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TEXTO 01:
O PROCESSO DE TRABALHO E A DESIGUALDADE SOCIAL

“A gente não quer só comida

A gente quer comida, diversão e arte

A gente não quer só comida

A gente quer saída para qualquer parte

(...)

A gente não quer só comida

A gente quer a vida como a vida quer”


(COMIDA – Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto.)

Você já escutou os versos acima e já parou para pensar sobre o que podemos fazer para ter
tudo isto? Ou melhor, o que você, sua família, e seus amigos fazem para ter acesso a tudo isto?

Sabemos que para viver temos que ter comida, água potável, roupas e uma moradia segura.
Mas sabemos também que na sociedade capitalista o caminho para ter o acesso à “comida, diversão
e arte” não é nada fácil, é uma verdadeira odisséia. Então, como é possível suprir estas necessidades
básicas?

Se “(...) a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte(...)”, o que fazemos
afinal, para conseguirmos garantir e resolver estas questões? O que você faz?

Agora, como estão nos versos da música, queremos ter a garantia que as chamadas questões
materiais – a comida, a água potável, as roupas adequadas para cada tipo de estação, a casa com
segurança – e as questões subjetivas – sentimentos, desejos, gostos – sejam resolvidas. Temos aqui,
portanto, duas questões essenciais: o que é imediato ou básico são necessidades materiais do ser
humano; o que é subjetivo são necessidades imateriais. Mas esta preocupação não é somente uma
preocupação particular, mas de todas as sociedades ao longo da história humana. Como “(...) a gente
não quer só comida (...)”, estas duas necessidades devem ser resolvidas, e na busca destas soluções,
novas necessidades vão surgindo. Assim, o contorno do nosso cotidiano vai sendo desenhado na
medida em que as soluções de todos os tipos vão se realizando. Para pensar sobre isso, vejamos como
a Sociologia pode nos auxiliar.

O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) afirmou que, para resolver as suas necessidades
básicas, o ser humano vai se apropriando da natureza, estabelecendo relações com outros seres
humanos, pensando sobre a sua vida e criando novas e novas necessidades. Como isso é possível?
Imagine que você tem que construir um banco de praça e a matéria-prima é de “segunda mão”. Tendo
o material, o que mais é necessário para construir o banco? Bem, o conhecimento de como fazê-lo, e
de como utilizar o material reciclável e as ferramentas. Temos, portanto:

(1) você – um SER HUMANO;

(2) o CONHECIMENTO;

(3) a natureza que já foi modificada, a MATÉRIA-PRIMA;


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(4) e os INSTRUMENTOS – máquinas, ferramentas e utensílios.

São necessários todos estes elementos juntos para que o banco seja construído. Temos uma
unidade que permite que você produza ou melhor construa o banco. Esta unidade é o que chamamos
de PROCESSO DE TRABALHO.

Foi com este processo que a humanidade construiu tudo o que existe na vida: ferramentas,
máquinas, a matéria-prima transformada ou não (um exemplo disto é o ferro encontrado bruto na
natureza, transformado em aço para a fabricação de tratores, ônibus, geladeiras, bicicletas), os
prédios, os estádios de futebol, as escolas, as ruas e estradas, os ônibus espaciais... enfim um conjunto
imenso de coisas. Se isolarmos o conhecimento, as ferramentas e a matéria-prima e retirarmos você
da construção do banco, vamos observar que o banco não será construído. Então consideramos você
– o ser humano – o principal elemento desta unidade. Isto porque é você quem vai dar asas à
imaginação (pois não é só de pão que vive o homem) e construir e transformar tudo que o cerca.

Então, seguindo o raciocínio anterior, sabemos que para viver temos que resolver problemas
de ordem material e básica como comer, beber, vestir e morar. Mas como nos indica a música não é
só disto que vivemos. Ir ao cinema, sair com os amigos, ir ao futebol, participar das festividades na
família, exercitar e exercer nossa sensibilidade e gosto por um tipo de roupa, de música, de filme, de
time de futebol, de professor, e de amigo fazem parte desta busca de resoluções. Para isto, os seres
humanos vêm modificando a natureza e tudo ao seu redor, até a nós mesmos. Já sabemos que o ser
humano é o principal elemento do processo de produção.

Se acompanharmos os jornais vamos perceber que as ações não caminham para a resolução
das necessidades materiais e imateriais. A destruição do planeta e de outros seres humanos ocorrem
indiscriminadamente em quase todos os lugares do mundo. Isto é o que em Sociologia foi chamado
de contradição, por Karl Marx, pensador alemão já citado anteriormente neste texto: a não-resolução
das necessidades humanas mesmo tendo condições para fazê-lo. São problemas que a humanidade
não resolveu desde que o gênero homo começou a dominar o planeta.

Nesta caminhada do ser humano, para resolver estas necessidades, ele desenvolve ligações
com os outros seres humanos e várias formas de organizações sociais vão surgindo. Seguindo este
raciocínio, é a unidade entre o ser humano, o conhecimento, os instrumentos e a matéria-prima, que
possibilita a relação como o mundo natural e a criação do mundo social modificado. Vamos tentar
entender como se desenvolvem estas ligações.

