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Considerações sobre patologias e restauração de

edifícios

Este artigo trata dos principais conceitos utilizados em patologia das edificações.
Estabelece diferenças de enfoque quanto aos tratamentos e procedimentos empregados
quando se trata de prédios convencionais ou de edifícios de valor histórico, cultural e/ou
arquitetônico.

Em relação aos últimos, tratando-se de um projeto de intervenção, o artigo apresenta


alguns princípios básicos que devem ser seguidos na recuperação, conservação e
restauro.

Finalmente, relata um exemplo que mostra desde a identificação de uma manifestação


patológica, sua origem, causa, até o diagnóstico.
Espera-se que o artigo possa servir de guia para um aprofundamento maior das questões
que envolvam os problemas de envelhecimento natural e degradação prematura dos
edifícios.

As manifestações patológicas e os possíveis níveis de intervenção


Os edifícios convencionais - e também os de valor arquitetônico ou histórico - costumam
apresentar alguma manifestação patológica. Considera-se patologia, diferentemente de
envelhecimento natural, qualquer fenômeno que, ocorrendo fora de um período
previsível, afete o desempenho do prédio, seja ele físico, econômico ou estético.

A perda parcial ou total desse desempenho pode ter origem no projeto, na execução, nos
materiais empregados ou no uso (tanto em termos de operação do edifício como de
manutenção).

Em prédios não convencionais, normalmente, a origem das manifestações patológicas


deve-se à operação e/ou manutenção (uso). É necessário, nesse caso, considerar a ação
de agentes de degradação, sejam eles físicos, químicos ou biológicos (que atuam
normalmente no edifício no decorrer do tempo) e aqueles que, de modo anormal,
resultem em alterações patogênicas.

As manifestações patológicas mais significativas podem ser classificadas, para fins de


identificação, em três grandes grupos: 1) umidade; 2) fissuras, trincas e rachaduras; 3)
descolamento de revestimentos.

Particularmente no caso de manifestações patológicas de umidade, a identificação deve


especificar os fenômenos causados pela presença da água, de acordo com o material onde
ela ocorre, com a orientação solar, com as condições de ventilação e procedência da água.
Por exemplo:
n Umidade em madeira: apodrecimento;
n Umidade em metais: alteração química do material (corrosão);
n Umidade em tintas: descoloração, empolamento, descolamento, entre outros;
n Umidade em alvenarias: eflorescências, geração de fungos (bolor), algas, musgos etc.

Nos casos de fissuras, trincas e rachaduras, é fundamental caracterizar sua natureza, ou


seja, determinar se elas são ativas (vivas), ou inativas (mortas), mais precisamente, se a
abertura delas varia ou permanece constante ao longo do tempo.

No descolamento de revestimento, por sua vez, é importante identificar o tipo de


revestimento (tintas, azulejos, revestimento de argamassas, papel de parede etc.), as
camadas atingidas (chapisco, emboço, reboco e, se for o caso, argamassa de
assentamento) e as condições do material de aderência, se esse permanece aderido ao
tardoz do componente descolado ou no substrato do elemento construtivo onde o
componente foi aplicado como revestimento.

Figura 1 - Planta baixa do Centro Acadêmico da Faculdade de Arquitetura de Pelotas

Os tipos de patologia, apresentados anteriormente de forma isolada, podem, no entanto,


se manifestar concomitantemente e, muitas vezes, uma facilitando o surgimento da
outra. Esse fato faz lembrar o caráter evolutivo das patologias.

A patologia, na verdade, é um sintoma ou a parte perceptível dos fenômenos que se


manifestam nos componentes construtivos ou nos materiais que os constituem.

Os fenômenos, evidentemente, não ocorrem ao acaso, alguma causa ou causas são


responsáveis por sua ocorrência. O reconhecimento dessas causas, por uma investigação
cuidadosa, é a base para o tratamento (terapia) futuro, tendo como princípio universal
que somente eliminando a causa resolve-se o problema. Entretanto, os efeitos
permanecem e devem, só então, ser corrigidos.

Conhecidos os sintomas e reconhecida a causa, antes de ser definida a terapia, deve-se


estabelecer um diagnóstico, que nada mais é que o perfeito entendimento de como, a
partir da causa, ocorreram os sintomas. O diagnóstico procura explicar todos os
fenômenos e mecanismos que concorreram para a manifestação patológica.

Fica, portanto, evidente que o primeiro passo para solucionar uma patologia é identificar
a(s) sua(s) causa(s) para se estabelecer, então, procedimentos a fim de eliminá-la(s).

A identificação da causa pode ser pelos seguintes procedimentos:


n Vistoria;
n Anamnese;
n Análise de campo e/ou de laboratório.

Na vistoria do prédio pode-se valer dos sentidos que o ser humano dispõe, tais como o
cheiro de bolor (olfato), a mancha de umidade (visão) etc. Outros recursos utilizados são:
levantamento fotográfico, croquis e observação dos elementos construtivos por diversos
ângulos.

Se, após cumprida essa etapa, a causa ainda não for identificada, passa-se, então, para o
segundo procedimento.

