Você está na página 1de 8

ETIENNE SAMAIN

ORGANIZADOR

O fotográfico

EDITORA HUCITEC
CNPq
São Paulo, 1998
Fotografia e memória:
reconstituição por meio da fotografia*
BorisKossoy••

Resumo Abstract Résumé


de a velha questso Rather than gouvginto the classical Au lieu d'insister sur la vieille
comoa se question on how phote,sraphy questionde savoir commentla
a este arttgo interrelatesWithreality.this article entre en avec la
outro caminho: pensar as ditervntese takes an alternativeroute and réalité.cet article suggère un autre
que a on the ditfervntand parcours vx•nser  les différvntes ct
fotos•ratta  comporta. Ao passar de cono•mitant  reatitics that CX'ncomitantesréalités qu'elle
teatidade a outra. restam photography envelops In going from recouvre.En d'une réalité de
algumas lacunas a one reality to another wittiin the la photographie une autre.
do htstonador que trabalha matms of photography. a numtx•r   of subsistent quelques lacunes. Les
com imagens. mas om gaps arv The filttng in Ñmbler est la tache de l'historien qui
et" mevitavclmentese ot these gaps is not only a task dealt travaille av•vx-­  
des images. mais
With by an historian Who works With repr«cnte aussi un processus 00.
imaginario Ou a fotografia images. but also reprvscnts a inévitablement.s'établissentdes
uma nca tonte de para a which inevitably establishes a relationsavec I'tmagtn.mr•  Ou si l'on
do passado. tanto rvlattonshipWiththe imaginary ln veut. la photographte est une source
quanto materia para 0NistruçSo Otherwords. photography ts a rich riche d 'informatteuxsquand il s'agit
source Otinformationwhen one de reconstituer te pasé. mats encore
na interprvtaçao da attetnpts to the post. as une matière qui partictpe de la
totogtattca. as a usefulmatenatin ttw de fictions I.Xms
crvattonof thcse l'Interprétation d'une image
elements c«mst in tlw• photographique. deux facettes
of photographie mages.

•  Stntesede realitada pelo autot no MuscoNaoonal de Bellas Artes


de Aires, de e publtcada em Fotontundo.
Aires
e
hestonado.r autorde entre
tSXVa Paulo. 19SO; e
list•ru.   Paulo Aticx
imagem fotográfica tem múltiplas faces e realidades. A primeira é a
mais
evidente, visível. É exatamente o que está ali, imóvel no documento (ou
na
imagem petrificada do espelho), na aparência do referente, isto é, sua rea.
lidadcexterior,o testemunho, o conteúdo da imagem fotográfica (passível
de identificação), a segunda realidade,enfim.
As demais faces são as que 1150podemos ver, permanecem ocultas, invisí.
veis, não se explicitam, mas que podemos intuir; é o outro lado do espelho
e do documento; não mais a aparência imóvel ou a existência constatada
mas também, e sobretudo, a vida das situaçOese dos homens retratados,
desaparecidos, a história do tema e da génese da imagem no espaçoe no
tempo, a realidade interior da imagem: a primeira realidade.
Quando apreciamos determinadas fotografias nos vemos, quase sem per-
ceber, mergulhando no seu conteúdo e imaginando a trama dos fatose as
circunstâncias que envolveram o assunto ou a própria representação(o
documento fotográfico) no contexto em que foi produzido: trata-se de um
exercício mental de reconstitutçâo quase que intuitivo.
Fotografia é Memória e com ela se confunde. O estatuto de recorteespa-
cial-interrupçäo temporal da fotografia se vê rompido na mente do recep-
tor em função da visibilidade e "verismo" dos conteúdos fotográficos.A
reconstituição histórica de um tema dado, assim como a observaçãodo
indivíduo rememorando, através dos álbuns, suas próprias históriasde
vida, constitui-se num fascinante exercício intelectual pelo qual podemos
detectar em que medida a realidade anda próxima da ficção.
Veremosque a reconstituição—  quer seja ela dirigida à investigaçãohis-
tórica ou à mera recordação pessoal —  sempre implicará um processo de
criaçãodc realidades,posto que elaborada por meio das imagens mentalS
dos próprios receptores envolvidos.

