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CUIABÁ-MT
2016
2
Cuiabá-MT
2016
3
4
5
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE TABELAS
LISTA DE GRÁFICOS
LISTA DE SIGLAS
DEDICATÓRIA
Grata sou...
Ao Deus da minha vida: Obrigada Painho, por “Me fazer este milagre, e
ressuscitar os meus sonhos1...” Ao meu amigo, Espírito Santo, por me ajudar a voltar,
para à escrita deste texto, após a despedida física de meu amado paizinho “me ajudando
a usar as palavras, quando só Deus sabe a dor que eu estava sentindo”.2
A minha orientadora, Suely Dulce de Castilho, uma linda mulher, em cuja face
há sempre um sorriso. E “já que você me sorriu... Me deu a mão... Vamos Simbora...”3
Grata sou, pela generosidade, pelo cuidado, pelo carinho, pela correção, pela palavra e
pelo silêncio... Pela orientação. Enfim, lhe rendo minha gratidão, por me receber!
Nenhuma palavra seria capaz de descrever o que este “receber” simboliza em minha
história! Obrigada mocinha bonita!
Ao povo do Território quilombola Vão Grande, moradores das comunidades
quilombolas Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca Morta, em especial, aos
Guardiões da Memória, por carinhosamente me acolherem e partilharem comigo seus
sonhos, seus anseios, aflições, cantos e encantos.
Aos educadores e educadoras4 da Escola Estadual José Mariano Bento: Maria
Helena Dias, Lucimara Evangelista, Dinalva Campos, Marli Bento, Benedito, Joacil,
Neide Bento, Maria Lourença, Maria da Glória, Benedito Bento, João Batista, Evanice
Tereza, Seila, Lucia Helena, Eliene, Madalena, Tefferson, Leila, Marcia e Antônio, por
todo o carinho e cuidado a mim dedicado em todo o tempo.
Aos educadores e educadoras, avaliadores desta pesquisa: Alípio Márcio Dias
Casali, Maria da Anunciação Barros Neta e Rosecléia Ramos, pelos apontamentos, que
muito contribuiu para a presente pesquisa. Todo o meu carinho por terem “interesse em
participar... E se prontificar para ensinar5...”.
A todos os educadores e educadoras do Programa de Pós-Graduação em
Educação/UFMT, pelos quais guardo profundo carinho e admiração, em especial Luiza,
Mariza e Marcos, por toda gentileza. E ao Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais e
Educação/GPMSE pela oportunidade, em especial, a Luiz Augusto Passos, por se fazer
inspiração na minha jornada, a Cândida Soares por me encantar com novos saberes,
Celso Luiz Prudente, pela indicação de leituras, pelas portas que elas abriram em minha
vida, a Cleomar Gomes, pela alegria presente em suas aulas!
Aos amigos do Mestrado em Educação, que fizeram desta jornada, uma alegre
caminhada, entre outros: Ana Tereza, Aurea Gardeni, Bruna Oliveira, Cândida
Cespedes, Cleonice Perotoni, Edilaine Ferreira, Eduardo Freire, Elen Prates, Erika
Pizapio, Eulália Ferreira, Everton, Gilson Soares, Heloneide Alcantara, Itamar Porto,
Jane Medeiros, Juscimar, keila Oliveira, Luciano Pereira, Márcio Cavichiolli, Mauricio
1
Inspirado na canção: “Ressuscita-me” de Aline Barros.
2
Inspirado na canção: “Espírito Santo” de Fernand Brum.
3
Inspirado na canção: “Pra vida continuar” de José Pinto.
4
Cabe esclarecer, que este texto, compreende “educador” como todo aquele que atua nas instituições
escolares, os que lecionam, os que cozinham, os que limpam, os que ‘guardam’ o prédio escolar, os que
atendem na biblioteca, no laboratório, na articulação, na secretaria... Enfim, todo aquele que se dedica à
tarefa de “educar”.
5
Inspirado na canção: “Sempre é tempo de aprender” de José Pinto.
12
Vieira, Roseli Nunes, Sebastião, Severiá Xavante, Silmara Andrade, Soraia Maciel,
Vanessa Moraes, Zizele Santos... “Qualquer dia desses, amigos, vou lhes encontrar6...”.
Ao Estado de Mato Grosso e ao Município de Nova Olímpia-MT, pela
concessão da “Licença para qualificação profissional”, que me foi concedida, durante a
realização desta pesquisa. Sem a qual, esta trajetória seria inviabilizada.
À FAPEMAT, pela concessão da Bolsa de estudos, que muito contribuiu, para a
realização desta pesquisa.
À Maria Dorinha, minha amada mainha, pelos lábios que, ao meu favor, se
movem “em fervente oração”, e a cada dia profetizam: “a vitória já é sua, minha filha!
Amém?”. Mãe, “tua amiga pra sempre eu quero ser!”7
A Plínio, por me fazer CARVALHO, se fazendo “ponte sobre um rio de dor”8,
por me instigar a “ver” as injustiças deste mundo, a enfrentar este desafio “sem medo de
ser mulher”9. Sendo estas, apenas algumas das razões pelas quais “por toda a minha
vida, eu vou te amar10”.
À Gerson Henrique, Plínio, Elôenia e Philipe, bebês meus. Motivadores da
esperança que há em mim. Quanta alegria seus sorrisos me trazem. É por vocês que eu
canto, luto, esperanço! Eu amo vocês, mais que a abelha ama a flor.11 Daqui até o
infinito12.
Á minha família no Mato Grosso, na Bahia, em Santa Catarina, no Distrito
Federal e no Rio Grande do Norte pelo incentivo durante esta jornada que culminou no
primeiro título de mestre de nossa família.
Aos meus irmãos e irmãs em Cristo, em especial as mulheres do Círculo de
Oração, pelo cuidado espiritual, durante todo o tempo desta pesquisa, por me
ensinarem, por meio do exemplo, outros jeitos de lutar, de esperançar, de ter fé.
À Maria Helena Tavares Dias, meu profundo respeito, carinho e gratidão. Pelas
mãos que acolhem, afagam e repartem.
Ao povo dos assentamentos Riozinho, Rio Branco, Vale do Sol, Oziel Pereira,
Nova Conquista, em especial ao povo do assentamento Antônio Conselheiro, minha
morada nas duas últimas décadas, a quem amo de todo coração, a quem devo muitos
saberes, muita alegria e muito de quem sou...
Aos educandos e educadores das Escolas do Campo “Marechal Cândido
Rondon” e “Reinaldo Dutra Vilarinho”, onde atuo como educadora, com quem partilho
o desejo de ter “uma escola do campo que não tenha cercas, que não tenha muro, onde
possamos aprender a ser construtores do futuro!”13
Ao Núcleo de Educação e Diversidade/NEED, da Universidade Estadual do
Mato Grosso-Campus de Tangará da Serra, em especial, às educadoras: Hellen Cristina
6
Inspirado na canção: “Canção da América” de Milton Nascimento.
7
Inspirado na canção: “Sinto Saudade” de Arianne.
8
Inspirado na canção: “Que bom que você chegou” de Bruna Karla.
9
Inspirado na canção: “Sem medo de ser mulher” do MST.
10
Inspirado na canção: “Eu sei que vou te amar” de Tom Jobim.
11
Inspirado na canção: “É assim que eu te amo” de Oséias de Paula.
12
Inspirado no livro: “Advinha o quanto eu te amo” de Sam Bratney.
13
Inspirado na canção: “Construtores do Futuro” de Gilvan Santos.
13
14
Inspirado na canção: “Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré
15
Inspirado na canção: “Canção da Terra” de Pedro Munhoz.
14
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 18
1. TRAÇADOS METODOLÓGICOS:
VEM COMIGO PARA O CAMPO DE PESQUISA ........................................................... 31
1.1 INCURSÃO NO CAMPO DE PESQUISA. ................................................................... 31
1.2 ABORDAGEM: QUALITATIVA ................................................................................. 36
1.3 MÉTODO: ETNOGRAFIA ............................................................................................ 37
1.4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS ................................... 38
1.4.1 Observação ................................................................................................................... 38
1.4.2 Entrevistas .................................................................................................................... 39
1.4.3 Pesquisa documental .................................................................................................... 40
1.4.4 Recurso fotográfico ...................................................................................................... 41
1.5 ANÁLISE DE CONTEÚDO .......................................................................................... 42
1.6 COMITÊ DE ÉTICA ...................................................................................................... 43
2. COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS E DESCRIÇÃO
ETNOGRÁFICA DO CONTEXTO LOCAL....................................................................... 44
2.1 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: CONCEITOS .................................................... 44
2.2 COMUNIDADES QUILOMBOLAS: UMA VIAGEM ETNOGRÁFICA ................... 46
2.2.1 Território Quilombola Vão Grande. ............................................................................ 49
2.2.2 Comunidade quilombola Camarinha ........................................................................... 54
2.2.3 Comunidade quilombola Morro Redondo ................................................................... 56
2.2.4 Comunidade Quilombola de Baixio ............................................................................ 58
2.2.5 Travessia do Rio Jauquara ........................................................................................... 65
2.2.6 Comunidade Vaca Morta ............................................................................................. 68
2.2.7 Comunidade quilombola Retiro ................................................................................... 70
2.3 OS GUARDIÕES DA MEMÓRIA ................................................................................ 71
2.3.1 Aspectos históricos em comum ................................................................................... 73
2.3.2 Os Quilombos .............................................................................................................. 75
2.3.3 Terra Comum ............................................................................................................... 75
2.3.4 Aspectos específicos .................................................................................................... 79
3. EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA E SEUS CONTEXTOS ........................... 85
3.1 A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA NO CONTEXTO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS ...................................................................................................... 85
17
INTRODUÇÃO
16
Inspirado na canção “Irá Chegar” de DJ e Raiz, disponível em: http://www.vagalume.com.br/pj-e-
raiz/ira-chegar.html.
17
Realizada em Brasília-1998.
19
Fazendo minhas as palavras de Freire (2001, p.40), essas práticas sociais foram
“me fazendo aos poucos”, povoando meus dias e contribuindo para a formação da
minha identidade. Parafraseando Cora Coralina18, posso afirmar que essas ações
instigaram a constituição/reconstituição das muitas mulheres que vivem em mim: Uma
delas bem revoltada, que, como diz Che Guevara,19 “fica indignada contra qualquer
injustiça”; tem uma outra que quer transformar o mundo; tem aquela que às vezes cala e
até chora! A que ora e profetiza; enquanto a outra luta e grita; tem a que acredita e uma
que desconfia; mas em todas elas vive a esperança, a fé e a utopia. Assim, inspirada em
Eduardo Galeano20, permito-me afirmar que é a Fé, que faz todas elas continuarem
caminhando.
Os caminhos que trilhei junto ao Coletivo dos Educadores/MST, no Rio Grande
do Norte, em Alagoas e em Mato Grosso, possibilitaram-me vivenciar experiências de
intensa angústia, de incertezas e momentos de alegria indescritíveis.
Foi com alegria que, em 1998, participei do primeiro encontro de Educadores e
Educadoras do Campo – MT, lembro-me das inquietações manifestas no evento, por
meio das ações, das místicas, e das vozes que a um só tempo gritavam: “Che, Zumbi,
Antônio Conselheiro, na luta pela terra nós somos companheiros”. Havia estampado
nas faces, um desejo unânime da implantação de diretrizes que contemplassem uma
educação para os povos que vivem no campo.
Uma Educação capaz de produzir liberdade e emancipação. Capaz de transpor o
limite da palavra, que caminhasse para além da teoria e traduzisse o discurso de Paulo
Freire (1987, p. 69), em Pedagogia do Oprimido, uma educação capaz de permitir que
“os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão
do mundo, manifestada implícita ou explicitamente, nas suas sugestões e nas de seus
companheiros”.
Durante minha inserção nos movimentos sociais, participei de discussões sobre
vários aspectos que envolvem a diversidade, mas observei a ausência de discussões que
envolvessem a questão étnico-racial. Para Fernandes (2007, p.141), só muito
recentemente os movimentos sociais no campo acolheram a discussão sobre a
18
Inspirada em “vive em mim” de Cora Coralina.
