO SEGUNDO A LITERATURA DA FRONTEIRA................. 125
3.1. Situando o corpus............................................................................................. 125
3.2. “Contrabandista” de João Simões Lopes Neto................................................. 127
3.3. “Contrabando” de Darcy Azambuja.................................................................. 136
3.4. “Os contrabandistas” de Mario Arregui............................................................. 141
3.5. “Guapear com frangos” de Sergio Faraco........................................................ 151
3.6. “O sulque de rodas vermelhas” de Aldyr Garcia Schlee.................................. 158
3.7. “Arreglo” de Amílcar Bettega-Barbosa............................................................. 161
13
Em 2005, realizando uma saída de campo, fui apresentada por Alma Galup,
secretária da cultura da Intendencia de Rivera, no Uruguai, ao livro recém-publicado
“Un Péon de Estancia”, de Reginaldo Quintana Morales. Ela valorizava muito a obra,
por conta da temática e do autor, visto como um tipo do povo, um escritor com a
“autenticidad de un arquetipo rural”, nas palavras da introdução escrita por Alma
Galup. O livro, encadernado em couro, continha poemas campeiros, entre os quais
muito me entusiasmou um, chamado “Pecado”, que dizia, lá pelo fim, que
1
“La ley sobre el contrabando/ no fue hecha en la campaña/ es como tela de araña/ no se si muy bien
me explico/ no sujeta al bicho grande/ pero enreda al bicho chico” (QUINTANA MORALES, 2005, p.
48). Tradução nossa, desta e das citações de originais em línguas estrangeiras, indicada pela
abreviatura t.n.. Uma coleção de obras literárias de circulação regional encontram-se reproduzidas no
anexo I.
fonte mais difundida de representações textuais detalhadas sobre a prática do
contrabando no cotidiano e no imaginário da fronteira e, por extensão, dos gaúchos.
2
O causo pertence à tradição oral do gaúcho. É uma história ou anedota, geralmente contada na
primeira pessoa, mais ou menos consolidada. Ver HARTMANN (2005) e o capítulo 2 desta tese.
3
“La ley es tela de araña-/ En mi inorancia lo esplico/ No la tema el hombre rico-/ Nunca la tema el
que mande-/ Pues la ruempe el bicho grande/ Y sólo enrieda a los chicos” (HERNÁNDEZ, [1879]
2001, p. 447-8). Das incontáveis edições do Martin Fierro, cito aqui HERNÁNDEZ, José. Martín
Fierro, edição crítica de Élida Lois e Angel Núñez. Madrid: ALLCA XX, [1872 e 1879] 2001 e, na
tradução, a edição de Martins Livreiro, [1872] 1985.
4
Existe ainda uma versão francesa, mais esperançosa: “As leis são apenas uma barreira vã, que
todos os homens cruzam. Por cima os grandes, sem pena, os pequenos por debaixo” (t.n.): “Les lois
ne sont qu’une barrière vaine/ que les hommes franchissent tous/ par dessus les grands passent sans
16
peine/ les petits par dessous! PANARD, Claude-François, s.XVIII (Musée national des Douanes,
Bordeaux, França).
5
Nas palavras do informante: “Como ela leva pouca coisa, geralmente deixam, quando é pouca
coisa. Agora, por exemplo, quando vai muito, muita gente no ônibus e vê muito pacote... aí de
repente vem a ordem do chefe... tascam tudo, não deixam nada. É a operação zero kilo” (Robles,
entrevista, Santana do Livramento, 24/01/2006). As principais entrevistas foram transcritas nos
apêndices; a de Robles encontra-se no apêndice C.
17
INTRODUÇÃO
Note-se que outras formas de contrabando são realizadas por agentes que
operam com grandes somas, traficando drogas, armas e dinheiro, agindo numa
escala geográfica mais ampla e implicando violência e lucros mais volumosos que
os tratados aqui. Estudar tais práticas provavelmente exigiria uma metodologia
diferente.
6
Sigo aqui a distinção entre termos êmicos e éticos, proposta pelo lingüista americano K.L. Pike e
adotada por E. Gellner, Mary Douglas e outros antropólogos (GINZBURG, 2007, p. 43). A primeira
categoria refere-se à concepção corrente entre os nativos ou presente no texto em análise, a
segunda refere-se aos conceitos privilegiados pelo pesquisador para enquadrar as práticas dos
nativos ou as fontes documentais.
22
7
Um raciocínio semelhante é apresentado por Hélène Velasco-Graciet (2006, p. 77), quando afirma
que os espaços fronteiriços adquirem destaque simbólico, uma vez incluídos no seio da Comunidade
Européia, pois lhes é atribuído um papel emblemático: de luta das populações até então separadas e
a partir dali unidas no seio do território europeu.
24
Dessa forma, os eventos na escala local não podem ser entendidos como
auto-determinados, sem relações inter-escalares. Quanto à suíte escalar acionada
nesta pesquisa, é preciso esclarecer que a distinção entre lugar e região não é
estanque. O lugar é entendido como uma unidade geográfica com continuidade
histórica; a região também apresenta tais características. O primeiro conceito
sublinha a dimensão cotidiana e horizontal, o segundo enfatiza a condição de
subespaço de um conjunto mais amplo, com reverberações políticas e culturais
melhor definidas (SANTOS, M., [1996] 2002, p. 166).
8
Ethos pode ser entendido como o conjunto de costumes que compõem o modo de vida de um
grupo, dando-lhe identidade. Segundo Clifford Geertz “o ethos de um povo é o tom, o caráter e a
qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação
a ele mesmo e a seu mundo que a vida reflete” (1989, p.143).
26
2
BRASIL E URUGUAI: Área (km ) BRASIL E URUGUAI: População (2003)
176.215 3.386.575
8.511.996 176.029.560
BRASIL
URUGUAI
BRASIL URUGUAI
Rivera
capital federal
sede municipal
Brasil Uruguai
Limites políticos
entre estados da federação
(BR) ou departamentos
(UY)
Santana do Livramento fica no extremo sul do Brasil. Rivera fica bem ao norte
do Uruguai. Essas duas cidades são tão próximas que é corrente chamá-las de
cidades-gêmeas, por ambiente e por condição. A expressão demanda um
esclarecimento.
9
“Bicéphales au plan administratif, mais parfaitement complémentaires du point de vue économique”
(PÉBAYLE, 1978, p.40).
28
Mesmo antes, segundo Lia Osório Machado, nos Estados Unidos já se falava
em twin cities, cidades gêmeas, referindo a cidades conurbadas (Lício Monteiro,
comunicação pessoal, julho de 2008). Noutro contexto, cidades-gêmeas são aquelas
unidas pela diplomacia e o intercâmbio, estabelecendo laços de cooperação.
10
“Par ‘ville-frontière’, on prefere désigner les villes (frontalières ou non) qui non seulement ont la
possibilité de jouer sur les discontinuités frontalières, mais qui prospèrent grâce au différentiel existant
entre deux États, en bref qui vivent de la frontière ou d’une économie frontalière (même partielle)”
(BENNAFLA, 2002, p. 138). A autora esclarece que a definição foi elaborada no âmbito de um grupo
de trabalho formado por B. Reitel, C. Arbaret-Schulz, J.-L. Piermay, P. Zander e F. Moullé em
Strasbourg, 1997-1998.
30
Durante séculos, na grande área por vezes chamada Tape (bacias dos rios
Uruguai, Ibicuí, Jacuí e Negro) ou Yapeyú (vide Fig. 6), a presença política européia
limitava-se a iniciativas esporádicas, e só no fim do século XVIII a demarcação
política e fundiária da margem ocidental do rio Uruguai foi iniciada.
No século XVI, os territórios que hoje são conhecidos como Rio Grande do
Sul, no Brasil, e República Oriental do Uruguai faziam parte de uma região
12
Durante algumas décadas, a bibliografia restringia-se à obra Contrabando no sul do Brasil (CESAR,
1978) e aos textos de Suzana Bleil de Souza (1994a, 1994b, 1995a, 1995b). Nos anos 2000, há um
crescimento na produção historiográfica gaúcha sobre o contrabando (ALBORNOZ, 2000; AXT, 2002;
COLVERO, 2004; FLORES, 2007; GIL, 2002, 2005, 2007; PANIÁGUA, 2003; ROCHA; BRAND, 2001;
VOLKMER, 2007), provavelmente devido à centralidade emergente da fronteira e à valorização da
história regional e da micro-história.
32
dominada por índios kaingang, guarani e guaicuru, cujos territórios foram sendo
paulatinamente apagados.
empresa colonial até o rio da Prata, indo além do território definido pelo Tratado de
Tordesilhas, para garantir o escoamento flúvio-marítimo de mercadorias como
alternativa a Buenos Aires. A essa ação, corresponde imediata reação castelhana,
numa série de confrontos pela definição da fronteira colonial. O avanço desde o
norte provocara constantes demandas quanto à ocupação de território espanhol
pelos portugueses e a organização das califórnias, incursões para captura de gado
crioulo. É partir de Sacramento que se constrói, em 1752, o forte Jesus, Maria e
José, origem de Rio Grande, e se inicia a construção da fronteira gaúcha. O século
XVIII é marcado por lutas e tratados em torno de sua posse.
13
“Se trataba de una suma de acciones aisladas o estaba estructuralmente ligado a la vida
económica de la región?” (MOUTOUKIAS, 1988, p.18).
34
14
Tiago Gil remete a valorização do bando como estrutura social a João Fragoso (2001), em suas
pesquisas sobre a elite colonial no Rio de Janeiro dos séculos XVI e XVII (comunicação oral,
26/09/2006).
36
para construí-las – pregos e madeira da Fazenda Real (id., ibid., p.16) – além de
empregar índios e escravos como marinheiros sem nunca pagá-los (id., ibid., p.21).
Todas essas atitudes mostram uma sobreposição entre a apropriação privada da
terra e do território nacional, dada pelos privilégios garantidos pela capacidade de
organizar uma rede de relações, tanto diante de concorrentes nas práticas ilegítimas
quanto em ganho de autoridade legítima.
“privatização” não era feita apenas por esse grupo, nem acontecia apenas neste
lugar, conforme mostra o trabalho de Zacarias Moutoukias (1988).15
15
Segundo Gil, “Rocha dizia ainda que Rafael se valia de seus postos militares, como comandante
da fronteira, para privilegiar seus partidários e embaraçar outros arreadores [...] para eliminar seus
concorrentes”. (GIL, 2003, p.11) O Capitão de Dragões Carlos José da Costa e Silva (cunhado de
Rafael Pinto Bandeira) foi nomeado como participante, e como comandante oficial da fronteira
”garantiria a passagem de determinados indivíduos, confiscando outros ou cobrando pesadas
‘multas’, isto é, propinas”. (idem, ibidem, p.15). Outro cunhado de Pinto Bandeira era contrabandista e
comandante do distrito do Caí, encarregado de coibir aí o contrabando: “Testemunhas acusaram
Custódio [Ferreira] de se valer de seu posto para confiscar para si alguns animais e cobrar de outros
tropeiros para não efetuar o confisco. Alguns desses tropeiros que andavam com contrabandos
acabaram sendo pegos em outros lugares. Custódio não deveria estar interessado em proteger esses
tropeiros, até porque poderiam tornar-se concorrentes. Mas o embolso da quantia lhe interessava [...]
Alguns contam inclusive que obrigava a alguns tropeiros a comprar seus animais ou, em algum caso
mais específico, casar com alguma de suas filhas bastardas” (id., ibid., p.22-3).
16
A fronteira Brasil-Uruguai foi definida por tratado internacional em 1851, demarcada entre 1852 e
1862, sendo caracterizada a partir de 1920. Ainda hoje existe controvérsia sobre alguns trechos da
fronteira e, ainda no começo de 2006, novos marcos foram colocados no centro das cidades-gêmeas
de Santana do Livramento-Rivera. Os principais documentos bilaterais que trataram da definição dos
limites entre o Brasil e o Uruguai são: o Tratado de Limites (12/10/1851); Tratado da Lagoa Mirim
(30/10/1909); Convenção do Arroio São Miguel (07/05/1913); Estatuto Jurídico da Fronteira
(20/12/1933) e Notas Reversas sobre a Fixação da Desembocadura do Arroio Chuí (21/07/1972)
(FRONTEIRA..., 2006).
39
17
Afinal, como controlar áreas conflagradas que nem mesmo se encontravam na mão do governo
constituído, sendo tensionadas por grupos com alianças uruguaias? Márcia Volkmer (2007, p.65)
afirma que, durante os embates de 1893-5, “quase um terço das estações fiscais do Rio Grande do
Sul permaneceria em um estado de total incomunicabilidade em decorrência do movimento
revolucionário. À desorganização dos postos somava-se o abastecimento pela via uruguaia, sem
nenhum registro ou taxação. As repartições estavam desorganizadas e eram fechadas de acordo
com o movimento das tropas. Além disso, havia freqüentes assaltos e um sem número de
irregularidades praticadas pelos próprios funcionários do Estado”. A situação dos fiscais complicava-
se porque “o interesse que mostrassem no exato cumprimento de seus deveres era muitas vezes
origem de inimizades e malquerenças que, em momento de perturbação da ordem, como o que
atravessávamos, dava lugar a vindictas e atentados” (AHRS, Relatório da Fazenda, 1895, p. 13, apud
VOLKMER, 2007, p.65).
18
“A l’inverse d’autres frontières, celle du sud du continent “fut une région frequentée, um monde de
relation continue et prolongée”. La transhumance du bétail elle-même, spontanée ou activée par le
“changador” (colporteur), mena à l’interaction de territoires et de peuples, contrairement à ce qui était
souhaité par les chancelleries des métropoles coloniales” (SOUZA, 1994a, p.339).
40
[a cidade de] Rio Grande aparece com função militar, que é o forte que tem
aí [Forte Jesus, Maria e José], mas seguido depois da fundação existem 30
e tantos comerciantes num lugar que só tem tropa, e tropa inclusive que não
recebe em dia, e porque, o que eles vieram fazer aí? [...] Num lugar que só
tem soldado e meia dúzia de negros? E que não tem dinheiro? Olhar para a
bonita cara do exército e do patriotismo? Evidente que não, não é?!
(entrevista, Porto Alegre, 11/10/2005).
19
“Na hora presente, o Brasil, depois de continuados e pacientes esforços, domina com seus súditos,
que são proprietários do solo, quase todo o norte da República: em toda essa zona, até o idioma
oficial quase se perdeu, já que se fala mais freqüentemente o português. Por isso temos visto que em
nossas lutas cívicas os partidos orientais têm apelado a chefes brasileiros que, mesmo quando
nascidos em nosso território, conservam o idioma, os costumes e o amor à pátria de seu pai, que
também é a sua, mesmo que não tenham nascido nela, já que para conservar sua nacionalidade, vão
batizá-los nas paróquias brasileiras da fronteira” (t.n.). "En la hora actual, el Brasil, después de
42
continuados y pacientes esfuerzos, domina con sus súbditos, que son propietarios del suelo, casi
todo el norte de la República: en toda esa zona, hasta el idioma oficial casi se ha perdido ya, puesto
que es el portugués el que se habla con mas generalidad. De ahí que en nuestras luchas cívicas
hayamos visto a los partidos orientales necesitados del curso de jefes brasileños que, aún cuando
hayan nacido en nuestro territorio, conservan el idioma, las costumbres, y el amor a la patria de su
padre, que es la suya también, aunque no hayan nacido en ella, ya que para conservarles hasta la
nacionalidad, han ido bautizarlos en las parroquias brasileñas de la frontera [...]” (VARELA, J. P.;
RAMIREZ, C. M. El destino nacional y la universidad. Montevidéu: Polémica, Biblioteca Artigas, [1876]
1965, t.1, p. 132-3, apud SOUZA, 1995b, p. 164).
20
A imagem do deserto verde, hoje associada à arenização e ao florestamento, já pode ser
encontrada no diário, iniciado em 1781, do demarcador espanhol D. Felix de Azara.
21
Na lista que segue, o nome dado na fundação é seguido pelo nome atual, entre parênteses: San
Fructuoso (Tacuarembó) em 1832; Santa Rosa del Cuareín (Bella Unión), San Eugenio (Artigas),
Treinta y Tres, Villa Artigas (Rio Branco) e Villa de Ceballos (Rivera) entre 1853 e 1862 (SOUZA,
1994b).
43
22
“Art. 1° - El poder ejecutivo ordenará la delineació n de pueblo en la Cuchilla de Sant’Ana, sobre
nuestra línea de frontera, frente al pueblo brasilero, Santa Ana Livramento. […] Art. 7° - Cuando el
Poder Ejecutivo lo estime conveniente podrá establecer en este punto una Aduana Terrestre”.
(BOERO; BOERO RUIZ, 2004, p. 14).
44
23
"Puede asegurarse de manera rotunda; q.e si se procede a la delineación y donación de solares en
Ceballos, la mayoría del comercio extranjero de Santa Ana do Livramento vendrá a aumentar la
población, estimulados por el atractivo del buen negocio q.e por allí se hace; del cual es buen
testimonio, la casa de comercio del Sr. Queirolo, q.e en cuatro meses ha despachado pa el Brasil,
veinte mil pesos de mercaderías llebadas de Montevideo” (apud BENTANCOR-ROSÉS, 2002, a. 3).
45
Segundo Gunter Axt (2002, p.9), muitas vezes uma emboscada era apenas
um despiste, uma encenação planejada pelos contrabandistas, desviando a atenção
de carregamentos mais volumosos, que passavam por outros pontos da fronteira.
Carretas eram silenciadas com panos nas rodas, entrando à noite nas cidades,
tendo seu trânsito facilitado por batedores encarregados de fechar as ruas. Em
47
Por outro lado, a repressão ao comércio fronteiriço atendia aos interesses das
elites litorâneas. Pode-se afirmar tratar-se de uma gestão fiscal que refletia uma
política regional, já que havia uma estratégia para a organização espacial dos postos
aduaneiros, sob controle da Secretaria Estadual da Fazenda, no que diz respeito ao
número de postos, à hierarquia entre eles, à escolha dos lugares onde instalá-los e
em relação à nomeação dos fiscais, os agentes que corporificam o fisco,
contemplando facções e fidelidades específicas: concentravam-se na fronteira para
24
Gunter Axt cita vários exemplos que corroboram a idéia de que havia uma aliança ou coincidência
entre contrabandistas e elite local: “Em Cachoeira do Sul, por exemplo, onde era de domínio comum
que o trânsito noturno de carretas desovava mercadorias contrabandeadas nas lojas, o ritmo das
apreensões intensificava-se quando a cisão entre as facções se aprofundava e as autoridades
articuladas a uma pretendiam constranger os comerciantes de outra. Em Uruguaiana, da mesma
forma, os combates entre a força fiscal e os contrabandistas, que resultava em vultosas apreensões,
tinham estreita relação com as brigas políticas locais, pois, em geral, a eficácia da repressão
dependia de informações privilegiadas, que vazavam conforme se acomodava o jogo de interesses”
(2002, p. 13).
48
Gunter Axt (ibidem, p. 18) resume assim os cálculos implicados numa questão
aparentemente restrita às páginas policiais:
A busca de mercado era outra razão para a escolha desse lugar: “em 1918,
ao fim da I Guerra Mundial, o Uruguai já tinha perdido a batalha demográfica [...] e
quem prometia um grande mercado de consumo e se projetava rumo ao futuro eram
Argentina e Brasil” (t.n.) (id., ibid.)26.
25
“Los impuestos a la importación del tasajo, la discriminación en los fletes, las barreras arancelarias
y no arancelarias del gobierno brasileño, han sido las causas esgrimidas para explicar la existencia
de saladeros uruguayos en territorio de Brasil y, en parte, también, para justificar su decadencia hacia
fines de la década de 1920” (JACOB, 2005, p. 3-4).
26
“En 1918, a finalizar la primera guerra mundial, Uruguay había perdido la batalla demográfica […]
quienes prometían un gran mercado de consumo y se proyectaban hacia el futuro eran Argentina y
Brasil” (id., ibid., p. 4).
50
Nesse contexto, Márcia Volkmer foca sua análise na figura de Emilio Calo,
uruguaio radicado em Quaraí na virada do século XIX para o XX, a fim de
compreender suas estratégias de inserção social. Ela relata que esse industrial,
encarregado da destacada charqueada Quaraí, prodigalizava em doações e
dedicava-se à organização do Clube Comercial, aumentando sua inserção no
ambiente de negócios: como “empresário dependente de crédito, forçosa e
intencionalmente ligado ao outro lado da fronteira, não teria sido totalmente viável
levar adiante seu empreendimento sem a aceitação e cooperação dos negociantes e
políticos locais” (VOLKMER, 2007, p.85-86). Uma vez que teria dificuldades, como
estrangeiro, em atuar na política local, e como homem casado, em estabelecer laços
de parentesco na sociedade local, restou-lhe construir uma imagem de indivíduo que
luta pelo progresso do Quaraí. A partir de então, constituídos vínculos pessoais com
a elite política e econômica da cidade, novas ações foram projetadas, ampliando-se
seu “espaço de atuação” e viabilizando seu empreendimento econômico. Trata-se
da face legal da interação transfronteiriça.
A elite local também se envolvia com contrabando e tinha claras ligações com
os aduaneiros, a ponto de coibir sua atuação, conforme transparece na queixa de
um fiscal recém empossado, encaminhada ao presidente da província em 1907:
ciudadano de dos Patrias.27 Essa charqueada ficava a 5km da cidade, quase sobre a
fronteira, ocupando 500ha sobre o arroio Carolina. A população do saladero era de
aproximadamente 900 pessoas, vivendo em 150 casas. Em 1907, a fábrica possuía
410 operários e máquinas com potência de 110HP, ocupando o 2º lugar entre as
indústrias do RS e o 16º entre as brasileiras. Elaborava charque, conservas, sabão e
velas. Contava com luz elétrica, auto-suficiência em madeira e lenha e uma estrada
macadamizada até Livramento. Quando essa charqueada foi adquirida pela firma
norte-americana Armour, tornou-se um frigorífico, mas manteve Pedro Irigoyen na
diretoria até 1919, por suas conexões como relações públicas, junto às autoridades
e aos fornecedores de gado (JACOB, 2005, p. 8).
27
Jacob remete ao Diccionario Riverense para as seguintes informações sobre Pedro Irigoyen,
caracterizando-o como um empresário “fordista”: “Imbuído de um espírito paternalista, cultuando um
assistencialismo empresarial de inspiração cristã, se preocupou em melhorar as condições de vida de
seus assalariados, construiu uma escola em que se ensinava espanhol e ministrava o catecismo de
acordo com os princípios da religião católica. Também se encarregou de outras necessidades
básicas, como a qualidade da habitação, a rede sanitária, o lazer na forma de sessões gratuitas de
cinema” (t.a) (“Imbuido de un espíritu paternalista, cultor de un asistencialismo empresarial de
inspiración cristiana, se preocupó de mejorar las condiciones de vida de sus asalariados, levanto una
escuela en la que se enseñaba el español y se impartía el catecismo de acuerdo a los principios de la
religión católica. También se encargó de otras necesidades básicas, como la calidad de la vivienda, la
cobertura sanitaria, el esparcimiento mediante exhibiciones cinematográficas gratuitas” (Diccionario
Riverense, 1996, nº 9, apud JACOB, 2005, p. 9).
52
URUGUAI
f r o n t e i r a
sócios uruguaios
capitalizados e
com vínculos no saladeros e
Uruguai charqueadas
internamente:
pessoas
competentes
e próximas
Clube Comercial
elite municipal
políticos com interesse vinculada ao comércio
na fronteira e no charque fronteiriço e à
pecuária
Prefeitura Municipal
republicanos
Governo Estadual
BRASIL
Foi somente por volta de 1930 que Porto Alegre e outras cidades do litoral do
Rio Grande do Sul consolidaram a polarização econômica e cultural sobre a região-
fronteira, que até então privilegiava a estrutura do porto de Montevidéu, as barracas
e os bancos uruguaios, para o escoamento de sua produção e o abastecimento em
bens e capitais. Segundo Volkmer (2007, p. 144), até então
cumprindo o destino antevisto por Tomás Diago em 1863. Por exemplo, Borges de
Medeiros, então presidente do Rio Grande do Sul, escreveu, na mensagem anual à
Assembléia de Representantes da província:
Quando eu era um guri, como dizem aqui na fronteira (lá [no Brasil] dizem
garoto, no Rio Grande do Sul também dizem guri, guri e guria) [...] e o
contrabando se fazia daqui para lá. Já existiam lojas aqui na linha divisória,
traziam-se coisas, da Europa principalmente. Por exemplo, aqui não havia
ferragens, não havia onde comprar ferramentas, não havia onde comprar
arame, por exemplo, muitas coisas de máquinas e maquinário não eram
produzidas no Brasil. [...] E as pessoas do Rio Grande do Sul, Bagé,
inclusive Porto Alegre, Dom Pedrito, e toda essa gente vinha comprar aqui,
no comércio de Livramento, e a mercadoria vinha de Montevidéu, era
trazida até Salto, departamento de Salto, e de Salto, em carretas e em
carros vinha para cá, para a fronteira, onde ficavam as lojas, os negócios
28
eram feitos aqui, o comércio, o contrabando do Uruguai para o Brasil.
(Julio Cairello, entrevista, Rivera 21/07/2005)
28
Note-se, no comentário à linguagem, a oscilação semelhança-diferença entre o português e o
espanhol, ou entre o lá e o aqui (que acaba por incluir também o Rio Grande do Sul), pelo uso de um
vocábulo de origem guarani: “Cuando yo era un guri, como dicen acá en la frontera (allá dicen garoto,
en Rio Grande do Sul también dicen guri, guri e guria) [...] lo contrabando se hacia de acá para allá.
Ya habían comercios acá en la línea divisoria, se traía las cosas, de Europa principalmente, por
ejemplo, acá no había ferreterías, no había donde comprar herramientas, no había donde comprar
alambres, por ejemplo, y muchas cosas de maquinas y maquinarias, no había producción en el Brasil.
[...], a la gente de Rio Grande do Sul, Bagé, incluso Porto Alegre, Don Pedrito y toda esa gente venia
comprar acá, en el comercio de Livramento, y la mercadería venía por Montevideo y la traía a Salto,
departamento de Salto, y de Salto, en carretas y en carros venia acá a la frontera, donde era, el
negocio se hacia acá, el comercio, el contrabando del Uruguay para el Brasil” (Julio Cairello,
entrevista, 21/07/2005).
55
para o governo uruguaio, que não podia oferecer vantagens fiscais (ao comércio de
trânsito ou às indústrias) por conta dos pactos políticos entre os governos nacionais.
E, em 1937, no Brasil, os cassinos passam a ser permitidos exclusivamente em
praias e balneários. Assim, Rivera polariza a vida noturna no interior uruguaio e nas
cidades-gêmeas:
11. Por outro lado, a fronteira oferece possibilidades econômicas que amenizam o
impacto das crises nacionais.
16. A cultura local é objeto de discriminação por parte dos centros nacionais.
Acusações de contrabando, de dissolução da nacionalidade, de empobrecimento da
língua, de amoralidade, de estranhamento em relação ao padrão nacional podem
ser proferidas por agentes distantes do lugar fronteiriço. A fronteira, enquanto limite
altamente permeável, estaria na origem da decadência, tanto pelo afastamento ao
centro nacional, como pela proximidade à terra estrangeira e pela presença de
forasteiros.
17. A cada nova regulação estatal-nacional corresponde uma adaptação local. Por
exemplo, no Uruguai, o empenho em coibir a fala do português é frustrado pelo
recurso ao portuñol; no Brasil, a proibição de emprego de estrangeiros leva ao
surgimento dos doble-chapas.
20. Por outro lado, há um desejo de limite, uma necessidade de demarcar o território
para manter a boa convivência entre as cidades e nações vizinhas.
Houve um tempo durante a [II Grande] Guerra que teve muito contrabando
de pneus daqui pra lá. Durante a Guerra o Brasil continuava produzindo
pneus, e o Uruguai obviamente não tinha indústria de pneus, mas tinha
ônibus, e eles fizeram uma linha de ônibus Montevidéu-Rio Grande, fizeram
inclusive inauguração, grandes festas etc. [...] A Onda, se chamava a
companhia, [...] lá pelas tantas eles traziam um ônibus com pneus carecas,
lá eles compravam outros, trocavam, na volta aquele ônibus voltava outra
vez com pneus carecas. E tinham todo apoio do cônsul lá no Rio, que se
chamava Bella. Isso se fez durante a guerra, contrabando de pneus
(Raphael Copstein, entrevista, Porto Alegre 11/10/2005).
29
A primeira pista para a existência de um ciclo de farinha foi encontrada na novela Perseguição e
cerco a Juvêncio Gutierrez, de Tabajara Ruas (1997).
60
30
Vide Apêndice E – Iconografia da fronteira e do contrabando.
62
em Jaguarão, diz que as cidades da fronteira seriam pueblos: “não chegam a ser
campeiros ou criollos, enquanto gaúchos; mas também não são propriamente
urbanos” (1988, p. VII). Às grandes estâncias no lado brasileiro correspondem áreas
no Uruguai, freqüentemente sob mesma administração, e não é raro que apenas
alguns metros e duas porteiras – e um limite internacional – as separe.
O traçado urbano das duas cidades ficou a cargo do agrimensor Martín Paes
e do engenheiro Jose Lupi, criadores de um arruamento que toma a linha fronteiriça,
sobre o divisor de águas, como espinha dorsal, e dali estende ruas para ambos os
lados, fazendo do limite um grande cruzamento e ponto de passagem, que bem
representam o paradoxo do lugar. As figuras 11 e 12 mostram o agrimensor e uma
figuração de sua atividade em campo, em imagens de acervos locais, atestando a
importância do processo demarcatório nas representações e na memória do lugar.
64
N
N
sobre a linha fronteiriça, as inúmeras marcas dos intensos vínculos desse lugar com
outros pontos e escalas mundo a fora.
31
Tal não foi a sorte de Quaraí, que passou mais de 30 anos isolada, sem poder recorrer à ferrovia
uruguaia e não dispondo de opção de transporte eficiente pelo território brasileiro, no início do século.
Também Jaguarão sofreu com a decadência das ligações ferroviárias, sendo eclipsada pela
passagem rodoviária pelo Chuí. Nessa cidade, até 1944, ano da abertura da ruta 19 uruguaia, só
havia areais e banhados. Em 1971 constrói-se a BR-471, cortando o Banhado do Taim, e o impulso
dado pela nova infra-estrutura possibilita a emergência econômica dessas cidades de fronteira. A
adequação da rede aos tempos do rodoviarismo leva também à migração. (Conta a anedota que
Getulio Vargas havia oferecido à Santa Vitória do Palmar, município do qual se desmembrou o Chuí
brasileiro, a opção entre rodovia, ferrovia e aeroporto. A opção recaiu sobre o último, símbolo de
modernidade. Se enganaram de rede!)
32
Mas isso não se dá por pruridos nacionalistas, já que, conforme um informante “o dono da
companhia de ônibus é muito forte, e ele tem uma ‘F-1000’ que é puro tanque de gasolina, então
durante todo dia ele passa a fronteira, abastece em Livramento, enche o tanque, volta...” (Higuerón,
entrevista, Santana do Livramento, 20/07/2005). Segundo outro informante, os ônibus dessa empresa
uruguaia também foram equipados com tanques de combustível avantajados (Álamo, entrevista,
Rivera, 22/07/2005).
68
suas benévolas relações, seus comércio próprio e o de trânsito” (t.a) (Arch. Gal. de
la Rep. de Uruguay - cx 114 e 116 – pasta 1110 apud VOLKMER, 2007, p. 150).33
33
“La buena amistad que debe reinar entre pueblos vecinos y amigos que, como Rivera y Santa Ana
están en diario contacto por su respectiva posición geográfica, sus benévolas relaciones, su comercio
propio y el de transito, está expuesto a sufrir sacudimientos desagradables que conviene conjurar con
eficacia, extirpando la fuente de su origen”. (Archivo General de la Republica de Uruguay - Fondo
Ministerio de Relaciones Exteriores, caixas 114 e 116 - pasta 1110 apud VOLKMER, 2007, p. 150).
69
O free shop marca a paisagem local, ainda que remeta às lógicas nacional –
na forma da legislação de extraterritorialidade que as legaliza – e internacional – em
função dos consumidores a que se volta e das marcas que oferece. Esse ramo
dedicado à venda de produtos de luxo importados sem taxas é muito suscetível a
mudanças conjunturais, tendo vivido, entre 2007 e meados de 2008, um dos seus
momentos mais favoráveis, causado pela queda no valor do dólar, em relação ao
real. Segundo o jornal “A Platéia” existiam, em dezembro de 2007, 43 lojas que
empregam cerca de 2000 funcionários. O crescimento dos free shops ocupou a Av.
Sarandí, a principal de Rivera, com painéis e vitrines, ora luminosos, ora
empoeirados, mostrando as oscilações desse setor da economia e determinando a
valorização imobiliária do eixo (BENTANCOR-ROSÉS et al, 1989). O assunto será
retomado no capítulo 4.
Veja que Villa Ceballos era, na prática, formada por duas ruas, ou pelo
encontro de dois eixos, digamos: havia o que se chamava Caminho das
Tropas, que era como chamavam a Sarandi, e a linha, que a cortava, na
forma de um T. E isso era essencialmente o centro, digamos, de Villa
Ceballos. (...) as autoridades vêm e se instalam ali, em pleno centro,
digamos, no coração da cidade, e o que acontece? Os contrabandistas não
podiam passar pelo Caminho das Tropas, pelo que é hoje Calle Sarandi,
porque a polícia estava ali, estava praticamente ao lado. Então, o que
fizeram? Contam os mais antigos do bairro que resolveram procurar um
caminho, o mais longe possível do posto policial. Então transferiram o
caminho de penetração ao sul uns dois quilômetros para noroeste. Ali se
criou o que hoje conhecemos por Av. 1825, que eles chamavam Caminho
Cuaró. Então, o que ocorreu foi que para evitar a polícia traçaram esse
caminho todo, Cuaró, Brasil, até a Praça Flores, aí descansavam,
desencilhavam e depois seguiam até San Eugenio, Tacuarembó, Salto. (t.a)
34
(PALERMO, E. 2006).
34
“Viste que Villa Ceballos estaba formada en la práctica por dos calles, o por el encuentro de dos
ejes, digamos. Estaba lo que se llamaba el Camino de las Tropas, como le llamaban, que es hoy
Sarandi, viste, y la línea, que lo cortaba, en la forma de T. Eso era esencialmente el centro, digamos,
de Villa Ceballos. Entonces que pasó? Cuando se instala el pueblo, y las autoridades vienen y se
instalan ahí en pleno centro, en el corazón, digamos de la ciudad, que pasa? Los contrabandistas no
podían pasar por el Camino de las Tropas, por el que es hoy calle Sarandi, porque la policía estaba
allí, estaba prácticamente al costado. Entonces que hicieron? Contan los más antiguos del barrio que
decidieron buscar un camino, lo más lejos posible del puesto policial. Entonces trasladaron el camino
71
Muitas das práticas dos habitantes dessas cidades lançam mão de cálculos
que consideram a condição fronteiriça. Desde o nascimento, passando pelo
casamento e até a morte; na saúde e na educação; na produção e no consumo de
bens materiais e imateriais (religião, língua, arte, folclore), em muitos tipos de ação
política, as estratégias são pensadas e executadas levando em consideração as
possibilidades presentes em ambos os lados da fronteira. Deve-se ressaltar:
“praticando” a fronteira, agindo como fronteiriço, como o habitante de um lugar em
que as possibilidades se multiplicam pelo agenciamento da diferenciação originada
na construção dos territórios nacionais.
de penetración hacia el sur unos dos quilómetros hacia el noreste. Ahí se creó lo que hoy conocemos
con el nombre de Avenida 1825, que ellos le llamaban Camino Cuaró. Entonces que pasó, para evitar
la policía, trazaron ese camino todo, Cuaró, Brasil, hasta la Plaza Flores, y ahí descansaban,
desensillaban y después seguían hasta San Eugenio, Tacuarembó, Salto. (PALERMO, E., 2006).
