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CRIMINOLOGIA
TEORIAS E FUNÇÕES DA PENA
Por Rochester Araújo
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SUMÁRIO
1. PANORAMA GERAL DAS TEORIAS DA PENA............................................................................3
2. TEORIAS LEGITIMADORAS......................................................................................................4
3. TEORIAS UNITÁRIAS.............................................................................................................10
4. TEORIAS DESLEGITIMADORAS..............................................................................................12

ATUALIZADO EM 26/03/201712

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TEORIAS E FUNÇÕES DA PENA

Em criminologia, boa parte das questões acaba recaindo sobre um elemento principal: a pena.
Qual a sua função? O que justifica a sua aplicação? Quais as penas aceitas ou úteis, de acordo com cada
escola e doutrina. Junte-se a isso que o principal problema hodierno que fez com que a criminologia
ganhasse espaço – inclusive nos concursos públicos – no cenário jurídico, social e político, é decorrente
da forma que se adotou (e naturalizou) para a aplicação da pena: o encarceramento. Hiper-
encarceramento. Encarceramento em massa. Excesso prisional. Superlotação. São palavras e expressões
que giram em torno do aumento quantitativo e rebaixamento qualitativo da aplicação da sanção
prisional enquanto forma de pena.
Por isso, as teorias sobre a pena, suas funções, críticas e revisões são um dos temas mais
relevantes em criminologia
Para compreender todas as teorias e escolas apresentadas, é indispensável que tenha
compreendido e associado as principais escolas criminológicas e a forma com que elas tratam o crime, o
criminoso e a sanção penal.

1. PANORAMA GERAL DAS TEORIAS DA PENA

Organizando o pensamento, as teorias sobre a pena se organizam em duas grandes categorias:


as teorias legitimadoras e as teorias deslegitimadoras. De um lado, as teorias legitimadoras que afirmam
que a pena cumpre algumas funções manifestas, ou seja, aquelas que o discurso penal diz que devem
cumprir. Nessas, a pena é dirigida a uma finalidade ampla de defesa e paz social. Dentro das teorias
legitimadoras, temos uma nova divisão: as teorias absolutas e relativas. Por sua vez, as teorias relativas
podem ser: teoria da prevenção geral, e teoria da prevenção especial. Ainda, ambas as teorias relativas
(prevenção geral ou especial) possuem suas correntes negativas e positivas.

As FUCS são constantemente atualizadas e aperfeiçoadas pela nossa equipe. Por isso, mantemos um canal aberto de diálogo
(setordematerialciclos@gmail.com) com os alunos da #famíliaciclos, onde críticas, sugestões e equívocos, porventura
identificados no material, são muito bem-vindos. Obs1. Solicitamos que o e-mail enviado contenha o título do material e o
número da página para melhor identificação do assunto tratado. Obs2. O canal não se destina a tirar dúvidas jurídicas acerca
do conteúdo abordado nos materiais, mas tão somente para que o aluno reporte à equipe quaisquer dos eventos
anteriormente citados.
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Atenção: este material é produzido a partir de textos autorais, compilações e transcrições. O objetivo não é esgotar o tema
de criminologia. É o de facilitar o estudo desta matéria, principalmente para quem é iniciante no tema e tem dificuldade em
certos conceitos ou construções. Este material deve ser desconstruído e reconstruído, como tudo que a criminologia gosta de
fazer. Provavelmente você só entenderá essa “piadinha” no final dos seus estudos criminológicos. Além disso, em alguns
tópicos, explorou-se a visão tradicional sobre o tema, tendo o cuidado de sempre apresentar abordagens críticas em seguida,
sobretudo em atenção aos alunos Ciclos que irão prestar concurso para Defensoria Pública.
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Teorias Absolutas
Positiva
Teorias Teoria da Prevenção Geral
Negativa
Legitimadoras Teorias Relativas Teoria da Prevenção Positiva
Especial Negativa
Teorias Deslegitimadoras