19
Inspirada em “Carta aos meus filhos” de Ernesto Chê Guevara. Abril, 1963. Postado por Museu Virtual
Comandante Ernesto Che.
20
Eduardo Galeano em: “Pra que serve a utopia”. GALEANO, Eduardo. Para que serve a utopia?
Disponível em: <http://www. contioutra.com/para-que-serve-utopia-eduardo-galeano>. Acesso em: 16 de
abril 2015
20
21
O Núcleo de Educação e Diversidade/NEED, da Universidade Estadual do Mato Grosso, tem entre
outros objetivos, propor a construção de um espaço de discussão das práticas educacionais que se mostre
aberto às mudanças e às transformações que caracterizam a relação com a diferença; estimular a pesquisa,
a extensão e o desenvolvimento de uma prática pedagógica que alimente a discussão sobre educação em
contextos interculturais; ampliar no interior da universidade a discussão sobre grupos historicamente
excluídos e silenciados como trabalhadores rurais Sem Terra, populações indígenas e afrodescendentes;
apoiar os movimentos sociais e os programas educacionais voltados para o apoio a setores marginalizados
e excluídos da sociedade; propor convênios e parcerias com outras IES ou com movimentos sociais para
realização de projetos de extensão e pesquisa, especificamente orientados para populações historicamente
excluídas e silenciadas e propor a formação de professores comprometidos com uma prática que se
caracterize como culturalmente pertinente.
21
quilombolas e foi se fortalecendo no bojo das atividades coletivas, nos encontros, nas
discussões e nos grupos de estudo. O contato entre os educadores do campo, dos
quilombos e das aldeias tornou possível a organização de um grupo denominado
“Coletivo dos Educadores e Educadoras das escolas do campo, indígenas e quilombolas
dos municípios de Tangará da Serra, Nova Olímpia e Barra do Bugres/Coletivo da
Terra”. A relação com os educadores e educadoras indígenas e quilombolas
redimensionou de múltiplas formas o meu olhar, pois me fez enxergar aspectos da
diversidade para os quais não me atentava antes desse contato. Passei a buscar em várias
literaturas respostas para as inquietações que nasciam em mim, relacionadas à situação
das famílias negras moradoras do Assentamento Antônio Conselheiro, onde moro e atuo
como educadora nas últimas duas décadas.
Foi neste contexto que elaborei um projeto de pesquisa relacionado às famílias
negras moradoras do Assentamento Antônio Conselheiro, a fim de pleitear uma vaga no
curso de mestrado acadêmico no processo seletivo do ano de 2013 do Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT, no qual fui
aprovada, e ingressei no curso no ano de 2014, pela linha de pesquisa Movimentos
Sociais, Política e Educação Popular, no grupo de pesquisa Movimentos Sociais e
Educação/GPMSE. O ingresso no Curso de Mestrado fomentou novas leituras,
discussões e compreensões. De modo que, por sugestão da minha orientadora, decidi me
dedicar aos estudos relacionados a Educação Escolar Quilombola. Essa mudança
redimensionou o meu olhar e me motivou a arriscar-me nos caminhos da curiosidade
que indaga, inquieta e instiga (FREIRE, 1996, p. 15).
Movida por essa “inquietação indagadora” busquei realizar uma revisão
integrativa, alicerçada nos procedimentos propostos por Botelho, Cunha e Macedo
(2011). A revisão bibliográfica sistemática é uma revisão planejada para responder a
uma pergunta específica e que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar,
selecionar e avaliar criticamente os estudos incluídos na revisão. Os trabalhos de revisão
bibliográfica sistemática são considerados como originais, pois, além de utilizarem,
como fonte, dados da literatura sobre determinado tema, são elaborados com rigor
metodológico. Os autores apontam quatro tipos de métodos utilizados para a elaboração
de uma revisão bibliográfica sistemática: meta-análise, revisão sistemática, revisão
qualitativa e revisão integrativa. Nessa revisão, optei pelo método da revisão integrativa
por “permitir a obtenção de informações que possibilitem aos leitores a avaliarem a
22
PUC/GO 1 1
GO 2
UFGO 1 1
UFMT 1 2 1 1 3 1 9 21
MT 10
UNEMAT 1 1
UCDB 1 1
MS 3
UFMS 1 1 2
AL UFAL 1 1 1 3 3
UNEB 2 2 3 1 1 1 10
BA UFBA 1 1 2 13
1 1
NORDESTE
UEFS
CE UFCE 1 1 1 1 2 6 6
UFMA 1 1 1 3
MA 5 35
UEMA 1 1 2
PB UFPB 1 2 3 3
PE UFPE 1 1 2 2
RN UFRGN 1 1 1
UFSE 1 1
SE 2
UNIT 1 1
UFPA 1 2 1 1 1 1 1 8
NORTE
PA 10
UEPA 1 1 2 11
RO UNIR 1 1 1
ES UFES 1 1 1 3 3
UFMG 1 1
UNIUBE 1 1
MG 4
UF J F 1 1
PUC/MG 1 1
UERJ 2 1 3
SUDESTE
PUC-RIO 2 1 3
RJ 10
UFF 2 1 3
UFRJ 1 1
51
FEUSP 1 1
PUC-SP 1 2 1 2 1 1 8
UFSCAR 1 1 1 2 5
UNESP 1 1 2
UNICAM
SP P 1 1 1 3 32
UNIMEP 1 1 1 3
UNISAL 1 1 2
UNISO 1 1
USP 1 1 1 1 1 1 1 7
UEPG 2 2
PR 5
UFPR 1 2 3
1 1 2
SUL
EST
UFRGRS 1 1 1 1 2 1 1 8
RS 12 20
UFSM 1 1
UNISINO 1 1
UDESC 1 1 2
SC 3
UFSC 1 1
TOTAL POR ANO 0 1 3 1 2 3 2 7 7 7 18 17 11 17 16 15 9 136
Fonte: Dados organizados pela pesquisadora (2015).
24
22
Dentre as comunidades que constituem o Vale da Ribeira ganham destaque as comunidades André
Lopes; Ivaporunduva; Nhunguara; Sapatú.
26
23
É importante esclarecer que, como é um convite para viajar com o leitor, em partes do trecho, quando o
convite ao leitor se fizer nitidamente necessário, utilizarei a 1ª pessoa do plural, embora em todo a
dissertação tenha escrito na 1ª pessoa do singular.
30
encantar-se com ipês floridos, indignar-se com pontes quebradas, temer pela vida,
durante a travessia do rio, e tomar chá com bolo ou guaraná. Para tanto, busquei
dialogar, entre outros, com Nascimento (2002), Volpato (1996), Clóvis Moura (2001,
2010), Arruti (1997), Munanga e Gomes (2006).
No terceiro capítulo, objetivo descrever e contextualizar a Escola José Mariano
Bento. Assim, apresento uma breve contextualização da história da escolarização no
Território Vão Grande, reflito sobre as condições físicas e estruturais da escola, na
atualidade. Apresento o perfil dos estudantes e dos profissionais da educação, com
destaque para os educadores-docentes. Para tanto, dialoguei com Arroyo (2007),
Castilho (2011), Freire (2001, 1987, 1992).
No quarto capítulo busco refletir sobre o currículo em ação na Escola Estadual
José Mariano Bento, a fim de compreender como está se delineando a educação
quilombola, como modalidade de ensino, nesse território. Para tanto, dialoguei, dentre
outros, como Apple (2002); Moreira (2002, 2004); Sacristán (1998) e Silva (1998,
2002).
Por fim, discorro sobre algumas considerações tecidas no bojo das discussões,
dos anseios que nasceram em meio a essa experiência e das reflexões gestadas por
homens e mulheres que tão carinhosamente me acolheram e me ensinaram outros jeitos
de ver e viver o mundo.
31
CAPÍTULO I
1. TRAÇADOS METODOLÓGICOS:
VEM COMIGO PARA O CAMPO DE PESQUISA
Quando entrei no campo de pesquisa, não estava indo para um lugar atópico,
cheio de apreensão, de insegurança, de sofrimento, tal como afirma D’Onófrio (2007,
p.82), “atópico é o espaço de sofrimento”, estava indo à comunidade dos meus amigos,
companheiros de algumas lutas por espaço e visibilidade. Tecidas no seio do Coletivo
da Terra, nas discussões do Núcleo de Educação e Diversidade/ NEED, nos cursos do
Centro de Formação de Professores/ Cefapro, nos encontros, nas reuniões, nos estudos
para pleitear vaga para graduação, mestrado, doutorado ou concurso público.
E é justamente essa relação de parceria que motivou a escolha pela Escola
Estadual José Mariano Bento, localizada na Comunidade Quilombola Baixio, como
objeto de estudo desta pesquisa.
É importante esclarecer que “Vão Grande” ou Território Quilombola Vão
Grande é a região geográfica que congrega cinco comunidades: Baixio, Camarinha,
Morro Redondo, Vaca Morta e Retiro. É assim conhecida, tanto pelos moradores da
comunidade, quanto pela comunidade externa, sendo a última expressão, mais usada
depois que se iniciaram os processos de certificação das terras que o compõe, pela
Fundação Palmares.
Embora conhecida assim, não há registros que oficializem a região Vão Grande
como um território quilombola, ou como um território quilombola que congrega essas 5
comunidades. Esse modo de identificação geográfica possivelmente tenha sido criado
pelos moradores da região. Os registros da Fundação Palmares, nos processos de
certificação, informam cada comunidade de modo individual, com exceção da
32
24
Disponível em https://www.google.com.br/maps/@-15.2979175,-56.9701208,2852m/data=!3m1!1e3
33
25
Está sendo considerada a distância feita por transporte térreo.
34
banana; da banana frita para comer com feijão e arroz, enfim, havia em cada casa onde
fui, uma vontade gigantesca de servir, repartir e acolher.
Não encontrei pratos requintados, casas com muitas mobílias, mas, no
aconchego das casas, muitas delas de chão batido, ou feitas pelo programa do Instituto
de Colonização e Reforma Agrária/Incra, encontrei o que se pode chamar de
solidariedade.
Para realizar as visitas, deslocava-me da minha casa, localizada a 50 km da sede
do município de Tangará da Serra, para a Comunidade Quilombola Baixio, localizada a
80 quilômetros da sede do município de Barra do Bugres, totalizando um percurso de
aproximadamente 205 quilômetros. Em alguns momentos, não consegui chegar ao
território, pois, por dois períodos, a BR – 246, entre o município de Barra do Bugres e a
entrada que dá acesso ao quilombo, esteve interditada devido ao rompimento do asfalto,
ocasionado pelas muitas chuvas26. Em outros momentos, os atoleiros na estrada de chão
impossibilitavam a travessia.
Na maioria das vezes, realizei as visitas de automóvel, o que facilitou a
locomoção e também facilitou o acesso aos pontos turísticos da região, tais como rios,
cachoeira, e nascentes.
Entre as cinco Comunidades que constituem o Território Quilombola Vão
Grande, duas delas: Vaca Morta e Retiro são localizadas na margem direita do Rio
Jauquara. Para visitá-las, utilizei a canoa que transporta os educandos, pois a ponte que
liga as comunidades foi levada pelas águas, no período das visitas. Em outras ocasiões
foi necessário caminhar longas distâncias para visitar as casas, o cemitério, a associação
e a Escola Municipal Leopoldino José da Silva27. Nas caminhadas realizadas entre
janeiro e março, quase sempre a chuva se fez companheira no caminho, encharcando as
roupas.
Durante os primeiros dias da pesquisa de campo, as professoras, em especial a
professora quilombola que atua como coordenadora pedagógica da escola, Neide Bento,
ajudaram-me a localizar as casas, contribuindo como “guias”, mas logo minhas idas e
vindas por entre as comunidades se tornaram independentes. Quando eu chegava às
26
Acesso em: <http://www.radiopioneira.com.br/index.php/new/26733/chuvas-causam-nova-interdicao-
na-mt-246-proximo-a-barra-do-bugres->.