35
Normalmente as leis de cada Estado estabelecem as condições em que se reconhece a cidadania
aos nacionais e aos estrangeiros que a solicitem (naturalização). Dá-se “a qualidade de cidadão ao
conjunto de pessoas de um povoado ou país que reúnem os requisitos para serem considerados
como tais e que, portanto, possuem direitos políticos, fundamentalmente o de eleger e de ser eleito"
(DI TELLA, 1989, p. 95). Nesse caso trata-se do reconhecimento da cidadania como outorga
institucional de nacionalidade.
72
Esse precedente legal proporciona mais que uma dupla cidadania pragmática,
voltada para a obtenção de direitos reservados aos nacionais – como a
aposentadoria ou o acesso gratuito à saúde e educação – mas uma cidadania
oscilante, que pende para um ou outro pertencimento, ou mesmo para sua
combinação, já que muitos fronteiriços consideram-se simultaneamente brasileiros e
uruguaios (QUADRELLI-SÁNCHEZ, 2002, p. 61).
36
“Doble chapa – / Legislación: El 5.11.1976 fue promulgada (reglamentada el 2.2.1977) la ley
extraordinaria por la cual se aprobó la importación definitiva de automóviles y camionetas que tenían
doble chapa de circulación, brasileña y oriental, que hubieran ingresado a nuestra República con
antelación al 2.1.1973, para usuarios residentes en los departamentos de Artigas, Cerro Largo,
Paysandú, Rivera, Rocha, Salto y Treinta y Tres. En nuestro caso los fondos recaudados fueron
empleados en la iniciación del Palacio Municipal. / Lingüística: Denominación popular para los
fronterizos con doble nacionalidad, comunes en la región dado el entremezclamiento de muchas
familias y la costumbre, hoy no tan generalizada, por la cual muchos recién nacidos eran registrados
en los dos países vecinos.” (LEON, 1988, p. 280). Merece nota a existência de um dicionário,
73
inconcluso em seus 15 volumes e quase 2000 páginas, sobre temas locais, atestando a força cultural
do lugar.
74
Rivera se povoou ultimamente, nos últimos quarenta anos, com muita gente
que veio do resto do país para cá. Rivera tem quase cem mil habitantes,
são poucos os departamentos do Uruguai que têm essa quantidade de
gente e por que? Por que a vida aqui era muito mais barata, graças ao
37
contato com o Brasil. (t.n.) (Julio Cairello, entrevista, Rivera 21/07/2005).
37
“Rivera se pobló últimamente, en los últimos 40 años, por mucha gente que vino del resto del país
para acá, Rivera tiene casi 100 mil habitantes, son pocos los departamentos del Uruguay que tienen
esa cantidad de gente y, por que la vida acá era mucho más barata, por el contacto con el Brasil”
(Julio Cairello, entrevista, 21/07/2005).
75
“A Fronteira da Paz”
é o apelido dessa zona
Será porque las ‘persona’
Aqui não lutam jamais.
Tá ‘tudo bon’, dizem muitos
e ficam bem ‘cayado’
Uns fumam ‘importado’
77
40
A explicação avançada pela autora, no entanto, não se estende ao caso aqui em análise, onde o
povoamento foi posterior ao desenho da fronteira: “As razões são, em parte, históricas, já que bem
antes do surgimento da fronteira e da forma rígida e linear de sua existência definitiva, as populações
tornadas fronteiriças praticavam um sistema de alianças e trocas indiferenciadas com o conjunto das
comunidades vizinhas.” (t.n.) “Ces zones sont rapidement apparues, aux yeux des pouvoirs politiques,
comme des zones de dangers potentiels du fait de leur contact effectif avec des espaces extérieurs
au territoire national. Á l’opposé du centre du territoire national éclairé et mis en lumière par toute une
série de normes prescrites, les confins apparaissent comme des zones d’incertitude identitaire
potentielle. Les raisons en sont en partie historiques, car bien avant la naissance de la frontière et de
la forme rigide et linéaire de son existence définitive, les populations devenues frontalières
pratiquaient um systéme d’alliances et d’échanges indifférenciés avec l’ensemble des communautés
voisines” (VELASCO-GRACIET, 2006, p.75).
79
41
Comenta Raphael Copstein (entrevista, Porto Alegre 11/10/2005) “está se procurando, não sei por
que, ensinar português do lado de lá e espanhol do lado de cá, quando eles têm a língua deles, eles
se entendem sem problemas, sem os gramáticos nem os políticos”. Respondo: “é uma vingança do
Estado-Nação sobre os caras, querer ensinar não uma, mas duas regras, ainda mais que o português
e o espanhol são línguas pátrias dos colonizadores, e não plenamente do Brasil e do Uruguai”. Ele
completa: “e outra coisa, a senhora pega um dicionário de termos gaúchos, tudo é espanhol”; finalizo:
“e guarani”. Essa discussão aproxima-se à travada no capítulo 3, sobre o conteúdo da marginalia, a
linguagem da margem, na produção literária regionalista.
80
O texto da lei afirma que a entrada no país de artigos como cigarros para fins
de revenda, ou armas para quaisquer fins, constitui sempre contrabando, pois sua
importação é absolutamente proibida. O desrespeito a barreiras sanitárias é uma
forma emergente de contrabando, que infringe a lei 7802/1989, sobre a utilização de
agrotóxicos e a legislação ambiental (lei 9605/1998). Há ainda significativo comércio
de sementes transgênicas, especialmente de soja vinda da China via Paraguai, sem
a atestação do Ministério da Agricultura do Brasil.
42
“Artículo 253. Se considera que existe contrabando en toda entrada o salida, importación,
exportación o tránsito de mercaderías o efectos que realizada con la complicidad de empleados o sin
ella, en forma clandestina o violenta, o sin la documentación correspondiente, esté destinada a
traducirse en una perdida de renta fiscal o en violación de los requisitos esenciales para la
importación o exportación de determinados artículos que establezcan leyes y reglamentos especiales,
aun no aduaneros” (Codigo Penal de la Republica Oriental del Uruguay, 1965, p. 130-133).
83
usualmente caráter oral e circulam por redes locais e periféricas. A interpretação dos
sentidos locais dos causos contrabandistas para a presente representação textual se
faz tanto por sua tradução para o meio escrito, quanto pelo reconhecimento da
verdade expressas nessas enunciações.
43
“La répresentation est le processus par lequel sont produits des formes, concrètes ou idéelles,
dotées d’une existence propre, mais qui réfèrent toujours à un autre objet ou à un autre phénomène
relevant d’un autre ordre de realité [...] un phénomène d’une autre nature: l’espace, le paysage, le
lieu” (DEBARBIEUX, 1998, p. 199-200).
85
Josefina Ludmer (2002, p.28), “uma matéria e uma lógica”, ao que acrescento: um
suporte) para verbalizar o espaço, com diferentes propósitos. Dentre as múltiplas
formas textuais, trabalho com a matéria escrita (descrição científica, obra ficcional,
texto legal e jornalístico etc.); com entrevistas, conversas, causos, anedotas e outras
formas da expressão oral transcrita44. É preciso enfatizar que as palavras e seus
usos são de domínio geral, em mutação e atualização permanente. O texto científico
prima pelo diálogo com os precursores; a escrita geográfica vale-se ainda de
representações cartográficas, imagens de circulação mais restrita. Para acompanhar
este texto geográfico, busco desenvolver cartogramas ao longo deste trabalho,
enfrentando o desafio de mapear alguns cenários ficcionais e as práticas dos
contrabandistas, de materialização inconspícua porque cercadas de sigilo 45. A
representação oral recorre a gestos e entonações, perdidos na passagem para o
registro escrito.
a suíte escalar em que circula o objeto representado pelo emissor, por exemplo, o
contrabando, e os conflitos gerados na relação entre representações oriundas no
lugar, na região e no Estado. Há, evidentemente, um forte teor político nessa
formulação.46 As várias representações textuais da fronteira e do contrabando
alinham-se em posições geograficamente coerentes com a situação geográfica e
social de quem as produz.
4. Nesse sentido, a idéia de tradução cultural surge como estratégia para (a)
reconhecer a natureza desigual de cada um desses gêneros textuais, ao mesmo
tempo em que (b) procura aproximá-los, construindo comensurabilidades entre
textos de origem, suporte e propósitos distintos, (c) organizando-os segundo uma
geografia das representações textuais, a partir do lugar e das práticas a que o
corpus (o conjunto dos textos) se refere, (d) gerando a presente representação
textual.
O trabalho dos geógrafos geralmente deságua num texto final, que pode ser
um relatório de campo ou uma tese como esta, mas que é apenas parte de um
percurso que inclui contatos prolongados com o grupo em estudo na construção – e
nas sucessivas erosões – do objeto geográfico. O texto científico é uma tentativa de
sedimentação dessa experiência sobre um substrato de teorias já constituídas.
46
Como escreveu Machado de Assis, “tão certo é que a paisagem depende do ponto de vista, e que
o melhor modo de apreciar o chicote é ter-lhe o cabo na mão” (ASSIS, [1891] 1994 p. 23).
88
47
Atenho-me aos conteúdos espaciais do conceito/noção de fronteira, não examinando seus usos
metafóricos ou simbólicos.
48
Seria mais apropriado denominá-la fronteira interestatal, na medida em que o aparato
territorializado do Estado é limitado por essa linha, enquanto há nações cuja espacialidade não
corresponde a um território unificado e autodeterminado. Nações são grupos humanos e não objetos
delimitáveis no espaço.
89
A fronteira, na verdade, continua marcada por suas origens militares. Por tal
razão, ela não deixa de pertencer ao registro do front, do enfrentamento, em
uma palavra, da guerra, seja ela ruidosa e mortífera ou somente
embrionária e dissimulada. Supondo uma concepção egocêntrica do
Estado, em virtude da qual as políticas se baseiam em relações de força e
nos atos do príncipe perpetrados segundo o direito do mais forte (t.a). (grifo
49
da autora) (NORDMAN, 1998, p. 40) .
49
“La frontière, en effet, demeure marquée par ses origines militaires. Pour cette raison elle ne
cessera d’appartenir au registre du front, de l’affrontement, en un mot de la guerre, que celle-ci soit
bruyante et meurtrière, ou seulement larvée et dissimulée. Elle suppose une conception égocentrique
de l’État, en vertu de laquelle les politiques sont fondées sur les rapports de forces, et les actes du
prince perpetrées selon le droit du plus fort”. (p. 40)
50
“Très differents apparaissent les limites. Géographiques, politiques (ou encore métaphoriques,
figurées), elles sont tout d’abord linéaires, dans la mesure où elles sont l’objet d’un fixation sur le
terrain. Mais surtout, à travers elles, c’est le registre de la négotiation, de la discussion, qui prévaut: à
la origine ou en perspective, la paix est en cause. Alors que selon une conception exclusive,
belliqueuse et offensive de l’État, la force tend à déplacer les frontiéres aux dépens des voisins les
plus faibles, la fin, acceptée, des hostilités conduit à la paix des limites, à la négociation engagée, en
principe sur un pied d’égalité, par les adversaires qui ont cessé de l’être. C’est une autre définition de
90
l’État qui s’impose, ou plus exactement des États insérés dans une réseau polycentrique de relations
juridiques et politiques”. (idem, ibid., p. 40).
51
A idéia de forças centrífugas e centrípetas já tinha sido aplicada à fronteira na abordagem
funcionalista proposta por Richard Hartshorne em 1950: “O fato de um país ter um nome e um
governo, de que um tratado internacional reconheça a sua existencia como Estado e defina seus
limites territoriais não é suficiente para produzir um Estado. Para realizar esse objetivo é necesario
estabelecer forças centrípetas que unam as regiões daquele Estado contrariando as forças
centrífugas que sempre estão presentes.” (t.n.) “The fact that a country has a name and a
government, that an international treaty recognizes its existence as a state and defines its territorial
limits – all that does not produce a state. To accomplish that, it is necessary to establish centripetal
forces that will bind together the regions of that state, in spite of centrifugal forces that are always
present’ (HARTSHORNE, 1950). Nessa visão, a fronteira é analisada em relação ao Estado a que
pertence, e não em relação aos Estados vizinhos ou na escala local.
91
sua manifestação como limite), sem negar seu caráter dinâmico e de constante
recriação.
52
“Se destaca que en síntesis, mientras el límite cierra, la frontera abre, se abre a interrelaciones, a
intercambios [...]. Aún en los casos donde no se han dado todos los elementos para hacerlo posible,
las herramientas articuladoras existen y su funcionamiento sistémico está latente, son verdaderas
bisagras siempre potencialmente aptas a abrirse”. (BENTANCOR-ROSÉS, 2002, p. 18)
53
“Is the outer edge of the wave – the meeting point between savagery and civilization [...]. The
American frontier is sharply distinguished from the European frontier – a fortified boundary line running
through dense populations. The most significant thing about the American frontier is that it lies at the
hither edge of free land”. (TURNER, [1893] 1965, p. 31).
92
onde se está face a face com o inimigo, num diálogo de forças –, pode-se guardar o
sentido espacial e o apelo à liberdade e à iniciativa.
54
Cuisinier-Raynal toma como base o trabalho de Foucher (Tipología de las fronteras
contemporáneas. In BOVIN, Ph. (coord.), “Las fronteras del istmo. Fronteras y sociedades en el sur
de México y América Central”, CIESAS/CEMCA, 1997. p. 19-24), no qual a geometria da fronteira é
descrita partindo das idéias de envelope, díade e segmentos (respectivamente o perímetro fronteiriço
total de um Estado, o limite entre dois Estados contíguos e suas subdivisões regionais). A
interpretação de Roger Brunet para a dinâmica espacial inclui conceitos emprestados da biologia,
como sinapses, trocas osmóticas etc. incorporados por Cuisinier-Raynal (BRUNET; DOLLFUSS,
1990).
55
Crítica apontada pelo Prof. Dr. Carlos Capela, Florianópolis, 26/11/2004.
93
56
A proposta volta-se para o estabelecimento das “bases de uma política integrada de
desenvolvimento regional para a faixa de fronteira”, tendo sido elaborada pelo Grupo Retis, da UFRJ,
sob coordenação de Lia Osório Machado, em resposta à demanda do Ministério da Integração
Nacional. A adoção da proposta pelo Governo Federal tem levado à implementação de infra-estrutura
e de arranjos produtivos locais, com diferentes resultados.
94
FIGURA 17: Brasil: mapa com tipologia das interações fronteiriças - 2005
Fonte: BRASIL, 2005, p.148.
57
Um detalhamento da análise que segue encontra-se em DORFMAN; DIETZ, 2006.
58
Foram examinados, em ordem cronológica, os artigos que abordam explicitamente o tema das
fronteiras e limites publicados na RIHGRS, quais sejam: PAUWELS, P. G. J. “Contribuição para o
estudo dos conceitos de ‘limite’ e ‘fronteira’”. RIHGRGS, no. 17/18, 1925, p. 61-90; ____ “O conceito
de região natural e uma tentativa de estabelecer as regiões naturais do Brasil”. RIHGRGS, no. 21/22,
1926, p.9-58; ____. “Trecho duvidoso dos limites entre os estados do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina” RIHGRGS, no. 33/34, 1929; DOCCA, E. F. de S. “O Brasil no Prata 1815-1828”. RIHGRGS,
no. 41, 1931; GOYCOCHEA, L. F. C. “A formação territorial do Brasil”. RIHGRGS, no.87/88, 1942;
FRANCO, S. da C. “Panorama sócio-cultural da fronteira Brasil-Uruguai”. RIHGRGS, no. 129, 1993, p.
139-150; FLORES, M. “As fronteiras na região platina”. RIHGRGS, no. 133, 1998, p.115-122;
PÉBAYLE, R. “Fronteiras e espaços fronteiriços do Brasil Meridional” RIHGRGS, no. 138, 2003, p.
143-152.
96
59
Pauwels, Geraldo José (Pe). Nasceu em Goch, Alemanha em 03/02/1983. Morreu no Rio de
Janeiro em 25/10/1960. Ingressou na Companhia de Jesus em 1904. Veio para o Brasil em 1910. Foi
sacerdote entre 1917 e 1925. Foi professor nos colégios Nossa Senhora da Conceição (São
Leopoldo), Ginásio Catarinense (Florianópolis) e Ginásio Anchieta (Porto Alegre). Padre secular na
Arquidiocese do Rio de Janeiro em 1925. Inspetor de Ginásio, historiador e geógrafo. Publicou um
grande número de obras, entre as quais se destacam o Atlas Geográfico Melhoramentos, de amplo
uso escolar; Apontamentos de Geografia Física e Política e vários artigos na Revista do IHGRGS
(MARTINS, A. 1978, p. 423-424).
97
Jean Brunhes e Carlos Delgado de Carvalho são citados por Pauwels para
distinguir entre limites “mortos” (estáveis) e “vivos” (propensos a contínua mudança)
dependendo de estarem ou não sujeitos à tendência de expansão. Como exemplo
de limite morto, Pauwels cita os limites entre Brasil e Uruguai. Esse uso é diferente
do mais corrente hoje, quando os adjetivos morto e vivo ligam-se à ausência ou
presença de habitantes em ambos os lados do limite. Os limites territoriais podem
ainda serem “históricos” (resultado de um processo histórico onde o princípio do uti
possidetis é aplicável) ou “arbitrários” (gerados a partir de traçados e tratados,
“reflexivos, apriorísticos, convencionais”) (id., ibid., p. 67).
Diz ele que os limites naturais são de dois tipos: limites territoriais naturais e
topográficos. Estes são preferíveis “(1º) porque [...] os estabelecimentos humanos se
moldam a elles; (2º) por tornarem claro e fácil o reconhecimento do limite e
independente da erecção de padrões” (idem, ibidem, p.67).
Um povo não pode pretender annexar outro sómente para ter limites
naturaes [...] Em summa: o phraseado dos limites naturaes nesta accepção
politica não passa duma illusão, para encobrir ladroeiras de ponto maior, e é
por cima summamente perigoso aos interesses da paz e da amizade das
nações sulamericanas. (id., ibid., p. 71).
Quanto à fronteira, diz ele simplesmente que esta é a faixa de terra que
acompanha o limite para defendê-lo, possibilitando também a cobrança de impostos.
98
Vê-se que se trata de evitar que no futuro se venha fazer necessária, segundo
os critérios “mais nobres e principais” supracitados, isto é, “do elemento humano”,
uma mudança do limite. Enfim, todo o argumento desse artigo gira em torno das
vantagens de dar concretude ao limite territorial.
60
FRANCO, Sérgio da Costa. Nascido em Jaguarão em 12/06/1928. Bacharel em direto em 1954.
Licenciado em História e Geografia. Juiz em várias comarcas, ensaísta e cronista. Escreveu Porto
Alegre e seu comércio, em 1983, entre outras obras. Contribui para o Correio do Povo e Zero Hora.
(MARTINS, 1978, p. 230). Ganhou o Prêmio Açorianos de Melhor Livro com Os Viajantes Olham
Porto Alegre (1754 - 1890 e 1890), escrito com Valter Antônio Noal F.
99
Isso resulta numa “área de interação intensa [...] ‘uma terra só’” (idem, Ibidem,
p. 140). Tais afirmações mostram que permanece a expectativa de uma definição da
fronteira por elementos do quadro físico. É à inexistência dessa fronteira – ou limite,
na concepção de Pauwels – natural que se atribui a interação entre as populações e
mesmo entre territórios precariamente isolados. Essa forma de ver coincide com a
subdivisão da faixa de fronteira proposta no PDFF para o Rio Grande do Sul. Cabe
notar ainda o uso do vocábulo “linha”, típico da fronteira Uruguai-Brasil.
61
Raymond Pébayle nasceu na França em 27 de dezembro de 1932. Professor e pesquisador,
estagiou no Brasil em 1961. Entre as obras do autor estão: La vie rurale dans Campanha Rio-
Grandense (Toulouse, França), Geographie rurale des nouvelles colonies de Haut Uruguay, RS –
Brésil (Bulletin de L’Association de Geographes Françaises, Paris) (MARTINS, A.,1978, p. 365).
62
A expressão foi reinterpretada por Milton Santos (2002, p. 322-3) como o espaço comum, capaz de
agregar todos os vetores e interesses, enquanto o uso dado por Pébayle parece apontar para um
espaço amorfo, indiferenciado ou não-polarizado (sem fluxos de pessoas e economia)
100
O autor destaca os fluxos que compõem este cenário, caracterizados tanto por
fluxos oficiais (os quais são contabilizados por fontes estatísticas), como também por
fluxos fraudulentos (provenientes do contrabando).
63
Destaca-se ainda que Pébayle não menciona o segmento de fronteira do oeste catarinense.
101
64
O título desta tese remete à proposição de G. Neves. Hoje, não há especial ousadia no emprego da
expressão “fronteira gaúcha”. Também o conceito de “condição fronteiriça” ecoa a “condição
periférica de contato”, mas volta-se aos habitantes/agentes mais que aos espaços.
103
65
As páginas que seguem aprofundam o discutido em DORFMAN, 2008a.
66
Gerard Génette vai além e afirma que “nossa linguagem é toda tecida de espaço” (1969, p. 105).
67
Para os retóricos, gramáticos e teóricos da linguagem, os tropos equivalem à metáforas. São
desvios do uso literal, convencional ou próprio da linguagem, guinadas na locução que não são
sancionadas pelo costume ou pela lógica dominante. Os tropos geram figuras de linguagem ou de
pensamento mediante a variação do que “normalmente” se espera deles e por via das associações
que estabelecem entre conceitos (WHITE, 2001, p.14).
68
Na cabala de Paul Cézanne: “A paisagem se pensa em mim” (“La paysage se pense en moi”).
104
Benedict Anderson ([1983] 1998) se destaca, com uma obra de tal repercussão a
ponto de tornar a expressão “comunidade imaginada” num aposto de nação69.
69
Benedict Anderson [1983] (1998), examinando a coincidência entre a literatura romântica e a
emergência dos Estados-Nação, afirma que as nações são comunidades imaginadas, que
floresceram na convergência entre o capitalismo, a tecnologia de impressão e a diversidade da
expressão verbal humana e que o romance, como gênero literário, auxiliou na construção de
identidades nacionais.
70
Os processos de construção nacional passam pelo estabelecimento de uma lista de atributos ou
marcas da nação. Orvar Löfgren (1989) identifica como itens a serem constituídos e compartilhados
(e, no mesmo processo, a serem naturalizados): a língua; um passado e um destino – ou seja, uma
narração; um folclore; caráter e mentalidade nacionais; valores e gostos; símbolos, inclusive o hino e
a bandeira; paisagens típicas; heróis, vilões e mitos e, finalmente, textos e imagens sagrados.
105
Não raro o trânsito entre a oralidade e seu registro literário inverte seu
sentido, fazendo com que personagens, histórias e fórmulas literárias entrem em
circulação na cultura local, num movimento dialógico, em que a cultura popular e a
erudita influenciam-se e reinterpretam-se, em forma, conteúdo e função (BAKHTIN,
1996, p.49). Assim, se as peculiaridades locais transformam-se em matéria-prima
71
Os romances regionalistas de José de Alencar (O gaúcho, de 1870, e O sertanejo, de 1875)
alinham-se aos ditos romances nativistas (O guarani, 1857; Iracema, 1865; Ubirajara, 1874), num
esforço de mapear os tipos regionais que, conjuntamente, representam a população brasileira em sua
pátria (BOSI, 1987).
106
Note-se que o esforço documental dos literatos não gera somente “obras
menores” e datadas, saturadas de passadismo eufórico ou melancólico. Ao
contrário, certos textos transcendem os limites da ideologia do momento, mantendo
ativos, em seu interior, “a tensão constitutiva da história, e dos sujeitos que a vivem,
divididos” (CHIAPPINI, 1988, p. 313). Além disso, as tradições não são apenas
inventadas, como sugere uma leitura simplista do construtivismo de Eric Hobsbawn
e Terence Ranger (2002), mas também recriadas e questionadas, em narrativas que
vão do épico ao cômico, passando pelo irônico.
72
O sistema de comércio cerimonial praticado por alguns grupos na Polinésia, nas ilhas Trobriand,
estudado por Bronislaw Malinowski em “Os argonautas do Pacífico Ocidental”, em 1921.
108
fórmula de Clifford Geertz (2002a; 2002b), devemos tratar o autor como antropólogo
[geógrafo]? Ou, quem sabe, devamos considerar as obras regionalistas –
especialmente aquelas escritas por autores identificados com seus personagens –
como textos de uma cultura letrada, como representações textuais da cultura local?
73
“La fecha en que se llevó a cabo la que hoy vemos como azarosa emancipación política, colocó de
lleno a las literaturas independientes (que entonces debieron ser fundadas con el muy escaso
respaldo recibido del iluminismo) en el cauce del principio burgués que alimentó al triunfante arte
romántico. Dentro del, recibió la marca de sus Dioscuros mayores: la originalidad y la
representatividad, ambas situadas sobre un dialéctico eje histórico. Dado que esas literaturas
correspondían a países que habían roto con sus progenitoras, rebelándose contra el pasado colonial
(donde quedaban testimoniadas las culpas), debían ser forzosamente originales respecto a tales
fuentes. [...] Esa originalidad sólo podría alcanzarse [...] mediante la representatividad de la región en
la cual surgía, pues esta se percibía como notoriamente distinta de las sociedades progenitoras, por
diferencia de medio físico, por composición étnica heterogénea, y también por diferente grado de
desarrollo respecto a lo que se visualizaba como único modelo de progreso, el europeo.[...] ‘O
creamos o erramos’.” (RAMA, 1982, p.12-3).
113
menos como oposição binária do que através da dialética entre tais objetos
geográficos.74
74
Além das obras invocadas ao longo deste trabalho, pode-se citar como bibliografia gaúcha ligada à
fronteira, sem exaurir a lista ou mesmo apontar todos os autores mais representativos: GOLIN, Tau.
Fronteira. 2 v. P. Alegre: L&PM, 2002 e 2004; HAESBAERT da COSTA, Rogério. RS: Latifúndio e
identidade regional. P. Alegre: Mercado Aberto, 1988. 104p.; HEINZ, Flávio M.; HERRLEIN, Ronaldo
(orgs.). Histórias Regionais do Cone Sul. S. Cruz do Sul: EDUNISC, 2003. 464p.; JACKS, Nilda.
Querência: cultura regional como mediação simbólica – um estudo de recepção. P. Alegre: Ed.
Universidade/UFRGS, 1999. 286p.; JARDIM, Denise Fagundes. Palestinos no extremo sul do Brasil:
identidade étnica e os mecanismos sociais de produção da etnicidade – Chuí/RS. R. de Janeiro:
UFRJ/PPGAS – Museu Nacional, 2000. Tese em Antropologia. 376 p.; MARTINS, Maria Helena
(org.). Fronteiras Culturais: BR-UY-AR. Cotia: Ateliê Editorial/ PM P. Alegre/ CELP Cyro Martins,
2002. 261p.; OSÓRIO, Helen. Estancieiros, lavradores e comerciantes na constituição da
estremadura portuguesa na América: Rio Grande de São Pedro, 1737-1822. Niterói, RJ: UFF/PPGH,
1999, Tese em História, 315 p.; PRADO, Fabrício Pereira. A Colônia do Sacramento: o extremo sul da
América portuguesa no século XVIII. P. Alegre: F. P. Prado, 2002. 230p.; RÜCKERT, Aldomar. A
trajetória da terra: ocupação e colonização do centro-norte do RS 1827-1931. P. Fundo: EDIUPF,
1997, 201 p.,SANTI, Álvaro. Do Partenon à Califórnia. P. Alegre: Ed.UFRGS, 2004. 110p.; SANTOS,
José Vicente Tavares dos. Matuchos: exclusão e luta. Petrópolis: Vozes, 1993. 282p.
115
75
O conceito de sistema literário, no qual a relação entre autores, público e um conjunto de editoras
formam um sistema, também aplica-se à literatura sul-rio-grandense sem descartar a idéia de
literatura da fronteira. Sistema refere-se à organicidade da literatura, “do triângulo “autor-obra-
público”, em interação dinâmica, e de uma certa continuidade da tradição” (CÂNDIDO, 1950, p.16).
76
“Hacia las profundidades de la Nación en el espacio y en el tiempo, los textos asumen la empresa
de representar las culturas fronterizas – la barbarie, los indígenas, las costumbres – desde una
perspectiva nacional y americana, distinta de la mirada europea con la que continuamente debaten.”
(FERNANDEZ BRAVO, 1999, p. 17).
117
77
Também na França encontrei obras que falam da fronteira e do contrabando, valorizando a
primeira como lugar de memória e o segundo como prática tradicional e marca do lugar. No entanto,
não vi menção à expressão “literatura de fronteira”. Entre as obras examinadas, encontram-se
BONIFAY, Philipe; LACAF, Fabien. L’histoire de Mandrin en BD. Grenoble: Glénat. 2005. 47 p.; LOTI,
Pierre. Ramuntcho. Paris: Gallimard. [1892] 2006. 275 p.; ROGER, Dominique. Les passeurs du clair
de lune: histoires de contrebande dans le nord de la France. Rennes: Éditions Ouest-France. 2005.
201 p.; OSPITAL, André. Sur les sentiers de la contrebande en Pays Basque: souvenirs
humoristiques. Donostia: Elkarlanean. [1982] 2006. 125 p.
118
Ainda que o valor estético ou artístico dos textos fronteiriços possa ser
questionado, a rentabilidade – conceito da literatura comparada que enfatiza a
capacidade de cada texto de provocar reações – das interpretações geográficas da
literatura de contrabando será ampliada pela busca de textos literários não-
canônicos, capazes de revelar ângulos inusitados e percursos menos trilhados. As
trocas induzidas pelas fronteiras, a confrontação de identidades, valores e normas
incita à invenção de práticas e representações originais, entre-lugares e híbridos que
valorizam as práticas locais específicas (GROUPE FRONTIÈRE, 2004, p. 9).
Cabe apontar que esse tipo de análise preenche a lacuna produzida pelas
interpretações que tomam como unidade o território nacional, onde invariavelmente
a fronteira aparece como fenômeno marginal, estatisticamente irrelevante. Chegar a
conclusões qualitativas sobre a fronteira a partir de dados quantitativos nacionais é
perigoso. Da mesma forma, encontra-se grande dificuldade em trabalhar a fronteira
tomando como base o mapa político. A força do nacionalismo se manifesta na
representação cartográfica, registrando apenas uma linha cega, como uma máscara,
obliterando a visualização dos fluxos e dinâmicas na escala regional, coerentemente
esquecendo ser este espaço também um lugar de contatos, possuidor de lógicas
regionais e locais.
Ligia Chiappini (1999, p. 21) cita Dino Preti (1977, p. 42-3, 47) para enumerar
outras estratégias a que Simões Lopes Neto recorre em seu esforço para
transcrever a oralidade:
Existem técnicas para traduzir os textos orais para a forma escrita, dando
ênfase à performance do emissor e à sua relação com a audiência. Luciana
78
Segundo Raymond Williams, “sustentou-se que o mito é uma versão mais verdadeira (mais
profunda) da realidade do que a história secular, a descrição realista ou a explicação científica. [...]
[em] relatos mais sofisticados, nos quais se sustenta que os mitos são expressões fundamentais de
certas propriedades da mente humana e até mesmo da organização mental ou psicológica básica do
homem.” seja como estrutura universal ou manifestação de culturas específicas (WILLIAMS, 2007,
p.281).
123
O corpus selecionado para análise é composto por seis contos escritos por
autores nascidos na fronteira do Brasil com o Uruguai ou com a Argentina. Os
escritores situam-se no limite entre texto culto e narração nativa. A escolha destes
textos se deu por uma série de razões, desde referências mútuas –
intertextualidades mais ou menos explícitas – até o reconhecimento, por parte da
crítica, de seu valor literário, aliadas à inevitável aleatoriedade.
Por fim, busco ressituar a produtividade das obras ficcionais no estudo dos
lugares concretos, avaliando alcances e limites dessa opção metodológica.
“Os contos gauchescos” foram publicados pelo pelotense João Simões Lopes
Neto (1865-1916) em 1912 e são ambientados na Campanha, onde o guasca Blau
Nunes narra, num português fortemente marcado por temos gauchescos, dezoito
histórias campeiras. Entre estas encontramos “Contrabandista”, a mais conhecida
entre as obras aqui analisadas79. É provável que João Simões Lopes Neto tenha
fundado os “contos de contrabando” no Rio Grande do Sul, sendo o pai desse
subgênero, na medida em que foi o primeiro ou um dos primeiros escritores gaúchos
a incluir os homens simples na narrativa literária (CHIAPPINI, 1988, p.307).
79
A fortuna crítica nos estudos literários é imensa, destacando-se: AGUIAR, 1992; ARMANDO, 1986;
CHIAPINNI, 1988, 1994, 1999. A edição aqui usada é LOPES NETO, João Simões. In:______.
“Contos gauchescos”. São Paulo, Ática, [1912] 1998. 120 p. p. 91-96. Da folha de rosto desta edição
consta: “Texto integral, cotejado com a edição crítica de Aurélio Buarque de Hollanda de 1949, da
Editora Globo, Porto Alegre". Da mesma forma, este conto é reiteradamente convocado como
epígrafe ou ornamento em escritos de historiadores, como em SOUZA, 1994a e NEUMANN, 2001,
procedimento criticado por FLORES (2007, p.10).
128
CONTRABANDISTA
– Batia nos noventa anos o corpo magro mas sempre teso do Jango
Jorge, um que foi capitão duma maloca de contrabandistas que fez cancha
nos banhados do Ibirocaí.
Esse gaúcho desabotinado levou a existência inteira a cruzar os
campos da fronteira: à luz do sol, no desmaiado da lua, na escuridão das
noites, na cerração das madrugadas...: ainda que chovesse reiúnos
acolherados ou que ventasse como por alma de padre, nunca errou vau,
nunca perdeu atalho, nunca desandou cruzada!...
Conhecia as querências, pelo faro: aqui era o cheiro do açouta-
cavalo florescido, lá o dos trevais, o das guabirobas rasteiras, do capim-
limão; pelo ouvido: aqui, cancha de graxains, lá os pastos que ensurdecem
ou estalam no casco do cavalo; adiante, o chape-chape, noutro ponto, o
areão. Até pelo gosto ele dizia a parada, porque sabia onde estavam águas
salobres e águas leves, com sabor de barro ou sabendo a limo.
Tinha vindo das guerras do outro tempo; foi um dos que peleou na
batalha de Ituzaingo; foi do esquadrão do general José de Abreu. E sempre
que falava no Anjo da Vitória ainda tirava o chapéu, numa braçada larga,
como se cumprimentasse alguém de muito respeito, numa distância muito
longe.
80
Nota 129 do editor: “Le echaba cuentas de gran capitán…: indica as parcelas exorbitantes de uma
conta feita arbitrariamente e sem a devida justificação, é uma referência à conta que Gonzalo
Fernandez de Córdoba, apelidado de ‘el Gran Capitán’, apresentou ao rei Fernando, o Católico,
depois de haver conquistado Nápoles” (LOPES NETO [1912] 1998, p.92).
129
81
Nota 130 do editor: “A tomada das Missões: Atualmente no Rio Grande do Sul, a região de Sete
Povos das Missões, colonizada por jesuítas espanhóis, foi constante motivo de disputa entre Portugal
e Espanha, sendo conquistada definitivamente por tropas luso-brasileiras em 1801, em uma curta
guerra entre as duas metrópoles coloniais” (idem, ibidem, p.92).
