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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO


INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FRANCISCA EDILZA BARBOSA DE ANDRADE CARVALHO

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA


COMUNIDADE BAIXIO - Barra do Bugres/MT: avanços e
desafios

CUIABÁ-MT
2016
2

FRANCISCA EDILZA BARBOSA DE ANDRADE CARVALHO

EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NA COMUNIDADE


BAIXIO - Barra do Bugres/MT: avanços e desafios

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado


em Educação da Universidade Federal de Mato
Grosso, como requisito para obtenção do título de
Mestre em Educação, na Área de Concentração:
Educação, Linha de Pesquisa: Movimentos Sociais,
Política e Educação Popular.

Orientadora: Profa. Dra. Suely Dulce de Castilho.

Cuiabá-MT
2016
3
4
5

LISTA DE FIGURAS

Ilustração 01: Rota Cuiabá/Vão Grande ............................................................................ 46


Ilustração 02: Ponte Cuiabá/Várzea Grande....................................................................... 47
Ilustração 03: Jangada.................................................................................................. 47
Ilustração 04: Entrada do Território Vão Grande..................................................... 50
Ilustração 05: Estrada para Vão Grande.................................................................... 50
Ilustração 06: Estrada alagada ................................................................................... 50
Ilustração 07: Atoleiro na estrada................................................................................ 50
Ilustração 08: Ipê Amarelo........................................................................................... 52
Ilustração 09: Flores...................................................................................................... 52
Ilustração 10: Cemitério das Comunidades Baixio, Morro Redondo e
Camarinha...................................................................................................................... 53
Ilustração 11: Casas da Comunidade.......................................................................... 55
Ilustração 12: Casa da comunidade............................................................................. 55
Ilustração 13: Casas da Comunidade.......................................................................... 56
Ilustração 14: Igreja da comunidade........................................................................... 56
Ilustração 15: Campo de Futebol................................................................................. 57
Ilustração 16: Antiga Escola......................................................................................... 57
Ilustração 17: Casa Dinalva.......................................................................................... 59
Ilustração 18: Casa Beira da Estrada.......................................................................... 59
Ilustração 19: Casa Tradicional................................................................................... 62
Ilustração 20: Igreja Católica....................................................................................... 62
Ilustração 21: Posto de saúde....................................................................................... 62
Ilustração 22: Escola antiga.......................................................................................... 63
Ilustração 23: Escola em construção............................................................................ 63
Ilustração 24: Rio Jauquara......................................................................................... 65
Ilustração 25: Rio Jauquara......................................................................................... 65
Ilustração 26: Rio Jauquara......................................................................................... 65
Ilustração 27: Caminho da escola................................................................................ 66
Ilustração 28: Entrando na mata................................................................................. 66
Ilustração 29: Trilho na mata...................................................................................... 66
Ilustração 30: Barranca do rio..................................................................................... 66
Ilustração 31: Bote para travessia...................................................................................... 66
Ilustração 32: Ônibus escolar............................................................................................ 66
Ilustração 33: Casa Vaca Morta.................................................................................. 69
Ilustração 34: Centro desportivo................................................................................. 69
Ilustração 35: Igreja Católica....................................................................................... 69
Ilustração 36: E. M. Leopoldino José da Silva....................................................................... 70
Ilustração 37: Barracão das Mulheres........................................................................ 70
Ilustração 38: Cemitério Vaca Morta e Retiro...................................................................... 71
Ilustração 39: Árvore Genealógica - Família Silva Velho......................................... 74
Ilustração 40: Árvore Genealógica - Família Manoel Veríssimo e Ana Paes ......... 80
Ilustração 41: Árvore Genealógica - Família Sabino Maciel e Serafina Maria da 81
Cruz....................................................................................................
Ilustração42: Árvore Genealógica - Famílias Manoel Veríssimo e Sabino 82
Maciel.................................................................................................
Ilustração 43: Escola de Palha...................................................................................... 95
Ilustração 44: Instalação Elétrica ............................................................................... 98
Ilustração 45: Água para banheiro.............................................................................. 98
Ilustração 46: Bebedouros............................................................................................ 98
Ilustração 47: Cozinha Velha....................................................................................... 98
Ilustração 48: Inicio da quadra esportiva................................................................... 98
Ilustracao 49: Instalaçao eletrica................................................................................. 98
6

Ilustração 50: Aparelho de som.................................................................................... 99


Ilustração 51: Sala dos Educadores............................................................................. 99
Ilustração 52: Decoração.............................................................................................. 99
Ilustração 53: Educação Infantil.................................................................................. 101
Ilustração 54: Projeto de Artes Visuais....................................................................... 124
Ilustração 55: Projeto Artes Visuais............................................................................ 124
Ilustração 56: Arrancando mandioca.......................................................................... 125
Ilustração 57: Plantando mandioca............................................................................. 125
Ilustração 58: Descascando mandiocas....................................................................... 126
Ilustração 59: Cuidados com a mandioca................................................................... 126
Ilustração 60: Peneiras................................................................................................. 130
Ilustração 61: Pinturas em telhas................................................................................ 130
Ilustração 62: Pote pintado.......................................................................................... 130
Ilustração 63: Educandas 6º e 7º ano.......................................................................... 137
7

LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Panorama das pesquisas por região/instituição 1995/2014....................... 23


Tabela2: Comunidades quilombolas por região......................................................... 24
Tabela 3: Comunidades quilombolas pesquisadas por região.................................. 25
Tabela 4: Comunidades pesquisadas: local e quantidade.......................................... 26
Tabela 5: Quadro geral de comunidades quilombolas............................................... 27
Tabela 6: Quadro geral dos entrevistados................................................................... 40
Tabela 7: Desigualdades entre Brancos, Pardos e Negros......................................... 49
Tabela 10: Número de matrículas em escolas localizadas em comunidades de 88
quilombos 2007/2013.....................................................................................................
Tabela 9: Escolas quilombolas de Barra do Bugres................................................... 89
Tabela 10: Organização das turmas multiserriadas da Escola José Mariano
Bento............................................................................................................................... 120
8

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Temáticas mais recorrentes: Teses e Dissertações/1995/2015................. 25

Gráfico 2: Formação inicial de graduação.................................................................. 105

Gráfico 3: Nível de scolaridade.................................................................................... 105

Gráfico 4: Ensino Superior........................................................................................... 106

Gráfico 5: Tempo de Trabalho.................................................................................... 107


9

LISTA DE SIGLAS

ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias


BVE Brasil Vagas Executivas
CAPES Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
CDCE Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar
CEFAPRO Centro de Formação de Professores
CEJA Centro de Educação de Jovens e Adultos.
CNE O Conselho Nacional de Educação
CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica
CONAE Conferência Nacional de Educação
CONAQ Comissão Nacional de Articulação dos Quilombos
CONAPIR Conferência Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial
DOEMT Diário Oficial do Estado do Mato Grosso
EJA Educação de Jovens e Adultos
GPMSE. Grupo de Pesquisa Movimentos Sociais e Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Incra Instituto de Colonização e Reforma Agrária
INEP Instituto Nacional de Ensino e Pesquisa.
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa
MST Movimento Sem Terra
MT Mato Grosso
NEED Núcleo de Educação e Diversidade
NTERMAT Instituto de Terras do Mato Grosso
PMEBB Plano Municipal de Educação de Barra do Bugre
PPP Projeto Político Pedagógico
PPP/JMB Projeto Político Pedagógico da Escola José Mariano Bento
PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação.
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
SCIELO Scientific Electronic Library Online.
SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão
SEDUC Secretaria de Educação
SEPPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SEPPIR Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMT Universidade Federal de Mato Grosso
UNB Universidade de Brasília
UNEMAT Universidade Estadual de Mato Grosso
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
10

DEDICATÓRIA

Ao Espirito Santo de Deus, meu amigo!


Aos moradores do Território Quilombola Vão Grande.
A Luiz Vitorino de Andrade (in memoriam), painho,
paizinho, papai, meu pai.
Quando as coisas não vão bem, e a desesperança quer
fazer morada em mim, revisito seu colo, sinto suas mãos
pesadas, deslizando por sobre meus cabelos. Em meio a dor,
ouço a mansidão da sua voz ecoando em meu ser: “isso é jogo
da vida, filha, é jogo da vida”. Choro. Mas suas doces palavras
tornam a insistir. Então levanto e vou lutar de novo.
Bem sei, que não mais nos veremos, neste mundo físico,
mas sigo acreditando, que um dia desses, nos reencontraremos
em um lugar, onde não há tristeza ou dor.
11

Grata sou...
Ao Deus da minha vida: Obrigada Painho, por “Me fazer este milagre, e
ressuscitar os meus sonhos1...” Ao meu amigo, Espírito Santo, por me ajudar a voltar,
para à escrita deste texto, após a despedida física de meu amado paizinho “me ajudando
a usar as palavras, quando só Deus sabe a dor que eu estava sentindo”.2
A minha orientadora, Suely Dulce de Castilho, uma linda mulher, em cuja face
há sempre um sorriso. E “já que você me sorriu... Me deu a mão... Vamos Simbora...”3
Grata sou, pela generosidade, pelo cuidado, pelo carinho, pela correção, pela palavra e
pelo silêncio... Pela orientação. Enfim, lhe rendo minha gratidão, por me receber!
Nenhuma palavra seria capaz de descrever o que este “receber” simboliza em minha
história! Obrigada mocinha bonita!
Ao povo do Território quilombola Vão Grande, moradores das comunidades
quilombolas Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca Morta, em especial, aos
Guardiões da Memória, por carinhosamente me acolherem e partilharem comigo seus
sonhos, seus anseios, aflições, cantos e encantos.
Aos educadores e educadoras4 da Escola Estadual José Mariano Bento: Maria
Helena Dias, Lucimara Evangelista, Dinalva Campos, Marli Bento, Benedito, Joacil,
Neide Bento, Maria Lourença, Maria da Glória, Benedito Bento, João Batista, Evanice
Tereza, Seila, Lucia Helena, Eliene, Madalena, Tefferson, Leila, Marcia e Antônio, por
todo o carinho e cuidado a mim dedicado em todo o tempo.
Aos educadores e educadoras, avaliadores desta pesquisa: Alípio Márcio Dias
Casali, Maria da Anunciação Barros Neta e Rosecléia Ramos, pelos apontamentos, que
muito contribuiu para a presente pesquisa. Todo o meu carinho por terem “interesse em
participar... E se prontificar para ensinar5...”.
A todos os educadores e educadoras do Programa de Pós-Graduação em
Educação/UFMT, pelos quais guardo profundo carinho e admiração, em especial Luiza,
Mariza e Marcos, por toda gentileza. E ao Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e
Educação/GPMSE pela oportunidade, em especial, a Luiz Augusto Passos, por se fazer
inspiração na minha jornada, a Cândida Soares por me encantar com novos saberes,
Celso Luiz Prudente, pela indicação de leituras, pelas portas que elas abriram em minha
vida, a Cleomar Gomes, pela alegria presente em suas aulas!
Aos amigos do Mestrado em Educação, que fizeram desta jornada, uma alegre
caminhada, entre outros: Ana Tereza, Aurea Gardeni, Bruna Oliveira, Cândida
Cespedes, Cleonice Perotoni, Edilaine Ferreira, Eduardo Freire, Elen Prates, Erika
Pizapio, Eulália Ferreira, Everton, Gilson Soares, Heloneide Alcantara, Itamar Porto,
Jane Medeiros, Juscimar, keila Oliveira, Luciano Pereira, Márcio Cavichiolli, Mauricio

1
Inspirado na canção: “Ressuscita-me” de Aline Barros.
2
Inspirado na canção: “Espírito Santo” de Fernand Brum.
3
Inspirado na canção: “Pra vida continuar” de José Pinto.
4
Cabe esclarecer, que este texto, compreende “educador” como todo aquele que atua nas instituições
escolares, os que lecionam, os que cozinham, os que limpam, os que ‘guardam’ o prédio escolar, os que
atendem na biblioteca, no laboratório, na articulação, na secretaria... Enfim, todo aquele que se dedica à
tarefa de “educar”.
5
Inspirado na canção: “Sempre é tempo de aprender” de José Pinto.
12

Vieira, Roseli Nunes, Sebastião, Severiá Xavante, Silmara Andrade, Soraia Maciel,
Vanessa Moraes, Zizele Santos... “Qualquer dia desses, amigos, vou lhes encontrar6...”.
Ao Estado de Mato Grosso e ao Município de Nova Olímpia-MT, pela
concessão da “Licença para qualificação profissional”, que me foi concedida, durante a
realização desta pesquisa. Sem a qual, esta trajetória seria inviabilizada.
À FAPEMAT, pela concessão da Bolsa de estudos, que muito contribuiu, para a
realização desta pesquisa.
À Maria Dorinha, minha amada mainha, pelos lábios que, ao meu favor, se
movem “em fervente oração”, e a cada dia profetizam: “a vitória já é sua, minha filha!
Amém?”. Mãe, “tua amiga pra sempre eu quero ser!”7
A Plínio, por me fazer CARVALHO, se fazendo “ponte sobre um rio de dor”8,
por me instigar a “ver” as injustiças deste mundo, a enfrentar este desafio “sem medo de
ser mulher”9. Sendo estas, apenas algumas das razões pelas quais “por toda a minha
vida, eu vou te amar10”.
À Gerson Henrique, Plínio, Elôenia e Philipe, bebês meus. Motivadores da
esperança que há em mim. Quanta alegria seus sorrisos me trazem. É por vocês que eu
canto, luto, esperanço! Eu amo vocês, mais que a abelha ama a flor.11 Daqui até o
infinito12.
Á minha família no Mato Grosso, na Bahia, em Santa Catarina, no Distrito
Federal e no Rio Grande do Norte pelo incentivo durante esta jornada que culminou no
primeiro título de mestre de nossa família.
Aos meus irmãos e irmãs em Cristo, em especial as mulheres do Círculo de
Oração, pelo cuidado espiritual, durante todo o tempo desta pesquisa, por me
ensinarem, por meio do exemplo, outros jeitos de lutar, de esperançar, de ter fé.
À Maria Helena Tavares Dias, meu profundo respeito, carinho e gratidão. Pelas
mãos que acolhem, afagam e repartem.
Ao povo dos assentamentos Riozinho, Rio Branco, Vale do Sol, Oziel Pereira,
Nova Conquista, em especial ao povo do assentamento Antônio Conselheiro, minha
morada nas duas últimas décadas, a quem amo de todo coração, a quem devo muitos
saberes, muita alegria e muito de quem sou...
Aos educandos e educadores das Escolas do Campo “Marechal Cândido
Rondon” e “Reinaldo Dutra Vilarinho”, onde atuo como educadora, com quem partilho
o desejo de ter “uma escola do campo que não tenha cercas, que não tenha muro, onde
possamos aprender a ser construtores do futuro!”13
Ao Núcleo de Educação e Diversidade/NEED, da Universidade Estadual do
Mato Grosso-Campus de Tangará da Serra, em especial, às educadoras: Hellen Cristina

6
Inspirado na canção: “Canção da América” de Milton Nascimento.
7
Inspirado na canção: “Sinto Saudade” de Arianne.
8
Inspirado na canção: “Que bom que você chegou” de Bruna Karla.
9
Inspirado na canção: “Sem medo de ser mulher” do MST.
10
Inspirado na canção: “Eu sei que vou te amar” de Tom Jobim.
11
Inspirado na canção: “É assim que eu te amo” de Oséias de Paula.
12
Inspirado no livro: “Advinha o quanto eu te amo” de Sam Bratney.
13
Inspirado na canção: “Construtores do Futuro” de Gilvan Santos.
13

de Souza, Leonice Alves Mourard, Ivanete Carvalho e Marines Cargnin-Stieler por se


juntar a nós: “caminhando e cantando, seguindo a canção”14 demonstrando com atitudes
o que tão costumeiramente vemos apenas em palavras.
Às comunidades do campo, indígenas e quilombolas que constituem o Coletivo
da Terra, a quem me junto, nos sonhos, na esperança, na luta e na canção15:
“E fez o criador a Natureza
Fez os campos e florestas
Fez os bichos, fez o mar
Fez por fim, então, a rebeldia
Que nos dá a garantia
Que nos leva a lutar
Pela Terra,
Madre Terra, nossa esperança
Onde a vida dá seus frutos
Os teus filhos vem cantar...”

14
Inspirado na canção: “Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré
15
Inspirado na canção: “Canção da Terra” de Pedro Munhoz.
14

RESUMO

Este estudo, resultado de uma pesquisa qualitativa de cunho etnográfico realizada na


Comunidade Quilombola Baixio, localizada no Território Quilombola Vão Grande, no
município de Barra do Bugres – MT, tem como principal objetivo analisar em que
medida, e como, a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um projeto pedagógico
alinhado com a história das comunidades do território quilombola Vão Grande. Objetiva
ainda contextualizar, historicamente, as Comunidades Quilombolas, onde vivem os
estudantes; discorre sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar
Quilombola apresenta uma breve contextualização da história da escolarização no
Território, reflete sobre as condições físicas e estruturais da escola; tece algumas
reflexões sobre o currículo em ação na escola, a fim de compreender como está se
delineando a educação quilombola, como modalidade de ensino, nesse território. Os
resultados da pesquisa desvelam que a Educação Escolar Quilombola vem ganhando
espaço no cenário das políticas públicas. Embora ainda enfrente muitos desafios para
ser implementada no chão da escola. No caso do território quilombola Vão Grande,
ainda hoje, a comunidade sofre as consequências do descaso e da marginalização,
simbolizados na intrafegabilidade das estradas, na ausência de manutenção das pontes,
nas dificuldades de acesso à Escola, nas más condições do transporte escolar, no
desrespeito com os profissionais da educação, representado nas más condições de
trabalho fatores que, inúmeras vezes, impedem a realização das aulas. Contudo, mesmo
diante das dificuldades existentes, é possível observar um esforço se delineando no seio
da comunidade escolar para efetivar ações pedagógicas alinhadas com a história do
território quilombola Vão Grande, embora, as muitas ausências que a escola e seus
profissionais padecem, dificultem o processo.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Escolar; Políticas Públicas; Território Quilombola


Vão Grande; Comunidade Quilombola Baixio.
15

ABSTRACT

This study, the result of an ethnographic qualitative research conducted in the


Quilombola Community Baixio, located in the Vão Grande Quilombola Territory, in
Barra do Bugres - MT, is meant to examine to what extent and how the State School
José Mariano Bento performs an educational project in partnership with the history of
the communities of the Quilombola Territory Vão Grande. It is also meant to
contextualize historically the Quilombola Communities, where the students live; it
discusses the Public Policy related to the Quilombola School Education, it presents a
brief contextualization of school history in the Territory, reflects on the physical and
structural conditions of the school; it also presents some considerations about the
curriculum in action at school, in order to understand how the quilombola education is
being designed, as a teaching modality on that territory. The survey results unveil that
the Quilombola School Education has gained space in the scenario of public policies.
Although, it still faces challenges to be in fact, implemented in the school. In the case of
the Quilombola Territory Vão Grande, today, the community suffers the consequences
of neglect and marginalization, symbolized in impossibility to go through the roads, in
the absence of maintenance of the bridges, the difficulties to access the School, with
poor condition of school transportation, with disrespect to the education professionals
represented in poor working conditions, which, several times, blocks the performance of
classes. However, in spite of the difficulties, it is possible to observe an effort taking
shape within the school community to carry out pedagogical activities in line with the
history of the Vão Grande quilombola territory, though the many absences the school
and its professionals suffer, make the process hard.

KEYWORDS: School Education; Public Policy; Vão Grande Quilombola Territory;


Quilombola Community Baixio.
16

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 18
1. TRAÇADOS METODOLÓGICOS:
VEM COMIGO PARA O CAMPO DE PESQUISA ........................................................... 31
1.1 INCURSÃO NO CAMPO DE PESQUISA. ................................................................... 31
1.2 ABORDAGEM: QUALITATIVA ................................................................................. 36
1.3 MÉTODO: ETNOGRAFIA ............................................................................................ 37
1.4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ................................... 38
1.4.1 Observação ................................................................................................................... 38
1.4.2 Entrevistas .................................................................................................................... 39
1.4.3 Pesquisa documental .................................................................................................... 40
1.4.4 Recurso fotográfico ...................................................................................................... 41
1.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO .......................................................................................... 42
1.6 COMITÊ DE ÉTICA ...................................................................................................... 43
2. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS E DESCRIÇÃO
ETNOGRÁFICA DO CONTEXTO LOCAL....................................................................... 44
2.1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS .................................................... 44
2.2 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA ................... 46
2.2.1 Território Quilombola Vão Grande. ............................................................................ 49
2.2.2 Comunidade quilombola Camarinha ........................................................................... 54
2.2.3 Comunidade quilombola Morro Redondo ................................................................... 56
2.2.4 Comunidade Quilombola de Baixio ............................................................................ 58
2.2.5 Travessia do Rio Jauquara ........................................................................................... 65
2.2.6 Comunidade Vaca Morta ............................................................................................. 68
2.2.7 Comunidade quilombola Retiro ................................................................................... 70
2.3 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA ................................................................................ 71
2.3.1 Aspectos históricos em comum ................................................................................... 73
2.3.2 Os Quilombos .............................................................................................................. 75
2.3.3 Terra Comum ............................................................................................................... 75
2.3.4 Aspectos específicos .................................................................................................... 79
3. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA E SEUS CONTEXTOS ........................... 85
3.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................................................... 85
17

3.2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO NA


COMUNIDADE BAIXIO .................................................................................................... 91
3.3 A ESCOLA ESTADUAL JOSÉ MARIANO BENTO: 2015 ........................................ 97
3.3 PERFIL DOS EDUCADORES .................................................................................... 102
3.3.1 Os Educadores docentes ............................................................................................ 104
3.3.2 Os estudantes ............................................................................................................. 110
4. EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CHÃO DA ESCOLA ESTADUAL JOSÉ
MARIANO BENTO ........................................................................................................... 113
4.1 CURRÍCULO: ALGUNS CONCEITOS ...................................................................... 113
4.2. O CURRÍCULO NA ESCOLA JOSÉ MARIANO BENTO ....................................... 115
4.2.1 O Projeto Político Pedagógico ................................................................................... 116
4.2.2 O Regimento Escolar ................................................................................................. 118
4.2.3 O fazer pedagógico nas salas multisseriadas ............................................................. 119
4.2.4 As Práticas Pedagógicas ............................................................................................ 123
TECENDO CONSIDERAÇÕES ........................................................................................ 139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 145
18

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa, vinculada à linha de pesquisa “Movimentos Sociais, Política e


Educação Popular” do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), tem como principal objetivo analisar
em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um projeto
pedagógico alinhado com a história das comunidades do território quilombola Vão
Grande. A escola está localizada na Comunidade Quilombola Baixio, uma das cinco
comunidades que integra a região conhecida como Território Quilombola Vão Grande,
no município de Barra do Bugres - MT.
A proposição dessa temática é fruto dos anseios, utopias e expectativas que
venho gestando em minha jornada profissional e militante. Forjadas nas reuniões de
formação, nos grupos de estudos, nas mobilizações; nas associações; nos coletivos e no
seio das escolas do campo onde contribuo como educadora. Sentimentos que podem ser
traduzidos na estrofe da canção “irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova terra e
um novo mar e nesse dia os oprimidos em uma só voz a liberdade irão cantar16”.
Ainda bem jovem, aprendi a olhar o mundo pelo viés da diversidade. Quando em
viagem ao Rio Grande do Norte, trabalhei como monitora substituta no Assentamento
Modelo, município de João Câmara. Naquele período, participei do Encontro dos
Educadores e Educadoras do Movimento Sem Terra- MST, aquela experiência mudaria
o rumo da minha história.
A impressão que o encontro causou em mim se assemelha às palavras de Arroyo
(2004, p. 67), quando ele descreve sua participação na primeira Conferência “Por uma
Educação Básica do Campo”17: “A impressão que levo dessa conferência é que ela não
fala de Pedagogia [...]. Ela, em todo o momento é pedagógica, é educativa. Todos os
gestos são educativos. Aqui se fala mais com gestos do que com palavras”.
A partir desse encontro, envolvi-me nas reuniões de formação, nos grupos de
estudo, nas mobilizações que foram aos poucos me sensibilizando para as questões
relacionadas com a luta pela terra, pela diversidade, pelas relações raciais, pelas
relações de gênero, pela relação entre oprimido e opressor, pela importância do registro
da história e da memória dos que tombaram na luta se fazendo heróis na caminhada.

16
Inspirado na canção “Irá Chegar” de DJ e Raiz, disponível em: http://www.vagalume.com.br/pj-e-
raiz/ira-chegar.html.
17
Realizada em Brasília-1998.
19

Fazendo minhas as palavras de Freire (2001, p.40), essas práticas sociais foram
“me fazendo aos poucos”, povoando meus dias e contribuindo para a formação da
minha identidade. Parafraseando Cora Coralina18, posso afirmar que essas ações
instigaram a constituição/reconstituição das muitas mulheres que vivem em mim: Uma
delas bem revoltada, que, como diz Che Guevara,19 “fica indignada contra qualquer
injustiça”; tem uma outra que quer transformar o mundo; tem aquela que às vezes cala e
até chora! A que ora e profetiza; enquanto a outra luta e grita; tem a que acredita e uma
que desconfia; mas em todas elas vive a esperança, a fé e a utopia. Assim, inspirada em
Eduardo Galeano20, permito-me afirmar que é a Fé, que faz todas elas continuarem
caminhando.
Os caminhos que trilhei junto ao Coletivo dos Educadores/MST, no Rio Grande
do Norte, em Alagoas e em Mato Grosso, possibilitaram-me vivenciar experiências de
intensa angústia, de incertezas e momentos de alegria indescritíveis.
Foi com alegria que, em 1998, participei do primeiro encontro de Educadores e
Educadoras do Campo – MT, lembro-me das inquietações manifestas no evento, por
meio das ações, das místicas, e das vozes que a um só tempo gritavam: “Che, Zumbi,
Antônio Conselheiro, na luta pela terra nós somos companheiros”. Havia estampado
nas faces, um desejo unânime da implantação de diretrizes que contemplassem uma
educação para os povos que vivem no campo.
Uma Educação capaz de produzir liberdade e emancipação. Capaz de transpor o
limite da palavra, que caminhasse para além da teoria e traduzisse o discurso de Paulo
Freire (1987, p. 69), em Pedagogia do Oprimido, uma educação capaz de permitir que
“os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão
do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus
companheiros”.
Durante minha inserção nos movimentos sociais, participei de discussões sobre
vários aspectos que envolvem a diversidade, mas observei a ausência de discussões que
envolvessem a questão étnico-racial. Para Fernandes (2007, p.141), só muito
recentemente os movimentos sociais no campo acolheram a discussão sobre a

18
Inspirada em “vive em mim” de Cora Coralina.
19
Inspirada em “Carta aos meus filhos” de Ernesto Chê Guevara. Abril, 1963. Postado por Museu Virtual
Comandante Ernesto Che.
20
Eduardo Galeano em: “Pra que serve a utopia”. GALEANO, Eduardo. Para que serve a utopia?
Disponível em: <http://www. contioutra.com/para-que-serve-utopia-eduardo-galeano>. Acesso em: 16 de
abril 2015
20

diversidade étnico-racial e seus protagonistas. As pesquisas têm incluído no contexto


das discussões sobre a luta pela terra, os temas da diversidade étnico-racial como uma
categoria analítica, passando a compreender, que a luta por uma sociedade diferente,
perpassa a adesão de intersecções conceituais, de classe, raça e gênero, categorias
analítico-empíricas, que são constituintes das relações de poder estabelecidas na
sociedade brasileira.
A invisibilidade dos negros e dos povos do campo como um todo, também
esteve presente quando fui graduanda na licenciatura em Pedagogia 2000/2003, por
meio da concessão de uma bolsa de estudos financiada pela prefeitura de Tangará da
Serra – MT. Embora houvesse a iniciativa de alguns professores de discutir e provocar
reflexões sobre o tema, havia um silenciamento da questão no currículo do Curso. Esse
silenciamento também é observado por Santos (2011, p.110), durante uma pesquisa
sobre a formação docente no Estado de Sergipe. Diz ele: “todos os entrevistados
afirmaram que na graduação esse tema não foi contemplado”.
Embora as mazelas provocadas por séculos de escravidão tornem a situação dos
negros, ainda mais penosa, é possível afirmar que essa invisibilidade permeia todos os
povos que vivem no campo. Todavia, a situação dos negros não se encerra nos conflitos
de classe; pelo contrário, aos conflitos se soma a questão do racismo, que orienta as
relações étnico-raciais existente na sociedade brasileira e consequentemente, no meio
rural, tal como afirma Silva (1987, p. 48-49) “De um lado, a organização econômica e a
estrutura social os amarram a uma classe; de outro lado, a cor negra da pele os vincula a
um grupo discriminado, desvalorizado, tido como imaturo”.
Voltando à minha caminhada, ainda na graduação, recebi da professora Doutora
Hellen Cristina de Souza, o convite para contribuir com o Núcleo da Educação e
Diversidade da UNEMAT/campus Tangará da Serra/NEED21. As discussões traçadas
no NEED teceram meu primeiro contato com os educadores e educadoras indígenas e

21
O Núcleo de Educação e Diversidade/NEED, da Universidade Estadual do Mato Grosso, tem entre
outros objetivos, propor a construção de um espaço de discussão das práticas educacionais que se mostre
aberto às mudanças e às transformações que caracterizam a relação com a diferença; estimular a pesquisa,
a extensão e o desenvolvimento de uma prática pedagógica que alimente a discussão sobre educação em
contextos interculturais; ampliar no interior da universidade a discussão sobre grupos historicamente
excluídos e silenciados como trabalhadores rurais Sem Terra, populações indígenas e afrodescendentes;
apoiar os movimentos sociais e os programas educacionais voltados para o apoio a setores marginalizados
e excluídos da sociedade; propor convênios e parcerias com outras IES ou com movimentos sociais para
realização de projetos de extensão e pesquisa, especificamente orientados para populações historicamente
excluídas e silenciadas e propor a formação de professores comprometidos com uma prática que se
caracterize como culturalmente pertinente.
21

quilombolas e foi se fortalecendo no bojo das atividades coletivas, nos encontros, nas
discussões e nos grupos de estudo. O contato entre os educadores do campo, dos
quilombos e das aldeias tornou possível a organização de um grupo denominado
“Coletivo dos Educadores e Educadoras das escolas do campo, indígenas e quilombolas
dos municípios de Tangará da Serra, Nova Olímpia e Barra do Bugres/Coletivo da
Terra”. A relação com os educadores e educadoras indígenas e quilombolas
redimensionou de múltiplas formas o meu olhar, pois me fez enxergar aspectos da
diversidade para os quais não me atentava antes desse contato. Passei a buscar em várias
literaturas respostas para as inquietações que nasciam em mim, relacionadas à situação
das famílias negras moradoras do Assentamento Antônio Conselheiro, onde moro e atuo
como educadora nas últimas duas décadas.
Foi neste contexto que elaborei um projeto de pesquisa relacionado às famílias
negras moradoras do Assentamento Antônio Conselheiro, a fim de pleitear uma vaga no
curso de mestrado acadêmico no processo seletivo do ano de 2013 do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT, no qual fui
aprovada, e ingressei no curso no ano de 2014, pela linha de pesquisa Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular, no grupo de pesquisa Movimentos Sociais e
Educação/GPMSE. O ingresso no Curso de Mestrado fomentou novas leituras,
discussões e compreensões. De modo que, por sugestão da minha orientadora, decidi me
dedicar aos estudos relacionados a Educação Escolar Quilombola. Essa mudança
redimensionou o meu olhar e me motivou a arriscar-me nos caminhos da curiosidade
que indaga, inquieta e instiga (FREIRE, 1996, p. 15).
Movida por essa “inquietação indagadora” busquei realizar uma revisão
integrativa, alicerçada nos procedimentos propostos por Botelho, Cunha e Macedo
(2011). A revisão bibliográfica sistemática é uma revisão planejada para responder a
uma pergunta específica e que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar,
selecionar e avaliar criticamente os estudos incluídos na revisão. Os trabalhos de revisão
bibliográfica sistemática são considerados como originais, pois, além de utilizarem,
como fonte, dados da literatura sobre determinado tema, são elaborados com rigor
metodológico. Os autores apontam quatro tipos de métodos utilizados para a elaboração
de uma revisão bibliográfica sistemática: meta-análise, revisão sistemática, revisão
qualitativa e revisão integrativa. Nessa revisão, optei pelo método da revisão integrativa
por “permitir a obtenção de informações que possibilitem aos leitores a avaliarem a
22

pertinência dos procedimentos empregados na sua elaboração” (BOTELHO; CUNHA;


MACEDO, 2001, p.133).
A revisão integrativa é assim denominada, porque fornece informações mais
amplas sobre um assunto/problema. Possibilita ao pesquisador se aproximar da
problemática que deseja apreciar, traçando um panorama sobre a sua produção científica
e permitindo articular a temática do estudo com a cadeia de conhecimentos
academicamente produzidos. Sua finalidade é desvelar linhas, ou marcas significativas
do percurso, conhecendo a evolução do tema ao longo do tempo e, com isso, encontrar
possibilidades para futuras oportunidades de pesquisas (BOTELHO; CUNHA;
MACEDO, 2001, 133). Os procedimentos metodológicos da revisão integrativa
consistem numa sucessão de etapas: 1ª etapa – identificação do tema e seleção da
questão de pesquisa; 2ª etapa – estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão para
seleção; 3ª etapa – identificação dos estudos pré-selecionados e selecionados; 4ª etapa
– categorização dos estudos selecionados; 5ª etapa – análise e interpretação dos
resultados; 6ª etapa – apresentação da revisão em forma de síntese do conhecimento
(BOTELHO; CUNHA; MACEDO, 2001, p.133).
O início desse trabalho foi demarcado com a formulação da questão, utilizada
como fio condutor da revisão. Qual o fluxo dos estudos (teses e dissertações) sobre
educação e quilombo, elaborados sobre comunidades quilombolas do Brasil entre
1995/2014? Em um segundo momento, outras perguntas foram suscitadas: Quais foram
os principais temas abordados? Quais os principais resultados alcançados por essas
pesquisas? Na sequência, foram eleitos descritores em língua portuguesa, capazes de
localizar e recuperar os trabalhos que tratassem da temática de interesse, quais sejam:
“Educação e Quilombo”, “Educação Escolar Quilombola”; “Educação Quilombola”;
“Educação do Campo e Quilombo”, “Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar
Quilombola”. Após a escolha dos descritores, realizei as buscas nas seguintes bases de
dados eletrônicos: Plataforma Sucupira; Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações; Biblioteca Nacional Digital; Biblioteca Virtual de Educação – BVE;
Domínio Público; Portal de Periódicos da Capes; Portal de acesso livre da CAPES e no
portal da SCIELO Brasil – ScientificElectronic Library Online.
Até onde meus esforços conseguiram alcançar, foram localizadas 136 pesquisas,
sendo 110 dissertações e 26 teses, as quais organizei em um banco de dados digital. As
informações foram sistematizadas em uma planilha contendo: Data de publicação, tipo
23

de documento: tese ou dissertação, nome do pesquisador, estado, instituição,


comunidade pesquisada, resumo e palavras-chave. É importante observar que, em 1995,
marco inicial desta pesquisa, até onde meus esforços conseguiram alcançar, não foi
encontrado nenhum registro de trabalhos acadêmicos sobre o tema. O primeiro estudo
encontrado data de 1996, realizado no Estado de Pernambuco. Os anos de 1998, 1999 e
2002 foram suprimidos da Tabela 1 em razão de que não foi encontrada nenhuma
pesquisa concluída, nesses anos. A evolução dos estudos, por região, estado e
instituição pode ser conferida na Tabela 1, a seguir:
Tabela 1: Panorama das pesquisas por região/instituição 1995/2014.
Total Total Total
RG UF INST 1995 1996 1997 2000 2001 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014
INS UF RG
DF UnB 1 1 1 1 2 6 6
CENTRO OESTE

PUC/GO 1 1
GO 2
UFGO 1 1
UFMT 1 2 1 1 3 1 9 21
MT 10
UNEMAT 1 1
UCDB 1 1
MS 3
UFMS 1 1 2
AL UFAL 1 1 1 3 3
UNEB 2 2 3 1 1 1 10
BA UFBA 1 1 2 13
1 1
NORDESTE

UEFS

CE UFCE 1 1 1 1 2 6 6
UFMA 1 1 1 3
MA 5 35
UEMA 1 1 2
PB UFPB 1 2 3 3
PE UFPE 1 1 2 2
RN UFRGN 1 1 1
UFSE 1 1
SE 2
UNIT 1 1
UFPA 1 2 1 1 1 1 1 8
NORTE

PA 10
UEPA 1 1 2 11
RO UNIR 1 1 1
ES UFES 1 1 1 3 3
UFMG 1 1
UNIUBE 1 1
MG 4
UF J F 1 1
PUC/MG 1 1
UERJ 2 1 3
SUDESTE

PUC-RIO 2 1 3
RJ 10
UFF 2 1 3
UFRJ 1 1
51
FEUSP 1 1
PUC-SP 1 2 1 2 1 1 8
UFSCAR 1 1 1 2 5
UNESP 1 1 2
UNICAM
SP P 1 1 1 3 32
UNIMEP 1 1 1 3
UNISAL 1 1 2
UNISO 1 1
USP 1 1 1 1 1 1 1 7
UEPG 2 2
PR 5
UFPR 1 2 3
1 1 2
SUL

EST

UFRGRS 1 1 1 1 2 1 1 8
RS 12 20
UFSM 1 1
UNISINO 1 1
UDESC 1 1 2
SC 3
UFSC 1 1
TOTAL POR ANO 0 1 3 1 2 3 2 7 7 7 18 17 11 17 16 15 9 136
Fonte: Dados organizados pela pesquisadora (2015).
24

É possível que o aumento de produções acadêmicas nesse período esteja


relacionado a diversas ações do Governo Federal, voltadas às comunidades
remanescentes de quilombos, tais ações foram motivadas pelas reivindicações dos
movimentos sociais, como discutirei no capitulo III, desta pesquisa.
Os dados apresentados na Tabela 2 desvelam a liderança das regiões Sudeste e
Nordeste, na execução de pesquisas, com 51 e 35 pesquisas, respectivamente. A
liderança dessas regiões também foi identificada por revisões realizadas por outros
pesquisadores, utilizando outros descritores e/ou outros métodos, quais sejam: Cardoso
e Arruti (2011), Ferreira e Castilho (2014) e Oliveira (2013).
Possivelmente, a liderança dessas regiões esteja relacionada com o número de
comunidades quilombolas que elas abrigam, pois, nesse caso, as regiões Nordeste e
Sudeste também sobressaem em termos de número de quilombos, com 1.656 e 351
comunidades quilombolas, respectivamente, como pode ser conferido na Tabela 2, a
seguir:

Tabela 2: Comunidades quilombolas certificadas e ou reconhecidas, por região.


