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Estruturas de concreto em situação de incêndio

Nos países desenvolvidos, a segurança contra incêndio é considerada ciência


e, como tal, é pesquisada e aplicada. No Brasil, embora estudado há vários
anos, o tema só ganhou maior impulso, na área das estruturas, com a
publicação da NBR 14432/2000.

Os materiais estruturais perdem resistência e módulo de elasticidade quando


submetidos a temperaturas elevadas, correndo o risco de colapsar parcial ou
totalmente. À semelhança dos projetos hidráulico, elétrico e arquitetônico, a
segurança contra incêndio deve ser estendida ao projeto estrutural e
contribuir na integração dos sistemas de proteção das edificações.

Recentemente, foi publicada a "NBR 15200/2004 - Projeto de estruturas de


concreto em situação de incêndio - Procedimento". Novas considerações foram
introduzidas no projeto de estruturas, as quais requerem conhecimento e
entendimento para que as diretrizes da nova norma sejam compreendidas e
aplicadas. Este texto tem o objetivo de esclarecer alguns conceitos de projeto
de estruturas de concreto levando-se em consideração situação de incêndio.

Por que considerar o incêndio no projeto estrutural?


Os materiais utilizados nas estruturas sofrem alterações na intensidade das
forças de ligação interatômicas na microestrutura, em decorrência de
elevação de temperatura, modificando suas propriedades físicas e mecânicas.
Nos metais, apenas as propriedades mecânicas são reduzidas em incêndio
(figura 1). Na madeira e no concreto, além das propriedades mecânicas, a
área resistente também pode ser reduzida, devido à carbonização e
lascamentos, respectivamente.

O concreto endurecido é um material incombustível, de baixa condutividade


térmica e não desprende gases tóxicos quando exposto ao calor. A despeito
dessas qualidades apreciáveis, em situação de incêndio o concreto fissura e
lasca (spalling), o que reduz a área resistente e expõe a armadura ao calor.

O aço da armadura, embora quimicamente mais estável do que o concreto


endurecido, experimenta os efeitos da dilatação, da fluência e da redução da
resistência e do módulo de elasticidade em função das altas temperaturas.

As primeiras investigações sobre o comportamento do concreto armado


submetido a temperaturas elevadas ocorreram no início do século XX e foram
relatadas por Mörsch, em 1948. A partir dos anos 50, diversos pesquisadores
utilizaram procedimentos experimentais mais apurados para investigarem os
efeitos térmicos da degradação do concreto, que serviram de base para as
primeiras recomendações propostas nos códigos internacionais para projeto
estrutural.

O colapso total ou parcial das estruturas de edifícios altos de concreto causado


pelo incêndio não é incomum. Há registros de diversos edifícios de múltiplos
andares de concreto armado que sofreram colapso total ou parcial, por
ocasião do incêndio, colocando em risco as ações de salvamento e combate ao
fogo (veja fotos de alguns casos).

O que é o TRRF?
O efeito de um incêndio é a ação térmica nas estruturas. Difere das ações
normais da gravidade e eólica, por se tratar de uma ação excepcional, devido
ao baixo período de recorrência.

Para a análise das estruturas, o incêndio é caracterizado pela relação entre a


temperatura dos gases quentes e o tempo. A severidade do incêndio depende
das características geométricas e do uso da edificação. Conseqüentemente,
varia para cada edificação.

Há modelos matemáticos do incêndio real denominados "curvas naturais" de


incêndio. Essas curvas são parametrizadas pela carga de incêndio, pelo grau
de ventilação e pelas características dos elementos de compartimentação
(figura 10). Por simplicidade, a curva real é normalmente substituída por
curvas padronizadas para ensaios. A mais difundida internacionalmente é a
recomendada pela ISO 834 (figura 11), empregada para combustão de
materiais celulósicos. Quaisquer conclusões com base nessa curva devem ser
analisadas com cuidado, pois o incêndio padrão não corresponde ao incêndio
real. A NBR 5628/2001 baseia-se nessa curva-padrão.