A divisão entre as posições da Teoria da Prevenção Geral e Especial já são conhecidas. A Teoria
da Prevenção Geral afirma que realiza-se a prevenção com o uso da pena a medida em que um
indivíduo serve de exemplo para a sociedade, evitando que se cometam novos crimes.
Por sua vez, a Teoria da Prevenção Especial foca no próprio indivíduo que cometeu o crime,
uma vez que está preocupada com a retirada do autor da sociedade para sua posterior reintegração.
Neste meio campo, temos as teorias ecléticas (ou mistas) que sustentam que a pena será
legítima se for justa e útil. Assim, é mista porque condiciona a legitimidade da aplicação da pena à sua
real necessidade. Caso a pena não cumpra sua função, seria ilegítima. Entre estas teorias mistas, temos
a Teoria dialético-unificadora de Roxin e o garantismo neoclássico de Ferrajoli.
Visto um panorama geral, vamos analisar cada uma das correntes.

2. TEORIAS LEGITIMADORAS

2.1 Teorias absolutas


Inicialmente, as teorias legitimadoras, com destaque para as teorias absolutas.
Para estas teorias a pena representa como um fim em si mesma, isto é, o autor do crime deverá
pagar pelo mal cometido. Ou seja, a pena tem caráter retributivo.
Muito associado à formação do direito penal clássico enquanto matriz canônica, associa a ideia
do crime a de pecado, e, portanto, a pena tem função expiatória e penitencial.
A ideia da justiça é secundária, uma vez que a finalidade principal da pena é a retribuição do
mal causado. Zaffaroni, Nilo Batista, Alagia e Slokar resumem os propósitos das teorias absolutas: “As
teorias absolutas (cujo modelo é Kant) tendem a: a) retribuir; b) para garantir externamente a eticidade;
c) quando uma ação objetivamente a contradiga; e d) infligindo um sofrimento equivalente ao
injustamente produzido (talião)” (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA; SLOKAR, 2003, p. 115).
Formada sob uma filosofia Kantiana, a pena não tem qualquer função preventiva. Punir o
indivíduo para servir de exemplo aos demais é um absurdo, uma vez que não é possível instrumentalizar
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o homem para servir à sociedade (“fórmula kantiana”), pois desta forma o homem seria um mero objeto
a serviço do poder punitivo e perderia toda a sua identidade.
Por sua vez, para Hegel, a pena não é útil para fazer justiça. Em sua concepção dialética, a pena
serviria, em suma, como uma reafirmação do direito. O crime é a negação do direito, ou seja, o delito
fere o ordenamento jurídico. Portanto, seria necessário reafirmar o direito, e isso é feito pela aplicação
da pena. A pena serve como instrumento para a manifestação do direito.
Entre as críticas tecidas à teoria absoluta está a negativa de uma de suas essências: a pena
jamais foi capaz de garantir a segurança da sociedade. Os crimes nunca deixaram de existir devido a
existência da pena e também nunca diminuiu a sua ocorrência, mesmo naqueles países em que há pena
de morte das mais dolorosas.

#LINK: Relacione as teorias absolutas com o discurso da maximização do direito


penal, e, igualmente, as críticas feitas a ambos são comuns. Não se garante a
segurança da sociedade com o aumento das construções de presídios, ou com
políticas punitivistas como a redução da maioridade penal, ou criação de novas leis
proibicionistas e que aumentam as penas dos delitos.

Outra crítica apontada é que a pena é um instrumento a serviço do Estado, ou seja, esta pode
ser utilizada a depender da vontade deste. Não é uma imposição absoluta, que tem que ser aplicada
toda vez que ocorrer um delito. O Estado aplica a pena quando for oportuno, havendo margem para o
utilitarismo do direito penal e a ruptura com o princípio da igualdade perante a lei.
Por fim, associar a aplicação da pena a realização da justiça é ignorar todo o cenário atual,
tornando a teoria do direito cega às injustiças que dele decorre. O caos no sistema prisional brasileiro,
os inúmeros quadros de violação reiterada de direitos humanos, a intensidade com que o direito penal
recai sobre as pessoas vulneráveis socioeconomicamente e a suavidade sobre os indivíduos de alto
poder aquisitivo – entre tantos outros aspectos, não podem deduzir a realização de uma justiça em
decorrência da pena.
2.2 Teorias relativas
Por sua vez, as teorias relativas, ao contrário das absolutas, reconhecem que a pena não possui
finalidade em si mesma. Cria-se uma finalidade para a pena: a prevenção e a ressocialização.
Nas teorias da prevenção geral, genericamente falando, têm-se como objeto a sociedade em
geral, isto é, a pena é aplicada em função de toda a sociedade para que esta presencie o sofrimento e
dor daquele cidadão e se intimide para que não cometa crimes. A utilização do indivíduo como exemplo
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para moldar as condutas dos demais é a base dessa teoria.


