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são quaisquer restos dos acontecimentos físicos, pois estes só poderiam captar o estado
pré-pascal dos fatos do Gólgota. O significado da vitória pascal é que, doravante, o corpo
espiritual do Cristo, tecido de luz, poderá reluzir em tudo o que é terreno. Pão e vinho, sendo o
verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Cristo, são o medicamento da nova vida
conquistada através da vitória pascal. Neles, a homeopatia espiritual atravessa o mundo, tendo
como portadores os homens ligados ao Cristo. A sabedoria do Cristianismo original em torno
deste mistério, expresso, por exemplo, por Inácio de Antióquia, pode ser reconquistada em
nossa época através do pensamento claro treinado pelas Ciências Naturais: pão e vinho são os
medicamentos da imortalidade.
O drama da Semana Santa, com sua graduação planetária, possui significado em qualquer
tempo. Em momentos cruciais de transformação na história da humanidade este drama adquire
importância atual em todos os seus detalhes. O que sucedeu em Jerusalém, historicamente,
torna-se transparente para as arqui-imagens de validade eterna fundamental. Épocas inteiras
podem reconhecer-se (no espelho desse drama). É o que sucede nos temporais apocalípticos
da nossa época. Estamos atravessando uma Semana Santa em grande estilo.
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A excitação e as comoções que agitam os povos, tanto as guerras quanto as que são sentidas
apenas no íntimo das almas, têm sua origem apenas aparentemente no plano físico. Em
realidade, elas nascem pelo ingresso poderoso, na existência terrena, de forças e entidades
supra-sensíveis. A nova vinda do Cristo é como uma grande e cósmica entrada em Jerusalém.
A humanidade sente em surdina o advento ruidoso do mundo espiritual. Nos brados de guerra
e de paz da atualidade traduzem-se, misturados, os “hosanas" e os “crucifique-o”. No entanto,
estando as almas aprisionadas pelos hábitos materialistas, o grito de ódio prevalece
amplamente sobre o canto de louvor.
Nitidamente revela-se ao nosso redor a lei da segunda-feira santa. A vida espiritual tradicional
entra em crise. Não vemos acaso tanta coisa que ainda há pouco parecia em plena flor e alta
estima agora com o aspecto de uma árvore seca? Muitos templos estão ruindo e só permanece
o que é autêntico. Implacavelmente o sol do destino expõe à luz do dia o que está obsoleto ou
degenerado.
Cada vez mais inequivocamente os homens são colocados diante de decisões íntimas: ou
encontram o caminho que leva à atitude sacramental da plenitude anímica ou sofrerão a
maldição da inquietude, da angústia, do nervosismo, que os precipitará no abismo da loucura.
Devem escolher entre Maria Madalena e Judas.
Sob o peso do destino não existe quase mais ninguém que, ao menos por instantes, não tenha
estado perto do mistério da quinta-feira santa, com sua luz de esperança para o futuro. A
questão é apenas se a consciência se mantém firme, se desperta como a de João, se
submerge no torpor do sono getsemânico, como Pedro, que renegou o Senhor, ou se até
mesmo sucumbe ao demônio como a do Judas, que o traiu.
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homens. É possível perseguir as igrejas cristãs, exterminar o Cristianismo; o Cristo, ele próprio,
pode apenas ser novamente flagelado, coroado de espinhos e crucificado. Isto acontece não
só por parte dos adversários como também por parte dos próprios cristãos. Não surpreende
que sol se cubra e os elementos se enfureçam. A ira de Deus flagela o mundo com o castigo
de tempestades. Não obstante, o aspecto oculto, interior, de tudo isto é o infinito amor divino. O
Cristo que é, ele próprio, o amor cósmico, morre mais uma vez para penetrar nesta terra, para
salvação também daqueles que o perseguem e o crucificam.
Finalmente, toda a humanidade está esperando diante de um sepulcro. Começa a atual lei do
sábado da Aleluia. As massas rochosas que mantêm sepultado o Cristo e, com ele a
verdadeira imagem do homem, incluem não só as fabricas e os supermercados, mas também
as igrejas. Tudo o que existe de enrijecido entre os homens é o próprio sepulcro rochoso.
Encontramo-nos na véspera de uma manhã pascal ou terão sido em vão todas as provações e
os sofrimentos? Poder-se-ia pensar que a humanidade, em meio às catástrofes que ela própria
provocou, esteja mais afastada do que nunca do mistério Ressurreição. Entretanto, naquela
época também houve terremotos até na madrugada do domingo de Páscoa e, portanto,
podemos esperar que nos tremores da terra e da alma que abalam nossa época também
esteja o Anjo do Senhor, que afastará a pedra do sepulcro.