130
82
Nota 133 do editor: “A guerra do Rosas: O caudilho argentino Juan Manuel Rosas chegou ao poder
em 1829, interveio no Uruguai, apoiando Oribe, e enfrentou a Bolívia, o Paraguai e o Chile. Em 1853,
desafiado por problemas de fronteiras, o Império brasileiro interveio militarmente, derrotando o
caudilho com o apoio do general argentino Urquiza” (id., ibid. p.94).
131
Só faltava a noiva; mas essa não podia aparecer, por falta do seu
vestido branco, dos seus sapatos brancos, do seu véu branco, das suas
flores de laranjeira, que o pai fora buscar e ainda não trouxera.
As moças riam-se; as senhoras velhas cochichavam.
Entardeceu.
Nisto correu voz que a noiva estava chorando: fizemos uma
algazarra e ela tão boazinha! – veio à porta do quarto, bem penteada, ainda
num vestidinho de chita de andar em casa, e pôs-se a rir pra nós, pra
mostrar que estava contente.
A rir, sim, rindo na boca, mas também a chorar lágrimas grandes,
que rolavam devagar dos olhos pestanudos...
E rindo e chorando estava, sem saber porque... sem saber por que,
rindo e chorando, quando alguém gritou do terreiro:
– Aí vem o Jango Jorge, com mais gente!...
Foi um vozerio geral; a moça porém ficou, como estava, no quadro
da porta, rindo e chorando, cada vez menos sem saber por que... pois o pai
estava chegando e o seu vestido branco, o seu véu, as suas flores de
noiva...
Era já fusco-fusco. Pegaram a acender as luzes.
E nesse mesmo tempo parava no terreiro a comitiva; mas num
silêncio, tudo.
E o mesmo silêncio foi fechando todas as bocas e abrindo todos os
olhos.
Então vimos os da comitiva descerem de um cavalo o corpo
entregue de um homem, ainda de pala enfiado...
Ninguém perguntou nada, ninguém informou de nada; todos
entenderam tudo...; que a festa estava acabada e a tristeza começada.
Levou-se o corpo pra sala da mesa, para o sofá enfeitado, que ia
ser o trono dos noivos. Então um dos chegados disse:
– A guarda nos deu em cima... tomou os cargueiros... E mataram o
capitão, porque ele avançou sozinho pra mula ponteira e suspendeu um
pacote que vinha solto... e ainda o amarrou no corpo... Aí foi que o crivaram
de bala... parado... Os ordinários!... Tivemos que brigar, pra tomar o corpo!
É digno de nota o fato de Jango Jorge ter servido sob as ordens do general
José de Abreu (dito Anjo da Vitória, que lutou contra Artigas nas guerras entre 1816
e 1821, quando o território hoje uruguaio ainda estava em demarcação) e como
soldado na batalha de Ituizango (também conhecida como batalha de Passo do
Rosário, em 1827), evidenciando não haver contradição entre a fidelidade a certas
causas nacionais e a prática do contrabando. Mesmo sendo um habitante da
fronteira (a qual aciona em proveito próprio) mantém o sentimento nacional, mesmo
que mediado pela figura caudilhesca de José de Abreu. A atuação político-militar de
Jango Jorge se dá num período em que a fronteira ainda estava em formação, em
que os espaços de ação (bélica ou não) eram compartilhados. Distinguir ao líder do
bando com a patente de “capitão” também é indicativo de uma origem comum ao
contrabando e às campanhas militares. Chiappini (1988, p.306) afirma que
83
Segundo o “Popularium Sul-Rio-Grandense” de Apolinário Porto Alegre ([1872] 2004, p. 47): malta
de indivíduos mal-afamados; “B. Rohan, seguindo Z. Rodrigues, foi buscá-lo no araucano com
significação de excursões belicosas em terras inimigas”.
134
84
Segundo ARMANDO (1986, p.96), a classe representada por Simões Lopes Neto sentia-se
ameaçada pela chegada dos gringos, e “o que estaria em questão [na produção literária] não seria
apenas (ou: na realidade) a perda da identidade cultural (motivo alegado), mas, também (ou:
principalmente) a perda de prioridade social”, levando-o esforçar-se por fazer sobreviver, através do
documento literário, a cultura da “sociedade rural tradicional”. Em recente conversa em Santana do
Livramento, vimos repetir-se esse sentimento de insegurança perante os recém-chegados,
personificados nos ex-sem-terra assentados em torno à cidade, cuja prosperidade aparece – em
certos discursos – como suspeita e incômoda aos “estabelecidos”.
135
Darcy Azambuja (Encruzilhada do Sul, 1901 – Porto Alegre, 1970) pode ser
descrito como um “leitor-herdeiro, que lê e reescreve” Simões Lopes. Consta que
Darcy Azambuja “leu um conto de Simões Lopes no jornal, em 1912, quando tinha
11 anos, ou melhor, ouviu alguém ler alto. [...] Mais tarde, o livro, ainda na 1ª edição,
veio parar em suas mãos e ‘foi um deslumbramento’” (CHIAPPINI, 1988, p.66).
Azambuja foi também político, professor de direito e, na década de 1950, presidente
honorário do CTG Galpão Universitário.
CONTRABANDO
posto de honra que lhe dera o patrão. Era, apesar de muito moço, a
confiança do velho Fidêncio. Morrera-lhe o pai o ano atrasado, e ele passou
a ser o capataz, o faz-tudo da fazendola da Limeira, onde o dono quase não
parava. Deixara o rancho com a mãe e instalara-se definitivamente na casa
do patrão, tomando a si todo serviço. Pouco mais que adolescente, a vida
do campo fizera-o homem depressa. Fidêncio estimava-o deveras,
passando ao filho a velha gratidão que tivera ao pai, de quando andavam na
revolução de 93, curtindo juntos as durezas da campanha, e onde fora por
ele salvo, num entrevero, baleado na perna e destinado a morrer sob as
patas dos cavalos, se o amigo o não tirasse na garupa. Morto o velho
companheiro, que jamais juntara pecúlio, a proteção e a amizade
reverteram ao filho, aquela amizade funda e concentrada, niveladora de
peões e de patrões, criados nas mesmas lides, onde gradua, não o
nascimento ou fortuna, mas o valor de cada um.
O Chiru ia pensando na sua vida. Tinha ainda que cangar duas
juntas antes do inverno e debulhar as carradas de milho que estavam no
girau do galpão pequeno.
Afora todo o trabalho do campo. Inda mais agora, com a compra
das duzentas reses do Ferico. Gado lindo... Tudo pampa. Cada novilha de
sobreano que dava gosto olhar-se. O patrão já dera ordem de ajustar mais
um peão, que os dois que havia não davam conta do serviço. E ia passando
em revista tudo o que havia a fazer, toda a sua vida simples e laboriosa,
sem desvios nem ânsias perturbantes, onde mal aflorava uma ambição.
Mais tarde, com certeza, assim que tivesse a sua juntinha de tambeiros,
podia então, mesmo sem deixar a estância da Limeira, dar uma arrumação
na vida. Essa "arrumação" era a Lavica... E ao pensar enchia-se-lhe o peito
de uma onda doce. Ah! a Lavica... Como um homem se deixa bolear... A
sua imaginação abria uma clareira na noite e, num retângulo do sol, via-a,
todo o rosto trigueiro da chinoquinha inundado da luz dos olhos. Mais que
os lábios úmidos, mais que o peitinho redondo de rola, mais que tudo nela,
prendiam-no aqueles misteriosos olhos de mulher, onde havia o infinito e a
suavidade das coxilhas, ora banhadas de sol, cantando de vida, ora imersas
na saudade e no langor das noites enluaradas. Neles moravam todos os
seus sonhos mal definidos e profundos. Queria-a e, pois, trabalharia para
possuí-la. E uma doce certeza confortava-o.
Era só mais....
Aqui, porém, interrompeu as cismas. Pareceu-lhe ouvir adiante um
ruído de metais, qualquer rumor abafado quebrando o silêncio, agora
pressago e inquietador. Puxou a pistola para frente e foi seguindo, de
ouvido atento, os olhos muito abertos para absorverem a luz escassa da
noite nas pupilas dilatadas. Nada percebeu, no entanto, e foi avançando. –
Raio de noite! Está que nem forno. – Cresceu-lhe à direita o vulto negro de
uma reboleira de arbustos, e não a passara ainda, quando uma voz grossa
e seca intimou:
– Faça alto, amigo!
E bem junto, como nascendo da treva, vultos de cavaleiros
cercaram-no. Percebeu os reflexos frouxos de botões de metal em dólmãs
escuros. Sentiu um nó na garganta, as fontes latejaram-lhe e nos ouvidos
rolava como um trovão de intermitências surdas.
– Não se mexa e diga quem é.
A hesitação foi rápida; aquela voz restituiu-lhe a calma. Num
segundo lembrou os companheiros que se aproximavam do perigo sem
suspeitar. Tinha que preveni-los. Viu o cano do revólver do guarda
apontando-o. Talvez morresse, mas tinha que preveni-los. Foi levantando a
mão direita, devagar, colada ao corpo; encontrou o cinto, apertou a coronha
da pistola, o indicador tateava o gatilho.
– Fale, amigo, senão...
Torceu o cano para o lado e premeu o dedo. Uma linguazinha de
chama relampejou, chamuscando-lhe os pelegos. O guarda, supondo-se
alvejado, atirou também.
140
e herói, mas também dispensável. Fica em aberto quanto da honra campeira exaltada é
registro, e quanto é proposta.
As muitas recorrências entre este conto e aquele escrito por Simões Lopes Neto
sugere que ambos sejam lidos como “encarnações” dos personagens contrabandistas.
Jango Jorge e Chirú vivem entre cavalos e homens, são mortos por desejarem o
sedentarismo, por priorizarem a família e o grupo, em detrimento da sagacidade necessária
a driblar as leis do Estado.
tendo [em 1981] conhecido a ficção do uruguaio Mario Arregui, quis traduzir
e publicar seus contos. Localizei o escritor e começamos a nos
corresponder. Por insistência minha, ele lia os contos já vertidos. Dava
sugestões, dirimia dúvidas, esclarecia passagens que, para mim, eram
obscuras, um regime de colaboração que resultou em mais de cinqüenta
cartas entre Porto Alegre e Trinidad [...] [reunidas em ARREGUI; FARACO,
1990]. O livro foi publicado no Rio de Janeiro pela Editora Francisco Alves.
Seguindo uma orientação da casa, esmerou-se o revisor na destruição de
tudo aquilo que fora desveladamente construído. Para começar, você em
lugar do tu, a varrer, nos diálogos campeiros. Às vezes o revisor se distraía,
ou rendia-se ao hábito inculto do carioquismo: trocava o pronome e deixava
o resto. E era só? Não. Sumariamente eliminados todos os guris das
coxilhas sulinas para dar lugar ao garoto das areias copacabânicas. A
ordem era acariocar, imposição do linguajar ex-metropolitano e decadente,
atípico, a uma literatura cujo substrato é típico, provincial e muito mais cheio
de vida. E ainda não era só: nem um, nem dois, mas dezenas de erros de
má revisão ou de indigência vocabular, como pensar que percussor era
cochilo datilográfico e emendar para percurso. (FARACO, 2004).
OS CONTRABANDISTAS
Mario Arregui, 1960
Foi nulo o resultados dos muitos mangaços que lhe deu Juan
Correa.
O velho da égua tordilha e os cavalos que ponteavam a marcha já
se aproximavam da margem direita. O rapaz do zaino negro vinha
amadrinhando metros atrás, águas abaixo. Alves mandou o velho ir
atalhando ali mesmo e esperar um pouco. Queria que tornassem a juntar-se
os cargueiros, conforme o costume (a cola do cavalo da frente atada no
buçal do que vinha atrás), antes de atravessar o mato e tocá-los quase duas
léguas por diante, cortando banhados e pajonais. Planejava chegar à
noitinha numa região de cerros pedregosos, onde conhecia paradouros
seguros, não longe de certo casario que possuía mulheres e onde talvez
pudesse vender parte do profuso contrabando que trazia. Estava satisfeito.
Acreditava que enganaria mais uma vez as patrulhas fronteiriças e seu
grande e perigoso inimigo, Comissário Silveira. Conferiu a altura do sol, deu
um giro com seu tostado e gritou aos irmãos Correa que se apressassem.
Vendo que não venciam os medos e a teimosia da mula, ergueu-se nos
estribos e soltou seu vozeirão:
– Um de vocês monte na mula!
Como um eco desse grito, o matagal da margem direita devolveu o
matraquear seco e furioso das carabinas policiais que atiravam para matar.
O velho e o rapaz tombaram, feridos de morte, na primeira
descarga. Alves precipitou seu cavalo para os lugares fundos e o obrigou a
nadar de viés para os disparos, agarrando-se nas crinas e oculto atrás das
paletas. Os irmãos saltaram de seus baios iguais e, agachados, maneados
pela água e às vezes enterrando os pés na areia e no barro, correram para
os juncais da margem esquerda. Os cavalos se detiveram, alguns
caracolearam, murchando as orelhas, outros ameaçaram retroceder, mas
sem demora a tropilha inteira e solidária reiniciou a marcha como se nada
tivesse acontecido (provavelmente, todos ou quase todos já haviam
escutado, mais de uma vez, detonações de armas de fogo). Ainda se faziam
ouvir, menos unânimes, mais espaçados, os estrondos das invisíveis
carabinas.
Várias balas mosquearam de branco o tostado do chefe, que pouco
a pouco foi deixando de bracear e ficou boiando, afundando lentamente.
Rulfo o abandonou e pôs-se a nadar na direção de uma ilhota próxima. Era
bom nadador, escondia-se em compridos mergulhos.
Quase de bruços, escondidos entre juncos e espessos camalotes,
Juan e Pedro viram na água o pipoquear das balas que buscavam Rulfo e
observaram como todos os cavalos, inclusive os quatro encilhados,
desapareciam um atrás do outro, no matagal da margem oposta. Divisavam
também, um tanto vagamente, e sem avistar os policiais, a fumaça dos
disparos, pequeninas nuvens brancas que se elevavam indecisas na tarde
sem vento. As carabinas, por fim, emudeceram, e fez-se então um grande
silêncio.
– Nos salvamos – disse Juan, com a voz desnecessariamente
baixa.
– Será que vão cruzar o rio? – perguntou e perguntou-se Pedro.
– Eu digo que não. Aqui eles não mandam nada.
– Mas é melhor a gente dar o fora.
– E sem fazer barulho.
Ergueram-se um pouco para ver melhor. Nada de anormal puderam
notar no matagal fronteiro. Viram os corpos meio submersos do velho e seu
filho, decerto encalhados na areia, viram afastar-se águas abaixo,
vagarosamente, a parte que flutuava do cavalo de Rulfo, viram um bando de
pássaros atravessar o rio com uma curva ampla, em grande parte inútil.
Depois da violência, a paisagem agora com mortos exibia uma
calma falsa, como hipócrita e ardilosa, que de algum modo eles perceberam
e lhes provocou uma espécie de temor animal.
– Vamos embora – propôs de novo Pedro. – Os policianos foram
pegar os cavalos... e quem garante que não vão voltar?
144
85
Na edição da Ed. Francisco Alves, este trecho aparece assim:
“ – Eu calculava, Dom Luis, que andava a me procurar.
Juan Correa ouviu muito bem essa frase, mas custou a acreditar, a aceitar, a verdadeiramente ouvi-
la. Não se atreveu a volver a cabeça e até se preocupou em puxar com mais força o buçal. Também
compenetrou-se em caminhar em silêncio, em não repetir as palavras com que tantas vezes tinha
instado a mula. Adivinhava, sem saber como, que Rulfo ia erguido, oscilando, os olhos extraviados,
flutuantes, os braços como asas destroçadas, a cara...
– Não mente – era novamente a voz rouca de Rulfo. – E vai pra puta que o pariu.
Juan já não podia negar-se a ouvir e sentiu no seu íntimo uma espécie de rachadura. Conhecia a
biografia do chefe e estava a saber pela metade, temendo saber tudo, que aquele Dom Luis era o
velho Luis Medina que Rulfo matara com duas punhaladas nas imediações do arroio Yerbalito. Como
para obrigá-lo a reconhecer este fato de pesadelo, a voz rouca fez-se ouvir, em tom conciliador:
– Bem sabe que não o matei pelas costas” (ARREGUI, 1982, p.28-29).
Pode-se observar que as duas versões mais se afastam nos trechos dialogados, pela supressão do
“tu” sulino. Pode-se notar também que a denúncia do tradutor Sergio Faraco é bastante exagerada,
ao menos no conto em pauta. Seus motivos parecem ser menos literários que políticos.
146
As sombras voltaram a ser aquelas sombras gratas que nos verões dos
matos, nos campos muito acidentados, nos cerros, iniciam a noite por conta
própria. E a noite, embora ainda não o fosse (e fosse o último minuto do
doce tempo de pausa que não é dela nem do dia), retrocedeu um pouco,
deu um pequeno passo atrás, cedeu seu lugar àquela pausa belamente
imprecisa. A paisagem inteira adquiriu uma serenidade desmedida,
sobrepassando as possibilidades humanas de apreendê-la. Aquele mesmo
sossego, aquela nobreza fora de escala, parecia corresponder
misteriosamente a profundas pulsações da terra e à recuperada dimensão
do céu, e roçar ou tocar, por fim, na mula agora imóvel (“E ela sempre se
sai com uma das suas”, dissera um dos Correa) e no corpo e na alma de
Juan Correa. O mundo era também mais claro. Recém agora via Juan um
fragmento de lua, nitidamente, com uma proximidade bem mais amistosa do
que aquela aparentada por outros elementos da paisagem. E olhou para
trás.
Juan se volta e vê então algo que sabe que vai ver: o chefe está
morto, tombado sobre o pescoço da mula com a gravidade totalitária dos
defuntos. Mas também percebe, na claridade difusa, algo de todo
imprevisto: seu irmão Pedro, com os olhos baixos, certo ar de homem
atarefado, está limpando a faca na anca peluda da mula.
– Pedro! – exclama Juan.
Pedro ergue os olhos.
– Mas Pedro... – torna e reprova Juan.
Pedro Correa olha para a faca, já vai guardá-la e diz:
– Não tinha jeito. Se não o tranqüilizo, ele nos enlouquece os dois...
86
O nome parece ser uma saudação a Juan Rulfo (1917-1986) destacado escritor mexicano cujas
obras El llano en llamas e Pedro Páramo são apontadas como precursoras do realismo fantástico e
das crônicas dos deserdados.
151
Cabe citar Guilhermino César para comparar os contos acima com os textos
que seguem. O crítico identifica duas fases no regionalismo literário gaúcho: na
primeira, os clássicos do gênero “trazem-nos o camponês rio-grandense à moda
gaúcha, heróico e fanfarrão mesmo na sua miséria”; na segunda, o protagonista,
“semi-proletário rural [...], percorre os livros dos autores rio-grandenses a pé e
desencantado” (1994, p.37) 87.
87
Há aqui também uma referência ao texto “Os fundamentos do regionalismo”, de Dyonélio Machado
(Província de São Pedro, n.2, p.128).
152
88
“Pois não ditou Creonte que se desse a honra / da sepultura a um de nossos dois irmãos /
enquanto a nega ao outro? Dizem que mandou / proporcionarem justos funerais a Etéocles – com a
intenção de assegurar-lhe no além-tumulo / a reverência da legião de mortos; dizem, também, que
proclamou a todos os tebanos / a interdição de sepultarem ou sequer / chorarem o desventurado
Polinices: / sem uma lágrima, o cadáver insepulto / irá deliciar as aves carniceiras / que hão de
banquetear-se no feliz achado” (SOFOCLES, 1998, p.23-34). Além da coincidência do tema, imagens
como a recepção entre os mortos e o banquete das aves de rapina respaldam essa analogia.
158
frutos que vendia, como na volta com os mantimentos que comprava. Era
nessa compra e venda que ela depositava suas esperanças de ter o
carrinho, a “aranha”, como se chamava no Brasil... Sempre vender mais um
pouco do que comprar e guardar mais esse um pouco, sempre...
De guaiaca em punho, enquanto contava os reales e juntava os
pesos e imaginava o sulque, Doña Lydia aliviava o surrão no rancho,
trazendo os quatro filhos de cinto apertado, a ração contada: café amargo,
bolacha de barrica, charque, arroz-de-carreteiro. Só fazia pão uma vez por
mês, não tinha vaca de leite, e o resto – mogango, abóbora, milho, galinha,
ovo, laranja, limão, não era para comer: era para vender.
Sabia que os guris até furavam casca de ovo com alfinete para
chupar, e que roubavam limão ou laranja de vez em quando. Naranja, como
ele dizia, misturando português e castelhano. Mas fazia que não via. E
ficava com muita lástima deles, sujeitos àquilo. E, de noite, desconjurava o
pai dos filhos pela miséria em que os deixara, e rezava forte, pedindo
perdão a Deus, explicando que só queria o bem de todos, precisava do
sulque, estava ficando velha, gorda, nem escanchada se ajeitava mais no
cavalo, que dirá de lado, com a perna formigando de dormente, se assando,
escorregando, por distâncias e distâncias, a lo lejos, só para sustentar os
pibes.
Punto Fijo era o nome do seu cavalo de sela, cara branca, entre
malacara e picaço porque não era nem uma coisa nem outra, nem claro
nem escuro, sendo antes lobuno, só com a estrela de meio dos olhos
escorrendo até o focinho de narinas largas e beiços cor-de-rosa. Cavalo
baldoso que não puxava nem água, mas que agüentava firme os quase cem
quilos de Doña Lydia se desequilibrando e resmungando por cima. Para
puxar a pipa havia um matunguinho de pêlo comprido, até de pestanas
compridas, dócil e com ar de envergonhado, que vivia pastando na volta do
rancho e se submetendo às vontades mínimas da criançada. Os dois
cavalos estavam magros como os guris. E notando isso é que Doña Lydia
se preocupava, não pelos cavalos, naturalmente. Mas pelos filhos
minguantes, pelas economias poucas e pela soma de tanta falta de tudo.
Entretanto, quando encontrava outra quitandeira a caminho de Río
Branco, levantava as mãos para o céu, por la Vírgen, agradecendo pela
saúde de ferro e pelos chicos que possuía, dizendo que graças a Diós nada
lhes faltava; e que podia ficar velha descansada porque casa larga e comida
farta os filhos tinham; e que eles já sabiam se arranjar na sua ausência. Por
baixo do lenço preto, então, sua cabeça imaginava o sulque e sua
consciência a recriminava com doçura consolante. O coração sofrido se
descompassava na mentira, saltava violento diante do sulque e subia ligeiro
e quente, no peito, quando chegava a vez da consciência. Tanto e tanto que
Doña Lydia se afogueava enrubescida, tinha que parar de falar para conter
as lágrimas, emocionada.
Mais emocionada ainda ficava ao ver os filhos dados: a mais velha,
já ficando moça, lá em Jaguarão, o menorzinho com sete ou oito anos, ali
pertinho, vendo-a passar, abanando rindo. Terezita estava bem acomodada
com a madrinha, tratavam-na como gente da família e havia uma esperança
comprida de que casasse com o menino moço da casa. Paco, Paquito, não
passava necessidade, já ajudava nas lidas de todo-o-dia e tinha até
promessa de ir para o Liceo. Mas os olhos de Terezita quando ela chegava
de visita; e as mãos de Paquito quando ela passava pela cancela, os olhos
e as mãos ficavam durante muito tempo fitando-a e acenando-lhe, olhavam-
na por dentro e remexiam-na em cima do cavalo. E faziam tremer suas
mãos e se embaciar seus olhos.
Aí, Doña Lydia chegava em casa sem ralhar com os outros: Patin,
Gelito, Roberto e La Lola, que então era simplesmente Lola. La Lola, só a
chamavam assim quando se zangavam com ela. A menina tinha perto de
treze anos e cozinhava o de sempre além de ajudar um pouco na horta, na
roupa lavada e no banho dos irmãos: Patin, entre nove e dez; Gelito, entre
dez e onze; Roberto, com onze anos. Patrício, Angel e Roberto mesmo,
160
ARREGLO
última empreitada. Carreguei o tambor com uma bala sola, que o homem
era só um. E me fui.
Fui de a pé. A porta do salão estava encostada e não havia nenhum
vivente lá dentro, reinava um silêncio absoluto – a Sarita tinha cumprido à
risca o arreglado. No fundo do salão havia uma portinha de ferro que dava
para um pátio lajeado, fechado na volta por um passadiço coberto que era
onde ficavam os quartos. Ao lado da portinha, já dentro do quadrado do
pátio, tinha um cubículo baixo de madeira com uma pequena abertura na
porta: era a casinhola de um pastor capa preta, o guardião da casa,
enraivecido a cada dia pela comida pouca e pelo cativeiro, pois era para
isso mesmo que o mantinham ali. Lembro que mais de uma vez, para findar
com algum bochincho, vi a Márcia entrar salão adentro quase arrastada por
aquele animal vertendo da língua uma baba de fúria, o latido rouco e
selvagem estremecendo as paredes da casa.
Pois assim que cruzei a porta, o bicho se debateu e começou a
acuar como um condenado – era o aviso. Me quedei ali na espera, e
falando baixinho com o cachorro no intento de que a minha voz conseguisse
acalmar a fera. Dali um pouco saiu de um dos quartos a Sarita enrolada
num lençol, gritou com energia para o cão e o animal se aquietou. Veio na
direção da porta e, ao passar por mim, quase sem me olhar, disse baixinho:
– É todo teu.
Apaguei o cigarro que já me queimava os dedos, caminhei até a
porta do quarto e fui abrindo devagar.
E lá estava aquele Mendes, deitado de bruços, com a cara virada
para a parede, pelado, só com uma ponta do lençol tapando a bunda. Ao
ouvir o ruído da porta ele deu uma risadinha e falou numa voz flauteada:
– Vem aqui com o teu paizinho que ele quer brincar de novo.
– Te vira, infeliz, que eu não gosto de rabo cabeludo – gritei,
apertando o cabo do meu revólver.
Ele deu um prisco e se virou de soco, já procurando as calças em
cima da cadeira, na certa buscava alguma arma.
– Se mexer mais um dedo eu te enfio uma bala na boca – e apontei-
lhe o revólver.
Ele se quedou arfante, talvez nem se desse conta que fazia as
vezes de uma chinoquinha desprevenida tentando se cobrir com o lençol.
Claro que estar sem roupa o deixava em mais desvantagem ainda. Eu
continuava com o braço estendido, mirando-lhe no meio dos olhos, acho
que esperava ele dizer alguma coisa.
– Se vai atirar que atire no más. Não sou homem de muita
paciência. – A voz veio rouca, e se notava um pequeno fio de coragem.
Naquela hora me ficou claro que eu não sabia o que fazer com
aquele infeliz, certo era que vingaria a morte do Vico, que daria uma lição
no ordinário, quiçá a última dessa puta vida. Não sei, mas pensei na velha
mãe do Vico, na tristeza silenciosa delante o caixão. Será que outro tiro
remediaria o estrago no coração da velha? Pensei na Maria de Fátima,
numa vida diferente que a companhia dela me prometia. Não, não era a
primeira vez que eu apontava o berro para um homem e se ainda
continuava vivo era porque tinha aprendido que essa hora nunca foi nem
nunca será a mais propícia para escamoteações do pensamento. Mas
agora não, agora eu pensava. E não sabia o que fazer com aquele infeliz. E
gritei:
– Quem atira pelas costas não merece ser chamado de homem.
– Pra morrer não existe lado.
– Mas pra matar só tem um, filho duma puta: o da frente – e
engatilhei o revólver.
– Matava de novo se fosse preciso aquele prevalecido – o
desgraçado gritou, se espremendo contra a cabeceira da cama, meio
enrodilhado no lençol.
Eu continuei teso, do cano da arma saía uma linha invisível que não
desgrudava do centro da testa do Mendes, e continuei quieto, e o meu
165
silêncio era quase um pedido para que ele continuasse, a cancha livre para
algum lance novo naquela história, alguma coisa que eu não soubesse e
que pudesse me dispensar de matar aquele calavera. E acho que ele
percebeu, pois na sua face passou de relance uma expressão de alívio,
ligeira, embora incapaz de vencer todo o medo estampado na cara:
– Desembucha, corno – dei um passo à frente e quase lhe encostei
o revólver na lata dele.
Ele se espremeu mais ainda, estava como que pregado à cabeceira.
– Matava de novo se fosse preciso – por fim berrou. – O puto pegou
minha irmã à força e ela emprenhou. Só fiquei sabendo quando ela arriou
na cama com um febrão... Andava estranha há tempo e eu botei ela na
parede... Aí me contou tudo... Ele disse pra ela enfiar uma agulha de tricô
pra tirar e ainda ameaçou de morte se ela falasse... Deu inflamação a coisa
da agulha, e a guria tá que não quer mais sair da cama.
Falava aos trancos. E aos trancos me foi crescendo uma sanha na
garganta que me fazia tremer a mão estendida e tremer o corpo todo de
raiva, raiva daquele infeliz, pelado e todo encagaçado na minha frente, raiva
da guria enfiada numa cama com suas feridas do corpo e da alma, mas que
num upa se levantaria dali para cair na vida e cumprir seu destino em algum
cabaré de Rosário, raiva do Vico, irmão de lida e farra mas o grande filho da
puta de sempre, raiva de mim mesmo por estar fazendo outra vez o meu
papel numa história de sujeira, como se esta fosse a minha sina. E raiva
também de tal sina, que no fim das contas era a mesma sina de todos nós
que nascemos e crescemos sem posses numa fronteira cada vez mais
dura, agarrados como guachos a certos vigores de moral, no fundo tão
vazios quanto nossos próprios futuros.
O pulso foi amolecendo, fui deixando cair o braço e larguei o
revólver em cima da cama, fora do alcance do Mendes. Quando me virei já
trouxe a mão fechada e sentei-lhe um murro no lado do ouvido. Ele
emborcou no chão, ao lado da cama, e, quando virou a cara na tenção de
se aprumar, desci-lhe os dois punhos na tábua do pescoço. O bicho se
aninhou nos meus pés, atordoado, e eu me servi a coice naquela cara, e
era muito a cara do Vico que eu chutava e quebrava os dentes e moía o
osso do nariz a patada. Mas o lôco tinha lá sua valentia, agora reconheço, e
meio na cega, porque duvido que enxergasse alguma coisa com tanta
paulada pela cabeça, levou a mão nas roupas em cima da cadeira e num
relance me acertou o flanco com uma adaga, me abrindo um beiço no
costilhar. O homem tinha a cara banhada em sangue e bufava como cavalo
sonador. Floreava a adaga na minha frente, com um risinho por trás
daquele véu colorado.
– Te fodeste, machito. – E se veio.
Tentou um pontaço, mas me livrei com uma recueta, empurrei com
o pé um mocho que estava no caminho, ele tropicou, deu uma testaviada e
a adaga escapou-lhe da mão. Não tive nem tempo de me aproveitar e ele
se avançou a soco, me pegando uma boa no olho. Nos atracamos no corpo
a corpo, no mano a mano, e eu mais bati que apanhei. Começamos no
quarto e terminamos no meio do pátio, esse puto do Mendes desfeito numa
massa de sangue e osso quebrado, bem surradito, incapaz de esquecer
para o resto da vida de tal sumanta, e eu... Bueno, eu estava vingado, ferido
com um puaço acima do vazio, judiado, capengueando, mas quase em paz
comigo mesmo. Que se fodesse o Vico no acerto de contas com o Patrão
Velho lá em cima, a minha parcela estava feita.
E o Mendes gemia, tentava se erguer. Me dirigi até a portinha que
dava para o salão e só então me dei conta que o cachorro se esganiçava lá
dentro da casinhola com metade do pescoço para fora, acuando como um
desatinado. Só então percebi que aquele latido rouco, funesto, não parara
desde a hora que a peleia começou. Continuei caminhando, despacito. Já
na porta me volvi. Olhei para o Mendes e ele me olhou. Acho que foi aí que
nos entendemos, e acho que foi aí que eu entendi que o Vico, eu, o Mulita,
todos somos feitios de uma só forma.
166
positivos daquele que poderia ser descrito como um contraventor. Menos que um
bandido, ele é um depositário de certas “verdades” locais.
Por outro lado, isso também leva a uma coesão interna, baseada na
cumplicidade moral: os níveis de envolvimento com a atividade variam, há os que
são cúmplices apenas no sentido de partilharem o segredo e não condenarem a
prática. Esse grupo – a sociedade local – não é uma classe social, nem um grupo
profissional, nem uma facção política. Os bandos e seus cúmplices abrangem uma
grande parte ou a totalidade da população do lugar. Deve-se acrescentar que o
contrabando dá coesão e identidade, mas não de uma forma pacífica, acomodada.
Há embates, disputas, mortes, beneficiados e prejudicados. Conflitos, enfim.
Podemos concluir que há um saber e uma identidade nessa sociedade, nesse lugar,
mas não há justiça.
Nos cinco anos de visitas à fronteira, foi possível identificar várias estratégias
legais e ilegais de comércio e consumo transfronteiriço, bem como sua interação
com legislações, com as atitudes do controle aduaneiro, com as oscilações
cambiais, entre outros elementos de ordem econômica. As interpretações colhidas
na literatura científica e nos contos de contrabando ajudaram a circunscrever e
analisar as informações e experiências de campo89. Os mapas produzidos e
apresentados neste capítulo espacializam a interpretação das dinâmicas
encontradas em Santana do Livramento-Rivera em 2008, ano de conclusão da
pesquisa, demonstrando as interações sociais e econômicas nesse espaço e
buscando construir uma cartografia do contrabando, especialmente daquele de
pequenos volumes conhecido como bagayo.
89
Durante a realização do doutorado, ao todo foram 14 idas à Santana do Livramento-Rivera, com
duração e propósitos diferentes. Estive em campo quatro vezes em 2004; três vezes em 2005; três
vezes em 2006; duas em 2007; duas vezes em 2008. Além disso, estive em várias outras cidades de
fronteira: entre as cidades-gêmeas visitei o Chuí (BR)-Chuy (UY); Posadas (AR)-Encarnación (PY);
São Borja (BR)-Santo Tomé (AR); Jaguarão (BR)-Rio Branco (UY); Uruguaiana (BR)-Paso de los
Libres (AR); Quarai (BR)-Artigas (UY); Barra do Quarai (BR)-Bella Unión (UY); Foz do Iguaçu (BR)-
Ciudad del Este (UY)- Puerto Iguazú (AR). Visitei também Montevidéu, Tacuarembó, La Coronilla,
Colonia del Sacramento e Treinta y Tres, todas no Uruguai. Retrospectivamente, observo que os
fenômenos em curso no Uruguai chamaram muito mais minha atenção que os que se desenrolam no
lado brasileiro da fronteira, possivelmente pela curiosidade despertada pelo outro, ou por conta da
maior visibilidade dos processos numa condição de estranhamento.
174
90
Etimologicamente e historicamente, a estatística liga-se à descrição, não necessariamente
quantitativa, do Estado: segundo Paul Alliès, a construção do território estatal passou pelo
estabelecimento de fronteiras lineares, contínuas e cortantes, possibilitadas pela consolidação do
instrumental cartográfico e estatístico, através do qual os dialetos, os enclaves religiosos ou étnicos
passam a ser eliminados ou desconsiderados (1980, p.68-71).
175
A maior parte das conversas com as bagayeras se deu nos armazéns da linha
e uma vez acompanhei-as à Tacuarembó, observando a passagem da Aduana. Com
bastante perseverança, me ofereci para ouvir as bagayeras tratar, com um meio
sorriso e com um olhar de soslaio, de assuntos que, por seu conteúdo, demarcam
quem está dentro e quem está fora do grupo. Perguntei-lhes “como foi sua primeira
vez?” Ou então, usando a estratégica frase de Robles, guarda riverense e meu
“contato” principal, que me apresentava às informantes dizendo: “Esa señora vino oír
sus sufrimientos”, me propus a ouvir a história das batalhas cotidianas, disposição
bastante efetiva, pois todos querem falar de suas dores, tê-las reconhecidas.