Região CQs Nº CQs
(Certidões) (Comunidade)
1. Norte 255 319
2. Nordeste 1361 1656
3. Centro Oeste 120 122
4. Sudeste 304 351
5. Sul 154 158
Total 2.194 2606
Fonte: Fundação Cultural Palmares

Quanto ao número de pesquisas, o Sudeste figura em primeiro lugar, com 51; em


termos de número de comunidades existentes na região, ele ocupa o segundo lugar, com
351 comunidades; já o Nordeste figura em primeiro lugar, em número de comunidades,
com 1.656 e, em segundo lugar, em número de pesquisas, somando 35. Cabe ressaltar
que o local da pesquisa tem por referência o local da instituição acolhedora do projeto e
não exatamente o das localidades pesquisadas.
O Sudeste e o Nordeste se destacam em quantidade de pesquisa, possivelmente
por serem as regiões que possuem o maior número de instituições que oferecem cursos
de mestrado e doutorado nessa área de Educação. O Sudeste possui 18 instituições e o
Nordeste 12. No entanto, ao se efetuar um cálculo de proporcionalidade, dividindo o
número de pesquisas pelo número de instituições, será possível perceber que a região
25

Sudeste produz em quantidade inferior às regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste, como


pode ser conferido na Tabela 3, a seguir:

Tabela 3: Comunidades quilombolas pesquisadas por região.


Região Instituições Pesquisas Proporção
Norte 3 11 3,66
Centro oeste 7 21 3
Nordeste 12 35 2,91
Sudeste 18 51 2,83
Sul 8 20 2,5
Fonte: organizada pela pesquisadora (2015).

Dentre as 136 pesquisas selecionadas na primeira fase dessa revisão, as


temáticas mais abordadas são cultura, 36; identidade, 28 e currículo, 11. No caso de
Mato Grosso, a temática mais abordada é a Educação Ambiental, o que permite afirmar
que ainda se faz necessário avançar na realização de pesquisas que abordem a Educação
Escolar Quilombola. Outras temáticas estudadas podem ser conferidas no Gráfico 1:

Gráfico 1- Temáticas mais recorrentes: Teses e Dissertações – 1995/2015

Fonte: organizada pela pesquisadora (2015).

É importante destacar que há invisibilidade de muitas comunidades quilombolas,


nas pesquisas acadêmicas, em detrimento de outras, como no caso de Mato Grosso,
onde, em termos de número de pesquisa, ganha destaque a comunidade Mata-Cavalo;
no Estado de São Paulo, o complexo quilombola Vale do Ribeira22; no Estado da Bahia,
a comunidade Cabula; no Estado do Mato Grosso do Sul, a comunidade Furnas do
Dionísio; no Estado do Pernambuco a comunidade Conceição das Crioulas; e, no Estado
de Goiás, a comunidade Kalunga. A distribuição regional e o número de estudos, assim

22
Dentre as comunidades que constituem o Vale da Ribeira ganham destaque as comunidades André
Lopes; Ivaporunduva; Nhunguara; Sapatú.
26

como as comunidades estudadas, que a revisão conseguiu alcançar, podem ser


conferidos na Tabela 4, a seguir:

Tabela 4: Comunidades pesquisadas: local e quantidade.


UF Número de Número Comunidades pesquisadas
pesquisas comunidades
pesquisadas
AL 2 2 Muquém; Quilombo dos Palmares.
AP 2 2 Cria-ú; Curiaú
BA 14 16 Araçá/Cariacá; Barra; Bananal; Riacho das
Pedras; Barra do Parateca; Cabula; Caonge;
Engenho da Ponte; Santiago do Iguapé;
Coqueiros; Fojo; Helvécia; Matinha dos Pretos;
Mucambo; Rio das Contas.
ES 3 3 Araçatíba; Monte Alegre; Sapê do Norte
GO 6 3 Kalunga; Engenho II; Vila do Forte
MA 2 5 Frechal; Olho D’Água do Rapouso; Jenipapo;
Cana Brava das Moças; Mandacaru dos Pretos.
MG 4 4 Alto Jequitinhonha; Justa I; Lagoa Trindade
Munmbuca.
MS 3 2 Furnas do Dionísio e Furnas da Boa Sorte
MT 11 3 Campina de Pedra; Mata Cavalo e Vão Grande
PA 10 10 Abacatel; Mola-Itapocu; Caeté; Itaboca;
Jambuaçu; Menino Jesus; Murumuru; São João
do Médio Itacuruça; Tapagem.
PB 1 1 Paratibe
PE 4 3 Castainho; Atoleiros e Conceição das Crioulas
PR 4 5 Paiol de Telha; São Sebastião do Rocio;
Sutil,João Surá e Adelaide Maria Trindade
Batista.
RJ 6 6 Maranbaia; Santa Rita do Bracuí; Santana;
Campinho da Independência; Preto Forrô; São
José da Serra
RS 8 8 Angico; Casca; Helvécia; Linha Fão;
Quilombo; Restinga Seca; São Sebastião do
Rocio; Silva.
SC 2 2 Aldeia de Garopaba; Quilombo Aldeia
SE 1 1 Cabana do Pai Thomaz
SP 11 11 São Pedro; Brotas; Pirituba; Poça; André
Lopes; Bombas; Galvão; Ivaporunduva;
Nhunguara; Sapatú; Morro Seco;
Total 94 87
Fonte: organizada pela pesquisadora (2015).

A Tabela 4 revela duas tendências, enquanto em alguns estados, há maior


visibilidade de algumas comunidades em detrimento de outras, em outros estados, a
tendência é não repetir estudos na mesma comunidade, a exemplo, cito os Estados do
Amapá, Espírito Santo, Maranhão, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Minas Gerais.
Há ainda pesquisas que estudam mais que uma comunidade, como é o caso de duas
pesquisas realizadas na Bahia, e quatro em São Paulo.
27

É importante chamar a atenção para o fato de existirem 2.194 comunidades


certificadas pela Fundação Palmares, e apenas 87 foram contempladas com pesquisa,
sobre Educação. No caso de Mato Grosso, das 68 comunidades certificadas apenas três
foram contempladas com estudos.
De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, atualizados em
27/07/2015, existem 2.206 comunidades quilombolas certificadas no território
brasileiro, e apenas em Brasília, Acre e Roraima, não há registro de existência de
quilombos. Os estados com maior número dessas comunidades são: Bahia, com 653;
Maranhão, com 582; Pará, com 233; e Minas Gerais, com 231. Outros números, por
estado, podem ser observados na tabela que se segue:

Tabela 05: Quadro geral de comunidades quilombolas - informações atualizadas em 02/07/2015.


Nº UF CQs Nº CQs
(Certidões) (Comunidades)
1. Acre 0 0
1. Alagoas 67 68
2. Amazonas 7 7
3. Amapá 34 34
4. Bahia 544 653
5. Ceará 45 46
6. Distrito Federal 0 0
7. Espírito Santo 31 36
8. Goiás 30 30
9. Maranhão 414 582
10. Minas Gerais 193 231
11. Mato Grosso do Sul 22 22
12. Mato Grosso 68 70
13. Pará 178 233
14. Paraíba 35 37
15. Pernambuco 138 137
16. Piauí 177 182
17. Paraná 35 37
18. Rio de Janeiro 32 32
19. Rio Grande do Norte 22 22
20. Rondônia 7 7
21. Roraima 0 0
22. Rio Grande do Sul 106 108
23. Santa Catarina 13 13
24. Sergipe 29 29
25. São Paulo 48 52
26. Tocantins 31 38
27. Total 2194 2606
Fonte: Fundação Cultural Palmares.

É importante destacar que ainda não há um número definitivo de comunidades


quilombolas no Brasil. De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais
para Educação Escolar Quilombola, “o número de comunidades quilombolas no Brasil é
elevado, mas ainda não existe levantamento extensivo” (CNE/CEB Nº: 16/2012, p. 08).
28

Algumas ainda aguardam a certidão de reconhecimento, enquanto outras ainda estão em


processo de solicitação.
Nessa segunda fase da revisão, foram descartadas as pesquisas que tratam da
educação não formal e incluídas a leitura das considerações finais de cada tese ou
dissertação. Foram, então, selecionados os estudos que versassem sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, com a intenção de conhecer
os principais resultados obtidos. No universo das 136 pesquisas, foram encontrados
sete, sendo três teses de doutorado e quatro dissertações de mestrado.
Dentre os sete estudos, há os que versam sobre a implantação das Diretrizes
Curriculares Nacionais para Educação Escolar Quilombola, como legislação da
Educação Básica. Há também estudos que abordam as políticas públicas para a
educação quilombola com intuito de compreender como ou se elas estão se efetivando
no chão das escolas.
No que diz respeito aos resultados, eles podem ser assim sintetizados: a) o
protagonismo das comunidades quilombolas, e sua efetiva participação na busca do
direito, simbolizado na construção das diretrizes curriculares; b) o papel dos
movimentos sociais, com destaque para o movimento negro e o movimento quilombola
como motivador da promulgação da legislação, c) a contribuição da Educação Escolar
Quilombola para fortalecer a identidade dos povos quilombolas.
O Problema que envolve esta pesquisa está centrado na escola José Mariano
Bento demonstrar desvinculação entre seu projeto pedagógico e a história das
comunidades, que a escola atende. Nessa perspectiva, a questão orientadora desta
pesquisa pode ser assim compreendida: Quais são as dificuldades encontradas pela
Escola José Mariano Bento para realizar o projeto pedagógico de forma que esteja
alinhado com a história das comunidades?
É nesse contexto que gesto as proposições desta pesquisa, cujo principal
objetivo é analisar em que medida, e como, a Escola Estadual José Mariano Bento
concretiza na prática escolar cotidiana um projeto pedagógico alinhado com a história
das comunidades do território quilombola Vão Grande. A pesquisa ainda objetiva
contextualizar, historicamente, as Comunidades Quilombolas, onde vivem os
estudantes; discorrer sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar
Quilombola; apresentar uma breve contextualização da história da escolarização no
Território; refletir sobre as condições físicas e estruturais da escola e tecer reflexões
29

analíticas sobre o currículo em ação na escola, a fim de compreender como está se


delineando a educação quilombola, como modalidade de ensino, nesse território.
Nesse sentido, é possível afirmar que a relevância desta pesquisa se constitui nas
possíveis contribuições: a) lançar luz sobre a Educação Escolar Quilombola realizada na
Escola Estadual José Mariano Bento; b) dar visibilidade às comunidades quilombolas
que constituem o Território Quilombola Vão Grande; c) produzir conhecimento
científico que amplie a discussão, análise e compreensão sobre educação e quilombo.
No esforço de atender ao que esta pesquisa se propõe, foi necessário abordar
vários temas tais como o conceito de educação escolar quilombola, educação do/no
campo, diretrizes curriculares, currículo, práticas pedagógicas, luta pela terra, quilombo,
território, história, memória, cultura, identidade, protagonismo, silenciamento e
condições socioeconômicas. Todos esses temas compõem o universo que esta pesquisa
busca investigar. Estudá-los se fez necessário para compreender a Educação Escolar
Quilombola, implementada na Escola Estadual José Mariano Bento.
No entanto, na mesma medida em que compreender essa multiplicidade de
temas se fez necessário, também crescia o risco de perder o foco principal da pesquisa,
assim, busquei organizar as temáticas em quatro capítulos, hierarquizando os temas
dentro da dissertação, da seguinte forma:
No primeiro capítulo, intento descrever a incursão no campo de pesquisa,
desenhando os caminhos trilhados na metodologia, expondo as motivações que
provocaram a opção pela abordagem qualitativa, o método etnográfico e os critérios
utilizados na coleta, organização e interpretação dos dados. Para tanto, procurei
dialogar, entre outros, com Bardin (1979); Denzin e Lincoln (2006); Geertz (2008);
Lüdke e André (1986). Esse capítulo é um convite ao leitor: “Vem comigo para o
Território Quilombola Vão Grande”, e como diz Geertz (2008, p.210) “olhar por sobre
os ombros” dos homens e mulheres que integram a comunidade escolar José Mariano
Bento.
No segundo capítulo23, contextualizo, historicamente, as Comunidades
Quilombolas, onde vivem os estudantes da Escola José Mariano Bento: Baixio, onde a
escola está localizada, Camarinha, Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro. O capítulo é
um convite a uma viagem etnográfica, com direito a observar cachoeiras, rios e grutas,

23
É importante esclarecer que, como é um convite para viajar com o leitor, em partes do trecho, quando o
convite ao leitor se fizer nitidamente necessário, utilizarei a 1ª pessoa do plural, embora em todo a
dissertação tenha escrito na 1ª pessoa do singular.
30

encantar-se com ipês floridos, indignar-se com pontes quebradas, temer pela vida,
durante a travessia do rio, e tomar chá com bolo ou guaraná. Para tanto, busquei
dialogar, entre outros, com Nascimento (2002), Volpato (1996), Clóvis Moura (2001,
2010), Arruti (1997), Munanga e Gomes (2006).
No terceiro capítulo, objetivo descrever e contextualizar a Escola José Mariano
Bento. Assim, apresento uma breve contextualização da história da escolarização no
Território Vão Grande, reflito sobre as condições físicas e estruturais da escola, na
atualidade. Apresento o perfil dos estudantes e dos profissionais da educação, com
destaque para os educadores-docentes. Para tanto, dialoguei com Arroyo (2007),
Castilho (2011), Freire (2001, 1987, 1992).
No quarto capítulo busco refletir sobre o currículo em ação na Escola Estadual
José Mariano Bento, a fim de compreender como está se delineando a educação
quilombola, como modalidade de ensino, nesse território. Para tanto, dialoguei, dentre
outros, como Apple (2002); Moreira (2002, 2004); Sacristán (1998) e Silva (1998,
2002).
Por fim, discorro sobre algumas considerações tecidas no bojo das discussões,
dos anseios que nasceram em meio a essa experiência e das reflexões gestadas por
homens e mulheres que tão carinhosamente me acolheram e me ensinaram outros jeitos
de ver e viver o mundo.
31

CAPÍTULO I

1. TRAÇADOS METODOLÓGICOS:
VEM COMIGO PARA O CAMPO DE PESQUISA

Este capítulo pretende esboçar o percurso metodológico da pesquisa; a princípio,


discorro sobre a inserção no campo de pesquisa, registrando as impressões que a cada
novo encontro iam se cravando em mim, moldando o meu jeito de ver a comunidade e o
jeito de a comunidade me ver. Na sequência, desenho os caminhos que trilhei na
metodologia, expondo as motivações que provocaram a opção pela abordagem
qualitativa, o método etnográfico, os instrumentos utilizados na coleta de dados, e os
critérios para a organização e interpretação das informações.

1.1 INCURSÃO NO CAMPO DE PESQUISA.

Quando entrei no campo de pesquisa, não estava indo para um lugar atópico,
cheio de apreensão, de insegurança, de sofrimento, tal como afirma D’Onófrio (2007,
p.82), “atópico é o espaço de sofrimento”, estava indo à comunidade dos meus amigos,
companheiros de algumas lutas por espaço e visibilidade. Tecidas no seio do Coletivo
da Terra, nas discussões do Núcleo de Educação e Diversidade/ NEED, nos cursos do
Centro de Formação de Professores/ Cefapro, nos encontros, nas reuniões, nos estudos
para pleitear vaga para graduação, mestrado, doutorado ou concurso público.
E é justamente essa relação de parceria que motivou a escolha pela Escola
Estadual José Mariano Bento, localizada na Comunidade Quilombola Baixio, como
objeto de estudo desta pesquisa.
É importante esclarecer que “Vão Grande” ou Território Quilombola Vão
Grande é a região geográfica que congrega cinco comunidades: Baixio, Camarinha,
Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro. É assim conhecida, tanto pelos moradores da
comunidade, quanto pela comunidade externa, sendo a última expressão, mais usada
depois que se iniciaram os processos de certificação das terras que o compõe, pela
Fundação Palmares.
Embora conhecida assim, não há registros que oficializem a região Vão Grande
como um território quilombola, ou como um território quilombola que congrega essas 5
comunidades. Esse modo de identificação geográfica possivelmente tenha sido criado
pelos moradores da região. Os registros da Fundação Palmares, nos processos de
certificação, informam cada comunidade de modo individual, com exceção da
32

comunidade Vaca Morta e da Comunidade Retiro. O Mapa 01, a seguir, procura


apresentar ao leitor, uma visão geral do território quilombola Vão Grande:

Mapa 01: Território Quilombola Vão Grande


Fonte: Google Maps, adaptado pela pesquisadora24.

24
Disponível em https://www.google.com.br/maps/@-15.2979175,-56.9701208,2852m/data=!3m1!1e3
33

A Escola Estadual José Mariano Bento está localizada na Comunidade Baixio,


as outras quatro comunidades estão situadas em torno dela. Sendo que a Comunidade
Camarinha está distante25 da escola aproximadamente 15 quilômetros; a comunidade
Camarinha, 10 quilômetros; a Comunidade Morro Redondo, 25 quilômetros; e a
Comunidade Vaca Morta, 20 quilômetros e a comunidade Retiro 25 quilômetros.
As cinco Comunidades estabelecem relação de parentesco entre seus moradores,
congregam-se nas festas, nas lutas, embora, é importante reiterar, que tanto em relação à
certificação da Fundação Palmares, quanto em relação à organização interna em
associações, as cinco Comunidades não são congregadas, isto é, possuem certificações
específicas para cada uma, com exceção das Comunidades Vaca Morta e Retiro. Nesta
pesquisa, quando me referir às cinco Comunidades, usarei a denominação “Território
Quilombola Vão Grande”, tal como o fazem tanto os moradores quanto a população
externa.
É importante esclarecer que a Comunidade Vaca Morta e a Comunidade Retiro,
formam uma única Comunidade no que se refere à documentação, embora os seus
moradores as denominem separadamente. Além disso, a certificação da Fundação
Palmares, que reconhece “Vaca Morta” como uma Comunidade Quilombola, agrega
todo o território que compreende as Comunidades Retiro e Vaca Morta. Embora, como
eu disse, os moradores se refiram a elas, separadamente. Nesta pesquisa, referir-me-ei às
Comunidades Vaca Morta e Retiro tal como o fazem os moradores, ou seja,
separadamente.
Realizei a pesquisa de campo entre os meses de janeiro a outubro de 2015. Na
maioria das vezes, ficava durante a semana no Território. Em alguns momentos, fui
recebida na casa das professoras Maria Helena Tavares ou Dinalva Araújo de Campos, e
em outros momentos me hospedei no alojamento que acolhe os professores que moram
na cidade. Esses momentos lá passados foram importantes para compreender os
sentimentos dos educadores que constituem o corpo docente da escola.
Os convites para comer e dormir foram frequentes, por onde passei. Em cada
casa que cheguei, a comida simples, cozida no fogão a lenha, exalava o cheiro gostoso
do franguinho caipira; do peixe ora bem frito, ora cozido, sempre retalhado em fatias tão
fininhas que não se sente os espinhos; da carne cozida com banana verde; da farinha de

25
Está sendo considerada a distância feita por transporte térreo.
34

banana; da banana frita para comer com feijão e arroz, enfim, havia em cada casa onde
fui, uma vontade gigantesca de servir, repartir e acolher.
Não encontrei pratos requintados, casas com muitas mobílias, mas, no
aconchego das casas, muitas delas de chão batido, ou feitas pelo programa do Instituto
de Colonização e Reforma Agrária/Incra, encontrei o que se pode chamar de
solidariedade.
Para realizar as visitas, deslocava-me da minha casa, localizada a 50 km da sede
do município de Tangará da Serra, para a Comunidade Quilombola Baixio, localizada a
80 quilômetros da sede do município de Barra do Bugres, totalizando um percurso de
aproximadamente 205 quilômetros. Em alguns momentos, não consegui chegar ao
território, pois, por dois períodos, a BR – 246, entre o município de Barra do Bugres e a
entrada que dá acesso ao quilombo, esteve interditada devido ao rompimento do asfalto,
ocasionado pelas muitas chuvas26. Em outros momentos, os atoleiros na estrada de chão
impossibilitavam a travessia.
Na maioria das vezes, realizei as visitas de automóvel, o que facilitou a
locomoção e também facilitou o acesso aos pontos turísticos da região, tais como rios,
cachoeira, e nascentes.
Entre as cinco Comunidades que constituem o Território Quilombola Vão
Grande, duas delas: Vaca Morta e Retiro são localizadas na margem direita do Rio
Jauquara. Para visitá-las, utilizei a canoa que transporta os educandos, pois a ponte que
liga as comunidades foi levada pelas águas, no período das visitas. Em outras ocasiões
foi necessário caminhar longas distâncias para visitar as casas, o cemitério, a associação
e a Escola Municipal Leopoldino José da Silva27. Nas caminhadas realizadas entre
janeiro e março, quase sempre a chuva se fez companheira no caminho, encharcando as
roupas.
Durante os primeiros dias da pesquisa de campo, as professoras, em especial a
professora quilombola que atua como coordenadora pedagógica da escola, Neide Bento,
ajudaram-me a localizar as casas, contribuindo como “guias”, mas logo minhas idas e
vindas por entre as comunidades se tornaram independentes. Quando eu chegava às

26
Acesso em: <http://www.radiopioneira.com.br/index.php/new/26733/chuvas-causam-nova-interdicao-
na-mt-246-proximo-a-barra-do-bugres->.
27
A Escola Municipal Leopoldino José da Silva atende crianças das Comunidades Quilombolas Vaca
Morta e Retiro, oferece atendimento aos educandos do Pré I e Pré II (crianças com quatro e cinco anos
respectivamente) e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Apesar de essa escola não ser o objeto da
pesquisa, visitei-a a fim de conhecer outros espaços de Educação Formal no território.
35

casas, mesmo naquelas em que eu não conhecia ninguém, eles já “me conheciam” e
sabiam o que eu tinha ido fazer na comunidade. As notícias se espalham rápido no
território, de forma que eu já não era uma completa estranha.
Para explicar o objetivo da minha presença na comunidade, os professores
diziam: “Ela está fazendo um estudo igual a Maria Helena”28, a explicação parecia
clara, e eu notava na expressão do olhar, que a informação fora compreendida. Maria
Helena, professora e moradora do Quilombo Baixio, havia sido aprovada por aqueles
dias no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT, o que motivou uma nova
compreensão “deste tipo de estudo” que agora parecia mais próxima do imaginário dos
homens e mulheres quilombolas, a quem por séculos foi negado o acesso à educação
formal.
Ao adentrar nos Programas de Pós-Graduação, seja em nível de Mestrado, tal
como o fez Maria Helena Tavares (UFMT) do Território Quilombola Vão Grande; Jair
Pereira da Cruz (UNEMAT) e Deiziane Araújo da Silva (UNEMAT) ambos do
assentamento Antônio Conselheiro, seja em nível de Doutorado tal como o fez Eliane
Boroponepa Monzilar (UNB) da aldeia Umutina, trazem para as suas respectivas
comunidades uma ressignificação das possibilidades de acesso, e uma nova
compreensão sobre a pesquisa nas comunidades.
Traduzindo discursos antigos de que a universidade e as comunidades precisam
caminhar lado a lado. Nesses momentos, nessas parcerias, é possível afirmar que a
comunidade ressignifica seu lugar em relação à Pesquisa Acadêmica 29. Já não é a
Universidade falando sobre as comunidades. São as comunidades falando com/para a
universidade.
Desse modo, durante a pesquisa de campo, na mesma medida em que persegui a
“procura pelo significado” das relações cotidianas, no esforço de compreender a cultura
local, tal como aponta Geertz (2008, p.10), também me esforcei para fugir dos conceitos

28
Maria Helena Tavares é quilombola e atua como professora interina na Escola Estadual José Mariano
Bento. Foi aprovada para ingressar no curso de mestrado do Programa de Graduação em Educação/
UFMT, com início em 2015. A professora também integra o Coletivo da Terra, por meio do qual
participou de um curso preparatório, oferecido pela Universidade Estadual de Mato Grosso, para
concorrer em processos seletivos de cursos de pós-graduação strictu sensu.
29
Por muito tempo, as comunidades do campo, indígenas e quilombolas vem sendo objeto de estudo de
muitos programas, recebendo as visitas dos pesquisadores. Entre as comunidades, é bastante recorrente,
uma insatisfação com o modo como as pesquisas se efetivam. Dado que, apesar de as comunidades
receberem os pesquisadores, dificilmente elas têm acesso aos resultados das pesquisas, ou às informações
que são registradas. Essa insatisfação pode ser observada em várias pesquisas, quando os pesquisadores
registram a “desconfiança” da comunidade.
36

e pré-conceitos que poderiam existir no meu imaginário, já tão acostumado a leituras da


infância, do passado.
O conceito de cultura que eu defendo é essencialmente semiótico acreditando
como Max Weber que o homem é um animal amarrado as teias de
significado que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e
sua análise, portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis,
mas como uma ciência interpretativa, a procura do significado (GEERTZ,
2008, p.10)

Assim, esforcei-me para silenciar meu pranto, a fim de ouvir a “voz que clama”
no Território Quilombola Vão Grande; desejei compreender seu grito, ouvir seu medo,
rir seu riso, lhe ser atenta, mesmo em face do meu maior encantamento 30, para, “quem
sabe”, traduzir em palavras o seu canto, gemido e encanto.

1.2 ABORDAGEM: QUALITATIVA

A pesquisa está inserida na abordagem qualitativa e traz consigo a intenção de


analisar em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um
projeto pedagógico alinhado com a história das comunidades do território Quilombola
Vão Grande. Nesse sentido, o método etnográfico se justifica pela necessidade de
compreender em que medida, e como, a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um
projeto pedagógico alinhado com a história das comunidades do território quilombola
Vão Grande.
Segundo Denzin e Lincoln (2006, p.15), a pesquisa qualitativa começa a se
configurar no século XX: na sociologia, o trabalho realizado pela “Escola de Chicago”
determinou a importância da investigação qualitativa para o estudo da vida de grupos
humanos e, na mesma época, na antropologia, foram traçados os contornos do trabalho
de campo com as descrições das invasões, com caráter etnocêntrico, tendo o “eu” como
referência. Em pouco tempo, a pesquisa qualitativa passou a ser empregada em outras
disciplinas das ciências sociais e comportamentais, incluindo a educação.
Denzin e Lincoln (2006, p.17) afirmam que a luta hoje é no sentido de relacionar
a pesquisa qualitativa às esperanças, às necessidades, aos objetivos, e às promessas de
uma sociedade democrática livre. Para Lüdke e André (1986), um dos desafios lançados
à pesquisa educacional é exatamente o de tentar captar essa realidade dinâmica e
complexa do seu objeto de estudo, em sua realização histórica. Segundo Lüdke e André
(1986), para se realizar uma pesquisa, é preciso promover o confronto entre os dados, as

30
A expressão foi inspirada em Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes (MORAIS, Vinicius de.
Soneto de fidelidade. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 96).
37

evidências e as informações coletadas sobre um determinado assunto e o conhecimento


teórico a respeito dele.
As características apresentadas permitem interpretar que a pesquisa qualitativa é a
adequada para esta investigação, tendo em vista que as questões em foco estão
relacionadas ao modo como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza um projeto
pedagógico alinhado com a história das comunidades do território quilombola Vão
Grande.

1.3 MÉTODO: ETNOGRAFIA

Os trilhos de investigação exigidos por esta pesquisa se delineiam a partir da


descrição densa da etnografia proposta por Clifford Geertz (2008). Segundo esse autor,
somente ao se compreender o que é a etnografia, ou mais exatamente, o que é a prática
da etnografia, é que se pode começar a entender o que representa a análise
antropológica como forma de conhecimento. No entanto, para Geertz (2008), a
etnografia não é uma questão de métodos. Embora a prática da etnografia seja
estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, levantar genealogias,
mapear campos, manter um diário, e, assim por diante, não são essas coisas, as técnicas
e os processos determinados, que definem o empreendimento. “O que o define é o tipo
de esforço intelectual que ele representa: um risco elaborado para uma ‘descrição
densa’” (GEERTZ, 2008, p. 04).
A descrição densa, praticada pela etnografia, permite diferenciar um tique
nervoso de uma piscadela31, percebendo que os dados passam pelo elo da significação,
de forma que, para Geertz o autor uma boa discrição já é em si mesmo densa e a
densidade implica interpretação.
Segundo Denzin e Lincoln (2006, p.18), o pesquisador etnográfico é visto como
um bricoleur32, um indivíduo que confecciona colchas ou, como na produção de filmes,
uma pessoa que reúne imagens transformando-as em montagens33.
A obra de Lüdke e André (1986) permite interpretar que o papel do observador
se constitui em um dos desafios da abordagem etnográfica. Assim, exige do pesquisador

31A expressão está fundamentada no livro “A interpretação das Culturas” (GEERTZ,2008).


32Bricoleur: Utiliza as ferramentas estéticas e materiais do seu oficio, empregando efetivamente
quaisquer estratégias, métodos ou materiais empíricos que estejam ao seu alcance (DENZIN e LINCOLN
2006).
33Montagem: costura, edita e reúne peças da realidade, um processo que gera e traz uma unidade
psicológica e emocional para uma experiência interativa (DENZIN e LINCOLN, 2006, p.19).
38

um arcabouço teórico e que conheça as várias possibilidades metodológicas para


abordar, compreender e interpretar a realidade. De acordo com Denzin e Lincoln (2006,
p.19), para validar as informações, o pesquisador etnográfico recorre à triangulação 34,
cruzando as informações, na tentativa de assegurar uma compreensão do fenômeno em
questão. Portanto, a etnografia teve como objetivo, nesta pesquisa, permitir a
observação e o registro do cotidiano e das experiências vividas pelas pessoas na escola e
na comunidade.

1.4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

1.4.1 Observação

Segundo Lüdke e André (1986, p.26), a observação ocupa lugar privilegiado nas
abordagens da pesquisa educacional. Utilizei a observação direta, pois, permite que o
observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”. Embora essa técnica
pudesse ser utilizada como única técnica de coleta, nesta pesquisa, a observação foi
associada a outras técnicas, tais como entrevistas, análise documental e recurso
fotográfico, com a finalidade de possibilitar a triangulação dos dados.
Inicialmente, elaborei o roteiro, o qual subdividi em duas partes: na primeira
parte, o objetivo do roteiro foi orientar a observação das ações, atitudes e sentimentos
em relação à efetivação da Educação Escolar Quilombola. Para tanto, elaborei as
seguintes questões: como os educadores se organizam no cotidiano? Que fazeres, ações
cotidianas permitem identificar o comprometimento dos profissionais da escola com a
efetivação da Educação Escolar Quilombola? Como os profissionais da escola se
relacionam com a comunidade? Existe uma efetiva participação da comunidade nas
ações da escola?
A segunda parte do roteiro pretendeu orientar a observação das aulas ministradas
na escola. Para tanto, elaborei as seguintes questões: Como as aulas são ministradas?
Quais estratégias de ensino são utilizadas pelos educadores? Como se dá a participação
dos educandos?
Também participei e observei vários eventos cotidianos da Comunidade tais
como: festas, reuniões, organização para entrega das cestas básicas, convites para chá de
bebê; acompanhei as atividades escolares, tais como: reunião de estudo para a
elaboração do projeto sala do educador, aulas realizadas na sala de aula, aulas de

34 A triangulação é uma ferramenta ou estratégia de validação dos dados (DENZIN e LINCOLN, 2006).
39

campo, aplicação de simulados do ENEM, e as aulas das Disciplinas específicas:


Práticas em Cultura e Artesanato Quilombola; Prática em Técnica Agrícola Quilombola
e Prática em Tecnologia Social. Com o objetivo não só de desfrutar o prazer de
contribuir/participar, mas também de me aproximar do significado que esses
movimentos simbolizam para a comunidade escolar.
Os dados observados foram organizados em um caderno de campo, o qual
também foi utilizado para registrar as minhas próprias impressões, sentimentos,
comportamentos ao longo da pesquisa. Essa prática me auxiliou a perceber minha
própria mudança de olhar em diversos momentos.

1.4.2 Entrevistas

Elaborei um roteiro para cada categoria de entrevistados, a fim de atender aos


objetivos propostos nas diversas categorias. Desse modo, o primeiro roteiro tinha como
objetivo, conhecer informações sobre a história do território quilombola de Vão Grande.
As perguntas foram aplicadas entre os guardiões da memória coletiva, os moradores
mais antigos da comunidade. a) Tem quanto tempo que o senhor mora aqui? O senhor
sabe da história deste lugar? Gostaria de me contar? O senhor já recebeu algum convite
para contar a história da comunidade na escola? O senhor considera importante ensinar
a história da comunidade na escola?
O segundo roteiro de entrevistas tinha como pretensão Conhecer a percepção dos
pais em relação a educação realizada na escola, a fim de compreender qual importância
os pais atribuem à aprendizagem: Seus filhos frequentam a escola? O senhor considera
importante eles estudarem? O que eles aprendem na escola? O que o senhor gostaria que
fosse ensinado na escola? O senhor frequenta a escola?
O terceiro roteiro tinha como objetivo compreender de que maneira se realiza a
síntese entre a proposta de educação escolar quilombola e a realidade da sala de aula. As
questões foram aplicadas entre os professores: onde você mora? Há quanto tempo
trabalha nesta escola? Qual a sua formação? Você participou de cursos de formação
sobre Educação Escolar Quilombola? De que maneira você relaciona a história e os
saberes da comunidade com as aulas ministradas na escola?
O quarto bloco de questões teve como objetivo compreender a percepção dos
estudantes sobre a escola: você se considera quilombola? O que você mais gosta na
40

escola? Você conhece a história da sua comunidade? A escola trabalha a história e a


cultura da comunidade?
O quadro geral dos entrevistados ficou assim estruturado na Tabela 6:

Tabela 6: Quadro geral dos entrevistados


Categoria dos N° de Objetivo da entrevista
entrevistados entrevistados
Pais 05 Conhecer a percepção dos pais em relação a educação
realizada na escola.
Professores/as 09 Compreender de que maneira se realiza a síntese entre a
proposta de educação escolar quilombola e a realidade da
sala de aula
Estudantes 05 Compreender a percepção dos estudantes sobre a escola

Guardiões da 05 Mapear informações sobre o histórico do Território


memória Quilombola Vão Grande.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora (2015).

As entrevistas foram gravadas, com autorização e consentimento dos


entrevistados, a autorização foi oficializada por meio da assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A gravação da entrevista tem como
objetivo proporcionar maior liberdade ao pesquisador para observar o entrevistado,
(LUDKE E ANDRÉ, 1986), permitindo ao pesquisador perceber informações que se
declaram nas expressões, embora estejam ocultas nas falas.
Utilizei entrevistas semiestruturadas, que, embora fossem individuais, muitas
vezes se mostraram coletivas, pois os demais membros da família interagiam na
conversa, demonstrando os muitos olhares: o do homem, o da mulher e o da criança.
Vozes que ora concordavam, ora divergiam, enriquecendo os dados e oferecendo
múltiplas possibilidades de análises. Na medida em que eu transcrevia as entrevistas,
muitas dúvidas iam surgindo, o que me obrigava a retornar e conversar novamente sobre
“o causo”35. A cada visita sempre fui recebida com carinho e a despedida era também
carinhosa: “Tchaaa,36 quê qué esse pode vim quando precisar”.

1.4.3 Pesquisa documental

Segundo Ludke e André (1986), a análise documental se constitui numa técnica


importante para a abordagem de dados qualitativos, revelando informações novas ou
não sobre um determinado tema ou problema, contribuindo para a validação da

Expressão “causo” é utilizada na comunidade para se referir a “um assunto”, “uma história”.
35

A expressão “Tcha” é utilizada para designar negação, indisponibilidade ou mesmo espanto,


36

dependendo da entonação como se pronuncia a expressão.