Quando o homem se espalhou pelo mundo, saindo da África e convivendo, segundo as recentes
pesquisas da Paleoantropologia, com outras espécies do gênero, criou laços com os membros do seu
grupo. Estes laços se estreitaram, ficando cada vez mais fortes, pois enfrentar a natureza – clima,
vegetação, relevo, animais selvagens – revela-se uma aventura difícil e perigosa. Por isso, a união
para garantir a existência passa a ser o elemento principal para continuar vivendo. Essas ligações são
denominadas de relações sociais. Estamos vendo que, no início do processo de surgimento das
primeiras formas de organização social estas relações eram coletivas.

Então, o que significa dizer que essas relações eram coletivas?

Imagine que você e seus amigos estão perdidos na floresta Amazônica e não conhecem o
território, e necessitem fabricar instrumentos e utensílios. O mundo natural parece ameaçador e com
certeza vocês buscarão ficar unidos, dividir igualmente a comida, a água, os cuidados com aqueles
que estão doentes e com medo. Querem resolver tudo para que todos fiquem bem. Então, unidos,
zelarão para que o grupo consiga sobreviver em um ambiente inóspito para o forasteiro. É muito
importante observar que no processo de transformação da natureza, o homem vai modificando o
espaço natural considerando as suas capacidades e as ferramentas que possui. É uma combinação e
uma escolha entre a capacidade humana de transformação e aquilo que ele vai encontrar na natureza.
O que resulta desta relação é uma nova realidade que continua a ser explorada.
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Então, no início da existência da humanidade (40.000 a.C.), havia uma relativa igualdade entre
os membros de um mesmo agrupamento social. Relativa porque do ponto de vista das questões
básicas de sobrevivência todos têm acesso a eles. Ao mesmo tempo estas sociedades eram
hierarquizadas tanto com a divisão sexual do trabalho quanto com as demarcações etárias. Como
sabemos disto? É só observarmos os povos indígenas brasileiros, antes da chegada dos europeus
(século XIV da Era Cristã). A forma de organização e de resolução dos problemas de sobrevivência
destes povos é exemplo deste período quando havia a necessidade de agir coletivamente, para
enfrentar a natureza.

Veja, os indígenas que habitam o Parque Nacional do Xingu e os Bosquínamos da África


setentrional. Atualmente, são exemplos deste período (quando havia a igualdade descrita acima –
700.000 a.C. a 40.000 a.C.) em que, ao resolver suas necessidades básicas, o ser humano o fazia
coletivamente. Com o aprimoramento dos instrumentos e dos utensílios, e um controle maior sobre
a natureza, com a agricultura e a domesticação dos animais, passa a existir em algumas regiões e
entre alguns povos o acúmulo de alimentos. As casas são melhoradas para garantir um abrigo mais
seguro e as roupas também acompanham estas mudanças com a utilização de novas matérias-primas
para a sua confecção. Essas alterações acompanham a ocupação do espaço geográfico fazendo com
que deixem de ser nômades e se transformem em povos sedentários. A Geografia, a História e a
Sociologia são as Ciências que vão pensar o processo de trabalho interpretando como este se
desenvolve nesta busca do ser humano de resolução das necessidades materiais e subjetivas.

O armazenamento da água e alimentos fica mais aprimorado com a utilização da cerâmica


como matéria-prima. O aperfeiçoamento da navegação e a utilização da roda e do transporte
acompanham este ritmo. É importante frisar que estas transformações não são lineares nem
evolutivas. Elas são desiguais e acompanham a forma utilizada por cada povo na sua região na
ocupação do espaço e na criação da sociedade. Não podemos achar que todos fizeram da mesma
maneira. Ao contrário, a forma de ocupação e o processo cultural revelam como cada povo enfrentou
a natureza e foi resolvendo suas necessidades básicas.

As formas mais apuradas de solução dos problemas imediatos: comer, beber, vestir e morar,
na medida em que são resolvidos acabam criando outras e novas necessidades. Assim, locais onde é
possível guardar os alimentos e a água vão sendo construídos para que estes sejam utilizados nos
momentos de escassez, que são freqüentes e fazem com que as contradições (Lembra? A não-
resolução das primeiras necessidades) assombrem os seres humanos. Vai ser necessário que alguns
cuidem deste acúmulo e da sobra do que foi produzido ou consumido.

Estes que vão cuidar do que todos produziram vão criar um grupo de segurança para auxiliá-
los nesta nova tarefa. Este corpo de segurança, provavelmente são os mais fortes ou os que já tinham
a tarefa de serem os guerreiros do grupo. Temos aqui um conjunto de pessoas que se desliga, se afasta
daqueles que estão produzindo o necessário para a sobrevivência de todos. Você pode perguntar:
quando isso ocorreu?

Essas mudanças ocorrem na passagem do Neolítico para o surgimento da sociedade desigual


(III milênio antes da Era Cristã), quando vai existir a propriedade e esta não vai ser coletiva. Este
distanciamento em que alguns vão viver do TRABALHO que outros executam, permitiu o surgimento
da desigualdade entre os seres humanos dentro da mesma sociedade. Essa desigualdade foi se
aprofundando e as decisões sobre a distribuição do que foi produzido passam a ser realizadas por
estes, que vão se tornando donos/proprietários das terras, dos animais, das ferramentas...