27
A Escola Municipal Leopoldino José da Silva atende crianças das Comunidades Quilombolas Vaca
Morta e Retiro, oferece atendimento aos educandos do Pré I e Pré II (crianças com quatro e cinco anos
respectivamente) e do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. Apesar de essa escola não ser o objeto da
pesquisa, visitei-a a fim de conhecer outros espaços de Educação Formal no território.
35
casas, mesmo naquelas em que eu não conhecia ninguém, eles já “me conheciam” e
sabiam o que eu tinha ido fazer na comunidade. As notícias se espalham rápido no
território, de forma que eu já não era uma completa estranha.
Para explicar o objetivo da minha presença na comunidade, os professores
diziam: “Ela está fazendo um estudo igual a Maria Helena”28, a explicação parecia
clara, e eu notava na expressão do olhar, que a informação fora compreendida. Maria
Helena, professora e moradora do Quilombo Baixio, havia sido aprovada por aqueles
dias no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMT, o que motivou uma nova
compreensão “deste tipo de estudo” que agora parecia mais próxima do imaginário dos
homens e mulheres quilombolas, a quem por séculos foi negado o acesso à educação
formal.
Ao adentrar nos Programas de Pós-Graduação, seja em nível de Mestrado, tal
como o fez Maria Helena Tavares (UFMT) do Território Quilombola Vão Grande; Jair
Pereira da Cruz (UNEMAT) e Deiziane Araújo da Silva (UNEMAT) ambos do
assentamento Antônio Conselheiro, seja em nível de Doutorado tal como o fez Eliane
Boroponepa Monzilar (UNB) da aldeia Umutina, trazem para as suas respectivas
comunidades uma ressignificação das possibilidades de acesso, e uma nova
compreensão sobre a pesquisa nas comunidades.
Traduzindo discursos antigos de que a universidade e as comunidades precisam
caminhar lado a lado. Nesses momentos, nessas parcerias, é possível afirmar que a
comunidade ressignifica seu lugar em relação à Pesquisa Acadêmica 29. Já não é a
Universidade falando sobre as comunidades. São as comunidades falando com/para a
universidade.
Desse modo, durante a pesquisa de campo, na mesma medida em que persegui a
“procura pelo significado” das relações cotidianas, no esforço de compreender a cultura
local, tal como aponta Geertz (2008, p.10), também me esforcei para fugir dos conceitos
28
Maria Helena Tavares é quilombola e atua como professora interina na Escola Estadual José Mariano
Bento. Foi aprovada para ingressar no curso de mestrado do Programa de Graduação em Educação/
UFMT, com início em 2015. A professora também integra o Coletivo da Terra, por meio do qual
participou de um curso preparatório, oferecido pela Universidade Estadual de Mato Grosso, para
concorrer em processos seletivos de cursos de pós-graduação strictu sensu.
29
Por muito tempo, as comunidades do campo, indígenas e quilombolas vem sendo objeto de estudo de
muitos programas, recebendo as visitas dos pesquisadores. Entre as comunidades, é bastante recorrente,
uma insatisfação com o modo como as pesquisas se efetivam. Dado que, apesar de as comunidades
receberem os pesquisadores, dificilmente elas têm acesso aos resultados das pesquisas, ou às informações
que são registradas. Essa insatisfação pode ser observada em várias pesquisas, quando os pesquisadores
registram a “desconfiança” da comunidade.
36
Assim, esforcei-me para silenciar meu pranto, a fim de ouvir a “voz que clama”
no Território Quilombola Vão Grande; desejei compreender seu grito, ouvir seu medo,
rir seu riso, lhe ser atenta, mesmo em face do meu maior encantamento 30, para, “quem
sabe”, traduzir em palavras o seu canto, gemido e encanto.
30
A expressão foi inspirada em Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes (MORAIS, Vinicius de.
Soneto de fidelidade. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 96).
37
1.4.1 Observação
Segundo Lüdke e André (1986, p.26), a observação ocupa lugar privilegiado nas
abordagens da pesquisa educacional. Utilizei a observação direta, pois, permite que o
observador chegue mais perto da “perspectiva dos sujeitos”. Embora essa técnica
pudesse ser utilizada como única técnica de coleta, nesta pesquisa, a observação foi
associada a outras técnicas, tais como entrevistas, análise documental e recurso
fotográfico, com a finalidade de possibilitar a triangulação dos dados.
Inicialmente, elaborei o roteiro, o qual subdividi em duas partes: na primeira
parte, o objetivo do roteiro foi orientar a observação das ações, atitudes e sentimentos
em relação à efetivação da Educação Escolar Quilombola. Para tanto, elaborei as
seguintes questões: como os educadores se organizam no cotidiano? Que fazeres, ações
cotidianas permitem identificar o comprometimento dos profissionais da escola com a
efetivação da Educação Escolar Quilombola? Como os profissionais da escola se
relacionam com a comunidade? Existe uma efetiva participação da comunidade nas
ações da escola?
A segunda parte do roteiro pretendeu orientar a observação das aulas ministradas
na escola. Para tanto, elaborei as seguintes questões: Como as aulas são ministradas?
Quais estratégias de ensino são utilizadas pelos educadores? Como se dá a participação
dos educandos?
Também participei e observei vários eventos cotidianos da Comunidade tais
como: festas, reuniões, organização para entrega das cestas básicas, convites para chá de
bebê; acompanhei as atividades escolares, tais como: reunião de estudo para a
elaboração do projeto sala do educador, aulas realizadas na sala de aula, aulas de
34 A triangulação é uma ferramenta ou estratégia de validação dos dados (DENZIN e LINCOLN, 2006).
39
1.4.2 Entrevistas
Expressão “causo” é utilizada na comunidade para se referir a “um assunto”, “uma história”.
35
pesquisa. Nessa perspectiva, foram analisados documentos oficiais: tais como leis e
decretos a fim de conhecer a legislação pertinente à Educação Escolar Quilombola.
Também analisei documentos escolares, tais como: Atas, planos de aula,
cadernos de educandos e educadores, a fim de conhecer os saberes produzidos e em
circulação na escola.
Realizei visitas ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária e ao Instituto de
Terras de Mato Grosso, a fim de encontrar registros sobre a contextualização histórica
do Território Quilombola Vão Grande. No INCRA, tive acesso aos processos de
implantação dos Projetos de Assentamento das Comunidades Baixio e Vaca Morta.
Visitei também o Arquivo Público de Mato Grosso e o Museu Histórico de
Cuiabá, para efetuar pesquisas documentais, a fim de encontrar registros sobre o
Território Quilombola Vão Grande, no entanto não localizei nenhuma informação que
contribuísse com a pesquisa.
Também analisei o “Relatório dos trabalhos realizados entre 1941 e 1942/
levantamento do Rio Jauquara e de outros trechos do Estado, destinado à conclusão da
Carta de Mato Grosso” escrito pelo 2º Tenente Luiz Moreira de Paula, por solicitação
de Cândido Mariano da Silva Rondon. O Relatório traz várias informações sobre o
Território Vão Grande, mas a sua tessitura guarda uma visão bastante etnocêntrica.
37
A expressão foi inspirada em “Carta aos meus filhos” de Ernesto Chê Guevara.
43
CAPÍTULO II
A expressão “Tomara, meu Deus, Tomara” foi inspirada nas canções: Tomara, meu Deus, tomara de
38
canções e alimentam sonhos, tal como a própria terra que, ao se fazer mãe, carrega ao
seio, os filhos e, com ternura, ao mesmo passo que os acolhe, também os instiga a
continuar lutando. Como veremos a seguir, a história coletiva das famílias, que
constituem o Território Quilombola Vão Grande, é símbolo dessa esperança que grita,
instiga, luta, faz caminhar. Sigamos!
Para chegar à Escola José Mariano Bento, partindo de Cuiabá, capital de Mato
Grosso, uma parte do percurso é feita por asfalto, durante o trajeto, passamos pela ponte
(Ilustração 2), que divisa os municípios de Várzea Grande e Cuiabá. Atravessamos
39
O Decreto nº 87.222, de 31 de maio de 1982, que cria as Estações Ecológicas do Seridó, Serra das
Araras, Guaraqueçaba, Caracaraí e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1980-1989/D87222.htm>.
47
Várzea Grande até chegar ao trevo por onde seguiremos pela BR – 364; chegaremos ao
município de Jangada, considerada a Capital do Pastel - onde é quase impossível não
parar para saborear um pastel quentinho, onde pequenos estabelecimentos, localizados
às margens da Rodovia comercializam pasteis diversos e os caminhoneiros disputam,
com os outros veículos, as vagas no estacionamento, a fim de encontrar um lugar para
fazer uma pequena pausa na longa estrada, (Ilustração 3).
40
A análise de Quijano (2005) infere que os colonizadores exercitaram o poder tomando por base a “raça”
das pessoas, essa categorização foi adotada por todos os povos da Europa, ao dominarem grupos
humanos. Com a expansão do colonialismo europeu, essa forma de imposição de poder se espalhou pelo
mundo, se tornando o mais vergonhoso, modo de dominação social, material e intersubjetiva.
41
A análise realizada por Rafael Anjos (2009), desvela que o tráfico de escravos da África para a América
foi, durante mais de três séculos, uma das maiores e mais rendosas atividades dos negociantes europeus,
ao ponto de se tornar impossível precisar o número de africanos retirados de seu habitat, com sua
bagagem cultural, a fim de serem, injustamente, incorporados às tarefas básicas para formação de uma
nova realidade. Lutas sangrentas, violência, situação completamente novas de deslocamento e adaptações,
mortes e crueldade, tudo isso concorreu para efeitos multiplicadores do grande negócio que foi o tráfico
de escravos, tais como o crescimento da indústria naval, da indústria bélica, da agricultura, da mineração
e da atividade financeira, fechando o ciclo de acumulação primitiva de capital.
49
5.322 pessoas, sendo que, desse universo, 65,76% são pardas e negras. A Tabela 7,
apresenta outros dados:
42
Acesso em: 23 abril 2015.
43
O site apresenta cinco comunidades certificadas no município de Barra do Bugres, mas numa delas são
atribuídos dois municípios: Barra do Bugres/ Porto Estrela. Ao procurar mais informações, verifiquei que
a comunidade denominada “Voltinha” pertence ao município de Porto Estrela.
50
conforme Ilustração 5, as duas serras formam um gigantesco vale. A região, onde está
localizada o Território Vão Grande, tem uma das mais lindas belezas cênicas do Estado,
conserva intactos cânions, grutas, rios, nascentes, e plantas nativas.
Ilustração 4: Entrada do Território Vão Grande Ilustração 5: Estrada para Vão Grande
Fonte: Acervo Pesquisadora Fonte: Acervo Pesquisadora
A Região também guarda histórias e memórias dos homens e mulheres que ali
vivem por séculos, em um esforço continuo de preservar seus saberes e suas tradições.
A paisagem contrasta dois modos de vida: o das grandes fazendas, e o das comunidades
tradicionais que congregam o solo sagrado do Território Quilombola Vão Grande, para
quem “terra” é a própria “vida”.
No período chuvoso, que se estende principalmente de dezembro a fevereiro, por
vezes, as águas cobrem as estradas, que, nesses momentos, assemelham-se a pequenos
córregos (Ilustração 6) ou formam grandes atoleiros, tal como mostra a Ilustração 7, na
qual o ônibus escolar aparece atolado no barreiro, caracterizando uma situação
frequente, que causa muitos prejuízos à escolarização dos estudantes.
O atoleiro nos obriga a fazer uma pequena parada para discutir os prejuízos
causados pela ausência de estradas trafegáveis; os quais também são discutidos em
outras pesquisas sobre comunidades quilombolas, sejam exemplo a pesquisas de
Taveira (2013) e Reis (2003).
51
O negócio da escola assim pra nós só não está bom, por que quase não
funciona, falha demais, por que o carro sempre não tem né, como aqui
mesmo tem neto ai, tem duas netas, três já que está estudando que mora
aqui, pelo que vai indo está feio (JOSÉ AMBRÓSIO, avô, 66 anos).
Quando esse cemitério foi feito, também foi feito o cemitério dos anjinhos,
não existia essas fazendas aqui, mas com o tempo, foi chegando, chegando...