41

pesquisa. Nessa perspectiva, foram analisados documentos oficiais: tais como leis e
decretos a fim de conhecer a legislação pertinente à Educação Escolar Quilombola.
Também analisei documentos escolares, tais como: Atas, planos de aula,
cadernos de educandos e educadores, a fim de conhecer os saberes produzidos e em
circulação na escola.
Realizei visitas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária e ao Instituto de
Terras de Mato Grosso, a fim de encontrar registros sobre a contextualização histórica
do Território Quilombola Vão Grande. No INCRA, tive acesso aos processos de
implantação dos Projetos de Assentamento das Comunidades Baixio e Vaca Morta.
Visitei também o Arquivo Público de Mato Grosso e o Museu Histórico de
Cuiabá, para efetuar pesquisas documentais, a fim de encontrar registros sobre o
Território Quilombola Vão Grande, no entanto não localizei nenhuma informação que
contribuísse com a pesquisa.
Também analisei o “Relatório dos trabalhos realizados entre 1941 e 1942/
levantamento do Rio Jauquara e de outros trechos do Estado, destinado à conclusão da
Carta de Mato Grosso” escrito pelo 2º Tenente Luiz Moreira de Paula, por solicitação
de Cândido Mariano da Silva Rondon. O Relatório traz várias informações sobre o
Território Vão Grande, mas a sua tessitura guarda uma visão bastante etnocêntrica.

1.4.4 Recurso fotográfico

Além de dar suporte à pesquisa, a fotografia também se caracteriza por ser um


meio de comunicação capaz de divulgar o produto humano, formado por patrimônios
tangíveis e intangíveis de uma comunidade. Assim, o recurso fotográfico foi utilizado
para complementar as informações, a fim de oferecer ao leitor uma descrição mais
fidedgna das comunidades que constituem o Território Quilombola Vão Grande.
Fiz uso de imagens realizadas por mim, utilizei imagens dos educadores, e do
acervo escolar; o uso das imagens foi cedido por meio de autorização específica. Os
termos da autorização da imagem foram apreciados e aprovados pelo Comitê de Ética.
Utilizo a fotografia como recurso para conduzir o olhar do leitor a uma viagem
etnográfica nas cinco Comunidades que contituem esse Território, oferecendo uma
visão geral dele, embora o recorte desta pesquisa seja a Comunidade Baixio onde está
localizada a Escola Estadual José Mariano Bento.
42

Utilizei as imagens tanto para ilustrar, quanto para informar e denunciar


questões que seriam melhor compreendidas pelo leitor ao visualizar as imagens, dado
que ao “ver” torna-se mais difícil não se “indignar”37 com as situações observadas. A
exemplo, mostro as fotografias da trajetória diária dos educandos das Comunidades
Vaca Morta e Retiro para acessar a escola; mostro ainda as fotografias que denunciam a
situação de descaso da construção do prédio escolar e a imagem da quadra
poliesportiva, opontada em todas as entrevistas dos jovens com tristeza.
As fotografias também buscam expor algumas belezas naturais do território,
lugares de dificeis descrição, dado o tamanho da beleza que se encerra naqueles
espaços, a exemplo, mostro os rios, canions, grutas, cachoeiras e nascentes que
compoem o cenário natural do Território Quilombola Vão Grande. Essa amostragem se
torna mais substancial se o leitor estiver junto comigo, por isso, peço licença para fazer
uso da 1ª pessoa do plural em alguns momentos da narrativa, quando esse olhar se
tornar mais urgente.

1.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO

Para a realização da análise dos dados, nesta pesquisa, associei a Análise


Etnográfica proposta por Geertz (2008) aos paradigmas da Análise de Conteúdo.
Análise de Conteúdo é um conjunto de instrumentos metodológicos que se
aperfeiçoa constantemente e que se aplica a discursos diversificados, principalmente na
área das ciências sociais, com objetivos bem definidos e que servem para desvelar o que
está oculto no texto, mediante decodificação da mensagem. Para Minayo (2007), essa
análise permite caminhar na descoberta do que está por trás dos conteúdos manifestos,
indo além das aparências do que está sendo comunicado.
Para Bardin (1979), é necessário analisar a informação a partir de um roteiro que
perpassa pela pré-análise, momento da escolha dos documentos, da formulação das
hipóteses e objetivos; a fase seguinte é a exploração do material, na qual se aplicam as
técnicas específicas segundo os objetivos e finalmente o tratamento dos resultados e
interpretações.

37
A expressão foi inspirada em “Carta aos meus filhos” de Ernesto Chê Guevara.
43

1.6 COMITÊ DE ÉTICA

Realizei o cadastro do Projeto na Plataforma Brasil encaminhando-o ao Comitê


de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, para análise e parecer. Foram submetidos
para apreciação do Comitê, o projeto de pesquisa e o termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. Este último solicita aos pesquisados a autorização para uso de imagens
(fotografia e vídeo) e voz (entrevistas). Após a aprovação do Comitê de Ética, por meio
de parecer consubstanciado, iniciei a pesquisa de campo.
Os sujeitos participantes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido/ TCLE. Foi esclarecido
também que as imagens fotográficas, as informações do diário de campo, as filmagens e
gravações de voz, seriam utilizadas somente para os propósitos desta pesquisa.
No próximo capítulo, busco contextualizar as comunidades, onde vivem os
estudantes da Escola José Mariano Bento: Baixio, onde a escola está localizada,
Camarinha, Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro.
44

CAPÍTULO II

2. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS E DESCRIÇÃO


ETNOGRÁFICA DO CONTEXTO LOCAL

Este capítulo busca contextualizar as comunidades, onde vivem os estudantes da


Escola José Mariano Bento: Baixio, onde a escola está localizada, Camarinha, Morro
Redondo, Vaca Morta e Retiro, localizadas a aproximadamente 80 km, da sede do
município de Barra do Bugres-MT.
O capítulo é um convite a uma viagem etnográfica, não daquelas feitas de trem,
de onde “percebemos apenas uma imagem vaga, fugaz, e quase não identificável [...]
que não traz nenhuma informação sobre si mesma e meramente nos irrita” (GEERTZ,
2001, p.75). Tomara, meu Deus, tomara38, seja uma viagem em carro de boi, como
aqueles que com suas rodas de madeira, outrora, conduziam os primeiros moradores do
Território Quilombola Vão Grande, assim sendo, poderemos observar as cachoeiras,
rios e grutas, nos encantar com ipês floridos, nos indignar com pontes quebradas e
atoleiros, e até conversar com as pessoas que encontrarmos no caminho.
Em cada comunidade, faremos uma breve pausa para tomar um cafezinho, chá
com bolo ou guaraná, enquanto as vozes dos Guardiões da memória ecoam ao contarem
os causos do lugar. Nesses momentos, vamos juntos conhecer um pouco da história e da
organização política de cada comunidade. Saliento, entretanto, que nossa maior pausa,
será na Comunidade Baixio, onde a Escola José Mariano Bento, está localizada, e que é
o foco desta pesquisa. Para tanto, busquei dialogar, entre outros, com Nascimento
(2002), Volpato (1996), Clóvis Moura (2001, 2010), Arruti (1997), Munanga e Gomes
(2006).

2.1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS

Olha Zumbi dos Palmares ai!


Onde é que está? Onde é que está?
Abra os seus olhos menino e não deixe esse povo na rua!
É a esperança gritando que a luta Continua!
Música: Zé Pinto

As histórias das comunidades remanescentes de quilombos são como gritos de


esperança, silenciados por dor, violência e opressão. Essa opressão pode estar
representada na inaplicabilidade da Constituição de 1988, que, apesar de assegurar que

A expressão “Tomara, meu Deus, Tomara” foi inspirada nas canções: Tomara, meu Deus, tomara de
38

Alceu Valença e Último pau de arara de Luiz Gonzaga.


45

as comunidades remanescentes de quilombos tenham direito às terras que ocupam, a


realidade desvela uma situação de precariedade, na qual pouco se tem realizado para
efetivamente regularizar a titulação dessas terras.
Ao longo da história do Brasil, os saberes relacionados às comunidades
quilombolas foram silenciados, com dor e correntes. Para fazer calar a participação dos
homens, mulheres e crianças que, como afirma Castilho (2011, p.62), “implementaram
inúmeras ações cotidianas, cujos feitos e nomes a História oficial quase nunca
registrou”.
Esse apagamento, perdurou séculos, deixando como herança perdas materiais e
imateriais irreparáveis. Após um longo tempo de descaso, invisibilidade e silenciamento
com a história dos negros no Brasil, o País acumulou uma dívida histórica, no sentido
de perceber as contribuições da população negra. A história da escravidão, tal como
aponta Munanga e Gomes (2006), mostra que a resistência negra foi marcada por atos
de coragem, demostrados por meio de insubmissão às condições de trabalho, revoltas,
organizações religiosas, fugas e organização de sociedades alternativas como os
mocambos ou quilombos.
Nesse sentido, é possível afirmar que os quilombos brasileiros representam os
mecanismos de oposição à estrutura escravocrata que se estabeleceu no Brasil. Como
define Munanga e Gomes (2006), os quilombos simbolizam a organização de homens e
mulheres que se recusavam a viver sob o regime da escravidão e desenvolviam ações de
rebeldia e luta contra esse sistema.
Para Nascimento (2002), os quilombos estão em constante movimento na
tentativa de atender às exigências do tempo e do espaço e simbolizam uma forma de
resistência desenvolvida pelos negros escravizados na tentativa de reverter às condições
sociais, uma ideia-força, uma energia que inspira modelos de organização desde o
século XV. Para Castilho (2011), os quilombos simbolizam a terra da liberdade, e, na
visão de Clóvis Moura (2001), onde houve quilombo também houve resistência.
De acordo com autores como Volpato (1996), os quilombos estabeleciam
relações com a sociedade local, na qual havia troca de favores ou mercadorias, como
alimentos, tecidos, cachaças, fumo, armas e pólvoras, demonstrando um outro viés de
concepção dos quilombos.
As reflexões tecidas pelos autores supracitados me inspiram a ousar afirmar que
as comunidades quilombolas no Brasil, são como gritos de esperança, que embalam
46

canções e alimentam sonhos, tal como a própria terra que, ao se fazer mãe, carrega ao
seio, os filhos e, com ternura, ao mesmo passo que os acolhe, também os instiga a
continuar lutando. Como veremos a seguir, a história coletiva das famílias, que
constituem o Território Quilombola Vão Grande, é símbolo dessa esperança que grita,
instiga, luta, faz caminhar. Sigamos!

2.2 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA

A Escola José Mariano Bento atende estudantes de cinco comunidades: Baixio,


Camarinha, Vaca Morta, Morro Redondo e Retiro. Essas comunidades estão localizadas
no Complexo da Serra das Araras39, há 80 km da sede do município de Barra do
Bugres-MT e aproximadamente 240 quilômetros da capital de Mato Grosso, (Ilustração
1):

Ilustração 1: Rota Cuiabá/Vão Grande


Fonte: Site distância cidades. Adaptado pela pesquisadora.

Para chegar à Escola José Mariano Bento, partindo de Cuiabá, capital de Mato
Grosso, uma parte do percurso é feita por asfalto, durante o trajeto, passamos pela ponte
(Ilustração 2), que divisa os municípios de Várzea Grande e Cuiabá. Atravessamos

39
O Decreto nº 87.222, de 31 de maio de 1982, que cria as Estações Ecológicas do Seridó, Serra das
Araras, Guaraqueçaba, Caracaraí e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D87222.htm>.
47

Várzea Grande até chegar ao trevo por onde seguiremos pela BR – 364; chegaremos ao
município de Jangada, considerada a Capital do Pastel - onde é quase impossível não
parar para saborear um pastel quentinho, onde pequenos estabelecimentos, localizados
às margens da Rodovia comercializam pasteis diversos e os caminhoneiros disputam,
com os outros veículos, as vagas no estacionamento, a fim de encontrar um lugar para
fazer uma pequena pausa na longa estrada, (Ilustração 3).

Ilustração 2: Ponte Cuiabá/Várzea Grande Ilustração 3: Jangada


Fonte: Site Drone Cuiabá Fonte: Site Jangada MT

Depois do breve descanso, é hora de seguirmos caminho pela MT - 246, pela


qual adentramos as terras do município de Rosário Oeste, passamos pela Comunidade
Bauxi localizada às margens da BR – 246. Em seguida, chegaremos a uma ponte que
estabelece a divisa entre Rosário Oeste e Barra do Bugres. Já em terras barrabugrenses,
é importante fazermos uma parada para conhecer um pouco o município mais próximo
do Território Quilombola Vão Grande, e comarca de três das cinco comunidades que
constituem a território quilombola: Baixio, Camarinha e Morro Redondo, dado que as
outras duas comunidades: Retiro e Vaca Morta pertencem ao município de Porto
Estrela. Ressalto, porém, que todas as cinco Comunidades estabelecem negócios com o
município de Barra do Bugres, sendo nele que os moradores resolvem questões
bancárias, compram alimentos, negociam seus produtos.
A sede do município está localizada a aproximadamente 150 km de Cuiabá,
capital de Mato Grosso, nessa terra vive o povo Umutina, desde muito tempo com suas
histórias e seus saberes. Eles palmilhavam a terra, quando as viram invadidas pelo
48

colonizador40. Também vivem nesse lugar os descendentes de pessoas que foram


escravizadas41, e que, em busca de liberdade, encontraram proteção em meio às serras,
em meio às matas. Vive ainda os Sem Terra, que tão teimosamente seguem ocupando
terras, derrubando cercas e conquistando o chão, organizados em vários assentamentos
do município. Histórias e memórias que a história oficial quase nunca registrou, antes
fez calar. Silenciou.
A versão da história do município, apresentada no site do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE (2015), informa que, em 1878, inicia-se o povoamento
de Barra do Bugres, com a chegada dos exploradores de poaia. O município está
localizado na bacia do Alto Paraguai, na mesorregião Centro Sul de Mato Grosso, é
banhado pelo Rio Bugres e Rio Paraguai, seus limitem fazem divisa com os municípios
de Tangará da Serra, Nova Olímpia, Denise, Alto Paraguai, Araputanga, Rosário do
Oeste, Porto Estrela, Lambari d'Oeste, Cáceres, Salto do Céu, Vale do São Domingo,
Jauru e Reserva do Cabaçal (IBGE, 2015).
De acordo com os dados do IBGE (2015), o município de Barra do Bugres,
possui uma área de 6.060,199 km. A mesma fonte afirma que, em 2014, havia uma
população estimada em 33.365 pessoas, destas 18,23% residem na zona rural,
distribuídos principalmente nos assentamentos, aldeia e quilombos do município. O
município vem tentando se desenvolver a partir da produção de biocombustíveis e
açúcar (MACIEL, 2011). Sua economia consiste também na existência de frigorífico,
indústria de ração animal, indústria de madeira, indústria moveleira, serrarias, máquinas
de beneficiamento de arroz, marcenarias, gráfica, metalúrgica, serralherias, indústria de
cerâmica e o comércio local (IBGE, 2015). Segundo os dados do IBGE, a população
masculina economicamente ativa no município equivale a 8.985 pessoas, sendo 69,21%
pardos ou negros. Dentre as mulheres, a população economicamente ativa equivale a

40
A análise de Quijano (2005) infere que os colonizadores exercitaram o poder tomando por base a “raça”
das pessoas, essa categorização foi adotada por todos os povos da Europa, ao dominarem grupos
humanos. Com a expansão do colonialismo europeu, essa forma de imposição de poder se espalhou pelo
mundo, se tornando o mais vergonhoso, modo de dominação social, material e intersubjetiva.
41
A análise realizada por Rafael Anjos (2009), desvela que o tráfico de escravos da África para a América
foi, durante mais de três séculos, uma das maiores e mais rendosas atividades dos negociantes europeus,
ao ponto de se tornar impossível precisar o número de africanos retirados de seu habitat, com sua
bagagem cultural, a fim de serem, injustamente, incorporados às tarefas básicas para formação de uma
nova realidade. Lutas sangrentas, violência, situação completamente novas de deslocamento e adaptações,
mortes e crueldade, tudo isso concorreu para efeitos multiplicadores do grande negócio que foi o tráfico
de escravos, tais como o crescimento da indústria naval, da indústria bélica, da agricultura, da mineração
e da atividade financeira, fechando o ciclo de acumulação primitiva de capital.
49

5.322 pessoas, sendo que, desse universo, 65,76% são pardas e negras. A Tabela 7,
apresenta outros dados:

Tabela 7: Desigualdades entre Brancos, Pardos e Negros


Brancos Pardos ou Negros
População economicamente ativa de homens com 16 anos 2.766 pessoas 6.219 pessoas
ou mais de idade
População economicamente ativa de mulheres com 16 1.822 pessoas 3.500 pessoas
anos ou mais de idade
Rendimento Mediano de todas as fontes das pessoas de 10 800 reais de 630 reais de 2010
anos ou mais de idade 2010
Rendimento Médio de todos os trabalhos das pessoas de 1.443,22 reais 977,03 reais de
16 anos ou mais de idade ocupadas. de 2010 2010
Total de pessoas entre 18 e 24 anos que não haviam 369 pessoas 1.204 pessoas
concluído o ensino médio e não estavam frequentando a
escola
Fonte: IBGE

Os dados desvelam que quanto ao rendimento, os negros e pardos estão sempre


em desvantagem em relação aos brancos, de modo que a renda entre os negros e pardos
do município de Barra do Bugres é bem menor que a renda dos brancos. O Total de
pessoas entre 18 e 24 anos de idade que não havia concluído o ensino médio e não
estava frequentando a escola desvela outro aspecto da desigualdade entre negros e
brancos no município, pois, das 1573 pessoas nessa situação, 76,54% são negras ou
pardas.
No seio do município de Barra do Bugres, abrigam-se oito comunidades
quilombolas, embora nem todas estejam certificadas. Segundo dados informados na
Fundação Palmares42, atualizados em 27 de julho de 2015, constam quatro43
comunidades certificadas e cinco comunidades que estão com processos abertos para
emissão de certidão.
Voltando à viagem etnográfica, que conduz ao Território Vão Grande, uma
pequena casa solitária indica a entrada de chão que conduz à Comunidade Baixio, onde
a Escola José Mariano Bento está localizada.

2.2.1 Território Quilombola Vão Grande.

A pequena casa solitária (Ilustração 4) indica a entrada para o Território


Quilombola Vão Grande, doravante todo o percurso é feito por entre duas serras,

42
Acesso em: 23 abril 2015.
43
O site apresenta cinco comunidades certificadas no município de Barra do Bugres, mas numa delas são
atribuídos dois municípios: Barra do Bugres/ Porto Estrela. Ao procurar mais informações, verifiquei que
a comunidade denominada “Voltinha” pertence ao município de Porto Estrela.
50

conforme Ilustração 5, as duas serras formam um gigantesco vale. A região, onde está
localizada o Território Vão Grande, tem uma das mais lindas belezas cênicas do Estado,
conserva intactos cânions, grutas, rios, nascentes, e plantas nativas.

Ilustração 4: Entrada do Território Vão Grande Ilustração 5: Estrada para Vão Grande
Fonte: Acervo Pesquisadora Fonte: Acervo Pesquisadora

A Região também guarda histórias e memórias dos homens e mulheres que ali
vivem por séculos, em um esforço continuo de preservar seus saberes e suas tradições.
A paisagem contrasta dois modos de vida: o das grandes fazendas, e o das comunidades
tradicionais que congregam o solo sagrado do Território Quilombola Vão Grande, para
quem “terra” é a própria “vida”.
No período chuvoso, que se estende principalmente de dezembro a fevereiro, por
vezes, as águas cobrem as estradas, que, nesses momentos, assemelham-se a pequenos
córregos (Ilustração 6) ou formam grandes atoleiros, tal como mostra a Ilustração 7, na
qual o ônibus escolar aparece atolado no barreiro, caracterizando uma situação
frequente, que causa muitos prejuízos à escolarização dos estudantes.

Ilustração 6: Estrada alagada Ilustração 7: Atoleiro na estrada


Fonte: Acervo da escola Fonte: Acervo da pesquisadora

O atoleiro nos obriga a fazer uma pequena parada para discutir os prejuízos
causados pela ausência de estradas trafegáveis; os quais também são discutidos em
outras pesquisas sobre comunidades quilombolas, sejam exemplo a pesquisas de
Taveira (2013) e Reis (2003).
51

As péssimas condições das estradas dificultam o acesso dos educandos e dos


educadores, à escola. Inúmeras vezes impede a realização das aulas. A cada ano, novos
noticiários registram as más condições das estradas e os prejuízos que causam à
escolarização dos habitantes dessa região.
Apesar das denúncias, a situação parece não se resolver e se agrava a cada novo
ano: as dificuldades enfrentadas pelos alunos e professores são inúmeras, a falta às
aulas, as longas distâncias que eles precisam perfazer, pois, quando o ônibus atola, é
necessário fazer o restante do percurso a pé.
A reclamação sobre as condições das estradas é uma das mais frequentes nas
reuniões de pais ou das associações. Esses depoimentos são significativos a esse
respeito:
Muitos dias falta aula, a culpa não é dos professores, por que eles esforçam
para vir trabalhar, levantam tão cedo, nem dos motoristas, que fazem de
tudo para conseguir chegar. É falta do governo do município cuidar da
estrada, cuidar no tempo certo, pra quando chegar o tempo das águas, o
ônibus não atolar. Pra senhora ver, a chuva é mandada por Deus, mas se
não arrumar a estrada, atola mesmo! (ODILON, pai).

As vezes a gente fica aqui na escola um tempão esperando os professores


chegarem, quando o carro atola ou quebra, tem dias que eles conseguem
chegar, tem dias que não, até que a gente vai embora, faz tudo de a pé de
volta, atravessa o rio novamente. Isso prejudica a gente, mas se arrumassem
as estradas, evitava essa situação (MARILENE, educanda).

Já houve dia, em que ficamos na estrada por cinco horas, no meio do


percurso. Tem momentos que que o carro atola, em outros momentos o carro
quebra. Passamos de tudo nesses momentos de improviso, até fome e sede.
Mas persistimos, porque já trabalhamos nesta escola há muito tempo,
criamos um vínculo, um laço (ELIENE LIMA, educadora urbana).

O negócio da escola assim pra nós só não está bom, por que quase não
funciona, falha demais, por que o carro sempre não tem né, como aqui
mesmo tem neto ai, tem duas netas, três já que está estudando que mora
aqui, pelo que vai indo está feio (JOSÉ AMBRÓSIO, avô, 66 anos).

As narrativas permitem interpretar que a comunidade escolar comunga o desejo


da manutenção das estradas, em tempo hábil. Para isso, faz-se necessário investimento
público, tal como indica o Parecer das Diretrizes da Educação Escolar Quilombola: “nas
estações de chuva, o transporte nem sequer chega a essas comunidades, o que significa
que os estudantes não conseguem frequentar a escola, e as escolas não cumprem o total
da carga horária mínima de 800 horas garantidas na LDB” (Parecer CNE/CEB, p.39, nº
16/2012).
O Plano Municipal de Educação do município de Barra do Bugres, ao se referir
ao transporte, afirma que o município deve: “4.2 Oferecer meios de transportes
52

adequados e de qualidade para os alunos do campo, povo indígena e quilombolas”


(PME, Barra do Bugres. 2015, p.74). No entanto, como foi observado nas entrevistas, a
realidade é bem outra.
Quando as chuvas se vão, é tempo de seca no lugar. Nas estradas, os buracos
profundos se espalham por todo o caminho, “hora da manutenção que nunca vem!”,
dizem os moradores, em relação ao tempo adequado para os órgãos competentes
realizarem a manutenção. Nas margens da estrada, a poeira tinge de vermelho as árvores
que outrora verdejavam.
A poeira se alia às más condições dos ônibus escolares e tornam o percurso
insuportável. Por mais que os educandos e educadores saiam limpos de casa, chegam à
escola cobertos de poeira, agravando o quadro de cansaço e fome. Esses fatores
interferem diretamente na qualidade do ensino-aprendizagem.
Os professores urbanos saem de casa pouco depois das quatro da manhã,
fazendo um trajeto de quase três horas em uma Kombi, desprovida de qualquer
conforto. Enfrentam lama e atoleiros ou poeiras e buracos, para, em seguida, entrar nas
salas e ministrar aulas a educandos que aguardam igualmente cansados, por terem
percorrido longas distâncias a pé, atravessando rio de canoa, ou também por terem
enfrentado as mesmas condições de transporte e trafegabilidade.
Voltando à estrada, podemos observar que, por todo o caminho, no período da
seca, as árvores se despem, como que, em um ritual, preparando-se para oferecer em
tempo vindouro, o grande espetáculo das flores, como mostram as Ilustrações (8 e 9).
Cabe a elas desenhar um cenário multicor que adorna as casas e torna o dueto das serras
ainda mais belo.

Ilustração 8: Ipê Amarelo Ilustração 9: Flores


Fonte: Acervo, Maria Helena Dias Fonte: Acervo, Rafael Bento
53

Depois de percorrermos aproximadamente 20 quilômetros, avistamos o


cemitério das Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo, que fica localizado às
margens da estrada que conduz ao Território Quilombola Vão Grande. Ali é importante
fazermos novamente uma pequena pausa.

Ilustração10: Cemitério das Comunidades Baixio, Morro Redondo e Camarinha.


Fonte: Acervo da Pesquisadora

O cemitério tem aproximadamente 200 metros quadrados. O fato de o cemitério


estar localizado na área de uma das fazendas desvela que outrora essa terra já pertenceu
ao povo quilombola, como também pode ser observado nas narrativas das entrevistas.
Dois depoimentos são bastante pertinentes nesse sentido:
No começo aqui não existia fazendeiro, tudo era comum, não tinha cerca,
nem nada, nossa irmandade está enterrada nesse cemitério, que nós mesmo
que fizemos tem muito tempo (CONSTANTINO, 90 anos).

Quando esse cemitério foi feito, também foi feito o cemitério dos anjinhos,
não existia essas fazendas aqui, mas com o tempo, foi chegando, chegando...
(MAXIMIANO, 73 anos).

O cemitério permite o acesso a informações como a data de nascimento e ou


morte dos moradores. Os nascimentos mais antigos datados no cemitério são os de José
Mariano Bento, consta de 19 de março de 1915; o de Maria Eulália de Lima, datado de
16 de abril de 1916; o de Brígida Viúva de Lima, datado de 8 de outubro de 1920, e o
de Pedro Verônico Maciel, datado de 29 de abril de 1922. Entretanto, em muitas
sepulturas, as cruzes, por serem bem antigas, não permitem identificar a quem elas
pertencem.
54

De volta à estrada, mais adiante, chegamos a uma bifurcação, na qual, seguindo


à esquerda, teremos acesso às Comunidades Camarinha e Morro Redondo. Seguindo
por essa estrada, depois de passar pela ponte do Córrego Grande, nova bifurcação, na
qual, à esquerda, chegaremos à Comunidade Morro Redondo e, à direita, chegaremos à
Comunidade Camarinha. Seguimos para a Comunidade Camarinha para conhecer um
pouco do lugar onde moram parte dos estudantes da Escola José Mariano Bento.

2.2.2 Comunidade quilombola Camarinha

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade


Camarinha, código do IBGE nº 5101704, em 11 de maio de 2007, entrou com processo
nº 01420.001178/2007-74, solicitando a certificação como comunidade quilombola, o
qual se encontra no INCRA, em análise técnica aguardando complementação de
documentos. Nessa comunidade, avistamos várias residências, na sua maioria,
construídas de barro e cobertas de palhas; de acordo com o presidente da Associação, a
situação financeira das famílias das Comunidades Camarinha e Morro Redondo são
semelhantes, pois nas duas comunidades elas sobrevivem da venda de banana, ele
explica que algumas famílias recebem Bolsa Família e outras têm algum membro que
recebe aposentadoria.
De acordo com Brandão (2003, p.128), os indicadores demonstram que “há uma
relação estreita entre as condições materiais da vida familiar e a trajetória escolar das
crianças que estudam – ou que já deixaram de estudar – no primeiro grau da escola
pública”. Segundo o autor, quanto mais cara é a escola de ensino fundamental, maior o
sucesso escolar. Na mesma medida, em que, quanto mais distante do centro urbano a
escola se localiza, menores são os índices de insucesso escolar, nas quais, além das
carências socioeconômicas, somam-se as carências econômico-pedagógicas da escola.
Todos os moradores da Comunidade são católicos; as reuniões religiosas são
realizadas na igreja, construída de pau a pique. As ilustrações 11 e 12 mostram casa da
comunidade camarinha. Na comunidade também tem a construção de um prédio escolar
construído no ano de 2004, embora a narrativa de Dona Joanita Lima, “nascida e
criada”44 na região Vão Grande, desvele que, por muito tempo, não houve
escolarização formal na comunidade Camarinha.

44
“Nascida e criada”, é uma expressão utilizada como critério de identificação, há quem seja “nascido e
criado” e outros que nasceram, mas foram embora, cresceram fora da Comunidade, e, portanto, são
merecedores de menos prestígio, em relação à memória do lugar.
55

Comecei a estudar depois de casada, não tinha aula quando eu era criança,
eu morava na Camarinha e só tinha no Baixio e no Morro Redondo e não
tinha como ir, ai eu não ia. [...] por isso não estudei quando era criança,
comecei a estudar depois de casada. Estudava com Maria Helena, ali no
Morro Redondo, ela abriu uma casinha, para os adultos, eu não sabia ler e
escrever, ela falava “vamos continuar!”. Eu ia de moto, na garupa dela, eu e
as meninas dela, e foi e foi... Depois de adulta terminei o terceiro ano, formei
(JOANITA LIMA, mãe).

A partir do ano de 2010, os estudantes passaram a frequentar as aulas na


Comunidade Baixio, quando as escolas foram nucleadas, e passaram a utilizar o ônibus
escolar, conforme discorrerei no capítulo III.

Ilustração 11: Casa da Comunidade Ilustração 12: casa da comunidade


Fonte: Maria Helena Dias Fonte: Maria Helena Dias

A Comunidade Camarinha tem esse nome devido à existência de uma gruta


localizada perto dela. De acordo com Joacil Bento, a gruta é pouco visitada pelos
moradores, pois, para ter acesso a ela, é necessário passar pelas terras dos fazendeiros.
Desse modo, os moradores têm pouco acesso à gruta e preferem ir ao “Salto” que fica
na Comunidade Baixio, e onde todos têm acesso.
No Relatório, intitulado “Levantamento do Rio Jauquara e de outros trechos do
estado, destinados a Carta de Mato Grosso”, realizado entre 1941-1942, pelo 2º Tenente
Luiz Moreira de Paula, sob a orientação do General Cândido Mariano da Silva Rondon,
encontrei vários registros sobre as comunidades que constituem o território quilombola
Região Vão Grande. Dentre eles, descrições sobre a caverna da Camarinha.
O morro da camarinha onde se encontra imensa caverna calcárea, capaz de
abrigar três mil pessoas. Escurissima, visitamo-la a lúz de lanternas, candeias
e archotes. Sua beleza, seus indiscritiveis arranjos ornamentais, resultantes do
trabalho milenar de gotas d’água carregadas de calcio, fazem-nos lembrar os
palacios encantados descritos nos contos das mil e uma noites (PAULA,
1982, p. 105).

O Relatório ainda apresenta outros relatos da caverna, e descreve a parte que foi
percorrida sob a iluminação de lanternas elétrica e candeia de sebo. Apesar de o
Relatório indicar a necessidade de pesquisas sobre a caverna “é possível que nossos
56

arqueólogos ainda venham a escrever interessante capítulo como resultado das


pesquisas que futuramente façam ali” (PAULA, 1982, p. 105), no entanto, não encontrei
pesquisas sobre a região.
Voltando à viagem etnográfica, retornamos à bifurcação da estrada e seguiremos
pela esquerda para conhecer a Comunidade Morro Redondo, localizada nas
proximidades da Cabeceira do Córrego Grande e cercada por altas serras.

2.2.3 Comunidade quilombola Morro Redondo

De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade Morro


Redondo, identificada sob nº 2.151, processo nº 01420.001177/2007-20, foi certificada
em 24 de abril de 2010, como comunidade remanescente dos quilombos, no entanto,
apesar de já ter recebido a certificação, os moradores se mostram insatisfeitos com a
falta de “benefícios”, e entre as reclamações mais constantes nessa Comunidade consta
a demora na construção das casas, conforme destaca o Senhor José Ambrósio da Silva,
66 anos:
Aquele documento quilombola que saiu lá no Vãozinho, lá no Baixio, aqui
também saiu, mas diz eles lá no Incra, para nós, que esse papel, quase que só
é para mostrar que é né... Mas...Olha, nós aqui não temos nem casa, as casas
que saíram para as turmas do Vãozinho45 e do Baixio, nós aqui não temos,
enquanto não ter um documento das terras, não tem casa.

Ele lamenta o fato de a Comunidade não ter recebido as casas, tal como as
Comunidades Baixio e Vaca Morta receberam. De fato, a maior presença de casas
construídas de pau a pique está concentrada nas Comunidades Morro Redondo e
Camarinha (Ilustração 13).

Ilustração 13: Casas da Comunidade Ilustração 14: Igreja da Comunidade


Fonte: Mari Bento Fonte: Mari Bento

45
Vãozinho, é uma comunidade quilombola, localizada nas proximidades do Vão Grande.
57

Os moradores da Comunidade Morro Redondo são todos católicos, as


celebrações religiosas da Comunidade são realizadas na igreja (Ilustração 14). A
Comunidade também possui um campo de futebol (Ilustração 15).

Ilustração 15: Campo de Futebol da Comunidade Ilustração 16: Antiga Escola


Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

A Ilustração 16 mostra o prédio de madeira, que outrora foi escola, mas que,
agora, abriga a família da professora Lucimara, que ainda jovem veio lecionar na
escola; casou com um dos moradores e permaneceu na Comunidade. Com a nucleação
das escolas do Território Vão Grande, no ano de 2010, os estudantes passaram a estudar
na Escola José Mariano Bento, na Comunidade Baixio, e a professora e sua família
passaram a utilizar o prédio da escola como moradia.
De acordo com o presidente da Associação das Comunidades Morro Redondo e
Camarinha, a água é outra dificuldade que eles enfrentam; atualmente a água que
abastece as casas da Comunidade vem de uma mina, mas é insuficiente.
Durante a pesquisa documental, localizei, no Diário Oficial de Mato Grosso,
dois processos solicitando abertura de poços nas comunidades quilombolas do
município de Barra do Bugres, dentre as quais, Morro Redondo, Baixio e Vão Grande 46.
Indaguei ao presidente da Associação sobre a existência de poços artesianos na
comunidade, ao que ele explica: “A prefeitura furou um poço artesiano, mas nunca
colocou a bomba, o poço está parado e a gente sem água”. As palavras desvelam o
descaso que a comunidade enfrenta para permanecer em sua terra.

46
A denominação “Vão Grande”, no Diário Oficial, faz referência às Comunidades Vaca Morta e Retiro.
58

A preservação das nascentes é assunto de aprendizagem na Comunidade, onde


por séculos as famílias ensinam aos mais jovens a cuidar do “Córgo47”. Os
ensinamentos sobre os cuidados que se deve ter são transmitidos através das gerações:
“não pode queimar, nem jogar o lixo, nem cortar as árvores de roda da nascente”
dizem os Guardiões da Memória. De acordo com Dias; Costa; Bento (2013), apesar do
esforço secular, para preservar as nascentes do território, seguindo as orientações de
seus antepassados, as práticas desenvolvidas nas fazendas em volta da Comunidade
dificultam a preservação do ambiente.
Os ensinamentos dos “mais velhos” sobre a preservação ambiental também são
discutidos nas aulas da Escola José Mariano Bento, e tal como outros assuntos de
interesse da Comunidade, transformam-se em projetos didáticos, em estudo de pesquisa,
que envolvem toda a comunidade escolar; após a execução, os projetos são publicados
em forma de artigo48, tais como: Sales; Lima; Vieira (2014), reflete sobre a 1º olímpiada
de matemática do 1º e 2º ciclo da escola Estadual José Mariano Bento. Campos; Dias;
Bento (2014), perscruta o papel da E. E. José Mariano Bento na educação nutricional;
Evangelista; Bento; Dias (2014), discute o projeto escolar sobre a identificação e
valorização dos tipos de moradias existentes nas comunidades quilombolas do território
vão Grande.
Voltando à viagem etnográfica, retornamos à estrada principal, pelo caminho
que conduz à Escola José Mariano Bento, depois de atravessar a ponte do Córrego
Grande, logo encontraremos as primeiras residências da Comunidade de Baixio.

2.2.4 Comunidade Quilombola de Baixio

Nessa Comunidade, demoraremos mais, visto que nela está localizada a Escola
José Mariano Bento, lócus desta pesquisa. A Comunidade Quilombola de Baixio49 é a
mais visitada dentre as cinco comunidades que formam o Território Quilombola Vão
Grande, devido ao fato de que é nela que está localizada a Escola José Mariano Bento,

47
Córgo: córrego
48
Nas referências desta pesquisa constam outros artigos publicados pelos profissionais da Escola José
Mariano Bento.
49
Cabe destacar que a comunidade foi denominada no Projeto de Assentamento como P.A. Baxiu.
Entretanto, na Certidão de Reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares, a comunidade foi
denominada como Comunidade Quilombola de Baixio. Utilizarei, nesta pesquisa, a denominação
atribuída no documento de reconhecimento e certificação da Fundação Palmares “Comunidade
Quilombola de Baixio”.
59

que, além de atender os alunos da região, ainda funciona como Centro Cultural das
Comunidades, sendo, pois, um espaço de reuniões, cursos e encontros.
De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade de
Baixio, processo nº 01420.001.777/2005-26, foi certificada em 12 de setembro de 2005.
Baixio está organizada politicamente em uma associação denominada “Associação de
Pequenos Produtores Rurais da Gleba Baxio”, cujo presidente se chama Izaltino, e o
vice presidente se chama Rafael.