Memória histórica: recuperação da cena passada


Todos sabemos que Imagens fotográficas de outras épocas, na medida em
que, identificadas e analisadas objetiva e sistematicamente com baseem
metodologias adequadas, se constituirão em fontes insubstituíveis paraa
reconstituição histórjca dos cenários, das memórias de vida (individuaise
coletivas), de fatos do passado centenário, assim como do mais recente.
A reconstituição por meio da fotografia não se esgota na competente análi-
se iconográfica. Esta é apenas a tarefa primeira do historiador que se utiliza
das fontes plásticas. A reconstituição de um tema determinado do passa-
do, por meio da fotografia ou de um conjunto de fotografias, requer uma
42
fotografia e memória: reconstituiçaopor meio da fotografia 43

sucessão de construções imaginárias. O contexto particular que resultou


na materialização da fotografia, a história do momento daqueles persona-
gens que vemos representados, o pensamento embutido em cada um dos
fragmentos fotográficos, enfim, a vida do modelo referente —sua   realida-
de tntertor —  é, todavia, invisível ao sistema óptico da câmara. Não deixa
marcas na chapa fotossensível, não pode ser revelada pela química foto-
gráfica,nem tampouco digitalizada pelo scanner.Apenas imaginada.
E necessário admitirmos que a imagem fotográfica pode prestar-se a
utilizações interesseiras —  o que não é nenhuma novidade —  justamen-
te em função de sua pretensa credibilidade como registro visual "neu-
tro" dos fatos. Sempre houve um condicionamentoquanto à "certeza
de a fotografia ser uma prova irrefutável de verdade.
Existeum consenso generalizado acerca do mito de que a fotografia é
uma espécie de "sinónimo" da realidade. O rastro indicial gravado na
foto possibilita, certamente, a objetiva constatação da existência do assun-
to: o "isto aconteceu", uma vez que a "foto leva sempre seu referente
consigo", como assinalou Barthes. Aqui, entretanto, nos situamos ainda
no ponto de partida.
Sñoconstantes os equívocos conceituais que se comete na medida em que
não se percebe que a fotografia é uma representaçãoelaboradacultural/
estética/tecnicamente,e que o índice e o ícone, Inerentes ao registro fotográ-
fico—  embora diretamente ligados ao referente no contexto da realidade
—  não podem ser compreendidos isoladamente, ou seja, desvinculados
do processo de construção da representação.
Esta incursão hermenêutica, multidisciplinar, passa justamente pela
desmontagem" do processode construçãoque teve o fotógrafo ao elaborar
uma foto, pelo eventual uso ou aplicação que esta imagem teve por ter-
ceiros e, finalmente, pelas "leituras" que dela fazem os receptores ao lon-
go do tempo. Nessas várias etapas da trajetória da imagem, ela foi objeto
de uma sucessão de construções mentais interpretativas por parte dos
receptores, os quais lhe atribuíram determinados significados, conforme
a ideologia de cada momento.
Será somente através da sensibilidade, do constante esforço de compre-
ensâo dos documentos e do conhecimento multidisciplinar do momento
histórico fragmentariamente retratado que poderemos ultrapassar o pla-
no Iconográfico:o outro lado da imagem, além do registro fotográfico.
Poderemos quiçá decifrar olhares e gestos, compreender o entorno, deci-
frar o ausente. Na tentativa de "descongelarmos"o documento podere-
mos, talvez, devolver aos cenários e personagens sua anima, atnda que
seja por um instante. Poderemos, por fim, intuir sobre seus significados
ocultos.O imaterial, que afinal é o que dá sentido à vida que se busca
resgatar e compreender, pertence ao domínio da imaginação e dos sen-
hmentos. É a nossa imaginação e conhecimento operando na tarefa de
reconstituição daquilo que foi. Situamo-nos, finalmente, além do registro,
além do documental, no nível iconológico:o iconográficocarregado de
sentido. É este o ponto de chegada.
A mais importante e decisiva contribuição reside justamente na interpre-
taçño,numa exegese peculiar, numa iconologia complexa que as imagens
requerem. É este um desafio intelectual que exige um mergulho no co-
tioris

nhecimento——   da realidade própria do tema registrado na


imagem, assim
como em relaçåo realidade que lhe circunscreveu no tempo
e no espaço,
na tentativo de equacionarmos inúmeros elos perdidos da
cadeia de fatos.
Será no oculto da imagem fotográfica, nos otos e circunstâncias
na própria forma como foi empregada que, talvez, poderemos sua volta
a senha para decifrar seu significado. Resgatando encontrar
o ausente da imagem
precndemos o sentido aparente, sua face visível. com.

