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As Coligações Partidárias na Reforma Política de 2015: Evolução Histórico-Normativa e

Propostas de Mudança
Dentre as frequentes propostas de reforma política no congresso nacional, foi apresentado em 2015
o Projeto de Emenda Constitucional nº 40/2011, com o objetivo de proibir a formação de coligações
partidárias em eleições proporcionais, alegando que a associação entre partidos que não possuem
alinhamento nos ideais e têm, como principal objetivo, obter vantagens no processo eleitoral, o que
provoca distorções no sistema eleitoral. Este entendimento é corroborado pela possibilidade, nas
regras vigentes, de se votar em um partido ou candidato específico e eleger terceiro de outro grupo.
Um dos efeitos da impossibilidade de associação seria a extinção de partidos menores e “legendas
de aluguel”, o que também pode ser compreendido como uma ofensa aos direitos de minorias
(partidos pequenos com relativo respaldo nas urnas).
Até chegarem ao amparo constitucional, em meados do século XX, os partidos políticos passaram
por um longo processo de afirmação, de modo que, por um longo período, atuaram na
clandestinidade e foram tratados como seitas. O reconhecimento como elementos importantes no
cenário político se deu numa tentativa de melhorar a representação política da sociedade, e desde
então eles se tornaram fundamentais para os pleitos eleitorais, elevando o grau de organização na
luta pelo poder. A um partido cabe, não só o enquadramento dos eleitores/representados, mas
também dos eleitos/representantes.
Um dos principais papéis dos partidos é agir como interlocutores heterogêneos de reclamações da
sociedade, propondo, em seus programas, soluções para os problemas públicos a partir dos
anseios e tensões da sociedade. A existência desses agrupamentos foi fundamental no processo
de redução do personalismo do voto, pois passou-se a atrelar a imagem dos candidatos a propostas
amplas, abarcando diversos segmentos sociais. No Brasil, como a filiação partidária é requisito
constitucional para a elegibilidade, os Partidos detêm tanto o monopólio das eleições, como, pela
imposição judicial da fidelidade partidária (Lei nº 13.165/15), o monopólio dos mandatos (no caso
de eleições proporcionais).
Porém, em função da complexidade cada vez maior da sociedade, da fragmentação de visões e do
surgimento contínuo de novas reinvindicações, o atendimento às preferências do eleitorado por
parte dos partidos torna-se, compreensivelmente, insatisfatório, colocando os partidos no centro
das críticas. Um dos reflexos é o baixo crescimento no número de filiados, inferior ao crescimento
no número de eleitores (entre 2013 e 2014)
[Comentário: Cabe ressaltar que o período analisado pelo autor foi um dos mais críticos na história
recente, com o surgimento de movimentos “antipolítica” e dezenas de manifestações populares.
Para sustentar esta afirmação o autor poderia ter apresentado dados de um período mais longo]
Em contrapartida, apesar do menor interesse da população em se filiar a uma agremiação partidária,
o número de novos partidos saltou de 15 para 34 entre os anos de 1995 e 2015.
Apesar do papel importante que exercem no processo democrático, há muitas críticas necessárias
à atuação dos Partidos Políticos. Em sua teoria conhecida como “Lei de Bronze de Michels” o
sociólogo alemão Robert Michels identifica uma tendência partidária a se transformar em oligarquia
e à formação de uma classe política profissional, retirando o poder decisório das massas e
concentrando-o nas mãos dos chefes (minoria dirigente x maioria dirigida). Seria fundamental a
implementação de normas voltadas à democracia interna dos partidos, inclusive no processo de
seleção dos candidatos.
Outro aspecto muito criticado é a volubilidade principológica, levando os partidos a se associarem
com seus opositores, inclusive com ideologias distintas, com o único objetivo de adquirir espaços
políticos.
Uma constatação é de que se os partidos perdem força, o poder público torna-se um mero servidor
de interesses pessoais ou de grupos reduzidos. Em contrapartida, se os partidos estão no poder
perdem seu prestígio junto ao povo e à opinião pública. Esta situação favorece o surgimento do
“partido pasteurizado”, apto a definir programas exequíveis e a escolher pessoas dispostas a
executá-los.