Ilustração 17: Casa Dinalva Ilustração 18: Casa Beira da Estrada


Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

As Ilustrações 17 e 18 apresentam o modo como as famílias se organizam; é


interessante vincar que é uma prática bastante comum, os filhos, ao casarem,
construírem as casas no lote dos pais, ou caso, algum filho, irmão ou irmã do
proprietário, que estava morando fora da comunidade no período em que as terras foram
parceladas, resolve voltar a morar na comunidade, também é acolhido no “lote” e ali
constrói sua casa.
A Comunidade está organizada em “lotes”, devido ao período em que integrou o
programa de Reforma Agrária do Instituto de Terras de Mato Grosso/INTERMAT50.
Cabe esclarecer que a Comunidade Baixio integrou dois programas, o Programa de
Reforma Agraria51 e o Programa Quilombola, a princípio, no ano de 2002, integrou o
programa de Reforma Agrária, quando as terras foram divididas em 16 lotes.

50
O primeiro registro da tramitação do processo consta de 1997, conforme DOEMT de 04 de setembro.
Nele, as terras que constituem a Comunidade são arrecadadas como devolutas e incorporadas ao
patrimônio do Estado de Mato Grosso.
51
Esse processo não é uma exclusividade da Comunidade Baixio, outras comunidades quilombolas
também vivenciaram esse mesmo procedimento, sejam exemplos: as Comunidades Vaca Morta (P.A. Vão
Grande) e Voltinha, ambas localizadas no município de Porto Estrela - MT.
60

Assim está escrito no processo52 que analisei no Incra:


Portaria INCRA/SR- 13(MT)/Nº 022/02, de 1º de Abril de 2002,
[...]
I- Resolve:
Reconhecer o Projeto de Assentamento denominado Baxiu, criado pelo
estado do Mato Grosso, situado no município de Barra do Bugres, com área
de 189,5288 há (cento e oitenta e nove hectares, cincoenta e dois ares e
oitenta e oito centiares), registrados no SIPRA com o código MT- 0501000,
visando atender 016 (dezesseis) famílias de pequenos produtores rurais;
(INCRA/SR- 13(MT)/Nº 022/02, de 1º de Abril de 2002, grifos meus)

Entretanto, nos dezesseis lotes,53 foram “assentados” apenas as pessoas que já


moravam na comunidade, pois se obedecia à existência de um critério para seleção das
famílias que seriam assentadas, ou seja, em nenhum lote, foram assentadas famílias que
não pertenciam à Comunidade. Apenas as pessoas que já moravam na Comunidade
foram assentadas. As terras quilombolas, nesse processo, foram consideradas terra
devoluta. Na citação a seguir, é possível entrever essa compreensão:

O estado do Mato Grosso, compromissado a meia década, com a busca pelo


desenvolvimento sustentável no campo, frente a conjuntura nacional e ao
aumento das pressões sociais da luta pela terra, optou, corretamente por ser
um parceiro decidido e inarredável no processo de Reforma Agrária. Para
tanto, o estado, através do INTERMAT- Instituto de Terras do Mato Grosso,
tem procurado arrecadar suas terras devolutas e destiná-las para assentamento
de trabalhadores rurais (INCRA, 2015).

Ao integrar o programa de Reforma Agrária, a Comunidade Baixio acessou


alguns benefícios, dentre eles, o que mais se destaca, nas narrativas dos moradores, é a
construção das casas. De acordo com os moradores, antes, as casas eram construídas
com barro e cobertas de palha, depois do benefício, foram construídas casas de
alvenaria, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, de modo que, as casas de barro,
passaram a ser utilizadas como cozinha, nas quais a presença do fogão a lenha é
constante.
É importante destacar que os moradores das Comunidades Baixio utilizaram
várias estratégias de luta para garantirem o direito à terra, dentre elas, lutaram para
transformar a comunidade em projeto de assentamento, o que garantiria a posse da terra,
na sequência, com a possibilidade do reconhecimento da identidade quilombola;
lutaram pelo direito de ser reconhecidos como comunidade tradicional. É interessante
ouvir suas vozes:

52
O documento foi analisado, na sede do Incra em Cuiabá, no departamento do antropólogo Ivo
Schroeder.
53
Apesar de o território ter sido dividido em 16 lotes, existem mais famílias na Comunidade, na medida
em que os filhos casam, constroem suas casas no mesmo lote dos pais.
61

Os fazendeiros, viviam querendo tomar aqui, e eles iam tomar, porque a


gente não tinha maior força, e o fazendeiro passava ali na porta da minha
casa, todo dia e passava pra cá e passava pra lá. Ai eu falei isso daí não vai
dá certo porque aqui é um lugar que meu pai que veio aqui, que abriu aqui,
nós que fizemos a casa, meu pai que fez aquela casa ali e eu que casei
primeiro então só tinha a casa de nós dois. Agora o fazendeiro era lá e pra
cá... De longe enxergou aqui e já queria tomar aqui. Ai eu contei o motivo
pra ele (político), falei lá tem um fazendeiro, que aonde nós moramos é
devoluta[...]veio agrimensor da INTERMAT, vieram aqui e cortou tudo essa
terra, e escriturou e eu peguei tudo essa escritura e entreguei na mão de
cada um e hoje nos está bem graças a Deus, nosso lugarzinho tudo
escriturado, ninguém mexeu mais com nós e fazendeiro nunca mais vi. A
senhora ver, como que é as coisas, aqui era um lugar que era um deserto,
para nos comprar uma barra de sabão, um açúcar, a gente tinha que ir na
Barra do Bugre de tropa de boi, nos subia a serra e durava cinco dias para
chegar lá (MAXIMIANO, 73 anos).

Outra estratégia utilizada pelos moradores das Comunidades Baixio, Camarinha


e Morro Redondo para efetivar o direito à educação está representada na participação do
Plesbicito Popular54, por meio do qual, os moradores garantiram que suas comunidades
fossem desmembradas do município de Alto Paraguai, e anexadas ao município de
Barra do Bugres, conforme pode ser observado no Diário Oficial de Mato Grosso de 2
de dezembro de 1999. O documento comprova a transferência da área territorial, onde
se localiza as Comunidades Quilombolas de Baixio, Camarinha e Morro Redondo, para
o município de Barra do Bugres.
A viagem à Comunidade Baixio permite conhecer a Casa Tradicional (Ilustração
19), construída na área social, feita de barro e coberta de palha. Essa casa é mantida sob
os cuidados do Senhor Maximiano, 73 anos e simboliza a história da Comunidade.
A Casa Tradicional também simboliza o esforço da Comunidade em afirmar a
identidade quilombola, este esforço também é observado nas entrevistas, nas ações. Em
assim sendo, a casa é mantida como uma forma de ressignificar a vivência das famílias
na reinvenção de uma identidade política portadora de direitos, que luta para continuar a
existir, que exige.

54
Plesbicito Popular é uma consulta na qual os cidadãos/ãs votam para aprovar ou não uma questão. Uma
lei pode ser aprovada ou rejeitada por meio de um plesbicito ou referendo. Um plesbicito popular é
organizado por movimentos sociais e por todos os cidadãos e cidadãs que quiserem trabalhar para que ele
seja realizado; ele é muito representativo porque é organizado pelo povo. O plesbicito popular não tem
valor legal, mas exerce, uma forte pressão política e social, permitindo que os brasileiros/as expressem a
sua vontade política.
62

Ilustração 19: Casa Tradicional


Fonte: Acervo da Escola

Para Arruti (1997), a partir do Artigo 68, as questões de cultura e origem


comum emergem, passam a ser plenamente tematizadas pela Comunidade e se tornam
objeto de reflexão para o próprio grupo:
A mobilização desses elementos de identidade leva a uma nova relação com
o passado e com as “reminiscências” de que falou W. Benjamin, num esforço
de reconstrução de uma continuidade na maioria das vezes perdida, levando
ao que Hobsbawm e Ranger chamaram de “invenção de tradição”, isto é, uma
reapropriação de velhos modelos ou antigos elementos de cultura e de
memória para novos fins, em que o passado serve como repertório de
símbolos, rituais e personagens exemplares que até então poderiam ser
desconhecidos pela maior parte da comunidade (ARRUTI, 1997, p. 21).

A igreja da Comunidade Baixio (Ilustração 20) é construída com folhas de


babaçu e recentemente foram assentadas cerâmicas brancas no piso. Os moradores
afirmam que esse espaço já foi utilizado como casa e como escola. De acordo com o
Senhor Maximiano, 73 anos, o lugar foi a primeira morada de José Mariano Bento e
Eulália de Lima, onde o casal criou os onze filhos. Depois, com a morte do casal, a casa
teria dado lugar ao funcionamento de uma sala de aula, e, em seguida, passou a ser
utilizado como igreja.

Ilustração 20: E. E. Igreja Católica Ilustração 21: Posto de saúde


Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
63

Próximo à igreja está localizado o barracão da associação dos moradores e, ao


lado do barracão, vê-se a construção em andamento do que será no futuro o posto de
saúde55 (Ilustração 21). O prédio está sendo construído de alvenaria e é símbolo de
orgulho da Comunidade, como se percebe na fala do Senhor Odilon: “Muita gente não
acreditou em nossa comunidade, falava que nunca ia pra frente, que era o fim do
mundo, mas agora estão vendo... Nosso posto de saúde, que coisa mais bonita”.
Na área social da Comunidade, tem a construção dos dois prédios escolares, um
mais antigo, construído com tábuas de madeira (Ilustração 22), onde funcionam duas
salas de aula no período noturno e onde são ministradas as aulas da Educação de Jovens
e Adultos; uma sala é utilizada como dormitório dos professores. Uma pequena sala é
utilizada como secretaria da escola, e outra como cozinha dos professores. Uma sala
maior é utilizada como cozinha dos alunos. O prédio ainda conta com dois banheiros,
em cada um deles tem um vaso sanitário e um chuveiro.

Ilustração 22: Escola antiga56 Ilustração 23: Escola em construção


Fonte: Acervo da escola Fonte: Acervo da Pesquisadora

A construção do prédio da escola, de alvenaria, teve início no ano de 2010, mas


até o momento não foi concluído, ilustração (23), conforme discorrerei mais
detalhadamente no capítulo III desta pesquisa.
O novo prédio escolar, cuja obra paralisada não tem prazo para ser retomada,
contaria com oito salas de aula, um refeitório, uma cozinha, banheiros feminino e

55
“Prefeitura Municipal de Barra do Bugres publica a licitação para contratação de empresa especializada
de obra e serviços de engenharia para construção de 03(três) unidades básicas de saúde e reforma e
ampliação de 02(duas) unidades básicas de saúde, no município, sendo uma delas na Comunidade
Quilombola Baixio no valor global de R$ 420.163,59 (Quatrocentos e vinte mil, cento e sessenta e três
reais e cinquenta e nove centavos)” (DOEMT, 07/05/2015).
56
A “escola antiga” se refere ao prédio de madeira, construído no ano de 2001, para atender aos
educandos das series inicias do ensino fundamental; em sala multisseriada, no ano de 2004, o prédio
recebeu mais duas salas de aula. Nesta pesquisa, referir-me-ei a esse prédio, como “escola antiga”, como
o fazem os moradores.
64

masculino, diretoria, secretaria, sala dos professores, e uma quadra poliesportiva. A


inconclusão do prédio é motivo de tristeza para os moradores da Comunidade e de
indignação para os jovens. Faz-se necessário ouvir suas vozes:

O que me deixa mais triste é a escola não está terminada, que era para
terminar em 2014 e já estamos em 2015 e a escola não termina, sem energia,
sem água nos banheiros até agora nada, eu não sei, se eu fico mais é com
tristeza ou com raiva (PAULA RONDON, educanda).

Essa escola começou desde 2010, eu trabalhei muito nesta escola, mas a
empreiteira não me pagou até hoje, a construção parou em 2012, até hoje
não recebi, e o pior e que nossos filhos ficaram sem a escola, estudando
nessas condições, sendo que saiu mais de um milhão, para fazer a escola e a
empreiteira não fez (ODILON, pai).

No entanto, o prédio escolar inconcluso não é a única queixa dos moradores da


Comunidade, a falta de água também está entre os problemas mencionados pelos
moradores, pois a água que abastece a Comunidade vem basicamente do Rio Jauquara,
nascentes, minas, córregos, rios e poços rasos, uma mina que abastece um reservatório
por queda natural de onde a água é redistribuída para os moradores por encanamento de
polietileno. A pesquisa realizada por Queiroz; Andrade; Ferreira57 (2014) conclui que a
água utilizada nas Comunidades Baixio e Morro Redondo são impróprias para uso
humano:
A ausência de saneamento básico nas Comunidades rurais submetem a
população à diversas enfermidades, dificultando sua qualidade de vida, como é o caso
da Comunidade Baixio, que, na falta de perspectivas de instalação de um sistema
adequado de saneamento básico, acaba improvisando o abastecimento de água,
buscando fontes alternativas em rios e minas (QUEIROZ; ANDRADE; FERREIRA,
2014, p.).
O Rio Jauquara58, além de abastecer as Comunidades, é bastante utilizado para a
pesca, e também funciona como espaço de turismo e lazer, pois abriga cachoeiras e

57
Constatou-se que a água apresenta contaminação tanto de coliformes totais, quanto fecais em quase
totalidade dos pontos durante o período de avaliação. Concluiu-se que a água é imprópria para consumo
in natura, devendo a mesma passar por um processo de tratamento, pelo menos básico, com filtragem e
desinfecção por cloro. Evidenciou-se também a necessidade da realização de análises microbiológicas e a
conscientização dos moradores sobre a qualidade da água consumida (QUEIROZ; ANDRADE;
FERREIRA, 2014, p. 1).
58
Relatório da Comissão Rondon, realizado entre 1941 e 1942, descreve: “O Jaocuara vai-se
aproximando sinuosamente do terceiro paredão, ou Serra do Canal, no qual abre, com a mesma violencia,
uma estreita, passagem na rocha viva, produzindo inumeros destroços, que juncam as margens dos rios e
o leito, onde aparecem poços de grande profundidade e enorme entulhamento que força as águas a
esguicharem ruidosa e velocissimamente pelos interticios inferiores, como no escapamento de uma
barragem represa” (PAULA, 1982, p.49-50).
65

diversas paisagens que impressionam os visitantes (PAULA, 1982). As Ilustrações 24,


25 e 26 apresentam uma pequena amostra da boniteza do Rio Jauquara:

Ilustração 24: Rio Jauquara Ilustração 25: Rio Jauquara Ilustração 26: Rio Jauquara
Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola

Na área do turismo, é orgnizado anualmente, a “Caminhada na Natureza -


Circuito Quilombolas”. Durante a atividade, a Comunidade realiza exposição e venda
dos produtos da agricultura familiar, de artesanato e vende almoço para os participantes
do evento. A prefeitura disponibiliza um ônibus para transportar os participantes do
centro urbano à Comunidade Baixio.
Os moradores da Comunidade Baixio, assim como nas outras quatro
comunidades, que constituem o território quilombola de Vão Grande, são basicamente
católicos, embora a prática católica guarde aspectos bastante diferenciados que podem
estar relacionados às religiões de matriz africana.
De acordo com o Senhor Izaltino, duas famílias da Comunidade Baixio são
membros da Igreja Evangélica Assembleia de Deus; na ausência do prédio da igreja, os
cultos são realizados mensalmente na casa dos moradores que professam essa fé.
Prosseguindo a viagem, vamos conhecer as Comunidades Vaca Morta e Retiro,
localizadas no municipio de Porto Estrela, cuja população também é atendida na Escola
José Mariano Bento. A partir desse ponto, acompanharemos os educandos da Escola na
saída da aula e perfazeremos o trajeto junto com eles.

2.2.5 Travessia do Rio Jauquara

Para chegar às Comunidades Vaca Morta e Retiro, é necessário atravessarmos de


bote59 o Rio Jauquara, pois a ponte que dá acesso às duas Comunidades foi levada pelas
águas da chuva no início do ano letivo e ainda não havia sido refeita no momento da
pesquisa.

59
Bote: pequena embarcação sem cobertura, construída de madeira, alumínio ou fibra.
66

As Ilustrações 25, 26, 27, 28, 29 e 30 procuram demonstrar as agruras,


enfrentadas pelos educandos, no caminho que eles perfazem diariamente, para ter
acesso à escola. Chegar à escola exige um esforço diário, um desafio, uma desventura, é
preciso ter mais que coragem, “é preciso ter força, ter raça, ter sonho sempre, ter fé na
vida60”, necessário nutrir o sonho com utopia, para continuar caminhando; avançar um
passo de cada vez, carregar os filhos, encorajar uns aos outros. É necessário acreditar na
escola, sobretudo!

Ilustração 27: Caminho da escola Ilustração 28: Entrando na mata Ilustração 29: Trilho na mata
Fonte: Acervo da pesquisadora. Fonte: Acervo da pesquisadora. Fonte: Acervo da pesquisadora.

Ao terminar a aula, seguimos a pé, para as margens do Rio Jauquara, perfazendo


uma distância de quase três quilômetros. Os educandos seguem em procissão, no
caminho, é preciso atravessar as cercas de arrame farpado, manter atenção nos trilhos
para evitar o risco de sermos picados por cobras, suportarmos a companhia da fome e do
cansaço; há os dias em que a chuva nos encharca as roupas, e outros dias em que
enfrentamos o sol escaldante. Todas essas dificuldades trazem prejuízos escolares, são
desestímulos aos que insistem em continuar estudando.

Ilustração 30: Barranca do rio Ilustração 31: bote para travessia Ilustração 32: Ônibus escolar
Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora

Ao chegarmos às margens do Rio, um dos homens da comunidade, contratado


pela prefeitura para fazer a travessia dos educandos no bote, está a nossa espera. A
travessia é feita aos poucos, visto que não cabe todos os educandos, de uma vez, no

60
Inspirado na canção “Maria, Maria” de Milton Nascimento.
67

pequeno bote; enquanto uns atravessam, os demais aguardam. Depois que todos os
estudantes atravessam o Rio, é hora de seguirmos a marcha, por mais um quilometro
aproximadamente, até chegarmos à estrada principal, onde está o ônibus escolar,
utilizado para fazer o restante do percurso até as Comunidades Vaca Morta e Retiro.
Doravante, os educandos ainda precisam enfrentar ora atoleiros, ora poeira, ora ônibus
quebrado.
As pesquisas sobre as comunidades quilombolas indicam que a dificuldade de
acesso à escola é uma realidade muito presente em todo território brasileiro, e nas
comunidades rurais como um todo. Seja exemplo a pesquisa de Castilho (2008)
realizada na Comunidade Mata-Cavalo, onde, de acordo com a autora, os educandos
percorrem longas distâncias sob sol escaldante, para chegar à escola.
A situação também desvela a ausência de políticas públicas destinadas às escolas
localizadas no Brasil rural. De acordo com Molina e Freitas (2011), ainda é muito
arraigado nos gestores públicos o imaginário sobre a inferioridade do espaço rural, das
escolas localizadas no campo, dentre elas as escolas quilombolas, de maneira que a elas
se destina apenas o que sobra no espaço urbano.
É importante ouvir o que dizem os educandos:
Nós chegamos sempre atrasados, por que as vezes o rio está muito cheio por
causa das chuvas e fica um pouco mais difícil de atravessar, não dá nem
tempo de fazer o lanche direito, tem que ir correndo, para não perder aula
(MARILENE, educanda).

Eles falam que vão arrumar a ponte, mas até agora nada, a ponte rodou no
início do ano e já está chegando ao final do ano e nada, eles não fizeram no
tempo da seca, agora que não vai fazer mesmo, porque o tempo das águas já
está começando de novo (JOELSON, educando).

O descaso com a ponte que liga as comunidades prejudica toda a população das
Comunidades Vaca Morta e Retiro, pois, desde que a ponte caiu, os moradores estão
isolados. Sem a ponte, os moradores da região ficam impedidos de comercializar seus
produtos, alguns se arriscam, para chegar ao outro lado, atravessando com os carros em
um ponto do Rio que tem menor fluxo de água.
De volta à viagem... Embarcamos no ônibus que já estava à espera para fazer o
percurso entre as Comunidades Retiro e Vaca Morta, ambas localizadas no município
de Porto Estrela. Primeiro, passamos na Comunidade Vaca Morta.
68

2.2.6 Comunidade Vaca Morta

De acordo com os dados Fundação Cultural Palmares, a Comunidade Vaca


Morta, processo nº 01420.001.808.2007-49, foi certificada em 30 de setembro de 2005,
como uma das comunidades quilombolas. A certificação da Comunidade Vaca Morta,
inclui as famílias da Comunidade Retiro, de modo que, oficialmente, as duas
Comunidades estão juntas, sob a mesma documentação.
No entanto, é importante reiterar que as famílias fazem distinção, denominando
de Retiro, uma parte da comunidade, e de Vaca Morta a outra parte. Nesta pesquisa,
refiro-me às comunidades do mesmo modo que os moradores se referem. Portanto, faço
uso das denominações Vaca Morta e Retiro separadamente, tal como os moradores o
fazem.
Tal como a Comunidade Baixio, as Comunidades Vaca Morta e Retiro também
integraram o Programa do Incra, no qual foram incluídas no Projeto de Assentamento
Vão Grande, sob o processo nº 21540.004204/95-44, no dia 27/11/1995, no qual as duas
comunidades também foram documentadas juntas, ou seja, integraram o mesmo
assentamento.
Em assim sendo, nas duas Comunidades, também houve divisão dos lotes entre
os moradores locais, embora não tenha assentado famílias que não fossem moradoras de
uma das duas Comunidades. Os dados dos autos do processo de implantação do P. A.
Vão Grande, que integra as Comunidades Vaca Morta e Retiro, trazem mais detalhes de
como o processo se realizou, apresentando inclusive uma lista com os nomes dos
moradores e a quantidade de tempo que eles moram na comunidade, conforme o
relatório final para implantação do assentamento:

A gleba Vão Grande, com área de aproximadamente 900.0000 ha é resultante


Discriminatória Porto Estrela, no referido município, descriminada pela
unidade avançada Diamantino. A referida área se encontra toda ocupada por
pessoas bastante carentes, necessitando de uma ajuda de Governo. As
ocupações são bastante antigas, chegando a ultrapassar 70 anos (INCRA,
16.09.2015).

Tal como na Comunidade Baixio, a maioria das casas é construída de alvenaria,


com dois quartos, sala, cozinha e banheiro, com casa de pau-a-pique próximas. Na
maioria delas, observo o adorno de pequenos jardins, os quintais bem limpos, as louças
bem areadas nas prateleiras, características que também estão presentes nas outras
69

comunidades. A Ilustração 33 apresenta o retrato de uma casa que retrata a arquitetura


comum na Comunidade Vaca Morta.
A Ilustração 34 apresenta o Centro Esportivo Paraiso, a faixada indica o nome
do presidente: João de Deus. A construção do centro desportivo é feita de alvenaria e
conta com duas peças: uma destinada à venda de bebidas e a outra que serve de cozinha;
atrás dessa construção está o campo de futebol, a grama verde indica o cuidado
dispensado ao lugar.
A Ilustração 35 apresenta a Igreja Católica da Comunidade Vaca Morta, na qual
os moradores se reúnem, para celebrar sua religiosidade. O prédio simples, em
alvenaria, é rodeado de grama e conta com uma grande cruz feita de madeira; do lado da
igreja.

Ilustração 33: Casa Vaca Morta Ilustração 34: centro desportivo Ilustração 35: Igreja Católica
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

Ao lado da igreja, avistamos um prédio da associação das mulheres (Ilustração


36), construído com recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar/Pronaf Mulher.
Do lado da associação feminina, fica a Escola Municipal Leopoldino José da
Silva (Ilustração 37). O prédio escolar é construído de madeira, dispõe de dois
cômodos, um é utilizado como sala de aula e o outro como alojamento para o professor,
o prédio foi reformado no ano de 2006 (DOEMT, 07.03.2006).
A escola recebe os educandos das Comunidades Vaca Morta e Retiro, que
cursam da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental, estes são divididos em
duas turmas, uma matutina e outra vespertina. Os demais educandos dessas duas
Comunidades se deslocam para a Comunidade Baixio para cursar os anos finais do
Ensino Fundamental, o Ensino Médio e a EJA na Escola José Mariano Bento.
70

Ilustração 36: E. M. Leopoldino José da Silva Ilustração 37: Barracão das Mulheres
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

No capítulo III, apresentarei os aspectos históricos da escola, no que tange a sua


relação com a Escola José Mariano Bento. Cabe esclarecer que, apesar de a Escola
Leopoldino José da Silva, ser digna de análise, o principal objetivo desta pesquisa é
analisar a escola José Mariano Bento, localizada na Comunidade Baixio.
É importante vincar que, durante o ano letivo de 2015, os estudantes da
Educação de Jovens e Adultos das Comunidades Vaca Morta e Retiro perderam o ano
letivo, devido à impossibilidade de chegar à escola no período noturno, pois a ponte não
foi refeita. De acordo com os moradores, apesar de suas reivindicações, nenhuma
providência foi tomada pelos órgãos competentes.
Cabe indagar: como se deve registrar a situação destes estudantes nos
documentos escolares? Serão eles registrados nos índices de “Evasão”, ou seria mais
correto, inclui-los nos índices de Exclusão? Eles desistiram, ou foram obrigados a se
retirar? Segundo Brandão (2003, p.128), alguns autores utilizam a palavra “exclusão”
com a intensão de alterar a fórmula que nomina esse fenômeno. Para Arroyo (2003), o
termo “excluído”, requer que alguém seja responsabilizado, pela exclusão, ou pela
negação do direito de aprender. É preciso avançar nas discussões, refletir sobre o
sentido das palavras, a fim de ver, sentir, quais interesses elas atendem, a qual projeto
elas servem.
Voltando à viagem etnográfica, seguimos em direção à Comunidade Retiro,
última comunidade que visitaremos; como já foi exposto, essa comunidade integra
documentalmente a Comunidade Vaca Morta.

2.2.7 Comunidade quilombola Retiro

Seguindo em direção à Comunidade Retiro, observamos várias casas ao longo


do caminho, tal como nas outras comunidades, as famílias também se organizam em
71

lotes; cabe reiterar que, em um mesmo lote, pode haver várias casas de moradia,
habitadas por filhos, irmãos ou outros parentes do dono do lote.
No caminho, avistamos o trilho que dá acesso ao cemitério das Comunidades
Vaca Morta e Retiro. Nele, observamos sepulturas bem antigas, cujas cruzes estão se
desfazendo e não possuem identificação, há também túmulos bem recentes. Totalizando
21 sepulturas (Ilustração 38).

Ilustração 38: Cemitério Vaca Morta e Retiro


Fonte: Acervo da Pesquisadora

Todos os moradores da Comunidade Retiro, são católicos, mas, na Comunidade


não tem igreja, as rezas são feitas nas casas dos moradores. Atualmente, não há
nenhuma família cuja religião seja de matriz africana, embora, em uma das entrevistas,
tenha sido informada de que outrora havia um centro de Candomblé na Comunidade,
mas que, com a morte do dono da casa, o centro fechou.

2.3 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA

Para refletir sobre a história das Comunidades, entrevistei cinco idosos a quem
considero como Guardiões da Memória, visto que as histórias das Comunidades, por
eles narradas, contribuem para fortalecer a identidade cultural dos mais jovens.
Quando um idoso falece, toda a comunidade sente e reconhece que, com ele,
apaga-se também uma parte da história do povo, suas memórias, suas lendas. Eles
parecem saber que o registro de suas origens não está nos grandes livros, mas nas rodas
de histórias, contadas nas noites quilombolas; nos causos rememorados ao redor do
fogão de lenha.
Nesses momentos, todo o silencio reverencia a voz já enfraquecida, os olhos já
turvos e as mãos trêmulas. É preciso dedicar atenção para “Guardar” a memória e quem
72

sabe um dia também poder recontá-la. Ouvir as histórias da comunidade se assemelha


com semear a vida, é preciso plantá-la, para fazê-la viver.
Tal como aponta Bosi (1994), o estudo das lembranças de pessoas idosas tende a
ser mais profundo dado que elas já atravessaram um determinado tipo de sociedade,
com características bem marcadas e conhecidas; sua memória atual pode ser desenhada
sobre um pano de fundo mais definido do que a de uma pessoa jovem, ou mesmo
adulta, que de algum modo, ainda está absorvida nas lutas e contradições de um
presente que a solicita muito mais intensamente do que a uma pessoa mais jovem.
Assim é correto afirmar que os idosos que vivem no Território Quilombola Vão
Grande são como Guardiões da Memória coletiva daquele povo, cada um à sua maneira
contribui para perpetuar seus cantos e encantos, registrar seus saberes e fazer viver a
herança cultural.
É importante esclarecer que a memória pode ser entendida como o processo de
ordenação de lembranças e também a releitura dessas lembranças. Para Le Goff (1996)
existem três tipos de memória: a) a memória específica que defini a fiação dos
comportamentos das espécies animais; b) a memória “étnica”, que assegura a
reprodução dos comportamentos nas sociedades humanas e c) a memória “artificial”,
eletrônica em sua forma mais recente, que assegura sem recurso ao instinto ou a
reflexão, a reprodução de atos mecânicos encadeados.
Para Pollak (1992), existem dois tipos de memória: a) aquela relacionada aos
acontecimentos vividos pessoalmente, e b) aquela relacionada a acontecimentos vividos
pela coletividade. Halbwachs (1990) considera que a memória deveria ser analisada
como um fenômeno social, construída coletivamente e passível de constantes
transformações. A memória é, portanto, constituída por pessoas, compreendendo-a
como um fenômeno construído social e coletivamente.
A memória coletiva dos moradores do Território Quilombola Vão Grande,
formada pelas Comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca Morta,
indicam três marcos de formação da comunidade: a) a presença de Silva Velho, a quem
todos se referem, como o primeiro morador da região de Vão Grande; b) a presença dos
negros fugidos, que formaram quilombos na região de Vão Grande; c) os antepassados,
membros da família, pais, avós, bisavós, que ocuparam a “terra comum”, devoluta.
A seguir, meu esforço se concentra na tentativa de descrever cada uma das
etapas mencionadas; é importante esclarecer que, em relação aos aspectos históricos
73

relacionados aos antepassados, ater-me-ei ao núcleo familiar constituído pelas


Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo, a fim de compreender a história da
Comunidade Baixio, lócus desta pesquisa. Para tanto, busco triangular as informações
das entrevistas, dados apreendidos na pesquisa bibliográfica, nas certidões de
nascimento e casamentos, no Instituto de Colonização e Reforma Agrária/Incra, no
Instituto de Terras de Mato Grosso/Intermat, no município, no Diário Oficial de Mato
Grosso, na biblioteca do Museu do Índio, dentre outras fontes.

2.3.1 Aspectos históricos em comum

O imaginário dos moradores das Comunidades Baixio, Camarinha, Morro


Redondo, Retiro e Vaca Morta se referem a “Silva Velho” como sendo “o primeiro que
chegou” na região de Vão Grande. Inúmeras histórias são contadas sobre a sua vida. Sua
presença marca o imaginário dos moradores da região. As narrativas se repetem em
cada comunidade reafirmando a presença lendária dele na formação da comunidade:

O primeiro que abriu foi Silva Velho [...] Lá perto do Juzimar tinha um
laranjal que era do Silva Velho e ia até a beira do rio (JOSÉ AMBRÓSIO, 66
anos).

Depois desse é que nós somos dessa descendência. Foi criando gente. Até
que criou o meu pai, criou nós e nós está vivendo até hoje, aqui dentro
(MAXIMIANO, 73 anos).

Quem abriu primeiro aqui foi Silva Velho, a tapera dele é pra lá da Salobra,
não tem a ponte da Salobra? Então ali era tratado de Silva Velho, só que
nem eu não lembro, né. Intonsse ele abriu aqui, não tinha ninguém
(CONSTANTINO, 90 anos).

Não há, entre os moradores, quem não conheça a história de Silva Velho, e o
imenso laranjal que ele plantou. Há quem diga que ele virava lobisomem e tinha os
olhos vermelhos como fogo. Outros afirmam que ele chegou fugido, buscando
esconderijo em meio às serras, nas distantes terras devolutas; outros acreditam que ele
tenha sido um bandeirante, que passou nessa região: “Do Silva Velho, diz que ele virava
lobisomem onde ele cresceu, por isso ele veio fugido da mãe e do pai. Então casou com
uma mulher chamada Celidônia e fez morada aqui” (MAXIMIANO, 73 anos).
Nas narrativas dos moradores, nas conversas informais, não encontrei ninguém
que se arriscasse em falar do período ou ano que Silva Velho chegou a região, a
presença dele parece ser mítica. Embora o imaginário da comunidade também sugere
indícios da família, formada por Silva Velho:
74

Foi o Silva Velho que abriu aqui, ele veio abriu aqui e teve esses três filhos:
José Cana Barros, Anacleto Leite de Barros, Francisco Leite de Barros
(MAXIMIANO, 73 anos)

Da mulher do Silva Velho, a gente só sabe o primeiro nome: Celidônia


(CONSTANTINO, 90 anos).

Com base nas informações, apreendidas nas entrevistas, organizei a árvore


genealógica da família de Silva Velho; minha intenção, ao apresentar as árvores
genealógicas, é situar o leitor no universo que forma a região Vão Grande, e as
Comunidades que a constitui, a fim de lançar luz à formação das famílias. Nessa
primeira imagem, vê-se a família de Silva Velho:

Ilustração 39: Família Silva Velho


Fonte: Elaborada pela pesquisadora

No entanto, apesar de todas as entrevistas fazerem referência a Silva Velho, não


encontrei registros documentais sobre ele e sua família. Embora os sobrenomes “leite” e
“Silva”, sejam os mesmos sobrenomes das famílias que formam a constituição familiar
nas Comunidades Retiro e Vaca Morta.
Outra curiosidade relacionada aos sobrenomes dos primeiros moradores das
Comunidades Retiro e Vaca Morta é que o primeiro explorador de poaia, que chegou ao
município, chamava-se “Pedro Torquato Leite da Rosa” e, conforme as entrevistas
realizadas, os sobrenomes “Leite” e “Rosa” denominam os moradores mais velhos,
75

citados nas narrativas. Cabe reiterar, no entanto, que, apesar de a história das
Comunidades Retiro e Vaca Morta serem mui dignas de análise, nesta pesquisa,
debruçar-nos-emos mais profundamente sobre a história da Comunidade Baixio.
2.3.2 Os Quilombos

Quanto à existência de quilombos na região Vão Grande, as narrativas dos


entrevistados são unânimes em afirmar que, outrora, aquela região deu lugar à morada
de pessoas que foram escravizadas e encontraram abrigo entre as serras.

Quando a gente morou por lá tinha os buracos onde eles faziam enterro de
ouro, quando mudamos pra lá eles já tinham mudado pra outra terra, lá
tinha muito buraco para enterrar ouro (ANA LIMA, 104 anos).

Aqui, tinha os mucambos, nesse tempo era feito cerca com valeta
(CONSTANTINO, 90 anos).

Paula (1952), no Relatório da Comissão Rondon, escrito nos anos de 1941-1942,


faz referência à existência do quilombo na região:

Este planalto estreita-se na altura da cabeceira do Jaucoara, formando na


vertente oposta as escarpas onde se acham as cabeceiras do ribeirão Salobra
Grande, prolongando - se em cordão do lado do Jaucoara e de outro lado
forma um labirinto de contrafortes ao meio dos quais, se encontra o sítio
chamado quilombo, nome este devido ao fato de ali terem vivido
homiziados, protegidos pela inacessibilidade do terreno, muitos cativos
foragidos (informes obtidos no próprio local) (PAULA, 1982, p. 42, grifos
meus).

A Serra das Araras também era conhecida como Serra dos Quilombos, o que
pode confirmar a presença de formações quilombolas na região de modo a influenciar a
denominação, como os moradores se referiam à serra:

O primeiro desses contrafortes é aquele que separa as águas do Rio Cuiabá


das do rio Paraguay, atravessado pela linha tronco, adiante de Rosário de
Oeste, e pelo ramal do rio das Flexas, na Campina e Jacobina. Elle se estende
de N. E. para o S.O. tomando nomes locais diversos, como: Serra da
Quitando, da Curupira, das Arras, do Quilombo, da Jacobina etç
(RONDON, 1974, p. 416, grifos meus).

As narrativas permitem entrever a formação dos quilombos que constituem o


Território quilombola Vão Grande.

2.3.3 Terra Comum

Os moradores afirmam que a origem da terra, na qual foram constituídas as


comunidades, é “terra comum”, ou seja, as terras eram devolutas:
76

Meu pai que abriu aqui, quando meu pai chegou aqui não existia fazendeiro
no mato grosso, não tinha mesmo, essa estrada que tem aqui que tão
andando hoje, meu pai que fez, então eu fez dali da bocaina até lá onde fala
Berge, então eu que abri e pra lá tem outra bocaina que sai atrás da serra
pra lá meu pai que abriu, mas não existia ninguém, meu pai que abriu, aqui
as terras era tudo comum (CONSTANTINO 90 anos).

Nesse tempo a terra era comum, lá na Camarinha meu pai que abriu com
meu avô, José Pio Rodrigues e com meu tio Mané Legário que é irmão do
pai da minha mãe, com Tomé dos Santos que é tudo irmandade. Eles que
abriram esse trieiro até chegar pros lados de Cárceres (ANA, 104 anos).

