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SOCIEDADE
ENTREVISTA | ALLEN FRANCES
Arquivado em: Psiquiatria Farmacologia Saúde mental Medicamentos Indústria farmacêutica Doenças mentais Farmácia Especialidades médicas Medicina preventiva
Doenças Sociedade Medicina Saúde Indústria
Pergunta. No livro, o senhor faz um mea culpa, mas é ainda mais duro com o trabalho de seus
colegas do DSM V. Por quê?
Resposta. Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94 novos
transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos, convencidos de que tínhamos feito
um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou sendo um dique frágil demais para frear o impulso
agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no sentido de introduzir
novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de fazer
médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de
fácil solução. O resultado foi uma inflação diagnóstica que causa muito dano, especialmente
na psiquiatria infantil. Agora, a ampliação de síndromes e patologias no DSM V vai transformar
a atual inflação diagnóstica em hiperinflação.
R. Algo assim. Há seis anos, encontrei amigos e colegas que tinham participado da última
revisão e os vi tão entusiasmados que não pude senão recorrer à ironia: vocês ampliaram
tanto a lista de patologias, eu disse a eles, que eu mesmo me reconheço em muitos desses
transtornos. Com frequência me esqueço das coisas, de modo que certamente tenho uma
demência em estágio preliminar; de vez em quando como muito, então provavelmente tenho a
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“Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais” | Sociedade | Edição Brasil no EL PAÍS 07/04/15 17:33
síndrome do comedor compulsivo; e, como quando minha mulher morreu a tristeza durou mais
de uma semana e ainda me dói, devo ter caído em uma depressão. É absurdo. Criamos um
sistema de diagnóstico que transforma problemas cotidianos e normais da vida em transtornos
mentais.
R. Esse foi um dos dois novos transtornos que incorporamos no DSM IV, e em pouco tempo o
diagnóstico de autismo se triplicou. O mesmo ocorreu com a hiperatividade. Calculamos que,
com os novos critérios, os diagnósticos aumentariam em 15%, mas houve uma mudança
brusca a partir de 1997, quando os laboratórios lançaram no mercado fármacos novos e muito
caros, e além disso puderam fazer publicidade. O diagnóstico se multiplicou por 40.
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P. E ser rotulado como alguém que sofre um transtorno mental não tem consequências
também?
R. Muitas, e de fato a cada semana recebo emails de pais cujos filhos foram diagnosticados
com um transtorno mental e estão desesperados por causa do preconceito que esse rótulo
acarreta. É muito fácil fazer um diagnóstico errôneo, mas muito difícil reverter os danos que
isso causa. Tanto no social como pelos efeitos adversos que o tratamento pode ter.
Felizmente, está crescendo uma corrente crítica em relação a essas práticas. O próximo passo
é conscientizar as pessoas de que remédio demais faz mal para a saúde.
P. Nos últimos anos as autoridades sanitárias tomaram medidas para reduzir a pressão dos
laboratórios sobre os médicos. Mas agora se deram conta de que podem influenciar o médico
gerando demandas nos pacientes.
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visitador médico, porque haviam comprovado que gente bonita entrava com mais facilidade
nos consultórios. A esse ponto chegamos. Agora temos de trabalhar para obter uma mudança
de atitude nas pessoas.
P. Em que sentido?
R. Que em vez de ir ao médico em busca da pílula mágica para algo tenhamos uma atitude
mais precavida. Que o normal seja que o paciente interrogue o médico cada vez que este
receita algo. Perguntar por que prescreve, que benefícios traz, que efeitos adversos causará,
se há outras alternativas. Se o paciente mostrar uma atitude resistente, é mais provável que os
fármacos receitados a ele sejam justificados.
R. Sim, e deixe-me lhe dizer um problema que observei. É preciso mudar os hábitos de sono!
Vocês sofrem com uma grave falta de sono, e isso provoca ansiedade e irritabilidade. Jantar às
22h e ir dormir à meia-noite ou à 1h fazia sentido quando vocês faziam a sesta. O cérebro
elimina toxinas à noite. Quem dorme pouco tem problemas, tanto físicos como psíquicos.
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