Como isso é possível? Imagine que você está trabalhando no campo e as pessoas que cuidam
do armazenamento observam que se não for estipulada uma cota de consumo para cada família, não
terão comida suficiente para o próximo período de escassez. Então devem, para garanti-la, criar
punições para aqueles que não cumprirem o que foi determinado. Que tipo de punição? Algo como
ter que trabalhar em dobro, dar os seus animais, dar as ferramentas que utilizam – daí, para trabalhar
tem que utilizar as ferramentas de outros. Viu como começou a propriedade do que chamamos meios
de produção – ferramentas, matérias-primas, os galpões e prédios.
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A forma de divisão da sociedade em que uns são proprietários dos meios de produção –
ferramentas, matérias-primas, conhecimentos – e outros são somente proprietários da força de
trabalho – energia gasta no dia-a-dia e o conhecimento de como executar a sua tarefa no processo
produtivo – é a base para o que chamamos de sociedade capitalista. Esta diferença entre os seres
humanos vão marcar as relações sociais que passaram a estabelecer a partir do fortalecimento das
duas classes sociais: os donos dos meios de produção e os proletários. Podemos, assim, buscar no
passado da humanidade muitas das explicações para a situação complicada que é a busca do emprego
hoje.

As soluções se inscrevem no plano daquilo que chamamos de conquistas da humanidade; mas


não podemos esquecer o que chamamos de contradições. São elas que vão marcar estas conquistas e
nos alertar para perguntar sobre o principal elemento do trabalho que é o ser humano.

Bem, voltando às questões do início do texto, vamos ver que a humanidade, para resolver as
questões materiais e subjetivas (ter “comida, diversão e arte”) vai construindo o seu cotidiano, e que
este já foi predominantemente coletivo, mas se modificou com a transformação da natureza. Surge a
desigualdade entre os seres humanos e essa, por sua vez, vai marcar o dia-a-dia da sociedade.

Assim, o que não podemos esquecer é que, na medida em que a humanidade vai se apropriando
da natureza, modifica o espaço que a cerca e desenvolve não só ações criativas, mas também
destrutivas – o aquecimento global – conseqüência do desmatamento, da poluição pelo dióxido de
carbono, pela poluição de rios e solos, pela retirada de minerais de maneira predatória– sem citar a
matança de animais e a destruição do seu hábitat.

E é justamente por isso que não podemos desejar somente a comida, pois junto dela deve vir a
água potável, a vestimenta adequada, a casa segura, o acesso ao conhecimento, às artes, à Filosofia.
Tudo o que foi criado pelo ser humano com a intenção de resolver os problemas para viver, e também
as soluções para os problemas como os indicados acima relacionados com as ações destrutivas. Pense
sobre as soluções que podem ser dadas para resolver estas novas questões – a destruição da
natureza, que estão diretamente ligadas às necessidades materiais e subjetivas apontadas no início e
nas indagações finais da música “Comida” referenciada no texto.

Essa busca de saídas para resolver as contradições entre produção e escassez – de alimentos,
de água, de moradia, de escolas, de segurança, de saúde, de lazer.... de acesso à “diversão e arte” –
transforma o ser humano em um ser que supera limites. Assim, uma indagação deve permanecer
quando olhamos os problemas e vemos a dor e o sofrimento de muitos: “Você tem fome de quê?”

Podemos fazer uma lista interminável de necessidades materiais e subjetivas que não foram
resolvidas, mas com certeza o item Justiça deve aparecer. Sabia que a idéia (e, portanto uma
necessidade subjetiva) de justiça é uma construção humana? Muitas vezes para resolvermos
questões materiais, nós recorremos a uma questão subjetiva, como a justiça. Então para sobreviver,
o ser humano construiu tudo que temos – transformando a natureza, construindo relações sociais e
também elaborando discussões complexas sobre as necessidades subjetivas. Leia nos versos da
música e perceba como eles formam uma unidade: “(...)bebida é água /comida é pasto / você tem
sede de quê? / você tem fome de quê? / a gente não quer só comida /a gente quer comida, diversão
e arte”(...) !!!!

(Excertos de: Picanço, Kátya. O processo de trabalho e a desigualdade social. In: PICANÇO,
K. et alli. Sociologia. Curitiba: SEED-PR, 2006.)
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TEXTO 02:
A exploração (texto de Emir Sader)