Na anamnese são feitas entrevistas com os usuários, construtores, a fim de se obter um


relato de como iniciou o problema, seu comportamento evolutivo, ocorrências naturais ou
não no entorno do prédio, enfim, informações que possam contribuir para o entendimento
do problema, assim como todo e qualquer tipo de documento existente sobre a obra ou
alguma intervenção efetuada durante o uso do prédio.
Exemplo: notas fiscais de aquisição dos materiais, plantas baixas, cortes, resultados de
ensaios de laboratório etc. Caso ainda não tenha sido definida a causa, recorre-se à
análise de campo e/ou laboratório.

Na análise de campo, os ensaios podem ser destrutivos ou não destrutivos. Em se


tratando de prédios históricos ou de valor arquitetônico, deve-se, preferencialmente,
optar pelos não destrutivos, por razões óbvias. No caso de ensaios de laboratório são
necessárias coletas de amostras que devem ser as mais discretas possíveis.

Concluída a análise dos resultados dos ensaios e se, eventualmente, a causa continua
desconhecida, os procedimentos acima descritos devem ser retomados de modo mais
detalhado.

Finalmente, identificada a causa, essa, em caso de umidade, por exemplo, poderá ser:
n Água de infiltração (água da chuva);
n Água proveniente do solo (água que sobe por capilaridade);
n Água de condensação (vapor de água do ar);
n Água acidental (vazamentos);
n Água da obra (água usada na execução).

Observa-se que, nos prédios históricos, problemas de umidade por água da obra são
improváveis, a não ser no caso de reformas.

No caso de fissuras, trincas e rachaduras as causas possíveis envolvem algum tipo de


movimentação, seja do edifício em geral, entre elementos e/ou componentes construtivos
que geram nos materiais tensões, geralmente de tração e, em alguns casos,
cisalhamento.

Assim, são citadas as causas mais frequentes:


n Movimentação das fundações;
n Movimentação higrotérmica;
n Movimentação por sobrecarga;
n Movimentação por deformação excessiva da estrutura;
n Movimentação por retração de produtos à base de cimento;
n Movimentação por reação química dos materiais;
n Outras (vibrações naturais ou artificiais, impactos acidentais etc.).

Os descolamentos de revestimento envolvem uma diversidade bastante grande de causas.


Entretanto, pode-se destacar que, geralmente, elas estão localizadas na interface do
revestimento com o substrato.
Figura 2 - Localização das patologias na planta baixa

Fica, portanto, evidente que o estudo dos sintomas relacionados com as suas possíveis
causas (sintomatologia), é essencial na formação de um patologista. O ideal seria que o
profissional, ao observar um sintoma (manifestação patológica), pudesse, quase que
naturalmente, estabelecer o número mais reduzido possível de causas (as consideradas
principais). Por isso, a experiência em patologia é fundamental.

Identificada a causa e definido o diagnóstico, deve-se, então, estabelecer o tratamento


(terapia) a fim de se solucionar o problema. Particularmente, em caso de restauro, as
terapias devem, como regra geral, ser minimamente invasivas (princípio da intervenção
mínima).

Tomando-se como exemplo o caso de um prédio com problema de eflorescências na base


das paredes térreas, causada por água proveniente do solo, a terapia mais recomendada
seria drenar o terreno em torno do edifício, visando rebaixar o nível do lençol freático
sem atingir diretamente o prédio. É válido lembrar que a profundidade dos drenos não
deve ser maior que a profundidade de assentamento das fundações com a finalidade de
evitar recalques diferenciais das fundações e o surgimento de possíveis trincas.

Existem, entretanto, outras opções, tais como impermeabilização da base das paredes
afetadas e injeção de produtos químicos cristalizantes. Porém, ambas as soluções atingem
o prédio, embora em diferentes níveis, não sendo, portanto, as mais adequadas. Contudo,
em última instância, quando a drenagem torna-se inviável, a opção recai sobre aquela
menos agressiva (produtos químicos cristalizantes).

As terapias adotadas nos prédios convencionais são amplamente conhecidas e discutidas


na literatura, entretanto, em relação aos prédios históricos ou de valor arquitetônico
existem diferentes intervenções a serem consideradas (conservação, consolidação,
recuperação, reabilitação etc.) que exigem uma maior atenção e conhecimento
especializado.

No presente artigo não serão aprofundados os diferentes aspectos técnicos de cada


procedimento adotado nas possíveis intervenções, tanto pela extensão do tema como
devido à especificidade de cada caso a ser tratado pelo restaurador.

A seguir serão apresentados os princípios norteadores que devem ser seguidos em um


projeto de restauro, considerando os conceitos mais atuais no campo na preservação e
conservação.

Figura 3 - Descolamento e empolamento do revestimento

Princípios fundamentais em uma intervenção de conservação e restauro


Intervenção mínima - conforme já foi mencionado, deve-se limitar a intervenção de
restauro ao mínimo indispensável. Os motivos são diversos, porém, a principal razão é
que qualquer intervenção de restauro expõe a obra a um notável estresse físico. Esse
princípio é um dos mais importantes no campo do restauro e, com certeza, um dos mais
ignorados no passado.