A partir da curva temperatura¿tempo dos gases quentes, é possível


determinar a temperatura no elemento da estrutura por meio de expressões,
que admitem uma distribuição uniforme de temperaturas, válidas, portanto,
para elementos esbeltos isolados (NBR 14323/1999). Mas somente os
modelos de incêndio natural permitem determinar a temperatura máxima do
elemento (figuras 12 e 13), para a qual ele deve ser dimensionado.

Na prática, emprega-se a curva-padrão, havendo necessidade de arbitrar um


"tempo" para determinar uma temperatura de dimensionamento. Esse
"tempo" é chamado de tempo requerido de resistência ao fogo (TRRF).

Em face das dificuldades de cálculo e de sua variabilidade com o cenário de


incêndio, o TRRF é avaliado subjetivamente, em função do risco e das
conseqüências do incêndio. É definido por consenso da sociedade e
estabelecido em normas ou códigos (tabela 1). O TRRF não deve ser
confundido com tempo de desocupação ou tempo de duração do incêndio.
Pode-se afirmar que o TRRF padroniza a ação térmica a ser utilizada no
dimensionamento das estruturas em incêndio.

Apesar de a distribuição de temperatura nos elementos de concreto não ser


uniforme, devido às baixas condutividade térmica e esbeltez, é usual adotar o
modelo do incêndio padrão para medir a resistência ao fogo em unidade de
tempo (TRRF). Assim, todos os elementos estruturais devem seguir a um
TRRF normatizado.

O TRRF pode também ser determinado pelo MTE (Método do Tempo


Equivalente), apresentado na Instrução Técnica no 8 do Corpo de Bombeiros
do Estado de São Paulo. O MTE permite reduzir o TRRF normatizado, se
houver condições favoráveis de segurança a incêndio, procedentes da
proteção ativa, baixa carga de incêndio, etc.

Métodos de dimensionamento
As estruturas de concreto são normalmente projetadas em incêndio, com base
no "método tabular", encontrado em normas dos Estados Unidos, do Canadá,
da Nova Zelândia, da Austrália e da Europa, tais como o CEB e o Eurocode.
São apresentadas as dimensões mínimas dos elementos de concreto e a
posição das armaduras ("a"), em função do TRRF.

A verificação da estrutura pode ser realizada por meio de três métodos:


tabular, simplificado e geral. Os dois últimos não são detalhados na NBR
15200, permitindo ao projetista a escolha de outros métodos citados pela
literatura técnica internacional. Neste texto, nos limitaremos a discorrer sobre
o método tabular.

A temperatura diminui nas regiões próximas ao centro da seção transversal.


Dessa forma, quanto maior a seção transversal, maior será o núcleo frio.
Quanto mais afastada estiver a armadura da face exposta ao calor, menor
será a temperatura (figura 14). É falsa a idéia de que o cobrimento da
armadura é fundamental para protegê-la do calor, uma vez que o concreto
não é um isolante ideal. A temperatura da armadura depende da sua posição
(indiretamente do cobrimento) e das dimensões da seção transversal do
elemento de concreto (figura 15).

Com base na versão de 2002 do Eurocode 2, o método tabular da NBR 15200


(tabelas 2 a 10) apresenta ligeiras alterações, adaptando os valores mínimos
às dimensões usuais dos elementos no Brasil e permitindo a inclusão de
revestimentos não-combustíveis na espessura total do elemento de concreto
(figura 16 e tabela 2), na determinação das dimensões mínimas em função do
TRRF.