Explorar, no seu sentido mais geral, significa fazer uso de algo para um fim
determinado, como quando se explora um recurso natural para benefício próprio. Por
exemplo, quando se queima madeira para fazer fogo, se está explorando as florestas
para cozinhar ou para se proteger do frio.
Se, porém, nos valemos da ação de outra pessoa para benefício próprio, estamos
explorando essa pessoa. Se essa pessoa é fraca, desvalida, não tem formas de
resistência e de se submeter à nossa ação sobre ela, estamos fazendo algo moralmente
condenável, estamos explorando um ser humano, estamos tratando-o como coisa,
como instrumento de um fim nosso e não como pessoa. Como veremos, através da
exploração estamos não somente tirando um benefício para nós mas também
oprimindo outro ser humano, fazendo dele um objeto para nossa satisfação. Ele se
torna uma espécie de árvore que queimamos para nos aquecer ou para suprir nossa
fome.
Desde um certo momento da organização das sociedades humanas, passou a
existir a exploração de uns homens por outros. Essa exploração se deu em geral
através da utilização do trabalho alheio para obtenção de benefícios, através da
exploração do trabalho de outro ou de outros para fins próprios, para acumulação de
riquezas. A compreensão da exploração, de sua natureza, de suas formas de
existência, requer, assim, o entendimento do que seja o trabalho humano, que tem
sido a grande fonte de exploração nas relações dos homens entre si, de suas distintas
formas de existência e do que seria uma sociedade sem exploração.
Exploração e trabalho humano
O homem se distingue dos outros animais por várias coisas: pela música, pela
literatura, pela filosofia. Porém, antes de filosofar, compor ou escrever, os homens se
diferenciam dos outros animais por sua capacidade de trabalho.
O que significa dizer que os homens trabalham? Significa que os homens são os
únicos seres que produzem os seus meios de subsistência e, para fazê-lo,
transformam o meio em que vivem. Os outros animais apenas recolhem o que
encontram na natureza, sem plantar e depois colher. Assim, sua capacidade de
modificação do meio em que vivem é pequena ou até mesmo nenhuma.
Por outro lado, os homens, ao buscar os meios para comer, para se proteger da
intempérie, para se divertir, transformam o meio que os cerca. Plantam, trabalhando
a terra, alterando-a. constroem casas, pontes, veículos para deslocar-se. Assim, cada
geração encontra um mundo diferente – não necessariamente melhor, mas sempre
diferente – do que o de seus pais.
Invoca-se sempre o caso das abelhas ou das formigas, que sem dúvida,
trabalham. O trabalho delas, porém, é instintivo, repetitivo. Tanto assim, que é o
mesmo ao longo dos tempos. Praticamente nada muda no mundo dos outros animais
que não tenha sido introduzido pelo homem, da comida enlatada para o gato ao poste.
De resto, de geração a geração, apenas com as mesmas lentas transformações
biológicas do homem, a vida transcorre de forma praticamente similar para os outros
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animais, ao passo que cada geração de homens se depara com um mundo


transformado – para melhor ou para pior – e vive situações sempre diferenciadas.
O trabalho é assim o que diferencia, antes de tudo, os homens dos animais.
Sempre se pensa na abelha ou na formiga, exemplos de animais que inegavelmente
trabalham. Por isso se diz que não têm história, têm uma reiteração biologicamente
similar de geração e geração.
À diferença dos animais, os homens têm a capacidade de transformar
racionalmente o mundo que os cerca, formular um projeto e traduzi-lo em realidade
concreta, por exemplo, construindo uma ponte para cruzar um rio ou um
despenhadeiro. O homem reflete sobre as condições que vai enfrentar, formula um
projeto, materializa esse projeto numa realidade concreta e assim muda o meio em
que vive, domina as condições naturais em que se encontra e transmite às gerações
seguintes um mundo modificado pelo seu trabalho.
Por isso, ao ser aquele que transforma a natureza quando produz as condições
de sua sobrevivência, o homem é o único ser que tem história, isto é, cujas condições
de existência são transformadas por sua própria ação. O homem transforma a
natureza quando nela investe para obter as condições para sua sobrevivência e, ao
mesmo tempo, é transformado por ela ou é transformado por se próprio trabalho
através das condições naturais sobre as quais age.
O trabalho é o ato através do qual o homem despende energia para transformar
as condições que o cercam, com um fim determinado. A energia humana se traslada
para um objeto material que é criado ou transformado através de ato de trabalho.
Para que o trabalho seja possível, são necessárias a ação do homem e matérias-primas
sobre as quais atuar, que podem ser a própria terra, no caso da agricultura ou
substância como, por exemplo, ferro, madeira ou couro. Além desses elementos,
costuma haver instrumentos de trabalho, desde estiletes até máquinas complexas.
Esse ato de sobrevivência pode, ao mesmo tempo, ser um ato de emancipação,
quando dirigido conscientemente para fins determinados, elaborados pelo intelecto
e pela imaginação humanas como um ato de liberdade, de criação livre do homem. Ou
pode ser um simples ato de sobrevivência, inconsciente, um meio para obter um fim
imediato, que se reproduz de forma cotidiana, mecanicamente.
Para a grande maioria da humanidade o trabalho tem sido isso – um
instrumento de luta pela sobrevivência, um meio e não um fim. O trabalho tornou-se
meio de vida para a grande maioria e meio de acumulação de riqueza para uma
minoria. Isto é, serve como forma de exploração da grande maioria da humanidade
por aqueles que, ao possuírem capital, não necessitam trabalhar e podem viver do
trabalho alheio. O trabalho se torna então fonte de sobrevivência precária para tantos
e fonte de acumulação de riqueza para alguns.
Antes do capitalismo o trabalho já era fonte de exploração e de acumulação de
riqueza de uns à custa de outros. Enquanto a tinha um nível muito elementar de
desenvolvimento econômico, todos necessitavam trabalhar. As diferenças vinham
apenas das formas de trabalho, da divisão do trabalho. Dentro das próprias famílias
se estabeleciam diferenças de funções, em que o homem em geral se dedicava à busca
de meios de sobrevivência, enquanto à mulher cabia o cuidado dos filhos, a cozinha e
o arranjo da habitação. Era ainda uma divisão técnica do trabalho, em que cada um
buscava fazer aquilo para o que tinha melhores propensões, mas já implicava em
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privilégios, porque propiciava ao homem maior contato com o mundo, experiências