91
“Así se denomina un vado sobre el rio Negro, en los límites con Cerro Largo, al sur del Paso
Layado, cuyo nombre se origina en ser el favorito de los contrabandistas”. Compare-se às três
páginas dedicadas ao professor Julio Cairello (p. 134-6) e às seis sobre a Confeitaria Metropolitana,
fabricante do Postre RiveLi (p. 1365-72).
92
Contrabando, longe da fronteira, pode ainda ser um eufemismo para amante.
180
O dicionário de francês “Le Petit Robert” (1990) ensina que anecdote vem do
grego anekdota, significando coisas inéditas. Seu sentido é registrado como
“particularidade histórica, pequeno fato curioso, cujo enredo pode esclarecer o que
está por baixo das coisas, a psicologia dos homens”. Cita-se Voltaire: “Anedotas são
pequenos detalhes há muito tempo escondidos”. Termina o verbete: “anedota, o
detalhe ou o aspecto secundário, sem generalização e sem alcance” (t.n.)93. Em
português, mais do que uma história curiosa, ou um detalhe sem importância, é uma
piada, faz rir ou sorrir. Em espanhol – cruzando a fronteira geográfica e lingüística –
um falso cognato: anécdota é a história reveladora. Arriscando valorizar o aspecto
93 e
“Anecdote. n.f. (1751; titre de recueil, fin XVII ; lat. Anecdota (surtout plur.); gr. Anekdota “choses
inédites”, titre d’un ouvrage de Procope). Littér. Particularité historique, petit fait curieux dont le récit
peut éclairer les dessous des choses, la psychologie des hommes. “Les anecdotes sont des petits
détails longtemps cachés” (Volt.). – Cour. Historiette. “L’un d’eux avait une anecdote à racconter”.
(Maurois). Absolt. L’anecdote, le détail ou l’aspect sécondaire, sans généralisation et sans portée. Ce
peitre ne s’éléve pas au-dessus de l’anecdote”. (PETIT ROBERT, 1990, p.68.)
181
Todos os dias uma velhinha cruza a fronteira numa lambretta com uma
saca na garupa. Na saca há somente palha. Os inspetores cansam de
esvaziar essa saca em busca do esperado contrabando, sem nunca
encontrá-lo. Anos se passam e na véspera de sua aposentadoria, um
funcionário da aduana dirige-se à velhinha pedindo que ela, enfim, revele o
segredo da saca. A senhora diz:
– Não há segredo na saca, o que eu passo é a lambretta... (PONTE
PRETA, 1962).
Esta crônica aparece hoje na internet numa versão intitulada, como mandam
os dias correntes, “A velhinha traficante” (PONTE PRETA, 2008).
94
Numa versão anterior desse texto as anedotas eram apenas registradas em nota de pé de página,
junto à discussão das obras explicitamente “literárias”, privilegiando seu teor ficcional. A análise
dessas representações textuais parece um pouco distante do que se espera encontrar em um
trabalho geográfico, mas esse repertório figura aqui por conta de seu caráter de narração
originada/modificada no lugar, que representa também uma prática reflexiva dos fronteiriços.
182
Em Paso de los Libres, a história muda um pouco, como relata Arce, numa
entrevista na presença de vários pesquisadores, em 2005:
Esta anedota choca ao transformar a usual garrafa térmica sob o braço dos
mateadores em algo bizarro. As relações de amizade do estancieiro com o guarda
também são dignas de nota, mas servem aos propósitos do primeiro. Ingenuidade
ou conivência?
95
“Circulan por Uruguaiana decenas de anécdotas sobre el cruce de frontera. Cada poblador tiene
una pequeña o gran colección de historias sobre la Aduana argentina. Esas historias se comparten
con los amigos, la familia o los compañeros de trabajo. Algunas las vivieron en carne propia, otras se
las contaron, otras las leyeron o las vieron en la televisión. La estructura del relato es más o menos la
misma: un ciudadano o ciudadana brasileño/a pretendió cruzar la frontera con una motivación social o
cultural (un partido de fútbol, un concierto, ver la familia, comprar un vino argentino) y cuando llegó a
la aduana se encontró con un problema grave (el maltrato, una traba aduanera, un requisito
migratorio) que complicó el cruce (durante unos minutos o una noche). Finalmente logró pasar a un
185
costo demasiado alto (de tiempo, de nervios, de dignidad). [...] Algunos chóferes, empleados y
empresarios viven en Uruguayana y deben negociar de diversas maneras con los funcionarios
argentinos. Sienten que la frontera “es un infierno”. [...] La convivencia del pueblo, del día a día, “isso
nós não temos, não gostam de conviver diariamente”. Es raro que alguien vaya a la ciudad vecina por
el cumpleaños de una persona, “não tem amizade, não fecham as coisas, por que? Pela dificuldade
de aduana para ir a Libres tu pensas duas vezes”. Roberto cuenta que pasa seis meses sin ir a
Libres, aunque le gustan los alimentos, la ropa y otros productos argentinos. Le gustaría al menos ir
de paseo y conversar con uno o otro, “mas chega lá, estão mudos, né, não dizem uma palavra”
(Roberto, ingeniero, 60 años).
96
Falando da fronteira basca (França-Espanha) Hélène Velasco-Graciet (2006) aponta para a
apropriação simbólica das zonas de fronteira pelas populações locais, que as transformam em
“lugares da expressão da transgressão das normas nacionais”, levando à construção, naquele caso,
de uma identidade singular, de vila de contrabandistas. Como no caso aqui estudado, os discursos
186
98
Os dados apresentados por Gladys Bentancor-Rosés diferem: segundo essa autora, em 2002,
havia 52 lojas funcionando nesse regime, quatro a menos que em 2001 (2002, p.114).
188
cerca de cinco. Os hotéis, restaurantes e outras lojas que servem aos consumidores
brasileiros aumentaram sensivelmente seu movimento.
más difícil la cosa, porque lo real está muy caro para nosotros”. Assim, as trocas
entre as cidades-gêmeas se distribuem, ampliam ou retraem em função do poder
aquisitivo de suas populações.
Entretanto, o mercado local não depende apenas dos moradores das cidades-
gêmeas, uma vez que as cidades fronteiriças polarizam mercados numa escala mais
ampla, regional, de modo que o aumento das atividades econômicas numa cidade
não se faz necessariamente a expensas do conjunto das atividades econômicas na
outra. Por exemplo, a hinterlândia brasileira de Rivera extrapola sua cidade-irmã,
uma vez que os free shops e os preços praticados do outro lado da fronteira atraem
compradores de outras regiões. Daí que bons negócios em Rivera também trazem
benefícios para Livramento, que servem aos “turistas de compras” atraídos pelas
ofertas além-fronteira. Provavelmente, esse contingente seja cada vez mais
expressivo, em vista do aumento nos deslocamentos rodoviários.
Pode-se concluir que, ainda que seja usual associar o bom momento
econômico de uma cidade à decadência da outra, as queixas sobre a transferência
de comércio entre as cidades nem sempre procedem. Tais discursos podem ser
identificados como manifestações do espelhamento já discutido no capítulo 1, ou
seja, do hábito de comparar os dois lados da fronteira, seja para lamentar-se sobre a
bem-aventurança dos outros, seja para imitá-los em suas práticas mais bem-
sucedidas, ou ainda para saber reconhecer e valorizar as diferenças e
oportunidades dadas pela condição fronteiriça.
O segundo eixo parte da linha pela Av. Sarandí e ruas paralelas. Estas vias
abrigam estabelecimentos com regime de free shop e outras lojas de oportunidade,
até a Calle Viera, onde a proximidade com as Migraciones já dava à vizinhança um
caráter internacional, agora estimulado pelo novo supermercado; segue pelo acesso
à Ruta 5, estrada que liga Santana do Livramento-Rivera a Montevidéu e às cidades
uruguaias localizadas na porção oeste do país, onde encontram-se transportadoras,
paradas de ônibus, a Zona Franca e várias barracas de couro. Vale lembrar que
essa segmentação em fenômenos internacionais, nacionais e locais aqui só se
justifica pelas operações analíticas que realizamos.
Aí tu te pergunta por que tão pertinho assim um do outro, essas obras, mas
só que uma obra é do lado uruguaio e outra é do lado brasilero. Por que
nesse beco aqui? Supostamente porque aqui não hay um controle tanto da
polícia, fica mais longe pra chegar, uma coisa e outra, quando se
movimenta, a polícia de lá vem e avisa eles: “olha aqui, temo indo”...
Entendesse? Então, com aquela caminhoneta vermelha que tu vê ali... eles
fazem todo o tempo a campana, o seu batedor... vem um caminhão dele,
ele vem na frente e controla... aí por rádio ele avisa (Robles,
100
entrevista/excursão, Santana do Livramento-Rivera, 25/01/2006).
Ele foi que mandou integrar e fazer um monte de coisa aí. Agora tem uma
coisa, né? Eles dão vida pra pobreza. O casario ao lado daquele galpão lá
de baixo, ele botou água só pro pobrerio usar a água dele. Tiver que ajudar
um, ele ajuda, dentro da própria polícia, dentro da comisaría essa de cá, ele
ajuda a pagar água e luz pros milico, entende?, veio um aí, disse que tamo
com tal problema lá, então tá, hay um dinheiro por mês que eles dão, tu
entende, pra aduana, pra polícia... (idem).
99
Informações sobre Olivo podem ser encontradas no Apêndice C. O mesmo ainda não foi
entrevistado porque, nas palavras de Robles, “o cara é meio arisco”.
100
A íntegra dessa entrevista, realizada no veículo do informante enquanto o mesmo apresentava os
lugares do contrabando em Livramento-Rivera, transcrita e ilustrada com fotografias dos pontos
visitados, encontra-se no Apêndice C. Grande parte dos informantes fala portuñol, e por vezes foi
possível inserir nas transcrições indicações dos usos locais da língua.
193
101
“E quando dá uma variação de moeda, por exemplo, de preço, por exemplo, aqui de repente o
aceite tá mais barato, de repente fica mais barato do lado de lá... aí passam daqui de Livramento pra
ir lá comprar, ou vender ou vivem lá, porque varia de uma cidade à outra, o sea que tu tens o recurso.
Se tu quer trabalhar, se tu quer te movimentar, mesmo sendo em contrabando, tem. (...) Todo o
comércio na fronteira é com isso? São duas cidades, um só povo. Porque tem um comércio aqui e
trabalha com o Uruguai, tem um comércio no Uruguai e trabalha com os brasileiros. A fronteira (...)
propicia sim, a união”. (Robles, entrevista, Santana do Livramento, 24/01/2006).
195
102
“Os comerciantes formais e informais das cidades [de Posadas,
Posadas, AR e Encarnación, PY] que,
histórica ou momentaneamente, têm preços mais baixos, também estão entre os interessados na
manutenção dos diferenciais de preço que aumentam suas vendas. Então, quais são os principais
prejudicados pela fronteira? Nessas cidades
cidades essencialmente comerciais, os maiores prejudicados são
os comerciantes formais das cidades (histórica ou temporariamente) mais caras, por exemplo,
Posadas. Entretanto, eles não reivindicam o desaparecimento da fronteira, ao contrário, reivindicam
um controle mais estrito do contrabando-formiga. Ou seja, eles querem que a fronteira seja mais
forte, e não que ela desapareça”. (t.n.) (“The formal and informal merchants of those cities that,
historically or momentarily, have lower prices, are also very interested
interested in maintaining the price
differentials that increase their sales. Therefore, who are the most hindered by the border? In these
quintessentially commercial cities, the most hampered are the formal merchants of the (historically or
temporarily) more expensive cities, for instance, Posadas. Nevertheless, they do not request the
disappearance of the border, but instead ask for a strict customs control against “contrabando
hormiga”. That is, they want the border to be more powerful, not to disappear.” (GRIMSON; VILA,
2002, p. 83).
196
103
Há, portanto, mudança nos poucos anos que separam este texto da tese de Quadrelli-Sánchez
(2002, p. 61), onde se afirma que havia uma preferência pelas farmácias uruguaias, tidas como mais
sérias.
197
período bastante longo, motos carregadas com até oito bujões de gás eram marca
da paisagem. Uma lei recente proibiu (e foi acatada) a circulação de tais veículos.
104
A visão aqui apresentada difere daquela de Enrique Mazzei, ao descrever a posição dos camelôs
como reféns: “Essa situação, talvez legitimada em sua base pelo jogo político local, mas
cotidianamente exposta ao vai-e-vem regulamentarista municipal e ministerial motivado por
demandas de diversas origens locais, condiciona a uma maior insegurança as já precárias condições
de trabalho, constituindo o grupo como um setor cativo e responsável final de um complexo de
decisões e permissividades das quais são reféns ou sujeitos passivos, mais que atores principais.”
(t.n.) (“Esa situación, quizás legitimada en su base por el juego político local, pero cotidianamente
expuesta a los vaivenes reglamentaristas municipales y ministeriales derivados de reclamos de
diverso origen local, condiciona a una mayor inseguridad a las ya precarias condiciones de trabajo,
constituyendo al grupo como un sector cautivo y responsable final de un complejo de decisiones y
permisividades de las cuales son ‘rehenes’ o sujetos pasivos, más que actores principales”) (MAZZEI,
2002b, p. 6).
105
“Lavado de dinero, eso es una industria nacional también, no es solo acá. Hay casas de cambio
que ni, no tienen nada que ver con Rivera, hay bancos que no entran riverenses ni por casualidad,
están ahí, todo las agencias, por ejemplo, viene un brasileño, en el Brasil se controla mucho los
impuestos, no?, principalmente el impuesto a la renda, es muy controlado, acá no, acá recién ahora
están discutiendo si van a poner uno a la renta, todavía no se resolvió, entonces cuando ya no pagan
impuestos, sonegan, no?” (Julio Cairello, entrevista, Rivera, 21/07/2005).
200
R: Não deixa de ser contrabando, né? Sabia que de dinheiro também existe
contrabando?
A: Pois é, eu tava falando com o [diz um nome]. Ele tava contando.
R: O cambista? Tanto que ele fazia cinco mil real na época que era um por
um, dólar e real tavam um por um.
A: E aí, valorizou o real.
R: Então assim... houve um problema, eles eram muitos sócios e então
perderam dinheiro.
A: Pois é, ele tava falando assim, se eu entendi direito, ele disse que, como
todo mundo compra em real do lado de lá e em peso do lado de cá, e no fim
do dia não pode ser assim, o cara tem que destrocar a moeda novamente.
No fim do dia ou durante dia. Aí fica esse negócio de troca e destroca, e
troca e destroca. Esse é o lance?
R: Isso é o câmbio.
A: E tem as casas de câmbio grande que precisam juntar de volta os pesos.
Mas por que que elas compram?
R: Acontece o seguinte... Como é que vou te explicar? Eles começam com
um capital durante o dia, né? E se ele vai fazer de cambista, por exemplo,
emprestam dinheiro pra ele trabalhar. Então ele trocou todo aquele dinheiro,
por exemplo, deram pra ele dez mil reais. Aí ele trocou um pouco a peso,
um pouco a dólar, um pouco a dinheiro argentino, e assim vai, e todo vice-
versa. Ele pegou esse dinheiro argentino e vendeu o dinheiro argentino e
deram pra ele em real, só que aí vem um argentino de lá que lhe sobrou
real e quer entrar pra dentro do Uruguai e vende. Assim começa. É um
troca-troca que até marea, que até tu te troca... [risos] E quando chega no
fim do dia, ele tem que pagar pro cara os dez mil reais.
A: Essa hora é um desespero então...
R: Não é um desespero, que tudo o que tu fez, fez consciente no normal,
tem que manejar nos lucros. Digamos que em cada troca tu ganha uma
porcentagem de coima, uma porcentagem.
A: Mas tem câmbio brasileiro?
R: Não, não tem câmbio aqui em Livramento no momento. Tinha ali em
frente da Praça Internacional, o Turim, eu acho que era. Teve um tempo e
de repente sumiu. Eu não sei o que houve, porque dentro dessas casas de
câmbio tem lavado de dinheiro, né? (Robles, entrevista, Santana do
Livramento, 24/01/2006).
Cada estabelecimento comercial tem sua taxa de câmbio, fazendo com que
os moradores da(s) cidade(s) levem tanto pesos como reais na carteira, contornando
câmbios desfavoráveis eventualmente praticados nas lojas. Isso significa que as
201
supõe ser essa a tendência? Ou acha que determinada moeda está em queda, por
isso prefere evitar retê-la? Aceita cartões de crédito internacionais, porque assim
“branqueia” seu dinheiro?Muitos outros tipos de contrabando são encontrados em
Santana do Livramento-Rivera. Os mesmos gêneros trazidos pelas bagayeras são
transportados em quantidades vultosas, em caminhões que atravessam a fronteira
em lugares desertos e depositam o açúcar ou o combustível em galpões, onde serão
depois envasados e “orientalizados”. Os envolvidos nessas operações são os peões
de contrabando dos dias de hoje, pois administram a passagem de mercadorias de
propriedade alheia.
Adriana: E aqui tem um negócio que eles marcam uma por uma, eles
sabem...
Nogal: Há, aqui sim, desde os tempos da ditadura, né? Se na ditadura tinha
um tipo que tinha mil vacas, morria uma, ele tinha de sacar o couro e dar
conta na comisaria e levar a oreia, a marca da vaca. Quando ele vendia o
106
Apesar de não ser tema do presente trabalho, cabe lembrar que o mercado de trabalho na
agricultura brasileira e uruguaia, na fronteira é fortemente entrelaçado, levando a mobilidade
geográfica da mão-de-obra, geralmente em condições muito precárias.
203
couro, tinha de ser a mesma marca, né? Quem fez dinheiro foi o [diz um
nome] ele vendia pelo Brasil, por aí, por exemplo, cem, duzentas, trezentas
vacas, e eles devolviam o couro. Quer dizer que ele fazia negócio, né?
Pero... devia ter só três, quatro quadras [de campo]. (Nogal, entrevista,
Rivera, 19/07/2007).
É como a lão brasileira, por exemplo, os tipos compram a lão brasileira aqui,
milhares, e iludem como é?, o fisco brasileiro. Eles têm ali, como é?, aquela
guia, como é?, são três guias que dizem né, que usam, os barraqueiros ali,
não é?, os benditos iam nas barracas acertar as guias e aí chega e é tudo
frio. Tem barraca que está fechada, mas ficam os expedientes tudo. Tão já
no ramo e consiguem as notas já vencidas, frias e fazem. Vem aqui pro
Uruguai, não paga imposto, entra como contrabando. Pero que passa?,
quando o homem vai vender a lão ela é que paga imposto e quanto não
ganha com essa lão? Isso é o contrabando, o mesmo com a vaca que vem
do Brasil. Por que se a vaca está mais barata no Brasil, se vai lá e se
compra. [...] esses problemas de aftose, e eles siguem com as vacas que
sabem que são vacas brasileiras (Nogal, entrevista, Rivera, 19/07/2007).
107
Outros exemplos são dados na dissertação de Gladys Bentancor-Rosés (2002, p. 108): os
registros de animais perdidos com couro, cuja média nacional gira em torno de 1,5%, chegam no
departamento de Rivera a 10% do rebanho; há uma propriedade que passou cinco anos sem declarar
nascimentos de terneiros, apesar de contar com um plantel de 1700 vacas e 150 touros.
204
O free shop foi feito aqui justamente para isso, para vender para os
brasileiros, porque de fato nós que vivemos aqui não podemos comprar no
free shop, é tudo para o exterior, essa é a lei.
Na verdade compramos tudo que queremos no free shop, porque eles têm a
documentação dos brasileiros, porque para comprar no free shop tem que
ter, quem compra, a documentação brasileira. Eu não sou brasileiro, mas
vou ali e compro o que quero. Como eles lançam isso? Têm fichas de
brasileiros que compram ali e nelas colocam o que compram. Pronto, quem
108
“A suspensão total ou parcial de regulamentos e taxação em territórios delimitados é uma
prerrogativa dos Estados nacionais. O estatuto de extraterritorialidade permite a criação de territórios
especiais onde certas normas válidas no território nacional são suspensas (mas não as leis) pela
própria autoridade constituída. Atualmente é um expediente cada vez mais mobilizado pelos Estados
como uma forma alternativa de regulação das fronteiras internacionais para atender objetivos
econômicos. Tanto os centros financeiros offshore como as zonas francas ou área de livre comércio
são as grandes beneficiarias desse estatuto.” (MACHADO, L. 2006, s/p).
205
vai checar? Às vezes há uma investigação, mas no geral não (t.n.) (Julio
109
Cairello, entrevista, 21/07/2005).
Além das vendas para uruguaios, o contrabando ligado aos free shops
consiste na revenda das mercadorias por eles importada para a comercialização no
Brasil. Os turistas de compras, que transportam perfumes, aparelhos eletrônicos,
etc. desrespeitando o valor máximo de US$ 300,00 podem ser enquadrados por
descaminho. Há redes que operam, no entanto, com milhões de dólares:
ocasionalmente são noticiadas apreensões, em operações da Receita Federal do
Brasil e da Polícia Federal, de caminhões de bebida, de produtos eletroeletrônicos,
mídia como CDs e DVDs, destinados, em princípio ao free shop, mas desviados
para comercialização no interior do Brasil.110
109
“El free shop se hizo acá justamente para eso, para vender para los brasileños, porque de hecho,
nosotros, los que vivimos acá no podemos comprar no free-shop, es todo para el exterior, pero esa es
la ley. En realidad compramos todo que nos da la gana en el free-shop, porque ellos tienen la
documentación de los brasileños, porque para comprar no free-shop tiene que tener, la persona que
compra, documentación brasileña, yo no soy brasileño pero yo voy allí y compro lo que quiero.
¿Como ellos descargan eso? Tienen fichas de brasileños que compran alli y después en las fichas de
los brasileños lo que compran. Pronto, ¿quién vá averiguar? A veces hay alguna investigación, pero
en general no.” (Julio Cairello, entrevista, 21/07/2005).
110
É o caso da Operação Prata, desencadeada em 2004 e 2005, que revelou uma quadrilha que
movimentava milhões de dólares por mês. Uma das conseqüências das prisões relacionadas a tal
operação foi o assassinato já mencionado, de dois policiais civis brasileiros. (SUSPENSE..., 2006).
111
Trata-se da suspensão de IPI, do ICMS, Cofins e PIS/Pasep para as mercadorias destinadas a
consumo fora do Brasil, vendidas em real (§ 1º do art. 1º e no art.3º do Decreto nº 4.732, de 10 de
junho de 2003 da CAMEX). No entanto, a venda via balcão esbarra na norma de bagagem do
Ministério de Economia e Finanzas do Uruguay, que segue o tratado do MERCOSUL prevendo
isenção de US$150 dólares em compras em fronteiras terrestres e taxa de 50% sobre mercadorias
que excederem o valor (Decisão 18/94 do Tratado de Ouro Preto, regulamentada no Decreto 572/94)
(ACIL, 2007).
206
FIGURA 30: Rivera: foto da aduana com marco e desvio para mercadorias
vendidas via balcão – 2005
Fonte: foto de Adriana Dorfman
Robles explica como a “exportação indireta” circula nas cidades e entra como
contrabando no Uruguai:
R: Por exemplo, faço frete, vou lá na [diz o nome de uma empresa], no cara
onde faço frete, carrego a caminhonete, ele me dá a nota e eu passo na
Receita. Vou lá na Alfândega, a Alfândega confere a nota, confere a
mercadoria, tudo certinho, carimba a nota, ficam com a minha via e me
entregam uma via, já têm uma terceira via, aí. Só que aí, no momento que
eu passei pro lado, lá a mercadoria já é contrabando, no Uruguai. Aqui no
Brasil é legal, exportação em reais.
A: Mas aí passa direto pela aduana?
R: Não passa na Aduana uruguaia. Não, pois lá é contrabando.
A: Porque a gente tava no Porto Seco da outra vez, aí o cara mostrou pra
gente aquele monte de portão e aí sobe lá atrás e ele disse que lá é a
exportação via balcão. E como é que faz pra não passar pela aduana deles
lá?
R: Como faz? Como faz, é... tem óculos escuros aí? [risos] Entendesse? Vai
ter que ver até que ponto não apertam do outro lado. A Alfândega tá sendo
omissa em certos pontos, a mercadoria não vai desaparecer ao passar
aquele portão ali, ela não vai virar fumaça, ela teria que aparece em algum
lado.
A: Isso vale tanto pra grande quanto pra pequeno?
R: Sim, tanto que uma embalagem que tu compra do via balcão onde diz
que é proibido de vender em território nacional. A venda em território
nacional brasileiro, né? Porque tem a isenção de vários impostos. Uma
caixa de Black Stone, sabe o que é? É um uísque dos mais barato que tem.
207
Hoje tá 34 reais mais ou menos. E eles ali tão vendendo a 60, 70 reais.
Quer dizer que é muito mais que o dobro.
A: Mas aí não tem gente que compra de via balcão e consome no Brasil?
R: Mas até eu passo no Uruguai, vejo uma cervejinha e carrego. Tu vai aqui
ao lado aonde vende refrigerante, bebida, é tudo cerveja Sintra. Aqui em
Livramento tem vários comércios onde tu vai encontrar a cerveja Sintra.
Porque se tu não vai comprar na via balcão ela é muito mais cara, então tu
ta encontrando dos dois tipos. (Robles, entrevista, Santana do Livramento,
24/01/2006).
FIGURA 31: Rivera: foto das kombis e depósitos de venda via balcão sobre a
linha de fronteira – 2007.
Fonte: foto de Adriana Dorfman – 2007.
112
Por exemplo: “Na Assembléia Legislativa [do RS], estará sendo realizada uma audiência pública
[...]. A crise [...] está centrada no
no fato de os comércios dos municípios de Fronteira, bem como demais
setores, assim como a economia (mediante não circulação de dinheiro) vivem estagnação, enquanto
as empresas uruguaias, sobretudo de free shops, vendem milhões de dólares, especialmente para
brasileiros. Desemprego, fechamento de lojas, queda nos serviços, atraso nos tributos,
encerramentos de empresas, marginalidade, ausência de dignidade via miséria, entre uma série de
outros problemas sociais e socioeconômicos são as principais conseqüências dessa realidade. A
legislação sobre as áreas de fronteira (outrora áreas de segurança), nascida no governo Getúlio
Vargas e ratificada no regime militar, impede que 47 mil quilômetros quadrados do território gaúcho
sejam aproveitados economicamente. A maior parte desse território está na Metade Sul. Livramento,
Jaguarão, Chuí, que fazem fronteira com cidades que têm free-shops, assim como Quaraí, entre
outros, querem e precisam de medidas compensatórias, haja vista os problemas que enfrentam. Mais
de 100 prefeitos, em Livramento, em evento da Confederação Nacional de Municípios e Famurs,
recentemente, diagnosticaram com amplitude essa crise institucional“ (Zero Hora, 16/12/2007).
208
Vale notar que essas medidas reforçam o papel de entreposto das cidades-
gêmeas, já que tanto o free shop quanto o regime de venda via balcão visam
aproveitar a renda fronteiriça para atrair consumidores de outras localidades.
Observe-se que os municípios citados permaneceriam na faixa de fronteira, mesmo com sua redução
para 50 km.
113
Segundo o Projeto de Emenda Constitucional 49 de 2006, do senador Sérgio Zambiazi,
modificando a lei 6634/1979, que vincula à segurança nacional a necessidade de uma faixa de 150
km vedada a investimentos estrangeiros.
114
“Na Zona Franca são imensos galpões para o contrabando, aonde as coisas chegam de qualquer
parte do mundo, do Brasil ou de Montevidéu, por onde for, a aí lhes mudam as marcas, e seguem
para o mercado interno, para o Brasil, para São Paulo, as coisas vindas da Europa, é zona franca
porque não paga imposto, só mudam o nome da mercadoria e pronto (...) chegam containeres todos
os dias no porto de Montevidéu” (t.n.) “Nós decimos zona franca, enormes galpones, y todo para el
contrabando, porque traían las cosas allí, a la zona franca, de cualquier parte del mundo, tanto por
Brasil como por Montevideo, por lo que sea, e ahí les cambiaban las marcas de las cosas, seguía
para el mercado interno, y venían para el Brasil, San Pablo, y todas cosas que venían de Europa, es
zona franca porque no pagan impuestos, solo cambiar el nombre de la mercadería e ya está, e al
puerto de Montevideo todos los días llegan conteineres.” (Julio Cairello, entrevista, Rivera,
21/07/2005).
209
R: Não adianta terminar com contrabando, tu tem que ter emprego. Pra dar
um emprego tu tem que montar o que? Fábricas.
A: Mas tirar dinheiro de onde pra montar fábrica, né? Fábricas que queiram
investir...
R: Não tem ninguém, ninguém investe aqui. Tudo que se investe é com
interesse político. A Zona Franca é só de interesse político, os free shop é
uma coisa política, pra que? Pra gerar emprego supostamente, mas não é
pra gerar emprego, é pra abrir posto [de trabalho] pra gente que tenha
capital pra investir. Tem gente manejando os interesses políticos, né? Tu
não pode dar emprego público pra ele, né? Pois então vamos dar um
espaço pra ti abrir um free shop. E lá os cara iam abrir um free shop...
(Robles, entrevista, Santana do Livramento, 24/01/2006).
115
Uma série de reportagens publicadas no jornal porto-alegrense Zero Hora, em fevereiro de 2008,
traz dados sobre o contrabando de agrotóxicos: em 2005, foram presas duas pessoas; em 2006, 17 e
em 2007, 50 pessoas foram flagradas com cargas ilegais de agrotóxicos. O volume também vêm
crescendo: 0,55 mil litros e 5,9 quilos (2005); 2,5 mil l e 740 kg (2006) e 8,8 mil l e 4,5 t (2007),
apenas em Santana do Livramento. Segundo o periódico, os agrotóxicos produzidos na China são
contrabandeados para o Brasil (num valor de US$360 milhões por ano) através do Uruguai (30% da
mercadoria, com destino ao RS, MS e MG) e do Paraguai (70% do total contrabandeado para
lavouras no PR, SP e MG). Além de cometer contrabando (lei 334 do Código Penal), há crime contra
a lei 7802/1989 (que regula a utilização de agrotóxicos) e contra a legislação ambiental (lei
9605/1998) (GRAEFF, 2008).
116
Tal opção liga-se ao objetivo de construir uma geografia dos agentes que praticam a fronteira, e é
diferente daquela do geógrafo marroquino Hrou Azzi (2007), que trabalha em três níveis: aquele das
estruturas de comércio, o das localizações e o dos bairros periféricos. Segundo Alain Musset, uma
descrição do contrabando deveria organizar uma tipologia por níveis de capitalização, tipo de produto
e escala de ação; ou privilegiar sua característica tradicional ou emergente (entrevista, Paris,
23/02/2007).
117
Conhecidos no contrabando paraguaio como mulas, laranjas ou naranjas, trabalham para grandes
contrabandistas, principalmente trazendo cigarros, geralmente em ônibus fretados (Juíza Salise
Sanchotene, entrevista, Porto Alegre, 15/02/2006).
211
Sua relação com a aduana é dúbia, por vezes contam com a conivência da
guarda aduaneira, por outras são submetidas à perda da mercadoria e mesmo a
humilhações, dada sua posição de elo fraco no tecido social. O controle aduaneiro
não é muito estrito, mas é imprevisível, e a conivência pode se dar por interesses
econômicos ou em troca de favores, por compartilhamento de uma rede social ou
por certa solidariedade de classe que legitima o contrabando-formiga. São
tipicamente mulheres uruguaias, que viajam em bandos de quatro ou cinco pessoas,
abastecendo-se em Livramento nos armazéns da linha, onde estabelecem relações
duradouras. Da mesma forma, os clientes nas cidades de origem são conhecidos de
antemão, muitas vezes são parentes ou vizinhos de bairros populares que adquirem
a mercadoria para consumo próprio ou para abastecer suas vendas.
118
“A idéia de autoempregar-se surge como uma saída diante de um mercado restrito. Os indivíduos
mais necesitados tentam obter ganhos, mas nessas buscas não se apelam para ‘qualquer coisa’,
recorrem a experiências prévias, à rede de relações e/ou garantias gerada pelo conhecimento de
casos bem-sucedidos, assim esboçando possíveis caminhos” (t.n.). “La idea de autoemplearse surge
como una salida frente a las restricciones del mercado. Los individuos más constreñidos por las
necesidades intentan obtener algunos ingresos pero en estas búsquedas no se hace “cualquier cosa”
sino que las experiencias previas, la red de relaciones y/o garantías que brinda el conocimiento de
casos exitosos, así se esbozan posibles caminos” (SCHIAVONI, 2005, p.347).
119
Segundo relatou Lapacho, um amigo em necessidade aceitou levar do Uruguai para o Brasil
algumas centenas de CDs ocultos no motor de seu carro. O peso da carga fez com que andasse
lentamente, o que despertou a desconfiança da Polícia Rodoviária brasileira, levando à revista do
carro e à prisão por contrabando. O informante lamentava a má sorte do amigo, desmoralizado diante
da filha pequena (que o acompanhava para ajudá-lo, uma vez que Lapacho havia declinado o convite
à excursão). Observe-se que a vergonha estava em ser preso, e não em contrabandear (Lapacho,
entrevista, Livramento, 12/2007).
212
vínculos com os fiscais da fronteira, usados para passar sua mercadoria e evitar que
seus concorrentes o façam. Como relata Nogal, policial uruguaio aposentado, figura
folclórica: “E quando prendi um brasileiro? um que tem uma barragem, qual é o
nome dele? [diz o nome], pode ser? Ele me ofertou uns dólares e que eu fosse caçar
e pescar na barragem dele e eu disse que ele tava preso, mas no outro dia me
correram.” (entrevista, Rivera, 19/07/2007).120
Muitas vezes esses membros da sociedade local abastecem suas lojas com
produtos de contrabando; noutros, usam suas lojas ou serviços para adquirir
produtos que serão revendidos ilegalmente: é o caso de desvio de bebida alcoólica,
destinada ao free shop, para venda ao Brasil; do transporte de peças automotivas e
combustíveis originários no Brasil nas linhas de ônibus regulares uruguaias; das
manobras de nacionalização de couro e lã nas barracas (depósitos) espalhadas pela
cidade. Devido à posição social privilegiada, não é fácil aceder localmente a
informações sobre suas operações, e sabe-se mesmo de assassinatos ligados à
eliminação de testemunhas121.
120
A íntegra dessa entrevista encontra-se no Apêndice D.
121
É o caso de dois policiais civis brasileiros encontrados mortos em Rivera em fevereiro de 2006.
Eles haviam sido afastados de suas funções em 2004, após anos de trabalho na delegacia de polícia
de Livramento, por terem sido flagrados pela Polícia Federal agindo como batedores de um
carregamento de uísque de free shop que rumava para São Paulo (relatos em campo; SUSPENSE...,
2006; SEPULTAMENTO...,2006; PCS BRASILEIROS..., 2006).
122
A frustração causada por essa entrevista ainda não foi completamente analisada, na medida em
que a mentira coloca em xeque a figura do informante – agora um deformante – e, com ele, toda a
prática de pesquisa que se baseia em depoimentos. A leitura do artigo de Janaína Amado sobre o
“Cervantes de Goiás” (1995), que trata de um desconcertante depoimento mentiroso recolhido pela
pesquisadora, e de sua interpretação vinte anos depois, recoloca a questão: mais do que mentiras, o
que queriam dizer os informantes? Quais as lições que eles deram?
213
Nogal: - Eu vou cerca, esse problema da zona franca do cara aí. Caíram
poucos, né, [diz um nome], que um é dos maior traficante de drogas que
tem aqui neste Rivera e cosa, e ele tá no Brasil e teve até o dia que se
casou a filha e tinha até os PM de custódia dele, né? [...] isso foi um
contrabando millonário. La famosa zona franca, que caíram vários
comissários: o comissário de Melo, [diz um nome, diz outro nome]... Caíram
como nove implicado, além de vários empresários grandes.