Quem trabalha com a reconstituiçåo histórica por meio da fotografia


buscar recuperar os mecanismos internos que regeram a produçao deve
das ima.
gcns que såo objeto de seu estudo. De outra parte, ele, historiador,
como
sujeito da interpretaçao, nio escapa aos mecanismos internos que
regem a
recepç/lodas imagens, posto que é, também, um receptor. Em funçao
disso,
sua interpretaçåo é elaborada em conformidade com seu repertório cultu-
ral, seus conhecimentos, suas concepçöes ideológicas/cstéticas, suas con-
vicçöes morais, éticas, religiosas, seus interesses pessoais, profissionais,
seus preconceitos, seus mitos. Nâo existem, por princípio, interpretaçöes
neutras".
Centraremos a análise, agora, no homem como receptor/ intérprete das
imagens que documentam sua própria história, bem como no papel da
fotografia como objeto simbólico da memória pessoal dos personagetvs
anónimos da história.

Memória fotográfica: rememoração


por meio de imagens-relicário
O conceito de fotografia e sua imediata associação à idéia de realidade
tornaram-se tio fortemente arraigados que, no senso comum, existeum
condicionamento implícito de ser a fotografia um substituto imaginário do
real. Um substituto portátil que pode ser transportado através do espaçoe
do tempo. Tal condicionamento é ainda mais reforçado na medida em que
nós mesmos somos personagens da experiência fotográfica, porque todos
nós guardamos fotos de nossas experiências de vida: imagens-relicárioque
preservam cristalizadas nossas memórias.
A fotografia funciona em nossas mentes como uma espécie de passado
preservado, lembrança imutável de um certo momento e situação, de uma
certa luz, de um determinado tema, absolutamente congeladocontraa
marcha do tempo.
Certas imagens carregam cm si forte conteúdo simbólico, como algumas
de nossas próprias fotos pessoais ou familiares. Quando nos vemos atra-
vés dos velhos retratos nos álbuns temos a constataçao concreta de que o
tempo passou; a fotografia é este espelho diabólico que nos acena do passado.
Toda fotografia que apreciamos se refetv ao passado. Mesmo as que tira•
mos, ou as que tiraram de nós, no último fim de semana, Quando falo em
passado, quero dizer que o momento vivido é irreversível e que as situa-
çöes, sensações e emoçöes que vivemos estao registradas no nosso íntimo
se
sob a forma de impressöes. Essas impressöes, com o passar do tempo
tornam etéreas, nubladas, longínquas. Se tornam fugidias com o enfra-
desa-
quecimcnto de nossa memória; desaparecem, por fim, com o nosso
parecimento físico.
e por meso 45