[Comentário: As recentes tecnologias de comunicação e a facilidade de disseminação de
informações, incluindo “fake news", representam um grande desafio para a imagem dos partidos,
que são frequentemente alvos de campanhas orquestradas de difamação entre a população]
Uma das preocupações das democracias atuais é com a sua capacidade de promover a
identificação entre representantes e representados, através de mecanismos que funcionem
adequadamente para que os eleitores se encontrem atendidos. O desagrado com a esfera política
origina-se, em partes, das limitações impostas aos cidadãos no jogo político, sendo imprescindível
uma conversação no processo decisória entre os decisores e aqueles que serão afetados pelas
suas medidas. Segundo a teoria política de Murillo de Aragão, em muitos países, incluindo o Brasil,
a política tem seguido o curso sagrado da perdição e redenção: sagrado porque a população
mantém distância em relação a ela, redenção no sentido salvacionista que dela é esperado e
perdição porque ainda controla o presente e condimente a realidade com pitadas de satisfação.
Uma importante conclusão é que, apesar de necessária, a reforma pouco acontece.
Um estudo de sistemas eleitorais com base nas teorias de Cotteret e Emeri identifica que existem
problemas sobre os planos técnico, que são as fórmulas que possibilitam uma melhor representação
dos governados, e político, pois os governos devem refletir as crenças sociais na devolução e
exercício do poder. Como os resultados esperados nem sempre são obtidos, é possível promover
melhorias nos sistemas eleitorais para enfrentar os efeitos da crise de representatividade vivenciada
atualmente.
A possibilidade e a forma como são realizadas as coligações no Brasil, sem que haja,
necessariamente afinidade político-ideológica ou programática, com o objetivo de obter vantagens
no pleito eleitoral é identificada como uma das grandes deturpações do sistema político nacional.
No contexto da reforma política são identificadas inúmeras propostas de extinção das coligações
ou, ao menos, de imposição de regras mais rígidas para minimizar seus efeitos negativos.
Sob o ponto de vista jurídico, as coligações partidárias são regulamentadas pelo art. 6º da Lei nº
9.504/97 (Lei das Eleições), que faculta aos partidos, em uma mesma circunscrição, celebrar uniões
para as eleições majoritárias, proporcionais ou ambas. Ressalta-se que pela natureza das
coligações, que sequer possuem um CNPJ, por exemplo, ainda que coligados os partidos atuam
de maneira descentralizada. As coligações não podem contrair obrigações, firmar contratos, possuir
patrimônio ou até mesmo constituir um comitê financeiro único.
Até a promulgação da Lei nº 13.165/2015, que deu nova redação ao art. 10 da Lei das Eleições, em
caso de coligação nas eleições proporcionais permitia-se o dobro de candidatos em relação ao
número de lugares a serem preenchidos, enquanto o partido isolado podia concorrer com até 150%
do número de vagas. Com a minirreforma impôs-se um tratamento isonômico entre partidos e
coligações: a) 150% das vagas para partidos ou coligações nas unidades federativas com mais de
doze vagas na Câmara dos Deputados; b) 200% das vagas para partidos ou coligações nas
unidades federativas com menos de doze vagas na Câmara dos Deputados; c) Nos municípios com
até 100 mil eleitores os partidos isolados podem inscrever até 150% e as coligações 200% do
número de lugares a preencher.
Também com a minirreforma, se alterou a forma de distribuição do tempo de rádio/TV: 10% do
tempo é distribuído de maneira equânime, enquanto o restante depende da representação do
partido na Câmara dos Deputados. No caso das eleições majoritárias, passou a se considerar
apenas as representações dos seis maiores partidos para esta contabilização. Estas duas
alterações representam tentativas de desencorajar as alianças, na medida em que minimizam os
seus benefícios.
A figura a seguir apresenta uma análise da evolução histórico-normativa das coligações:

Figura 1: A evolução histórico-normativa das coligações


De modo geral, as alianças partidárias representam meios para concretizar objetivos que não
passíveis de serem alcançados sozinhos, existindo questionamentos sobre os limites no exercício
da união, de modo que não se originem efeitos nocivos ao sistema de partidos e ao regime
democrático.
Um dos efeitos negativos das coligações é a existência dos denominados “puxadores de votos” que,
em função da forma como são distribuídas as vagas para os pleitos proporcionais, contribuem para
a eleição de candidatos de outros partidos da coligação, o que muitas vezes é desconhecido do
eleitor. Um exemplo foi a eleição do Deputado Federal Tiririca, em 2010. Nesta linha, também se
destaca a combinação voto de legenda x coligação partidária. Neste caso, o voto em um
determinado partido é contabilizado pela aliança, o que, muitas vezes, não seria de conhecimento
do eleitor.
