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2◦Ano Academia de ciências policiais

A CULPA EM DIREITO CRIMINAL

 Conceito
 Natureza e
 Elementos da culpa

Para responsabilizar alguém criminalmente é necessário que essa pessoa, para além de ter
levado a cabo uma acção penalmente relevante, ou seja, simultaneamente típica e ilícita, é
necessário ainda que sobre essa pessoa que pratica esse facto típico e ilícito recaia um
juízo de censura de culpa, é necessário também que o facto seja culposo. Um facto pode
ser ilícito e não estar subjacente a esse facto qualquer juízo de censura, por isso a culpa é
um pressuposto da punibilidade.

A culpa é o fundamento e o limite da medida da pena, isto é, não é possível aplicar uma
pena que é a sanção característica do DP, a quem não tenha actuado com culpa, daí que a
culpa seja o fundamento da pena.
A culpa traduz-se na censura de um certo facto típico à pessoa do seu agente. É um juízo
de censura, um juízo de desvalor dirigido ao agente pela atitude expressa na prática de
um determinado facto quando ao agente foi dada a possibilidade de agir de certo modo e
de se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de harmonia com o direito. Aquilo
que se censura ao agente á ele ter-se decidido pelo ilícito quando podia e devia
comportar-se de maneira diferente.

Para se poder censurar o agente por não ter actuado de modo diverso, e, portanto para o
tornar culpado pelo facto será sempre necessário averiguar se ele, no caso concreto, tinha
a suficiente liberdade de determinação e assim será necessário investigar:

1. Se o agente deve ser tido como imputável ou inimputável. Isto quer dizer que para
se atribuir a culpa a alguém, é necessário investigar se do ponto de vista endógeno
é ou não passível de culpa
2. Se de um ponto de vista exógeno, se não havia quaisquer circunstâncias
exteriores, na moldura das quais se desenvolveu o facto, que se configurassem de
tal modo que arrastassem o agente irresistivelmente para a sua prática, roubando-
lhe a possibilidade de se comportar diferentemente.
3. Se o facto se pode imputar pessoalmente ao agente a título de dolo ou negligência

Deste modo podemos dizer, em resumo que os elementos da culpa são os seguintes:
i. Imputabilidade do agente;
ii. Inexistência de circunstâncias que tornam não exigível outro
comportamento(ausência de causas de exclusão da culpa);
iii. Actuação dolosa ou por negligência.

IMPUTABILIDADE

A imputabilidade traduz-se num conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para
se censurar a alguém pela prática de um determinado facto quando esse alguém não actua
de forma diversa.

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Ao se falar de imputabilidade é necessário ter-se em conta um elemento indispensável,


mínimo, isto é, é necessário partir-se do elemento idade. Este é um elemento formal que
vai determinar ou não a imputabilidade e em regra, encontra-se inscrito nas legislações
penais.

Face ao direito constituído, a idade mínima para a imputabilidade é de 16 anos, conforme


se pode alcançar da leitura do artigo 109º do CP, é isto, quer dizer que todos os menores
de 16 anos estão sujeitos à jurisdição dos menores e em relação aos mesmos apenas
podem ser aplicadas medidas de educação, de correcção e assistência. Estas medidas não
se confundem com as penas propriamente ditas e isto é assim porque não tem subjacente
qualquer ideia de retribuição ou de expiação.

Em relação à idade como índice formal importa referir que o legislador deu particular
importância em relação às medidas criminais derivadas da prática de factos criminais em
relação aos menores de 16 a 21 anos. Com efeito, ao atribuir um regime especial para
menores com estas idades isto significa que graduou a imputabilidade mas em relação à
menoridade, constitui uma circunstância atenuante de caracter geral, precisamente a
circunstância do artigo 39º do CP.

Por outro lado temos um regime particular para os menores cujas idades que se situam
entre 18 e 21 anos e em relação a estes o artigo 107º do CP estabelece que em relação
àqueles não é aplicável pena superior à do nr 3 do artigo 55º do CP.
Em relação aos menores de 16 a 18 temos a regra do do artigo 108º do CP que diz que
não será aplicável pena superior à do nr 5 do artigo 55º do CP, ou seja, não é aplicável
pena de prisão de 2 a 8 anos.