APÊNDICE
Em Mateus e Marcos a cena da Santa Ceia é descrita de forma bastante coincidente. Após
sentarem-se á mesa, Jesus e os discípulos relatam primeiro a anunciação da traição com as
perguntas e respostas que se seguem. Esta conversa é a zona de prova após a qual se realiza
o mistério sacramental: bênção e distribuição de pão e vinho. Segue-se a misteriosa palavra de
Jesus, que ele não mais beberá da parreira até que o faça de novo no reino de Deus. Logo
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após os comensais cantam o hino e Jesus sai de casa com os discípulos em direção ao Monte
das Oliveiras. É importante, aqui, que nos dois primeiros evangelhos a conversa do cenáculo é,
de certo modo, continuada a caminho de Getsemane. Se no cenáculo foi anunciada a traição,
agora é anunciada a negação do Cristo por Pedro. Antes disto, o Cristo diz aos discípulos:
“Nesta noite todos vos aborrecereis comigo”. Além disto, é pronunciada a severa palavra da
distração, derivada em grego do nome da escuridão. É verdade que a ela se segue logo a
anunciação da Páscoa. Jesus diz aos seus discípulos que, após sua ressurreição, ele os
precederá a caminho da Galiléia. Como Pedro se defende, dizendo que ele não se aborrecerá
com o Cristo, este vai além, anunciando a negação. Segue-se a cena de Getsemane.
As conversas apenas insinuadas com breves palavras têm significados diferentes conforme
ocorram antes ou depois da saída. A saída em si, assustando os discípulos, deve ter
provocado um estado de enlevo em suas almas. A palavra da distração ainda acentua mais
este enlevo. A compreensão deste fato significa uma chave para a compreensão da misteriosa
frase sobre a Galiléia: esta frase foi dita a almas em estado de enlevo e seu conteúdo também
se refere a um tal estado. Apenas são totalmente diversas as paisagens da alma para as quais
levam o enlevo do momento e o enlevo posterior, pascal. É isto justamente o que se reflete no
enigmático surgimento do motivo galileico, cujo sentido não é exterior, mas interior. A
anunciação da negação, também feita a almas em estado de enlevo como que se refere, ao
mesmo tempo, a um futuro estado de enlevo. Primeiro trata-se inteiramente de um enlevo cujo
principal portador será Pedro. Talvez seja o hálito de mistério que já pode ser percebido na
frase sobre o beber a parreira, um primeiro anúncio de que todas as palavras e todos os
processos desta noite desembocarão em um enlevo inicialmente trágico, mas depois através
da morte do Cristo, salvador.
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evangelhos, ou seja, Lucas relata o anuncio da negação como tendo sido feito no cenáculo e
não rio exterior. Em Lucas, a saída física está relatada em horário posterior, porque Lucas
torna mais explícito, em sua descrição, o processo interior da saída.
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DA VISÃO DO CRISTO
Entre essas expressões verbais, uma das mais íntimas é a que normalmente se traduz por:
“ele ergueu seu olhar”. Repete-se em três trechos: cap. 6,3 - antes da alimentação dos 5.000;
cap. 11,41 - antes da ressurreição do Lázaro: cap. 17,11 - antes da oração.
Antes da alimentação dos 5.000, a locução somente caracteriza conteúdo perceptivo. Jesus vê
chegar a ele uma multidão. Antes da ressurreição do Lázaro e antes do final solene dos
discursos de despedida, estas palavras introduzem palavras de oração, como se o erguer do
olhar contivesse uma especial orientação em direção ao Pai: “Pai, dou-te graças”, “Pai, chegou
a hora”. Enquanto se acredita que Jesus viu uma multidão faminta através de uma percepção
física, existe um abismo separando o primeiro trecho dos dois outros.
Entretanto, este modo de compreender é provado errôneo já pelo fato de não estar escrito ele
"vê", mas ele “tem a visão" da grande multidão. Nos três trechos, a fórmula exprime a entrada
do Cristo em estado de visão supra-sensível. A tradução exata é a que R. Steiner deu, de João
17, 1: “Jesus transportou-se para a visão espiritual”. Nisto, o importante é saber que esse
estado não leva apenas a percepções, mas também ao contato com as realidades
contempladas e às origens superiores das forças. Cada vez efeitos especiais resultam dessa
visão que, de fato, é muito mais do que um simples erguer de olhos devoto.
Os três trechos têm um prelúdio no 4º capítulo, onde Jesus convida os discípulos a erguerem
seus olhos: “Olhai os campos, como estão brancos para a safra”. (4, 35). Jesus abre aos
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O primeiro dos três trechos se relaciona diretamente com isto: a multidão que o Cristo vê
chegar não está fisicamente presente; trata-se da humanidade futura que aparece em espírito.
A alimentação é antes uma provisão de forças para os discípulos em sua missão apostolar do
que uma manifestação momentânea de gente presente. Nos outros dois trechos podemos
perceber que a visão do Cristo está intimamente ligada ao estado de oração de sua alma e
que, de modo geral, oração e visão se ligam por íntima relação causal.
Os três trechos não são idênticos entre si. Apresentam uma gradação crescente em relação à
esfera sobre a qual se dirige a visão e cuja força é invocada.
No final, o fruto da visão do Cristo não é tão perceptível como na alimentação dos 5.000 ou na
ressurreição do Lázaro. Mas não é menos importante: é todo o abençoado destino futuro dos
discípulos.
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