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Candidato: Vagner José de Carvalho

SINGULARIDADE NA ARTE CONTEMPORÂNEA


SEGUNDO O PENSAMENTO DE NIETZSCHE

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-


Graduação em Filosofia da Universidade Estadual
de Londrina – UEL.

Profº José Fernandes Weber

Linha de Pesquisa: Subjetividade e


Contemporaneidade.

Londrina
2010
Desde a origem da filosofia pensou-se a arte. Prova disto são os escritos
do Platão, a poética do Aristóteles, muitos dos grandes pensadores, desde a
antiguidade, escreveram sobre a arte. A questão que ronda nosso pensamento é por
que somente no século XVIII surge a disciplina Estética? O primeiro passo foi dado
por Foucault ao nos mostrar em As Palavras e as Coisas que somente no século
dezoito surgem as disciplinas como nós as concebemos hoje. Mas, o que de mais
fundamental esta presente na constituição da estética como disciplina filosófica? Ou
porque os antigos e medievais não possuíam estética?

Constata-se que a condição para se constituir uma estética, primeiro é


que, deve haver a autonomia do belo, e, segundo, o estabelecimento de um sujeito
constituído de um gosto, e que assim ele próprio seja fundamento para os juízos
sobre a beleza ou não de um objeto.

Desta forma institui-se uma necessidade subseqüente que é: deve-se


criar uma teoria da universalidade do juízo de gosto. E isso, só foi possível surgir na
modernidade quando se destacou do conjunto das teorias, a atividade que é
fundamento de si própria, o sujeito. Então antes da existência do sujeito como
entidade autônoma, o próprio belo não pode se tornar autônomo e o próprio
problema do gosto e do juízo de gosto não tem autonomia.

A beleza na antiguidade, ou na Idade Média, não tem autonomia. Assim,


ela é totalmente devedora da teoria da justiça, da verdade e do bem. Na verdade
não existe uma teoria da beleza e dos objetos sensíveis em Platão. A beleza que
esta presente no objeto sensível é mera aparência de algo mais fundamental.

Diferentemente da antiguidade e da idade média que não havia, não se


concedia a autonomia ao belo e a beleza, seja, a beleza sempre era devedora de
um discurso e de uma teoria de um discurso que remetia a algo distinto dela própria
a modernidade ela institui uma possibilidade do belo do sensível e da objetividade
das discussões sobre a beleza, e se institui a figura do sujeito como fundamento de
certeza. No século XVII e XVIII encontram-se duas teorias antagônicas que, no
entanto, apesar das diferenças apresentam certa aderência a esse modo moderno
de perceber. São elas as teorias: do racionalismo e do empirismo. O racionalismo
estético que incorporou as lições da filosofia do Descartes que submete todo ato
criativo a uma aderência as regras, e as regras que se encontram na obra de arte,
são como uma aplicação, na arte em geral, daquilo que Descartes preconiza no
Discurso do Método. Uma segunda faceta parece totalmente contraria a essa, mas é
solidaria, que é aquela desenvolvida por uma espécie de sentimentalismo que segue
a filosofia do Pascal e pelo empirismo inglês que fala do sentimento ou da
delicadeza.

Para Kant, ainda que por motivos divergentes o racionalismo clássico e o


empirismo sensualista apresentam o mesmo defeito, a saber, ambos levam a
fundamentar o “senso comum”, que se cria em torno do objeto belo, de maneira tal
que a subjetividade se vê, por assim dizer, coisificada e, por isso mesmo, negada.

Assim, nos clássicos, a personalidade peculiar do autor de um juízo de


gosto dissolve-se numa razão universal que se comporta de maneira dogmática para
com o particular. Já nos empiristas, a particularidade dos sujeitos parece estar, num
primeiro momento, preservada, porém, a intersubjetividade acha-se ao final
restringida a um principio puramente material, a idéia de uma estrutura psíquica e
orgânica comum a uma espécie de indivíduos. A partir de então, a experiência
estética não exige mais nada que seja especificamente humano, o Belo se torna
apenas uma variedade do agradável e a arte culinária o modelo da estética em
geral.

Com a antinomia do gosto Kant levanta seguinte questão: como sustentar


a idéia de uma possível universalidade do gosto sem que o principio desse senso
comum seja negador da subjetividade concebida num sentido não metafísico? Ou
seja: como pensar a intersubjetividade estética sem fundamentá-la nem numa razão
dogmática, nem numa estrutura psicofisiológica empírica? E contrariamente: como
manter a especificidade absoluta do gosto sem ceder a fórmula: “cada um tem seu
gosto” e desta maneira destruir a pretensão à universalidade na ausência da qual a
mera discussão estética perderia todo significado?