(MAXIMIANO, 73 anos).
44
“Nascida e criada”, é uma expressão utilizada como critério de identificação, há quem seja “nascido e
criado” e outros que nasceram, mas foram embora, cresceram fora da Comunidade, e, portanto, são
merecedores de menos prestígio, em relação à memória do lugar.
55
Comecei a estudar depois de casada, não tinha aula quando eu era criança,
eu morava na Camarinha e só tinha no Baixio e no Morro Redondo e não
tinha como ir, ai eu não ia. [...] por isso não estudei quando era criança,
comecei a estudar depois de casada. Estudava com Maria Helena, ali no
Morro Redondo, ela abriu uma casinha, para os adultos, eu não sabia ler e
escrever, ela falava “vamos continuar!”. Eu ia de moto, na garupa dela, eu e
as meninas dela, e foi e foi... Depois de adulta terminei o terceiro ano, formei
(JOANITA LIMA, mãe).
O Relatório ainda apresenta outros relatos da caverna, e descreve a parte que foi
percorrida sob a iluminação de lanternas elétrica e candeia de sebo. Apesar de o
Relatório indicar a necessidade de pesquisas sobre a caverna “é possível que nossos
56
Ele lamenta o fato de a Comunidade não ter recebido as casas, tal como as
Comunidades Baixio e Vaca Morta receberam. De fato, a maior presença de casas
construídas de pau a pique está concentrada nas Comunidades Morro Redondo e
Camarinha (Ilustração 13).
45
Vãozinho, é uma comunidade quilombola, localizada nas proximidades do Vão Grande.
57
A Ilustração 16 mostra o prédio de madeira, que outrora foi escola, mas que,
agora, abriga a família da professora Lucimara, que ainda jovem veio lecionar na
escola; casou com um dos moradores e permaneceu na Comunidade. Com a nucleação
das escolas do Território Vão Grande, no ano de 2010, os estudantes passaram a estudar
na Escola José Mariano Bento, na Comunidade Baixio, e a professora e sua família
passaram a utilizar o prédio da escola como moradia.
De acordo com o presidente da Associação das Comunidades Morro Redondo e
Camarinha, a água é outra dificuldade que eles enfrentam; atualmente a água que
abastece as casas da Comunidade vem de uma mina, mas é insuficiente.
Durante a pesquisa documental, localizei, no Diário Oficial de Mato Grosso,
dois processos solicitando abertura de poços nas comunidades quilombolas do
município de Barra do Bugres, dentre as quais, Morro Redondo, Baixio e Vão Grande 46.
Indaguei ao presidente da Associação sobre a existência de poços artesianos na
comunidade, ao que ele explica: “A prefeitura furou um poço artesiano, mas nunca
colocou a bomba, o poço está parado e a gente sem água”. As palavras desvelam o
descaso que a comunidade enfrenta para permanecer em sua terra.
46
A denominação “Vão Grande”, no Diário Oficial, faz referência às Comunidades Vaca Morta e Retiro.
58
Nessa Comunidade, demoraremos mais, visto que nela está localizada a Escola
José Mariano Bento, lócus desta pesquisa. A Comunidade Quilombola de Baixio49 é a
mais visitada dentre as cinco comunidades que formam o Território Quilombola Vão
Grande, devido ao fato de que é nela que está localizada a Escola José Mariano Bento,
47
Córgo: córrego
48
Nas referências desta pesquisa constam outros artigos publicados pelos profissionais da Escola José
Mariano Bento.
49
Cabe destacar que a comunidade foi denominada no Projeto de Assentamento como P.A. Baxiu.
Entretanto, na Certidão de Reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares, a comunidade foi
denominada como Comunidade Quilombola de Baixio. Utilizarei, nesta pesquisa, a denominação
atribuída no documento de reconhecimento e certificação da Fundação Palmares “Comunidade
Quilombola de Baixio”.
59
que, além de atender os alunos da região, ainda funciona como Centro Cultural das
Comunidades, sendo, pois, um espaço de reuniões, cursos e encontros.
De acordo com os dados da Fundação Cultural Palmares, a Comunidade de
Baixio, processo nº 01420.001.777/2005-26, foi certificada em 12 de setembro de 2005.
Baixio está organizada politicamente em uma associação denominada “Associação de
Pequenos Produtores Rurais da Gleba Baxio”, cujo presidente se chama Izaltino, e o
vice presidente se chama Rafael.
50
O primeiro registro da tramitação do processo consta de 1997, conforme DOEMT de 04 de setembro.
Nele, as terras que constituem a Comunidade são arrecadadas como devolutas e incorporadas ao
patrimônio do Estado de Mato Grosso.
51
Esse processo não é uma exclusividade da Comunidade Baixio, outras comunidades quilombolas
também vivenciaram esse mesmo procedimento, sejam exemplos: as Comunidades Vaca Morta (P.A. Vão
Grande) e Voltinha, ambas localizadas no município de Porto Estrela - MT.
60
52
O documento foi analisado, na sede do Incra em Cuiabá, no departamento do antropólogo Ivo
Schroeder.
53
Apesar de o território ter sido dividido em 16 lotes, existem mais famílias na Comunidade, na medida
em que os filhos casam, constroem suas casas no mesmo lote dos pais.
61
54
Plesbicito Popular é uma consulta na qual os cidadãos/ãs votam para aprovar ou não uma questão. Uma
lei pode ser aprovada ou rejeitada por meio de um plesbicito ou referendo. Um plesbicito popular é
organizado por movimentos sociais e por todos os cidadãos e cidadãs que quiserem trabalhar para que ele
seja realizado; ele é muito representativo porque é organizado pelo povo. O plesbicito popular não tem
valor legal, mas exerce, uma forte pressão política e social, permitindo que os brasileiros/as expressem a
sua vontade política.
62
55
“Prefeitura Municipal de Barra do Bugres publica a licitação para contratação de empresa especializada
de obra e serviços de engenharia para construção de 03(três) unidades básicas de saúde e reforma e
ampliação de 02(duas) unidades básicas de saúde, no município, sendo uma delas na Comunidade
Quilombola Baixio no valor global de R$ 420.163,59 (Quatrocentos e vinte mil, cento e sessenta e três
reais e cinquenta e nove centavos)” (DOEMT, 07/05/2015).
56
A “escola antiga” se refere ao prédio de madeira, construído no ano de 2001, para atender aos
educandos das series inicias do ensino fundamental; em sala multisseriada, no ano de 2004, o prédio
recebeu mais duas salas de aula. Nesta pesquisa, referir-me-ei a esse prédio, como “escola antiga”, como
o fazem os moradores.
64
O que me deixa mais triste é a escola não está terminada, que era para
terminar em 2014 e já estamos em 2015 e a escola não termina, sem energia,
sem água nos banheiros até agora nada, eu não sei, se eu fico mais é com
tristeza ou com raiva (PAULA RONDON, educanda).
Essa escola começou desde 2010, eu trabalhei muito nesta escola, mas a
empreiteira não me pagou até hoje, a construção parou em 2012, até hoje
não recebi, e o pior e que nossos filhos ficaram sem a escola, estudando
nessas condições, sendo que saiu mais de um milhão, para fazer a escola e a
empreiteira não fez (ODILON, pai).
57
Constatou-se que a água apresenta contaminação tanto de coliformes totais, quanto fecais em quase
totalidade dos pontos durante o período de avaliação. Concluiu-se que a água é imprópria para consumo
in natura, devendo a mesma passar por um processo de tratamento, pelo menos básico, com filtragem e
desinfecção por cloro. Evidenciou-se também a necessidade da realização de análises microbiológicas e a
conscientização dos moradores sobre a qualidade da água consumida (QUEIROZ; ANDRADE;
FERREIRA, 2014, p. 1).
58
Relatório da Comissão Rondon, realizado entre 1941 e 1942, descreve: “O Jaocuara vai-se
aproximando sinuosamente do terceiro paredão, ou Serra do Canal, no qual abre, com a mesma violencia,
uma estreita, passagem na rocha viva, produzindo inumeros destroços, que juncam as margens dos rios e
o leito, onde aparecem poços de grande profundidade e enorme entulhamento que força as águas a
esguicharem ruidosa e velocissimamente pelos interticios inferiores, como no escapamento de uma
barragem represa” (PAULA, 1982, p.49-50).
65
Ilustração 24: Rio Jauquara Ilustração 25: Rio Jauquara Ilustração 26: Rio Jauquara
Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola
59
Bote: pequena embarcação sem cobertura, construída de madeira, alumínio ou fibra.
66
Ilustração 27: Caminho da escola Ilustração 28: Entrando na mata Ilustração 29: Trilho na mata
Fonte: Acervo da pesquisadora. Fonte: Acervo da pesquisadora. Fonte: Acervo da pesquisadora.
Ilustração 30: Barranca do rio Ilustração 31: bote para travessia Ilustração 32: Ônibus escolar
Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora Fonte: Acervo da pesquisadora
60
Inspirado na canção “Maria, Maria” de Milton Nascimento.
67
pequeno bote; enquanto uns atravessam, os demais aguardam. Depois que todos os
estudantes atravessam o Rio, é hora de seguirmos a marcha, por mais um quilometro
aproximadamente, até chegarmos à estrada principal, onde está o ônibus escolar,
utilizado para fazer o restante do percurso até as Comunidades Vaca Morta e Retiro.
Doravante, os educandos ainda precisam enfrentar ora atoleiros, ora poeira, ora ônibus
quebrado.
As pesquisas sobre as comunidades quilombolas indicam que a dificuldade de
acesso à escola é uma realidade muito presente em todo território brasileiro, e nas
comunidades rurais como um todo. Seja exemplo a pesquisa de Castilho (2008)
realizada na Comunidade Mata-Cavalo, onde, de acordo com a autora, os educandos
percorrem longas distâncias sob sol escaldante, para chegar à escola.
A situação também desvela a ausência de políticas públicas destinadas às escolas
localizadas no Brasil rural. De acordo com Molina e Freitas (2011), ainda é muito
arraigado nos gestores públicos o imaginário sobre a inferioridade do espaço rural, das
escolas localizadas no campo, dentre elas as escolas quilombolas, de maneira que a elas
se destina apenas o que sobra no espaço urbano.
É importante ouvir o que dizem os educandos:
Nós chegamos sempre atrasados, por que as vezes o rio está muito cheio por
causa das chuvas e fica um pouco mais difícil de atravessar, não dá nem
tempo de fazer o lanche direito, tem que ir correndo, para não perder aula
(MARILENE, educanda).
Eles falam que vão arrumar a ponte, mas até agora nada, a ponte rodou no
início do ano e já está chegando ao final do ano e nada, eles não fizeram no
tempo da seca, agora que não vai fazer mesmo, porque o tempo das águas já
está começando de novo (JOELSON, educando).
O descaso com a ponte que liga as comunidades prejudica toda a população das
Comunidades Vaca Morta e Retiro, pois, desde que a ponte caiu, os moradores estão
isolados. Sem a ponte, os moradores da região ficam impedidos de comercializar seus
produtos, alguns se arriscam, para chegar ao outro lado, atravessando com os carros em
um ponto do Rio que tem menor fluxo de água.
De volta à viagem... Embarcamos no ônibus que já estava à espera para fazer o
percurso entre as Comunidades Retiro e Vaca Morta, ambas localizadas no município
de Porto Estrela. Primeiro, passamos na Comunidade Vaca Morta.
68
Ilustração 33: Casa Vaca Morta Ilustração 34: centro desportivo Ilustração 35: Igreja Católica
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
Ilustração 36: E. M. Leopoldino José da Silva Ilustração 37: Barracão das Mulheres
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
lotes; cabe reiterar que, em um mesmo lote, pode haver várias casas de moradia,
habitadas por filhos, irmãos ou outros parentes do dono do lote.
No caminho, avistamos o trilho que dá acesso ao cemitério das Comunidades
Vaca Morta e Retiro. Nele, observamos sepulturas bem antigas, cujas cruzes estão se
desfazendo e não possuem identificação, há também túmulos bem recentes. Totalizando
21 sepulturas (Ilustração 38).