[Comentário: No caso dos “puxadores de voto”, ainda que o candidato não estivesse em uma
coligação, existiriam as mesmas distorções apontadas pelo autor. No exemplo em questão, caso o
PR, partido do candidato Tiririca, não estivesse coligado, diversos deputados deste partido seriam
eleitos em detrimento de candidatos com votações maiores de outros partidos ou coligações. Neste
caso, a forma de distribuição das cadeiras é mais relevante do que a existência ou não de
coligações, como o próprio autor reconhece na sequência do texto.
O autor alega que um partido poderia se associar a outro apenas para se aproveitar dos votos
recebidos pelos “candidatos celebridade” deste. Mas, caso as coligações não fossem permitidas,
bastaria aos partidos filiarem e lançarem suas próprias celebridades. Entende-se que, se um partido
está aberto a se associar com outro com o qual não possui pontos de convergência por mero
interesse eleitoreiro, poderia facilmente acolher candidatos que possuem grande apelo junto à
população, ainda que não tenham uma identificação plena com seus ideais.
Ressalta-se que, ainda que o Deputado Tiririca tenha recebido uma quantidade muito expressiva e
surpreendente de votos em 2010, há diversos exemplos de celebridades tão, ou mais, expostas na
grande mídia que não têm desempenho parecido. Além do mais, este fenômeno também ocorre em
eleições majoritárias, tendo como exemplos os recentes os Senadores Romário (esportista), Jorge
Kajuru (jornalista conhecido por ter sido apresentador de programas esportivos) e Leila Barros
(esportista). Ainda, o simples fato do candidato ser esportista, músico ou comediante não significa
que terá um desempenho insatisfatório como parlamentar, ou pior do que os demais candidatos.
Com relação à crítica ao voto de legenda combinado com as coligações, o problema apontado, que
é o desconhecimento acerca dos efeitos do voto, está mais relacionado à ausência de políticas
eficientes para a educação política e para fomentar a Cidadania do que à possibilidade de se realizar
coligações.]
Critica-se também a flexibilização das ideologias e programas partidários, destacando-se que os
partidos se moldam para as disputas eleitorais e adotam posturas mais moderadas com o único
objetivo de alcançar o poder, deteriorando a imagem do partido. Neste caso, uma coligação entre
muitos partidos que não possuem afinidades ideológicas representaria um problema. Com base na
argumentação apresentada no voto do ministro Gilmar Mendes no julgamento do MS n. 30.260/DF,
levanta-se também a teoria de que a ausência de um número da coligação e a transferência de
votos entre candidatos dificultam o controle popular.
[Comentário: No caso das eleições proporcionais é, de fato, um problema grave. No exemplo do
Deputado Tiririca, em que a coligação era formada por PSB/PT/PR/PCdoB/PTdoB, é possível que
deputados do PR tenham posição diferente dos deputados do PT ou PCdoB, por exemplo, em
votações importantes da Câmara.]
Em contrapartida, também são destacadas algumas vantagens do sistema de coligações, listadas
a seguir:
a) O sistema de alianças favorece a sobrevivência das minorias, uma vez que, sozinhos, partidos
em ascensão como o PV e o PSOL, por exemplo, não atingiriam o quociente eleitoral. Em
estados menores, com bancada de oito deputados, o quociente eleitoral é de 12,5% dos votos
válidos.
b) Nas eleições majoritárias, principalmente naquelas que possuem segundo turno, as coligações
permitem a formação de blocos em torno de um programa comum e unificador dos partidos, o
que contribui para a polarização das discussões e assegura a governabilidade (maioria
parlamentar) para o candidato vencedor. Menciona-se, como vantagem para as legendas
grandes, o ganho no tempo de televisão, por exemplo.
Destaca-se que, em geral, o posicionamento dos partidos em relação ao tema depende da sua
situação. Enquanto os partidos pequenos dependem das coligações para aumentarem suas
chances de eleger um representante e acessar o fundo partidário, as grandes legendas se
beneficiariam da redução no número de partidos, pois reduziria a probabilidade de surgimento de
novas lideranças e a alternância de pensamentos.