A fotografia, obviamente, nao guarda essas


impressOes —  elas se situam
no nivel do invisível, além da imagem. Ssio
emoçOes que n.io podem ser
gravadas materialmente: residem em nosso ser e
só a nós pertencem. Sio
emoçöes que nio apenas sentimos, mas que
também imaginamos, sonha-
mos e, portanto, vemos. Imagens que revelamos
a poucas pessoas ou a
ninguém; imagens comprometedoras. Imagens que a fotografia
nåo reve-
lará Jamais.
Mas o que a fotografia revela? Apenas o mundo físico,
visível na sua ex-
teriondade. Apenas a aparência, o aparente das coisas. da natureza. das
pessoas. E ainda mais, apenas o determinado detalhe da vida que se
pretendeu mostrar.
Os homens colecionam esses inúmeros pedaços congelados do passado
em forma de imagens para que possam recordar, a qualquer momento.
trechos de suas traletórias ao longo da vida. Apreciando essas imagens,
"descongelam" momentaneamente seus conteúdos e contam a si mesmos
e aos mais próximos suas histórias de vida. Acrescentando. omitindo ou
alterando fatos e circunstâncias que advêm de cada foto, o retratado ou
retratista têm sempre, na imagem única ou no conjunto das imagens
colecionadas. o "start" da lembrança, da recordaçao.ponto de partida,
enfim, da narrativa dos fatos e emoçöes.
O aparente da vida registrado na imagem fotográfica,pode assim. de
quando em quando, deixar de ser unicamente a referência e reassumir a
sua condiçaoanterior de existência.O principto de uma viagem no tempo em
que a história particular de cada um é restaurada e revivida na solid50 da
mente e dos sentimentos. Sio em geral viagens de curta durassio e de
marcada emoção; muitas vezes, nos flagramos nessas viagens imaginá-
nas. A representaçäo fotográfica. em meio a uma série de outros obietos
simbólicos, que para os outros podem nio ter nenhum significado, consti-
tui-se. pois, no ponto de partida. Nossas mentes se incumbem do restan-
te dessas viagens para dentro de nós mesmos.
lá para outros receptores a representaç,io fotográfica pode ultrapassar
ainda majs esse caráter simbólico, aiettvo, que mantemos em relaçäo a
determinadas imagens. Quero referir-me aos que sentem o assunto re-
gtstrado na foto como, de súbito, incorporadoà sua própria imagem. Es-
tariamos diante de uma dimensao desconhecida finalmente alcançada.
Uma espécie de alucinaçâo na qual a foto adquire vida: a representaçào,
agora, se vê substituida pela ilusao de presença.

Memória da fotografia: trajetória e morte do documento


As fotografias, em geral. sobrevivem após o desaparecimento físico do
referente que as originou: sao os elos documentais e afetivos que perpe-
tuam a memória. A cena gravada na imagem nao se repetirá jamais. O
momento vivido, congelado pelo registro fotográfico, é irreversível. Os
personagens retratados e morrem, os cenários se modificam,
se transfiguram e também desaparecem. O mesmo ocorre com os auto-
res-fotógrafos e seus equipamentos. De todo o processo, somente a foto-
grafia sobrevive... Os assuntos nela registrados atravessaram os tempœs  e
sio hoje vistos por olhos estranhos, em lugares desconhecidos: natureza,
46
Bons Kosso

objetos, sombras, raios de luz, expressöes humanas, por vezes


centenárias, que se mantiveram crianças.
crianças
h0)e mais que
Desaparecida esta segunda realidade—  sela por ato voluntário ou
involun-
tório —  aquelas personagens morrem pela segunda vez. O visível
fotográ-
fico ali registrado desmaterializa-se. O ciclo da lembrança e da recordação
é interrompido. Extingue-se o documento e a memória.

Processos de construção de realidades


O processo de construção do signo fotografico implica necessariamentea
criação documentalde uma realidade concreta. Trata-se, entretanto, da rea-
lidade da representação que, não raro, conflita com a realidade material,
obyetiva,passada. Do ponto de vista do receptor, há um confronto entreo
documento presente (originado no passado) com o próprio passado ina-
tingível fisicamente,apenas mentalmente, subjehvamente.
É o confronto entre a realidade que se vê: a segunda realidade(a que se
inscreve no documento, a representação)—  através de nossos filtroscul-
turals, estético/ ideológicos —e   a realidade que se imagina: a primeira
realidade(a do fato passado),recuperado apenas fragmentariamente por
referênctas (plena de hiatos) ou pelas lembranças pessoats (emocionais).
Há, pois, uma tensãoperpétuaque se estabelece no espírito do receptor
em função de suas imagensmentais.
A realidade passada fixa, imutável,irreversível;refere-se à realidadedo
assunto no seu contexto espacial e temporal, assim como à da produção da
representação. E este o contexto da vida: primeira realidade.A fotografia,
isto é, o registro criativo daquele assunto, corresponde à segunda realidade,a
do documento. A realidade nele registrada tambéméfixa e imutável,porém
su)eita a múltiplas interpretaçöes.
Em ambas as etapas, seja na elaboração da imagem, quando do momento
de sua concepçâo/construçäo/matertalizaçáo pelo fotógrafo diante de seu
tema, seja durante a trajetóriadessa mesma imagem ao longo do tempoe
do espaço, quando apreciada, interpretada e sentida pelos diferentesre-
ceptores, não importando qual sela o ob)eto da representação ou qual
seja o vínculo que possa eventualmente existir entre o receptor e essa
representação —  haverá sempre um complexo e fascinante processodecria-
ção/const ruçao de realidades.
Aí reside, possivelmente, o ponto nodal da expressão fotográfica.Sena
esta, enfim, a realidadedafotografia, uma realidade moldável em sua produ-
çäo, fluída em sua recepção, plena de verdades explícitas (análogas,sua
realidadeexterior)c de segredos implícitos (sua história particular, sua
expres-
dade intertor), documental,porém tmagtnária. Tratamos, pois, de uma
são peculiar que, por possibilitar inúmeras representaçöes/interpretaçÖCS'
cons-
realimenta o Imaginárionum processo sucessivo e Interminável de
truçâo e criação de novas realidades.