Compatibilidade - todo material utilizado no restauro não deve produzir danos físicos,
químicos, mecânicos e/ou estéticos nos materiais originais. Como salienta Giorgio
Torraca, nenhum material, em princípio, é bom ou mau em termos absolutos, isso
dependerá do modo como será aplicado.

Reversibilidade - qualquer intervenção, seja por razões estéticas ou de conservação, deve


permitir que o material empregado seja removido sem danificar a matéria original. Isso
porque no futuro podem surgir materiais melhores do que os utilizados no momento e,
mesmo durante a aplicação, ao se notar qualquer alteração indesejável, deve ser possível
a reversão.

Distinguibilidade - este princípio trata do respeito com o material original, tornando de


suma importância deixar reconhecida qualquer parte introduzida durante a intervenção,
respeitando, porém, o conjunto da obra em sua continuidade estética.

Tomando como base os princípios acima e considerando-se a intervenção de modo


sistêmico, onde a sequência relativa dos procedimentos aplicados é importante, a
cobertura, por se tratar do principal elemento da envoltória de um edifício, e, portanto, o
maior responsável por sua proteção, mesmo contra as intempéries, deve ser objeto de
primeira preocupação. Possivelmente, ao fazer isso, eliminam-se várias causas de
manifestações patológicas existentes no interior do edifício e, ao mesmo tempo,
evidenciam-se outras camufladas pelas infiltrações oriundas da cobertura inexistente ou
com defeitos localizados.

Concluídas essas considerações, embora referidas a obras de restauro, a seguir é


apresentado um exemplo das informações que devem constar num levantamento das
manifestações patológicas existentes em um prédio convencional, aplicável a ambos os
casos, evidenciando a diferença entre origem e causa dessas e estabelecendo-se o
diagnóstico do quadro.

A manifestação patológica estudada localiza-se no Centro Acadêmico da Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas, no pavimento térreo,
conforme assinalado na planta baixa (figura 1).

A planta baixa do Centro Acadêmico, com maiores detalhes e com a patologia assinalada,
conforme legenda, é apresentada na figura 2.

Os sintomas observados foram identificados como descolamento e empolamento do


revestimento (argamassa) atingindo somente a camada de reboco (ver figuras 3 e 4).

A causa foi definida como água de infiltração, gerando, consequentemente, alteração


química dos materiais.

A partir do estabelecimento da causa da manifestação patológica em questão, foi


estabelecido o diagnóstico: a infiltração de água, através das trincas da face externa da
parede, sujeita a intempéries, acentuada por ausência de beiral (platibanda), causou a
hidratação dos óxidos presentes na cal, a qual não foi devidamente extinta (hidratada).
Portanto, a origem dessa patologia foi falha na etapa de execução.

De posse desse diagnóstico, foi possível determinar o tratamento mais adequado para o
caso. De modo geral, todo tratamento envolve a eliminação da causa e restituição dos
elementos danificados, restabelecendo-se as condições de desempenho originais.

O exemplo corrente, não se tratando de um prédio histórico ou de valor arquitetônico,


permite, portanto, maior liberdade na escolha dos procedimentos em termos de maior ou
menor intervenção.

Conclusão
O presente artigo buscou estabelecer os principais
conceitos utilizados em patologia das edificações,
tais como origem, causa, sintoma, diagnóstico e
terapia, muito embora alguns conceitos, como
origem e causa, ainda têm sido empregados na
literatura de maneira pouco precisa.

Mediante a avaliação das manifestações patológicas levantadas por profissionais


especializados, torna-se possível estabelecer o grau de degradação de um prédio, definir
as causas intervenientes, conhecer os mecanismos de como os fenômenos ocorrem e o
modo como eles se apresentam (sintomas).

A partir dessas informações, define-se o tratamento mais adequado, levando-se em conta


o tipo de edificação, se possui ou não valor histórico e/ou arquitetônico.

Os tratamentos gerais e os procedimentos adotados devem ser norteados por alguns


princípios básicos, os quais foram citados neste artigo. Entretanto, o estabelecimento de
ações específicas torna-se difícil, dada à particularidade de cada caso.

LEIA MAIS
Conservación de Bienes Culturales: Teoria, História, Princípios y Normas. I. Gonzalez-Varas. Madrid: Ed.
Cátedra, 1999. 628p.
Incidência de Manifestações Patológicas em Edificações Habitacionais. In: Tecnologia de edificações.
Eduardo Ioshimoto. 1988, São Paulo: PINI. p. 545-554.
Patologia das Construções. N.B. Lichtenstein. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo,
1986. (Boletim Técnico, 06/86). 35p.
Trincas em Edifícios: Causas, Prevenção e Recuperação. E. Thomaz. São Paulo: PINI-Epusp-IPT, 1989.
194p.
Tecnologia, Gerenciamento e Qualidade na Construção. E. Thomaz, 1ª ed. SP: PINI, 2001, 449p.
Building Pathology: a State- of-the-art Report. CIB, Delft: CIB Report. CIB. W86, june 1993. (Publication
155). 93p.

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