[contrabandeando] de tudo, cigarro, whisky, eletrônicos, que a zona franca é
por donde pasa tudo para os free shops, não é?
214
123
“La forme la plus simple, celle des pacotilleurs, qui traversent la frontière plus d’une fois par jour et
pratiquent la contrebande de masse ou la petite contrebande, est associé a l’organisation de
l’acheminement des marchandises par des bandes de contrebandiers équipées en matérial adequat
et préparés pour toutes éventualités. C’est dans ce contexte et vu le caractère seculaire et le rôle de
la proximité geographique que des populations entières adhèrent a cette activité. Et plus encore
certains secteurs de ce traffic sont l’apanage d’une seule tribu en excluant des autres. Le caractère
ethnique ou tribal est un élément de base dans l’organisation et l’accèss a cette activité“. (AZZI, 2007,
p.3).
215
Perera é curtido do sol e muito atento, olhar rápido e jeito desconfiado, self-
made man orgulhoso de sua trajetória, fez questão de me mostrar as fotos dos
estabelecimentos anteriores, primeiro uma carroça, depois um barraco, depois um
barracão que vendia madeira e lenha e agora essa casa na linha. As fotos estão ao
lado da sala da gerência, construída num mezanino no fundo do salão, com entrada
pelo depósito (através de corredores feitos de pilhas enormes de sacos de açúcar,
que supostamente seriam vendidos quilo a quilo) e janelas sobre o movimento.
Conversamos principalmente enquanto ele atendia o caixa e conversava com
clientes ou alguém que vinha resolver algum pequeno negócio, como deixar um
cheque. Ele jogava o tempo todo com me dar atenção ou não, responder ou não
minhas perguntas, era reticente e acompanhava as frases interrompidas com
olhares que eu entendia como dizendo: “sobre esse assunto estamos todos de
acordo e não há muito mais a dizer”.
Na Casa Santa Rita, outro armazém da linha, a umas quatro quadras da Av.
Sarandí, trabalham o dono Manzano, seus filhos, a esposa e outro empregado. Além
deles, há outros quatro ou cinco atendentes, que saem e entram constantemente.
Manzano é branco e loiro, de 45-50 anos, com sotaque da colônia. Homem
ocupadíssimo, respondia minhas perguntas enquanto atendia o caixa, coordenava a
ação dos empregados e falava no telefone. Nasceu na Serra, onde plantava fumo,
mas já está na fronteira há mais de 30 anos, 25 dos quais como proprietário da Casa
Sta. Rita. Nos primeiros anos na cidade, foi tassimetrista, mas era um trabalho mais
cansativo e pior remunerado. Segundo Robles, ele tem terras no Uruguai,
equilibrando os negócios quando o comércio vai mal. Uma leitura das histórias de
Perera e Manzano aponta para uma mobilidade social no contrabando, onde a
possibilidade de acumulação representa aproximar-se e fixar-se na linha, e de certa
forma, emergir do rio do contrabando, chegando a sua nascente legal.
Manzano conta que a casa Santa Rita vende “alimentíssimos, a linha dos
salgadinhos, balas, erva, maionese, margarina, açúcar e óleo. Óleo agora não,
porque no Uruguai está mais barato”. Ele informa que as bagayeras escolhem suas
compras pelo peso, pelo preço, pelo volume e, nos bons tempos, também pela
marca. O comerciante reclamou das regalias que o free shop uruguaio tem e que o
comércio brasileiro não tem, e reivindicou que as vantagens do sistema de venda via
balcão – isenção de ICMS dada pelo governo estadual que será abordada na
sessão sobre extraterritorialidades – sejam estendidas ao comércio varejista, o que
possibilitaria a legalização do bagayo.
Nesse armazém, converso com uma senhora de 74 anos, que vem desde os
nove à fronteira. Ela mora em Canelones, isto é, a seis horas de ônibus, para
221
comprar mais ou menos 1600 pesos (na época, 2007, 160 reais ou 80 dólares) em
colorau (pimentón) e outros gêneros miúdos. “Açúcar agora não, porque lá (no
Uruguai) está mais barato”. “Já merecia me aposentar”, brinca ela, jogando com a
tensão entre a visão corrente de que o bagayero é um trabalhador, o que lhe
outorgaria direitos, e o caráter ilegal da profissão por ela exercida.124
124
Para os fronteiriços, é importante afirmar que o bagayo é um trabalho, apesar de ilegal, um
recurso frente a falta de emprego, como mostram as palavras de Robles: “Eu tenho pra te dizer que
têm brasileiros trabalhando em contrabando e viajando pro Uruguai. Tenho comprovado vários, te
digo porque tenho viajado nos ônibus e eles viajam também. Se dedicam ao contrabando porque é a
maneira de vida mais fácil pra eles, o sea, é o trabalho que eles têm. Eles hoje te dizem que estão
trabalhando no contrabando, embora sea ilegal, eles tão trabalhando. Em Livramento também tem
uma quantidade trabalhando com ele. É trabalho.” (entrevista, Santana do Livramento, 24/01/2006).
222
125
A percepção das questões de gênero ligadas à atividade em estudo foi tardia nessa pesquisa, uma
vez que as mulheres são figuras secundárias ou ausentes na maioria dos contos de contrabando, o
que lembra o caráter parcial ou pontual dessas narrativas e a necessidade de complementar com
outras fontes o quadro organizado com base na literatura. A percepção sobre a importância do
gênero no estudo das paseras deu-se graças à entrevista com Lidia Schiavoni (Posadas, 11/12/2005)
e à leitura de seu livro (1993) sobre as trabalhadoras da fronteira em Posadas (AR) - Encarnación
(PY).
126
Caso seja comprovado que o ônibus tinha sido preparado (compartimentos secretos, bagageiros
especiais) para transportar contrabando, dá-se o confisco do mesmo, com punição para o proprietário
(Juíza Salise Sanchotene, entrevista, Porto Alegre, 15/02/2006).
224
são habituais e os fornecedores são conhecidos. Isso é feito duas ou três vezes por
semana, em geral.
Conforme Robles:
Alguns minutos depois ela retorna, com expressão aliviada, indicando que
não haveria problema na passagem. Quando o ônibus retoma seu caminho, ela
grita, pela janela, despedindo-se dos aduaneiros: “¡Feliz día del amigo!” Todos no
ônibus riem do duplo sentido. A distensão é também indicada pelo início do almoço,
o grupo abre suas bolsas e pega sanduíches e refrigerantes. Apreensão e amizade
combinam-se na relação bagayero-aduaneiro. Pergunto às informantes sobre o
resultado da vistoria e elas me explicam que tudo correu bem, que passamos sem
problemas maiores, que a caixa continha apenas sal, e que os guardas daquele
turno eram camaradas.
127
“Vai um ônibus daqui até Tacuarembó, os caras, esses bagayeros juntam cada um pouco de
dinheiro pra dá pro aduanero” (Robles, entrevista, Santana do Livramento, 24/01/2006).
128
“Si te sacan, hay algo en casa que es como un ahorro” (Hortensia, entrevista, Santana do
Livramento, 17/08/2007).
129
“El quiosco de la hermana” (Margarida, entrevista, Santana do Livramento, 17/08/2007).
226
Se aqui não encontramos o caráter tribal apontado por Hrou Azzi, ser
bagayero requer instaurar redes de solidariedade com os outros e com os iguais (em
grupos que ora circunscrevem bagayeros, ora os fronteiriços, os uruguaios etc.),
operando códigos compartilhados e saberes construídos nessa condição fronteiriça
específica. Cabe apontar que esses agentes marginais e deserdados são capazes
de se reunir, percorrer estradas e passar fronteiras juntos, se determinar numa
economia ora visível, ora subterrânea, remediando sua situação periférica e
desafiando as leis do Estado em nome da sobrevivência (LARGUÈCHE, 2001, p.12).
130
Reinterpreta-se a tradição, já que o tabaco têm sido levado do Brasil para o Uruguai desde antes
do desenho da fronteira, conforme mostra-se no capítulo 2.
227
Por outro lado, esse poder pequeno pode ser instrumentalizado pelas facções
políticas locais. Julio Cairello conta que em certos momentos se reprime mais ao
230
Sabem como eles trazem o dinheiro, agora? Dentro do corpo, pegado, por
causa do medo de assalto. Deu o causo que houve um acidente ali no
posto, em Curticeras, aquele no qual morreram uns russos, sei lá o que. Um
ônibus veio, um caminhão veio e entrou e pegou eles, morreu cinco. Ai os
guris foram e não acharam nada. Aí chegou na hora de fazer a autópsia,
chega o médico forense e tão tirando a roupa dele e quando vêem o cara
tem um cinto aqui e começaram a tirar dinheiro. E os policiais que estavam
de serviço olharam pro doutor e o doutor olhou pra eles. Se olharam com
aquela expressão, como quem diz, “e agora, o que que nós fazemos?” Que
burrice, aquele monte de dólar e ninguém se animou a revistar o homem
pelo caminho, né? É muito bocaberta, mesmo [risos]. (...) E tem um causo
131
“Hay etapas que se reprime más, otras que se deja más (...) Y depende que tienen en ese
momento, no, pero cambian, cambian, a veces por padriño político, el partido que está gobernando, a
los caudillos de ellos, como se llaman allá? Cabo eleitoral, ese tiene ciertas prebendas para pasar,
pero después cambian, y cambian, no es una cosa que todo…” (Julio Cairello, entrevista, Rivera,
21/07/2005). A informação é reiterada pelo depoimento dado a Gladys Bentancor-Rosés, onde se
descreve um aduaneiro, do “tempo em que estes percorriam a fronteira a cavalo” (pelo menos até a
década de 1970, patrulhas a cavalo percorriam a fronteira): “O guarda era um personagem, um
chefete, um benfeitor dos pobres, era o que te deixava passar o contrabando miúdo, como se fosse
uma dádiva que te concedia. As pessoas ficavam devendo favores, que eram lembrados na época
eleitoral, porque os guardas tinham fortes vínculos políticos, principalmente com o Partido Colorado”.
(t.n.) (idem, ibidem, p.110 “El guarda era un personaje, era un caudillón, un benefactor de los pobres,
era el que te dejaba pasar el surtido, como si fuera una dádiva que te concedía, la gente le quedaba
debiendo favores, que te los hacían recordar en la época electoral. Porque los guardías tenían fuertes
vinculaciones políticas, sobre todo con el Partido Colorado”. (BENTANCOR-ROSÉS, 2002, p.110).
231
Robles: Sabe que a coisa mais sagrada aqui no Uruguai é a bandeira, né?
Adriana: Hum-hum.
R: Aí temo tudo de manhã cedo já [ele faz um gesto de que está bebendo],
de manhã cedo alguns tomavam, outros não, uns tomavam mate.
Nogal: outros caña.
A: uns tomavam mais, outros tomavam menos.
R: Tava assim, dentro da comisaría. Entrávamos às três da manhã e
saíamos às 11 e meia. Quando chegava de manhã – quando tava calma a
noite, até de manhã cedo tu conversava – quando chegava, o sol saía, tu
tinha que, a primeira coisa, colocar a bandeira. Quem é que me deu a
bandeira pra botar? Tu me tira a bandeira?
N: hum!
R: Este me dá a...
N: Este se abaixa, não agarra e...
R e N juntos: E cai a bandeira
R: Este me tira no fogo. Este me tira a bandeira pra eu colocá e eu, eu não
boto nada, e me agacho assim e ele tira, caiu lá dentro da estufa, lá [...]
N: Quer dinheiro pra comprar bandeira? Eu disse pra ele? Vai lá no Olivo, o
contrabandista mais grande que tem aqui era ele, diz de parte minha que te
dê dinheiro pra bandeira.
A: Bah!
R: Ele deu o dinheiro e nós fomos lá e compramos a bandeira, [risos]!
N: Ninguém se deu conta. Disso o comisario sabia, o [diz o nome]. Te
lembra?
R: Que ele sabia? Claro, claro, o nego sabia, abriu a loja de manhã cedo e
nós com uma bandeira, tchê. Botemo a bandeira, bem novinha, bem
novinha a bandeira, a coisa mais bonitinha. A outra tu tem aí?
N: Tenho!
R: Traz pra mostrar pra ela
232
N: Não sei onde é que tá... Tem um rombo desse tamanho, assim. Violeta,
tu sabe onde é que está a bandeira? Tu não sabe onde está a bandeira
queimada?
[...]
A: Que coisa vocês, queimando a bandeira do Uruguai!
R: Mas que coisa, se nós somos pegos ali naquele dia, pelo amor de Deus,
né?
N: Más bah!, nós ia dormir os dois juntos [na prisão] (Nogal, entrevista,
Rivera, 19/07/2007).
132
“En una frontera siempre va a existir, a veces muy a la vista así, sin cuidado ninguno, pero otras
veces son más controlados (…) la única manera de combatir el contrabando realmente es
produciendo y competiendo, no hay otra manera, si hay diferencia de precio de un lado y de otro, no
hay manera, aparecen contrabandistas en seguida”.
235
133
Uma reportagem de jornal publicada em 12 de outubro de 2008 relata: “A atividade clandestina é
um problema que afeta diretamente os empresários da cidade. A falta de mão-de-obra é um
empecilho. ‘Temos dificuldades para contratar gente para trabalhar. Poucos aceitam ganhar em um
mês o que podem ganhar em dois ou três dias “passando” cigarros’, conta Jair Schllemer. ‘Esse é o
grande problema aqui em Guaíra. O contrabando é encarado como um trabalho, uma ocupação, e
não como um crime’, revela o delegado-chefe da Polícia Federal, Érico Ricardo Saconato. ‘E o pior é
que esse é um crime que não dá cadeia. Como a pena é de apenas de um a quatro anos, as pessoas
são liberadas e voltam a cometer o mesmo delito.’” (VINTE DIAS..., 2008)
236
Segundo se comenta, todo mundo diz, enquanto eles tão aqui, lá no porto
de Montevidéu tá passando contrabando que tu nem imagina, tu me
entendesse, nos containers. Nos próprios containers mesmo, tu não vê
nada, tu não sabe nem o que eles estão trazendo. Enquanto eles vêm pra
cá, lá tá passando horrores de coisas. É o verdadeiro despiste aquele: “tchê
fulano”, o fulano vende droga, né? Aí diz, “tchê fulano, vamos te dar uma
batida”. Aí o fulano diz: “me dá a batida, porque assim limpa a área”. Então
238
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na apresentação desta tese cito Quintana Morales para lembrar que, se a lei
não foi feita na Campanha, o contrabando e sua poesia se fazem correntemente na
fronteira gaúcha.
Jango Jorge, Rulfo Alves ou Doña Lydia, que chegam a nós representados
textualmente e consolidados como figuras da fronteira, em textos que decifram e
codificam o lugar.
Acima de tudo, o estudo desse lugar mostra como e quanto seus habitantes
têm sido capazes de produzir o espaço em que vivem, distanciando-se de uma
suposta homogenização do território nacional. Os contrabandistas e aduaneiros de
hoje resistem a revelar suas estratégias para a condição fronteiriça, mas insistir na
interrogação permite equacionar questões como a experiência da cultura e da língua
nacional, revelando a mescla de espanhol, português e termos regionais, em
dialetos, jargões e senhas. Aprendem-se também sentidos práticos da economia e
da geografia política, mais especificamente do câmbio, da renda fundiária, da
estatística e da matemática financeira, das barreiras econômicas, do uso
instrumental da nacionalidade, dos limites do Estado, entre outros temas de extrema
relevância para a compreensão da territorialidade dos grupos humanos.
Grande parte deste trabalho foi escrita em Porto Alegre. Aqui (o lugar da
enunciação) é a capital do Rio Grande do Sul, uma província cultural de
regionalismo recalcitrante no contexto brasileiro, dentro da Comarca do Pampa,
subtropical, hispanófona, pastoril, fronteiriça. Minhas tradições culturais – além de
um humanismo difuso, leigo e racional, de um gosto pela literatura, pelo humor e
pelo diferente, de uma desconfiança ancestral pelo nacional, de uma escolarização
dentro da teoria dos conjuntos – ligam-se à Geografia Social, num percurso que
inclui estudos de Geografia Moderna em Porto Alegre, ênfases na Geografia Política
e Econômica no Rio de Janeiro, a orientação metodológica em Florianópolis, uma
breve passagem interdisciplinar e teórica em Paris. Situar-me em diferentes lugares
de enunciação mostrou-me a elasticidade das representações: em Porto Alegre fala-
se em nome do Rio Grande do Sul, com uma postura de pertencimento negociado
ao Brasil (na expressão de Ruben Oliven, 2006), o que coloca a fronteira
internacional no centro das discussões teóricas. No Rio de Janeiro, a capital cultural
do Brasil, as representações textuais geralmente tratam da nação e do território
brasileiro, enquanto, em Paris, observei com freqüência a construção de
representações ainda mais amplas e genéricas.
Note-se ainda que o estudo dos contos de contrabandistas mostra que não é
apenas da descrição de paisagens que se faz uma interpretação geográfica da
literatura.
6. REFERÊNCIAS
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Quincas Borba; Memórias póstumas de Brás
Cubas. São Paulo: Scipione, [1891] 1994. 338 p.
254
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Instinto de nacionalidade & outros ensaios.
Porto Alegre: Mercado Aberto, [1873] 1999. 80 p.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2001, 395
p.
BORGES, Jorge Luis. O ‘Martin Fierro’. Porto Alegre: L&PM, [1978] 1985.104 p.
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo, SP: Cultrix,
1987. 582p.
BRASIL. Código penal; Legislação penal, constituição federal. 13ª ed. rev., ampl.
e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 639 p.
CASANOVA, Pascale. A república mundial das letras. São Paulo: Est. Liberdade,
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268
APÊNDICE B –
TRANSCRIÇÃO DE ENTREVISTA: JULIO CAIRELLO
es, estoy en la directiva, estoy en eso y, ayudar en algún trabajo social, charlas,
reuniones y cosas así que no se me fijan mucho horario ni mucho trabajo tampoco,
porque tengo que estudiar un poco y por los años y por lo problema cardiaco mismo,
que fui operado y siempre seguí con problemas, pero ahora vivo, lo que tengo, lo
que tengo es experiencia, y años, entonces uno, yo conocí toda esa frontera cuando
no era ni la quinta parte de lo que es ahora. La ciudad, por ejemplo, terminaba en
esta calle que está ahí, ahí terminaba, en ese cerro ahí, vienen canteras, de donde
se sacaba piedra para construcción, ahí termina la arenisca, arriba del basalto, se
saca e se [?] para construir cimiento, de las casas, y, era intransitable, y, hablar del
contrabando, cuando yo era un guri, como dicen acá en la frontera, allá dicen garoto,
AD: en Rio Grande do Sul también
JC: en Rio Grande do Sul también dicen guri, guri e guria. Los chicos éramos los
que hacían, ahí nos mandaban para comprar en el otro lado de la frontera, no, en los
almacenes, todos los almacenes estaban para aquel lado, los almacenes
importantes, acá tenia una cosa extraña, eh... Livramento, se fundó 40 años antes
que Rivera, se fundó Livramento y lo contrabando se hacia de acá para allá. Ya
habían comercios acá en la línea divisoria, se traían las cosas, de Europa
principalmente, por ejemplo, acá no había ferreterías, no había, donde comprar
herramientas, no había donde comprar alambres, por ejemplo, y muchas cosas de
maquinas y maquinarias, no había producción en el Brasil, el Brasil ha empezado a
producir del año 50 para adelante, más o menos, a la gente de Rio Grande do Sul,
Bagé, incluso Porto Alegre, Don Pedrito y toda esa gente venia compra acá, en el
comercio de Livramento, y la mercadería venía por Montevideo y la traía a Salto,
departamento de Salto, y de Salto, en carretas y en carros venia acá a la frontera,
donde era, el negocio se hacia acá, el comercio, el contrabando del Uruguay para el
Brasil
AD: los dueños de eses negocios eran de acá de la ciudad, o de otra, de Montevideo
eran?
JC: Eran si, importadores eran de Montevideo y ellos traían la mercadería hasta
Salto, la mercadería venía por el río Uruguay, y ahí, para acá para Rivera, venia por,
esteh, carretas y carros entonces estaban los depósitos acá, acopiaban cantidad de
mercadería y venían toda la gente de Brasil, venia comprar acá, en ese tiempo,
esteh, antes de se desarrollar la industria brasileña, era aquí que los estancieros, los
agricultores, y toda la gente compraba herramientas y el alambre, que era tan
necesario para dividir los campos, no, todo iba de aquí para allá, y, bueno, y eso,
otra cosa interesante, de la diferencia de años que hay entre una ciudad y otra, 40
años de antigüedad más Livramento que Rivera, que cuando se delineó Rivera,
bueno, Rivera, departamento Rivera estaba, era parte del departamento de
Tacuarembó, estaba es que sigue, hacia el Sur, se delineó la ciudad, y el mismo
agrimensor que delineo Livramento delineó Rivera también, por eso tu ves que las
calles de Rivera están a continuación de las calles de Livramento, la misma
dirección, con la ventaja para nosotros que cuando el hombre hizo, delineó toda la
ciudad y medió todo, hizo las calles de Rivera más anchas, y las veredas,
principalmente, si tu ves la, comparas ahora cuando vayas para allá, la vereda de la
calle Sarandi con la de la Rua Andradas, vas a ver la diferencia que hay, y eso
reportó que en Rivera se ha formado una especie de concentración nocturna de la
gente de Livramento, mesas en la vereda, todo tu ves, tienes, ahora mismo en esa
época no tanto por que hace mucho frío pero en verano, toda la Sarandi de los dos
lados está llena de mesas y se llenan de gente, uruguayos y brasileños a tomar su
274
bebida, a comer, todo en la vereda, porque las veredas nuestras son mucho más
anchas que las, tu vas a ver allá en la Andradas es una veredita. Sabes lo que es
vereda, nó?
AD: Si, claro, calçada.
JC: Ah, yo estoy hablando en español pero alguna palabra que no entiendas, me
preguntas, esteh, y bueno, siguiendo con el contrabando, que al principio fue de aquí
para allá, ahora, después, é claro, Brasil se desarrolló enormemente, el mercado
brasileño es enorme al lado del mercado nuestro, entonces, la industria se
desarrolló, entonces somos nosotros los que traemos todo de allá, Ahora no tanto
por que acá el paso del contrabando para allá, de allá para cá depende del valor de
la moneda, depende, por mucho tiempo el peso uruguayo fue mucho más fuerte que
el, en el principio, en nuestro tiempo era el, no era el cruzeiro, era, tenia outro
nombre la moneda brasileña
AD: Eram réis?
JC: Réis! É, réis, cem réis, mil réis, y todas esas cosas, y nuestra moneda era
mucho más fuerte, nosotros es que comprábamos todo allá, pero, incluso Rivera se
pobló últimamente, en los últimos 40 años, por mucha gente que vino del resto del
país para acá. Rivera tiene casi 100 mil habitantes, son pocos los departamentos del
Uruguay que tienen esa cantidad de gente y, por que la vida acá era mucho más
barata?, por el contacto con el Brasil, bueno y, lo que quiero decir con eso es que el
pase la de acá para allá o de allá para acá dependía de, esteh, del valor de la
moneda. Mientras nuestra moneda fue fuerte, todo venia de allá, ahora ya tá más
difícil la cosa, porque lo real está muy caro para nosotros. En ese momento hay
pocas cosas que compramos allá. Y lo otro, el primer gran contrabando, al principio
fue de ganado, que pasaban acá por esa calle nomás, en el Brasil tenían, en
Livramento habían dos frigoríficos y allá por cerca de Artigas había otro, se
instalaban acá frigoríficos de, inglés, casi siempre de capital inglés, justamente, para
faenar la carne del Uruguay, y do Rio Grande también, desde luego, pero, ya el
contrabando, las tropas pasaban acá, por esa calle, y tal cosa
AD: Pero, y, no había control de la frontera?
JC: Había, pero siempre había también...
AD: y como era la frontera, allí en la Aduana?
JC: Aduana hubo siempre, y guardias por el medio. Hubo y hay por todos lados de la
frontera, pero, tu sabes como es el asunto, se arreglan con los guardas y se acabó,
los guardas miran para otro lado y pasan. Eso siempre existió también, En una
frontera siempre va a existir, no… A veces muy a la vista así, sin cuidado ninguno,
pero otras veces son más controlados, ahora hay más control, ahora es mas
controlado porque no solo el control acá, local, sino que hay en la ruta también y
cuando el ferrocarril marchaba todos los días también se controlaba tanto, pero,
siempre hubo, en una frontera no hay caso, siempre va haber contrabando. Acá
hubo contrabando de gente, por ejemplo, japoneses, venían a Montevideo e de
Montevideo se venían a Rivera, esperaban la oportunidad para pasar la frontera
para irse para Brasil, cantidad de japoneses que están, que viven en Brasil esteh,
pasaran por acá por la frontera
AD: en que año?
275
JC: en que año? Yo te voy a decir que en 1950, por ejemplo, a la vuelta de la casa
donde yo vivía, había un gran galpón, un gran taller mecánico pero un galpón de un
hombre que tenia camiones de transporte para Montevideo-Rivera-Montevideo, y ahí
nosotros veíamos a veces, 40, 50 japoneses ahí en el galpón aquel, viviendo allí,
esperando la oportunidad para pasar para el otro lado y, allá por la época de 50,
empezaran a entrar japoneses a Brasil, no?
AD: Hubo antes también, pero...
JC: Hubo, pero, en gran cantidad, en gran escala, y no solo por acá que entraban,
desde luego, pero yo vi acá, acá como llegaban, se concentraban ahí en este
galpón, esperando el momento oportuno aguardando pasaje para el otro lado, solo
en base a dinero, no?,
AD: habían intermediarios también?
JC: Claro, habían intermediarios, si, desde luego, pero, así que el contrabando no es
solo de mercadería, de alimento y de gente también, yo vi, vi porque en el Brasil
hasta el año 50 habían japoneses, pero no había la cantidad que uno ve, uno va a
São Paulo, por ejemplo y, si, cantidad enorme
AD: y en el interior también...
JC: Eh?
AD: El interior de São Paulo.
JC: Todo, acá le metían en chacras también, por un tiempo acá en Rivera, muy
trabajadores los japoneses, acá cultivaban tomates todo el año, siempre cultivaban
tomate, en invierno no y ellos, todo el año, trabajando, y pero siempre ellos venían
para acá esperando la pasaje, porque todos los miles de japoneses que vinieron
para acá no quedó ninguno acá, difícil encontrar acá un japonés o un descendiente
de japonés, y pasaron muchos acá vinieron chacras alrededor, servían también de
base para los que llegaban, se quedaban ahí, esperaban un tiempo e pasaban, ellos
sabían que Brasil tenia mucho más futuro que Uruguay, para el trabajo, para el
comercio, no?, bueno.
AD: de tiempos en tiempos viene alguien y dice no, no se pude más contrabandear?
JC: si, tu sabes que, el cero kilo, pero no, no, no.
AD: usted se acuerda de algún intendente, algún...
JC: La aduana, lo de la aduana, no, no, yo conocí muchos guardias aduaneros,
cuando guri, mucho, nosotros veníamos a comprar en Brasil, comprar un kilo de
yerba, un kilo de azúcar, un kilo de arroz, cosa chica, para la casa, y nuestro pasaje
era por aquí, arriba del cerro, porque los guardias no podían andar con los caballos,
nos corrían, pero era tan tan tan horrible las canteras y los agujeros que había,
pozos de piedra, que no daba para andar a caballo, entonces nosotros pasábamos,
corríamos, veníamos a comprar las cosas del día, y eran etapas, momentos, pero
después se fue parando, porque en la línea divisoria, del lado de Brasil, lo único que
habían eran comercios, después claro, después empezó la venta para la gente, la
ropa brasileña, las telas, venían los televisores, todos los electrodomésticos, había
excursión de 10, 15 ómnibus para comprar de Montevideo con turistas, venia todo
mundo a comprar lo suyo. Y se dejaba, a veces se atacaba algún ómnibus, se
sacaba algo, pero, había épocas que venia la orden de no permitir, entonces si, hay
un paraje ahí donde tenían que parar los ómnibus, se revisaban, el lugar se llama
276
Manuel Diaz, ahí está la policía y la aduana, a veces venia la orden de atacar, de
parar, e vaciaban los ómnibus, quedaba un montón ahí, todavía hay, esteh, hay otra
aduana ahí en el camino, que está llena de automóviles, camionetas y camiones,
que cargaban contrabando y que fueran presas, se demora años después los
expedientes, mercadería que se estraga, que e tira fuera porque, mientras se
resuelve lo que hacer con ella, no?, en general la botella de bebida, por ejemplo, la
cachaça de ustedes, mucha cantidad que contrabandeaban, la coca-cola es otra
cosa, porque la coca-cola en Livramento vale menos de la mitad que lo que vale en
Uruguay. En Rivera no, porque lo traemos todo de allá. Y hay muchas cosas, se tira
todo, se rompe, se tira, pero hay mercaderías ahí en, hay una aduana, está cerquita
de acá, ocho cuadras, que allá ves como 500 garrafas de gas, de un contrabando
que agarraran e que hace como cinco años que está allá.
AD: Donde es?
JC: En la Ruta 5 que va para Montevideo. Llevaban para Montevideo. Esta todo
empilado allí. En el campo nomás, y camiones y camionetas, pero eso son etapas,
hay etapas que se reprime más, otras que se deja más,
AD: Por que?
JC: Y depende que tienen en ese momento, no, pero cambian, cambian, a veces por
padrino político, el partido que está gobernando, a los caudillos de ellos, como se
llaman allá? Cabo eleitoral, ese tiene ciertas prebendas para pasar, pero después
cambian, y cambian, no es una cosa que todo… Ahora mismo, nosotros esta
vivienda de acá, casi todos los electrodomésticos que hay son, esteh, traídos de
Livramento, pero ahora esta con fábricas en Brasil acá más barato, después con el
free shop, fue otra cosa, el free shop, el vende electrodomésticos, máquinas,
principalmente, güisqui escocés más barata, a cada fin de semana se llena de
brasileños para comprar para controlar el free shop. El free shop se hizo acá
justamente para eso, para vender para los brasileños, porque llevando, nosotros, los
que vivimos acá no podemos comprar no free shop, es todo para el exterior, pero
esa es la ley, en realidad compramos todo que nos da la gana en el free shop,
porque ellos tienen la documentación de los brasileños, porque para comprar no free
shop tiene que tener, la persona que compra, documentación brasileña, yo no soy
brasileño pero yo voy allí y compro lo que quiero. Como ellos descargan eso?
Tienen fichas de brasileños que compran allí y después en las fichas de los
brasileños lo que compran. Pronto, quién va averiguar? A veces hay alguna
investigación, pero en general no. Bueno, no sé que otra cosa.
AD: Hace como 15 años que yo estudio acá la frontera también entonces yo me
acuerdo que hubo mucho contrabando de plata.
JC: De que?
AD: De plata, de dinero.
JC: Dinero, lavado de dinero, ese es una industria nacional también, no es solo acá.
Hay casas de cambio que ni, no tienen nada que ver con Rivera, hay bancos que no
entran riverenses ni por casualidad, están ahí, todo las agencias, por ejemplo, viene
un brasileño, en el Brasil se controla mucho los impuestos, no?, principalmente el
impuesto a la renda, es muy controlado, acá no, acá recién ahora están discutiendo
si van a poner uno a la renta, todavía no se resolvió, entonces cuando ya no pagan
impuestos, sonegan, no?, lo que dicen ustedes, juntan dinero, pero en Brasil si tu
vas a comprar un auto tienes que demostrar de donde sacaste el dinero, si vas a
277
comprar una casa tienes que mostrar de donde sacaste el dinero para comprar la
casa, o un campo, lo que sea, el estado quiere saber, ta bien, tu ganaste este dinero
pero pagaste los impuestos?, el impuesto a la renta, este es lo que quiere saber,
entonces vienen a comprar acá, compran una estancia acá, por ejemplo, o casas, y
lo tienen un tiempo, después la venden, para otro brasileño, campos, estancias, y la
venden para otro brasileño, y cuando entran con ese dinero allá, ponen en un banco,
lo que sea, y de donde salió ese dinero? De una propiedad que yo tenia en Uruguay.
Tá en el Uruguay no le preguntan de donde sacó el dinero pa comprar, tenia una
propiedad, la vendió, chau, entonces es muy difícil saber como salió ese dinero de
allá, por medio de esas casas de cambio y bancos, el dinero fue lo que se dice una
cosa virtual, parece que existe pero no existe, tu compras una casa y no llevas
ningún peso en tu mano y compras la casa, firmas un documento y tá, porque se ha
hecho una transferencia bancaria pronto, no dinero. Tu compras y firmas un check,
no llevas dinero en la mano, el dinero se tornó en algo virtual, se hace transferencia
de un país a otro, por medio de un fax, de un telegrama, lo que sea y la computación
hoy, con la computación uno transfiere el dinero de un lado para el otro, pronto, se
acabó, acá en Uruguay, acá, en el año 2002, se hundieron 3 o 4 bancos, no se
hundieron, los vaciaron, transferiran todo dinero para otros lugares, no controlan
nada, y desapareció, chau, dinero de los ahorristas, qua habían puesto ahí, millones,
los dueños de los bancos, hay tres hermanos que están presos, los padres están
presos, pero otro, nada, no paso nada,
AD: y la frontera acá depende del cambio, depende de eso...de que el sistema
bancario uruguayo que este sano... no sé...el caso ese de que los bancos se
hundieron, influyó acá, en el movimiento de Rivera?
JC: porque somos pocos, hoy está el movimiento de gente reclamando por los
ahorros, así, sacaron dinero, chau, y acá ahora existe algo del primero que acá se
puede manejar cualquier tipo de moneda. En el Brasil tu vas comprar algo, tienes
que pagar con reales, no hay otro, en el Banco de Brasil solamente se puede
depositar en reales, ni dólares, ni euros, aquí en Uruguay se manejan con todas las
monedas, y existe algo que se llama el secreto bancario, nadie puede saber que es
lo que yo tengo en el banco, o no tengo, cuanto saqué o no saqué, y eso está hecho,
el secreto bancario, para el lavado de dinero de otros países, es decir, viene
cualquier persona acá con una valija de plata, va al banco y lo deposita allí, nadie
pregunta de donde vino, de donde puede venir, en la cuenta de el nadie puede, eso,
tocar, solo por orden judicial se puede abrir el secreto bancario, una estafa muy
grande, una cosa así, pero casi nunca se da eso,
AD: entonces cuando se dio ese problema de los bancos, que pasó, pasó algo acá?