Para refletir sobre a história das Comunidades, entrevistei cinco idosos a quem
considero como Guardiões da Memória, visto que as histórias das Comunidades, por
eles narradas, contribuem para fortalecer a identidade cultural dos mais jovens.
Quando um idoso falece, toda a comunidade sente e reconhece que, com ele,
apaga-se também uma parte da história do povo, suas memórias, suas lendas. Eles
parecem saber que o registro de suas origens não está nos grandes livros, mas nas rodas
de histórias, contadas nas noites quilombolas; nos causos rememorados ao redor do
fogão de lenha.
Nesses momentos, todo o silencio reverencia a voz já enfraquecida, os olhos já
turvos e as mãos trêmulas. É preciso dedicar atenção para “Guardar” a memória e quem
72
O primeiro que abriu foi Silva Velho [...] Lá perto do Juzimar tinha um
laranjal que era do Silva Velho e ia até a beira do rio (JOSÉ AMBRÓSIO, 66
anos).
Depois desse é que nós somos dessa descendência. Foi criando gente. Até
que criou o meu pai, criou nós e nós está vivendo até hoje, aqui dentro
(MAXIMIANO, 73 anos).
Quem abriu primeiro aqui foi Silva Velho, a tapera dele é pra lá da Salobra,
não tem a ponte da Salobra? Então ali era tratado de Silva Velho, só que
nem eu não lembro, né. Intonsse ele abriu aqui, não tinha ninguém
(CONSTANTINO, 90 anos).
Não há, entre os moradores, quem não conheça a história de Silva Velho, e o
imenso laranjal que ele plantou. Há quem diga que ele virava lobisomem e tinha os
olhos vermelhos como fogo. Outros afirmam que ele chegou fugido, buscando
esconderijo em meio às serras, nas distantes terras devolutas; outros acreditam que ele
tenha sido um bandeirante, que passou nessa região: “Do Silva Velho, diz que ele virava
lobisomem onde ele cresceu, por isso ele veio fugido da mãe e do pai. Então casou com
uma mulher chamada Celidônia e fez morada aqui” (MAXIMIANO, 73 anos).
Nas narrativas dos moradores, nas conversas informais, não encontrei ninguém
que se arriscasse em falar do período ou ano que Silva Velho chegou a região, a
presença dele parece ser mítica. Embora o imaginário da comunidade também sugere
indícios da família, formada por Silva Velho:
74
Foi o Silva Velho que abriu aqui, ele veio abriu aqui e teve esses três filhos:
José Cana Barros, Anacleto Leite de Barros, Francisco Leite de Barros
(MAXIMIANO, 73 anos)
citados nas narrativas. Cabe reiterar, no entanto, que, apesar de a história das
Comunidades Retiro e Vaca Morta serem mui dignas de análise, nesta pesquisa,
debruçar-nos-emos mais profundamente sobre a história da Comunidade Baixio.
2.3.2 Os Quilombos
Quando a gente morou por lá tinha os buracos onde eles faziam enterro de
ouro, quando mudamos pra lá eles já tinham mudado pra outra terra, lá
tinha muito buraco para enterrar ouro (ANA LIMA, 104 anos).
Aqui, tinha os mucambos, nesse tempo era feito cerca com valeta
(CONSTANTINO, 90 anos).
A Serra das Araras também era conhecida como Serra dos Quilombos, o que
pode confirmar a presença de formações quilombolas na região de modo a influenciar a
denominação, como os moradores se referiam à serra:
Meu pai que abriu aqui, quando meu pai chegou aqui não existia fazendeiro
no mato grosso, não tinha mesmo, essa estrada que tem aqui que tão
andando hoje, meu pai que fez, então eu fez dali da bocaina até lá onde fala
Berge, então eu que abri e pra lá tem outra bocaina que sai atrás da serra
pra lá meu pai que abriu, mas não existia ninguém, meu pai que abriu, aqui
as terras era tudo comum (CONSTANTINO 90 anos).
Nesse tempo a terra era comum, lá na Camarinha meu pai que abriu com
meu avô, José Pio Rodrigues e com meu tio Mané Legário que é irmão do
pai da minha mãe, com Tomé dos Santos que é tudo irmandade. Eles que
abriram esse trieiro até chegar pros lados de Cárceres (ANA, 104 anos).
tradicionais foram perdendo suas posses”. É importante ouvir a voz dos Guardiões da
memória:
Muito tempo depois o fazendeiro foi entrando né, nós pobre [suspiros]. Ai o
fazendeiro achou boca né, hoje o fazendeiro tomou. Nós temos mesmo, mas
só que tá dentro da fazenda dos outros. Foi assim que foi tomado. Nesse
tempo nós não sabia nem, não tinha nem estrada pra banda da cidade. Foi
tomando, tomando, tomando, hoje é fazenda pra toda parte
(CONSTANTINO, 90 anos).
Eu briguei oito anos para começar esse papel, ai ele falou pra mim [...] o
caminho é um só com fazendeiro é perigoso morte. [...] botaram sete vezes
jagunço em mim e oito vezes polícia por causa da terra. Ai a lei era deles
(CONSTANTINO, 90 anos).
61
Disponível em: <http://www.seppir.gov.br/noticias/ultimas_noticias/2009/07/conflito_bugres>. Acesso
em: 23 abril 2015 às 18h26min.
79
Quando perguntei à Dona Ana, onde o pai dela morava antes de vir para o Vão
Grande, ela me diz “Meu pai morava na beira do rio Cuiabá, pequenininho ele
atravessava o rio de Cuiabá de um lado para o outro. Antes, eles com a mãe dele, que
chamava Maria Luzia, morava no Diamantino, depois foi para a beira do rio Cuiabá”
Perguntei como Manoel Veríssimo de Lima conheceu Dona Ana Rodrigues,
dona Ana Lima informa que os pais se conheceram na Salobra: “Quando ele era rapaz
novo, andava demais e conheceu minha mãe na Salobra, onde ela morava com o pai
dela que era José Pio Rodrigues e a mãe dela Izabel Rainha da Úngria, e os irmãos:
Mané Legário, Tucanto e Tomé dos Santos”.
Dona Ana fala do tempo em que seu pai foi lutar na guerra: “Eu sou da era de
12 minha irmã mais velha é da era de 2 no tempo de guerra de Totopás que minha mãe
ficou de barriga grande [grávida]de Inácia, minha irmã, ai meu pai ia na guerra
quando vem já estava com nenenzinho”. A guerra, mencionada por Dona Ana, trata-se
80
do conflito armado liderado por Antônio Paes de Barro62, conhecido por Totó Paes, com
um contingente aproximado de 3.000 homens, entre os quais havia lavradores e
seringueiros (FRANCO, 2014).
O Senhor Constantino narra como o pai chegou à região:
Meu pai quando abriu ali, Davi Correia, era coronel do exército, é mais
velho que Junqueira, era rapazinho novo, ele veio por lá e falou Manezinho
fica com essa bocaina aqui, não existia fazendeiro no mato grosso nenhum,
cria seus filhos, arruma uma mulher casa, cria seus filhos, aqui na bocaina e
não dá pra ninguém. E assim ele fez, quando ele era rapaz, ele fez uma roça
e bicho comeu tudo, o bicho era demais. Ai foi chegando mais companheiro
da idade dele e foi abrindo tudinho (CONSTANTINO, 90 anos).
Dona Ana, apesar de seus 104 anos, fala com lucidez sobre sua família, quem
eram seus irmãos, pais e avós:
Das irmandades que tem ainda é eu e Constantino, o Cutá. Cutá é o caçula,
primeira é a comadre Inácia, comadre Joana, daí a compadre Manoel
Izabel, comadre Bruna, daí é eu, e tem um que o Bernadinho que mataram,
ai é Balbino, tem Maria Eulália, Sabrina daí é Brígida, Constantino. Eu dei
na entrada do 104 anos, 103 já ta encerrado, enterei em 24 de agosto dia de
São Bartolomeu[...] Meu avô é José Pio Rodrigues que era Paes da minha
mãe e minha mãe é Ana Paes Rodrigues e meu pai é Manoel Verissimo de
Lima e pai de minha mãe que é José Pio Rodrigues, o minha vó se chamava
Isabel, mãe de meu pai se chamava Luiza, o pai do meu pai é José Mané
(ANA, 104 anos).
De acordo com as narrativas, Manoel Veríssimo de Lima se casou com Ana Paes
Rodrigues; ele é conhecido por seus descendentes como Papai Lima e ela por Mãe Ana;
desse matrimônio nasceram sete filhas e quatro filhos; a Ilustração 40 apresenta a
formação familiar de Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes Rodrigues:
62
Maiores informações podem ser consultadas em Franco (2014).
81
63
O Vãozinho é outra comunidade quilombola localizada nas mediações do Território Quilombola Vão
Grande.
83
antigo, retratado pela memória dos moradores indica a chegada de duas famílias:
Manoel Veríssimo de Lima com sua esposa, Ana Paes Rodrigues e Sabino Maciel com
sua esposa, Serafina Maria da Cruz. Os filhos e filhas destes dois casais povoaram a
região e iniciaram a formação dos núcleos familiares, composto pelas Comunidades
Camarinha, Morro Redondo
A formação da comunidade Baixio tem início, quando, José Mariano Bento
(filho de Sabino Maciel e Serafina Maria da Cruz) e Maria Eulália (filha de Manoel
Veríssimo de Lima e Ana Paes Rodrigues de Lima) casaram e construíram a primeira
casa do lugar que hoje é denominado Comunidade Baixio.
No próximo capítulo, procuro contextualizar a Escola José Mariano Bento. Para
tanto, discorro sobre as Políticas Públicas relacionadas a Educação Escolar Quilombola
apresento uma breve contextualização da história da escolarização no Território e reflito
sobre as condições físicas e estruturais da escola.
85
CAPÍTULO III
censo de 2014 contabilizam 2429 escolas quilombolas, assim em uma década o número
de escolas quilombolas cresceu 6,6 vezes.
No ano de 2013, estavam matriculados na Educação Básica 227.430 estudantes;
destes, 32.650 estavam matriculados na Educação Infantil, 155.860 no ensino
fundamental e 13.492 estavam matriculados no Ensino Médio (BRASIL, INEP, 2014),
como se pode conferir na Tabela 8, seguinte:
64
As informações disponíveis para consulta correspondem aos dados finais do Censo Escolar 2014,
publicados no Diário Oficial da União no dia 09 de janeiro de 2015.
89
O doutor falou pra mim: “quantos anos que você tem de estudo?” Falei:
doutor, nem uma hora! Quanto mais um dia! Minha carta nunca foi na
escola! Eu nunca estudei nem uma hora!
Sr. Constantino/90 anos
66
Naquele período, a Constituição Federal destinava 20% da verba para a educação rural, mas a lei não foi
implementada, resultando no descaso com a Educação realizada em comunidades rurais.
93
não ia dá mais aula, e acabou!”. O descaso com a educação para as populações rurais
impedia que a escola de fato se estabelecesse.
As palavras de Dona Maria Zeferina Machado, 69 anos, neta, tanto de Sabino
Maciel e Serafina Maria da Cruz, quanto de Manoel Veríssimo de Lima e Ana Paes
Rodrigues, conta de sua rápida experiência na escola:
Eu estudei, eu lembro que eu estudei até no Bê-á-bá, eu não saí daí. Eu só fui
uns dias. Eu tinha uns nove anos, eu ia um pouco andando e outro nadando,
para atravessar o Rio Jauquara. Eu segurava bem os cadernos para não
molhar, eu ia com meus irmãos, a gente ia nesse colégio que era feito de
tábua, o professor era Leopoldino, ele já era velho e tinha a cabeça toda
branca. Tinha uma aluna que era ruda67, ele batia nela, mandava ela fechar
a mão e ele batia nela com aquele trem redondo, batia que voava sangue, ele
judiava tanto dessa menina, ele não era nada dela, só professor. Tinha muito
aluno, de toda parte ia nesse colégio, que era só essa escola que tinha, antes
desse nunca teve aula, teve outra, tempos depois, que era perto da casa de
Josino, nesse tempo eu já era casada. (ZEFERINA, 69 anos).