Graduação da imputabilidade

Não é suficiente para determinar a imputabilidade de alguém o elemento idade, é


necessário recorrer a outros elementos que podem ser biológicos e psicológicos que são
integradores da imputabilidade.

Quanto aos elementos biológicos na prática traduzem-se em determinadas pertubarções


mentais que, mesmo verificando-se o elemento idade, podem conduzir dentro de certo
condicionalismo ao afastamento dessa censura ao agente, ao afastamento do juízo de
censura em que se traduz a culpa do agente. Se assim for não se pode culpar alguém que
tenha tido um determinado comportamento se esse comportamento tiver como causa
elementos biológicos, ou seja, elementos constituídos por perturbações mentais mas não
interessa só os elementos biológicos na medida em que esses elementos apresentam-se
como meramente descritivos e então se tivermos que relacionar o comportamento do
agente em relação à prática de um determinado facto. Temos que procurar a existência de
outros elementos psicológicos e de modo a aceitar-se ou não o juízo de censura do agente
por ter actuado de uma determinada maneira e não de outra.

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A culpa (continuação)
Dolo e negligência
Elementos do dolo

A propósito dos elementos da culpa vimos que para se censurar o agente por ter agido de
certa forma quando podia e devia agir de modo diverso exige-se, além da imputabilidade
e da inexistência de circunstâncias externas, que arrastaram o agente quase que
irresistivelmente à pratica do crime, exige-se que a conduta tenha sido levada a cabo com
dolo ou com negligência, como resulta da interpretação do nr. 7 do artigo 44º do CP.

Depois de termos analisado a imputabilidade como elemento mínimo da culpa,


passaremos agora à análise do dolo e da negligência.
Do ponto de vista doutrinal apontam-se dois elementos do dolo, nomeadamente, o
elemento intelectual e o elemento volitivo ou emocional.

O elemento intelectual do dolo


O elemento intelectual consiste no conhecimento dos elementos e circunstâncias
constantes dos diversos tipos legais de crime, devendo distinguir-se um conhecimento
puramente material dos elementos contidos nesses tipos legais de crimes e ainda um
conhecimento do significado desses mesmos elementos.

Em relação a este elemento devemos ter em consideração o conhecimento material do


facto criminoso, o conhecimento dos elementos produzidos pela conduta do agente e
ainda o conhecimento do processo causal de onde advém os resultados sempre que esse
elemento do respectivo tipo legal de crime.

Em 1º lugar, o elemento intelectual do dolo abrange, os elementos constitutivos do facto


criminoso, naturalmente que este conhecimento diz respeito aos elementos já existentes
na altura em que o agente inicia o seu comportamento. Esses elementos não são
produzidos pela conduta do agente, ou seja, são pré-existentes, anteriores à respectiva
conduta. Por exemplo, em relação ao artigo 349º, o agente tem que conhecer que o
objecto da sua conduta é o homem.

Em 2º lugar o elemento intelectual do dolo abrange o conhecimento dos elementos


produzidos pela conduta do agente e então para que se diga que actuou com dolo, o
agente deve prever o resultado derivado da sua conduta. Por exemplo uma arma de fogo
ou veneno pode em determinadas circunstâncias produzir a morte.

Dentro do elemento intelectual do dolo o agente deve conhecer o processo causal donde
advém um resultado desde que esse processo causal seja um elemento constitutivo do
respectivo tipo legal de crime. O conhecimento do processo causal só é essencial quando
constitue elemento desse tipo legal de crime. Por exemplo, em relação ao
envenenamento, para o preenchimento do tlc é necessário ministrar-se substâncias
idóneas para causar a morte, isto quer dizer que no tlc de envenenamento temos um
processo causal que consiste na ministração de substâncias idóneas para causar a morte.