novas e menos repetitivas que o trabalho doméstico. Além disso, desenvolvia nele a
força física e uma diversidade maior de habilidades, tornando-o mais apto para
enfrentar situações novas e para o aperfeiçoamento técnico.
Quando o progresso material tornou possível que nem todos precisassem
trabalhar, começaram a surgir algumas figuras novas na sociedade humana – a dos
técnicos, a dos sacerdotes, a dos guerreiros, a dos governantes, a dos filósofos, a dos
artistas –, isto é, gente que se destacava da produção direta, seja para planificá-la, seja
para protegê-la militarmente ou para se dedicar à elaboração sobre o significado do
que os homens faziam. Introduzia-se a divisão entre trabalho material e trabalho
intelectual, divisão chamada divisão social do trabalho, porque introduz privilégios
claros, em que alguns ficam relegados à produção material, repetitiva, mecânica,
enquanto outros se dedicam à direção da sociedade, concentrando assim poder sobre
os outros.
Essas primeiras divisões em classes das sociedades humanas foram se
consolidando e se tornando cada vez mais complexas, sempre tendo a exploração do
trabalho como fundamento. Falar de divisão entre trabalho físico e trabalho
intelectual é falar de trabalho que produz riquezas e de funções que organizam e
usufruem da exploração do trabalho alheio. Os escravos na Grécia e na Roma antigas,
como os servos da gleba na Idade Média, foram expressões mais claras das formas de
subjugação e de dominação do trabalho humano por uma elite privilegiada. As
riquezas sempre foram produzidas pelo trabalho humano, mas este foi concentrado
nas camadas pobres da sociedade, sendo apropriado pelas minorias privilegiadas. A
história da humanidade até aqui tem sido a história da exploração do trabalho da
grande maioria por uma minoria.
Exploração e Alienação
Reduzido a fonte de enriquecimento alheio, o meio de sobrevivência para a
grande maioria, o trabalho humano tem sido até aqui um trabalho alienado. Alienação
tem o sentido – em geral usado no direito – de entregar a outro o que é nosso. Assim,
aliena-se um bem quando se vende a outro algo que é nosso. E no caso do trabalho,
como se dá essa alienação?
No caso do trabalho, a alienação tem vários sentidos. No primeiro deles, o
trabalhador produz algo que é apropriado pelo não-trabalhador – nas nossas
sociedades, pelo capitalista –, que não lhes retribui a riqueza produzida por seu
trabalho. É isso que propicia o enriquecimento em um pólo, minoritário, da sociedade
– justamente aquele que não trabalha, no sentido da produção de riquezas – e o
empobrecimento ou a manutenção em níveis mínimos de sobrevivência da grande
maioria – justamente aquela responsável pela produção de todas as riquezas
materiais existentes. Esta é a alienação econômica, aquela ligada diretamente à
exploração do trabalho alheio, vinculada à transferência de riqueza daqueles que a
criam para os que exploram esse trabalho através de distintas formas de capital –
terra, fábricas, minas, transporte, comércio, serviços etc.
Esse mecanismo de exploração do trabalho – de não remuneração por parte do
capitalista do valor criado pelo trabalhador é o que Marx chamou de “mais-valia”, o
valor a mais, que alimenta a acumulação de riqueza por parte do capital. Um
trabalhador, em condições médias de produção, está em condições de gerar
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incomparavelmente mais riqueza do que aquela necessária para remunerar o seu