Os documentos referentes às Comunidades Baixio, Vaca Morta e Retiro, no


Incra e na Intermat, atestam que as terras que constituem as comunidades são devolutas,
confirmando assim a informação dos moradores.
Estudos recentes afirmam que, por todo território brasileiro, as comunidades
negras rurais se organizaram constituindo um campesinato negro. Silva (2015) afirma
que a forma de acesso à terra, de maior protagonismo entre a população negra, foi a
ocupação de terras devolutas por famílias negras durante e após a abolição. Segundo o
mesmo autor, muitas dessas comunidades negras rurais vêm se autodefinindo como
remanescentes quilombolas. De acordo com estudos recentes, a organização de
campesinato rural é uma prática comum principalmente no final do século XIX e início
do século XX, como é o caso de 44 comunidades na Bahia (SILVA, 2015).
Esse parece ser o caso das Comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo,
Retiro e Vaca Morta, que se organizaram em terras devolutas, constituindo um
campesinato negro no município de Barra do Bugres, onde vem permanecendo por mais
de duzentos anos, resistindo a conflitos por disputa de terra, buscando soluções que
pudessem lhes garantir a permanência, até que, a partir de 2005, tiveram suas terras
reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.
Gomes (2006) discorre sobre a existência de um campesinato,
predominantemente negro, constituído e articulado por libertos, mascates, escravos,
taberneiros, lavradores, vendeiros, roceiros, pequenos arrendatários e quilombolas. Em
muitas regiões, alguns quilombos foram praticamente identificados como comunidades
camponesas.
De acordo com Anjos (2009) as comunidades quilombolas emergiram e estão
presentes neste momento histórico, apresentando uma visibilidade no movimento do
campesinato brasileiro e dentro das demandas políticas e afirmativas e de reparação
social do País. Para o referido autor, esse processo ocorre dentro de um contexto de luta
77

política, sobretudo de conquistas e reinvindicações do Movimento Negro e da Comissão


Nacional de Articulação dos Quilombos (CONAQ) e de uma rede de entidades negras
organizadas e representativas com ações desde os anos 1980 em todo Brasil.
De acordo com Dona Ana de Lima, 104 anos, quando sua família chegou à
região de Vão Grande, a “terra era comum”, e “não tinha esse de comprar a terra”.
Suas palavras são confirmadas por Silva (2015), ao mencionar que, nas décadas finais
do século XIX e início do século XX, a forma mais usual de acesso à terra era a
ocupação de terras devolutas, período em que não era utilizada nenhuma categoria
formal de acesso à terra. Na entrevista com o Senhor Constantino, 90 anos, ele retrata,
ao mencionar o convívio com os fazendeiros e com as cercas por eles trazidas, a
mudança na forma tradicional de acessar a terra e de se relacionar com ela:
Quando meu pai abriu aqui, Cuiabá [capital do Mato Grosso] era uns
barracãozinhos de palha. Não tinha fazendeiro no Mato Grosso. Então ai
nesse tempo era comum não tinha cerca, não tinha nada de cerca em parte
nenhum. Ai era tudo comum depois que os fazendeiros chegaram, trouxeram
as cercas (CONSTANTINO, 90 anos).

A ausência da cerca é lembrada com carinho, “era tudo comum”, dizem os


guardiões da memória, remetendo-se a um tempo em que os fazendeiros ainda “não
existia no Mato Grosso”. A ausência da cerca parece simbolizar um tempo de outrora
que não havia, sobretudo, ambição e individualismo mas, sim segurança e partilha, que,
no entanto, foi rompido por um projeto que não atende aos interesses da comunidade.
Ao lembrar da ausência da cerca, e das alegrias que existiam nesse tempo, os guardiões
da memória fazem lembrar as palavras de Dom Pedro Casaldáliga:

Malditas sejam todas as cercas!


Malditas todas as propriedades privadas
Que nos privam de viver e de amar!
Malditas sejam todas as leis,
Amanhadas por umas poucas mãos,
Para ampararem cercas e bois
E fazer da TERRA escrava
E escravos os homens.
(Dom Pedro Casaldáliga)

Durante a realização das entrevistas e nas conversas informais, observei uma


queixa constante relacionada aos conflitos pela posse da terra. A presença de grandes
fazendas em meio ao território, pode desvelar um quadro de abuso e de apropriação
indevida. De acordo com Silva (2014, p.59) “as Comunidades que ali se estabeleceram,
desde o século XIX, estão cercadas por fazendas, pois muitos dos antigos moradores
78

tradicionais foram perdendo suas posses”. É importante ouvir a voz dos Guardiões da
memória:
Muito tempo depois o fazendeiro foi entrando né, nós pobre [suspiros]. Ai o
fazendeiro achou boca né, hoje o fazendeiro tomou. Nós temos mesmo, mas
só que tá dentro da fazenda dos outros. Foi assim que foi tomado. Nesse
tempo nós não sabia nem, não tinha nem estrada pra banda da cidade. Foi
tomando, tomando, tomando, hoje é fazenda pra toda parte
(CONSTANTINO, 90 anos).

Eu briguei oito anos para começar esse papel, ai ele falou pra mim [...] o
caminho é um só com fazendeiro é perigoso morte. [...] botaram sete vezes
jagunço em mim e oito vezes polícia por causa da terra. Ai a lei era deles
(CONSTANTINO, 90 anos).

Mas passamos um pouco de dificuldade sobre fazendeiro essas coisas [...] Os


fazendeiros, querendo toma aqui e ele ia toma porque a gente não tinha
maior força né e o fazendeiro passava ali, na porta da minha casa, todo dia e
passava pra cá e passava pra lá (MAXIMIANO, 73 anos).

Os conflitos citados pelos Guardiões da Memória marcam a história da luta pela


terra, que permeiam todas as comunidades quilombolas do município de Barra do
Bugres e região. A expulsão dos quilombolas de suas terras é apenas uma das
estratégias do grande capital para “exterminar” aqueles que de alguma forma se opõem
ao seu projeto. Os registros de conflitos podem ser verificados também nas informações
apontadas na página oficial da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
– SEPRIR61, que, em 30 de julho de 2009, noticiou o conflito fundiário envolvendo as
Comunidades Quilombolas Voltinha e Vãozinho, situadas no município de Porto
Estrela, nas proximidades da região de Vão Grande.
A denúncia apresentada no site da SEPRIR e as narrativas dos Guardiões da
Memória do Território Quilombola Vão Grande revelam as muitas faces de uma mesma
moeda: O cenário de ameaça e morte que envolve as comunidades quilombolas
brasileiras e se repetem em outros territórios, como é o caso dos povos indígenas e dos
trabalhadores rurais em assentamentos/acampamentos de Reforma Agrária.

A história dos quilombos não se limita à resistência à escravidão. Ela está


imersa nos processos de resistência ao padrão de poder, apropriação,
expropriação da terra, imposto aos africanos escravizados e a seus
descendentes. Os povos quilombolas têm consciência dessa relação
persistente entre sua história e as lutas pela manutenção de seus territórios.
Nessa tensa relação, têm construído e afirmado a sua consciência do direito à
terra e ao território e, nesse sentido, aproximam-se das lutas dos movimentos
sociais do campo (Parecer CNE/CEB, p.16, Nº:16/2012).

61
Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2009/07/conflito_bugres>. Acesso
em: 23 abril 2015 às 18h26min.
79

Nesse universo de ameaça e morte provocado pelo latifúndio e patrocinado pelo


capital, também é possível constatar que os povos que vivem no/do campo são sujeitos a
situações semelhantes.

2.3.4 Aspectos específicos

Em relação aos aspectos históricos específicos na formação do núcleo familiar,


composto pelas Comunidades Camarinha, Morro Redondo e Baixio, localizadas na
margem direita do Rio Jauquara, que pertencem ao município de Barra do Bugres, onde
fica a Escola José Mariano Bento, o marco mais antigo, retratado pela memória dos
moradores indica a chegada de duas famílias: Manoel Veríssimo de Lima com sua
esposa, Ana Paes Rodrigues e Sabino Maciel com sua esposa, Serafina Maria da Cruz.
Dona Ana, narra como os seus pais, Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes
Rodrigues, mudaram para a região do Vão Grande:
Eu nasci no município de Rosário Oeste, num lugar que chamava Salobra,
minha vó morava lá e lá que eu nasci. Meu pai é Manoel Veríssimo de Lima
e minha mãe é Ana Paes Rodrigues. Nós mudamos num lugar que chamava
Juquarinha, daí nós mudou num lugar que chama Camarinha [...] nesse
tempo a terra era comum, lá na Camarinha meu pai que abriu com meu avô,
José Pio Rodrigues e com meu tio Mané Legário que é irmão do pai da
minha mãe, com Tomé dos Santos que é tudo irmandade. Eles que abriram
esse trieiro até chegar pros lados de Cárceres. Esse pra banda da figueira
foram eles que abriram tudo ai. Eles que abriram esse vão de mato bonito
demais pra mode fazer roça. Um roçou um pedaço outro foi roçando outro,
ai foi juntando gente (ANA LIMA, 104 anos).

Quando perguntei à Dona Ana, onde o pai dela morava antes de vir para o Vão
Grande, ela me diz “Meu pai morava na beira do rio Cuiabá, pequenininho ele
atravessava o rio de Cuiabá de um lado para o outro. Antes, eles com a mãe dele, que
chamava Maria Luzia, morava no Diamantino, depois foi para a beira do rio Cuiabá”
Perguntei como Manoel Veríssimo de Lima conheceu Dona Ana Rodrigues,
dona Ana Lima informa que os pais se conheceram na Salobra: “Quando ele era rapaz
novo, andava demais e conheceu minha mãe na Salobra, onde ela morava com o pai
dela que era José Pio Rodrigues e a mãe dela Izabel Rainha da Úngria, e os irmãos:
Mané Legário, Tucanto e Tomé dos Santos”.
Dona Ana fala do tempo em que seu pai foi lutar na guerra: “Eu sou da era de
12 minha irmã mais velha é da era de 2 no tempo de guerra de Totopás que minha mãe
ficou de barriga grande [grávida]de Inácia, minha irmã, ai meu pai ia na guerra
quando vem já estava com nenenzinho”. A guerra, mencionada por Dona Ana, trata-se
80

do conflito armado liderado por Antônio Paes de Barro62, conhecido por Totó Paes, com
um contingente aproximado de 3.000 homens, entre os quais havia lavradores e
seringueiros (FRANCO, 2014).
O Senhor Constantino narra como o pai chegou à região:
Meu pai quando abriu ali, Davi Correia, era coronel do exército, é mais
velho que Junqueira, era rapazinho novo, ele veio por lá e falou Manezinho
fica com essa bocaina aqui, não existia fazendeiro no mato grosso nenhum,
cria seus filhos, arruma uma mulher casa, cria seus filhos, aqui na bocaina e
não dá pra ninguém. E assim ele fez, quando ele era rapaz, ele fez uma roça
e bicho comeu tudo, o bicho era demais. Ai foi chegando mais companheiro
da idade dele e foi abrindo tudinho (CONSTANTINO, 90 anos).

Dona Ana, apesar de seus 104 anos, fala com lucidez sobre sua família, quem
eram seus irmãos, pais e avós:
Das irmandades que tem ainda é eu e Constantino, o Cutá. Cutá é o caçula,
primeira é a comadre Inácia, comadre Joana, daí a compadre Manoel
Izabel, comadre Bruna, daí é eu, e tem um que o Bernadinho que mataram,
ai é Balbino, tem Maria Eulália, Sabrina daí é Brígida, Constantino. Eu dei
na entrada do 104 anos, 103 já ta encerrado, enterei em 24 de agosto dia de
São Bartolomeu[...] Meu avô é José Pio Rodrigues que era Paes da minha
mãe e minha mãe é Ana Paes Rodrigues e meu pai é Manoel Verissimo de
Lima e pai de minha mãe que é José Pio Rodrigues, o minha vó se chamava
Isabel, mãe de meu pai se chamava Luiza, o pai do meu pai é José Mané
(ANA, 104 anos).

De acordo com as narrativas, Manoel Veríssimo de Lima se casou com Ana Paes
Rodrigues; ele é conhecido por seus descendentes como Papai Lima e ela por Mãe Ana;
desse matrimônio nasceram sete filhas e quatro filhos; a Ilustração 40 apresenta a
formação familiar de Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes Rodrigues:

Ilustração 40: Família Manoel Veríssimo e Ana Paes


Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

62
Maiores informações podem ser consultadas em Franco (2014).
81

A memória coletiva dos moradores também retrata como primeiro morador da


região, que compreende as Comunidades Quilombolas Baixio, Camarinha e Morro
Redondo, o Senhor Sabino Maciel casado com a Senhora Serafina Maria da Cruz, os
netos se referem a eles como Papai Sabino e Mãe Fina:
A Mãe Fina era do Paraguai, quando eles chegaram aqui era mata virgem,
não tinha nem uma casa quando papai Sabino chegou[...] eles fugiram
vieram fugidos, ela e papai Sabino, já vieram juntos já, mas ela era novinha
e ficou lá até 109 anos, quando ela morreu, nunca saiu de lá, chegou que era
só mato não tinha ninguém (ZEFERINA, 69 anos)

O documento mais antigo sobre a origem das famílias é o registro de nascimento


de Dona Serafina Maria da Cruz, feito sob ordem judicial, o documento foi feito quando
Dona Serafina faleceu. Como ela não tinha nenhum documento, foi necessário fazer o
registro de nascimento para com ele fazer o registro de óbito. Do casamento entre
Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz nasceram sete filhos e três filhas. Na Ilustração
41, apresento a constituição familiar:

Ilustração 41: Família Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz


Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

Os primeiros casamentos ficaram assim constituídos: seis casamentos foram


realizados entre os filhos de Manoel Veríssimo e Sabino Maciel; seis foram constituídos
com moradores de comunidades próximas; um foi constituído entre a própria família de
Manoel Veríssimo de Lima, pois Constantino casou com a prima, filha de Tucanto,
irmão de Ana Paes Rodrigues. A Ilustração 42 revela a formação dos primeiros núcleos
familiares que povoaram as Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo.
82

Ilustração 42: Famílias Manoel Veríssimo e Sabino Maciel


Fonte: Elaborada pela pesquisadora.

Sobre os casamentos, o Senhor Constantino, 90 anos, afirma que Benedito


Porfirio de Maciel casou com Saturnina, que morava “pra diante de porto estrela uns 18
quilômetros”; O Ingrácio Maciel casou com Argemira, “que é do Vãozinho63”; A
Brígida Viúva Lima casou com Luiz Bom “gente do lado do coqueiro”; A Inácia de
Lima casou com Edmundo “que era gente do lado do coqueiro, era onde Davi Correia
morava”.
É possível interpretar que, na medida em que os núcleos familiares cresciam,
dava-se início a novo processo de ocupação do espaço, de modo que assim se
constituíram cada comunidade: Morro Redondo, Camarinha e Baixio.
Conforme assinala o Senhor Maximiano, 73 anos, a Comunidade Baixio foi
formada, quando seu pai, José Mariano Bento casou com Maria Eulália de Lima e
construíram a primeira casa do lugar que hoje é denominado Comunidade Baixio. A
casa que abrigou o casal e os filhos deles, também acolheu a escola, onde muitos

63
O Vãozinho é outra comunidade quilombola localizada nas mediações do Território Quilombola Vão
Grande.
83

ensaiaram as primeiras letras; e depois de testemunhar tantos cantos e encantos a casa se


fez templo, lugar de adoração.
O casal morou por toda a vida na Comunidade Baixio, criou os filhos, que foram
casando e povoando essa parte da região de Vão Grande. Na Comunidade Baixio, todos
os moradores são descendentes de José Mariano Bento e Maria Eulália de Lima, e
consequentemente são também descendentes do casal Sabino Maciel e Serafina Maria
da Cruz; e do casal Manoel Verissimo de Lima e Ana Paes Rodrigues.
O Senhor Maximiano Bispo Bento, 73 anos, é morador da Comunidade Baixio, é
casado com Dona Benedita, na Comunidade Baixio criou seus onze filhos. Muitos dos
filhos dele moram na Comunidade, alguns foram embora para estudar e trabalhar. De
acordo com ele, seu sobrenome é “Bento”, porque quando o seu pai, José Mariano
Bento, foi registrado ele não recebeu o sobrenome dos pais, Sabino Maciel e Serafina
Maria da Cruz, sendo ele o único dos onze filhos do casal que não se chamou Maciel,
devido a uma promessa. Dessa forma, os filhos de José Mariano Bento também
receberam o sobrenome “Bento”.
No silêncio da noite, o imaginário dos homens e mulheres quilombolas vai se
constituindo e fornece elementos essenciais para compreender as representações que
eles têm do território. As histórias que constituem esse imaginário coletivo também
podem ser compreendidas como explicações para garantir a permanência no lugar e
justificar sua formação.
Em suma, o imaginário dos moradores, sugere que há aspectos históricos em
comum, entre as cinco comunidades e que há, também, aspectos históricos específicos,
em cada uma delas. Quanto aos aspectos em comum entre as cinco comunidades, o
imaginário dos moradores indica: a) a presença de Silva Velho, como primeiro morador
da região de Vão Grande; b) a existência de quilombos na região; c) a formação de um
campesinato negro organizado em terra devoluta.
Quanto aos aspectos específicos entre as Comunidades da região de Vão Grande,
a memória dos moradores sugere a existência de dois núcleos familiares, um em cada
lado do Rio Jauquara, sendo que o primeiro foi responsável pela criação das
Comunidades Retiro e Vaca Morta e o segundo, responsável pela fundação das
Comunidades Baixio, Camarinha e Morro Redondo.
Em relação aos aspectos históricos específicos na formação do núcleo familiar,
composto pelas Comunidades Camarinha, Morro Redondo e Baixio, o marco mais
84

antigo, retratado pela memória dos moradores indica a chegada de duas famílias:
Manoel Veríssimo de Lima com sua esposa, Ana Paes Rodrigues e Sabino Maciel com
sua esposa, Serafina Maria da Cruz. Os filhos e filhas destes dois casais povoaram a
região e iniciaram a formação dos núcleos familiares, composto pelas Comunidades
Camarinha, Morro Redondo
A formação da comunidade Baixio tem início, quando, José Mariano Bento
(filho de Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz) e Maria Eulália (filha de Manoel
Veríssimo de Lima e Ana Paes Rodrigues de Lima) casaram e construíram a primeira
casa do lugar que hoje é denominado Comunidade Baixio.
No próximo capítulo, procuro contextualizar a Escola José Mariano Bento. Para
tanto, discorro sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar Quilombola
apresento uma breve contextualização da história da escolarização no Território e reflito
sobre as condições físicas e estruturais da escola.
85

CAPÍTULO III

3. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA E SEUS CONTEXTOS

Este capítulo tem como objetivo descrever e contextualizar a Educação Escolar


Quilombola na Escola Estadual José Mariano Bento. Para tanto, dividi o capítulo em
três partes: na primeira, teço reflexões sobre as Políticas Públicas relacionadas a
Educação Escolar Quilombola. Na segunda, apresento uma breve contextualização da
história da escolarização no Território Vão Grande. Na terceira, descrevo a Escola
Estadual José Mariano Bento na atualidade, dentro dos moldes da “Educação Escolar
Quilombola”, suas condições físicas e estruturais. Descrevo ainda o perfil dos
estudantes e dos profissionais da educação, com destaque para o perfil dos educadores-
docentes.
Nesse contexto, procurei, também, esclarecer de que maneira a Comunidade
Baixio vem se instituindo como centro político e cultural do território quilombola Vão
Grande. Para atender a esses objetivos, dialoguei com Arroyo (2007), Castilho (2011),
Freire (2001, 1987, 1992).

3.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS


PÚBLICAS

A educação realizada nas comunidades quilombolas passou por um longo


período de esquecimento, diluída nas políticas da Educação Rural, sem nenhuma
política pública e ou pedagógica que considerasse a sua especificidade.
No entanto o resultado das mobilizações, tecidas no bojo dos movimentos
sociais, com destaque para o Movimento Negro e, para o Movimento Quilombola, fez
com que, fosse delineado um movimento de discussões sobre mudanças no modelo de
ensino para as escolas das comunidades quilombolas.
Assim, os movimentos sociais tiveram papel decisivo na formulação de políticas
públicas, por meio de representação nas mobilizações tais como: a I e a II Conferência
por uma Educação Básica do Campo, em 2004; a Marcha Zumbi + 10: Pela Cidadania e
a Vida, em 2005; a realização da 1ª Conferência Nacional de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (I CONAPIR), realizada pela SEPPIR, em 2005, na IIª Conferência
Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (II CONAPIR, 2005).
86

As mobilizações dos movimentos sociais motivaram ações desencadeadas pelo


Governo Federal, voltadas às comunidades remanescentes de quilombos, sobretudo, a
partir do segundo semestre de 2003, quais sejam: criação da Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial/SEPPIR, em 2003; lançamento do Programa
Brasil Quilombola, desenvolvido pela SEPPIR, em dezembro de 2004;
institucionalização da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão/SECADI, em 2004, na qual a Educação Escolar Quilombola encontra um lugar
institucional de discussão.
As ações dos movimentos sociais também motivaram a promulgação de
legislações, especialmente importante para a educação das relações étnico-raciais, no
geral, e particularmente para a educação quilombola, quais sejam: Alteração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394, de 1996, com a inserção dos artigos 26-A e
79-B, referidos na Lei nº 10.639, de 2003; promulgação do Decreto Nº. 4.887, no ano de
2004, do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que regulamentou os procedimentos para
titulação das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas, de que trata o artigo 68
do ADCT; promulgação da Resolução CNE/CP nº 1/2004, que define Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
A primeira legislação a mencionar a Educação Escolar Quilombola como
modalidade da Educação Básica é a Resolução nº 04, de 13 de julho de 2010, que define
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Assim, ao definir as
modalidades da Educação Básica, reconhece a Educação Escolar Quilombola, como
uma modalidade:
Seção VII
Educação Escolar Quilombola
Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida em unidades
educacionais inscritas em suas terras e cultura, requerendo pedagogia própria
em respeito à especificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação
específica de seu quadro docente, observados os princípios constitucionais, a
base nacional comum e os princípios que orientam a Educação Básica
brasileira.
Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento das escolas
quilombolas, bem como nas demais, deve ser reconhecida e valorizada a
diversidade cultural (Seção VII, Resolução nº 4, CEB/CNE, 2010).

Dentre as legislações que tratam das especificidades da educação escolar


quilombola, também merece destaque o Parecer CNE/CEB 07/2010, que aponta para a
elaboração de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas para essa modalidade e as
87

deliberações da Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010), por instigarem a


Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, a instituir, por meio da
Portaria CNE/CEB nº 5/2010, uma comissão responsável pela elaboração das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.
É importante reiterar que essas ações foram motivadas pelas mobilizações dos
movimentos sociais, com destaque para o Movimento Negro e para o Movimento
Quilombola, trazendo à cena pública e política, as problemáticas relacionadas à
educação nos quilombos, destacando-a como importante questão social e educacional.
Assim, os movimentos sociais assumem o papel fundamental de fomentar
lembrança aos esquecimentos e tornar audíveis os silenciamentos, a que as comunidades
quilombolas foram submetidas, provocando a implantação de legislações educacionais
específicas que atendessem às suas necessidades.
As muitas lutas tecidas pelos movimentos sociais culminaram na promulgação
da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Escolar Quilombola, a publicação desta legislação, pode ser
considerada um dos marcos da luta do Movimento Negro e do Movimento Quilombola,
pois ela consolida a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade de ensino.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola
apresentam os Princípios que regem a Educação Escolar Quilombola, organizada em 64
artigos, a legislação que propõe a formatação da organização dos sistemas e propostas
pedagógicas para as escolas quilombolas, que se destinam ao atendimento das
populações quilombolas rurais e urbanas em suas mais variadas formas de produção
cultural, social, política e econômica.
É importante destacar que, em 2004, o Censo Escolar realizado pelo INEP, em
parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, passou a incluir um
item de diferenciação e identificação das escolas, número de alunos e professores
localizados em territórios de quilombos, em suas estatísticas.
Esse evento trouxe ao conhecimento da sociedade brasileira uma quantidade
expressiva de escola e atores sociais atuantes nesses territórios, que, até então, era
desconhecida, e apresenta, também, o número de escolas em áreas remanescentes de
quilombos, contabilizando 364 (INEP. 2004), desde então o número de escolas
localizadas em comunidades quilombolas cresce a cada novo censo, de modo que no
88

censo de 2014 contabilizam 2429 escolas quilombolas, assim em uma década o número
de escolas quilombolas cresceu 6,6 vezes.
No ano de 2013, estavam matriculados na Educação Básica 227.430 estudantes;
destes, 32.650 estavam matriculados na Educação Infantil, 155.860 no ensino
fundamental e 13.492 estavam matriculados no Ensino Médio (BRASIL, INEP, 2014),
como se pode conferir na Tabela 8, seguinte:

Tabela 8: Número de matrículas em escolas localizadas em comunidades de quilombos 2007/2013

Fonte: Resumo técnico. Censo Escolar da Educação Básica 2013.

No que diz respeito ao número de escolas, de acordo com o Censo Escolar de


201464, existem no Brasil 2.429 escolas localizadas em áreas remanescentes de
quilombos. Desse total, 2.408 são públicas e 14 privadas. Das privadas, seis são rurais e
oito são urbanas. Das públicas, uma é federal, 118 são estaduais e 2.289 são municipais
(BRASIL, INEP, 2014).
No caso do município de Barra do Bugres, de acordo com o Censo Escolar de
2014, existem no município três escolas localizadas em áreas de quilombos. Todas são
públicas, sendo uma estadual e duas municipais (BRASIL, INEP, 2014), conforme
revelo na Tabela 9:

64
As informações disponíveis para consulta correspondem aos dados finais do Censo Escolar 2014,
publicados no Diário Oficial da União no dia 09 de janeiro de 2015.
89

Tabela 9: Escolas localizadas em comunidades quilombolas do município de Barra do Bugres


Código Escola Dependência Localização Matrículas65
Administrativa
E.I E.F E.M E.J.A T.
51190818 EE José Mariano Bento Estadual Rural - 51 81 21 153
51058928 Em Boa Esperança Municipal Rural - 17 - - 17
51027046 Em Queimado Municipal Rural - 10 - - 10
Total 180
Fonte: INEP. Dados organizados pela pesquisadora. 2015.

Os dados da Tabela 9 desvelam a matricula de 180 educandos em escolas


localizadas em comunidades quilombolas do município de Barra do Bugres,
considerando que o município abriga nove comunidades quilombolas e apenas três delas
têm escola, possivelmente os educandos das demais comunidades quilombolas estudam
no centro urbano. Uma situação muito frequente nas comunidades rurais: educandos
obrigados a se submeterem a grandes distâncias, e enfrentarem muitos obstáculos para
conseguirem se escolarizar, como foi demonstrado no capítulo II. Isso faz com que
muitos deles abandonem a escola e outros tantos abandonem a comunidade.
Como se pode perceber, o crescimento do número de escolas, e de matrículas
existentes em territórios quilombolas é significativo. Não é possível ignorar a
representatividade dessa população no cenário educacional brasileiro. E, muito menos,
continuar negando a esses territórios o direito a uma educação que seja adequada aos
seus contextos e às suas necessidades sociais e formativas e, com a qualidade que todo
cidadão merece.
No que tange à legislação referente ao Estado de Mato Grosso, a Normativa Nº
002/2015/CEE-MT, que estabelece normas aplicáveis para a Educação Básica no
Sistema Estadual de Ensino, não reconhece a Educação Escolar Quilombola como
modalidade da Educação Básica, antes, classifica-a, como uma especificidade:

Art. 3º A Educação Básica é formada por Etapas, Modalidades e


Especificidades:
I. etapas - Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio;
II. Modalidades - Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial,
Educação a Distância, Educação do Campo, Educação Escolar Indígena e
Educação Profissional Técnica de Nível Médio;
III. Especificidades - Educação Escolar Quilombola (DOEMT,
24/09/2015. Grifos meus).

Ao desconsiderar a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade da


Educação Básica, o Estado de Mato Grosso parece retroceder na história, de
65
Matriculas: E.I.: Educação Infantil; E.F: Ensino Fundamental; E.M: Ensino Médio; E.J.A: Educação de
Jovens e Adultos.
90

protagonismo, que vinha construindo, quando, no ano de 2006, promulgou a Resolução


nº 204/06 CEE/MT e o Parecer nº 234/06-CEE/MT; no ano de 2008, promulgou o Plano
Estadual de Educação; e, no ano de 2010, o Estado de Mato Grosso vai mais longe e
publica as Orientações Curriculares para Educação Básica, na qual a Educação Escolar
Quilombola encontra espaço de debate. Os documentos são pioneiros no Brasil, e,
segundo Oliveira(2013), se antecipam, inclusive aos marcos nacionais:

Eles arriscaram a proposição da modalidade Educação Escolar Quilombola,


antes da publicação da resolução do CNE. De todo modo, a decisão de
construir uma política de educação diferenciada para comunidades
quilombolas a partir de 2008 foi uma aposta ousada do estado diante do
cenário das políticas educacionais para quilombos noutros estados e em nível
nacional (OLIVEIRA, 2013, p. 57).

As legislações citadas e suas proposições, descortinam o retrocesso vivenciado


pelo Estado, fazendo-me concordar com as palavras de Ferreira (2015, p.35), ao afirmar
que “a luta em favor do reconhecimento dessa Modalidade Específica e Diferenciada de
ensino se confronta com outros interesses governamentais paralelos, voltados para uma
educação universalista, mercantilizada e eurocêntrica”.
A desconsideração da Educação Escolar Quilombola, como uma modalidade da
Educação Básica, simboliza um retrocesso nas lutas travadas a favor de um projeto de
educação que dê visibilidade às comunidades quilombolas e que contribui para a
valorização de seus saberes, sua cultura. Esse retrocesso permite entrever o jogo de
poder entre dois projetos de educação para o País, desvela as contradições, entre a luta
dos movimentos sociais e os interesses de uma educação comprometida com o capital.
Em contraponto, devido às pressões dos Movimentos Sociais, durante o segundo
semestre do ano de 2015, O Estado de Mato Grosso, por meio do Conselho Estadual de
Educação-CEE/MT, realizou Audiências Públicas para discutir e elaborar a Normativa
que vai tratar da Educação Escolar Quilombola no Estado de Mato Grosso. Para isso,
foram selecionadas algumas comunidades quilombolas para sediar as reuniões, dentre
elas a Comunidade Baixio, lócus desta pesquisa.
A Audiência Pública realizada na Comunidade Baixio, ocorreu no dia 26 de
agosto de 2015, sob o tema: “A Educação Escolar Quilombola que temos e a Educação
Escolar Quilombola que queremos”, contou com a participação significativa de
representantes das Comunidades do Território Quilombola Vão Grande e demais
comunidades quilombolas, gestores, docentes, estudantes, movimentos sociais, ONGs,
pesquisadores e demais interessados no tema.
91

Durante diversas reinvindicações, foram apresentadas pela Comunidade,


algumas questões que se referem, especificamente, à infraestrutura da escola, sejam
exemplos: a construção da quadra de esporte; conclusão da construção do prédio
escolar; instalação hidráulica e elétrica na escola.
Outras questões se referem à formação e valorização dos profissionais da
educação, tais como: valorização do educador quilombola; concurso específico para
escolas quilombolas; salário dos profissionais, com acréscimo por trabalharem em
escola distante; graduação e pós-graduação sobre Educação Escolar Quilombola, para
os profissionais quilombolas.
Também foram apresentadas reinvindicações direcionadas diretamente ao
educando, sejam exemplo: alimentação para os educandos nas aulas de reforço;
materiais pedagógicos adequados à identidade quilombola; fortalecimento da identidade
quilombola na escola; garantia de monitores nos ônibus escolares, para cuidar dos
educandos, transporte escolar de qualidade, políticas afirmativas que garantam o acesso
e permanência dos educandos quilombolas na universidade.
Outras reivindicações abrangem tanto a escola quanto a comunidade: estrada
trafegável, água encanada e tratada; escolha da gestão escolar, pelos moradores;
aplicabilidade das políticas públicas; alimentação; demarcação das terras quilombolas;
investimento em maquinários e transporte para escoar a produção; carro para o
atendimento na área da saúde.
As demandas por eles apresentadas revelaram a consciência que as comunidades
quilombolas têm de sua história, desvelam seus anseios pela escolarização dos filhos,
revelam ainda a compreensão, que eles possuem, de que as condições de trabalho e a
formação dos profissionais da escola estão intimamente relacionadas ao sucesso ou ao
insucesso escolar.

3.2 BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DA ESCOLARIZAÇÃO NA COMUNIDADE


BAIXIO

O doutor falou pra mim: “quantos anos que você tem de estudo?” Falei:
doutor, nem uma hora! Quanto mais um dia! Minha carta nunca foi na
escola! Eu nunca estudei nem uma hora!
Sr. Constantino/90 anos

A epígrafe traduz o tempo da inexistência de escolas na região Quilombola Vão


Grande. Fala de tempo distante, mas também traduz tempos presentes, por muitos ainda
92

vivenciados. Quando o Senhor Constantino, 90 anos, filho de Manoel Veríssimo de


Lima com Ana Paes Rodrigues, afirma: “minha carta nunca foi na escola”, ele desvela
a situação de descaso em que os moradores das comunidades rurais, se submetem. A
“carta”, ou seja, seu documento de identificação pessoal, nunca foi à escola. Ele nunca
foi matriculado, nunca frequentou o ambiente escolar.
A história da implantação de escolas na região de Vão Grande está relacionada à
luta dos seus moradores para garantir aos filhos, o direito à educação; são eles que se
organizam, exigem, lutam, gritam, movem as leis, ainda que a pequenos passos,
contrariam o sistema, insistem. Para fazer caber no sistema educacional, a “carta do
trabalhador” e com ela os sonhos, as esperanças e utopia do povo do lugar.
As palavras do Senhor Maximiano, 73 anos, neto, tanto de Sabino Maciel com
Serafina Maria da Cruz, quanto de Manoel Veríssimo de Lima com Ana Paes
Rodrigues, desvelam a história da escolarização na Comunidade Baixio, contam da
trajetória de luta, desde a inexistência de escolas na região até a implantação da “Escola
Quilombola”; suas palavras revelam os sonhos e as decepções de um passado nem tão
distante:
Eu fui com meu pai, em Alto Paraguai, pedir pra o prefeito, fazer a escola
aqui. Ai ele foi muito pronto, ele era muito pronto, mas ai ele disse: vocês
vão lá e arruma um professor e pode arrumar um quarto lá pra ele e ele vai
lecionando que daqui quinze dias eu estou lá e ai nós organizamos lá um
lugar pra ele lecionar e levantar uma escola lá. Eu lembro muito bem, eu e
meu pai foi lá, eu não era casado, era pequenote. Então nos veio e
arrumamos um quarto ai pra ele. Arrumamos um professor, veio deu aula
pra primeirinha, deu aula dois meses que ele deu aula. Ai o professor falou:
eu não vou trabalhar mais porque quem é que vai trabalhar sem receber. Ai
falamos: agora você vai lá no pé dele, ele paga pra você! Não era dois meses
que ele trabalhou? Chegou lá ele recebeu um mês, um mês só e o outro mês
não recebeu. Ai ele falou que não ia da mais aula e acabou! Esse ai é que eu
me lembro (MAXIMIANO, 73 anos).

Na narrativa, percebe-se a indicação temporal, provavelmente esse


acontecimento data da década de 5066, dado que o Senhor Maximiano é nascido em
1943, e era “pequenote”, a expressão também permite interpretar que, mesmo criança,
ele acompanhava o pai, o Senhor José Mariano Bento, nas negociações pela
implantação da escola. Embora as tentativas fossem sempre frustradas: “Ai ele falou que

66
Naquele período, a Constituição Federal destinava 20% da verba para a educação rural, mas a lei não foi
implementada, resultando no descaso com a Educação realizada em comunidades rurais.
93

não ia dá mais aula, e acabou!”. O descaso com a educação para as populações rurais
impedia que a escola de fato se estabelecesse.
As palavras de Dona Maria Zeferina Machado, 69 anos, neta, tanto de Sabino
Maciel e Serafina Maria da Cruz, quanto de Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes
Rodrigues, conta de sua rápida experiência na escola:

Eu estudei, eu lembro que eu estudei até no Bê-á-bá, eu não saí daí. Eu só fui
uns dias. Eu tinha uns nove anos, eu ia um pouco andando e outro nadando,
para atravessar o Rio Jauquara. Eu segurava bem os cadernos para não
molhar, eu ia com meus irmãos, a gente ia nesse colégio que era feito de
tábua, o professor era Leopoldino, ele já era velho e tinha a cabeça toda
branca. Tinha uma aluna que era ruda67, ele batia nela, mandava ela fechar
a mão e ele batia nela com aquele trem redondo, batia que voava sangue, ele
judiava tanto dessa menina, ele não era nada dela, só professor. Tinha muito
aluno, de toda parte ia nesse colégio, que era só essa escola que tinha, antes
desse nunca teve aula, teve outra, tempos depois, que era perto da casa de
Josino, nesse tempo eu já era casada. (ZEFERINA, 69 anos).