JC: No, cayó, cayó el comercio porque mucha gente tenia dinero, son miles de
pequeños ahorristas, gente que se quedó sin dinero para pagar un medico, pagar el
alquiler de la vivienda, pagar los impuestos que tiene que pagar, hay una
desesperación, hay miles de personas que fueron perjudicadas, bueno, y eso
repercutió en el comercio interior también, repercutió porque el Uruguay está, hoy
tenemos la vergüenza de decir que la mitad de la población de Uruguay está en la
pobreza, la mitad, gente de la clase media se vino abajo, se vino, el mayor índice de
desocupación de América, uno de los mayores, es el de Uruguay, verdad en acá
había fabricas textiles varias, no hay ninguna, había ahora recién empezaran los
trabajadores, conseguiran crédito y empezaran la industria Pluslan, no se si oíste
hablar, fabrica de cubiertas y cosas de caucho, enorme, que vendía para todo el
mundo, se hundió, empezaron a hacer guantes de goma, ahora están haciendo
278
cubiertas, empezó esta semana recién, estuvo como 20 años cerrada, con las
maquinas todas ahí, habían fábricas, frigoríficos, habían, en Uruguay, esteh... Esto,
esta, el gobierno que entró ahora tiene la obligación de levantar toda la industria
nuestra, principalmente la industria agropecuaria vino abajo, el Uruguay tiene, de
acá a Montevideo tenemos 500 km de rutas e de acá a Montevideo pasamos por
500 km de un desierto verde, no hay nada, campo vacío, no hay gente, no hay nada,
pues es que hubo una concentración en las ciudades e los asentamientos que
llaman, los rancheríos, una pobreza impresionante, recién ahora entró ese gobierno,
entró ese año se está planificando a ver hacer como. Pienso que en quince o 20
años se puede levantar de nuevo el Uruguay, tem que empezar por todo, ne?,
además porque hubo una época en que, antes de la dictadura, y en la dictadura
también la deuda se multiplicó por seis, dinero tirado afuera, y recién ahora se está
planificando para volver, a producir, había ingenios azucareros que hacían azúcar de
remolacha y azúcar de caña de azúcar, todo eso se terminó, esteh... Fábricas, la
carnicería que habían dos, fabrica nacional de cerveza era la Norteña, está todo en
poder de los brasileños, le compró la Brahma
AD: la AMBEV acá
JC: por la malta porque el país produce esteh..., todo para los cereales necesarios lo
que el gobierno de Brasil está haciendo, el gobierno de Lula y pidió que se siguiera
trabajando en una fábrica de para hacer cerveza aunque todos ahora están en
Uruguay. Mucha de esa gente que trabajaban todos y ganaban bien
AD: como usted ha dicho anteriormente esto de la, de la changa y eso incluye
también el contrabando en la frontera? Que lo busquen más para tener otras formas
de ganar su vida? Para
JC: Influye, claro que influye porque la salida que tenia la gente es esa, el
contrabando, por ejemplo para llevar, el Uruguay no tiene gas, nosotros acá en el
norte, todo gas que consumimos viene ahí de Livramento, hay pueblos que está a
cien quilómetros de acá, a 80 que viene, entonces hay grande cantidad de gente que
se dedica a eso, inclusive tu ves de repente una moto para llevar atrás 5, 6 botijas
de gas, en una moto y el, esto que sea por ejemplo por lo menos 50km de la
frontera, hay cantidad de gente que vive de eso, de ir con la mota hacia allá traer
gas, y comestibles también, una de las cosas que nosotros podemos es hacer el
contrabando y prohibir totalmente es malo porque hay muchos comestibles que no
se fabrican más en Uruguay, recién ahora están empezando algún, se no tenemos
acá, podemos ir comprar en el Brasil, hasta el arroz, que el Uruguay exporta arroz
para hasta para China exporta arroz el Uruguay, pero no hay para el consumo de la
gente, El arroz se exporta y, conoce ese arroz que viene en la bolsita de plástico ya
pronto para comer?, no hay eso acá en, hay eso en Montevideo, hay algunas cosas,
pero que llegue hasta acá, encarece mucho el transporte, entonces nos conviene
mucho más. El Brasil importa en cantidades y después vamos comprar arroz en
Brasil. Y hubo un momento en que la carne también, ahora ya no, ya está más cara
que acá, todo depende un poco del valor del peso acá. Hubo una fábrica de aceite
en Rivera y había dos en Tacuarembó y se hundieron todas
AD: se hundieron por estar cerca de Brasil o por lo que pasa con la economía
uruguaya?
JC: por estar cerca de Brasil y por varias razones. La, había una aceitera en
Tacuarembó que era de la empresa Bunge Y Born, una multinacional, acá en los
alrededores de Rivera había cantidad de gente que tenían chacras de 10, 12
279
hectáreas y vivía la familia esta y cultivaban mucho el maní para la fábrica de aceite,
hacia aceite de maní, minduim que llaman ustedes?
AD: amendoim, ha ha
JC: bueno, y vino la competidora de Tacuarembó y empezó a ofrecer más dinero
para la gente por el maní y dejo la fabrica de Rivera sin material. Dos o tres años,
cerró. Después que cerró nunca más vinieron a comprar maní de nada acá, y se
terminaron los plantadores de maní, las chacras. Bueno. Y es así, no es cierto?,
después de la dictadura entró un gobierno y lo que más hacia fuerza era para la
gente de importación porque hay núcleos grupos, grupos de presión, grupos de
productores que están presionando para que los ayuden. Los importadores también
presionaban al gobierno para importar, entonces acá no se producía más ropa, todo
era importado, comida era importada, importábamos comida de Suecia, de Escocia
bebidas todo lo que tenia era importado, claro, era importado con subsidio de
manera que era más barato do que el que se producía acá. Porque cuando se hizo
el free shop, muchos de nosotros decimos que el free shop no debía ser para vender
productos importados de Europa, como son ahora, si no para productos nacionales
pero acá no se importan con los productos, ahí podríamos competir con los
productos, como les sacan los impuestos de los productos que vienen de Europa
para venderlos en el free shop, por eso venden, el güisqui en el free shop vale la
mitad que el güisqui en Montevideo, y es el mismo güisqui, porque allá pagan
impuesto y acá no entonces ellos asesinan con la mercadería. La ropa uruguaya, la
lana por ejemplo, que tenemos lana, y estábamos vendiendo la lana bruta así, sacan
de la oveja y la venden así como sale, se hicieran ropa, se produciran alimento que
tenemos, es increíble, te voy a decir, no tiene mucho que ver, estoy hablando de
todo un poco pero me da rabia de pensar la riqueza que tiene el Uruguay, y da rabia
que uno tenga que decir que la mitad de los niños del Uruguay pasan hambre, y
viven, […]
AD: En Brasil lo mismo...
JC: Bueno, Brasil tiene 180 millones, el Uruguay es más chico que un barrio de San
Pablo hay menos gente, que un barrio! De San Pablo. Y como se va a decir que este
país es un país chico, es mentira, no es un país chico, hay muchos países en
Europa que son mucho más chicos que nosotros, y tienen 5, 6 veces más población,
no es tamaño. Nosotros tenemos una plataforma marítima más grande que la parte
territorial, abandonada totalmente, tenemos pescadores que vienen a nuestra costa
pescar, los japoneses, los rusos, los holandeses, todo mundo viene a pescar, y el
pescado en Uruguay es un articulo de lujo, ¿por que? Porque el atraso...no tenemos
ni siquiera la costumbre de consumir el pescado, porque acá la gente no, no, no
come pescado. Y el pescado es una riqueza extractiva, hay solo que coger no más.
Bueno, recién ahora están hablando de eso, no tenemos ningún barco pesquero en
Uruguay y la parte marítima es mayor que la parte continental, y no tenemos un
barco pesquero.
AD: y las personas tampoco tienen trabajo
JC: Ahí en frente a Rocha por ejemplo, se juntan las corrientes frías, que vienen del
sur, con las corrientes cálidas que vienen del norte y hay una riqueza pesquera
excepcional, pero no pescamos, bueno, y entonces, también la política tiene que ver
con el atraso y el adelanto de los países porque estos países de América Latina han
sido mal administrados años por años, después de la colonización fue el desastre,
280
AD: volviendo un poco al contrabando, yo, se encuentran muchas análisis así, que
hablan del contrabando por la diferencia cambial, oscilación, que se yo, pero para
las personas que viven acá, y los personajes as veces tienen fotos quizás, de Rivera
más antiguo, testigos de las cosas que si ocurrieran, y no del análisis más
económico. Como un maestro en la sala de aula, en la clase, cuenta el gran cuadro,
el sistema, la organización y va y ilustra, no, entonces imaginando que hay un tipo
así asado, es así que nosotros trabajamos, no?, el caso ese del particular, caso de
personas que usted ha conocido,
JC: pero que que?
AD: o de amigos tuyos que trabajaban con el contrabando, que no trabajaban y
pasaron a trabajar
JC: hoy están acá, hay, siempre hubo, sigue habiendo. El contrabando, no, no, yo te
digo [¿]
por problemas de dinero, de valor del dinero, pero no porque se restriño e no se
podía contrabandear más, pero, los contrabandistas siguen existiendo, están ahí, es
tanto que acá nós decimos zona franca, enormes galpones, y todo para el
contrabando, porque traían las cosas allí, a la zona franca, de cualquier parte del
mundo, tanto por Brasil como por Montevideo, por lo que sea, e ahí les cambiaban
las marcas de las cosas, seguía para el mercado interno, y venían para el Brasil,
San Pablo, y todas cosas que venían de Europa, es zona franca porque no pagan
impuestos, solo cambiar el nombre de la mercadería e ya está, e al puerto de
Montevideo todos los días llegan conteineres, cuando inventaran los conteineres
AD: cerradito así
JC: Ahí traían contrabando de [¿] ahora mismo hay un jefe de aduana de
Montevideo, que fue duro, empezaron a abrir los conteineres e sacaron montones,
millones de cosas contrabandeadas, que vienen por Montevideo, no es por acá por
la frontera, así que el contrabando, la única manera de combatir el contrabando
realmente es produciendo y competiendo, no hay otra manera, se hay diferencia de
precio de un lado y de otro, no hay manera, aparecen contrabandistas en seguida,
así como aparece la venta de droga. No hay cosa más reprimida que esa y no hay
cosa que crezca más que la drogadicción, porque siempre se encuentra la manera
de, todo por la diferencia. Yo soy uno que pienso que el día que se legalice el uso de
la droga, viene abajo el negocio. Ya tenemos la experiencia en los Estados Unidos
con la ley seca. Termino la ley seca, terminó las mafias de aquellos tipos, de aquella
gente que muria por los mafiosos, terminó, pronto, de acá yo siempre pensé que la
manera de terminar con el tráfico de droga es legalizar, quiere comprar? Bueno,
vaya, compre ahí, comercio legalizado y controlado para esto, se termina, porque se
tu tienes que ir a una farmacia comprar una droga, tienes que poner la cara allí en el
mostradero para que te vean. La droga circula en secreto, de noche, en la oscuridad.
A entrevista é interrompida […]
281
A: De eletrônico era?
R: De eletrônico é, também, tudo vem. Hoje, por exemplo, quem controla
praticamente o contrabando é a Aduana e a polícia. E daí vem um grupo especial do
governo, também controla, também a Caminera, que é a mesma coisa.
A: É a Polícia Rodoviária?
R: É a Rodoviária, todos pertencem a nós, então eles fazem essa mesma função.
Pois controlam a FUSNA [corpo de fuzileiros navais], quase todo mundo controlam.
A: O que é a FUSNA?
R: A FUSNA é um exército mandado, ordenado pelo governo. Então eles controlam
as estradas.
A: Mas aqui o posto de controle é mais pra dentro né?
R: O primeiro que posto que nós temos é o Aduana, na ruta cinco, o que vai dar
quinze quilômetros.
A: E tu trabalha lá ou não?
R: Não, eu trabalho dentro da cidade, se chamam nós vamos prá lá. Aí quem
controla é a Aduana. Além da Aduana, nós temos a barreira sanitária que controla o
ingresso de mercadoria brasileira que seriam derivados de porco, gado, essas
coisas todas... Antes dessa Aduana, nós temos a Caminera, um posto de Caminera,
que também faz o controle de contrabando ela controla também.
A: Mas as pessoas não passam propriamente pela estrada, né?
R: Sim, de ônibus sim. Como ela leva pouca coisa, geralmente deixam, quando é
pouca coisa. Agora, por exemplo quando vai muito, muita gente no ônibus e se vê
muito pacote, aí de repente vem a ordem do chefe, tascam tudo, não deixam nada.
É a operação zero quilo.
A: Varia com o quê?
R: Varia com a quantidade que levam no ônibus.
A: Mas não depende, sei lá, qual o tipo de produto? Ou chegar um chefe novo? Ou
querer mostrar serviço por alguma coisa?
R: Não. Geralmente quando há uma operação como a operação Prata, isso
incentivou que começassem a atacar muito, que não deixassem passar nada. Então,
o que fazem os que geralmente levam de ônibus? Eles contratam uma carroça e
saem por fora, passando a Aduana. Daí se vão. Lá têm a Manoel Diaz, a 70
quilômetros daqui, que lá é um posto policial com mais de 15 policial, ou seja, cinco
por turno. E esse posto ataca muito a mercadoria. Então, lá em Manoel Diaz, eles
descem antes de Manoel Diaz, caminham a pé, cruzam Manoel Diaz por campo e
vão pegar o ônibus lá diante.
A: Isso aí demora quase um dia inteiro pra fazer?
R: Pra eles sim, muitas vezes sim.
A: E o cara faz todo dia?
R: Faz todos os dias, todos os dias. Uns fazem um dia de manhã, vêm de manhã e
aí ficam. Aí eles compram tudo, fazem o rancho deles, levam o necessário, aí...
A: E aí, chegando lá, já tem quem compre?
283
R: Já tem, ele já tem pra quem deixar a mercadoria, praticamente a mercadoria já foi
vendida.
A: O cara faz mais é o transporte?
R: É o transporte. Seria como tu vê no Paraguai.
A: Pois é, eu me lembro que muitos anos atrás quando a gente tava fazendo um
trabalho aqui, a gente via casas [de câmbio] na linha, uma do lado da outra. Ainda
tem, será?
R: Tem. Sabem como eles trazem o dinheiro, agora? Dentro do corpo pegado, por
causa do medo de assalto. Deu o causo que houve um acidente ali no posto, em
Curticeras, aquele no qual morreram uns russos, sei lá o que. Um ônibus veio, um
caminhão veio e entrou e pegou eles, morreu cinco. Ai os guris foram e não acharam
nada. Aí chegou na hora de fazer a autópsia, chega o médico forense e tão tirando a
roupa dele e quando vêem o cara tem um cinto aqui e começaram a tirar dinheiro. E
os policiais que estavam de serviço olharam pro doutor e o doutor olhou pra eles. Se
olharam com aquela expressão, como quem diz, “e agora, o que que nós fazemos?”
Que burrice, aquele monte de dólar e ninguém se animou a revistar o homem pelo
caminho, né? É muito bocaberta, mesmo [risos]
R: Tem um causo de um policial que morreu e o policial com o sapato furado, com o
dedo de fora assim e o morto ali com o sapato novo ali, e o policial começou a olhar
e começou a trocar. Trocou um, quando chegou o comissário, ele com o pé dum, um
pé doutro. O comissário olhou e ficou quieto. E ele disse: “Alguma ordem,
comissário?” “Sim, sim, termina de trocar o sapato logo”. [risos]. Tu pode ver que o
contrabando dá dinheiro, tu ganha bem, no comércio. Por exemplo, no causo do seu
Cedro é o comércio. Eles teriam a operação de entregar de vez em quando.
A: Há o negócio do balcão, as venda do balcão. Como é o via balcão?
R: O via balcão é uma exportação, aqui no Brasil é legal.
A: Mas é aqui no Brasil, passou pro Uruguai...
R: Lá é contrabando, aqui é mercadoria, tá legal. Eu, por exemplo, eu faço frete.
A: Mas é um negócio de Livramento, da fronteira?
R: Da fronteira, Quarai, Uruguaiana, Aceguá também tem. Por exemplo, faço frete,
vou lá na [diz o nome de uma empresa], no cara onde faço frete, carrego a
caminhonete, ele me dá a nota e eu passo na Receita. Vou lá na alfândega, a
alfândega confere a nota, confere a mercadoria, tudo certinho, carimba a nota, ficam
com a minha via e me entregam uma via, já têm uma terceira via, aí. Só que aí, no
momento que eu passei pro lado, lá a mercadoria já é contrabando, no Uruguai. Aqui
no Brasil é legal, exportação em reais.
A: Mas aí passa direto pela aduana?
R: Não passa na aduana uruguaia. Não, pois lá é contrabando.
A: Porque a gente tava no Porto Seco da outra vez, aí o cara mostrou pra gente
aquele monte de portão e aí sobe lá atrás e ele disse que lá é a exportação via
balcão.
A: E como é que faz pra não passar pela aduana deles lá?
R: Como faz? Como faz, é... tem óculos escuros aí? [risos] Entendesse? Vai ter que
ver até que ponto não apertam do outro lado. A Alfândega tá sendo omissa em
certos pontos, a mercadoria não vai desaparecer ao passar aquele portão ali, ela
não vai virar fumaça, ela teria que aparece em algum lado.
A: Isso vale tanto pra grande quanto pra pequeno?
287
R: Sim, tanto que uma embalagem que tu compra do via balcão onde diz que é
proibido de vender em território nacional. A venda em território nacional brasileiro,
né? Porque tem a isenção de vários impostos. Uma caixa de Black Stone, sabe o
que é? É um uísque dos mais barato que tem. Hoje tá 34 reais mais ou menos. E
eles ali tão vendendo a 60, 70 reais. Quer dizer que é muito mais que o dobro.
A: Mas aí não tem gente que compra de via balcão e consome no Brasil?
R: Mas até eu passo no Uruguai, vejo uma cervejinha e carrego. Tu vai aqui ao lado
aonde vende refrigerante, bebida, é tudo cerveja Sintra [vendida por via balcão, mas
comprada para revenda no Brasil]. Aqui em Livramento tem vários comércios onde
tu vai encontrar a cerveja Sintra. Porque se tu não vai comprar na via balcão ela é
muito mais cara, então tu ta encontrando dos dois tipos. A forma de vida em
Livramento e Rivera é uma só. Um compra aqui e o outro compra lá. Quando tu vai
nos free shop, eu vou ali com a minha cédula no Uruguai e compro. Eles usam igual
teu nome como brasileira, “Eu vendi para a brasileira fulana de tal”, é bem simples.
A: Então eles aproveitam a tua identidade e usam. A gente vai lá e tem 400 dólares
por mês pra cruzar.
R: É uma taxa pra cruzar a linha, pra cruzar pra fora [fora dos limites da cidade de
Santana do Livramento].
R: Mas acontece que a senhora tem que ter uma nota...
A: Mas se eu tenho a nota...
R: A nota com a quantidade certa, com 300 dólar, a senhora comprou 1200 dólar,
peça quatro notas de 300 dólar então, em três, quatro vezes. Agora estão liberando
mais, o que é muita influência política né? Começa a pressão, se eles trancam a
pressão pela mercadoria do lado uruguaio, o uruguaio tranca a mercadoria do lado
brasileiro.
R: O supermercado também, a gente que vem comprar, eles compram no mercado,
eles buscam um preço, e aí começa aquela gente pra lá e pra cá, buscando
mercadoria todos os dias.
A: Tem época que é mais e época que é menos? A coisa do câmbio, né? Depois
tem época do mês quando as pessoas têm mais dinheiro?
R: Tem, por exemplo, os pensionistas, no Uruguai, depois de 65 anos, tu ganha uma
pensão de duzentos e picos reais e essa gente é que vem comprar na fronteira
A: E é no fim do mês que eles ganham?
R: Seria lá mais ou menos por 11, 12, 13, esses dias, geralmente quem compra
muita bobagem é o velho, o novo gasta quinhentos contos, normal. Eles acham as
coisas mais caras.
A: Toca no calo... [risos]
R: Mas na época que eles vinham, era a época de ouro, era fácil de fazer dinheiro.
Cedro: Dinheiro que nem água se ganhava há trinta anos atrás. Vai fazer 36 pra 37
anos. Eu cheguei em outubro de 69.
R: Eles vendiam não sei quanto de banana por dia.
A: A história é a banana?
288
C: Todo o comércio na fronteira é com isso? São duas cidades, um só povo. Porque
tem um comércio aqui e trabalha com o Uruguai, tem um comércio no Uruguai e
trabalha com os brasileiros.
A: A fronteira... Em vez dela afastar, ela propicia um monte de coisa né?
R: Ela propicia sim, a união.
A: E a oportunidade de ganhar pra todo mundo não, né?
R: Hoje pode de que a coisa tá tão forte, que os colégios dentro de Livramento tão
ensinando o espanhol. E o português no lado uruguaio, então tu vê que abriu campo
pra todo lado.
C: Até no esporte. Nós temos uma sociedade em Livramento tem uma cancha de
bocha que é afiliada da federação uruguaia de bocha. Nós saímos por todo o
Uruguai a jogar bocha. Nós jogamos o campeonato em Punta del Este, Minas, em
Lavalleja, disputamos junto em Rio Negro, em Salto, Paysandu, Mercedes, toda
essa região, por isso é que nós chamamos assim, duas cidades e um só povo. É
como é.
D: Foi o selecionado de Rivera jogar em Brasília.
C: É uma integração.
D: E ele foi também.
C: Eu fui pela liga de Rivera. Fui da liga de Rivera e fui convocado depois.
A: Pela liga de Rivera, é? Jogou por Rivera?
C: Joguei por Rivera. Seleção de veteranos do Uruguai. Mas aí foi só por um jogo.
290
R: Por outro lado ainda fazem bastante, porque deixa de entrar um monte de
dinheiro de imposto do estado. Pra quem entra esse dinheiro? Pra quem entra esse
dinheiro se a maioria não tem emprego. Entendeu? Não adianta terminar com
contrabando, tu tem que ter emprego. Pra dar um emprego tu tem que montar o
que? Fábricas.
A: Mas tirar dinheiro de onde pra montar fábrica, né? Fábricas que queiram investir...
R: Não tem ninguém, ninguém investe aqui. Tudo que se investe é com interesse
político. A Zona Franca é só de interesse político, os free shop é uma coisa política,
pra que? Pra gerar emprego supostamente, mas não é pra gerar emprego, é pra
abrir posto [de trabalho] pra gente que tenha capital pra investir. Tem gente
manejando os interesses políticos, né? Tu não pode dar emprego público pra ele,
né? Pois então vamos dar um espaço pra ti abrir um free shop. E lá os cara iam abrir
um free shop...
FIGURA 40: Rivera: foto do interior do free shop Siñeriz, Av. Sarandí - 2007.
Fonte: Foto de Daniel F. de Bem.
291
A: Posso tirar?
R: Pode tirar sim. Tira aqui, justo aqui. Eu me lembro do contrabando de corpo.
A: De corpo de gente?
R: Foi o causo de gente morta, de um cara que morreu e queriam enterrar. Os
parentes queriam enterrar em Santana,
Santana, porque ele era brasileiro, né? Acontece que
não podia passar o corpo pro Brasil. Oficialmente não havia corpo. Então, o que
fizeram com o cara? Agarraram e disseram “bom, então vamos fazer o seguinte:
bota ele dentro do carro”. O cara dentro do carro sentado,
sentado, aí onde ele ta, com a mão
abanando assim, ó, a mão assim parada, assim passaram o corpo, contrabandeado.
Hoje é diferente, ali é uma sala velatória, tu vela ali e leva pra Santana bem
tranqüilo. Não tem problema nenhum. E isso do corpo era bem verdade, o cara
vinha com a mão abanando assim ó, bem durinho como uma lechuza [coruja].
A: São coisas da fronteira...
R: São coisas da fronteira. Tem muitas coisas que tu tem que conversar com muita
gente. Tu te mata de ri, dava pra fazer um livro de fronteira.
A: Da fronteira da paz.
R: Aqui tinha, Por exemplo, aqui temos um galpón muito grande. O Olivo
contrabandeava num galaxi, num V8. Mas vai tu pegar na estrada! Era uma correria
bárbara, que pegar aquele V8 dentro de um caminhão não havia quem agarrasse.
A: Não dava pra provar que era ele?
R: E era correria grande.
293
A: Aí não deu?
R: Não devolveu, claro, né? Ele era o que levava o dinheiro, aí ele deu o golpe.
A: Mas aí os caras não foram atrás dele?
R: Claro, mas tu consegue, contrata, com o dinheiro, os leão-de-chácara que te
protejam e acabou teu problema. Ele chegou a matar um cara em São Paulo. Aí ele
tinha uma empresa, fez dinheiro, ele deu outro golpe lá e se veio pra cá.
A: Mas tu acha que aqui no fim fica perigoso, esse troço de mata pra cá, mata pra
lá? Quero dizer, assim, por exemplo, tu como polícia?
R: Aqui tem outra barraca de couro...
A: Quero tirar uma foto... Tu preferia trabalhar noutro lugar que
que não fosse esse aqui?
R: Não, tem uns lugares piores que aqui. Aqui nós ainda respeitamos os valores das
pessoas, entendesse? Ainda hay um certo pudor, ainda não é escancarado. Tu fica
na tua, fica quieto e deixa que eles tussam entende? Não te mete com nada e
pronto, essa é a lei, deixa quieto que eles, vai chegar um momento que eles caem,
como agora que tão tudo à deriva, né? Tudo com medo, porque o que acontece, os
caras tão buscando a sonegação de impostos, um monte de coisa... então o que
passa, según dizem hay os famosos caça-recompensa, então...
A: A recompensa de quem?
295
FIGURA 47: Rivera: foto do galpão de Olivo com vista do bairro Sacrifício de
Sônia – 2005.
Fonte: Foto de Adriana Dorfman.
FIGURA 48: Santana do Livramento: foto da casa e galpão de Olivo com marco
de fronteira – 2005.
Fonte: Foto de Adriana Dorfman.
R: Ah, existe corrupção também, existe poder político, existe um monte de coisas.
A: E, por exemplo, o Prefeito pra se eleger, não to dizendo este especificamente,
mas o cara nessa cidade, tem que saber se manejar pra conseguir seus votos...
R: Eu vou te explicar assim ó, o Prefeito é bem assim ó, esse cara aqui, que fez a
casa aqui, tem comércio, mas tem o contrabando no meio. Hoje, pra ti fazer uma
casa dessas não é fácil, este sim já fez uma casa aí e é um aposentado militar, fez
essa casa porque tirou na loteria, e assim vai. Este, esta casa aqui neste prédio foi
feito com o dinheiro do contrabando com verduras. Aqui ó, o cara veio e botou um
negócio de verdura aqui, que não paga imposto, tá trabalhando, não paga frete, não
paga nada, e aqui passa mercadoria pra lá, passa mercadoria pra cá, aqui seria bom
tu vir durante o dia e tirar foto. Vem ver o movimento.
A: Aqui a gente tá...
R: No Uruguai... no Uruguai, na linha divisória...
A: Na linda divisória, mas a gente tá, por exemplo...
R: No lado uruguaio.
A: Tá, mais ou menos em que?
R: Ali naquela rua já é Brasil.
R: Aqui é outra distribuidora de verdura, esse também entregava bananas, mas
depois a banana passou a ser via exportação direta. O caminhão leva direto.
R: E o primeiro na banana quem foi aqui foi o seu Cedro. Agora ele ensinou os
outros.
A: Claro... esse cara é poderoso...
R: Não é, é que o cara era muito bom, diziam assim ó: “me vende uma caixa de
banana fiado”, ele te vendia, mas depois tu não pagava ele.
A: Pelo menos, ele tava numa boa, né?
300
R: Calote...
N: É, pelos policía brasileiro, e os daqui.
A: depois que o cara já levou
N: Claro, no caso do Brasil tem lei, né? No Brasil, por exemplo. Eu vou cerca, esse
problema da zona franca do cara aí. Caíram poucos, né, o [diz um nome], que é um
dos maior traficante de drogas que tem aqui neste Rivera e cosa, e ele tá no Brasil e
teve até o dia que se casou a filha e tinha até os PM de custódia dele, né? Porque
não prendem esse senhor, diz que tem doble cidadania, mas não tem, ele só tem
essa cosa fría, que fazem, como é que dizem?
R: de estrangeiro
N:que não é o turista, esse... Então dizem os brasileiro que se o tipo [é] brasileiro
pode ser extraditado para cá. Mas isso foi um contrabando millonário. La famosa
zona franca, que caíram vários comissários: o comissário de Melo, o Chico, o nego
Padilla...
R: Cairam como nove complicado, além de vários empresários grandes.
A: E eles estavam contrabandeando o que na zona franca?
N: De tudo um pouco
R: De tudo, cigarro,
N: cigarro, whisky,
R: eletrônicos, tudo, tudo...
N: eletrônicos
R: Que a zona franca é por donde pasa tudo para os freeshops, não é?
N: É.
A: E como é que descobriram?
N: Bueno! Ai, este, foi problema de dois políticos. Veio o Battle que não gostava do
Sanguinetti, que é o dono da máfia, que foi presidente e então agarrou a inteligência
e fez rastrear ele e ... Não podia prender porque, eu prendia um caminhão e
mandavam largar. Depois diz que esse, como é?, medio de vida de la frontera, um
caminhão container desses truck, que dizem...
A: Meio de vida...
N: Tu passa com dois bolsos em Manuel Díaz e te sacam. [dizendo para o Robles?]
Tu prendiste aquela mulher, que tinha ali, como é? [...] Que agarrei um caminhão
brasileiro, com um truck como é...cheio de papel higiêncio, canha, cerveja brasileira,
tudo brasileiro. E ela: - vamos arrumar dindo? - Eu não arrumo. Meu precio é muy
caro! E eu por menos de 1 milhão, 2, de dólares nunca vou arrumar. [para nós]
Pagar né? Então ela se achicô... E aí veio um aduaneiro corrupto e disse: - Mire,
usted se olvidó del permiso ayer en la aduana.
A: Ah!!
N: Tudo arrumado! Arrumado.
D: Ah!!
302
R: É um tipo de coração. [...], todos eles são bons [Nogal ratifica], são muito bons,
bons de ajudar a gente, se são fiel à eles, eles são muito fiéis.
N: Eu não fui levantar dinheiro com [diz um nome] porque ele quis me pagar. Se o
trabalho não deu, eu não cobro. Porque ele queria que eu levasse o tipo para o
delegado, aquele outro delinqüente, qual o nome dele?, [diz um nome] outro
bandido, mais bandido que os bandidos, leva esse barbado para aí, que o [repete o
nome] vai com o caminhão lá e vai largar [...]. Se não agarro ele [...] fazemo o
serviço pro fulano e pedirle 600 mil pesos, até é barato, né? Pero consegui com este
guri o [diz um nome] ,[...], Vamo [...] o cara chegava as sete nas casas, e das sete e
cinco a sete e cuarto, ele ficava com a mulher olhando as casas numa espécie de
uma ventana e aí ia no bolicho comprar e na mitad da vereda da calle havia um
brasileiro e uma rua e ainda por cima não tinha luz. Eu agarrei ele e levei por uma
gravatinha assim e ele quis arrumar e eu disse não arrumo. Pero que passa?, o auto
não arrancava e o Soares, apertado, sai cortando e não sabe o que fazer. E eu
agarrado atrás dele, numa camperinha de couro. E guardei o revólver e digo vou
empurrar o auto e quando vejo fico só com a campeira dele. E a mulher dele
empezou a gritar e se prenderam as luzes. Um montón de [...], eu não vou me
incomodar com os companheiros, e arranquemos o auto e passamos e havia um
patrulheiro lá,..., e se salvou...e ele veio duas vezes aqui já. E eu saí as 6 da manhã
pra fazer hora extra e ele vinha lá e eu ataquei ele. E não sei o que [era covarde,
disse o Daniel], depois o via e dava as costas até. Tipo basureiro.
R: Depois ele viajou para Artigas, né?
N: Mataram ele, é que viviam perseguido ele e ele foi falar por celular e bateu numa
cerca de pedra e se rebentou...
R: A gente chegou lá tinha um tiro.
N: Os milicos tinham enfiado ferro nele. Eles vieram de Artigas fazendo uma patrulha
pra perseguir gás, né? E garraram acidente, que ficou o ferro cravado, assim.
R: Qual era a ordem de vocês em Masoller? Quando foram pra lá, não porque
foram? Qual era o cometido? Não era contrabando?
N: Mas bagayo de que, um tanque de gás, dois? Que levava a caminhonete nossa
pra levar os infeliz esses. E quando prendi um brasileiro, que tem uma barragem,
qual é o nome, [decide entre dois nomes], pode ser? Ele me ofertou uns dólares e
que eu fosse caça e pescar na barragem dele e eu disse que ele tava preso, mas no
outro dia me correram.
R: Caímos trinta policias em Tranqueras, porque correram os trinta que tinham lá em
Tranquera, porque tinham pego os contrabandos, tomaram o whisky e robaram tudo.
N: Nã-nã, isso foi o próprio comissário que vendeu os whisky e procuraram os
cagüetes e taparam tudo.
R: Tu prende e fica como depositário, dentro da delegacia, só que sumiu tudo e aí
nos levaram nós daqui, os bons né, só os bons. Só os bons. Aí dá nisso, o cagüete
aqui é o mais velho de todos.
N: Fui ajudar o comissário: che, tinha de mandar os milicos, não tinha ninguém, fui
eu. Pra mais arriba do estádio, jogava a final Tranqueras e Corrales, né? Eu, o [diz
um nome], desse tamainho [que estava perdido com ele, disse Robles] e o [diz outro
nome]. Tão dando num milico, né? E diz outro, che acho que é aquele milico,
305
carretiavam o carreio [só controlavam a passagem] nele e acho que havia mais de
quinhentos homens e eu agarrei e só não me deram bola que [...] sabiam que eram
gás [...] e quiseram pular a cancha para me agarrar e são saragentos [sic] e picos e
se me vêm por riba, digo, vão me matar a trompada, mas eu mato um, o primeiro
que avança eu saco um tiro na cabeça e usava um magnum, digo, tenho um
magnum 357 bala explosiva. E me lembrei em Montevidéu que o professor me disse
que se vêm muita gente, dá um tiro na cabeça do primeiro, se vem muita gente! [...]
E nisso cai um morto e vou morrer [...] E me fiz a porteira ali, me fiz, me agrandei e
veio o inspetor [diz um nome], pra trabalha, investigar [...] esses pichicón estão mal
acostumados com os milicos, que o caso tá proibido. E eu disse não, tenho ordem
do ministro, e a demas eu vim de arriba, tu não tinha nem que tá pagando serviço
muchacho e diz pra esses pichicón que eu vou matar 2, 3, 4 deles. E assim, calmou,
pero fue assim...tinha o carga rápida [alguma coisa sobre um tipo de pistola]. Depois
teve aquele outro trabalho que eu tive que tirar toda a roupa no rio Tacuarembó. Que
davam num velho e amenaçavam com o rifle.
R: Conta pra eles o dia do cara que matou a mulher...
D: Por que o senhor tirou a roupa do velho?
N: Era assim, um homem novo foi na casa do homem velho, pressionar o homem
velho e ficou com a... O homem velho...ficou embaixo do caminhão e falam duma
queixa que era parente do [diz um nome], do oficial. E eu fui e disse, não passa
nada, ta tudo tranquilo e o outro pichi estava com o rifle nas costas do velho. Depois
veio o filho dele de Montevidéu. [...] Está com o [diz o nome de outro policial]. Eu vou
lá e ele escapa e eu levo o revólver pra atirar nele e se meteu o filho do velho pra
querer entrar, mas não adiantou porque tinha um candado, e diz que o candado
rebenta com a bala, isso é mentira. Eu peguei a baioneta para cortar ferro, cortei e
entrei e esse me escapou, então peguei toda a roupa dele, peguei relógio e todas as
coisas dele e saltei como que 50 vezes acima do barranco, tudo que era dele, as
sujeiras dele. Disse pro filho, recolhe as coisas do teu pai e voltei pra camionete e
soltei tudo no Tacuarembó, que cruza ali. Tinha uns que tinham tiroteado e não
sabiam porque, mas dai tudo melhorou.
R: Conta pra eles, desde o começo, a história do tipo que matou a mulher e depois
se matou. Como foi, toda a parte...[tu tava civil?, perguntou Nogal]. Não, não, eu
cheguei depois, de tarde. Conta a parte cômica também, né?