trabalho. Existe um tanto a mais de riqueza que ele produz e que não lhe é entregue,
um excedente de mercadorias que ele gerou – por exemplo, ao transformar, durante
sua jornada de trabalho, uma certa quantidade de pedações de couro em um
determinado número de pares de sapatos – e pelo qual ele não é remunerado.
Esse excedente de riqueza, esse excedente de valor produzido pelo trabalhador
e que fica nas mãos do capitalista, o qual é denominado mais-valia, é a alavanca do
processo de reprodução do capital, aquela que produz a concentração cada vez maior
de riqueza nas mãos dos capitalistas. É ela que permite que o funcionamento da
economia redunde em concentração de riqueza no pólo capitalista e de pobreza ou de
simples sobrevivência no pólo do trabalhador, na acumulação de capital em
detrimento do produtor direto das riquezas. Esse é o processo de exploração do
trabalho alheio, que torna o trabalho humano alienado, expropriado em grande parte
das riquezas que produz por um outro – neste caso, o capitalista.
Nas sociedades anteriores ao capitalismo, essa exploração do trabalho se dava
de maneira explícita. Assim, os escravos da antiguidade ou os servos da Idade Média
eram considerados seres inferiores, que haviam nascido para cumprir tarefas
materiais. Os primeiros eram propriedade de seus donos, viviam em função das
necessidades deles, recebendo em troca apenas os elementos mínimos para
sobreviver. Os servos da gleba – como a expressão mesma afirma – pertenciam à terra
e essa, por sua vez, pertencia aos senhores feudais. Pela utilização da terra, os servos
entregavam aos senhores uma parte da sua produção ou trabalhavam na terra dos
senhores uma parte do tempo. Garantiam dessa maneira a sobrevivência dos
senhores, ficando com uma parte mínima que lhes garantia as condições suficientes
para sua sobrevivência.
No capitalismo, oficialmente, as pessoas são iguais diante da lei, não se tornando
possíveis formas abertas de escravidão ou de servidão, mesmo se o tráfico de
escravos e a exploração do trabalho escravo tenham sido parte integrante da
acumulação de riquezas por parte de todas as potências capitalistas, como
conhecemos no caso ao longo de quase quatro séculos.
Como é possível então a exploração da mão-de-obra em condições de igualdade
jurídica? O trabalho humano é uma mercadoria como qualquer outra, comprada e
vendida no mercado. Seu valor é definido pelo salário com o qual o trabalhador é
remunerado. Assim, parece que existe uma troca igual: trabalho entregue ao
capitalista contra salário. No entanto, como vimos anteriormente, o trabalhador só é
remunerado por uma parte do que ele entrega ao capitalista. Dessa forma, a troca na
realidade não representa valores iguais. O salário esconde os mecanismos de
exploração da força de trabalho.
Um aumento de salário diminui as proporções da exploração, isto é, da
quantidade de riqueza produzida pelo trabalhador e não remunerada pelo capitalista
ou, como chamamos, de mais-valia. Ao amentar os preços das mercadorias que os
trabalhadores comprarão, os capitalistas transferem os maiores gastos com força de
trabalho e recuperam as taxas de exploração, ao fazer os trabalhadores retornarem
parte ou a totalidade da maior remuneração obtida, ao gastar uma parte maior de
seus salários para comprar o indispensável para sua sobrevivência.
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Num segundo sentido, o trabalho humano é alienado – aquele em que o


trabalhador não decide o que vai produzir. Imperam nas unidades de produção as
decisões do proprietário dos meios de produção – do dono da fábrica, dos técnicos,
em suma, não dos responsáveis pela criação da riqueza, mas dos proprietários ou
gestores dos instrumentos de produção. Tendo que vender sua força de trabalho para
sobreviver, os trabalhadores se submetem às decisões dos que compram sua
capacidade de trabalho.
Os trabalhadores não são donos de sua força de trabalho. Eles não decidem o
que produzem, a que preço produzem, para quem produzem. Ao não possuir capital
para produzir por conta própria, alienam sua força de trabalho também neste sentido.
Porém, ao valer-se de seu trabalho apenas para sobreviver, fazendo de seu
poder de produção um meio de vida e não um instrumento para a transformação
consciente do meio que o cerca, o trabalhador não tem consciência sequer de que ele
é o produtor de riquezas da sociedade capitalista. A especialização da produção faz
com que o trabalhador realize operações cada vez menores, sem sequer se dar conta
do tipo de mercadoria que está produzindo. Atualmente há fábricas inteiras que se
especializam em produzir apenas algumas peças de computadores, as menos
sofisticadas tecnologicamente em países mais atrasados, com salários mais baixos,
enquanto as partes mais complexas são produzidas em fábricas situadas em países
capitalistas mais avançados, que requerem mão-de-obra mais especializada e mais
bem remunerada.
Um trabalhador faz parte do processo de produção de um televisor, sem se dar
conta disso. Sai à rua depois do trabalho, passa por uma loja que vendo os televisores
que ele contribuiu para produzir, mas não tem consciência desse vínculo. É como se
o trabalhador não tivesse nada a ver com o produto do seu trabalho. Seu trabalho é
alienado, desvinculado do que ele produz. Neste terceiro sentido também se pode
falar de trabalho alienado.
Dessa maneira, a exploração do trabalhador é possível pela existência da
alienação, que impede sua consciência sobre o processo de trabalho, através do qual
o trabalhador não é remunerado por uma parte substancial do valor que produz.
Exploração e capitalismo
De que forma se pode vincular exploração e capital, exploração e capitalismo?
O trabalho humano foi transformado pelo capitalismo numa mercadoria. Na
forma de produção das mercadorias está contido o mecanismo de exploração.
Mercadoria é tudo o que é produzido para o mercado, isto é, não para o consumo
individual, mas para a venda, para o consumo alheio. Se alguém produz algo para seu
uso ou para dar de presente a alguém, esse algo é um produto, mas não uma
mercadoria. Mas se ele trocar esse objeto por dinheiro ou por outro produto qualquer,
esse objeto passa a ser uma mercadoria. A mercadoria é portanto algo produzido para
o uso de outra pessoa, que a obtém mediante a troca por dinheiro ou por outra
mercadoria que, por sua vez, atende à sua necessidade.
Toda mercadoria tem assim duas funções: uma de uso e outra de troca. Em
outras palavras, tem valor em dois sentidos – valor de uso e valor de troca. É valor de
uso tudo o que satisfaz alguma necessidade humana – necessidade material ou
espiritual, do corpo ou da mente. O valor de uso sempre existiu nos produtos do
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trabalho humano, seja para satisfazer necessidades de alimentação, de vestimenta ou