Há tristeza nos olhos de Dona Zeferina ao afirmar que só estudou até o “bê-á-
bá”. Ela explica as dificuldades para atravessar o Rio Jauquara a nado, para frequentar
as aulas no outro lado da margem. Como quem explica, ela afirma: “só estudei uns
dias”, tornando visível a ausência de oportunidades vivenciada por gerações inteiras. As
palavras simples da mulher já grisalha fazem lembrar a Pedagogia da Esperança, pois
falam “do cansaço do corpo, da impossibilidade dos sonhos com um amanhã melhor.
Da proibição que lhes era imposta de ser felizes. De ter esperança” (FREIRE, p. 13,
1992).
A narrativa de Dona Zeferina, 69 anos, desvela que, naquela época, a travessia
do Rio era feita da Comunidade Baixio para frequentar a escola, cujas aulas eram
ministradas pelo professor Leopoldino José da Silva, na Comunidade Retiro. Seis
décadas depois, o percurso se inverte, e a travessia é realizada para chegar à Escola José
Mariano Bento, na Comunidade Baixio. As dificuldades do percurso persistem, e os
educandos ainda enfrentam, teimosamente, as águas do Jauquara para chegar à escola,
pois a ponte que liga as duas Comunidades foi levada pelas águas.
As palavras de Dona Zeferina, 69 anos, também descortinam um tempo em que
a escola era relacionada aos castigos físicos, herança das relações escravistas. Quando
ela diz “ele batia nela, mandava ela fechar a mão e batia nela com aquele trem
redondo, batia que voava sangue, ele judiava tanto dessa menina, ele não era nada

67
Expressão utilizada para designar uma pessoa com dificuldades de aprendizagem.
94

dela, só professor”, as lembranças do professor Leopoldino parecem tristes, e se


referem com frequência aos castigos físicos.
É interessante contrapor o modelo de educação, citado nas palavras de dona
Zeferina, à educação dialógica de Freire (1987), na qual, segundo o autor, a educação é
um instrumento de emancipação dos seres humanos.
O relatório “Levantamento do Rio Jaucoara e de outros trechos do estado,
destinados a Carta de Mato Grosso”, ao descrever Vão Grande, destaca o alto grau de
analfabetismo na região “A porcentagem de analfabetos é simplesmente alarmante. Não
há coisa mais difícil que encontrar-se quem saiba ler e escrever, pelo menos o próprio
nome” (PAULA, 1952, p.68).
Essa descrição confirma as narrativas dos moradores ao afirmarem que não
existia aula de fato, pois não ofereciam condições para que a população, de fato, tivesse
a ela acesso.
A narrativa do Senhor Maximiano, quando ele, já adulto, figura como liderança,
nas negociações pela construção da escola, reafirma o descaso com a educação e a
inexistência de escolarização.

Então foi passando devagar, devagar. A gente vivia sofrido aqui falta de
água, falta de muitas coisas. O prefeito de Alto Paraguai não importava com
nós, não importava com município, não importava com obrigação dele. Tem
até oficio que eu fiz, de quarenta aluno sem estudo, o lugar parecia um
sertão. Tanta criança, tinha bem uns quarenta aluno sem estudo, ai
passamos pra Barra do Bugre e ai deu uma briga lá entre os prefeitos, umas
briga deles lá zangados com nós, mas a gente queria ver um menos a cara do
prefeito de Alto Paraguai que nem aparecia pra nós, não aparecia de jeito
nenhum. (MAXIMIANO, 73 anos, grifos meus).

Durante a pesquisa documental, INCRA, (1995)68, DOEMT (1992, 2001)69,


localizei registros de salas de aula nas Comunidades Baixio, Camarinha, Morro
Redondo, para atender às series iniciais do ensino fundamental, no entanto, de acordo
com os depoimentos dos sujeitos da pesquisa, a escolarização era bastante precária, e as
aulas não se efetivavam. Dentre os motivos da falta de aulas, o mais recorrente nas
entrevistas se refere à não permanência dos professores.
Esse quadro começa a se modificar com a chegada das professoras, Lucimara
Evangelista, Dinalva Campos e Maria Helena Dias, que, devido ao enlace matrimonial
68
O relatório final do processo no INCRA para implantar o projeto de assentamento “Vaca Morta”. Ao
qual tive acesso, para leitura na sede do INCRA.
69
A pesquisa documental realizada no Diário Oficial de Mato Grosso me permitiu localizar registros das
escolas existentes naquele período, no entanto, nesta pesquisa, me debrucei, especificamente, sobre a
Escola José Mariano Bento.
95

com moradores da comunidade, permaneceram na escola, inaugurando um novo tempo


de lutas, é interessante ouvir seus depoimentos sobre as dificuldades que enfrentaram
naquele período:
Naquele tempo as dificuldades eram muito grandes, eu tinha que dá aula,
limpar a escola, fazer a merenda e buscar água. Levantava bem cedo para
fazer a merenda antes de começar a aula. E depois que terminava ia lavar as
louças, limpar a escola e buscar água na mina (Dinalva, educadora
quilombola).

Essa fase foi difícil pra mim, pois eu tinha Viviane pequena, eu tinha que ir
lá em Alto Paraguai receber, tinha que sair daqui para ir lá, eles pagavam
por cheque não era na conta, muitas vezes chegava lá não recebia, já tive
que dormir na casa da secretária de educação de lá, um dia, dois dias e
depois que recebia voltava. Esse período foi muito difícil (LUCIMARA,
educadora quilombola).

De acordo com a documentação arquivada na secretaria da atual Escola José


Mariano Bento, a partir do ano letivo de 2005, a Comunidade Baixio passou a oferecer
as séries finais do Ensino Fundamental, e, a partir de 2009, o Ensino Médio. A oferta
era realizada por meio de salas anexas, ou seja, os educandos estudavam na
Comunidade, mas a matrícula era efetuada em uma escola urbana. Essa prática se
mostrava prejudicial à Comunidade, pois impedia que a escola recebesse recursos que
viabilizassem a qualidade do ensino, sejam exemplos as condições de infraestrutura da
escola, nesse período, Ilustração 43:

Ilustração 43: Escola de Palha


Fonte: Acervo de Maria Helena Dias

No ano de 2010, o Estado assume a escolarização na Comunidade Baixio. A


professora Maria Helena Dias narra o processo para tornar a escola da Comunidade em
Escola Quilombola:
96

A Regina que era diretora da Sabino, foi na SEDUC e encontrou o


documento que falava de escola quilombola, não sei como, e perguntou se a
gente por ter a certificação da Fundação Palmares, queríamos estadualizar
a escola, nós pensamos que ia ser uma boa, ter recurso para escola
quilombola, aumentar o recurso da merenda, ter diretora, ter coordenadora,
devido a quantidade de turmas que a gente tinha. E se a gente não gostasse
poderia voltar para a municipal, pensamos que seria uma boa, por que os
alunos que estavam entrando no ensino médio, não precisariam ir embora.
Fizemos a primeira chamada para perguntar. Reunimos os presidentes e
convocamos uma reunião, onde estavam presentes pais da Comunidade Vaca
Morta, Retiro, Camarinha, Baixio e Morro Redondo, junto com o professor
Elias e o professor Chagas. Eles contaram como é uma escola estadual,
como seria, os recursos que viriam, as vagas que viriam, as salas que teriam,
que não seriam mais separadas, o Ensino Fundamental do Ensino Médio,
que seria tudo na mesma escola, na nossa escola! Alguns pais de imediato já
acharam que seria bom e alguns não, por que ai, iria nuclear tudo. Esse
impasse continuou por mais três reuniões na escola, onde eu era a que fazia
a ata, todas as atas para estadualizar a escola estão com a minha letra. O
Morro Redondo a princípio não aceitou, por que ia fechar a escola de lá, e a
escola fortalece a comunidade e é um ponto de referência (MARIA HELENA,
educadora quilombola).

Em 2010, a Escola da Comunidade Baixio passa a integrar o quadro das Escolas


Quilombolas de Mato Grosso, trazendo consigo novo fôlego para a luta, acendendo a
chama do desejo por uma escola que enfim coubesse a “carta” e os sonhos do povo do
Território Quilombola Vão Grande, como relata o Senhor Maximiano: “Ficou que hoje
está bem e a escola passou para o estado. Na escola tá estudando de caducando a
mamando. Só não estuda quem não quer. Eu com minha mulher, pregou ai na escola,
fomos até que completamos nosso estudo”.
Desse modo, a Escola Estadual José Mariano Bento foi criada, formalmente, em
fevereiro de 2010, pelo Decreto de Criação nº 2378 de 22 de fevereiro de 2010. Na
sequência, o Conselho Deliberativo da Comunidade Escolar/CDCE foi registrado no
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica/CNPJ sob o nº 11911.780/0001– 48, em 04 de
março de 2010.
No mesmo ano de 2010, tem início o processo70 para construção do prédio
escolar, cuja obra começou em 2010, mas não foi concluída, representando um
descontentamento na população do Território Vão Grande.

70
A licitação consta no Edital Nº 017/2010/SEDUC/MT 10/06/2010, cujo objetivo era selecionar empresa
especializada em execução de obras civis para a Construção de unidade escolar com 06 (seis) salas de
aula, sala de informática, administração, sala do professor, conjunto de banheiros masculino e feminino,
cozinha e refeitório, instalações hidro-sanitárias banheiros, instalações hidro-sanitárias PNEE, instalações
hidro-sanitárias cozinha, instalações elétricas, construção de 30m de muro com gradil, 370m alambrado,
construção de quadra poliesportiva (dimensão da quadra 24x32m) coberta com arquibancada de 2 degraus
nas duas laterais (DOEMT, 10/06/2010).No entanto, a empresa que venceu a licitação, com o valor global
de R$ 1.175.259,22 (um milhão cento e setenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e nove reais e vinte dois
centavos), (DOEMT, 20/07/2010), não concluiu a obra. No Diário Oficial de 26 de setembro de 2012,
97

Enquanto esperavam pela conclusão da obra, as aulas eram ministradas em um


barracão, construído de pau a pique, no qual os educandos e os educadores estavam
sujeitos a toda sorte: chuva, sol, vento, poeira. Além de as aulas funcionarem em um
mesmo barracão, em regime multisseriado, e com vários professores lecionando seus
conteúdos no mesmo lugar.

3.3 A ESCOLA ESTADUAL JOSÉ MARIANO BENTO: 2015

A Escola Estadual José Mariano Bento, localizada na Comunidade Baixio,


parece estar se constituindo como centro político, cultural e educacional do Território
Vão Grande, desde que a Escola começou a receber os educandos das demais
comunidades, por meio da nucleação escolar. Por essa razão, ela foi escolhida como
lócus desta pesquisa.
O nome da escola é uma homenagem, como esclarece o PPP da escola: “A
escolha do nome José Mariano Bento se justifica pelo mesmo ser o fundador da
Comunidade Quilombola Baixio, os moradores desta comunidade são seus filhos, netos
e sobrinhos” (PPP, escola José Mariano Bento, 2010, p. 02).
A escolha da comunidade Baixio como local da construção do prédio escolar, foi
acompanhada de conflitos e disputa. Dado que todas as comunidades possuíam o
mesmo desejo de abrigar a escola. A razão do conflito se dá, devido ao fato de que as
escolas das comunidades rurais funcionam como centro cultural, sua localização
também influencia em outros fatores, seja exemplo a construção do posto de saúde. Do
mesmo modo, a localização da escola também determina o local das reuniões mais
importantes e/ou que aglomeram um maior número de pessoas.
Essas razões provocam discussões e conflitos no momento da escolha do local
onde será construída a escola, dado que ela determinará, consequentemente, o local que
será o mais visitado, o mais pesquisado, o mais lembrado, o que receberá mais
investimentos.

consta um “Extrato do Termo de Acordo” entre o Estado de Mato Grosso e a empresa que venceu a
licitação para construção da escola e da quadra poliesportiva. O documento estabelece um “prazo
improrrogável” de 150 (cento e cinquenta) dias, com início em 17.09.2012 e término em 17.02.2013
(DOEMT, 26/09/2012).Apesar do termo de acordo, a obra não foi concluída, de modo que, por meio da
Portaria nº 364/2012/GS/SEDUC/MT, o Secretário de Estado de Educação instaura Processo
Administrativo e constitui uma Comissão Especial de Processo Administrativo, composta por servidores
públicos estaduais lotados na Assessoria Jurídica da SEDUC, (DOEMT, 25/10/2012) e, por meio da
Portaria N° 402/2012/GS/SEDUC/MT, o Secretário de Estado de Educação rescindi o Termo de Contrato
105/2010, celebrado em 22 de julho de 2010, entre o Estado e a empresa (DOEMT, 04/12/2012).
98

No ano de 2015, parte do funcionamento da escola é realizado no prédio de


madeira da escola antiga; lá funciona a sala da Educação Infantil, no período matutino,
e, também, a EJA, no período noturno, a cozinha e a secretaria da escola. No prédio da
escola, cuja obra foi paralisada, no ano de 2012, funcionam as demais salas de aula, e a
sala dos professores.
O prédio ainda não conta com iluminação, a instalação elétrica é improvisada. O
risco salta aos olhos, os fios entram pelas janelas, ainda sem vidros, e atravessa a sala
por sobre as cabeças dos educandos e dos educadores, saindo pela janela do outro lado
da sala para alcançar a sala ao lado (Ilustração 44). A instalação hidráulica não foi feita,
de modo que, para utilizar os banheiros, foi disposto um tambor com água, de onde se
retira água com ajuda de um regador e se efetua a descarga dos sanitários (Ilustração
45); devido à falta dessa instalação também não é possível utilizar os bebedouros, para
manter a água fria, utiliza-se duas garrafas térmicas (Ilustração 46).

Ilustração 44: Instalação Elétrica Ilustração 45: água para banheiro Ilustração 46: Bebedouros
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

A ausência da água também impede o uso da cozinha, que, por essa razão, ainda
funciona na escola antiga (Ilustração 47). A construção da quadra poliesportiva ficou
apenas no alicerce (Ilustração 48), ela representa uma das grandes frustações da
juventude, cuja decepção aparece nas entrevistas, nas conversas informais e nas pautas
das reuniões.

Ilustração 47: Cozinha Velha Ilustração 48: Quadra esportiva Ilustracao 49:Instalaçao eletrica
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
99

A sala dos educadores é ampla e tem banheiro feminino e masculino, embora


nenhum dos dois esteja pronto para uso; os dois servem de depósito para materiais
diversos. A sala, com uma mesa grande, cadeiras, televisão, data show, aparelho de
som, dois armários e uma geladeira, é decorada com tecidos florais, a arte e o artesanato
quilombola compõem a decoração do ambiente, como mostram as ilustrações 50, 51 e
52.

Ilustração 50: Aparelho de som. Ilustração 51: Sala dos Educadores Ilustração 52: Decoração
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

No entanto, a sala dos professores não é plenamente utilizada, pois ainda não
tem rede elétrica, tal como no restante do prédio. A sala dispõe apenas de uma
instalação elétrica improvisada para atender as urgências. As atividades que envolvem o
uso de computador e internet são realizadas na escola antiga, em uma sala que também é
destinada para a Educação Infantil e para a Educação de Jovens e Adultos.
A análise de Arroyo (2003, p.25) sugere que o discurso oficial tenta convencer
de que o problema da escola pública não está na sua existência material, na falta de
recursos físicos, humanos e didáticos mínimos para a sua configuração, como agência
transmissora do saber básico. Em conformidade com o autor, esse discurso inocenta o
estado e seu arremedo de escola, e transforma a vítima em réu.
Com base nas palavras do autor, olho o prédio inacabado, a ausência de água na
escola, o risco eminente de instalações elétricas provisórias, a ausência de pontes que
excluem os educandos, as más condições de trabalho vivenciadas pelos educadores e
ouso inferir: Que culpa tem o povo? O povo é inocente. A culpabilidade pelo fracasso
da escola pública não pode ser atribuída ao trabalhador.
Os recursos financeiros da escola advêm principalmente de verbas advindas da
Secretaria Estadual de Educação/SEDUC. Indaguei à gestora se os recursos eram
suficientes, ela apontou várias problemáticas:
100

O valor da merenda também é muito baixo, tem que fazer o maior esforço
para conseguir comprar a merenda para o mês inteiro. Nossas crianças
gostam de comer comida: arroz, feijão, macarrão... Mas o dinheiro é
insuficiente. Outra coisa difícil é o recurso para deslocamento, eu tenho que
me deslocar da comunidade até a cidade para fazer as compras, gasto para
ir e para voltar, gasto para me alimentar lá. Apesar de receber uma ajuda de
custo para deslocamento, o valor é muito pequeno e não cobre nem a metade
das despesas que tenho, o restante, tenho que tirar do meu salário, e como
nós somos interinos, o salário não tem gratificação de diretor nem nada.
Então do pouco que eu ganho, tenho que tirar para colocar combustível e me
alimentar, cada vez que vou na cidade, resolver as coisas da escola
(LUCIMARA, diretora escolar quilombola).

As palavras de Lucimara desvelam ao menos três problemas: a) insuficiência de


recursos, b) ausência de medidas específicas destinadas aos gestores de escolas
localizadas em zona rural, que ofereçam suporte ao desempenho de suas funções, c) alto
índice de profissionais interinos nas escolas rurais.
A escola não dispõe de biblioteca, embora tenha observado vários livros
organizados sobre uma mesa, na sala dos educadores; os livros são distribuídos pelos
educadores aos educandos. Por duas vezes, quando eu estava na sala dos educadores,
presenciei quando os estudantes foram pedir “um livro para ler” à coordenadora,
Neide, que prontamente os atendeu, recomendando a devolução do livro.
Em outro momento, enquanto conversava com os educandos na hora da
merenda, falei sobre o Livro “Pedagogia da Esperança”, de Paulo Freire, imediatamente
uma das educandas que cursa o 3º ano do Ensino Médio, pediu-me para repetir o nome
do livro e se, um dia, eu poderia emprestá-lo, ao que eu respondi que enviaria uma
versão em PDF. Essas situações permitem entrever que existe um estímulo à leitura na
escola, embora a ausência de infraestrutura não contribua para essa prática.
A matriz curricular é acrescida de três disciplinas específicas, que integram a
área de conhecimento Saberes Quilombolas: Práticas em Cultura e Artesanato
Quilombola, Práticas em Técnicas Agrícola Quilombola e Práticas em Tecnologia
Social Quilombola. Essas Disciplinas são somadas à Base Comum e integram o
currículo da escola.
A escola ainda abriga uma sala anexa71 da escola urbana do município de Barra
do Bugres que oferta a Educação Infantil para as Comunidades Baixio, Camarinha e
Morro Redondo. As aulas funcionam em uma das salas da escola antiga, na qual são

71
No Plano Municipal de Educação de Barra do Bugres, no que se refere à Educação Infantil, o
documento indica a inexistência de “Escolas Quilombolas” (PME, Barra do Bugres. 2015),
possivelmente, porque os educandos da escola José Mariano Bento sejam matriculados em uma escola
urbana. Esse quadro acaba trazendo prejuízos aos educandos, que por fim, são invisibilizados.
101

atendidos, em uma mesma sala, os educandos do Pré I e do Pré II, com quatro e cinco
anos respectivamente.
O cotidiano das crianças que estudam na Educação Infantil do Território Vão
Grande é bem distante do que está proposto nas Diretrizes Curriculares para a Educação
Escolar Quilombola, na qual, por meio da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012,
o Art. 15, § 4, parágrafo III, está escrito que as escolas devem receber materiais
didáticos específicos para a Educação Infantil, a fim de garantir a incorporação de
aspectos socioculturais considerados mais significativos para a comunidade de
pertencimento da criança.

Ilustração 53: Educaçãi Infantil.


Fonte: Acervo da Pesquisadora

A Ilustração 53 descortina outra versão da realidade: a inexistência de materiais


didáticos específicos para a Educação Infantil, a ausência de monitor que ofereça
suporte ao trabalho pedagógico, a falta de infraestrutura adequada, inclusive ao
educando portador de deficiência. Lá não há prédios escolares, equipamento ou
mobiliário adequado ao atendimento de crianças nessa faixa etária, tal como preconiza o
Art. 22, § 3, das Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola.
A realidade é bem outra: o espaço é improvisado, a mesma sala é utilizada no
período matutino, pela Educação Infantil, no período vespertino se transforma em sala
de planejamento dos professores, que utilizam o único computador existente, e, no
período noturno, é a vez da sala receber os educandos da EJA.
As mesas altas dificultam o acesso da criança ao material; no momento da aula,
as cadeiras e mesas utilizadas pelos adultos na EJA são amontoadas, para dar lugar à
aula da Educação Infantil. Para tornar o ambiente mais alegre, o corpo docente faz o que
102

pode, reinventa, cria alternativas, as cortinas e toalhas são feitas de TNT72. O piso gasto
pelo tempo fala de um tempo ainda presente no cotidiano dos pequenos e na lembrança
dos velhos, tempo em que, para os povos que vivem no campo, bastava uma “escolinha
qualquer”, para um “povo qualquer”.
De acordo com a diretora da escola, Lucimara Evangelista, as reuniões com os
pais são bastante frequentes e eles raramente faltam. Dona Joanita, mãe de quatro filhos
estudantes da escola, confirma a informação “Se eu faltei foi uma vez só”. É importante
destacar que, durante a pesquisa de campo, não acompanhei nenhuma reunião de pais,
mas, nas conversas, e, em cada entrevista, eles reafirmavam a importância da escola,
não houve quem discordasse do valor da escolarização.
Assim, eles se pronunciaram a esse respeito:

Olha pra senhora ver, quem manda hoje é o estudo, se não tiver estudo, não
tem nada. Eu quero demais que meus filhos tudo forme (ODILON, pai).

Não tem coisa melhor que o estudo, porque vida de quem não tem estudo é
muito difícil (BENEDITO VITOR, pai).

Meus filhos eu mando todo dia para a escola, eles gostam demais, eles
querem formar, mas eu não lembro no que é, que eles querem formar. Eles
falam, mas eu não lembro (JOANITA, mãe).

As narrativas desvelam que as famílias atribuem muita importância à


escolarização, valorizam os educadores e estabelecem com eles uma relação
harmoniosa.

3.3 PERFIL DOS EDUCADORES

O quadro de profissionais da educação que atuam na escola é formado por 19


pessoas, das quais, onze integram o corpo docente, que inclui uma diretora; uma
coordenadora e nove professores, sendo quatro deles quilombolas e oito urbanos. E oito
integram o quadro dos educadores não docentes, que inclui uma secretária, três vigias;
duas zeladoras e duas merendeiras, sendo todos quilombolas, com exceção da secretária,
que é urbana.
Cabe esclarecer que dos 19 profissionais que atuam na Escola José Mariano
Bento, onze são quilombolas, atendendo ao que está disposto nas Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Escolar Quilombola. É importante ver o que diz a Legislação:

72
TNT: Tecido Não Tecido, uma espécie de tecido, muito frágil, de pouca durabilidade e baixo custo,
bastante utilizado nas escolas.
103

Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012:


Art. 8, [...] IV - presença preferencial de professores e gestores quilombolas
nas escolas quilombolas e nas escolas que recebem estudantes oriundos de
territórios quilombolas;
Art. 39, § 2º A gestão das escolas quilombolas deverá ser realizada,
preferencialmente, por quilombolas[...]
Art. 48 A Educação Escolar Quilombola deverá ser conduzida,
preferencialmente, por professores pertencentes às comunidades
quilombolas.

O que diz Conferência Nacional de Educação:


[...]
h) Assegurar que a atividade docente nas escolas quilombolas seja exercida
preferencialmente por professores/as oriundos/as das comunidades
quilombolas (C0NAE, 2010, p. 131-132).

O que diz o Plano Nacional de Educação:


[...]
12.13. Expandir atendimento específico a populações do campo e
comunidades indígenas e quilombolas, em relação a acesso, permanência,
conclusão e formação de profissionais para atuação nessas populações
(PNE, p. 73, 2014).

No entanto, a legislação ainda está longe de se efetivar, o momento de atribuição


de aulas e demais cargos, gera muitos confrontos, disputas, desafetos. Dividindo o
corpo docente, interferindo diretamente nas relações que se estabelecem no seio da
escola. Cabe, aos órgãos competentes fazer valer a lei e implementá-la.
Todos os 19 educadores são remunerados pelo Estado e contratados
temporariamente, com exceção da professora Maria Helena, cujo contrato foi encerrado,
devido ao ingresso no mestrado, o que a obriga a estudar sem recursos financeiros.
Como explicitarei.
Os contratos são efetuados no início do mês de fevereiro e se encerram em
meados do mês de dezembro. Não há nenhuma garantia de que o funcionário será
contratado, no ano seguinte, ou que ele permanecerá contratado até o final do ano, pois
o contrato pode se extinguir, caso a Escola receba um profissional efetivo, concursado.
Essa é uma realidade que alcança muitos profissionais da educação, em todo o
Estado de Mato Grosso, quando se aproxima o final do ano, as preocupações se
agravam. A vida dentro do “contrato” é desumana, gera insegurança, instabilidade,
competitividade, intrigas, desavenças, discórdias pela disputa da vaga no ano seguinte.
Uma das bandeiras de luta dos movimentos sociais é a realização de concursos públicos
104

específicos para as comunidades do campo, quer sejam quilombolas, indígenas ou do


campo.
3.3.1 Os Educadores docentes

O corpo docente é constituído por 11 educadores, sete moram na cidade de Barra


do Bugres, e quatro no Território Quilombola Vão Grande, sendo três na Comunidade
Baixio e uma na Comunidade Morro Redondo.
Quanto à identidade racial, as quatro educadoras moradoras da Comunidade se
identificam como negras e quilombolas, os educadores que moram na cidade de Barra
do Bugres se declaram negros. A educadora Lúcia Helena, que atua na escola como
educadora há seis anos, disse:
Antes eu dizia que era branca, mas agora que tenho conhecimento, que
estudei, me considero negra, minha família é uma mistura de alemão com
africano, meus avós do lado da minha mãe são brancos e do lado do meu pai
são negros (LUCIA HELENA, educadora urbana).

As palavras da educadora permitem entrever sua identidade racial, está “se


fazendo aos poucos” (FREIRE, 2001), na medida em que estuda, e se apropria do
conhecimento, compreende, e refaz seu discurso, agora mais consciente das
circunstâncias históricas que o permeiam.
A identidade racial também se constrói a partir das relações sociais. Assim,
penso que, possivelmente, a relação com a comunidade escolar tenha contribuído para
mudança de olhar da educadora, possibilitando a ela novas compreensões de sua
presença no mundo, não mais como a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se
insere.
Quanto à formação inicial, os onze docentes possuem licenciatura plena, a
maioria realizada em Pedagogia (Gráfico 2). O nível de escolarização está constituído
por cinco graduados, cinco especialistas e uma cursando o mestrado em Educação na
UFMT (Gráfico 3).
Os Gráficos 2 e 3 revelam que, no ano de 2015, o quadro docente da Escola José
Mariano Bento se diferencia de muitas escolas quilombolas do País, apresentando um
corpo docente, em que cem por cento dos profissionais são graduados. No entanto, é
importante destacar que as narrativas dos educadores desvelam que esse quadro é
recente, e a até pouco tempo, a graduação era um sonho, que parecia inalcançável.
105

Gráfico 2: Formação inicial de graduação. Gráfico 3: Nível de escolaridade.


Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora

Para os educadores quilombolas, as dificuldades são ainda maiores, soma-se a


distância, as dificuldades de transporte para chegar à universidade, a falta de lugar para
permanecer na cidade durante os encontros presenciais. É importante ouvir o que dizem
os docentes:
Foi muito sacrifício, não pagava a mensalidade, mas, tínhamos que ficar
longe de casa sem nenhuma condição financeira, sem ter onde dormir, sem
ter como pagar para comer (MARIA HELENA, educadora quilombola).

Eu, Lucimara e Maria Helena, fizemos pedagogia, pelo NEAD, foi muito
difícil, para chegar a cidade, era uma loucura, tinha dia que a gente ficava
pela estrada. Foi um sacrifício muito grande (DINALVA, educadora
quilombola).

Nossa, foi tanto sacrifício para fazer essa faculdade, tinha que deixar tudo
para trás e ir, por que depois, o sacrifício valeria a pena (LUCIMARA,
educadora quilombola).

Para acessar o Ensino Superior, foi ou é necessário investir recursos próprios,


como mostra o Gráfico 4: dentre os 11 educadores, apenas três cursaram o ensino
presencial, oito cursaram a graduação na modalidade à distância, cinco cursaram a
graduação em universidade pública e seis em universidades privadas. Uma Educadora
quilombola está cursando Mestrado em Educação/ UFMT.
106

Gráfico 4: Ensino Superior


Fonte: Elaborado pela Pesquisadora (2015).

É interessante destacar que, entre os oito profissionais não docentes, todos


concluíram o Ensino Médio e três estão cursando o Ensino Superior à distância, em
instituições privadas.
A maioria dos educadores realizou a graduação na modalidade à distância em
instituições privadas, nas quais precisou sacrificar os poucos recursos familiares:
“Minha faculdade foi um milagre, quando eu pensava que não tinha mais jeito, por que
eu não tinha como pagar as mensalidades, aparecia um jeito, todo ano era uma aflição.
Mas agora já terminei de pagar!” (Neide, educadora quilombola).
Quanto ao tempo de atuação na comunidade escolar, 80% dos educadores
(Gráfico 5) trabalham na escola há mais de quatro anos, o que pode contribuir para criar
laços de afetividade, e também para que os educadores conheçam a história, a realidade
dos educandos.
A baixa rotatividade é um aspecto positivo para o desenvolvimento de projetos
pedagógicos e outras atividades escolares, desde que os profissionais se comprometam
com a instituição e com a comunidade escolar. Convém reiterar que todos os
profissionais, que atuam na escola, são contratados, e não possuem garantia de vínculo
empregatício com a unidade escolar no ano seguinte, de modo que, a cada ano, é
necessário “lutar” pela vaga no ano seguinte, por meio de processos seletivos, para a
efetivação de um novo contrato.
107

Gráfico 5: Tempo de Trabalho

Fonte: Elaborado pela Pesquisadora (2015)

Os educadores narram as razões que os motivam a continuar trabalhando na


Escola José Mariano Bento, no território quilombola Vão Grande. É interessante ouvir
suas vozes:
Não tive um motivo inicial para trabalhar em uma escola quilombola, pois a
desconhecia, mas o que me motiva continuar a trabalhar em uma escola
quilombola é toda riqueza que temos ao nosso redor, a cultura, os costumes,
as histórias de um povo que contribuiu e contribui com a formação do povo
brasileiro, ouvindo as histórias dos moradores das Comunidades
Quilombolas Vão Grande me faz recordar as contadas pelos meus pais. É
conhecer toda família dos nossos alunos, o que não acontece nas escolas da
cidade, outro motivo que me motiva a continuar trabalhando nesta escola é a
maneira como somos recebidos pelos moradores, com muita educação,
respeito e admiração, pessoas humildes, mas com uma generosidade, um
caráter e uma honestidade. Costumo dizer que enquanto os moradores do
Território Vão Grande me permitirem continuarei lá (MADALENA,
educadora Urbana).

Sou quilombola, meus filhos, minha família, tudo está aqui. Quando eu casei,
assumi esse lugar, essa identidade, essa história. Essa é minha história,
minha vida, minha escola. Quanto melhor ela for, melhor será para todos
nós. Não me vejo fora daqui. (LUCIMARA, educadora quilombola
quilombola).

É o carinho que a comunidade tem com a escola e os professores. É muito


satisfatório quando um pai procura você para agradecer e também o
respeito das pessoas, principalmente das pessoas mais velhas e a suas
histórias também são muito bonitas, de como eles viviam no passado,
comparando nos dias de hoje. Transporte/estradas levavam dias para chegar
à cidade e hoje vai e volta no mesmo dia com bastante dificuldade é claro
mas melhorou muito (ANTÔNIO, educador urbano).

A Formação Continuada dos educadores da Escola José Mariano Bento se dá por


meio de cursos realizados pela SEDUC, servem de exemplo os cursos específicos para a
108

Educação Escolar Quilombola, que são realizados pela Secretaria Estadual de Educação,
por meio da Gerência de Diversidade, em parceria com o Núcleo de Estudos de
Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação da Universidade Federal de Mato Grosso -
NEPRE/UFMT, realizados durante os anos 2014 - 2015. Em relação à realização desses
cursos, os educadores reclamam do reduzido número de vagas:
O curso é muito bom, mas nós gostaríamos que todos pudessem participar,
por que é um momento de aprendizagem muito importante, mas como o
número de vagas é reduzido, a gente vai em uma etapa e não vai na outra,
para que o colega possa ir, e acabamos por não acompanhar todo o curso
(LUCIA HELENA, educadora urbana).

A formação continuada também é realizada por cursos oferecidos pelo


CEFAPRO, seja exemplo o Curso de Pedagogia de alternância solicitado pela Escola
José Mariano Bento, à formadora do CEFAPRO, e realizado entre maio de 2013 e maio
de 2014, cujo objetivo era conhecer como se dá a organização do sistema de alternância.
O diferencial desse Curso, e outros elaborados nos moldes dessa proposta, é que a
comunidade participa da proposição, organização e coordenação do curso. Para Arroyo
(2007, p.6), “Os movimentos sociais não apenas reivindicam ser beneficiários de
direitos, mas ser sujeitos, agentes históricos da construção dos direitos”.
A “Sala do educador” é outro espaço de Formação dos Educadores. Durante a
pesquisa, acompanhei uma das reuniões dos educadores para a elaboração do Projeto
Sala do Educador; eles se reuniram na sala da Educação Infantil e, com a ajuda de um
projetor de imagens, data show, discutiram parte do Projeto. A discussão coletiva
contribui para a aprendizagem e para o fortalecimento do grupo e incluiu
encaminhamentos diversos sobre o cotidiano escolar.
Observei alguns momentos de tensão entre os educadores que moram na
Comunidade e os que moram na cidade, na tomada de decisões, mas também observei
momentos de angústia coletiva, nos quais todos se irmanaram, como nas questões
relacionadas às aulas multisseriadas, e à diminuição, cada vez maior, do número de
educandos.
A maioria dos professores está lotada com 30 horas aulas, sendo sete delas
destinadas à hora atividade. As horas atividades são realizadas na própria escola no
período vespertino. Para tanto, o horário das aulas foi planejado de modo que a cada dia
da semana tem um ou mais professores que não retornam para a cidade, ficam no
alojamento para cumprir a hora atividade e lecionar no período noturno.
109

Entre os educadores que moram na cidade, e ficam na escola durante a semana,


uma das reivindicações mais recorrentes, observadas durante a pesquisa de campo, está
relacionada à estadia, ao alojamento, ao transporte e à alimentação, cujas condições,
segundo eles, prejudicam a autoestima do profissional, funcionando como desestímulo à
prática docente.
Apesar da Resolução nº 08 de 20/11/2012, que dispõe sobre as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola, afirmar o direito à estadia,
ao alojamento, ao transporte e à alimentação, existem poucas ou nenhuma
aplicabilidade da resolução, nesse aspecto. Cito como exemplo a questão da
alimentação, para a qual, não há nenhuma verba destinada. Como os educadores podem
ter acesso à alimentação, se não há verbas para esse fim?
Os educadores utilizam uma das salas da escola antiga como dormitório; nele
são distribuídas quatro camas, três de solteiro e uma de casal; o “quarto” também tem
uma prateleira onde são guardados livros e outros materiais pedagógicos, utilizados no
planejamento das aulas. O mobiliário é de propriedade dos educadores. O “quarto” fica
localizado entre duas salas de aula, nas quais são ministradas aulas para os adultos,
enquanto, concomitantemente os docentes, que não estão ministrando aula,
“descansam”.
O banheiro é o mesmo utilizado pelos educandos, por isso, os educadores se
organizam para usá-lo depois que o período noturno se encerra, o que lhes dá mais
liberdade, quando precisam utilizá-lo por mais tempo.
A alimentação é feita em um pequeno cômodo, utilizado como cozinha. Nele,
tem geladeira, fogão, armário e mesa, porém a ausência de pia com água na cozinha
dificulta o preparo dos alimentos. Depois que se encerra o período matutino das aulas,
os educadores se dirigem à cozinha para começar o almoço. A compra do botijão de
gás, e dos alimentos utilizados, é financiada pelos próprios professores.
Entretanto, é importante verificar o que diz a legislação em relação ao
alojamento e alimentação dos educadores:
§ 1º Os docentes que atuam na Educação Escolar Quilombola, quando
necessário, deverão ter condições adequadas de alojamento, alimentação,
material didático e de apoio pedagógico, bem como remuneração prevista na
Lei, garantidos pelos sistemas de ensino.
§ 2º Os sistemas de ensino podem construir, quando necessário, mediante
regime de colaboração, residência docente para os professores que atuam em
escolas quilombolas, localizadas nas áreas rurais, sendo que a distribuição
dos encargos didáticos e da sua carga horária de trabalho deverá levar em
consideração essa realidade (Resolução nº 08, 20/11/2012).
110

A fim de cotejar a legislação com a realidade vivenciada pelos educadores, faz-


se necessário ouvir suas vozes:
O alojamento não é nada confortável, mas a gente vai se adequando as
situações, nós já dormimos até de quatro pessoas em uma cama. Agora tem
menos, por que diminuiu os alunos. Houve um tempo em que a gente trazia a
marmita, agora a gente faz o almoço aqui, mas é difícil por que, fazemos
depois que acaba a aula. Já estamos cansados da viagem, de ter acordado
tão cedo, e na Kombi, não tem nem como dormir, se fosse a vã, ainda teria
como dormir um pouco na viagem, mas na Kombi não dá. Ainda por cima,
ela é apertada e as vezes temos que vir um no colo do outro. Quando chega
aqui, vamos para a sala, e quando termina a aula, já estamos pensando no
almoço, mas aí é que vamos começar a fazer a comida (LUCIA HELENA,
educadora urbana).

As palavras da docente descortinam a situação de abandono na qual trabalham


os educadores nas comunidades rurais, demonstrando que apesar da promulgação da
Resolução nº 08 de 20/11/2012, sua aplicabilidade ainda não alcançou plenamente o
sujeito para o qual ela foi elaborada.