Realidade e ficção na trama fotográfica


a
Das múltlplas faces da imagem fotográfica apenas uma é explícita'
da
Iconográfica,numesc de uma pretensa realidade, ou a realidade
e por 47

gem como tal, isto é, sua 'validadeexterior. o 'Oferente e a represen•


taçao existe um labirinto cujo mapa se perdeu no passado: desapareceu
com o próprio desaparecimento físicodo iotógrofo,o criador repre•
sen taçao.
A fantasia mental desloco o tval em conformidade com visio de
do do autor da representaçao e do observador que o interpreto segundo
seu repertório cultural particulati O que é mal paro uns é poro ficçöo
para outrcvs.A ficçåo pode entao substituir o mal, tenotoo documento
fotográfico como prova "convincente", como constataçao definitivo de
legitimaçao de todo um ideário: a mensagem simbólica,emblemótico
de um real a ser alcançado, cobiçado ou destruído, As imagenstécnicas
tornam as mentais reais.
As fantasias da imaginaçao individual e CIOimaginário coletivo adqui-
rem contornos nítidos e formas concretas por meio do chamado teste•
munho fotográfico. Se, por um lado, o signo é produto de uma constru-
çöo/invençao, por outro, a interpretaçåo, nio raro, desliza entre a rea•
lidade e a ficçöo. Tratam-se,como já vimos, de processos'l/' construo/)
de realidades,processos esses que, desde sempre, existiram, Naioé difícil
imaginarmos em que medida tais processos se tevelarao no futuro.
É justamente em virtude da credibilidade que se atribui ao documento
fotográfico —  como espelho fiel dos fatos da história cotidiana —que,  um
dia, quem sabe, poder-se-á dar margem criaçaode um passado que
jamais existiu. Um passado sem referentes reais, fisicamente concretos.
Um passado, portanto, sem uma primetra realidade:a da vida; um tempo
e um espaço concebido com base em referentesfotográficosimaginários,
bidimensionais ou eletrônicos, porém iconograficamente possíveis. Por
fotográfico
que n,io? Uma história construída com base no documento
É a vin•
ficcional, porém na escala real; representaçöes de representaçOes,
é a realidade
gança da representaçño contra o referente que a originou: sintética,
gerada em laboratórios de computaçao gráfica. Uma realidade
que visível fotografi-
sem substância, porém tornada verdadeira, posto
camen te.
realidade, ponto de parti-
E o documento por fim alçado à condiçöo de
rosto, de uma realidade que
da para o conhecimento de um mundo sem dos documentos fotográ-
jamais ocorreu. Refiro-me à multifragmentaçöo infinitas possibilidades
originar
ficos dos séculos XIXe XX,que poder,io situaçöes ambientadas que ja-
e
de montagens de cenários, personagens condiçöes de manipulaçåo de
mais existiram, em funçao das ilimitadas
digital. Falamos de um mundo futuro
imagens oferecidas pela tecnologia Falamos dc um futuro sem pas-
replicantes e imagens digitais.
de clones, passado de informações artificiais,
sado histórico, ou melhor, com um cm discos ópticos, em bancos dc
sintéticas, construídas c armazenadas pesquisadores desse mo-
acessíveis aos
imagens e dados plenamente
mento futuro.
controlado pelo império da informa-
Falamos finalmente de um porvir DCrealidades virtuais c memórias
contidas.
00 dirigida e das emoçöcs
Implantadas. infinitas ima-
como a ficçöo tem múltiplas facetas e
A realidade assim
gens.

Você também pode gostar