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Em relação a um outro elemento abrange o conhecimento dos elementos normativos,


elementos especialmente punidos pelo tipo legal de crime. O que se pergunta é qual deve
ser o grau de exigência do conhecimento que se deve pedir ao agente quanto ao
conhecimento desses elementos normativos, por outras palavras, será de exigir um
conhecimento específico desses elementos? Parece que a resposta deve ser negativa.

É suficiente que o agente tenha um certo conhecimento, tenha uma certa avaliação dentro
de um carácter de normalidade e não um conhecimento exaustivo, específico. Se assim
fosse poderíamos dizer que só os juristas seriam criminosos.

O elemento intelectual do dolo abrange o conhecimento do significado dos elementos


constitutivos do tipo e uma vez mais pergunta-se se é necessário um conhecimento
exaustivo, perfeito ou médio. O grau de conhecimento exigido ao agente em relação a
este elemento e que se encontra directamente ligado com a ilicitude criminal deve ser um
conhecimento médio e sobretudo no sentido de o agente saber que está a sobrepor os seus
interesses ao dos valores do ilícito criminal.

O elemento volitivo ou emocional do dolo


O elemento volitivo do dolo traduz-se numa direcção da vontade do agente. Face a este
elemento, a doutrina distingue três modalidades:
 Dolo positivo ou directo
 Dolo necessário ou indirecto
 Dolo eventual

Dolo directo ou positivo tem lugar quando o agente quis um determinado resultado, um
determinado facto querer esse resultado significa no dolo directo um fim próprio da
conduta do agente. Isto quer dizer que o agente coloca esse facto criminal como fim
derivado da direcção da sua vontade, ou seja, o agente quis aquele resultado.

Dolo necessário ou indirecto verifica-se quando o agente prevê um determinado


resultado como possível, como consequência necessária do seu comportamento e face a
essa previsão o agente não deixa de levar a cabo o seu comportamento. Tudo indica que
esse agente orientou a sua vontade num certo sentido, ou seja, no sentido de que esse
agente quis aquele resultado.

Se isto é assim podemos dizer que tanto no dolo directo como no indirecto ou necessário
o agente quer o resultado pelo que a modalidade de censura deve ser a mesma.

Exemplo:
1. A sabendo ser único herdeiro de B pretendendo beneficiar-se da herança decidiu
encurtar a vida deste último. Para o efeito, desferiu diversos golpes na nuca de seu tio B
enquanto este dormia, tendo advindo como consequência directa e necessária a morte de
B.

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2. A está aborrecido com B mas por motivos de pouco interesse e ao encontrar-se com o
mesmo procura ajustar as contas e nesse momento surgem agressões donde resulta para B
ferimentos que determinam a sua morte como efeito necessário da conduta de A.

Nestes dois casos estamos perante duas condutas com o mesmo resultado e face a essas
condutas pergunta-se qual a modalidade de culpa que deve ser imputada ao A?
A este propósito importa salientar que estamos em face daquilo que se designa por
intenção de matar ou homicídio e para solucionar a questão é preciso recorrer a essa
intenção homicida. Sabemos que é por vezes fácil determinar a intenção de matar
sobretudo quando estamos em face do dolo directo, podem surgir dúvidas em relação ao
dolo necessário e mais graves dúvidas em relação ao dolo eventual.

A intenção de matar é um elemento fundamental do TLC, homicídio voluntário quer seja


simples ou premeditado intenção de matar como a própria palavra diz há alguma coisa
que faz parte do foro intimo das pessoas do seu ego psíquico e que muitas vezes só pode
ser deduzido através de factos, de elementos externos como por exemplo as razões que
determinam a prática do crime, a natureza das lesões ou ferimentos causados, ou seja, a
maior ou menor gravidade das lesões, as características dos instrumentos utilizados, o
número de pancadas ocorridas, a sede das lesões corpóreas ou zonas corpóreas atingidas,
a maior ou menor insistência na agressão e até a maior ou menor insistência na obtenção
do resultado mortal.

Dolo eventual tem lugar quando o agente prevê um determinado resultado não como
consequência necessária da sua conduta mas como consequência possível dessa conduta.
Nestes casos pergunta-se a que título se vai punir os agentes? A titulo de dolo eventual ou
a título de negligência? Esta interrogação tem muita importância prática na medida em
que as sanções aplicáveis num e noutro caso são muito diferentes.