Tanto o racionalismo e o empirismo baseiam-se numa concepção


reificadora da subjetividade. Ambos pensam o cogito de maneira monádica, como
uma coisa voltada para si mesma – e por isso são levados, num primeiro momento,
a uma teoria filosófica idealista tendo de recorrer à idéia de uma harmonia
preestabelecida para resolver o problema da intersubjetivade. Trata-se de revogar a
lógica dessa solução pela ativação de um pensamento original do sujeito, que em
Kant leva o nome de Reflexão e que já se encontra implicado na distinção entre
juízo determinante e juízo reflexionante. Toda a teoria estética desenvolvida na
terceira Crítica se baseia nesta distinção:

“ A faculdade de julgar em geral é a faculdade que consiste em pensar o


particular como compreendido no universal. Se o universal (a regra, o princípio, a lei)
é dado, então a faculdade de julgar, que subsume o particular ao universal, é
determinante /.../. Se é dado só o particular e se a faculdade de julgar deve
encontrar o universal ( que lhe corresponde), ela é simplesmente reflexionante” ¹

Com a simples distinção entre Juízo de conhecimento (juízo


determinante), e o juízo de gosto (juízo reflexionante), Kant se situa no oposto do
classicismo racionalista, que confunde juízo estético e juízo de conhecimento.

¹ E.Kant, Crítica da Faculdade de Julgar, Introdução, IV.

Para Kant é impossível o estabelecimento de uma “arte poética” que


venha a ser uma verdadeira ciência de produção do Belo. Logo, é a noção de
reflexão que se deve destacar, já que nela se situa claramente a originalidade da
posição kantiana.

Assim inversamente ao que afirma o racionalismo clássico, o juízo de


gosto não se fundamenta em conceitos (regras) determinados: portanto, torna-se
impossível “disputar” acerca dele como se se tretasse de um juízo de conhecimento
cientifico. No entanto, ele não se limita a remeter a pura subjetividade empírica do
sentimento, porque se baseia na presença de um objeto que, se é belo, desperta
uma idéia necessária da razão que é, enquanto tal, comum à humanidade.

A presente tentativa de estabelecer uma relação entre Kant e Nietzsche é


cautelosa, pois a produção teórica destes autores é separada por muitos anos. A
estratégia escolhida é a de compreender as idéias de Nietzsche à luz da tradição
metafísica presente na Alemanha na primeira metade do século XIX. Nietzsche não
responde a Kant em sentido próprio, mas tomo-o como representante de uma certa
vertente do pensamento estético alemão do século XIX.
Dos pensadores modernos Kant é um dos poucos que Nietzsche
apresenta de modo positivo. Entre aqueles que contribuíram para expor os limites da
ciência, Kant é citado ao lado de Schopenhauer.

“ Lembremo-nos em seguida como, por meio de Kant e Schopenhauer, o


espírito da filosofia alemã, manando de fontes idênticas, viu-se possibilitado a
destruir o satisfeito prazer de existir do socratismo científico, pela demonstração de
seus limites, e como através dessa demonstração se introduziu um modo
infinitamente mais profundo e sério de considerar as questões éticas e a arte.” ²

Um tema constante em Nietzsche será o tratamento que da a dialética


como não estética e antitrágica.

“Com Sócrates, o paladar grego transforma-se em favor da dialética: o


que acontece aí propriamente? Acima de tudo é um gosto nobre que cai por terra. A
plebe ascende com a dialética. Antes de Sócrates, recusavam-se as maneiras
dialéticas na boa sociedade: elas valiam como más maneiras, elas eram
comprometedoras. Se advertia a juventude contra elas. Também se desconfiava de
todo aquele que apresentava suas razões de um tal modo. As coisas honestas, tal
como as pessoas honestas, não servem suas razões assim com as mãos. É
indecoroso mostrar os cinco dedos. O que precisa ser inicialmente provado tem
pouco valor. Onde quer que a autoridade ainda pertença aos bons costumes, onde
quer que não se "fundamente", mas sim ordene, o dialético aparece
como uma espécie de palhaço: ri-se dele, mas não se o leva a sério. - Sócrates foi o
palhaço que se fez levar a sério”. ³

² F.Nietzsche, O Nascimento da Tragédia, §19 p.119.

³ F.Nietzsche, Crepúsculo dos Ídolos, O Caso Sócrates, §5.

De certa forma este princípio em Nietzsche da negação dialética é


análoga àquela que Kant mantém com o racionalismo clássico. Ainda que os
caminhos, vez por outra, sejam muito diferentes, trata-se de conquistar ou
reconquistar a autonomia da sensibilidade.

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