3.3.2 Os estudantes

Os 15373 estudantes da Escola José Mariano Bento são moradores do Território


Quilombola Vão Grande, isto é, moram nas cinco Comunidades: Baixio, Camarinha,
Morro Redondo e Retiro. Os estudantes das Comunidades Vaca Morta e Retiro estudam
até o 5º ano do Ensino Fundamental em sua própria comunidade, e a partir do 6º ano
passam a estudar na Escola José Mariano Bento, localizada na comunidade Baixio.
Os educandos vêm para a escola nos ônibus escolares, pois as comunidades são
distantes umas das outras. Entretanto, no ano letivo 2015, os educandos de Vaca Morta
e Retiro fazem grande parte do percurso a pé, como foi mencionado no capítulo II. A
Escola disponibiliza dois ônibus escolares: um realiza o transporte das Comunidades
Camarinha, Morro Redondo e Baixio, o outro realiza o transporte parcial das
Comunidades Vaca Morta e Retiro.
A maioria dos educandos mora com os pais, em casa próximas às dos avós, onde
repartem o mesmo pedaço de terra, formando pequenas nucleações. Todavia também
existem casos em em que a criança mora com os avós, sem a presença dos pais. Nesse
caso, o mais recorrente é que os filhos morem com as mães na casa/próximo à casa dos
avós.
Devido ao fato de a escola oferecer atendimento da Educação Infantil ao Ensino
Médio, em um mesmo período, é possivel avistar, na hora do intervalo, praticamente
73
De acordo com dados do INEP 2014.
111

toda a população jovem do território na escola. Desde os mais pequenos a partir dos
quatro anos até as moças e rapazes que já trocam olhares de cumplicidade.
A maioria dos educandos ajuda os pais, seja no serviço da roça, seja no serviço
doméstico. Durante a execução dos serviços que lhes são designados, eles aprendem
lições diversas com os mais velhos. Diz Joelson: “Ajudo meu pai a plantar banana,
mandioca, melancia, feijão, agora mesmo estamos preparando a terra para plantar
feijão. É mas para consumo, para comer. A banana leva para cidade para vender”.
De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Quilombola, a infância e a juventude quilombola convivem com um trabalho
familiar que reassume dimensão educativa na medida em que esse não se funda na base
exploratória da força de trabalho tão presente em uma sociedade que
estratifica/classifica pelas diferenças.
No âmbito do trabalho familiar, as gerações presentes têm desenvolvido uma
consciência política que coaduna com a defesa do território, visto que os
tempos de trabalho são tempos de, igualmente, brincar, estudar, escutar,
observar, confrontar o vivido com o desconhecido, que é função da escola
propiciar e fomentar (Parecer CNE/CEB, p. 26, nº 08/2012)

A questão do trabalho infantil, nas comunidades rurais, é referendada nas


pesquisas, seja exemplo Castilho (2011):

O trabalho tem para a comunidade quilombola um valor cultural, econômico


e um princípio de socialização entre as crianças e seus pais. No entanto, esses
valores não deixam de ser conflitantes. O trabalho de crianças, em fase
escolar, tem sido apontado por diversas pesquisas como um dos fatores que
interferem negativamente na sua escolarização (CASTILHO, 2011, p. 161):

Na análise realizada por Haddad (2003, p. 162) ele argumenta que os alunos são
trabalhadores e são trabalhadores há muito tempo. Trabalham intensivamente, com
longas jornadas diárias e em trabalhos de grande exigência.
Durante as entrevistas, as conversas no pátio da escola, nos momentos de
intervalo, ao acompanhá-los ao refeitório, ou ainda durante o percurso casa/escola no
ônibus escolar, a todos os educandos, desde os menores até os maiores, a quem
perguntei sobre a escola, a resposta foi unanime: “Eu gosto da escola!” ou “ aqui a
gente reúne com todo mundo”.
Perguntei a eles o que mais gostam na escola, e “ler e escrever” e “estudar”
aparece em primeiro plano, mas logo é seguida de respostas diversas que variam
principalmente de acordo com a idade.
112

Entre os mais pequenos, depois de “ler e escrever”, a merenda figura entre a


melhor coisa da escola: “Eu gosto de farofa de carne seca” ou “eu gosto tanto é de
carne com banana”. Embora “brincar” esteja presente em praticamente todas as falas.
Entre os jovens depois de “estudar” logo vem “conversar e encontrar os
amigos”, embora a que mais se destaque seja jogar bola: “Gosto de tudo, de estudar, de
aula vaga e de jogar bola”.
Os jogos são realizados nas aulas vagas e nos intervalos, bastam pequenos
momentos para que eles se organizem em times e comece o jogo. No entanto, ao falar
dos jogos de futebol, logo suspiram, em um misto de revolta e desânimo. As
reclamações são frequentes: “A pior coisa é essa quadra que malemá [mal] começou e
já parou faz um tempão”.
Nessa perspectiva, as narrativas permitem afirmar que a Escola José Mariano
Bento se configura como espaço de lazer e aprendizagem. Ao que parece, os educandos
também compreendem a escola como uma espécie de “Centro Cultural” do território,
onde além de “estudar, ler e escrever” também se pode conversar, brincar, jogar e
encontrar com os amigos. Um lugar de encontros e partilhas.
No próximo capítulo, teço reflexões sobre educação escolar no chão da Escola
Estadual José Mariano Bento.
113

CAPÍTULO IV

4. EDUCAÇÃO ESCOLAR NO CHÃO DA ESCOLA ESTADUAL JOSÉ


MARIANO BENTO

Neste quarto capítulo, busco refletir sobre o currículo em ação na Escola


Estadual José Mariano Bento, a fim de compreender como está se delineando a
Educação Quilombola, como modalidade de ensino, no Território Quilombola Vão
Grande.
O conceito de currículo que subsidia esta pesquisa é o proposto pelos autores da
concepção crítica, tais como Apple (2002); Moreira (2002, 2004); Sacristán (1998) e
Silva (1999, 2002).

4.1 CURRÍCULO: ALGUNS CONCEITOS

Conhecer, na dimensão humana, [...] não é o ato através do qual um sujeito,


transformado em objeto, recebe, dócil e passivamente, os conteúdos que
outro lhe dá ou impõe. Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é
como sujeito, e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente
conhecer (FREIRE, 1985, p. 16).

Até pouco tempo, a educação realizada no chão das comunidades quilombolas


estava esquecida no bojo da educação rural, submetida a um currículo hegemônico,
pensado para atender realidades distantes da vida, dos saberes e das tradições
vivenciadas pelos povos quilombolas.
Esse quadro começa a se modificar, como resultado das pressões dos
movimentos sociais, quando incluem na pauta de luta, reflexões e questionamentos
sobre o currículo hegemônico, propondo a construção de currículos contra hegemônicos
que incluam a seleção de conhecimentos e práticas vivenciadas em contextos concretos
e em dinâmicas sociais, políticas e culturais, intelectuais e pedagógicas. Conhecimentos
e práticas expostos às novas dinâmicas e reinterpretados em cada contexto histórico
(GOMES, 2007).
De acordo com Arroyo (2007), as reflexões sobre o currículo estão cada vez
mais frequentes no chão das escolas, na formação dos educadores e nas pesquisas
acadêmicas, isto é, questionamentos sobre o conceito de currículo, a quem ele se
destina, para que ele serve, e principalmente como ele se implementa são questões bem
presentes nas discussões, nos grupos de estudo, nas formações. Questões que outrora,
não eram ao menos cogitadas passam, agora, a ser o centro das discussões.
114

Veja o que diz Silva (1999), sobre o currículo:

O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O


currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa
vida, curriculum vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é
texto, discurso, documento. O currículo é documento de identidade (SILVA,
1999, p. 150).

O currículo escolar contribui para formar nossa identidade, moldar quem somos,
no entanto se o currículo não é pensado, gestado, gerado pelas pessoas que compõem a
comunidade escolar, ele se submete a formar identidades que não correspondem aos
anseios da comunidade a quem serve.
Segundo Silva (1999, p.15), sinteticamente, a questão fundamental em relação
ao currículo, é: “o quê” ensinar? O referido autor afirma que “o conhecimento que
constituí o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade”.
Para Aplle (2002, p. 40), a pergunta frequente é: Que tipo de conhecimento vale mais?
Segundo o autor, a pergunta não é nada simples, envolve conflitos agudos e profundos,
relacionados à educação, ideológica e política, atrelados à história dos conflitos de
classe, raça, sexo e religião.
Para o autor a pergunta mais coerente seria: “o conhecimento de quem vale
mais?” (APLLE. 2002, p. 40). Assim, ouso perguntar: Seria o conhecimento dos povos
quilombolas? Dos povos indígenas? Dos que habitam os campos? Ou seria o
conhecimento da elite? Das empresas, das industrias e do latifúndio? Para o referido
autor “a decisão de se definir o conhecimento de alguns grupos como digno de ser
transmitido às gerações futuras, enquanto outros grupos mal veem a luz do dia, revela
algo extremamente importante acerca de quem detém o poder na sociedade” (APLLE.
2002, p. 42).
Segundo Sacristán (1998), a discussão sobre o currículo envolve reflexões sobre:
que objetivos se quer atingir? Para quem são esses objetivos? Que valores, atitudes e
conhecimentos se quer privilegiar? Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado
muitas outras coisas? Quem tem melhor acesso as formas legítimas do conhecimento?
Para o autor o currículo é um âmbito de interação onde se entrecruzam processos,
agentes e âmbitos diversos que, num verdadeiro e complexo processo social, dão
significado prático e real ao mesmo tempo.
115

As indagações ventiladas pelos autores fazem pensar “o quê” ensinar nas


comunidades quilombolas. Durante as entrevistas, ao responder a questão: “O que você
gostaria que fosse ensinado na escola?”, os moradores do território quilombola Vão
Grande sinalizam os conhecimentos que consideram importantes para a formação de
seus filhos. Dentre as respostas, “aprender a ler, escrever e fazer conta”, é a que mais se
destaca, na entrevista dona Joanita me explica a razão: “porque sem estudo, ninguém
tem nada na vida”, de modo que saber ler, escrever e calcular, são apresentados como
sinônimos de “ter estudo”.
As respostas também apresentam outros conhecimentos, igualmente valorizados
na comunidade e indicados como importantes para a formação dos aprendentes, tais
como: “saber as histórias da comunidade”, “saber como faz um remédio”, “saber o
tempo certo de plantar”, são conhecimentos apontados como necessários para a
formação dos jovens da comunidade.
A narrativa do Guardião da memória Constantino, 90 anos: “não adianta ter
estudo e não ter educação”. Note que o senhor de 90 anos separa “ter estudo”, ou seja:
saber ler e escrever, de “ter educação”, ou seja: saber ouvir os mais velhos, prestar-lhes
atenção, a fim de aprender e apreender os saberes e a história da comunidade. De modo
que, para o Guardião da Memória, “saber ouvir os causos da comunidade”, é sinônimo
de “ter educação”.
Todos esses anseios se presentificam no seio da Escola Quilombola José Mariano
Bento: como construir e implementar um currículo escolar aberto, flexível e de caráter
interdisciplinar, respeitando a história, o território, a memória, a ancestralidade e os
conhecimentos tradicionais pelo tal como propõem as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Escolar Quilombola? Para compreender as indagações que brotam no
chão da Comunidade escolar, no esforço de correlacionar as práticas pedagógicas,
desenvolvidas no cotidiano da escola, com as expectativas das famílias da comunidade,
refletirei, a seguir, sobre o currículo na Escola supracitada.

4.2. O CURRÍCULO NA ESCOLA JOSÉ MARIANO BENTO

Nesta seção, teço reflexões sobre o currículo na Escola José Mariano Bento. A
reflexão será feita a partir das observações realizadas no cotidiano da escola: Currículo
em ação. Para Castilho (201, p. 169. Grifos meus), “Currículo em ação são as práticas
116

curriculares reais, compartilhadas no circuito escolar entre a comunidade que a compõe,


ou seja, é o que, de fato, ocorre e o modo pelo qual se efetiva no trabalho escolar”.
Também reflito sobre o Projeto Político Pedagógicos e o Regimento Escolar:
Currículo formal. O currículo formal é constituído pelos documentos que estruturam e
organizam as atividades a serem realizadas na escola.

4.2.1 O Projeto Político Pedagógico

De acordo com o parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


Escolar Quilombola, a elaboração do PPP deve mobilizar a comunidade quilombola
para que todos sejam sujeitos na construção do Projeto Político Pedagógico da escola,
valorizando as práticas e as experiências, a sabedoria dos anciãos, os saberes da terra, os
saberes aprendidos no trabalho, e a ancestralidade (Parecer CNE/CEB, p.49,
Nº:16/2012).
A escola ainda precisa avançar no que tange a participação da comunidade
durante a elaboração do Projeto Político Pedagógico, durante as conversas informais
notei que a participação da comunidade nestes momentos ainda é tímida, ficando a
elaboração do PPP mais restrita ao corpo docente.
O Projeto Político Pedagógico constitui, ou ao menos deveria constituir, a
identidade de uma escola, falar dos seus sonhos, de suas expectativas, do seu passado e
do seu futuro, contribuir para perpetuar a história da comunidade escolar, do povo a
quem pretende atender. Para Silva (2012) o PPP é mais do que um mecanismo de
efetivação de política educacional, ele é instrumento de construção identitária coletiva e
de participação social.
O referido Parecer ainda infere que o PPP da Educação Escolar Quilombola
deve primar por desestabilizar os modelos epistemológicos dominantes e desenvolver
nos educandos e educadores a capacidade de espanto, de indignação e uma postura de
inconformismo, necessárias para olhar com empenho os modelos que possibilitem
relacionamentos mais igualitários e mais justos, e que faça apreender o mundo de forma
edificante, emancipatória e multicultural.
De acordo com Canen (1997), o retardamento em se reconhecer como uma
sociedade Multicultural dificulta a implementação de uma formação para os educadores
que contemple essa perspectiva. Para a autora, essa resistência para assumir o caráter
multicultural de uma determinada sociedade é agravada pelo senso comum, seja
117

exemplo, a ideia de que todos os grupos étnicos-culturais são aceitos e integrados à


sociedade, sem problemas de discriminação ou racismo, o que acaba por maquiar a
realidade.
A análise de Leite (2001) sugere que os princípios que orientam a assimilação ou
homogeneização cultural apontam para o caráter injusto e empobrecedor, do mesmo
modo, que a valorização de uma cultura única penaliza determinados grupos e ignora a
riqueza proveniente da diversidade.
O respeito a diversidade cultural compõe a Filosofia da Escola José Mariano
Bento, logo na primeira parte do PPP, o documento expõe que tipo de sujeito, a escola
deseja formar: “cidadãos críticos, autônomos e consciente da sua origem e identidade
quilombola, capazes de atuar na sociedade sem discriminação e preconceitos”. Para
Silva (1999) o currículo busca precisamente modificar as pessoas, em outras palavras, o
autor afirma que a escolha do currículo implica em decidir que tipo de conhecimento é
importante para a pessoa que se quer formar.

FILOSOFIA
A E.E. “José Mariano Bento” tem como filosofia adotar um
currículo que seja capaz de contribuir coma formação de cidadãos críticos,
autônomos e consciente da sua origem e identidade quilombola, capazes
de atuar na sociedade sem discriminação e preconceitos. Sendo que é preciso
ressaltar a valorização da cultura das comunidades quilombolas,
reconhecendo que existem diferentes culturas e múltiplas identidades. É no
desafio do Ensinar e Aprender em uma escola diferenciada e específica para
uma comunidade de quilombo que ousamos tentar proporcionar meios e
saberes para uma educação formal e quilombola igualitário a fim de diminuir
a exclusão e desigualdade diante da sociedade brasileira. (PPP/JMB, p.3.
Grifos meus.)

A Filosofia da escola esclarece que tipo de ser humano a escola deseja formar, e
desvela seu comprometimento com a formação de pessoas: “conscientes de sua origem
e identidade”, em outras palavras pessoas que conhecem a história do seu povo, sua
própria história. Este comprometimento da escola está de acordo com os pressupostos
para a Educação Escolar Quilombola:

[...]
Art. 06
VI - zelar pela garantia do direito à Educação Escolar Quilombola às
comunidades quilombolas rurais e urbanas, respeitando a história, o território,
a memória, a ancestralidade e os conhecimentos tradicionais;
[...]
Art. 32 O projeto político-pedagógico da Educação Escolar Quilombola
deverá estar intrinsecamente relacionado com a realidade histórica, regional,
política, sociocultural e econômica das comunidades quilombolas.
[...]
118

§ 2º Na realização do diagnóstico e na análise dos dados colhidos sobre a


realidade quilombola e seu entorno, o projeto político-pedagógico deverá
considerar:
I - os conhecimentos tradicionais, a oralidade, a ancestralidade, a estética, as
formas de trabalho, as tecnologias e a história de cada comunidade
quilombola;
[...]
Art. 35 O currículo da Educação Escolar Quilombola, obedecidas as
Diretrizes Curriculares Nacionais definidas para todas as etapas e
modalidades da Educação Básica, deverá:
I - garantir ao educando o direito a conhecer o conceito, a história dos
quilombos no Brasil, o protagonismo do movimento quilombola e do
movimento negro, assim como o seu histórico de lutas; (Resolução nº 08,
20/11/2012, p.12).

Um povo que não conhece sua história e não valoriza seus mártires é um povo
fadado ao esquecimento, a invisibilidade (CALDART, 2004). O PPP da escola José
Mariano Bento, parece, ao menos no âmbito das intenções, primar pela preservação da
história da comunidade. Em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica; da Lei Federal 10.639/03; das Orientações
Curriculares para Educação Quilombola de Mato Grosso; das Orientações Curriculares
para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira nas escolas dos territórios quilombolas.
Ainda neste capítulo busco analisar se as proposições apresentadas no PPP da
escola se efetivam na prática cotidiana, ou se representam apenas teoria. Esta análise é
importante para compreender de que maneira e como o Projeto Político Pedagógico da
escola José Mariano Bento se alinha com a história das comunidades e as expectativas
das famílias que integram o Território Quilombola Vão Grande.

4.2.2 O Regimento Escolar

O Regimento Escolar é o documento que define a organização administrativa,


didática, pedagógica, disciplinar da instituição. No caso da escola José Mariano Bento,
os objetivos apresentados no regimento da instituição atentam para os pressupostos da
Educação Escolar Quilombola:

Art. 5º - São Objetivos gerais da Escola:


I- Ser uma referência na Educação Quilombola.
II-Desenvolver um processo de ensino juntamente com o corpo docente,
discente e comunidade preservando sua cultura.
III-Educar o indivíduo para a igualdade entre os seres humanos, qualquer que
seja sua filosofia de vida, religião cor e raça.
Art. 6º - Objetivos Específicos da Escola:
I-Fazer uma educação voltada para a valorização da diversidade étnico-racial
cultural. Afro – brasileira, conforme a lei 10.639/03 e a lei 11.645/08;
119

II-Ter um currículo voltado para a valorização da identidade negro


quilombola e nacional;
III-Ter um currículo que leve os (as) alunos a conhecer suas origens, a
história das comunidades quilombolas que compõem a região Vão
Grande;
IV-Fazer um ensino aprendizagem que possa mediar o saber local com o
cientifico escolar;
V-Adotar como metodologia a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.
(Regimento escolar, p. 01. Grifos meus)

Note que tanto os objetivos gerais quanto os objetivos específicos estão em


consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica; da Lei Federal 10.639/03; das Orientações Curriculares para Educação
Quilombola de Mato Grosso; das Orientações Curriculares para a Educação das
Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-Brasileira
nas escolas dos territórios quilombolas.
Quanto a história da comunidade o Regimento Escolar também vinca que a
escola deve ter um currículo que possibilite o conhecimento de suas origens e a história
das comunidades quilombolas que compõem a região Vão Grande. Quando a escola é
pensada como um espaço de formação inserido em um processo educativo mais amplo,
ela vai além de um espaço de socialização de saber que vem pronto e acabado, ela abre
espaços para outros saberes. Para os saberes que importam para a comunidade. Abre
espaço para as discussões, os debates. Forma sujeitos de história, contribui para
fortalecer a identidade.
No entanto, é interessante refletir que o fato do PPP e o Regimento da escola
apresentar proposições que primam pela preservação da história da comunidade, não
assegura que o ensino por ela ministrado, dialoguem com a história da comunidade e
com a expectativa das famílias que ela atende. São as práticas cotidianos, o fazer
pedagógicos no chão da escola que fazem a diferença.

4.2.3 O fazer pedagógico nas salas multisseriadas

Como já foi dito no capítulo III, o sistema de ensino na Escola Estadual José
Mariano Bento é o multisseriado. Os educandos do ensino fundamental e do ensino
médio, estão organizados em seis turmas, de modo que até o ensino médio é formado
por turmas multisseriadas, a tabela 10 especifica apresenta um panorama da distribuição
dos educandos nas turmas:
120

Tabela 10: Organização das turmas multiserriadas da Escola José Mariano Bento
Turma Educandos que integram a Situação docente
multisseriada turma multisseriada
Turma 01 1º, 2º, 3º ano do Ensino As aulas são atribuídas a uma Professora
Fundamental pedagoga, que fica responsável para
planejar e ministrar aulas para os
educandos dos três anos,
concomitantemente.
Turma 2 4º, 5º anos do Ensino As aulas são atribuídas a uma Professora
Regular Fundamental pedagoga, que fica responsável para
Matutino planejar e ministrar aulas para os
educandos dos três anos,
concomitantemente.
Turma 3 6º e 7º ano do Ensino As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular Fundamental professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
6º e 7º ano, concomitantemente.
Turma 4 8º e 9º ano do Ensino As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular Fundamental professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
8º e 9º ano, concomitantemente.
Turma 5 1º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
1º ano do Ensino Médio, essa é a única
turma da escola que não é multisseriada.
Turma 6 2º e 3º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
2º e 3º ano do Ensino Médio,
concomitantemente.
Turma 7 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º As aulas são atribuídas por disciplina, cada
EJA ano do Ensino Fundamental professor é responsável por planejar e
Noturno ministrar sua disciplina, aos educandos do
1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º ano do
Ensino Fundamental, concomitantemente.
Turma 8 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada
EJA professor é responsável por planejar e
Noturno ministrar sua disciplina, aos educandos do
1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio,
concomitantemente.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com a contribuição de Seila, secretária da Escola.

O funcionamento das salas multiserriadas é regulamentado pelas Diretrizes


Complementares, Normas e Princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do Campo. Assim está escrito na legislação em relação
ao funcionamento das salas multiserriadas:
Art. 10
§ 2º As escolas multisseriadas, para atingirem o padrão de qualidade definido
em nível nacional, necessitam de professores com formação pedagógica,
inicial e continuada, instalações físicas e equipamentos adequados, livros e
materiais didáticos apropriados e supervisão pedagógica permanente (Parecer
CNE/CEB, p. 12, nº 23/2007).
121

No entanto, no chão da Escola José Mariano Bento, a situação é bem diferente:


falta formação pedagógica, instalações físicas e equipamentos adequados, livros e
materiais didáticos que os habilite a planejar e ministrar aulas, para várias turmas ao
mesmo tempo. A falta de formação para ministrar aulas neste sistema de ensino se
constitui uma das maiores queixas dos educadores, em relação às condições de trabalho.
O Parecer das Diretrizes Curriculares para Educação Escolar Quilombola
reconhece que a ausência de formação é uma realidade nacional “houve a reivindicação
do direito à formação dos professores que atuam em instituições escolares ainda
organizadas dessa maneira” (Parecer CNE/CEB, p.38, nº 16/2012). Essa realidade,
também, é um aspecto que irmana os povos quilombolas, indígenas e do campo. De
acordo com Castilho (2011, p. 154), “esse sistema de ensino ainda é uma realidade
frequente nas diversas regiões periféricas urbanas, mais acentuadamente nas regiões
rurais do Brasil”.
Na ausência de formação pedagógica que os qualifique para ministrar as aulas
no sistema de ensino multisseriado, cada educador, adota um método para ministrar
suas aulas. Ao observar as aulas, notei que os educandos já conhecem o jeito de cada
professor, pois eles se antecipam organizando a distribuição das cadeiras de acordo com
a metodologia costumeiramente utilizada pelo educador. Em dada aula, as cadeiras
estavam dispostas em fileiras bem formadas; em outra aula, as cadeiras se espalharam
pela sala formando duplas ou trios; numa outra, os educandos formaram círculos.
Em uma das aulas que observei, na turma multisseriada, formada por educandos
do 6º e 7º anos do Ensino Fundamental, eles se organizaram em dois círculos; o sexto
ano, em um, e o sétimo ano, no outro. Os círculos foram organizados antes da chegada
do educador, permitindo entrever que, costumeiramente, as aulas são dispostas assim
nessa disciplina.
Ao iniciar aula, o educador solicitou aos educandos do sétimo ano que lessem
um conteúdo da disciplina no livro didático e respondessem ao questionário, disposto no
mesmo livro. Em seguida, ele se dirigiu aos educandos do sexto ano, sentou entre eles,
no círculo, e lhes explicou sobre o conteúdo, selecionado para o dia, fez comparações
com situações cotidianas e procurando relacionar as palavras do livro com os saberes
dos educandos. Notei que eles fitavam os olhos no professor, aparentemente, rendendo
atenção ao que ele falava.
122

Ao final da primeira aula, o professor encerrou essa conversa, indicando um


questionário do próprio livro para que os educandos copiassem e o respondessem no
caderno. Ele se dirigiu, então, ao círculo formado pelos educandos do sétimo ano, e
novamente se sentou entre eles, repetiu o processo que tinha realizado com os discentes
do sexto ano, e discutiu com eles as respostas atribuídas no questionário.
Notei que, nos dois grupos, os educandos reagiram, semelhantemente, a ordem
dada: enquanto uns realizavam a leitura indicada ou copiavam e respondiam o
questionário, outros pareciam distantes, como se apenas seu corpo estivesse presente
naquele lugar, entretanto nenhum deles procurou realizar conversas paralelas durante a
explicação para o grupo vizinho.
Assim como nos dois grupos, a atenção era voltada ao professor sempre que ele
correlacionava o conteúdo do livro com o cotidiano da comunidade, vez ou outra um
estudante do grupo vizinho inqueria o educador, quanto à maneira correta de responder
à questão, ou solicitava esclarecimento da pergunta, pois, por si só, não havia
compreendido.
Na gana de tentar encontrar caminhos, os educadores improvisam, cada um a seu
modo, cada um ao seu tempo, soluções para o problema que angustia a todos, há
momentos em que buscam caminhos mais coletivos e outros em que se movem em
práticas mais solitárias, para vencer os insucessos da escolarização no território Vão
Grande. Quanto aos insucessos escolares, os estudos de Leite (2001), sugerem que, para
transpor o insucesso escolar, os educadores precisam vencer o fatalismo e contribuir
para a construção de uma sociedade mais democrática. A autora sugere, com base em
Perrenoud (1991), atitudes para vencer o insucesso:
Perrenoud (1991) conclama os professores a lutar, se o insucesso escolar os
incomodar e se quiserem evoluir no sentido de uma diferenciação
pedagógica. Para isso, sugere: a) que os professores compreendam que o
insucesso é evitável; b) que reconheçam as próprias responsabilidades para
esse insucesso, em vez de procurarem um bode expiatório; c) que encontrem
prazer em lutar contra o insucesso; d) que encontrem formas eficazes de
ajudar os alunos em dificuldade; e) que vençam as inércias e as “rotinas
repousantes”; f) que ponham em causa as “certezas didáticas”, tendo
consciência de que as situações de resistência de alguns alunos incentivam
muitas vezes soluções mais inovadoras; g) que valorizem dinâmicas da
instituição e o trabalho em equipe; h) que abandonem o papel central dos
acontecimentos “para tornarem pessoas-recurso” (LEITE, 2001, p. 62)

As palavras dos educadores permitem entrever suas lutas na busca diária para
vencer as adversidades, que lhes são impostas, e contribuir para o bom desempenho dos
123

educandos. As palavras de Eliene Lima são bastante significativas em relação ao fazer


pedagógico nas salas multisseriadas:
A situação é muito complicada, falta formação, para a gente saber como
trabalhar com eles. Eu procuro fazer o meu melhor, peço auxílio para os que
terminam primeiro. Os que já sabem ler, como a Beatriz, ajudam os que
estão chegando agora, o Paulo também ajuda bastante, é assim, quem já
entendeu, ajuda o outro. Eu explico a eles, que nós vamos ter que ajudar, uns
aos outros (Eliene Lima, Educadora urbana).

Convém vincar que a maior reinvindicação da educadora se assenta na ausência


de formação, qualificação, embora a narrativa também desvele as estratégias que ela
utiliza para tentar amenizar o problema.

4.2.4 As Práticas Pedagógicas

Nesse sentido, a escola desenvolve várias atividades e projetos. Acompanhei,


pessoalmente, a realização de alguns, que foram desenvolvidos durante o período da
pesquisa de campo, de outros, por meio da leitura do projeto, das publicações realizadas
sobre eles nos eventos da região, outros ainda nas conversas informais com educandos e
educadores, que foram desenvolvidos antes da pesquisa de campo, principalmente no
ano de 2014.
No entanto, durante a pesquisa de campo, observei que a prática dos educadores
oscila: ora as aulas são ministradas por meio de projetos pedagógicos, nos quais o corpo
docente parece procurar estabelecer um link com a história, os saberes e os fazeres da
comunidade, ora as aulas são ministradas por meio de aulas expositivas tendo o livro
didático, como guia. Ao inquerir os educadores sobre como eles trabalham as vivencias,
a história da comunidade, eles apontaram os projetos realizados na escola. A seguir,
descreverei algumas dessas práticas pedagógicas, citadas pelos educadores, nas quais
eles afirmam buscam relacionar as vivências e saberes da comunidade com a educação
formal, realizada na escola.
Os projetos, em sua maioria, são desenvolvidos por mais de um educador, sob a
coordenação de um deles, envolvendo várias turmas e disciplinas, principalmente as
disciplinas específicas da área de Saberes Quilombolas: Práticas em Cultura e
Artesanato Quilombola, Práticas em Técnicas Agrícola Quilombola e Práticas em
Tecnologia Social Quilombola. Essas Disciplinas são somadas à Base Comum e
integram o currículo da Escola.
124

Segundo Moreira e Silva (2002, p.32), as relações entre currículo e produção de


identidades sociais e individuais, tem levado os educadores a educadoras engajados
nessa tradição, “a formular projetos educacionais e curriculares que se contraponham às
características que fazem com que o currículo e a escola reforcem as desigualdades da
presente estrutura social”.
As ilustrações a seguir buscam exemplificar algumas práticas pedagógicas
desenvolvidas na Escola José Mariano Bento. As Ilustração 54 e 55 apresentam o
Projeto Artes Visuais, coordenado pela educadora Marcia Resende, graduada em Letras,
realizado com os educandos dos anos finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.
De acordo com a educadora, “o projeto tem como objetivo identificar a arte visual na
natureza, através de rochas e objetos de madeiras esculpidos pelos fenômenos
naturais”.
Ela ainda informou que, para o desenvolvimento do Projeto, foi adotada a coleta
dos objetos, restos de pau e rochas, que estão às margens do Rio Jauquara. Para a
educadora, “o trabalho estimulou o desenvolvimento e a criatividade dos educandos,
possibilitando-os a ter um contato amplo com a arte e a linguagem literária”.

Ilustração 54: Projeto Artes Visuais Ilustração 55: Projeto Artes Visuais
Acervo da pesquisadora (2015) Acervo da pesquisadora (2015)

Durante uma entrevista com o Senhor Odilon, pai de quatro educandos da


Escola, ao se referir ao Projeto, expressa sua admiração por ele:
Eu nunca pensei que os pedaços de pau lá do rio podia ser uma coisa assim
de grande valor, quem que ia pensar. Alguma vez, eu ficava olhando,
olhando, mas não sabia que tinha um valor assim (ODILON, pai).

A análise, realizada por Candau e Koff (2015, p. 334), indica a relevância da


educação escolar na formação dos educandos. Em conformidade com as autoras, é
125

necessário buscar novos caminhos que possibilitem a reinvenção de uma escola cada
vez mais plural, democrática, “capaz de responder aos desafios de nossa
contemporaneidade e de formar cidadãos e cidadãs, sujeitos da construção de um
mundo menos dogmático e mais solidário”. Para as autoras, a reinvenção da escola,
inclui, também, o debate sobre “o modo de viver o currículo e/ou a prática educativa,
refletindo e discutindo” (CANDAU e KOFF, 2015, p. 335).
O Projeto “Produção de Farinha de mandioca” foi coordenado pelo professor
Antônio Marcos Pereira Silva, especialista e graduado em Ciências Biológicas, e
envolveu todos os educandos e educadores de quatro turmas multisseriadas (do 6º ano
do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio). De acordo com o professor
Antônio, o Projeto tem como objetivo “despertar nos educandos e familiares a
necessidade de agregar valor aos seus produtos e gerar renda”.
Ele ainda informou que “o projeto contemplou todas as áreas do conhecimento
e as disciplinas de ciências e saberes quilombolas, trabalhando de forma
interdisciplinar; para estudar as técnicas do plantio até a colheita”.

Ilustração 56: Arrancando Mandioca Ilustração 57: Transportando Mandioca


Acervo da pesquisadora (2015) Acervo da pesquisadora (2015)

Conforme explicações da professora Lucia Helena, o plantio da mandioca é


realizado em uma área logo no fundo da Escola, na Disciplina de Práticas em Técnicas
Agrícolas Quilombolas.
Acompanhei o desenvolvimento da aula no dia da farinhada e observei que todos
os educandos se envolveram nas atividades: uns se ocuparam de arrancar a mandioca
(Ilustração 56), uns a descascavam (Ilustração 57), outros as levavam para serem
descascadas (Ilustração 58), e a mandioca já descascada era levada para a farinheira
126

(Ilustração 59). Assim, cada parte do trabalho foi dividido de acordo com a habilidade
de cada estudante, e todos participaram da aula.

Ilustração 58: Descascando Mandioca Ilustração 59: Cuidados com a Mandioca


Acervo da pesquisadora(2015). Acervo da pesquisadora(2015).

Ao indagar sobre a importância do Projeto:


Esse aqui é um trabalho de grande valor, porque eles estão fazendo uma
coisa de muita serventia pra vida deles, por que eles estão aprendendo uma
coisa muito boa (JOANITA, mãe).

Eu gosto porque é divertido, a gente conversa, ri e trabalha, até os mais


velhos vem no dia. Reúne um monte de gente e nem cansa, até de tarde já vai
estar tudo pronto (JOELSON, educando).

Para a Educação Escolar Quilombola, “trabalho como princípio educativo”,


também parece ser “de grande valor”, tal como afirma Dona Joanita. Na Resolução nº
08/2012, no Art. 7, ele é apresentado como um dos princípios da Educação Escolar
Quilombola: “XVIII - trabalho como princípio educativo das ações didático-
pedagógicas da escola”. No Art. 50, dessa mesma Resolução, ele é apresentado como
um dos eixos da formação inicial de professores que atuam na Educação Escolar
Quilombola: “o estudo do trabalho como princípio educativo”. Mas qualquer trabalho é
um princípio educativo?
As pesquisas indicam que nem todo trabalho pode ser considerado como um
princípio educativo, por exemplo, o trabalho que escraviza, explora, aliena, desmoraliza,
humilha, discrimina. O trabalho em que se emprega esses verbos não representa um
projeto de educação emancipatória, pelo contrário, serve às exigências do capital,
subordina a escola a seu serviço e coisifica os humanos.
O trabalho realizado na produção da farinha busca perpetuar as técnicas
utilizadas pelas famílias, no plantio da mandioca e no preparo da farinha, para tanto, os
127

educadores buscam parceria com a Comunidade, envolvendo a todos na execução do


Projeto. O que permite inferir que o trabalho desenvolvido pode ser considerado como
princípio educativo. Para Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005), o trabalho como princípio
educativo, vai para além de uma mera técnica didática ou metodológica no processo de
aprendizagem:
O trabalho como princípio educativo não é apenas uma técnica didática ou
metodológica no processo de aprendizagem, mas um princípio éticopolítico.
Dentro desta perspectiva, o trabalho é, ao mesmo tempo, um dever e um
direito. O que é inaceitável e deve ser combatido são as relações sociais de
exploração e alienação do trabalho em qualquer circunstância e idade
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005, p. 18).

A escola desenvolve ainda vários outros projetos que visam vincular os saberes
da Comunidade com a educação formal, o que permite entrever um esforço se
delineando no seio da escola, tais como o Projeto Beneficiamento da banana, que
iniciou no ano de 2014.
De acordo com a educadora Madalena Sales, graduada em Matemática, o Projeto
teve participação de todos os profissionais da Escola, dos educandos do 3º ano do
Ensino Médio e de algumas pessoas da Comunidade, que contribuíram na preparação
das receitas e no fornecimento da matéria-prima. Passo a palavra para a educanda
Marilene que descreve o Projeto e justificando sua execução:

O nome do projeto é beneficiamento da banana no território quilombola Vão


Grande, primeiros nós pesquisamos um pouco sobre a banana para ver se
dava certo, ai nós fomos com a ideia, que era fazer doce, bala, para agregar
maior valor. Aqui na comunidade as pessoas plantam bastante e não
consegue vender, ou vende só as que o comprador acha que é maior. Acaba
vendendo quase nada. Então essa foi a ideia da professora: Nós fomos fazer
a bala, o doce de banana, banana chips, essas coisas. Todos os alunos
gostaram, porque é verdade né, por que desperdiça muita banana, lá na
minha casa mesmo, papai é produtor ele as vezes joga um monte de banana
que apodrece sem utilidade, então com certeza pode ajudar (MARILENE,
educanda).