de habitação, ou para atender a necessidades simbólicas.
Já o valor de troca, nem sempre existiu. Quando viviam em sociedades de baixo
desenvolvimento econômico, os homens consumiam tudo o que produziam, sobrando
pouco ou nada para trocar. Eram sociedades cujas economias viviam em função da
sobrevivência, em que a produção não tinha como objetivo a troca ou a venda, e sim
o consumo.
Quando a especialização tornou possível uma produção superior ao consumo,
gerando um excedente em relação às necessidades da sociedade, a troca tornou-se
um objetivo cada vez mais importante para a produção. Os homens passaram a
produzir tendo em vista crescentemente a venda, fazendo dos objetos de seu trabalho
mercadorias, coisas produzidas para o consumo alheio, além daquela parte da
produção destinada a satisfazer suas próprias necessidades.
No capitalismo tudo passou a ser mercadoria. Com exceção daquilo a que temos
acesso gratuitamente – o ar, a água das fontes naturais, as praias –, tudo o resto tem
preço, é uma mercadoria. Mercadoria é algo que tem os dois tipos de valor – o valor
de uso e o valor de troca. O valor de uso de uma mercadoria é a utilidade que ela tem.
No caso dos alimentos, sua utilidade vem de sua propriedade de matar nossa fome,
assim como a utilidade de um instrumento de trabalho reside na sua capacidade de
facilitar nossa atividade, multiplicar nosso potencial de produção ou economizar
tempo de trabalho. O valor de troca é dado não diretamente pela utilidade de um
objeto, mas pelas horas de trabalho necessárias para a sua produção.
Um objeto precisa ter os dois tipos de valor para ser uma mercadoria. É pela sua
utilidade que eu me interesso em adquiri-la, mas o valor que devo pagar por ela está
dado pelas suas condições de produção, pelo tempo necessário para produzi-la. Se um
objeto não tem utilidade, eu preciso tratar de criá-la, mediante campanhas de
publicidade, para que pessoas se interessem em comprá-la. É o caso de mercadorias
que ficam na “moda”, conforme a eficácia de campanhas publicitárias. A utilidade – o
valor de usos – é assim o suporte do valor de troca, a condição do valor de troca, mas
este termina sendo, no capitalismo, aquele que representa diretamente o valor que as
mercadorias possuem.
Se, no entanto, um produtor vai vender suas mercadorias para, com o dinheiro
obtido, comprar outras, que satisfaçam suas necessidades, que critério permite que
se vendam e se comprem essas mercadorias? Em outras palavras, quanto vale uma
enxada ou um quilo de tomate? O que faz com que, por exemplo, seja possível vendê-
los e comprá-los pela mesma quantidade de dinheiro?
A utilidade de um objeto não é o que define seu valor. Objetos de enorme
utilidade como o feijão ou remédios podem custar relativamente muito barato ou
muito caro, enquanto outros, como adornos pessoais ou objetos de consumo
sofisticado, podem ter um preço muito alto. Se o ouro tem um valor alto, é porque o
custo de sua extração, o tempo de trabalho necessário para sua produção como
mercadoria, é elevado.
A questão é saber o que contêm em comum dois objetos tão diferentes – em sua
matéria-prima, na técnica de sua produção, nas necessidades que atende – para que
seja possível estabelecer um critério para sua troca?
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Deixadas de lado essas diferenças, constatamos que o único elemento comum