[Comentário: Vale uma reflexão: em um cenário hipotético com um número reduzido de partidos,
é possível que o atual presidente sequer tivesse encontrado uma legenda disposta a lançá-lo como
candidato à presidência. Independentemente da opinião sobre o presidente ou seu governo, fato é
que a população teria sido impedida de escolher o candidato por limitações sistêmicas]
Conforme apresentado anteriormente, com a promulgação da Lei nº 13.165/2015 (Minirreforma
Política), apesar de não terem sido aprovadas a proibição de alianças para eleições proporcionais
(246 votos desfavoráveis, 206 votos favoráveis e 5 abstenções) e a federação partidária (277 votos
contrários), foram impostas as seguintes restrições: a) tratamento igualitário quanto ao número de
registros por partidos e coligações (anteriormente a este Lei o partido poderia lançar candidatos até
150% do número de vagas e as coligações 200%); b) consideração apenas dos seis maiores
partidos da coligação para a divisão do tempo de rádio/TV nas coligações para eleições majoritárias.
A partir de uma análise das propostas de mudanças do congresso nacional foram identificadas 8
propostas arquivadas dispondo sobre o fim das coligações em eleições proporcionais, assim como
há outras 7 em tramitação. A PEC nº 40/2011 (mencionada no início do texto), aprovada em
segundo turno pelo Senado, foi rejeitada pela Câmara dos Deputados em 2015.
O impacto das coligações no jogo eleitoral é evidente a partir da simulação de um cenário para as
eleições para o Parlamento Federal de 2014 em que não fosse possível a formação de coligações.
Neste caso, 6 dos 28 partidos que conseguiriam eleger pelo menos um candidato ficariam de fora
do parlamento. Grandes legendas, como PT e PMDB, passariam, respectivamente de 70 e 66
deputados para 101 e 102 (40% da Câmara). Os seis partidos com o maior número de deputados
alcançariam em torno de 75% dos integrantes.
Com relação à constituição de federações, há propostas já arquivadas e duas em tramitação: PL nº
2522/2015 (com origem no PLS nº 477/2015) e o PLS nº 211/2001. Neste caso, dois ou mais
partidos se unem de maneira uniforme em todo o país (há vínculo com as eleições estaduais),
devendo atuar conjuntamente no curso da legislatura (há propostas com duração de três e quatro
anos). As federações configuram alianças mais estáveis, sem inviabilizar a concorrência de partidos
menores.
Além da federação, há outras soluções propostas, como a constituição de alianças unicamente na
hipótese de haver segundo turno (PLS nº 776/2015). Há também projetos que impactam apenas
nas consequências prejudiciais das coligações, como a modificação na forma de distribuição do
tempo de propaganda.
[Comentário: O autor não se posiciona a respeito, mas em relação à federação, considerando que
os eleitos seriam filiados a um dos partidos federados, há que se considerar qual seria o papel dos
partidos menores dentro da federação. Numa hipotética, mas factível, federação composta por PT
e PSOL, em que dos 60 parlamentares eleitos 50 seriam filiados ao PT e 10 ao PSOL, este último
teria, na prática, que se submeter integralmente aos interesses do primeiro, ainda que em pautas
que possam suscitar alguma divergência ideológica. Neste caso, o PSOL, fundado por membros
dissidentes do PT, não perderia, ainda que por um período determinado, a sua identidade?]
Um ponto de destaque levantado nas considerações finais é se as patologias são provocadas pela
possibilidade de associação ou pelos partidos que a compõem, frequentemente criticados pela
flexibilidade e amplitude de entendimentos, bem como, em alguns casos, pela ausência de
democracia interna. Até então, as alternativas adotadas foram moderadas, objetivando mitigar os
efeitos das alianças, e não a extinção das coligações.
[Comentário: Como o próprio autor afirma em alguns momentos, talvez o problema não seja a
permissão para a existência de coligações, mas sim outras regras como a de cálculo dos assentos
para cada partido/coligação e, principalmente, a ausência de conhecimento das regras por parte da
população, resultante da inexistência de políticas públicas destinadas a disseminar este
conhecimento e fortalecer a cidadania. Entende-se que, numa sociedade com maturidade política
plenamente consciente das regras eleitorais e funcionamento da estrutura política, os próprios
eleitores seriam capazes de impedir, por exemplo, coligações entre partidos com ideologias
opostas, por meio do voto.]

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