O Senhor Ambrósio, 66 anos, morador mais velho da Comunidade Morro


Redondo, confirma as palavras de Marilene:

Nós plantamos feijão, arroz, milho, mandioca, banana tudo as coisas para
comer, mais a banana nós vendemos, só que o atravessador que vende.
Quando acha ainda de vir. As vezes perde, ainda agora está perdendo
banana ai de novo, então nós sofremos de todo o jeito! (JOSÉ AMBRÓSIO,
66 anos).
128

O Projeto foi apresentado na Feira de Ciências da Universidade Estadual do


Mato Grosso/UNEMAT, na qual foi um dos cinco primeiros colocados, a educadora,
conta a experiência:
Apresentamos o projeto na Feira de ciências de Barra do Bugres, o projeto
foi um dos cinco primeiros colocados, e a nossa educanda, Mariluce Lina da
Silva foi contemplada com bolsa de iniciação científica da CAPES, porém a
aluna não pôde participar como bolsista porque já estava cursando o 3º ano
do ensino médio e decidimos em conjunto que sua irmã Marilene Ilza da
Silva, que estava cursando o 2º ano do ensino médio deveria participar, e
com isso participamos da Feira de Ciências em nível estadual, que aconteceu
em Cuiabá. Ficamos um tanto decepcionados quando descobrimos que não
concorríamos a premiação na Feira Estadual, pois, diante do que
presenciamos tínhamos grandes chances [...] Hoje o projeto é acompanhado
pelos professores doutores Sumaya e José Wilson do curso de engenharia de
alimentos da UNEMAT campus de Barra do Bugres, além da educanda
Marilene, participa também Mariluce, que foi a ganhadora da bolsa
(MADALENA, educadora urbana).

A educadora descreve sua experiência como orientadora da educanda que foi


contemplada com a Bolsa Cientifica da CAPES:
O projeto contou com a participação de todos da escola, mas os professores
Antônio Marcos da Silva, Lucia Helena de Jesus Souza e eu, Madalena
Santana de Sales, participamos de forma mais efetiva, em conversa o grupo
decidiu que eu, professora Madalena, deveria ser a orientadora
(MADALENA, educadora urbana).

A educanda Marilene é uma estudante muito aplicada e está disposta a


aprender mais, como orientadora estou muito satisfeita com o trabalho
desenvolvido por ela, para eu ser sua orientadora é muito importante, é
minha segunda orientação e me ajuda muito no meu crescimento
profissional. Além de ser um aprendizado tanto para a educanda, quanto
para mim com sua orientadora (MADALENA, educadora urbana).

A educanda e a educadora descrevem o que esse prêmio simbolizou para a


Comunidade:
Eu acho importante porque muitas pessoas não acreditam na nossa
capacidade. Tem gente daqui mesmo que não acredita em si próprio, só por
morar aqui no sitio, pensa que a pessoa da cidade tem mais capacidade, mas
não, nós também podemos ser iguais a eles, podemos ter o mesmo
conhecimento, só que de formas diferentes, então eu acho importante. Como
exemplo para outras pessoas verem que nós também somos capazes assim
como eles (MARILENE, educanda).

Este projeto pode ajudar a comunidade, pois os moradores podem a partir


de agora fazer o beneficiamento da banana e obter lucro, e também a
comunidade passa a ser conhecida não apenas como Vão Grande, mas como
Território Quilombola Vão Grande, porque muitas pessoas nem mesmo
sabem, que em Barra do Bugres existe um Território Quilombola e que na
escola, que lá está localizada, também se produz conhecimento
(MADALENA, educadora urbana).

Assim, concordo com Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005), quando eles afirmam
que o trabalho como princípio educativo se vincula à própria forma de ser dos seres
129

humanos, como parte da natureza e dela dependentes para reproduzir a vida. Para o
referido autor, é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a
natureza em meios de vida.
Observei outras ações pedagógicas, que demonstram o esforço tanto da gestão,
quanto dos docentes para relacionar a história e os saberes da Comunidade com a
educação formal. Como exemplo, cito as aulas relacionadas à preparação de remédios
caseiros, nas quais, com o auxílio dos moradores, foi realizada a identificação e
preparação de vários remédios.
De acordo com a Resolução nº 08/2012, os acervos e repertórios orais são um
dos seis itens que fundamentam e alimentam a Educação Escolar Quilombola (Art.1º.
Resolução nº 08/2012). O Território Vão Grande possui amplo repertório oral,
constituído de rezas, orações, ladainhas, lendas, ditados populares.
Ao observar o planejamento da Disciplina de Língua Portuguesa, das turmas do
2º e 3º ano do Ensino Médio, constatei que um dos conteúdos previstos era “ditados
populares”. Durante a pesquisa de campo, acompanhei uma das aulas desenvolvidas
sobre a temática. Saliento que a aula que acompanhei era a segunda aula sobre a
temática, de modo que vou descrever a aula deste dia.
Ao iniciar a aula, a professora dividiu a turma em duplas. Cada dupla ficou
responsável para visitar uma das casas da Comunidade Baixio, a visita foi feita a pé. Na
casa em que eu acompanhei a visita, a dona da casa recebeu os estudantes com alegria,
dado que eles são seus parentes e amigos. Foi preciso explicar várias vezes, qual era o
objetivo da visita; a princípio, ela afirmou não conhecer/saber nenhum ditado popular,
mas depois de novas explicações, ela disparou a dizer os ditados ouvidos na
comunidade desde a infância.
Eu sei um que é assim “vamos fazer igual cachorro magro” que é quando a
gente come numa casa e nem ajuda e nem nada e sai, vai embora”. Também
tem um que eu sei que é assim: “serração na serra e chuva na terra” esse
daí e certinho, e chove mesmo, os mais velhos dizia e é certinho (EVANICE,
mãe).

De acordo com a educadora de Língua Portuguesa, Marcia Campos, ao final do


trabalho, eles pretendem confeccionar um livreto “no final nós queremos fazer um
livreto com os resultados dos trabalhos que a gente vem fazendo, com os ditados, com
as leituras sobre as artes visuais, para poder registrar os conhecimentos que a
comunidade tem”.
130

De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação


Escolar Quilombola romper com as práticas inflexíveis, com os tempos e espaços
escolares rígidos na relação entre o ensinar e o aprender, com a visão estereotipada e
preconceituosa sobre a história e a cultura de matrizes afrobrasileira e africana no
Brasil, tematizando de forma profunda e conceitualmente competente, as questões do
racismo, os conflitos em relação à terra, a importância do território, a cultura, o
trabalho, a memória e a oralidade representa um dos muitos desafios da Educação
Escolar Quilombola (Parecer CNE/CEB, p.47, nº 16/2012).
Observei vários objetos artesanais, que resultaram de aulas, projetos ou
programas realizados nos anos anteriores, a exemplo cito as atividades desenvolvidas no
programa Mais Educação74.
A Ilustração 60, mostra peneiras confeccionadas na escola; a Ilustração 61
demonstra a arte de pintar em telhas; na Ilustração 62, pote de barro pintado; a pintura é
uma reprodução da casa do Senhor Maximiano e Dona Benedita, filho e nora do patrono
da Escola.

Ilustração 60: Peneiras Ilustração 61: Pinturas em Telhas Ilustração 62: Pote pintado.
Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola

Em relação ao Programa Mais Educação, a gestora da Escola, Lucimara


evangelista, graduada em Pedagogia, lamenta o seu encerramento. Disse ela: “Esses
artesanatos foram feitos em uma das oficinas do Programa Mais Educação, no ano de

74
O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Interministerial n.º 17/2007 e integra as ações do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal para induzir a
ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral[...]Essa
estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da
tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores
sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao
processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesse e de
possibilidades das crianças, adolescentes e jovens. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/
dmdocuments/passoapasso_maiseducacao.pdf>. Acesso em: 25 out. 2015.
131

2014. As crianças gostavam bastante. Os tutores eram da comunidade. É uma pena que
o programa foi encerado”.
Durante o ano de 2015, a educadora Lucia Helena, que ministra as Disciplinas
de Tecnologia Social e de Prática em Cultura e Artesanato Quilombola, está trabalhando
a fabricação de cestos, fala:
Eu só trabalho com a Tecnologia Social e a Pratica em Cultura e Artesanato
Quilombola. Estamos trabalhando com palha de milho na fabricação de
cestos, com o material que eles têm, a matéria prima da própria comunidade.
Então como que a gente vai trabalhar? A gente vai convida um pai que tenha
o conhecimento para participar das aulas e nos ajudar. Até para colher a
matéria prima, tem que saber como colhe, não é de qualquer jeito! (LUCIA
HELENA, educadora urbana).

Ao trabalhar os artesanatos da Comunidade, a Escola tece uma síntese entre a


legislação e a realidade contribuindo para a implementação das diretrizes curriculares.
Ao convidar os pais para ensinar/ministrar as tecnologias, a Escola envolve a
comunidade ressignifica o fazer pedagógico e potencializa o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana, por meio de uma abordagem articulada entre
passado, presente e futuro dessas comunidades.
Essa ressignificação está de acordo com o que indica o quinto parágrafo do
primeiro artigo das Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Quilombola, ao
afirmar que a Educação Escolar Quilombola deve garantir aos estudantes o direito de se
apropriar dos conhecimentos tradicionais e das suas formas de produção de modo a
contribuir para o seu reconhecimento, valorização e continuidade (Art. 1º, Resolução n°
08/2012).
Nas turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, os projetos têm outra
configuração. Cito, como exemplo, o Projeto sobre as moradias do Território Vão
Grande, coordenado pela educadora Dinalva Campos, graduada em Pedagogia e
especialista em psicopedagogia.
O Projeto envolveu os educandos e educadores de três turmas (do 1º ao 7º ano),
cabe vincar, todavia, que as turmas são multisseriadas, ou seja, uma turma é composta
por educandos de vários anos/séries, como já foi explicitado.
De acordo com a professora Dinalva, o Projeto tem como objetivo “identificar
os diversos tipos de moradias existentes nas comunidades quilombolas Baixio, para
fortalecer a história e a cultura local”.
A educadora esclarece como o projeto foi executado:
132

Realizamos atividades de aula campo, para olhar os diferentes tipos de


moradia, como e com o que elas são feitas, quem construiu e mora nela, que
importância a casa tradicional tem para nós. Conversamos com os mais
velhos da comunidade, ouvimos as histórias, relatos. As crianças também
têm conhecimentos prévio sobre o tema, o que facilita a interação. Junta a
comunidade e os professores, fortalecendo o espaço territorial e mantendo
viva a história e a cultura local. DINALVA, educadora quilombola).

A Ilustração 63 mostra as educandas do 6º e 7º ano, durante a pesquisa de


campo, realizada na Disciplina de Geografia, ministrada por Dinalva Campos.

Ilustração 60: Educandas 6° e 7° ano


Fonte: Acervo de Dinalva Campos

O objetivo do projeto: “identificar os diversos tipos de moradias existentes nas


comunidades quilombolas Baixio, para fortalecer a história e a cultura local”, desvela
o anseio do corpo docente para se alinhar as expectativas das famílias. Embora as
iniciativas ainda sejam embrionárias.
Indaguei aos mais velhos se eles consideram importante a escola ensinar a
história e a cultura da comunidade, ao que eles responderam:
Eu acho que é muito importante, porque se a gente não ensinar como os mais
novos vão saber? Meu pai que é o primeiro que chegou aqui, e a escola tem
o nome dele, ele ensina as coisas pra nós, contava os causos de quando eles
eram meninotes aqui. É assim que eu sei (MAXIMIANO, 73 anos).

Eu já fui na escola contar história de quando a gente chegou aqui, meu pai
que abriu alí na Camarinha. Teve uma vez que eu vim aqui na escola contar,
ai eu cheguei aqui tinha até professora lá da cidade, que queria saber. Então
isso ai é uma coisa importante para os mais novos saberem e não esquecer
da história dos antigos (CONSTANTINO, 90 anos).

Sobre nós aqui, da nossa história, eu acho que é muito importante a escola
ensinar, aprender a dar valor nos mais velhos. A gente nasceu e criou aqui!
Nosso pai, nossa mãe, nosso avô... De mamãe, eu sou o último que está
vivo... Só resta eu. Não tenho mais nenhum irmão vivo. Por isso que eu acho
muito importante a escola ensinar dos mais velhos, da história dos antigos
(JOSÉ AMBRÓSIO, 66 anos).
133

Para conhecer a expectativa dos pais em relação ao ensino da História na escola,


também os indaguei, ao que eles responderam:
Eu acho que é muito bom ensinar nossa história lá na escola. Meu pai conta
para meus filhos como era a vida deles, fala que andava com carga daqui até
na Barra, com coisas para vender, para comprar outras coisas para trazer para
casa. Assim que ele fala, por isso que eu acho que é importante, por que os
mais novo vai aprendendo a dar valor! (JOANITA, mãe).

Eu acho que é bom, por que não vai está desviando. Porque se achar que
nossos costumes não são bons, vão tirar da ideia das nossas crianças. Por isso
eu acho bom ensinar lá na escola, por que fica na ideia delas (MARIA, mãe)

A preocupação dos pais com a preservação da história, da cultura, dos costumes


das comunidades, parece gritante nas palavras da mãe: “se achar que nossos costumes
não são bons, vão tirar da ideia das nossas crianças, por isso eu acho bom ensinar lá na
escola, por que fica na ideia delas”. As palavras da mãe apontam para um dos desafios
da escola: apresentar a história dos quilombos a partir de referenciais positivos, de
modo a contribuir para o fortalecimento da identidade, rompendo com a lógica da
historiografia e dos materiais didáticos disponibilizados na escola, nos quais os
quilombos são apresentados como lugares de escravidão.
Os livros didáticos utilizados nas escolas, no geral, apresentam uma história
negativa dos afro-brasileiros e seus descentes, assim como dos indígenas, o que gera
estereótipos negativos na medida em que fazem uma representação positiva do branco
em detrimento de outros grupos étnicos.
A fim conhecer a percepção dos educandos perguntei-lhes sobre a importância
do ensino da história das suas comunidades, na escola, não houve entre os entrevistados,
quem discordasse da importância desta prática “é muito importante” e “eu acho muito
bom”.
Nas entrevistas, quando perguntei sobre a história da Comunidade, as respostas
variavam entre a história dos seus familiares e as lendas da Comunidade, apreendidas
dos pais, avós, bisavós, sobre as quais eles contam as mais diversas histórias:
Um dia faz temmmmpo, pegou, acho que é meu sobrinho. Pegou lá pra
baixão, pra lá assim. Pegou. Ai a Joana falou, que ele falou assim: Socorro,
socorro! Que era a curupira que estava nele e ele conseguiu falar só
socorro, socorro. Ai a mamãe viu ele e ai a currupirinha solto ele e correu
(TÂNIA, educanda).

O Currupira tem perna pra trás igual a saci. E lá na casa da minha amiga o
guri estava sozinho em casa, só ele e meu amigo ai o lobisomem arrudiou a
casa dele. Ai eles saíram, deixaram. Só fechou a porta male má [mal] e
saíram correndo com medo (DAIANE, educanda).
134

As narrativas dos jovens entrevistados são permeadas de lendas e contos, entre


elas as mais constantes são as histórias do lobisomem e do currupira. Há quem diga que
um dos moradores da região vira lobisomem, tal como há quem afirme que o Silva
Velho também virava. Afirma-se ainda que alguns moradores fazem encantamentos,
transformando-se em pedras e/ou animais para assim fugir dos perigos que a vida
reserva.
Joelson, educando, fala das famílias que constituem a Comunidade Vaca Morta:
“Meu vô é o mais velho do lado de lá. Ele e o Bonifácio. Tipo lá do lado de lá todo
mundo é filho do meu vô e ou do Bonifácio, tudinho...É tudo parente do lado de lá”.
Paula de Campos Rondon é nascida e criada na Comunidade Morro Redondo,
faz oitavo ano, considera-se morena, diz que acha que é quilombola da antiguidade do
seu bisavô. Pergunto-lhe se a história da sua comunidade é ensinada na escola e ela tece
uma crítica: “Muito pouco, porque aqui só ensina sobre esta Comunidade Baixio, e
sobre o Morro Redondo é muito pouco”.
De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Quilombola, o direito a uma educação escolar que respeite e reconheça sua
história, memória, tecnologias, territórios e conhecimentos tem sido uma das
reivindicações históricas das comunidades quilombolas e das organizações do
Movimento Quilombola (Parecer CNE/CEB, p.06, nº 16/2012).
No entanto, vale destacar que o fato de uma instituição escolar estar localizada
em uma comunidade quilombola não assegura que o ensino por ela ministrado, seu
currículo e o projeto político-pedagógico dialoguem com a realidade quilombola local e
que os que os profissionais que atuam nesses estabelecimentos de ensino tenham
conhecimento da história dos quilombos, dos avanços e dos desafios da luta antirracista
e dos povos quilombolas no Brasil (Parecer CNE/CEB, p.26, nº 16/2012).
Perguntei aos educadores se eles conhecem a história das comunidades atendidas
pela escola, ao que todos afirmaram conhecer:
Conheço um pouco, pois também é a história da minha família! Mais preciso
conhecer ainda mais (LUCIMARA, educadora quilombola).

Sim. Devido aos trabalhos feitos com a comunidade, conhecemos um pouco


de sua história (ANTÔNIO, educador urbano).

Os educadores expõem em que medida e como, trabalham a história das famílias


em suas aulas:
135

A minha disciplina é matemática, então não é muito fácil relacionar


matemática e história, mas procuro através de uma ferramenta chamada
etnomatemática relacionar o saber matemático usado no cotidiano da
comunidade com saber científico, por exemplo, estamos estudando a
matemática usada nas construções das casas de palhas, a matemática usada
para fazer levantamentos sobre problemas enfrentados na comunidade
(MADALENA, educadora urbana).

Procuro trabalhar com a valorização e a revitalização da cultura, como por


exemplo, a revitalização do siriri e os artesanatos. Embora haja resistência.
Nós temos as Orientações Curriculares para Educação Escolar Quilombola,
temos as disciplinas especificas e a Base Comum. Temos que aprender a ligar
essas duas coisas, trabalhar matemática, por exemplo, com a cultura local,
trabalhar Produção de textos com um conto da comunidade, com uma lenda...
São muitas as possibilidades para que a história das comunidades seja
trabalhada na escola (MARIA HELENA, educadora quilombola).

Eu trabalho fortalecendo a sua história e mostrando a importância do povo


quilombola, fazendo com que os mais novos se identifiquem, transmitindo
sua cultura e perpetuando. (ANTÔNIO, educador urbano).

Buscamos trabalhar a história da comunidade, por meio de pesquisas


realizadas pelos alunos, mas ainda precisamos avançar nesta questão
(LUCIMARA, educadora quilombola).

A execução do Projetos descortina o esforço da comunidade escolar em efetuar a


Educação Escolar Quilombola, escolher temáticas que privilegiem as vivências do
Território Vão Grande, possibilitem uma “construção cultural”, tal como afirma
Castilho (2011, p.163), “currículo é uma construção cultural, um modo de organizar
práticas educativas, tendo em vista relações significativas que envolvem poder,
identidade, conhecimento, resistência e conflito. Ele também instaura silenciamento,
negações e exclusões”.
Muito da história das comunidades quilombolas que constituem o Território
Quilombola Vão Grande está por ser conhecida, reconhecida, divulgada, registrada em
livros, garantindo o direito à memória e ao conhecimento de sua história. Muito da
história das comunidades continua silenciando com o desfalecimento dos Guardiões da
memória.
O leitor pode estar se perguntando: Estes projetos conseguem dar conta do
currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola? É importante esclarecer, que a
realização destes projetos, por si só, não é capaz de dar conta do currículo ideal para a
Educação Escolar Quilombola, nem mesmo atender as expectativas das famílias sobre a
preservação de suas histórias e memórias, entretanto eles podem simbolizar um novo
136

tempo inaugurado75 no fazer pedagógico da escola: Tempo de tornar audíveis vozes por
tanto tempo silenciadas.
Um esforço do corpo docente para ressignificar suas práticas, mesmo em face
das muitas ausências que a escola padece, dos parcos recursos que possuem, da pouca
qualificação que acessam. Dados que configuram um sentido de urgência à formação de
professores para atuação na Educação Escolar Quilombola e impele a realização de
políticas afirmativas que corrijam as desigualdades educacionais que historicamente
incidem sobre essa parcela da população.
A ausência de formação permite a seguinte reflexão: como ensinar o que não foi
aprendido? Como aprender se não há quem ensine? Como ministrar aulas, elaborar
projetos que deem conta do currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola, se não
há formação especifica para este fim? Seja exemplo, dessa ausência de formação
específica, os cursos de Pós-Graduação no estado de Mato Grosso, onde não há curso
que se dedique especificamente a Educação Escolar Quilombola.
No caso dos cursos de graduação a situação não é diferenciada, segundo o
Parecer CNE/CEB nº 16/2012, as propostas curriculares dos cursos de Licenciatura no
Brasil, desvelam a ausência da discussão sobre as comunidades quilombolas, bem como
do seu histórico de lutas pela terra no passado e no presente.
Neste contexto, Quiçá, os projetos possam simbolizar também um primeiro
vislumbre de reconhecimento por parte do corpo docente, de que as velhas práticas
tradicionais, da educação bancária e hegemônica não são capazes de atender as
expectativas da comunidade quilombola: “formar pessoas conscientes de sua origem e
sua identidade”,
Ao que parece, esse “fazer pedagógico”, vem buscando, ao menos no âmbito das
intenções, fazer com que a comunidade escolar mude o olhar sobre si, numa perspectiva
de valorização de sua própria identidade, de sua história e sua cultura. Apesar de não
atender plenamente ao currículo ideal para uma educação escolar quilombola, nota-se
que as ações realizadas na escola José Mariano Bento, tem redimensionado o olhar da
comunidade escolar.
Conforme Moreira e Silva (2002, p.28), “o currículo é um terreno de produção e
de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria prima de

A expressão “Novo tempo inaugurado” foi inspirada em “Currículo Tempo e Cultura” de Luiz Augusto
75

Passos (2003).
137

criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”, desse modo, o currículo


tem ação direta na formação do educando.
Aqui, ouso afirmar que o educador também “se forma” na escolha do currículo,
nas atividades que serão desenvolvidas no cotidiano escolar, e, na medida em que ele
busca relacionar os saberes da comunidade com a educação formal, ele contribui para a
formação do educando e para sua própria formação. Ambos, submetem-se às
implicações ideológicas e políticas que a escolha do currículo implica.
Durante a pesquisa de campo, também, observei que os educadores têm várias
dúvidas em relação à efetivação da Educação Escolar Quilombola, eles expressam suas
angústias, dizem que precisam conhecer mais, que os cursos oferecidos pela SEDUC
não alcançam todos os educadores, pois as vagas são limitadas para cada escola. É
importante ouvir suas vozes:
Tem os cursos específicos para a educação quilombola, mas vai um grupo de
cada vez, por que são poucas vagas, então vai um grupo em cada etapa,
então a gente só vai em uma etapa só. O que é muito ruim por que perdemos
praticamente o curso todo. Não fosse os colegas que passam o que
aprenderam, na etapa para o outros que não puderam ir, e assim vai. Na
minha opinião o curso tinha que ser para todos, por que todos precisamos
aprender (DINALVA, educadora quilombola).

Eu gostaria que nos cursos da educação quilombola tivesse um momento


mais especifico de como desenvolver as práticas, o dia a dia na sala de aula,
essa é nossa maior dificuldade (LUCIMARA, educadora quilombola)

Eu não conhecia nada sobre educação quilombola, mas tenho aprendido


bastante, estou aqui desde 2010, aprendi a gostar da comunidade, eles nos
tratam com tanto carinho, nos contam sua história. Mas acho que é
necessário ter mais cursos que sobre a educação quilombola (ANTÔNIO,
educador urbano).

A vontade de “aprender mais”, “participar de mais cursos”, “de ter vaga para
todos”, pode ser compreendida pelo fato de que, como foi descrito no capítulo III, a
Escola começou a se instituir como Educação Escolar Quilombola a partir do ano de
2010, quando o Estado assumiu todas as aulas na Comunidade, extinguiu as salas
anexas e criou a Escola José Mariano Bento.
As entrevistas dos educadores desvelam que, nesse período, eles também não
conheciam a “Educação Escolar Quilombola”:
Meu nome é Lucia Helena, Lena, sou graduada em pedagogia estou fazendo
outra graduação em Letras, pela UAB, era meu sonho, fazer uma graduação
pela UFMT. Já estou aqui na escola José Mariano desde 2010, foi no ano
que começou a escola do estado. Quando eu cheguei, eu não tinha
conhecimento do que era uma escola quilombola, eu não sabia. Mas nós
vamos nos cursos, embora seja pouca vaga, lemos, por que a gente precisa
conhecer (LUCIA HELENA, educadora urbana).
138

As palavras da educadora permitem entrever o percurso de construção coletiva


que eles vêm delineando no seio da Comunidade. O esforço dos profissionais da
educação, do corpo docente e da equipe gestora para implementar as Diretrizes
Curriculares é visível, embora seja possível observar que as condições estruturais e as
muitas ausências que a Escola padece dificultam e inviabilizam o processo.
Nas entrevistas, nas conversas, observei a ansiedade dos educadores, dos que
atuam na gestão, dos que atuam na sala de aula, dos que cozinham, dos que limpam, dos
que “guardam” a escola. A ansiedade que não se pode traduzir individualmente, mas de
forma coletiva, pois reflete a busca pela efetivação da educação escolar quilombola na
Comunidade, um desejo que transpõe a barreira da discórdia, dos desentendimentos, das
divergências, que também existem ali.
Essa construção coletiva também pode ser observada nas práticas pedagógicas: é
visível que os educadores estão vivenciando um momento de transição de suas práticas
pedagógicas, reconstruindo, ressignificando, atribuindo a essas práticas, novos valores.
As práticas pedagógicas desenvolvidas na Escola José Mariano Bento descortinam o
empenho da maioria dos educadores em realizar ações que valorizem a riqueza cultural
existente nas comunidades, embora enfrentem muitas situações desafiadoras.
O desejo de construir de fato, de fazer acontecer, de pôr a mão na roda da
história e contribuir para a que Educação Escolar Quilombola se efetive é maior do que
os conflitos existentes, do que as divergências. É um desejo que os irmana.
139

TECENDO CONSIDERAÇÕES

No início deste trabalho, eu me propus analisar em que medida, e como, a escola


Estadual José Mariano Bento realiza um projeto pedagógico alinhado com a história das
comunidades do território quilombola Vão Grande, que dê respostas aos anseios de suas
famílias.
Ao perscrutar a história da Comunidade Quilombola Baixio, me deparei com o
negro escravizado, expropriado, marginalizado, que se organiza em terras devolutas,
resiste e luta. Nos trilhos dessas histórias, vi descortinar a luta secular entre um projeto
de liberdade e vida, contra um projeto de injustiça e morte, onde os humanos são
coisificados pelo bem do capital, onde a “diferença” é usada como desculpa para
justificar a morte.
Vi seus passos, suas marcas, suas urgências... Ouvi suas vozes... Compartilhei de
seus sorrisos e de suas lágrimas... Observei seus encantos e desencantos. Procurei
descrever suas ações, suas lutas... Que tarefa difícil! Como foi difícil traduzir em
palavras o que vi, ouvi, compartilhei e observei, sem deixar que minhas palavras
ganhassem um tom subjetivo. Embora eu saiba que a subjetividade já existisse no
momento mesmo em que fiz a escolha do tema; embora estivesse consciente do “poder
que tem as coisas de que se gosta de nos preencherem as entranhas”. Tomara, tenha
conseguido abstrair as emoções e apenas descrito fielmente os caminhos que trilhei.
Agora, preciso sintetizar a caminhada... Indicando setas, sinais... Para novos
trilhos... Outra tarefa difícil:
Em relação ao fluxo de estudos sobre Educação e Quilombo, realizados no
Brasil, os resultados da pesquisa indicam que, embora a quantidade de pesquisas tenha
aumentado, ainda há muitas comunidades quilombolas invisibilizadas, sobre as quais a
academia não se debruçou. O campo de pesquisa a ser investigado ainda é vasto, muitas
são as lacunas a serem preenchidas com estudos que perscrutem a história, os saberes, o
protagonismo do povo quilombola. Carecem estudos que investiguem a relação da
escola com as culturas da infância, com as relações de gênero, o êxodo da juventude
quilombola; a situação da educação especial nas comunidades, entre outras tantas
temáticas que carecem de investigação.
Quanto as comunidades que integram o território quilombola Vão Grande, ainda
há muitas lacunas a serem preenchidas por pesquisas que perscrutem os seus saberes, a
140

sua cultura. Que investiguem a importância das festas que se realizam nas comunidades;
ou se debrucem sobre as especificidades religiosas que se realizam naquele lugar; ou
quem sabe ainda, que busquem saber como vivem as mulheres das comunidades e
registrem suas autobiografias; ou ainda que estudem as questões da etnomatemática; ou
que busquem registrar os contos guardados entre as duas serras... São tantas as
possibilidades.
Ao longo da história do Brasil, os saberes relacionados às comunidades
quilombolas foram silenciados. No entanto a resistência negra foi marcada por atos de
coragem, demostrados por meio de insubmissão às condições de trabalho, revoltas,
organizações religiosas, fugas e organização de sociedades alternativas como os
mocambos ou quilombos, mecanismos de oposição à estrutura escravocrata que se
estabeleceu no Brasil.
O protagonismo dos homens e mulheres que por mais de dois séculos ocupam o
território Vão Grande, que travaram várias lutas para permanecer nas terras devolutas
que hoje constituem as comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca
Morta, também não foi contado nas histórias dos livros que registram a história do
município de Barra do Bugres.
A história do território quilombola Vão Grande, é contada, pelos Guardiões da
Memória, as pessoas idosas que narram suas histórias e a de seus antepassados, e ao
fazê-lo, contribuem para fortalecer a identidade cultural dos mais jovens. Quando um
idoso falece, toda a comunidade sente e reconhece que, com ele, apaga-se também uma
parte da história do povo, suas memórias, suas lendas.
A ausência de registro escrito da história do Território Quilombola Vão Grande,
faz lembrar as discussões sobre currículo, tecidas por Apple (2002); Moreira (2002,
2004); Sacristán (1998) e Silva (1999, 2002): quais e para quem os conhecimentos
registrados nos livros são importantes? Para o povo do Território Quilombola Vão
Grande é importante conhecer sua própria história. Nas entrevistas tanto com os
Guardiões, quanto com as pessoas mais jovens todos afirmam da importância de saber a
história da comunidade. Há, inclusive, uma queixa de a história da comunidade Baixio
receber tratamento privilegiado. Devido a escola estar localizada nesta comunidade, ela
recebe maior atenção, como no caso desta pesquisa. Embora as demais comunidades
que constituem o território sejam mui dignas de análise.
141

Os resultados desta pesquisa desvelam que assim como as histórias das


comunidades quilombolas não foram privilegiadas no registro da história oficial, a
educação que acontece no chão dos quilombos também não foi. Até pouco tempo, a
educação realizada no chão das comunidades quilombolas estava esquecida no bojo da
educação rural, submetida a um currículo hegemônico, pensado para atender realidades
distantes da vida, dos saberes e das tradições vivenciadas pelos povos quilombolas. Só
muito recentemente esse quadro começa a se modificar, por meio das ações dos
Movimentos Sociais.
Assim, os movimentos sociais tiveram papel decisivo na formulação de políticas
públicas, por meio de representação nas mobilizações, motivando ações desencadeadas
pelo Governo Federal, voltadas às comunidades remanescentes de quilombos,
sobretudo, a partir do segundo semestre de 2003. As ações dos movimentos sociais
também motivaram a promulgação de legislações, especialmente importante para a
educação das relações étnico-raciais, no geral, e particularmente para a educação
quilombola. Deste modo os Movimentos Sociais fomentam lembrança aos
esquecimentos e torna audíveis os silenciamentos, a que as comunidades quilombolas
foram submetidas, provocando a implantação de legislações educacionais específicas
para atender às suas necessidades.
As muitas lutas tecidas pelos movimentos sociais culminaram na promulgação
da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012, que institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para Educação Escolar Quilombola, a publicação desta legislação, pode ser
considerada um dos marcos da luta do Movimento Negro e do Movimento Quilombola,
pois ela consolida a Educação Escolar Quilombola como uma modalidade de ensino.
Contudo, os dados demonstram que, apesar dos avanços em termos de
promulgação de legislações, a Educação Escolar Quilombola, ainda enfrenta desafios
para ser, de fato, implementada no chão das escolas quilombolas, as pesquisas desvelam
que os educandos ainda estão relegados a frequentar escolas sem estrutura física
adequada, e demais condições favorecedoras da construção do conhecimento;
caminham longas distâncias a pé, ou em transportes precários, passam fome por falta de
merenda escolar, em suma, lutam com forças super-humanas, na tentativa de obter êxito
no processo de escolarização.
No caso do território quilombola Vão Grande, os resultados da pesquisa
mostram que ainda hoje, a Comunidade sofre as consequências do descaso e da
142

marginalização, simbolizados nas muitas ausências que a escola padece, tais como a
falta de transporte para os alunos e as precárias condições do tráfego nas estradas; falta
de manutenção das pontes e da estrada; falta de instalações elétricas na escola; falta de
água encanada e potável; falta de funcionamento das instalações sanitárias; falta de
estrutura física, todas estas faltas impedem, muitas vezes, até mesmo a realização das
aulas e interferem negativamente na escolarização dos estudantes. É importante vincar
que, durante o ano letivo de 2015, os estudantes da Educação de Jovens e Adultos das
Comunidades Vaca Morta e Retiro perderam o ano letivo, devido à impossibilidade de
chegar à escola no período noturno, devido a uma ponte quebrada que impossibilitava o
acesso dos educandos.
Os dados da pesquisa desvelam que a educação no Território Quilombola Vão
Grande, começou a se instituir como Educação Escolar Quilombola a partir do ano de
2010, quando o Estado assumiu todas as aulas na Comunidade Baixio e criou a Escola
Estadual José Mariano Bento. A instituição da Escola Quilombola pode ser considerada
como fruto da organização da comunidade escolar que desde há muito tempo vem
lutando para garantir uma escola onde caiba a história, os sonhos e a “carta” do
morador.
Quanto aos resultados relacionados especificamente ao que esta pesquisa se
propôs analisar em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza
um projeto alinhado com a história das comunidades e as expectativas das famílias. Os
dados desvelam que apesar do PPP e do Regimento Interno da escola José Mariano
Bento, está em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Básica; a Lei Federal 10.639/03; as Orientações Curriculares para
Educação Quilombola de Mato Grosso; as Orientações Curriculares para a Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira nas escolas dos territórios quilombolas, primando pela preservação da história
da comunidade, tendo entre seus objetivos “formar cidadão conscientes de sua origem e
cultura” e “Ter um currículo que leve os (as) alunos a conhecer suas origens, a história
das comunidades quilombolas que compõem a região Vão Grande”, a escola enfrenta
muitos desafios, que impossibilitam a implementação tais objetivos no chão da escola.
A escola está organizada em sistema de ensino multisseriado, este sistema
representa uma das queixas dos educadores em relação às condições de trabalho. Os
educadores reclamam da ausência de qualificação, de formação continuada, de
143

instalações físicas e equipamentos adequados, de livros e materiais didáticos que os


habilitem a planejar e ministrar aulas para várias turmas ao mesmo tempo.
Os dados da pesquisa desvelam que a prática dos educadores oscila: ora as aulas
são ministradas por meio de projetos pedagógicos, nos quais o corpo docente parece
procurar estabelecer relações com a história, os saberes e os fazeres da comunidade, ora
as aulas são ministradas por meio de aulas expositivas tendo o livro didático, como
guia.
Os educadores indicam os projetos realizados na escola como estratégias para
trabalhar as vivencias, a história das comunidades e atender as expectativas das famílias.
Apesar dos dados revelarem que os referidos projetos, por si só, não sejam capazes de
dar conta do currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola, nem mesmo atender
as expectativas das famílias sobre a preservação de suas histórias e memórias, eles
podem simbolizar o início de um novo tempo no fazer pedagógico da escola. Um
esforço do corpo docente para ressignificar suas práticas, mesmo em face das muitas
ausências que a escola padece, dos parcos recursos que possuem, da pouca qualificação
que acessam.
É possível que a oferta de cursos de formação, de atualização, extensão,
aperfeiçoamento e especialização, presenciais e a distância, tais como os cursos de Pós-
Graduação Latu sensu e Stricto-sensu, específicos para a Educação Escolar Quilombola,
contribua significativamente para ressignificar a prática docente. Cursos que realmente
atendam às necessidades de formação e qualificação dos educadores e que os qualifique
para diminuir a distância entre o que se faz e o que se diz.
Quiçá, os projetos possam simbolizar também um primeiro vislumbre de
reconhecimento por parte do corpo docente, de que as velhas práticas tradicionais, da
educação bancária e hegemônica não são capazes de atender as expectativas da
comunidade quilombola: “formar pessoas conscientes de sua origem e sua identidade”,
Ao que parece, esse “fazer pedagógico”, vem buscando, ao menos no âmbito das
intenções, fazer com que a comunidade escolar mude o olhar sobre si, numa perspectiva
de valorização de sua própria identidade, de sua história e sua cultura. Apesar de não
atender plenamente ao currículo ideal para uma educação escolar quilombola, nota-se
que as ações realizadas na escola José Mariano Bento, tem redimensionado o olhar da
comunidade escolar.
144

É visível que está se delineando um esforço no seio da comunidade escolar para


efetivar ações pedagógicas alinhadas com a história do território quilombola Vão
Grande, embora, as muitas ausências que a escola padece, dificultem o processo.
Esse esforço coletivo parece transpor a barreira da discórdia, dos
desentendimentos, das divergências, que também existem no ambiente escolar,
indicando que os educadores estão vivendo um momento de transição de suas práticas
pedagógicas, reconstruindo, ressignificando e atribuindo a essas práticas novos valores.
Afinal, como diz a canção que foi inspirada em Paulo Freire: Sempre é tempo de
aprender e sempre é tempo de ensinar!
145

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