Há tristeza nos olhos de Dona Zeferina ao afirmar que só estudou até o “bê-á-
bá”. Ela explica as dificuldades para atravessar o Rio Jauquara a nado, para frequentar
as aulas no outro lado da margem. Como quem explica, ela afirma: “só estudei uns
dias”, tornando visível a ausência de oportunidades vivenciada por gerações inteiras. As
palavras simples da mulher já grisalha fazem lembrar a Pedagogia da Esperança, pois
falam “do cansaço do corpo, da impossibilidade dos sonhos com um amanhã melhor.
Da proibição que lhes era imposta de ser felizes. De ter esperança” (FREIRE, p. 13,
1992).
A narrativa de Dona Zeferina, 69 anos, desvela que, naquela época, a travessia
do Rio era feita da Comunidade Baixio para frequentar a escola, cujas aulas eram
ministradas pelo professor Leopoldino José da Silva, na Comunidade Retiro. Seis
décadas depois, o percurso se inverte, e a travessia é realizada para chegar à Escola José
Mariano Bento, na Comunidade Baixio. As dificuldades do percurso persistem, e os
educandos ainda enfrentam, teimosamente, as águas do Jauquara para chegar à escola,
pois a ponte que liga as duas Comunidades foi levada pelas águas.
As palavras de Dona Zeferina, 69 anos, também descortinam um tempo em que
a escola era relacionada aos castigos físicos, herança das relações escravistas. Quando
ela diz “ele batia nela, mandava ela fechar a mão e batia nela com aquele trem
redondo, batia que voava sangue, ele judiava tanto dessa menina, ele não era nada
67
Expressão utilizada para designar uma pessoa com dificuldades de aprendizagem.
94
Então foi passando devagar, devagar. A gente vivia sofrido aqui falta de
água, falta de muitas coisas. O prefeito de Alto Paraguai não importava com
nós, não importava com município, não importava com obrigação dele. Tem
até oficio que eu fiz, de quarenta aluno sem estudo, o lugar parecia um
sertão. Tanta criança, tinha bem uns quarenta aluno sem estudo, ai
passamos pra Barra do Bugre e ai deu uma briga lá entre os prefeitos, umas
briga deles lá zangados com nós, mas a gente queria ver um menos a cara do
prefeito de Alto Paraguai que nem aparecia pra nós, não aparecia de jeito
nenhum. (MAXIMIANO, 73 anos, grifos meus).
Essa fase foi difícil pra mim, pois eu tinha Viviane pequena, eu tinha que ir
lá em Alto Paraguai receber, tinha que sair daqui para ir lá, eles pagavam
por cheque não era na conta, muitas vezes chegava lá não recebia, já tive
que dormir na casa da secretária de educação de lá, um dia, dois dias e
depois que recebia voltava. Esse período foi muito difícil (LUCIMARA,
educadora quilombola).
70
A licitação consta no Edital Nº 017/2010/SEDUC/MT 10/06/2010, cujo objetivo era selecionar empresa
especializada em execução de obras civis para a Construção de unidade escolar com 06 (seis) salas de
aula, sala de informática, administração, sala do professor, conjunto de banheiros masculino e feminino,
cozinha e refeitório, instalações hidro-sanitárias banheiros, instalações hidro-sanitárias PNEE, instalações
hidro-sanitárias cozinha, instalações elétricas, construção de 30m de muro com gradil, 370m alambrado,
construção de quadra poliesportiva (dimensão da quadra 24x32m) coberta com arquibancada de 2 degraus
nas duas laterais (DOEMT, 10/06/2010).No entanto, a empresa que venceu a licitação, com o valor global
de R$ 1.175.259,22 (um milhão cento e setenta e cinco mil, duzentos e cinquenta e nove reais e vinte dois
centavos), (DOEMT, 20/07/2010), não concluiu a obra. No Diário Oficial de 26 de setembro de 2012,
97
consta um “Extrato do Termo de Acordo” entre o Estado de Mato Grosso e a empresa que venceu a
licitação para construção da escola e da quadra poliesportiva. O documento estabelece um “prazo
improrrogável” de 150 (cento e cinquenta) dias, com início em 17.09.2012 e término em 17.02.2013
(DOEMT, 26/09/2012).Apesar do termo de acordo, a obra não foi concluída, de modo que, por meio da
Portaria nº 364/2012/GS/SEDUC/MT, o Secretário de Estado de Educação instaura Processo
Administrativo e constitui uma Comissão Especial de Processo Administrativo, composta por servidores
públicos estaduais lotados na Assessoria Jurídica da SEDUC, (DOEMT, 25/10/2012) e, por meio da
Portaria N° 402/2012/GS/SEDUC/MT, o Secretário de Estado de Educação rescindi o Termo de Contrato
105/2010, celebrado em 22 de julho de 2010, entre o Estado e a empresa (DOEMT, 04/12/2012).
98
Ilustração 44: Instalação Elétrica Ilustração 45: água para banheiro Ilustração 46: Bebedouros
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
A ausência da água também impede o uso da cozinha, que, por essa razão, ainda
funciona na escola antiga (Ilustração 47). A construção da quadra poliesportiva ficou
apenas no alicerce (Ilustração 48), ela representa uma das grandes frustações da
juventude, cuja decepção aparece nas entrevistas, nas conversas informais e nas pautas
das reuniões.
Ilustração 47: Cozinha Velha Ilustração 48: Quadra esportiva Ilustracao 49:Instalaçao eletrica
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
99
Ilustração 50: Aparelho de som. Ilustração 51: Sala dos Educadores Ilustração 52: Decoração
Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora Fonte: Acervo da Pesquisadora
No entanto, a sala dos professores não é plenamente utilizada, pois ainda não
tem rede elétrica, tal como no restante do prédio. A sala dispõe apenas de uma
instalação elétrica improvisada para atender as urgências. As atividades que envolvem o
uso de computador e internet são realizadas na escola antiga, em uma sala que também é
destinada para a Educação Infantil e para a Educação de Jovens e Adultos.
A análise de Arroyo (2003, p.25) sugere que o discurso oficial tenta convencer
de que o problema da escola pública não está na sua existência material, na falta de
recursos físicos, humanos e didáticos mínimos para a sua configuração, como agência
transmissora do saber básico. Em conformidade com o autor, esse discurso inocenta o
estado e seu arremedo de escola, e transforma a vítima em réu.
Com base nas palavras do autor, olho o prédio inacabado, a ausência de água na
escola, o risco eminente de instalações elétricas provisórias, a ausência de pontes que
excluem os educandos, as más condições de trabalho vivenciadas pelos educadores e
ouso inferir: Que culpa tem o povo? O povo é inocente. A culpabilidade pelo fracasso
da escola pública não pode ser atribuída ao trabalhador.
Os recursos financeiros da escola advêm principalmente de verbas advindas da
Secretaria Estadual de Educação/SEDUC. Indaguei à gestora se os recursos eram
suficientes, ela apontou várias problemáticas:
100
O valor da merenda também é muito baixo, tem que fazer o maior esforço
para conseguir comprar a merenda para o mês inteiro. Nossas crianças
gostam de comer comida: arroz, feijão, macarrão... Mas o dinheiro é
insuficiente. Outra coisa difícil é o recurso para deslocamento, eu tenho que
me deslocar da comunidade até a cidade para fazer as compras, gasto para
ir e para voltar, gasto para me alimentar lá. Apesar de receber uma ajuda de
custo para deslocamento, o valor é muito pequeno e não cobre nem a metade
das despesas que tenho, o restante, tenho que tirar do meu salário, e como
nós somos interinos, o salário não tem gratificação de diretor nem nada.
Então do pouco que eu ganho, tenho que tirar para colocar combustível e me
alimentar, cada vez que vou na cidade, resolver as coisas da escola
(LUCIMARA, diretora escolar quilombola).
71
No Plano Municipal de Educação de Barra do Bugres, no que se refere à Educação Infantil, o
documento indica a inexistência de “Escolas Quilombolas” (PME, Barra do Bugres. 2015),
possivelmente, porque os educandos da escola José Mariano Bento sejam matriculados em uma escola
urbana. Esse quadro acaba trazendo prejuízos aos educandos, que por fim, são invisibilizados.
101
atendidos, em uma mesma sala, os educandos do Pré I e do Pré II, com quatro e cinco
anos respectivamente.
O cotidiano das crianças que estudam na Educação Infantil do Território Vão
Grande é bem distante do que está proposto nas Diretrizes Curriculares para a Educação
Escolar Quilombola, na qual, por meio da Resolução nº 08 de 20 de novembro de 2012,
o Art. 15, § 4, parágrafo III, está escrito que as escolas devem receber materiais
didáticos específicos para a Educação Infantil, a fim de garantir a incorporação de
aspectos socioculturais considerados mais significativos para a comunidade de
pertencimento da criança.
pode, reinventa, cria alternativas, as cortinas e toalhas são feitas de TNT72. O piso gasto
pelo tempo fala de um tempo ainda presente no cotidiano dos pequenos e na lembrança
dos velhos, tempo em que, para os povos que vivem no campo, bastava uma “escolinha
qualquer”, para um “povo qualquer”.
De acordo com a diretora da escola, Lucimara Evangelista, as reuniões com os
pais são bastante frequentes e eles raramente faltam. Dona Joanita, mãe de quatro filhos
estudantes da escola, confirma a informação “Se eu faltei foi uma vez só”. É importante
destacar que, durante a pesquisa de campo, não acompanhei nenhuma reunião de pais,
mas, nas conversas, e, em cada entrevista, eles reafirmavam a importância da escola,
não houve quem discordasse do valor da escolarização.
Assim, eles se pronunciaram a esse respeito:
Olha pra senhora ver, quem manda hoje é o estudo, se não tiver estudo, não
tem nada. Eu quero demais que meus filhos tudo forme (ODILON, pai).
Não tem coisa melhor que o estudo, porque vida de quem não tem estudo é
muito difícil (BENEDITO VITOR, pai).
Meus filhos eu mando todo dia para a escola, eles gostam demais, eles
querem formar, mas eu não lembro no que é, que eles querem formar. Eles
falam, mas eu não lembro (JOANITA, mãe).
72
TNT: Tecido Não Tecido, uma espécie de tecido, muito frágil, de pouca durabilidade e baixo custo,
bastante utilizado nas escolas.
103
Eu, Lucimara e Maria Helena, fizemos pedagogia, pelo NEAD, foi muito
difícil, para chegar a cidade, era uma loucura, tinha dia que a gente ficava
pela estrada. Foi um sacrifício muito grande (DINALVA, educadora
quilombola).
Nossa, foi tanto sacrifício para fazer essa faculdade, tinha que deixar tudo
para trás e ir, por que depois, o sacrifício valeria a pena (LUCIMARA,
educadora quilombola).
Sou quilombola, meus filhos, minha família, tudo está aqui. Quando eu casei,
assumi esse lugar, essa identidade, essa história. Essa é minha história,
minha vida, minha escola. Quanto melhor ela for, melhor será para todos
nós. Não me vejo fora daqui. (LUCIMARA, educadora quilombola
quilombola).
Educação Escolar Quilombola, que são realizados pela Secretaria Estadual de Educação,
por meio da Gerência de Diversidade, em parceria com o Núcleo de Estudos de
Pesquisas sobre Relações Raciais e Educação da Universidade Federal de Mato Grosso -
NEPRE/UFMT, realizados durante os anos 2014 - 2015. Em relação à realização desses
cursos, os educadores reclamam do reduzido número de vagas:
O curso é muito bom, mas nós gostaríamos que todos pudessem participar,
por que é um momento de aprendizagem muito importante, mas como o
número de vagas é reduzido, a gente vai em uma etapa e não vai na outra,
para que o colega possa ir, e acabamos por não acompanhar todo o curso
(LUCIA HELENA, educadora urbana).
3.3.2 Os estudantes
toda a população jovem do território na escola. Desde os mais pequenos a partir dos
quatro anos até as moças e rapazes que já trocam olhares de cumplicidade.