N: Teve um acidente e chamaram: Ai um acidente aqui em camino Alabasto,
comissário vai [...] e eu vou com o cabo na moto. Um acidente, lío e um acidente,
estávamos na estrada e não víamos nenhum auto, nada, e nos atacaram umas
mulher lá. Disse tiro lá na mulher que tá caída, morrida, três tiros né? Dois aqui e um
aqui assim e menació os familiar. Eu disse leva eles e saímos com um louco, o
Pereira, seguindo ele e fomos na frente da estação ali [nome da estação] e
entrincharam ali na casa do [...] com os techos. Cheguemo ali e eu dei voz de preso,
que tirasse a arma e se entregasse e ele disse que não, que ele ia pelear, que ele
havia matado a mulher e que não ia se entregar. Se quere pelear, nós peleamos,
digo, pero o arroz ta no fogo, vai queimar, e eu digo que se levar conversa com esse
tipo, ele vai se agrandar. Se esse tipo que vai pelear e a gente diz na, na, não
pelea...se quer pelear, vamos pelear, eu vou te tirar também. Tipo e nós fazia o
horário das sete da manhã às 6 da tarde. E eu digo, se esse tipo [...] disso e
desacata aqui, vai demorar e se esse tipo resolve se agrandar nós vamos ter de ficar
lá. Nós fazia um horário 12 por 24 [...ele queria ir descansar, quando o cara que
306
estava cercado disse...]. Pero yo, porque vou atirar num policial, se eu matei a minha
mulher na frente dos meus hijos, eu vou é me matar. Bom que mate [respondeu
Nogal]...Nunca pensei que...Botou o revólver e se matou. E ele havia tirado três tiro
e eu disse prum outro milico, vai pelas costas dele que ele só deu três tiros. Eu digo,
to com o jaleco, ele não vai me pegar, mas o problema é que o homem era caçador
de capincho e caçava com o revólver, tirava bem e sabe que eu ja havia recarregado
o revólver, pequenos bolsillos era um montón de balas. [Robles repete a história,
imprimindo mais humor]. Llevemo ele pra essa porqueira, a policlínica, chamaram a
ténica, sabe que horas saímos, perminou 6 menos quarto [De qualquer jeito
queimou o arroz, disse Adriana]. Nem comemo, mas se tivesse ficado dando trela
pro cara, ia bater 7, 8 e nós ainda íamos estar lá.
R: Tranqueras é um povo pequeno, mas com muita rorba, o juiz é corrupto, começa
que as autoridades máximas de lá são corruptos, tem maçonaria lá, é um povinho
pequeno.
N: Eu quando cheguei na comisaría e disseram um policia pra trazer carne, não sei
o que más, to hablando! Y, yo: Que dijo? Manda policia, igual usted puede me trayer
carne. Y yo: nã, não, policia não faz mandado pra rua, não temos subordinado aqui!
Pero os soldados, começou o outro cara, os outros, traziam... nós não trazemo
nada...
R: Ainda fazia recorrido nos [...], essa recorridas que eu tava de motorista e nos
incomodava, nos basureava o Bispo, aquele borracho...
N: Más comigo se portou bem, quando morreu aquele, como é, a primeira morte que
eu agarrei lá na assistência daquele velho, como é? Isso é uma família, o
velho...chega o guri e diz: A policia que vá na minha casa , mamãe quer os policia.
Eu fui lá e tá o homem velho, tá morto já, né? Mas sou eu quem tem que dizer... Aí
diz ela: Aí eu não chamei os milicos, chamei o doutor. Ai eu disse ansim, fiz ansim,
esse homem morreu! E a mulher disse: E o senhor que sabe disso! Me faltou uma
matéria para eu me recebir doutor [disse Nogal]! E eu mandei chamar o doutor, veio
o Bismark. Bentaver, velho Bentaver. Chegou a véia e disse; Eh Doutor, esse milico
disse que meu marido tava morto, porque podia ta vivo, se aquele doutor, o doutor
Luís. Não senhora [retrucou o médico] faz meia hora que se murrió. Viu dueña,
[disse Nogal], como faltou pouco pra eu me recebir de doutor, nem terminei a escola!
Tranquera...
R: Esse doutor Bispo, esse, nós estávamos num caso de...
N: Nãnãnãnãnão, caso que sei que depois vocês foram mexer lá nas frutas dele [se
meter com as amantes do cara].
R: Não, que mexeu nas frutas dele foi o [diz um nome].
N: Ah bom! Eu me dava bem com todo mundo lá.
R: [...] pra incomodar, ele basureava os milicos. Na cidade lá, nós éramos [...]. No
lado de fora eu disse: sabe de uma coisa? Eu vou me vingar. Peguei meu canivete,
furei as quatro gomas dele. Caminhoneta daquelas Toyota 4x4. Despúes el dijo:
Quem foi? Quem foi o culpado?
N: Quem foi que te deu a mão pra sair de chofer?
R: [riso] Foi o fulano. Me sacaram pra motorista. [...]
N: Tu tava com o cabo aquele, né? Hein?
307
R: Pode crer que eu estava [...] e ti dei. E nas costas o [a batida de dedos no ombro].
– repete duas vezes um apelido – [Robles respondeu] Para que [...]. Quando eu olho
pra trás, ansim, era o comissário.
N: Tava com o cabo ...fulano?
R: Não me lembro quem...não, era o Beltrano.
N: Não o Beltrano, quando eu tava lá...
R: Beltrano chegou dando risada, [diz um nome] disse pra ele que ele ia ficar preso
cinco dias. – Tu vai ficar preso cinco dias e o Ciclano três e não tá mais de chofer. E
o Beltrano começou a dar risada minha, ao invés de ficar triste comigo ele dava
risada. Aí eu comecei a dar risada junto com ele, claro. [...] . Tu toca na corrente lá
[Adriana diz: Eu não faria isso!] [Robles fala mais alguma coisa incompreensível]. Lá,
nós, carne não pagava, nos davam.
N: Ah sí, nós comia todos os dias só assado.
R: Só assado!
N: Eu agarrei uma intoxicación alcólica [risadas]. [Daniel pergunta: A carne dá
intoxicação alcólica?] Não mas...[risadas] Eu agarrei e tomei [Robles: Ele tomava
tudo] vinho, cerveja, whisky, né? [ Robles: Fala alguma coisa e Daniel brinca]
Violeta: Na casa antígua nossa, que era antígua, ele saia assim... e tinha uma igreja
porta a porta e ele chegava [falam junto e fica incompreensível] Abre a porta que o
Nogal tá baleado! [A mulher responde] Lugar de baleado não é aqui, é no hospital,
não é aqui, não vou abrir porta nenhuma [risos].
R: A gente saia pra assistir muita gente antígua então te davam coisas. Agora não te
dão nada. [Nogal: Agora podem te dar droga, que tem droga em pillas].
N: Eu fui na cadeia por 5 tardes. [Robles: Eu morava aqui na volta] [...] fica aqui que
eu já venho. E quando eu saí ali, era um desparramo de ladrão. E um me tirou, tiro
com 22 e taquei-le plomo, 38, duas balas, né?
R: Não, primeiro ele batia na porta, Robles, Robles! E digo...que to me vestindo e
quando ele sai dali e eu sinto os barulhos de tiro, ele tá dando tiro nos cara. Aí eu
vesti as calças ligeiro e saí ligeiro, e saímo assim e ele diz: Roubaram da carniceria.
[Nogal diz algo sobre um montón de carne velha] E nós buscando e o pitbull
levantando [Nogal diz: Não levemo nada!]... Não levemos nada [risadas], era cd e
carne pra tudo que é lado, né? Cabeça de porco, [Nogal, cabeça de porco bem
grande... risadas].
N: E o carnicero dispos chegou, de todo o problema, né?, seria a terra brasileira, pra
ir lá prender. Este, mandamo um pedaço de osso lá [Robles: pra comisaría?], eu não
quero essa sujeira. O [diz um nome] agarrou, se lembra?
R: Che, tu te lembra bem da vez que aquele quase me matou? O fulano [Nogal: tava
dormindo!] E, conta pra eles bem direitinho pra eles?
N: Se desperto com a pistola enfiada nos peito deste aqui. Me parei na frente e digo:
Che fulano [Robles falando por cima: Não, disparou, ele chegou a apertar], [Daniel
pergunta: Não saiu o tiro?]. Não, ele ficou duro. Eu digo: Saca, saca o cargador da
pistola e saca agora do cerrojo, e ele agarrou e sacou a bala do cerrojo e, é claro,
vai outra, né? E sacou o cerrojo e tinha outra bala na...dormindo, dormindo.
308
R: Tu, que foi que... Para que tu vai matar o Robles, gritaram! Ia me matar, ia me
matar... [Adriana: De sonâmbulo? Assim dormindo? Tá louco!] Ele toma lexotan,
[Nogal: desde que matou o Chinês] Depois que ele matou um começou a dar esse
problema nele. Do Chinês é outra história. A do Chinês, este queria pegar o Chinês
[Nogal: Eu?], [Daniel: Quem era o Chinês?] Ai entra a história do matador sin suerte.
N: O Chinês foi assim: eu andava com o negrinho Peñarol ele tomou uma paliza do
outro negão de Montevidéu, não sei que fim levou o castilhano aquele?, então
chamou na comisaría que havia dado no fulano. Sai eu e o [diz um nome]. Naquele
tempo se ia de a pé, camioneta só pros comissários. E chego lá e digo pro outro fica
aí que eu vou entrar. Quando entrei alumbrei ansim ali na cama um... gurizinho
pequeno. E sinto vários cruquis e sinto o ruído atrás e digo: Che, que estás fazendo
aí? Os pés na costa mia...se me dá uma pezada, [...] pra lá. [o outro cara contando
na história] Pô fulano veio aqui e me agarrou um trompazo, que era o Peñarol.
Nesse momento chega o Beltrano borracho e disse: Passou nada, vamu sin embora.
Ele entrou y levou a mão na pistola do guri y e eu saí e disse pro outro companheiro:
Che, me agarrou e me, vamo atrompar que o barbado esse vai matar o outro – não
sei o quê ...a mão na pistola – Pistola ou revólver, acho que já tinha pistola na
época. E vai matar o tarado esse, a primeira coisa que faz é botar a mão no
revólver. Saímo dali e tá o Chinês borracho, numa casa com “Métano”, patrão aí, as
três da madrugada, o Chinês borracho: que pichicón é esse? Yo voy a matar, no sei
o que. Entrou lá pros fundos, começou a bater a porta e dizia te voy a dar um tiro
seu assessino bandido, o chinês borracho, vai te embora daí, ladrón.
V: Amor, no hables em castillano, eles não tão entendendo nada! [Nós confirmamos
que entendíamos e ela ficou surpresa.]
N: Pode ferir [...] borracho. [...] Pára, que eu parto a tua cara que tu também és
borracho, né? Olha que eu to armado com rifle e te dou dois tiros [...] tirou os dentes
fora o infeliz. Saí pra fora e eu dizia pro Beltrano: eu vou abrir essa ventana, ele vai
atirar e tu sai. Ele se acalambrou [se encolheu] na porta dos fundos e o Chinês sai e
a visão [...] pra dar um tiro y ele correu [...] pero retorceu o dedo e eu falo pro Chinês
e ele volcó e tirô, sinti aquele fogo nas minhas costas e me abraçei nele e quitei-le o
rifle, levei um culatazo no peito quando ele abre o verso pra cair [...] tá. Caí lá do
outro lado do [silêncio] [Robles: quando ele já tinha dominado!] [Violeta: Era o
mesmo] [Daniel também diz algo sobre o outro, parece que um outro atirou pelas
costas]. E puro milico, eu era o único da ivil, o resto era pura milico. Jerarca, e pra
não usar o nome do chofer eu digo: Chofer! este arrima de la camioneta, marcha
atrás que tenemos un herido aquí, pra non dar nombre nenhum, compreende?
[claro, responde Daniel], non tem nada que ver! Y nós civil: che agarre o homem,
che, querem que faça tudo, no se animo a agarra? Levemo pro hospital y tal. Se não
morre, tem que matar ele na cadeia, por que se se salva, nós vamos tudo pra cárcel,
não é? Quando chegou na Cuaró e Brasil ele fez assim [um barulho de quem tá
morrendo]. Um balaço agarró a ponta do coração. Ele empezou a chorar lá no
hospital e eu: Deixa chorar, muchachos, eles vão tudo pra cárcel. Claro, homicídio.
Suicidou o tipo. Principemo a declarar, voy declarar isso e isso, assim, assim e la na
comisaría aun nos dêem uma paliza, vamo declarar o que vamos declarar a primeira
vez y nada de...o Chinês. Botam um num quarto e outro notro. Quando vejo o
comissário...o Beltrano dizia, foi o fulano que disparou o tiro e lhe deu uma
punhalada e eu chamei o comissário e disse negativo, ta mentindo, eu tenho doze
balas tinha no carregador, naquela época era doze tiros, [...] Salvei ele, né? Ele me
acusava a mi, pero [...] juzgado, eu me dava com eles. Já tava tudo armado porque
309
era [...] falta três mês pras eleição, mas era ditadura. Y [...] después que eu conheci
o otro, te conocia, como no se dio cuenta que era o fulano y eu disse não, eu
conheci ele. Si pero [...] que você lo conocia y yo dijo: no, no um dia eu tava de retén
na cadena. Por um cinqüenta anos, né? Y jogava [Robles assente] [...] y um homem
daquela idade jogando, não conheci ele, por isso é que não tem perdão. Conhecia
se fosse amigo? Não. Um tipo que nunca foi na comisaría nem por nada [...].
R: Ai depois matam o outro, qual é?, o [diz um nome] ?
N: É mas isso foi bem feito, no final o Toro matou ele [também, diz Robles] e mirou o
tiro na caminhoneta e como era um ladrão que ninguém gostava, todo mundo depôs
à favor.
R: Sim, havia outro também, todos então, todos diziam que o Nogal queria matar
eles, pero outros vinham matar, matavam antes que ele [Nogal fala algo
incompreensível, acho que para sua esposa], aí depois botaram o nome dele de
matador sin suerte. Foi? Se lembrar que nós tava tudo na comisaría? Aí... Tu
gostava de uma caninha [Sin, responde Nogal] Gostava. Um dia chego eu lá no baile
do Cuñapiru y ele: Che, me leva este pra cá. Y ele traz o tipo numa adaga no nariz
[Violeta dá um gemido], te lembra?
N: Ele agarrou e deu numa muié, mulher da vida, pero ela veio se queixar y [diz um
nome] Ah és eso, é una loca! Y eu: si, é loca, pero é uma mulher igual. Eu vou falar
com o petiço, um tal de nego Fumaça, bah, mas um baita dum negrão, grandote! Y o
negro de Gaulle: eu sou amigo dele, eu falo com ele Y bueno, então fala. E foi falá e
ele já deu um empurrão y a la mierda milico! Y aí ele se me verou [virou] y eu tinha
já uma faca aqui no cosa y saquei y tirei-lhe na y cortei fora aqui y ele se veio: diabo,
não vê que eu to sangrando? Ele disse isso falando com a boca fofa. Ah, é?
[respondeu Nogal] Y quando ele se deu volta eu dei nas nádegas dele um pinchazo.
Ele não queria levá de nós, da Choque aqui. [Robles fica repetindo o que o cara
tinha dito e todo mundo fica rindo... Robles diz: os folguetes não dá pra pegar as
vezes, né?] Mas não passou nada.
R: Não, não passou nada porque ele espantou. E ele tava no baile sozinho, não é ?
[Nogal confirma] Era sozinho. E nós tomava conta daquilo. Tu pode acreditar que
nós atirava tiro nos tipos e os tipos nos atiravam pedras. [...]
N: Não, e lá na Oitenta e... Quarenta e Cinco [nome de escola], um dia eu fui lá num
baile , eu e o mano [diz um nome] e na verdade não gostava de baile. E o [repete o
nome], o sogro véio dele, andava de escora, de colaborar ansim e havia um
brasileiro que tava bem baixado e comprava e pegava os copos e pah! [Ôo Beleza!,
disse Daniel] Eh, che, me acredita que o cara quebrou dois copos da mulher, dos
guris tomar café, e porque eu sou amigo do Sarney, gritava o homem, e ele
começou, e eu disse: eu vou parar com esse barbado. E o...chefe, não me quebra
mais os meus copos! Não, mas eu sou amigo do Sarney, tu não sabe com quem tu
está tratando! E eu: Sim, tu é que não sabe com quem está tratando. Agarrei-lhe a
guampaço e dei-lhe uma paliza! Praquele paparivédico saber que... [Robles explica
alguma coisa, risos] né...terminou e dispois também fumo naquela Quarenta e Cinco
em que havia um milico que tinha costume de orinar na porta da escola [mas credo,
disse a Adriana] disse que era famoso, fazia o que queria, né? E eu fui nesse baile,
todavia, fui eu, Beltrano e o milico, foi quando nós prendemos o [diz um nome], nós
foi, fui eu, o Beltrano, que desapareceu follando com as mulher e o Fulano, aí eu
fiquei sozinho. Daí tava um ambiente pesado, né? Sabe de uma coisa, comecei a
beber cerveja e “pinga” e tudo, porque o borracho tem uma salvação [...] E eu estou
310
assim na porta e este: Permisso. E eu, sim? Não, eu vou urinar aqui. Que? Sim, eu
costumo urinar aqui. Então pode urinar, o que que eu vou fazer? Quando ele
agarrou o...dei-lhe um gomaço. Ah, pára! [risos] Pero saiu como...e daí eu toquei-lhe
plomo nas patas, né? E aí ele ia pra cá e eu dizia, não tu vem para lá, nós passeava.
Ah, era brabo os bailes. [...] O hombre que tava me deu uma punhalada! E eu disse,
eh esse hombre foi apunhalado, señor vire acá. [na narrativa o outro cara fala uma
coisa e a resposta é uma outra pergunta:] mas quanto tempo faz que eu te
apunhalei? Hace como uns dois años. [...]
O tipo tava tão acostumado e coisa, tinha matado dois PM, todavia tinha
assessinado o pai que tinha engenho em cachoeira, campo e tudo, né? E tinha
dinheiro e tinha um tio que era senador, lá em Brasília. [...] e o velho comprou até
uma estância aqui pra se ver livre dele. E tipo se fundiu, se casou com a filha do
capataz [...]. Eu nem dava bola pra ele, ele matava fortuna e policial, cheio de mania,
melhor não dar motivo pra eso. E um dia eu estou retrasado pra Primera
[comissaría), me corre o veio, a velharada: Não, o fulano deu... deu na mulher.
Chama a rádio-patrulha e chama pra dá disciplina e botá na Primera. Chegou o véio
e deu na véia e eu olhava torto pela ventana e não quero tomar [...] e chama o véio
pra “tuir” [?] e ninguém vinha e a minha a Décima não vinha e disse o véio pra véia,
agora te quebro e vou lá dar na outra, na ruiva essa. Putcha grilo, é uma falta de
respeito, né? Fui ali e quando ele vai dá, se abaixou na caminhonete e eu falei com
ele: Che, me traz o revólver. Mas ele nunca me apontou, não, ele me dava na mão e
eu pá, né? Ele tirou o revólver assim embaixo da caminhonete e disse: Não, vizinho,
eu me voy e não vou molestar mais. E me tocou a caminhoneta por riba e o primeiro
tiro pegou no radiador dele e arrebentou tudo, 357, né? Ah, fez um buraco que e
después, este, tirei-lhe três tiros más. A caminhoneta por seca, ele apenas passou
ali e fundiu, no outro dia o taura veio botar fogo no meu rancho aqui. Mas ele se
escapou, né? [Era manso, disse o Robles, por ela assim era mansinho, mas era
perigoso. O homem é drogado]
R: Sabe que a coisa mais sagrada aqui no Uruguai é a bandeira, né? [Hum-hum, faz
Adriana] Aí temo tudo de manhã cedo já [possivelmente ele faz um gesto de que
está bebendo], de manhã cedo alguns tomavam, outros não, uns tomavam mate
[outros caña, disse Nogal] [uns tomavam mais, outros tomavam menos, disse
Adriana] Tava assim dentro da comisaría, entravamos a três da manhã e saíamos as
11 e meia. Quando chegava de manhã, quando tava calma a noite, até de manhã
cedo tu conversava, quando chegava, o sol saía, tu tinha que a primeira coisa coloca
a bandeira, quem é que me deu a bandeira pra botar? Tu me tira a bandeira? [hum!,
responde Nogal] Este me dá a... [este se abaixa, não agarra e...] e cai [os dois falam
juntos] a bandeira [este me tira no fogo]. Este me tira a bandeira pra eu coloca e eu,
eu não boto nada, e me agacho assim e ele tira, caiu la dentro da estufa lá [...].
N: Quer Dinheiro pra comprar bandeira? Eu disse pra ele? Vai lá no Olivo, o
contrabandistas mais grande que tem aqui, era ele, diz de parte minha que te dê
dinheiro pra bandeira. [Bah, faz a Adriana] Eu nunca quis prender ele e indagavam,
né? Dá uma esmola, né? Entendeu, né?
R: Ele deu o dinheiro e nós fomos lá e compramos a bandeira, rarara! [Ninguém se
deu conta, disse Nogal] Disso o comissário sabia, o [diz um nome] Te lembra? [Que
ele sabia? Pergunta Noga] Claro, claro, o nego sabia, abriu a loja de manhã cedo e
nós com uma bandeira, che botemo a bandeira, bem novinha, bem novinha a
bandeira, a coisa mais bonitinha. A outra tu tem aí? [Tenho!, disse Nogal] Traz pra
mostrar pra ela [Não sei onde é que tá!, disse Nogal, Tem um rombo desse
311
tamanho, assim]. [Robles chama Violeta] Tu sabe onde é que está a bandeira? Tu
não sabe onde está a bandeira queimada? [...]
A: Que coisa vocês, queimando a bandeira do Uruguai!
R: Mas que coisa, se nós somos pegos ali naquele dia pelo amor de Deus, né? Má
Bah! Nós ia dormir os dois juntos [...].
N: No GRI [...] um grupo especial, levantaram tudo que era mala conducta e
mandaram pra lá e dizia o [diz um nome]: Aqui se luto guerreiro, combatentes. E eu
dizia: Che loco, bota só cinco, bota quatro varas na cela. Tava assim então e [...]
numa pecinha que fizeram a calabouça pros milicos, né? No, agora somo tudo
guerreiro, no, pero bota quatro balas aí. Não vai bota no cano. E o cara: não, porque
eu sou combatente, botou quatro balas, botou uma no cano e ...quando vai levar a
escopeta assim, bum, pá [espalhou combatente, disse a Adriana] [E todo mundo fica
quieto, disse Robles] Não, foi um canhonaço perto memo e eu me virei assim, mas
tocou na perna. O cano tá pra lá e digo tranca a porta que ninguém entre aí [...].
Bueno, quando fomo se levantar, que nós já tinha a custódia, ele se levanta e cai.
Taí, a bala esfriô, né? A bala quente pode te fazer um balaço no [...] e olhamos
assim e não tinha nada, ele disse: eu vou morrer! Olhamo à volta e tinha um
coisinha de madeira [...] desabrocha [desabotoa] e bota da pura aí e vamos agarrá
entre dois e fazer essa custódia. E salimo dali e digo: olha eu vou aqui e vocês
aguardem lá. E aí que eu sei de um “borracho pesado”, claro, porque a gente não
podia caminhar e ele se fazia que tava mal mesmo, [...] pra que socorressem e vamo
pro hospital, pro sanatório e [...] chegamo lá o doutor sacou um plomo. Ele disse:
Franco [...] teve como um mês sem trabalhar, tudo [Tudo primo, diz Robles]. Se dão,
se...eu, me dão de baixa, né? E agüentei e em um mês não fechava a ferida, sacou
placa e tinha otro plomo más. [...] dois plomo da doze [hum-hum, faz a Adriana] e
dizia o doutor Que que foi isso? E o [diz um nome] piscô e disse, eu fui pescar e me
enganchei num anzol, lá num teco [Daniel ri] [...]
R: Outra vez, os guris na cárcel, não escapou um tiro, diz que a bala corria por tudo
que é lado, até que caiu pra fora. [Robles faz exclamações para afirmar o fato].
N: Não, e o negão [diz um nome] que era de cima, lá de Montevidéu [Si, diz o
Robles, bromeando] [...] Pero que passa, dava cinco balas, a primeira ele saca,
conversando ali, volviando ele saca e guarda no bolsillo de trás, depois sacou três
balas, conversando e fico lá, assim botando as coisas por aqui [faz o barulho de que
está arrumando coisas na mesa]. Bum, pá, fez um buraco na telha. Nós tava tudo
rebocado de cal de parede e entrou o comissário, que passou aqui?, não passou
nada. E diz o oficial [...] cinco dias de “arresto” pro [diz um nome]. [Era muito comum
dos milicos se balearem, disse Robles].
R: O nego banana brincando com o [diz um nome] e deu um tiro e de repente chega
o outro e pum e deu-lhe, né? E a bala entrou aqui, por aqui [começou! disse Nogal]
passou assim, levam o não o [repete o nome], um banana baleou o [repete o nome],
levam o tal no hospital, no sanatório, quando chega no sanatório, quando chega no
sanatório lá, chega a mulher do policia e diz: Ai amor ainda bem que não furou a
camisa nova. É, mas tinha uma baita mancha [arremata o Robles, todo mundo risos]
[...].
N: E o [diz um nome], o loco aquele que deram um tiro e entrou aqui pelo rim e não
tinha um riñon, era o riñon operado e a bala entrou, seguiu e isso é na cárcel [Hum-
hum, faz o Robles] [...] a bala caminhou por tudo e se, ficou no garrão.
312
R: E também levaram ele daqui da cárcel pro hospital e o hospital não se deu conta,
os médicos não se deram conta, daí do hospital levaram direto pra comisaría da
novena, lá onde nos levaram e quando chega lá, lá ele sentiu, aí botam ele na
caminhonete para levar pro hospital de novo, aí ele morre, rã! Ai ele morreu no
hospital [Bah, faz a Adriana] Ah, tão vivo até agora, né? [...] Hã, agora deve fazer,
quanto deve fazer isso, 6 meses [...] Nogal? [É, responde o outro] É tão ainda em
negócio de sumário [...] Os brasileiros não conhecem aquilo, né? Eles não sabem
[mas geógrafo adora, né?, diz Adriana] Sim, ali é a vila Tomás Albornoz, que era
território uruguaio, mas que o estádio do Figueroa, comprô, deu marcador pra trocar,
puxar a linha mais para cá de volta. Não sei se ele comprou, o que, pra mim era
estância, Uruguai, ele fez as casas ali [...] tinha terra, a Vila Tomás Albornoz.
N: Sim, ali foi assim, foi, foram esses do quartel, como é que dizem? Servicio de
Geodésia, [agora eles vêm de avião, fez a Adriana] antes era de, o capitão fulano
empezou, não sei como é o nome do desgraçado esse, empezo a se empená pros
brasileiros, tavam fazendo a Linha e sacaram a linha mal e dispois ficou desenhado,
aqui tinha de ser o arroio tal, enquanto que pra chegar no arroio tu tens que chegar
mais pra cá. Ficou! Antiguamente eles faziam a olho, agora não, o sérvicio
geográfico, eu acho que é, não? Sacam foto por tudo, e antes não, se esperasse?
R: Ali é uma zona muy conflitiva, sobretudo o gado, né?Ali onde tá a famosa rosada,
né? [Donde mataram um, disse Nogal] Donde mataram um cara ali que, volta e meia
roubavam vaca dali, mas ele era o que organizava.
N: [...] esse caballo, aí?, Yo no quise más, tavam uns frios bárbaros e os cobertores
furados, e não queriam me dar poso, [...] [Mas a pessoa ficava caminhando pela
fronteira?, Pra cuidar a fronteira? Perguntou a Adriana] Não a cavalo [Indo e vindo?
Perguntou Adriana] [Percorre de estância em estância, diz Robles]. Si, si, porque
tem que estar no meio dos capões, dos galpões, iam numa leiteria por exemplo e as
vacas não eram [...] As vaca andavam em riba dum [Bah!], Ali no [...], [Sim, disse o
Robles, Conta pra eles a história do Beltrano, conta pra eles do começo. Que que tu
tens a ver com isso, Nogal?] Não, eu sabia donde estava. [...] me deram ladrão toda
a vida, que assim se criou na zona, né? Eu não vo... [Ladrão de que? pergunta o
Robles] Ladrão de vaca, ah, roubava até na...o Fulano que matou, era um agente de
Bagé. Ai ia ordem, né? Se contrata essa gente [Claro, diz Daniel] e eu vou buscar
um, uma mesa que eu comprei num companheiro e quem me dá a carona é outro e
digo, che, digo, dizem que balearam o Fulano e tá. Não, não [começa a explicar o
outro] Fulano tá morto, fui que.... Dois estancieiros pagaram, aquele que tava
falando, matou as vacas do tipo e mandou dizer pros tipos que tava linda a carne e
não sei o que e mandaram matar ele, já tavam cansados, né? E, naqueles anos foi,
olha, eu vou te dizer uma coisa, disse [o cara que conta a história pra ele], foi um
tipo, espero que ele saísse das casa, deixou não sei quantos mil pesos pra mulher e
disse que esperava ele na, não é mais porteira ali, né? As porteiras onde tavam,
agora é [...] O chamaram pra fazer um trabalho, queria que ele fosse como guia no
más, mas claro, o tipo foi, o outro a cavalo, quando o Fulano se abaixou pra abrir a
porteira, o outro atirou, deu-lhe tiro na cabeça, botou no cavalo e levou lá pra [Pra
serra, disse o Robles[ Pra serra [coxilha, diz o Robles] é onde tá a viação essa e
deitou ele nos pelegos e [uma pedra, né? Perguntou o Robles[ Não, não, nos pelego
e numa, como é?, numa caneleira e botou a cruz, numa caneleira, assim em cima, e
ele tá ansim, ansim, ansim no cerro, agora nada de [...] por aqui, nada. E ieu, eu
tava numa patrulha seguida aqui, pensei descubrir ladrão e companheiro ladrão, me
dei conta e era uma máfia, quase fui eu pra cárcel. Disseron que eu era chofer. Mas
313
não sei nem andar em bicicleta, o que me salvou é isso, né? E, bueno, vamo
sumário, estava o [diz um nome] oh, eu ia pra chefatura e ele tava uma fera, viu que
eu roubei nada e tá limpo a ficha aqui e o famoso sub-chefe aquele, o sujeira que
teve de chefe em Maldonado [diz um nome], otro delincuente, e outro pichi,
traficante de droga, atirante em milícia, eh, e o [diz um nome] e o tal da investigação,
cabo, isso tudo investigação [...] encontra o Fulano, o Fulano tá morto, enterrado [...]
e tá deitado, os pelegos anism, ansim e donde, e eu digo, não, não vou dizer que
não vi. Descobre você que faz-me jus.E diz o [diz um nome] e o que veio fazer acá?
Eu vim aqui declarar que [...] pero tenho outra dita pra revelar aqui, digo, tem um
milico que usou o auto do sub-comissário pra roubar na casa do [diz um nome] [...] e
bueno e agora eu vou destapar todos esses ladrão e eu digo, eu denunciei, me
trazem mim preso, claro, era uma máfia grande, né? Tinha dinheiro em pillas...
N: Entraram no calabouço, tem uma declaração sobre todo lo que dice e eu, Quem
que tenho prova? Não tem muita gente aqui e diz o sub-chefe, não, não, che, mira
que já está tudo arreglado, só te van a perguntar o que...Tá tudo arreglado?
[pergunta Nogal] não quero que arrume nada, eu não fui denunciado, nanã, só firma
aqui no más e deu que ...esse montes de chorros. Eu tive nessa patrulha e saí com
o exército, bando de chorro, bandido, uma área que tu conhece bem, né? Então eu
descobri os ladrão e corri ele e ele apanhou e como ele era cabo, era encarregado
da patrulha civil e digo, che, fulano tá roubando, [agora falando para outra pessoa] a
que, este aqui te lembra? O? [diz um nome] que diziam também de tio [repete o
nome] rouba um monte e leva pra Tacuorembó desarmado, de caminhão: Ha, eso
vá ser um operativo grande, deja no más que o comissário e um dia eu to aqui e
passa um milico e che, roubaram as escolas essas de recuperação, ali da [as
entidades, diz o Robles] não do gajo ali, donde estes guri iam e eu saio, averiguá,
descubro tudo do conta pro coisinha lá. E o vem volta e meia e diz, che, mas os
ladrão deixaram alguma coisa? E eu digo, eu pedi a caminhonete e eles não
quiseram me dá caminhonete, eu disse que não tinha nafta, pero no, nafta, venho te
busca aqui e vai o fuca. Prendi minha mão, invadi a primeira, Novena, todos os
troços. Quel que él trazia? Ai outro dia eu fui, che e [diz um nome] se largô?, si, pero
largô, largô todo aunque, claro que quando eu tava com o guri preso lá, apareceu
aquele, sargento, outro bandido lá, pero desconfia, desconfia dos companheiros, nós
botava os presos no batecler e fazia submarino junto [Sabe o que é submarino?
Perguntou o Robles] [Ouvi falar. Diz a Adriana] [E o que que é? pergunta o Robles]
[É tu bota o cara mergulhado no] [e tu pisa na nuca dele e puxa a cadena, salta ba]
[coisa horrível, disse a Adriana] Né? Trabalhava e gostava da farra, quando nós
saía, tuchhuu, um ia pro barrero, outros quebravam pro [...] e já havia um montão,
caíam verde porque não eram daqui, eram comissão. Después o Chico Teta roubou
numa carnicieria e eu prendo o [diz um nome] e tô lá e diz o, vieram buscar o
Fulano, o tipo esse que não se entregava, eu se fosse ladrão e iba me buscar preso,
eu não me entregava, num cerco, não [...] pegaram ele, os rato vieram com uma
denúncia tua na chefatura, parece que tu deste num, ai? Pode ser. Investigação. Eu
disse aqui comigo e quando temo no destino da chefatura, quando eu chego lá me
mete num calabouço e dói as vistas. Pero eu tava tranquilo e tinha outro párajo loco
que fazia senha e eu chamei o oficial, turco casaca e disse, che, me bota noutro
lugar. Milico tá preso ali, digo eu tá preso, e tá me fazendo senha, eu não tenho
nada com ninguém, eu não sei porque me trouxeram aqui. Não tens que conversar
nada, disse o guarda. Quando chegou de noite pedi comida, de casa não, do cárcel
314
ali mesmo [...] tem obrigação de me trazerem um colchão e trouxeram uma vianda
furada, sopa de cárcel, pura graxa, e tava no espaço da cura, do socó e eu engraxei
tudo ali e ele, che tem que, e eu, não limpo nada, nem vou comer tampoco. E os
companheiros, que eu tinha por companheiros [...] parece que roubou não sei
quantas cárcel. E o [diz um nome] me acusava de vir de noite na comisaría, pegar a
caminhonete e sair na noite pra fazer os assaltos tudo. Se eu tenho essa categoria,
eu vou no Banco República, vou encher dois barricão de dólares e me vou, né? Pero
era uma machadada que tava metida, tal, tal outro, [...] que era milico, que era
casado com a filha do Beltrano, os caballeros más grande que havia. E eu toquei na
jarra sim [...] por confiar, a gente quando trabalha com um companheiro. Isso que
haviam difundido um informante ..., queimou o churrasco, tava enarado e dispois,
che, vão te limpar, hein? Digo quem? Os companheiros teus, do tamanho meteu, e
eu digo, não [...] bem, pero no se animaram e falto e quando vê terminou que eu era
chofer. Segunda vez que, me manda chamar o chefe de policia e eu sai e entrei com
um despacho lá e ele disse, porque sois ladrón. Non, ladrón non, estás equivocado.
Porque vos sois ladrón [continuou o interlocutor], porque robás e não sei o que... E
eu, só pra le dar uma prova, quando roubaram a caminhonete de um brasileiro [diz
um nome] que os produtores engajados, se eu venho da Cuaró a pé e prendo o sub-
comissário tal, prendo aquele que mataram hoje, qual é o nome dele, maricão
aquele. Como é o nome dele? [diz outro nome]. E digo e prendam o filho do Fulano,
tão os ladrão a mais pra vocês, vocês buscam, esses são os ladrões. São ou não
são? E ele disse: Quem tá roubando o tal da segunda? E eu digo, o tal, o comissário
tal da tropa, todos milico e foi a roubar, voltou os ladrão lá. E disse: usted se anima a
prender? E eu, si me dê um bom armamento e uma equipe [...] e presos tudo, tudo.