Para a determinação do dolo eventual existem as seguintes teorias:


 Doutrina da verosimilhança
 Teoria da fórmula positiva de Frank, relacionada com a teoria da aceitação
 Fórmula hipotética de Frank

A teoria da verosimilhança tem lugar quando em determinados casos o grau de


probabilidade se acha relacionado com possibilidade da verificação do evento ou seja, a
existência do dolo eventual depende do grau de probabilidade em que a possibilidade de
verificação do resultado é representada pelo agente.

Segundo a fórmula positiva de Frank e a teoria de aceitação, estaremos em face de


dolo eventual sempre que o agente tiver consentido ou tiver aderido ao resultado. Face a
esta teoria o autor de um determinado comportamento representa como possível um
determinado resultado no qual consente ou adere. O agente diz a este propósito qualquer
coisa como seja como for, aconteça o que acontecer eu aceito o resultado, não desisto,
não aceito outro comportamento.

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Teoria hipotética de frank segundo esta teoria, verifica-se o dolo eventual sempre que o
autor que previu o facto como possível efeito do seu comportamento não teria alterado
esse comportamento ou não teria alterado esse comportamento no sentido de evitar ou
afastar o facto mesmo que previsse esse facto como efeito necessário da sua conduta.

Posição adoptada
O professor Eduardo Correia, defende que quando a realização de um resultado for
prevista como simples consequência possível ou eventual do comportamento do agente,
teremos o dolo eventual quando o referido agente ao agir não confiou em que tal facto
não teria lugar ou então é de se afastar o dolo procedendo a negligência consciente
quando o agente só actuou porque confiou em que o resultado não teria lugar, por outras
palavras se o agente tomou determinada posição face a esse resultado deve ser
considerado como tendo agido com dolo eventual e como tal deve ser punido.

Quando estamos em face do dolo eventual aceita-se que o agente venha a ser punido em
termos mais leves em relação a qualquer outro agente que tenha agido com dolo directo
ou necessário.
Daqui decorre um grande número de dificuldades em se distinguir convenientemente o
dolo eventual da negligência consciente e derivado dessas dificuldades autores existem
que apelam no sentido de que essa punição possa aproximar-se da determinação da
medida concreta da pena que eventualmente tenha lugar quando estamos em face da
figura de negligência consciente. Esta posição encontra fundamento no artigo 94º nrs 1 e

O artigo 94 do CP refere-se à atenuação extraordinária da pena isto quer dizer que em


face de determinadas circunstâncias de alto relevo, o tribunal pode substituir as penas
mais graves pelas menos graves. Se porventura o tribunal entender atribuir uma alta
dignidade atenuativa em face de um grau menor de intensidade dolosa o legislador
permite que o juiz substitua a pena de 16 a 20 anos de prisão maior, aplicável ao
homicídio voluntário simples, por uma menos grave que pode ser a do nr 5 do artigo 55º
do CP.

Se admitirmos que o A actuou com negligência consciente preenche um tlc previsto e


punido pelo artigo 368º do CP, ou seja, um homicídio involuntário, com um mês a 2 anos
de prisão simples.
Ao crime praticado com dolo eventual caberia 2 a 8 anos e a punição a título de
negligência seria dentro de uma moldura penal abstracta de um mês a 2 anos de prisão o
que significa que se pode aproximar as punições.

Limites do dolo: o erro sobre o tipo


O elemento intelectual do dolo abrange o conhecimento dos elementos constitutivos do
facto criminoso; o conhecimento dos resultados produzidos pela conduta do agente,; o
conhecimento do processo causal e ainda os elementos normativos do tlc.
Verificando-se que o agente erra ou desconhece, tomando-se aqui o erro no sentido
amplo de modo a abarcar não só o falso conhecimento como o próprio desconhecimento
sobre os elementos do dolo. Nestes casos, em termos gerais, exclui-se o dolo mas
existem.

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