A maioria dos educandos ajuda os pais, seja no serviço da roça, seja no serviço
doméstico. Durante a execução dos serviços que lhes são designados, eles aprendem
lições diversas com os mais velhos. Diz Joelson: “Ajudo meu pai a plantar banana,
mandioca, melancia, feijão, agora mesmo estamos preparando a terra para plantar
feijão. É mas para consumo, para comer. A banana leva para cidade para vender”.
De acordo com o Parecer das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Escolar Quilombola, a infância e a juventude quilombola convivem com um trabalho
familiar que reassume dimensão educativa na medida em que esse não se funda na base
exploratória da força de trabalho tão presente em uma sociedade que
estratifica/classifica pelas diferenças.
No âmbito do trabalho familiar, as gerações presentes têm desenvolvido uma
consciência política que coaduna com a defesa do território, visto que os
tempos de trabalho são tempos de, igualmente, brincar, estudar, escutar,
observar, confrontar o vivido com o desconhecido, que é função da escola
propiciar e fomentar (Parecer CNE/CEB, p. 26, nº 08/2012)
Na análise realizada por Haddad (2003, p. 162) ele argumenta que os alunos são
trabalhadores e são trabalhadores há muito tempo. Trabalham intensivamente, com
longas jornadas diárias e em trabalhos de grande exigência.
Durante as entrevistas, as conversas no pátio da escola, nos momentos de
intervalo, ao acompanhá-los ao refeitório, ou ainda durante o percurso casa/escola no
ônibus escolar, a todos os educandos, desde os menores até os maiores, a quem
perguntei sobre a escola, a resposta foi unanime: “Eu gosto da escola!” ou “ aqui a
gente reúne com todo mundo”.
Perguntei a eles o que mais gostam na escola, e “ler e escrever” e “estudar”
aparece em primeiro plano, mas logo é seguida de respostas diversas que variam
principalmente de acordo com a idade.
112
CAPÍTULO IV
O currículo escolar contribui para formar nossa identidade, moldar quem somos,
no entanto se o currículo não é pensado, gestado, gerado pelas pessoas que compõem a
comunidade escolar, ele se submete a formar identidades que não correspondem aos
anseios da comunidade a quem serve.
Segundo Silva (1999, p.15), sinteticamente, a questão fundamental em relação
ao currículo, é: “o quê” ensinar? O referido autor afirma que “o conhecimento que
constituí o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade”.
Para Aplle (2002, p. 40), a pergunta frequente é: Que tipo de conhecimento vale mais?
Segundo o autor, a pergunta não é nada simples, envolve conflitos agudos e profundos,
relacionados à educação, ideológica e política, atrelados à história dos conflitos de
classe, raça, sexo e religião.
Para o autor a pergunta mais coerente seria: “o conhecimento de quem vale
mais?” (APLLE. 2002, p. 40). Assim, ouso perguntar: Seria o conhecimento dos povos
quilombolas? Dos povos indígenas? Dos que habitam os campos? Ou seria o
conhecimento da elite? Das empresas, das industrias e do latifúndio? Para o referido
autor “a decisão de se definir o conhecimento de alguns grupos como digno de ser
transmitido às gerações futuras, enquanto outros grupos mal veem a luz do dia, revela
algo extremamente importante acerca de quem detém o poder na sociedade” (APLLE.
2002, p. 42).
Segundo Sacristán (1998), a discussão sobre o currículo envolve reflexões sobre:
que objetivos se quer atingir? Para quem são esses objetivos? Que valores, atitudes e
conhecimentos se quer privilegiar? Por que ensinar o que se ensina, deixando de lado
muitas outras coisas? Quem tem melhor acesso as formas legítimas do conhecimento?
Para o autor o currículo é um âmbito de interação onde se entrecruzam processos,
agentes e âmbitos diversos que, num verdadeiro e complexo processo social, dão
significado prático e real ao mesmo tempo.
115
Nesta seção, teço reflexões sobre o currículo na Escola José Mariano Bento. A
reflexão será feita a partir das observações realizadas no cotidiano da escola: Currículo
em ação. Para Castilho (201, p. 169. Grifos meus), “Currículo em ação são as práticas
116
FILOSOFIA
A E.E. “José Mariano Bento” tem como filosofia adotar um
currículo que seja capaz de contribuir coma formação de cidadãos críticos,
autônomos e consciente da sua origem e identidade quilombola, capazes
de atuar na sociedade sem discriminação e preconceitos. Sendo que é preciso
ressaltar a valorização da cultura das comunidades quilombolas,
reconhecendo que existem diferentes culturas e múltiplas identidades. É no
desafio do Ensinar e Aprender em uma escola diferenciada e específica para
uma comunidade de quilombo que ousamos tentar proporcionar meios e
saberes para uma educação formal e quilombola igualitário a fim de diminuir
a exclusão e desigualdade diante da sociedade brasileira. (PPP/JMB, p.3.
Grifos meus.)
A Filosofia da escola esclarece que tipo de ser humano a escola deseja formar, e
desvela seu comprometimento com a formação de pessoas: “conscientes de sua origem
e identidade”, em outras palavras pessoas que conhecem a história do seu povo, sua
própria história. Este comprometimento da escola está de acordo com os pressupostos
para a Educação Escolar Quilombola:
[...]
Art. 06
VI - zelar pela garantia do direito à Educação Escolar Quilombola às
comunidades quilombolas rurais e urbanas, respeitando a história, o território,
a memória, a ancestralidade e os conhecimentos tradicionais;
[...]
Art. 32 O projeto político-pedagógico da Educação Escolar Quilombola
deverá estar intrinsecamente relacionado com a realidade histórica, regional,
política, sociocultural e econômica das comunidades quilombolas.
[...]
118
Um povo que não conhece sua história e não valoriza seus mártires é um povo
fadado ao esquecimento, a invisibilidade (CALDART, 2004). O PPP da escola José
Mariano Bento, parece, ao menos no âmbito das intenções, primar pela preservação da
história da comunidade. Em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Básica; da Lei Federal 10.639/03; das Orientações
Curriculares para Educação Quilombola de Mato Grosso; das Orientações Curriculares
para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira nas escolas dos territórios quilombolas.
Ainda neste capítulo busco analisar se as proposições apresentadas no PPP da
escola se efetivam na prática cotidiana, ou se representam apenas teoria. Esta análise é
importante para compreender de que maneira e como o Projeto Político Pedagógico da
escola José Mariano Bento se alinha com a história das comunidades e as expectativas
das famílias que integram o Território Quilombola Vão Grande.
Como já foi dito no capítulo III, o sistema de ensino na Escola Estadual José
Mariano Bento é o multisseriado. Os educandos do ensino fundamental e do ensino
médio, estão organizados em seis turmas, de modo que até o ensino médio é formado
por turmas multisseriadas, a tabela 10 especifica apresenta um panorama da distribuição
dos educandos nas turmas:
120
Tabela 10: Organização das turmas multiserriadas da Escola José Mariano Bento
Turma Educandos que integram a Situação docente
multisseriada turma multisseriada
Turma 01 1º, 2º, 3º ano do Ensino As aulas são atribuídas a uma Professora
Fundamental pedagoga, que fica responsável para
planejar e ministrar aulas para os
educandos dos três anos,
concomitantemente.
Turma 2 4º, 5º anos do Ensino As aulas são atribuídas a uma Professora
Regular Fundamental pedagoga, que fica responsável para
Matutino planejar e ministrar aulas para os
educandos dos três anos,
concomitantemente.
Turma 3 6º e 7º ano do Ensino As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular Fundamental professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
6º e 7º ano, concomitantemente.
Turma 4 8º e 9º ano do Ensino As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular Fundamental professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
8º e 9º ano, concomitantemente.
Turma 5 1º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
1º ano do Ensino Médio, essa é a única
turma da escola que não é multisseriada.
Turma 6 2º e 3º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada
Regular professor é responsável por planejar e
Matutino ministrar sua disciplina, aos educandos do
2º e 3º ano do Ensino Médio,
concomitantemente.
Turma 7 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º As aulas são atribuídas por disciplina, cada
EJA ano do Ensino Fundamental professor é responsável por planejar e
Noturno ministrar sua disciplina, aos educandos do
1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º ano do
Ensino Fundamental, concomitantemente.
Turma 8 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio As aulas são atribuídas por disciplina, cada
EJA professor é responsável por planejar e
Noturno ministrar sua disciplina, aos educandos do
1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio,
concomitantemente.
Fonte: Elaborado pela pesquisadora, com a contribuição de Seila, secretária da Escola.
As palavras dos educadores permitem entrever suas lutas na busca diária para
vencer as adversidades, que lhes são impostas, e contribuir para o bom desempenho dos
123
Ilustração 54: Projeto Artes Visuais Ilustração 55: Projeto Artes Visuais
Acervo da pesquisadora (2015) Acervo da pesquisadora (2015)
necessário buscar novos caminhos que possibilitem a reinvenção de uma escola cada
vez mais plural, democrática, “capaz de responder aos desafios de nossa
contemporaneidade e de formar cidadãos e cidadãs, sujeitos da construção de um
mundo menos dogmático e mais solidário”. Para as autoras, a reinvenção da escola,
inclui, também, o debate sobre “o modo de viver o currículo e/ou a prática educativa,
refletindo e discutindo” (CANDAU e KOFF, 2015, p. 335).
O Projeto “Produção de Farinha de mandioca” foi coordenado pelo professor
Antônio Marcos Pereira Silva, especialista e graduado em Ciências Biológicas, e
envolveu todos os educandos e educadores de quatro turmas multisseriadas (do 6º ano
do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio). De acordo com o professor
Antônio, o Projeto tem como objetivo “despertar nos educandos e familiares a
necessidade de agregar valor aos seus produtos e gerar renda”.
Ele ainda informou que “o projeto contemplou todas as áreas do conhecimento
e as disciplinas de ciências e saberes quilombolas, trabalhando de forma
interdisciplinar; para estudar as técnicas do plantio até a colheita”.
(Ilustração 59). Assim, cada parte do trabalho foi dividido de acordo com a habilidade
de cada estudante, e todos participaram da aula.
A escola desenvolve ainda vários outros projetos que visam vincular os saberes
da Comunidade com a educação formal, o que permite entrever um esforço se
delineando no seio da escola, tais como o Projeto Beneficiamento da banana, que
iniciou no ano de 2014.
De acordo com a educadora Madalena Sales, graduada em Matemática, o Projeto
teve participação de todos os profissionais da Escola, dos educandos do 3º ano do
Ensino Médio e de algumas pessoas da Comunidade, que contribuíram na preparação
das receitas e no fornecimento da matéria-prima. Passo a palavra para a educanda
Marilene que descreve o Projeto e justificando sua execução:
Nós plantamos feijão, arroz, milho, mandioca, banana tudo as coisas para
comer, mais a banana nós vendemos, só que o atravessador que vende.
Quando acha ainda de vir. As vezes perde, ainda agora está perdendo
banana ai de novo, então nós sofremos de todo o jeito! (JOSÉ AMBRÓSIO,
66 anos).
128
Assim, concordo com Frigotto; Ciavatta; Ramos (2005), quando eles afirmam
que o trabalho como princípio educativo se vincula à própria forma de ser dos seres
129
humanos, como parte da natureza e dela dependentes para reproduzir a vida. Para o
referido autor, é pela ação vital do trabalho que os seres humanos transformam a
natureza em meios de vida.
Observei outras ações pedagógicas, que demonstram o esforço tanto da gestão,
quanto dos docentes para relacionar a história e os saberes da Comunidade com a
educação formal. Como exemplo, cito as aulas relacionadas à preparação de remédios
caseiros, nas quais, com o auxílio dos moradores, foi realizada a identificação e
preparação de vários remédios.
De acordo com a Resolução nº 08/2012, os acervos e repertórios orais são um
dos seis itens que fundamentam e alimentam a Educação Escolar Quilombola (Art.1º.
Resolução nº 08/2012). O Território Vão Grande possui amplo repertório oral,
constituído de rezas, orações, ladainhas, lendas, ditados populares.