Pero, vem me interrogar o pichicón esse. Te para de patrão e dice que eu era ladrón
e cosa e ele, não eu quero saber porque [...] E o [diz um nome], um comissário que
agora ta processado por roubo na Zona Franca, e o outro velho, traficante de droga,
junto com o [diz um nome]. Diz que estão pra Curticeras, né? [Robles, confirma]
Peixes grandes que agora tão caindo tudo. Bom, me acusaram y [...] mas eu não
entro nessa história, me acusaram a mim, mas não me conheciam e outro disse:
Mas é o Nogal. Eu tava direto na frente dele y o juiz disse, quais desses são, não é
nenhum. Eu olhava ele e pensava, dou um golpe no pescoço dele e me vou antes
que me agarrem. Depois ele me chamou a parte e disse, não, é isso e isso e isso, tu
não tem nada que ver com isso y outra cosa no le haga nada porque entonces van
poder le processar, si él aparece morto, van a buscar usted. Bem, fiquei vivo, pero
cada vez que ia num baile [...] Começaram a me transladar, yo recorri toda Rivera.
R: Aqui em Rivera é assim, quando te buscam pra ti reconhecer, te buscam um tipo
mais ou menos parecido, uns três, quatro parecido te confundem. Hay um torto ai
que matou umcara ai, passou com um carrinho-de-mão na frente da comisaría.
Inclusive o cara conta que a mão caiu fora do carrinho, na frente da comisaría e ele
botou pra dentro e desovou o cara na frente do [...], viste? Ai o juiz pediu tortos,
porque o matador era torto, porque o testemunha tinha que ver, ai quiseram levar,
nós tinha, temo, um colega que é torto que não se animou a ir, ficou com medo que
reconhecessem ele. Chega ali na hora da verdade e depois provar que tu é
inocente? Que [...] pavorovo e justamente igual, o sistema que tem a justiça nossa,
primeiro te põem pra dentro e depois tu tem que provar que tu é ou não é.
N: Aqui, quando eu ingressei em 74, colaboravam com os milicos brasileiros, né?
Um dia tínhamos saído para um recorrido às duas da manhã e o – diz um nome –
era um delinqüente bárbaro, mas que trabalhava, 12, 14 horas, vinte e se tinha que
315
caminhar, caminhava. Ele viu uns oficiais e disse: acho que são os brasileiros,
entraram na casa dos – diz um sobrenome –, os famosos – repete o sobrenome –,
mataram quase todos... E ele, vamos apurar para ajudar os brasileiros. Eles ficaram
desconfiados e nós dissemos: viemos ajudar. [...] E aquele, o negrão grande aquele
que a mulher matou ele, te lembra? Um dia ele faz uma rapinha [...], tassimetrista e
corta um homem na boca, só que o tassimetrista era brasileiro e que passa? Eu saio
com o [diz um nome], apertado num auto, do cunhado brasileiro esse, vamo buscar
em recorrida e fui em Rivera Chico e tavam [diz dois nomes] borrachos, pá não tão
ai, naquela época não havia rádio. E diz o homem, não vamos lá ver, lá perto do
Nicolini, por lá, ele morava lá e dá a casualidade que ta aquele baita macho lá e eu
baixei do auto e pensei que o [diz um nome] ia comigo e não saiu. E eu peguei no
revólver e ele vem disparado e pechou e naquela época os PM faziam patrulha em
um fuca, e ele pechou nos PMs e empezaram a dar nele e eu che, dá pra eu dar
também? [risadas!] Sabe que eu nunca vi um tipo espossado que tocaram ele de
cabeça pra dentro do fuça, mas deram uma paliza nele. Levaram ele para a
delegacia e deram outra paliza más.
APÊNDICE E: CD ICONOGRÁFICO
cd iconográfico.wmv
317
ANEXO 1:
TRANSCRIÇÃO DE OBRAS DE INTELECTUAIS MUNICIPAIS
BISIO, Agustin R. Brindis agreste. Montevidéu: Martin Bianchi Altuna, 1954. 164 p.
(com glossário de termos regionais) (1894-1952)
1) (p. 167)
EPISTOLA DE LA AMISTAD
Si encuentras en tu vida un leal amigo,
Trata de ser con él, como es contigo.
II
¡Ojo! Con el amigo que en la mesa,
te baña en loas y te da promesa;
ese, es seguro, no te quepa duda,
que si te ofrece, va a pedirte ayuda.
III
Si admites en tu casa a un forastero
Y le ofreces tu pan, indaga bien primero
De donde viene, hacia donde va;
Pues hoy en día,
es costumbre o manía,
que un viandante que pasa
pretenda echarte de tu propia casa
y diga como el tordo: “Fuera hornero!
Tu nido es mío, pues yo... “llegué el postrero!”
Y es bien mío, te lo pruebo;
Lo hiciste tú, pero yo. ¡puse el huevo!
(p. 170) IV
Puede tenerse en el Comercio un socio,
Pero no la amistad como negocio.
Hacían los indios confabulación,
Para dar asalto o malón;
Suele aquí todavía formarse un bando,
Para algún negociado o contrabando;
Pero en eso no reza la amistad;
que es el contrato de una sociedad.
320
SIMÕES, Olyntho María. La sombra de los plátanos. Rivera: G.A.D.I., 1963. (1901-
1966). Publicou também “Hojas Sueltas”.
Si de mí estás cansada
Decilo que me resigno
Y no procures pretextos
A fin de quebrar conmigo
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3) RIVERENSE
¡Yo soy más, mucho más de Rivera
Que el Cerro del Marco!...
Soy amigo del Puente de Raca
Y lo mismo de Paso de Castro.
Me doy bien con la “Piedra Furada”,
Con la Calle Brasil tengo tratos
Y citas nocturnas;
Me saludo con todos los plátanos
Y me dicen adiós los gorriones
Que pueblan sus gajos.
En los viejos fortines en ruinas,
En mis tiempos de alegre muchacho,
Hice más de un tirito a la taba
Y jugué mis partidos al sapo...
Conocí a Juan Barullo de cerca;
Intimé con Ciriaco,
Y la negra María das Dores
Enseñóme a “benzer” el “quebranto”
Y a cortar con el filo del hacha
Los vientos más bravos...
Yo sé cantar “terços”
Y lo mismo pasar contrabando.
Llevé cuando niño,
escondida en el forro del saco
“la oración de la puerta del cielo”,
que preserva de pestes y daños.
FIGURA 49: Rivera: fotos do busto de Olyntho Maria Simões no Paseo de los
Poetas, ao pé do Cerro del Marco. - 2006
Fonte: http://www.derivera.com.uy/index.php?option=content&task=view&id=728& Itemid= acesso em
01/08/2006
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323
Tu tienes la alegría
de tus alrededores pintorescos
que revientan en flor por todas partes
y un hermoso conjunto de mujeres
llenas de gracia y gentil donaire!
Apacible ciudad de mis afectos
-oculta como un nido entre el follaje
de tu arboleda majestuosa y típica-
no te hace falta, no, para ser grande,
una saliente pagina en la historia,
recuerdo de dolor, de luto y sangre...
Esse poema, que fala de tolerância, consta aqui por ser considerado o hino
não-oficial de Rivera.
5) (p.29) EL CONTRABANDISTA
El sol fronterizo calentón de por sí
En suelo areniento es en deveras zafau,
se lo vé en las d’entradas sobr’el Batoví
Besuquiando su agrieste pezón agrietau.
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6) (p.100) EL MOIRONES
Son un espejo de plata
Las aguas en el Moirones;
Mucho en ellas se han mirado
Tres viejos sauces llorones.
Un entardecer de fuego
Estando el sol por entrar,
Tomé mis tres aparejos,
Y al Paso bajé a pescar
Explica toponímia: não é vocábulo de origem indígena, mas sim uma lenda
que remete ao povoamento nativo. Caracteriza o índio como cruel, insinua uma
leyenda blanca, isto é, um relato da história do lugar em que os índios eram
apresentados como cruéis e frios.
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CAGGIANI, Ivo. “Visita de D. Pedro II”, Cadernos de Sant’Ana. no. 11, 1996. p. 6-
13.
8) (p. 6)
A 11 de outubro de 1865, procedente de Uruguaiana, chegou a
Sant’Ana do Livramento o Imperador D. Pedro II, sendo alvo dos mais
calorosos aplausos e das mais elevadas distinções.
Sant’Ana do Livramento, que enfeitara sua ruas, recebeu o sábio
monarca mostrando, com alegres fisionomias, o quanto admirava a quem
tinha a glória de ser soberano de todos os brasileiros.
Apesar de sua rápida visita, D. Pedro II teve oportunidade de
percorrer a vila, visitar escolas, teatro, etc.
No diário de viagem do Conde d’Eu, que fazia parte da comitiva do
Imperador, encontra-se a seguinte descrição dessa viagem:
(p. 7)
duas casadas e uma viúva. As sete que vemos trazem vestidos de casa de
ramagens. A casa é de uma elegância absolutamente desusada nestes
desertos; sobretudo a sala ostenta o extraordinário luxo de um piano. Este
piano torna-se como era natural, um excelente objeto de conversação com
toda essa sociedade feminina. O Imperador convida logo as meninas a
mostrar seu talento musical.
O repertório não é variado: limita-se ao “Souvenir de Baden Baden”
e a duas modinhas brasileiras. Além disso, o piano está horrivelmente
desafinado. Desculpam-se dizendo que seu mestre alemão as deixou para
regressar ao Rio Grande. Suponho que agora está lecionando, com melhor
resultado, as filhas do sr. Eufrásio.
O jantar compensa o concerto. Nada falta, nem mesmo um
esplêndido aparelho: vidros dourados e bela porcelana de beira verde, com
o nome do falecido esposo da dona da casa escrito em letras de ouro. Esta
tarde os soldados da escolta apanharam muitos ovos de ema inteiramente
amarelos, que logo foram furados e cuidadosamente acondicionados para
com eles adornarem os aposentos do Rio de Janeiro.
(p. 8)
ge de suas nascentes. Depois sobe-se a uma altura onde se encontra uma
das pirâmides de tijolos, com revestimento de cal, que assinalam, de
espaço a espaço a fronteira. Gosa-se dali uma vista pitoresca e muito
original sobre uma série de vales arborizados e de colinas de encostas
escarpadas, que quase todas terminam em pequenos planaltos. No meio
desta região atormentada aparece Sant’Ana na direção S.E. na forma de
uma massa branca, hoje um pouco envolta em bruma. Muito perto dessa
pirâmide, ou marco de fronteira, encontra-se ao mesmo tempo as
nascentes do Ibirapuitã, do Santa Maria e do Cuñapirú, afluente do Rio
Negro (grande rio que atravessa todo o Estado Oriental e se vai lançar no
Uruguai muito abaixo de Paisandu). Forma fronteira neste sitio a crista da
coxilha ou linha de divisão das águas, as quais vão, como se vê, do lado
brasileiro para o Ibicuí pelo Ibirapuitã e pelo Santa Maria, e do lado
Oriental, que entre parenteses, é aqui o do sudoeste, para o Rio Negro,
pelo Cuñapiru.
A verdadeira estrada para ir para Sant’Ana segue também a coxilha,
e portanto atravessa mais de uma vez a fronteira. Mas o Imperador não
pode sair do Império; portanto, depois de termos contemplado as duas
faces da pirâmide, temos de tornar a descer, por caminhos de cobras, para
um dos vales, com as suas encostas pedregosas e arborizadas, as
casinhas no fundo, cercadas de chácaras esmeradamente cultivadas. Mais
329
brasileiros em terras uruguaias, entendida com “fuga de braços” – ainda que o autor
reconheça serem interesses econômicos os que movem a ocupação daquelas terras
por brasileiros. Por fim, a descrição da venda do espanhol Zarratea, com indicação
de contrabando, interessa por dar testemunho das mercadorias de luxo que
chegavam através do comércio ilegal.
O caso relatado por Ivo Caggiani, sobre a confusão de escalas políticas
causada pela ingenuidade e excessivo centramento do presidente da Câmara
Municipal é cômico e revelador da importância do lugar na formação do
pensamento.
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9) (p.5)
DESDE LA FRONTERA
A la memoria de mi padre
A mi madre
A mis hermanos.
1979
1
Palabra
dame otra vez
la antigua facultad
de ser memoria.
2
En la memoria no quiero perder nada
Ni el silencio mortal de la cuchilla
Bordeando la llanura en las orillas
De mis ojos de niño, la mirada.
(p. 6) 3
Para pensar mis paraísos pienso en ti
Entonces vienen lentamente las praderas
Las formas de los ojos, las caderas
333
5
Evocando en fragmentos simbolistas
De mármol y granito revestidos
En las altas vitrinas los vestidos
Con la hermosa expresión de escalinatas.
6
La memoria de la ciudad creada
Para acabar antiguas veleidades
Terminó por unir las dos ciudades
Será las dos culturas, talvez no será nada.
7
Siempre encuentra un lugar para el olvido
La geografía neutral del sacrificio
Donde nunca existió ni hombre ni oficio
En esos páramos de agua yo he soñado.
(p.9) 8
En Santana, de noche, una encerrona
Nadie sabe qué hacer. ¿Que ha sucedido?
Al día siguiente igual o parecido
Una ciudad que muere y se abandona.
9
En el único lugar que me enseñaron
Algo real que luego descubrí
Donde otros se esforzaran yo aprendí
En el mismo lugar que me educaron.
10
¿Dónde empieza la vida, dónde cesa?
Esa frontera fina que me temo
Equilibrio al griego, extremo a extremo
Dionisio con Apolo en una mesa.
De repente la puerta está cerrada
La que fuera dinámica, sosiega
O es una puritana que se entrega
Fingiéndose una vieja inmaculada.
11
De la naturaleza antojadiza
Son los cielos y son las estaciones
Siento la primavera con sus emociones
He llorado el verano que agoniza.
12
Hay vergüenzas en el paraíso, la ironía
En la cuesta del Cerro del Estado
Un barrio miserable, escondido y tapado
Un cantegril que llaman “La alegría”.
(p.12) 13
¿Hijo de quién, de quiénes, los parientes
De donde las cenizas se juntaron
Y para darme forma se agruparon
Siendo presente, este señor sonriente?
14
Me despertaban los tiros
Y no eran juegos de niño
Agarrado del revólver aparecía Don Coitiño
Entrando a lo de Perroni por el bar “Los barrilitos”.
15
Ensoñarme debe ser algo así como asombrarme
Talvez, obligarme a soñar enajenado
Ensueño al sueño, despierto enamorado
Soñarme en mí. A mí abandonarme.
16
De las sierras de Gauna y sus colinas
337
17
Siempre estaré en el límite cambiante
Caminaré a lo largo de fronteras
Como un demente condenado a las riberas
Viajando hasta tocar el horizonte.
El mundo es vasto y uno en todas partes
Idénticos los códigos usados
Signos y formas de siempre utilizados
Son finitas las memoriosas artes.
(p.15) 18
Si pudiera soñar con el futuro
Un viejo escribidor me sucediera
Hablando con su dulce compañera
Frente al mar más azul y más oscuro.
19
Soy sólo lo que queda
La otra forma
El nuevo de lo viejo desprendido
Ni envejecer ni obedecer por gusto
Ni a disgusto y menos consentido.
338
20
Yo no puedo olvidar lo que he vivido
Sueño con flores y bronces amarillos
La ceniza de luz llena de brillos
El futuro hizo ya su recorrido.
21
Los días se hacen más cortos
Me sobrecogen las disminuciones
Antiguos bienes y desilusiones
El otoño abrirá para nosotros.
22
Antes a mis muertes despedía
En una cama o el hospital
Veinticuatro horas de velorio eran algo normal.
Después la sepultura, al otro día.
(p.18) 23
En la piscina Apolo, pasaba yo los días
Allí escribí los versos del amor
De aquellos que se escriben con dolor
No recuerdo por qué, pero sufría.
24
La milonga de mi padre
Aquí me pongo a cantar
en esta chacra de Oriente
solía decir mi padre
sin dejar el aguardiente.
(p.20) 25
Estos días te recuerdo como fuiste
Caminando en el borde de la noche
Lleno de alcohol a veces un reproche
Con los ojos de nácar y algo triste
26
La imagino pequeña como es realmente
Serena y presurosa tejiendo los abrigos
O entre dulces y aromas de membrillo o de hijos
La imagino en la cama pensando largamente
27
Me tenía que ir a cualquier parte
No sabía que el azar riguroso, lo había decidido
Yo no tenía ni pasaje ni vestidos
Mi hermano Oriente me pagó el embarque.
28
Dios debe ser un gesto erótico
Y el Diablo la impotencia
Es lo que me delata la evidencia
Aquello que fecunda no es despótico.
29
La fiesta más pagana y verdadera
Ebrios de alcohol y de éter extenuados
Salíamos de los bailes ya cansados
Confundiendo Santana con Rivera.
Fueron locos y muchos carnavales
El corso de colores decadentes
Las fiestas en los clubes, los ambientes
Tanto el centro como en los arrabales.
¿Quién no recuerda un baile de burdel
“El apagón”, “La gorda”, “Dionisio Modernel”?
Desde el club Uruguay una escapada
Un beso robado, allá en el Caixeral
Se convertía en amores en el Comercial
Al fin del carnaval estaba embarazada.
(p.23) 30
Pagano en mis costumbres y sin credos
Tuve el ángel más bueno que existiera
Por mí rezaba, sin que se lo pidiera
Conocía mis peligros, mis enredos.
31
Decíme un animal, del burro al oso
Cuyo nombre con a comienza
Para que sea más fácil, es una bestia inmensa
342
32
El pan sabroso, más rico que comí,
De harina parda, olorosa y salada
Era el pan que comía la brigada
Hecho en los hornos a leña de Don Drí
33
La salida de trenes. La llegada
Solidarios los hombres de Rivera
Los camiones de piedra. La cantera
A barrenos partida y desgranada.
34
Recuerdo al coronel de la estación
Precipitado en gestos y discursos
Dirigiendo el ejército y recursos
Convirtiendo el caos en reconstrucción.
(p.26) 35
Duro, sectario, sobrehumano
Nicómano en mi griego pensamiento
De la república, Rivera y Livramento
Me ayudaste a no ser un puritano.
36
Los gustos del azúcar y las frutas
Del cacao y la nata son las trufas
El gluten se levanta en las estufas
Los hornos y las artes y batutas.
37
Ni vieja ni muchacha, mi madrina
No hubieron hombres en su piel de seda
Corría por el patio o la vereda
Como una mariposa danzarina.
39
Pocos hombres he visto tan valientes
Si otros se divertían, él estaba contento
Su nombre no lo sé, lo llamaban Momento
Era negro, era feo, era demente.
(p.29) 40
En busca del milagro, por las vías
Llegaban en los trenes de ilusiones
Ocupaban hoteles y pensiones
Buscando al químico Federico Díaz.
41
Milonga del loco Sena.
Se meten con mi memoria
que se antoja lejana
Les voy a contar la historia
que recordé esta mañana.
Me gustaría saber
Que mi amigo, el loco Sena
Sigue con buena salud
Y que ya no tiene penas.
42
A la línea llegaron los marcianos
Una mañana en plena primavera
Eso sólo pudo pasar allá en Rivera.
Se lo creyeron hasta los ancianos
43
En los bailes de Dija, en la cocina
Una mujer espléndida alta y gruesa
Hacía los gustos, como una francesa,
346
(p.32) 44
A todas las señoras de la noche
Muertas en el olvido. Vieja o niña
A todas ellas recuerdo en la Santiña.
Recibiendo agresiones y reproches.
46
No todo el mundo tiene
La suerte de haber vivido aquí
En este valle alfombra
De helechos y crestas y ventanas
De frutas y morenas y mañanas
Alegres y serenas, Rivelí.
(p. 34) 47
Gracias memoria
Que descansen mis muertos
MARÍN, Mirtha Garat de; ALVEZ, Delia Cazarré de. La mirada del Tiempo.
Montevidéu: Asociación de Literatura Femenina Hispánica, 1991. 197 p.
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349
13) (p.141 e ss) Coloca a defesa do espanhol como uma luta política:
El D.P.U. (Dialecto Portugués Español) ocupó y ocupa a lingüistas,
académicos de letras, docentes.
Existen estudios y propuestas que señalan orientaciones para
enfrentar la complexa realidad del habla fronteriza
El idioma nacional es nuestro acervo social. Significa tradición,
historia, identidad, la expresión más rigurosa de soberanía.
*
Es el vehículo masivo de comunicación y de cultura . Refleja una
concepción del mundo y sus valores; un modo de ser, de sentir y de vivir,
ligado al origen metafísico de nuestra comunidad espiritual”.
De ahí, la imperiosa necesidad de salvaguardarlo. De promover y
expandir por todas las vías imaginables, el uso culto del español regional.
De propiciar una toma de conciencia a nivel individual y colectivo, partiendo
de una cuidada enseñanza de la lengua (...).
-----------
14) (p.145) O artigo da lingüista Graciela Elisedo, inserido no livro supra, trata do
falar em Rivera e desenha cenários futuros.
En efecto: de acuerdo con los datos con que contamos, se ha
desarrollado en RIVERA una forma oral “de contacto”, con marcada
preponderancia del portugués. Dicha preponderancia sólo puede ser
resultado, como dijimos, de factores extra lingüísticos, entre los que se
habría que considerar como relevantes en este caso, una mayoría
demográfica, sumada a una hegemonía económica (fuentes de trabajo,
comercios, medios de comunicación de masas, etc.) del Brasil.
Ahora bien: se puede hacer una proyección teórica a respecto de
tal estado de cosas, y sintetizarla, según nuestro interés, en dos
posibilidades fundamentales.
1) La forma oral de contacto deviene dialecto propiamente dicho
(lengua independiente); y en la medida en que se instale como lengua
materna de ciertas capas sociales – es decir como medio privilegiado de
comunicación y reproducción social de determinados grupos – se
transforma en una nueva lengua “criolla” (créole), y tiende a reemplazar,
progresivamente, a las dos lenguas impuestas en la comunidad bilingüe en
cuestión. Toda lengua en estas condiciones, es, por supuesto, susceptible
de extenderse, desarrollarse, enriquecerse, y pasar a todas las capas
sociales de la comunidad, transformándola en unilingüe.
2) La hegemonía socio-cultural y económica de la lengua
portuguesa se traduce en una “infiltración” cultural y por ende lingüística,
inevitable e irreversible. Desde este punto de vista, la lengua portuguesa
puede reemplazar al dialecto “de contacto” e incluso al español, en la zona,
ampliando simplemente su área de dominación.
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Es muy clara esta RECOMENDACIÓN LINGÜÍSTICA: para un lingüista la lengua es ante todo un
medio de comunicación, una herramienta (que puede servir aunque se le haya saltado la pintura o
esté oxidada), que tiene una función determinada. Si esta función no está clara, la herramienta pierde
vigencia. En el caso del español es necesario que aparezca para los riverenses como el ÚNICO
MEDIO DE COMUNICAR CON OTROS (los demás uruguayos por ejemplo; o los hispanohablantes
de cotidiana afluencia a ese lugar).[n.no original].
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15) (p.5)
“LA FRONTERA DE LA PAZ”
Rivera
Linda frontera
Para vivir
Soy uruguayo
que no me “cayo”
Y con “el bagayo”
He de subsistir.
Nesse poema o poeta popular Chito de Mello exemplifica tanto o portunhol quanto o senso
comum fronteiriço, onde a diferença social aparece como mais relevante que a nacional e o
contrabando como prática comum a todas classes sociais. Além disso, em “La Frontera de la Paz”,
questiona-se o sentido dessa expressão um pouco piegas ou grandiloqüente.
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16) (p.15)
“ROMPIDIOMA”
A Jony de Mello
Me han criticado
En varios “lado”
Porque he cantado
“Abrasileráo”
Que’s “erejía”
Pronunciar “sía”
O que’n Bahia
Fuí “batizáo”
Querido hermano
Montevideano
No soy “bayano”
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“Tás engañáo”
Soy de Rivera
De la Frontera
Donde cualquiera
Habla entreveráo
Soy fronterizo
Medio mestizo
“Sin compromiso”
Desde gurí
Tengo “mi doma”
No canto “en broma”
Soy “rompidioma”
Y “no toy ni aí”
Si dices: “jónca”,
“Talónpa, “bronca”
Y andas “en miónca”
De “sol a sol”
No hallo, “defeto”
Que algún sujeto
Diga: “epitétos”
En portuñol
Yo canto a todo
El que “de algún modo”
“Codo con codo”
Sabe luchar
Canto al obrero
Que’l año entero
Por “el puchero”
Va a trabajar
Déste lugar
De “tanto en tanto”
Mi voz “levanto”
Con este canto
De integración
Buen “cashacero”
Y “bagayero”
De “profesión”
Nesses versos, Chito de Mello usa freqüentemente o alberre, a inversão da ordem das
sílabas (alberre = al revés); várias expressões do portunhol são empregadas para dar o efeito da
linguagem fronteiriça. A ela associa-se a negação de um abrasileiramento, acusação atribuída ao
centro cultural e político, Montevidéu. Da mesma forma, assume um internacionalismo, a defesa do
trabalhador e dos “vagabundo” (“guitarreiro, cachaceiro e contrabandista “profissional”). O estilo
mostra sua hesitação no emprego excessivo de aspas.
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17) (p.19)
NÁUN VÉIN QUE NÁUN TÉIN
A “Betito Araújo
Muchos me dicen que yo soy “bayano”
Por “ese yeito” tan particular
De hablar que tengo, “aguántate” hermano
Que’n pocas “palavra”, te voy a esplicar.
Esses versos cansam por sua excessiva pontuação, mas são dignos de nota
pela reivindicação da nacionalidade uruguaia, com liberdade de contrabando. Chito
de Mello, em sua prática rompidioma, mistura maiúsculas e minúsculas, introduz o
“sh” na língua portuguesa, troca b por v – como um hispanohablante – e não
concorda em número artigos e substantivos.
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19) (p.37)
EL INDIO SILVA – EL INDIO DE YAPEYÚ
Como todo pueblo de frontera, el comercio internacional era muy
fluido y por lo tanto, era visitado por gente de variadas clases, mansas y
peligrosas, que llegaban a Yapeyú con el propósito de comerciar, pero
como casi todos los viajeros andaban “calzados” con una “cuarenta y
trapo”, porque llevaban plata encima, se armaba cada trifulca con las
autoridades, de Dios y Maria Santísima.
Las mercaderías arribaban siempre por el río, en gigantescas balsas
de 40 ó 50 metros de largo. También lo hacían por chalanas, botes y toda
clase de embarcaciones, generalmente guiadas por brasileños de torsos
desnudos, bombachas gauchas y chancletas. Los negocios se realizaban
cara a cara y sin papel, a la vera del río. Todo de palabra, “meta y
ponga”.(...)
(p.38) “Fue dueño de dos animales muy especiales; de una yegua,
que cuando tenía hambre, pasaba a nado el Río Uruguay para comer
pastos en San Marcos, Brasil, y de un perro, que entendía solo el idioma
portugués. Si lo llamaban en castellano, no hacía caso.
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20) (p.45)
ERNESTINA ARANDA – DE PROFESIÓN “BOLICHERA”
Doña Ernestina, es una antigua vecina de Paso de los Libres, que en
su juventud, tuvo que tirar su vergüenza a la calle y caminar por ella, para
conseguir el pan que alimente sus hijos.
Comenzó comprando harina, grasa, aceite y jabón, para ir a vender a
Uruguayana. Pero primero había que pasar la frontera y el río Uruguay, para
después conseguir el cliente en Brasil, cosa que no era nada sencillo.
Además había que luchar contra otros elementos como: la lluvia, el calor y el
frío.
El primero problema a superar, era la aduana; después aparecía otro
escollo; donde vender la mercadería “exportada”, y antes que llegue la
noche. Entonces no quedaba otra, que salir a ofrecer los productos puerta
por puerta por todo el pueblo de Uruguayana, con el peligro cierto que algún
brasilero la asaltare y la dejare sin nada.
Pero allí no terminaba la operación, después de comerciar los
productos argentinos en Uruguayana, con esa misma plata había que
comprar los productos brasileños, como el azúcar, la carne y el café, para
traer a vender en Paso de los Libres.
Todo ese trámite, llevaba la mayor parte del día, y para que “La
Calesita” le dejara la ganancia suficiente, era necesario hacer la vuelta
completa. Entonces, otro elemento importante entraba a tallar en el camino
de las “bolicheras”; la noche.
355
Y la noche siempre era peligrosa, mas cuando había que “gatear” por
el paso, mojándose en el rocío, donde se podía apretar con la mano una
víbora o una araña.
A veces había días que “la guardia estaba linda”. En la jerga
“bolichera”, significaba que la revisación era “bastante liviana”, en-
(p.46) tonces se podía llegar a realizar tres o cuatro viajes entre el amanecer
y el atardecer.
Las “bolicheras” o “pasadoras”, eran una casta de ciudadanas que se
sentían discriminadas, por el hecho de realizar el contrabando “hormiga” y su
delito consistía en no pagar impuestos, para que le quede “algo de plata”
para poder dar algo de comer a sus hijos. Lo extraño era que, os que las
discriminaban, eran las mismas personas que le compraban las mercaderías
por las que ellas eran infractoras.
Doña Ernestina, fue una de esas sacrificadas mujeres “bolicheras”,
que ejercían esa tarea, empujadas por la necesidad. Por otra parte, era una
actividad muy dura, dado que se pasaban la jornada entera disparando con
sus pesadas cargas por las dos orillas del Río Uruguay. La brasilera y la
argentina.
Siempre con los nervios de punta, siempre expectante, esas mujeres
“bolicheras” se pasaban esperando un descuido de las autoridades, para
“colarse” o escaparse del control. Ya sea bajo la lluvia o bajo el sol y con
hambre mordiéndole la panza, porque casi nunca tenían tiempo suficiente
para comer.
El ingenio, en algún momento, era necesario tener; la audacia, en
todo momento. Algunas mercaderías eran más fáciles de disimular, como la
harina, que adoptaba la forma del cuerpo. Otras, en cambio, eran envasadas
en francos de vidrio como el Nescafé, eran mucho más incómodas para
transportar. Doña Ernestina y sus compañeras, usaban amplios calzones
confeccionados con bolsas de harina o azúcar, con muchos bolsillos, donde
acondicionaban una cantidad importante de mercaderias. Todo disimulado
bajo enormes polleras acampanadas.
Muchas veces eran rechazadas al ingresar y con todo ese
cargamento volvían hasta la orilla donde empezaba el Puente Internacional,
para descolgarse a la playa, desde una altura de varios metros, e intentar
entrar en la ciudad por la Laguna Mansa o el Parque de Vialidad.
Si las sorprendía la noche, chapaleaban barro bordeando el monte y
el río, y a veces, conseguían entrar a Libres por atrás de la Radio LT-12,
cuando estaba en el lugar que hoy ocupa la Terminal de Ómnibus.
La “bolichera”, es una figura que hoy casi ya no existe. Doña
Ernestina Aranda, está retirada de esa actividad, pero fue una mujer que se
sintió discriminada por practicar el “contrabando hormiga”. Pero ¿quién
discrimina al que practica el “contrabando elefante”?..
Ahora yo pregunto, ¿el que compra a una “bolichera” que hace
“contrabando hormiga”, no es solidariamente responsable?..
El que nunca endulzó con azúcar brasileña, que tire la primera
piedra.
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23) (p.87)
LOS “PESCADITOS” – UNA FAMILIA DE LA ORILLA DEL ARROYO
YATAY
Los “Pescaditos”, fue el nombre que se le dio a una numerosa familia
de color de Paso de los Libres, que vivó, se multiplicó y desarrolló su
actividad, en las orillas del arroyo Yatay.” Vieram para Libres na
expectativa de trabalho farto ligado à construção da Ponte Internacional.
Allí, algunos de ellos, tuvieron la posibilidad de ganarse la vida,
como aguateros, una figura ya desaparecida, que antiguamente, recorría
todas las grandes construcciones, con un balde de agua y un jarro de
aluminio, para dar de beber a los obreros. (...)
Terminado el puente, “los Pescaditos” se trasladaron al borde del
arroyo Yatay y empezaron a levantar sus casitas de paja y barro, formando
un pequeño villorrio. Se dedicaron a la caza y la pesca para subsistir y ya
nunca más abandonaron esos lugares, ni esa manera de hacerse la
comida de todos los días. En alguna oportunidad, los hombres fabricaron
ladrillos y las mujeres, hicieron de “bolicheras”, pero eso nunca fue su
fuerte.
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24) (p.133)
MARCOS GREGORIO MURILLO – ADUANERO – EL TERROR DE LOS
“PASADORES”
Cuentan os viejos habitantes del pueblo, que Marcos Gregorio Murillo,
fue un agente aduanero, que dejó su marca en a historia de Paso de los
Libres y hoy es considerado un verdadero personaje.
Llegó a nuestro pueblo procedente de Gualeguaychú, integrando el
cuerpo de guardacostas (policía aduanera), cuando el Puente Internacional
aún no existía.
En el lugar, que en la actualidad está Prefectura, funcionaba el
puerto. La aduana, desarrollaba su actividad, en una casilla de madera que
estaba plantada en la curva del paredón, cerca de un centenario árbol de
mora blanca, que brindaba sombra a los que allí trabajaban. El Río de los
Pájaros, era la ruta azul de las distintas jangadas de tablones y rollizos, que
llegaban a la desembocadura del Arroyo Yatay, donde los aduaneros
verificaban, y los camiones de Juan Antonio Danuzzo y el “Nene” Niveyro,
acarreaban para el aserradero de Osvaldo Padoan.
El guardacostas Murillo, recorría la zona a caballo persiguiendo
contrabandistas y luciendo su uniforme marrón terroso, que se componía
de: gorra con visera, chaquetilla, brech (pantalón ajustado, como los que
usaban los policías de Canadá), botas negras de caña alta y polainas
grises.
Cuando se inauguró el Puente Internaciona, Marcos Gregorio
Murillo pasó a integrar el cuerpo de aduaneros que operaba bajo el alero,
por donde pasaban como hormigas, los vecinos de Libres y
(p.134) Uruguayana. En ese lugar, este agente del estado, empezó a escribir su
propia historia, con hechos que lo llevó a convertirse en una figura
destacada, que aún muchos libreños recuerdan.
Siempre manifestó que para él, no existía “hijos ni entenados”, y
hay quienes aseguran que no tenía amigos; apenas conocidos o
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25)
Vai o barco de farinha
cruzando o velho Uruguai.
Vaqueano dessas cruzadas
vem na popa um índio moço
manejando o varejão.
Já no mais o tiroteio
se acendeu no macegal,
pipocando seco e feio
Mala suerte!
O barco vinha chegando,
e a cargo do contrabando
com mais dez braças de rio,
tinha subido a picada,
da picada pra carreta,
e daí pro caminhão.
Veio um dia,
mais um dia,
veio outro dia depois
Ao pé de uma lamparina
vela em silencio uma china
que de chorar se cansou.
Choraminga! Choraminga!
... porque o pai não trouxe o bico,
e o que tinha se extraviou ...
26)
Hay un camino en mi tierra
del pobre que va por pan,
camino de los quileros
por la sierra de Aceguá.
Tal vez, sin ser tan baqueano
cualquiera lo ha de encontrar,
pues tiene el pecho de piedra
pero el corazón de pan.
Barriguita de melón
Donde hay tanta vaca gorda
No hay ni charque para vos.
Tu bisabuelo hizo patria,
tu abuelo fue servidor,
tu padre carneó una oveja
y está preso por ladrón.