Os elementos estruturais devem manter sua capacidade de suporte às ações


mecânicas, para temperaturas associadas ao TRRF. Em situação de incêndio,
alguns elementos, especialmente lajes e pilares-parede, podem exercer,
adicionalmente, as funções corta-fogo (compartimentação) de isolamento e
estanqueidade, que são a capacidade de o elemento estrutural impedir,
respectivamente, a transferência de calor e de chamas para fora do
compartimento, evitando a propagação do incêndio.
O fator "mfi" (tabelas 9 e 10) é a razão entre os valores de cálculo da normal
solicitante em situação de incêndio (NSd,fi) e da normal resistente em
situação normal de uso (NRd) (equação 1).

O valor de NSd,fi é determinado a partir da combinação excepcional de ações


(equação 2).

onde:
Ngk = valor característico da normal decorrente de ações permanentes
Nqk,j = valor característico da normal decorrente das ações variáveis diretas
"j"; as ações decorrentes de deformações térmicas podem ser desprezadas
gg,fi = 1,2 e gg,fi = 1, respectivamente, para ações permanentes
desfavoráveis e favoráveis
gq,fi = 1 e gg,fi = 0, respectivamente, para ações variáveis desfavoráveis e
favoráveis
y0,j = fator de redução para as ações variáveis diretas "j" (tabela 11)
A NBR 15200 permite, salvo cálculo mais preciso, considerar Sd,fi @ 0,70.Sd.
Para valores iguais de esforços solicitante e resistente de cálculo, à
temperatura ambiente, pode-se adotar m = 0,7.
Considerações finais
A NBR 14432/2000 estabelece a mínima resistência ao fogo requerida das
edificações, em função do seu porte e uso. Em 2001, a Instrução Técnica no
08 do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo tornou obrigatório o uso da
NBR 14432 no Estado de São Paulo, com ligeiras alterações.

Há quatro anos existe uma norma e uma instrução técnica que estabelecem a
resistência requerida ao fogo para edificações, mas não havia qualquer norma
brasileira que fornecesse diretrizes para o dimensionamento e verificação das
estruturas de concreto, a fim de atender às exigências da legislação vigente.
A NBR 15200 veio preencher uma lacuna na normatização de segurança
contra incêndio no Brasil.

A NBR 15200 permite incorporar na determinação das dimensões mínimas dos


elementos de concreto, a contribuição da espessura de revestimentos
incombustíveis. A nova norma permite, ainda, "aliviar" as exigências de
resistência ao fogo das estruturas, nas edificações em que a proteção ativa
(sprinklers, detectores, brigadas) e a proteção passiva (compartimentação,
rotas de fuga) possam assumir, indiretamente, parte da resistência ao fogo
requerida.

LEIA MAIS

Segurança Estrutural nas Edificações - Resistência ao Fogo dos


Elementos de Construção. Instrução Técnica no 08/01, 2005. Corpo de
Bombeiros de São Paulo.

Estruturas de concreto em situação de incêndio. C. N. Costa. Dissertação


de Mestrado. Escola Politécnica da USP, 2002.

Ação do fogo em prédios estruturados: estudo de um caso. D. L. Klein;


J. L. Campagnolo; F. P. L. Gastal. XXIX Jornadas Sudamericanas de Ingenieria
Estructural. Punta del Este, 2000.

NBR 14323 - Dimensionamento de estruturas de aço de edifícios em


situação de incêndio. ABNT, 1999.

NBR 5628 - Componentes construtivos estruturais - Determinação da


resistência ao fogo. ABNT, 2001.

NBR 6118 - Projeto de estruturas de concreto. ABNT, 2003.

NBR 8681 - Ações e segurança nas estruturas. ABNT, 2003.

Eurocode 2 - Design of concrete structures. Parte 1.2: General Rules


-Structural Fire design. 2002.

NBR 15200 - Projeto de estruturas de concreto em situação de


incêndio. ABNT, 2004.

Estruturas de aço em situação de incêndio. V. P. Silva, 2004.

Resistência ao fogo das estruturas de aço. M. R. Vargas; V. P. Silva.


IBS/CBCA, 2003.

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de 15 mil caracteres (com espaço). Fotos devem ser encaminhadas
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