entre duas mercadorias tão distintas é o fato de que foram produzidas pelo trabalho
humano. Mesmo assim, não pelo trabalho específico, do artesão que produz a enxada
e do camponês que produz tomates, mas pelo que eles têm em comum, isto é, o gasto
de energia humana para transformar a natureza e produzir mercadorias novas.
Se duas mercadorias diferentes são trocadas ou vendidas e, com esse dinheiro,
compradas outras mercadorias pelo valor, significa que elas contêm a mesma
quantidade de trabalho humano. Em outras palavras, se quisermos medi-las em
termos de tempo, podemos dizer que elas foram produzidas no mesmo tempo de
trabalho. Este cálculo é feito não por quem demora mais ou por quem demora menos,
mas pela média do tempo necessário para produzir uma mercadoria, que determina
seu valor, isto é, a referência pela qual se decide os termos de sua venda e compra.
A própria força de trabalho é uma mercadoria no capitalismo. Como se
determina então seu valor?
Se, como vimos, o valor de uma mercadoria é determinado pelo tempo de
trabalho necessário para sua produção, como se determina esse tempo no caso da
mercadoria força de trabalho? Quanto tempo de trabalho é necessário para produzir
a força de trabalho? A resposta não é simples, porque a mercadoria força de trabalho
não é produzida diretamente na fábrica, como as outras mercadorias. Ela não existe
fora do corpo vivo do trabalhador. Quanto tempo de trabalho então é necessário para
produzir os músculos e o cérebro do trabalhador, já que são essas propriedades que
fazem com que a força de trabalho seja útil para o capital que deseja comprá-la?
Para que se produza e reproduza sua força de trabalho é necessário, antes de
tudo, que os trabalhadores estejam vivos e continue vivos, isto é, que se alimentem,
durmam, se agasalhem, cuidem de sua saúde e se reproduzam. Sem isto não poderiam
retornar no dia seguinte à fábrica, à fazenda ou a qualquer outro lugar onde vendem
sua força de trabalho. Enquanto cresce, estuda e trabalha, o homem consome certa
quantidade de mercadorias, que pode ser medida em tempo de trabalho. Ao medir
este valor necessário para produzir e reproduzir a força de trabalho, estaremos
medindo o seu valor como mercadoria.
Casa, comida, roupa, saúde, educação, lazer – esses custos básicos são o que se
costuma denominar “mínimo indispensável para a subsistência”, que deveria ser
coberto pelo salário mínimo. Portanto, o valor da força de trabalho é igual ao valor
dos meios de subsistência, principalmente gêneros de primeira necessidade,
indispensáveis à reprodução dos trabalhadores.
Embora seja uma mercadoria, a força de trabalho é uma mercadoria especial,
porque ela é a única mercadoria que produz mais valor. Toda mercadoria contém
valor, que é o tempo de trabalho consumido para produzi-la. Mas, a força de trabalho,
além de conter valor, gera um valor a mais, tanto para sua própria remuneração,
quanto a mais-valia, que fica com o capitalista.
Como produz valor, a força de trabalho é remunerada conforme sua capacidade
de produzir valor. Assim, uma força de trabalho qualificada vale mais, na medida em
que sua produção requereu mais anos de estudo, do que uma não qualificada. Assim,
seu salário mais alto reflete o maior tempo necessário para a sua produção como força
de trabalho especializada.
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Como nas sociedades capitalistas, em geral, existe uma oferta de mão-de-obra


maior do que os empregos existentes, os trabalhadores terminam trabalhando por
salário abaixo do mínimo necessário. Este, calculado pelos institutos de pesquisa, no
caso do Brasil, deveria ser cerca de cinco vezes maior do que o salário mínimo vigente,
para poder atender as necessidades mínimas do trabalhador e da sua família. O
salário mínimo, neste caso, está abaixo do valor do necessário para a sobrevivência
do trabalhador. Além da exploração escondida pelo salário – a mais-valia –, existe
então um outro montante ainda em que o trabalhador é explorado nestas condições,
o que faz com que se fale de uma superexploração do trabalho.
Uma sociedade sem exploração
A sociedade capitalista repousa sobre a exploração do trabalho. É a mais-valia,
o valor criado pelo trabalhador e não remunerado, que alimenta a acumulação de
capital.
Mas o que poderia ser uma sociedade sem exploração?
Uma sociedade sem exploração é, antes de tudo, uma sociedade do trabalho,
uma sociedade em que todos tenham garantido o direito ao trabalho, vivam do seu
trabalho. Isto significa que, de alguma forma, todos se tornem trabalhadores e
ninguém viva da exploração do trabalho alheio.
Uma sociedade desse tipo elimina a exploração, fazendo com que ninguém possa
viver do trabalho dos outros. Significa que ninguém disponha do privilégio de possuir
capital, negado à grande maioria. Assim, as máquinas, instalações, matérias-primas –
isto é, os meios de produção – não poderiam ser propriedade privada, mas
propriedade democrática do conjunto da sociedade.
Uma sociedade desse tipo se choca frontalmente com o capitalismo, que se apóia
estruturalmente na propriedade privada dos meios de produção, o que significa a
separação entre capital e trabalho. Esta separação implica em que a minoria tenha
acesso a capital – sob qualquer forma de dinheiro ou de empresas, industriais,
agrárias, comerciais ou de outro tipo – e a grande maioria, dispondo apenas de seus
braços para sobreviver, seja obrigada a submeter-se à exploração do capital.
Esse tipo de sociedade tem o nome de socialismo, baseando-se na socialização
dos meios de produção, na decisão coletiva, tomada democraticamente, a respeito do
que produzir, quanto produzir, por que preço produzir, para quem produzir. Numa
sociedade desse tipo elimina-se não apenas a exploração, como a alienação, fazendo-
se do trabalho humano não um instrumento de sobrevivência, mas de liberdade e de
emancipação.

[Emir Sader é professor de Sociologia da USP e da UERJ. Escreveu, entre outros, os livros Estado e
política em Marx, A transição no Brasil, Que Brasil é este?,] Referência: SADER, Emir. A exploração. In:
SADER, Emir (Org.) Sete pecados do capital. Rio de Janeiro: Record, 2000.

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