Ao observar o planejamento da Disciplina de Língua Portuguesa, das turmas do
2º e 3º ano do Ensino Médio, constatei que um dos conteúdos previstos era “ditados
populares”. Durante a pesquisa de campo, acompanhei uma das aulas desenvolvidas
sobre a temática. Saliento que a aula que acompanhei era a segunda aula sobre a
temática, de modo que vou descrever a aula deste dia.
Ao iniciar a aula, a professora dividiu a turma em duplas. Cada dupla ficou
responsável para visitar uma das casas da Comunidade Baixio, a visita foi feita a pé. Na
casa em que eu acompanhei a visita, a dona da casa recebeu os estudantes com alegria,
dado que eles são seus parentes e amigos. Foi preciso explicar várias vezes, qual era o
objetivo da visita; a princípio, ela afirmou não conhecer/saber nenhum ditado popular,
mas depois de novas explicações, ela disparou a dizer os ditados ouvidos na
comunidade desde a infância.
Eu sei um que é assim “vamos fazer igual cachorro magro” que é quando a
gente come numa casa e nem ajuda e nem nada e sai, vai embora”. Também
tem um que eu sei que é assim: “serração na serra e chuva na terra” esse
daí e certinho, e chove mesmo, os mais velhos dizia e é certinho (EVANICE,
mãe).
Ilustração 60: Peneiras Ilustração 61: Pinturas em Telhas Ilustração 62: Pote pintado.
Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola Fonte: Acervo da Escola
74
O Programa Mais Educação foi instituído pela Portaria Interministerial n.º 17/2007 e integra as ações do
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como uma estratégia do Governo Federal para induzir a
ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral[...]Essa
estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da
tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores
sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao
processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesse e de
possibilidades das crianças, adolescentes e jovens. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/
dmdocuments/passoapasso_maiseducacao.pdf>. Acesso em: 25 out. 2015.
131
2014. As crianças gostavam bastante. Os tutores eram da comunidade. É uma pena que
o programa foi encerado”.
Durante o ano de 2015, a educadora Lucia Helena, que ministra as Disciplinas
de Tecnologia Social e de Prática em Cultura e Artesanato Quilombola, está trabalhando
a fabricação de cestos, fala:
Eu só trabalho com a Tecnologia Social e a Pratica em Cultura e Artesanato
Quilombola. Estamos trabalhando com palha de milho na fabricação de
cestos, com o material que eles têm, a matéria prima da própria comunidade.
Então como que a gente vai trabalhar? A gente vai convida um pai que tenha
o conhecimento para participar das aulas e nos ajudar. Até para colher a
matéria prima, tem que saber como colhe, não é de qualquer jeito! (LUCIA
HELENA, educadora urbana).
Eu já fui na escola contar história de quando a gente chegou aqui, meu pai
que abriu alí na Camarinha. Teve uma vez que eu vim aqui na escola contar,
ai eu cheguei aqui tinha até professora lá da cidade, que queria saber. Então
isso ai é uma coisa importante para os mais novos saberem e não esquecer
da história dos antigos (CONSTANTINO, 90 anos).
Sobre nós aqui, da nossa história, eu acho que é muito importante a escola
ensinar, aprender a dar valor nos mais velhos. A gente nasceu e criou aqui!
Nosso pai, nossa mãe, nosso avô... De mamãe, eu sou o último que está
vivo... Só resta eu. Não tenho mais nenhum irmão vivo. Por isso que eu acho
muito importante a escola ensinar dos mais velhos, da história dos antigos
(JOSÉ AMBRÓSIO, 66 anos).
133
Eu acho que é bom, por que não vai está desviando. Porque se achar que
nossos costumes não são bons, vão tirar da ideia das nossas crianças. Por isso
eu acho bom ensinar lá na escola, por que fica na ideia delas (MARIA, mãe)
O Currupira tem perna pra trás igual a saci. E lá na casa da minha amiga o
guri estava sozinho em casa, só ele e meu amigo ai o lobisomem arrudiou a
casa dele. Ai eles saíram, deixaram. Só fechou a porta male má [mal] e
saíram correndo com medo (DAIANE, educanda).
134
tempo inaugurado75 no fazer pedagógico da escola: Tempo de tornar audíveis vozes por
tanto tempo silenciadas.
Um esforço do corpo docente para ressignificar suas práticas, mesmo em face
das muitas ausências que a escola padece, dos parcos recursos que possuem, da pouca
qualificação que acessam. Dados que configuram um sentido de urgência à formação de
professores para atuação na Educação Escolar Quilombola e impele a realização de
políticas afirmativas que corrijam as desigualdades educacionais que historicamente
incidem sobre essa parcela da população.
A ausência de formação permite a seguinte reflexão: como ensinar o que não foi
aprendido? Como aprender se não há quem ensine? Como ministrar aulas, elaborar
projetos que deem conta do currículo ideal para a Educação Escolar Quilombola, se não
há formação especifica para este fim? Seja exemplo, dessa ausência de formação
específica, os cursos de Pós-Graduação no estado de Mato Grosso, onde não há curso
que se dedique especificamente a Educação Escolar Quilombola.
No caso dos cursos de graduação a situação não é diferenciada, segundo o
Parecer CNE/CEB nº 16/2012, as propostas curriculares dos cursos de Licenciatura no
Brasil, desvelam a ausência da discussão sobre as comunidades quilombolas, bem como
do seu histórico de lutas pela terra no passado e no presente.
Neste contexto, Quiçá, os projetos possam simbolizar também um primeiro
vislumbre de reconhecimento por parte do corpo docente, de que as velhas práticas
tradicionais, da educação bancária e hegemônica não são capazes de atender as
expectativas da comunidade quilombola: “formar pessoas conscientes de sua origem e
sua identidade”,
Ao que parece, esse “fazer pedagógico”, vem buscando, ao menos no âmbito das
intenções, fazer com que a comunidade escolar mude o olhar sobre si, numa perspectiva
de valorização de sua própria identidade, de sua história e sua cultura. Apesar de não
atender plenamente ao currículo ideal para uma educação escolar quilombola, nota-se
que as ações realizadas na escola José Mariano Bento, tem redimensionado o olhar da
comunidade escolar.
Conforme Moreira e Silva (2002, p.28), “o currículo é um terreno de produção e
de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria prima de
A expressão “Novo tempo inaugurado” foi inspirada em “Currículo Tempo e Cultura” de Luiz Augusto
75
Passos (2003).
137
A vontade de “aprender mais”, “participar de mais cursos”, “de ter vaga para
todos”, pode ser compreendida pelo fato de que, como foi descrito no capítulo III, a
Escola começou a se instituir como Educação Escolar Quilombola a partir do ano de
2010, quando o Estado assumiu todas as aulas na Comunidade, extinguiu as salas
anexas e criou a Escola José Mariano Bento.
As entrevistas dos educadores desvelam que, nesse período, eles também não
conheciam a “Educação Escolar Quilombola”:
Meu nome é Lucia Helena, Lena, sou graduada em pedagogia estou fazendo
outra graduação em Letras, pela UAB, era meu sonho, fazer uma graduação
pela UFMT. Já estou aqui na escola José Mariano desde 2010, foi no ano
que começou a escola do estado. Quando eu cheguei, eu não tinha
conhecimento do que era uma escola quilombola, eu não sabia. Mas nós
vamos nos cursos, embora seja pouca vaga, lemos, por que a gente precisa
conhecer (LUCIA HELENA, educadora urbana).
138
TECENDO CONSIDERAÇÕES
sua cultura. Que investiguem a importância das festas que se realizam nas comunidades;
ou se debrucem sobre as especificidades religiosas que se realizam naquele lugar; ou
quem sabe ainda, que busquem saber como vivem as mulheres das comunidades e
registrem suas autobiografias; ou ainda que estudem as questões da etnomatemática; ou
que busquem registrar os contos guardados entre as duas serras... São tantas as
possibilidades.
Ao longo da história do Brasil, os saberes relacionados às comunidades
quilombolas foram silenciados. No entanto a resistência negra foi marcada por atos de
coragem, demostrados por meio de insubmissão às condições de trabalho, revoltas,
organizações religiosas, fugas e organização de sociedades alternativas como os
mocambos ou quilombos, mecanismos de oposição à estrutura escravocrata que se
estabeleceu no Brasil.
O protagonismo dos homens e mulheres que por mais de dois séculos ocupam o
território Vão Grande, que travaram várias lutas para permanecer nas terras devolutas
que hoje constituem as comunidades Baixio, Camarinha, Morro Redondo, Retiro e Vaca
Morta, também não foi contado nas histórias dos livros que registram a história do
município de Barra do Bugres.
A história do território quilombola Vão Grande, é contada, pelos Guardiões da
Memória, as pessoas idosas que narram suas histórias e a de seus antepassados, e ao
fazê-lo, contribuem para fortalecer a identidade cultural dos mais jovens. Quando um
idoso falece, toda a comunidade sente e reconhece que, com ele, apaga-se também uma
parte da história do povo, suas memórias, suas lendas.
A ausência de registro escrito da história do Território Quilombola Vão Grande,
faz lembrar as discussões sobre currículo, tecidas por Apple (2002); Moreira (2002,
2004); Sacristán (1998) e Silva (1999, 2002): quais e para quem os conhecimentos
registrados nos livros são importantes? Para o povo do Território Quilombola Vão
Grande é importante conhecer sua própria história. Nas entrevistas tanto com os
Guardiões, quanto com as pessoas mais jovens todos afirmam da importância de saber a
história da comunidade. Há, inclusive, uma queixa de a história da comunidade Baixio
receber tratamento privilegiado. Devido a escola estar localizada nesta comunidade, ela
recebe maior atenção, como no caso desta pesquisa. Embora as demais comunidades
que constituem o território sejam mui dignas de análise.
141
marginalização, simbolizados nas muitas ausências que a escola padece, tais como a
falta de transporte para os alunos e as precárias condições do tráfego nas estradas; falta
de manutenção das pontes e da estrada; falta de instalações elétricas na escola; falta de
água encanada e potável; falta de funcionamento das instalações sanitárias; falta de
estrutura física, todas estas faltas impedem, muitas vezes, até mesmo a realização das
aulas e interferem negativamente na escolarização dos estudantes. É importante vincar
que, durante o ano letivo de 2015, os estudantes da Educação de Jovens e Adultos das
Comunidades Vaca Morta e Retiro perderam o ano letivo, devido à impossibilidade de
chegar à escola no período noturno, devido a uma ponte quebrada que impossibilitava o
acesso dos educandos.
Os dados da pesquisa desvelam que a educação no Território Quilombola Vão
Grande, começou a se instituir como Educação Escolar Quilombola a partir do ano de
2010, quando o Estado assumiu todas as aulas na Comunidade Baixio e criou a Escola
Estadual José Mariano Bento. A instituição da Escola Quilombola pode ser considerada
como fruto da organização da comunidade escolar que desde há muito tempo vem
lutando para garantir uma escola onde caiba a história, os sonhos e a “carta” do
morador.
Quanto aos resultados relacionados especificamente ao que esta pesquisa se
propôs analisar em que medida e como a Escola Estadual José Mariano Bento realiza
um projeto alinhado com a história das comunidades e as expectativas das famílias. Os
dados desvelam que apesar do PPP e do Regimento Interno da escola José Mariano
Bento, está em consonância com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Básica; a Lei Federal 10.639/03; as Orientações Curriculares para
Educação Quilombola de Mato Grosso; as Orientações Curriculares para a Educação
das Relações Étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira nas escolas dos territórios quilombolas, primando pela preservação da história
da comunidade, tendo entre seus objetivos “formar cidadão conscientes de sua origem e
cultura” e “Ter um currículo que leve os (as) alunos a conhecer suas origens, a história
das comunidades quilombolas que compõem a região Vão Grande”, a escola enfrenta
muitos desafios, que impossibilitam a implementação tais objetivos no chão da escola.
A escola está organizada em sistema de ensino multisseriado, este sistema
representa uma das queixas dos educadores em relação às condições de trabalho. Os
educadores reclamam da ausência de qualificação, de formação continuada, de
143
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