Esta teoria possui a vertente positiva e negativa. A prevenção geral negativa busca causar um
temor na sociedade para que, com medo das consequências do crime, deixe de cometer condutas
ilícitas. A prevenção é geral por não ser direcionada a nenhuma pessoa ou grupo específico, mas sim à
sociedade em geral.
Von Feurrbach é um dos principais expoentes. Para ele, apenas a pena possui o efeito
normatizador capaz de fazer com que o indivíduo repense suas condutas. Feurbach afirma que o crime
seria uma espécie de tentação e sensualidade em que o ser humano estaria dissuadido a cometer tal
delito, simplesmente por prazer ou pela facilidade de se realizar algo almejado. Para ele a função da
pena seria uma coação psicológica que combateria esta tentação que é o crime.
Entre as principais críticas dirigidas à essa teoria está a da incapacidade de a pena intimidar, de
fato, as pessoas a cometer delitos. Na verdade, por ser o sistema penal seletivo, somente as camadas
mais desfavorecidas são alvo do efeito amedrontador do direito penal – e a tal ponto que temem serem
alvos dos sistemas penais ainda que não tenham cometido qualquer ilícito. Por sua vez, as camadas mais
favorecidas acabam por desdenhar do direito penal, retirando qualquer credibilidade por estarem
“imunes” à aplicação da pena.
Além do mais ao perceber a ineficácia da pena o criminoso não se intimidaria, mas arranjaria
formas elaboradas de enganar o poder de polícia do Estado e cometer mais delitos. Assim explana
Zaffaroni: “a partir da realidade social, pode-se observar que a criminalização pretensamente
exemplarizante que esse discurso persegue, pelo menos quanto ao grosso da delinquência
criminalizada, isto é, quanto aos delitos com finalidade lucrativa, seguiria a regra seletiva da estrutura
punitiva: recairia sempre sobre os vulneráveis. Portanto, o argumento dissuasório estaria destinado a
cumprir-se sempre sobre algumas pessoas vulneráveis e estar sempre referido aos delitos que elas
costumam cometer. [...] Uma criminalização que seleciona as obras toscas não exemplariza dissuadindo
o delito, mas sim da inabilidade em sua execução: estimula o aperfeiçoamento criminal do delinquente
ao estabelecer o maior nível de elaboração delituosa como regra de sobrevivência para quem delinque.
Não tem efeito dissuasivo, mas propulsor de maior elaboração delituosa. (ZAFFARONI; BATISTA; ALAGIA;
SLOKAR, 2003, p. 117)
Por sua vez, para a teoria da prevenção geral positiva a pena é um instrumento de
estabilização, ou seja, a pena restabelece a ordem social que fora abalado pelo sujeito criminoso.
Possui certa sintonia com a teoria absoluta a medida em que confere à pena uma espécie de
função reafirmadora do direito, mas, com um caráter de prevenção do delito voltado à sociedade – as
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leis devem ser respeitadas. A maior preocupação desta teoria é dar à pena a função de transmitir
valores éticos-sociais-morais à sociedade. Assim, o objetivo da pena seria o da reintegração social.
Welzel afirma que o direito penal tem como função a proteção de bens jurídicos e a garantia e
reafirmação dos valores éticos e sociais. O crime corresponde a uma violação a esse bem jurídico
protegido. Como o bem foi violado, e o Estado não consegue desfazer essa violação (ex.: homicídio
protege a vida, e o Estado é incapaz de recuperar a vida perdida), o que resta para o direito penal é
defender os interesses sociais para que estes não sejam contaminados. O direito penal conscientiza a
sociedade, reafirmando o direito, fazendo com que esta seja fiel às leis. O próprio Welzel conclui que “a
missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos mediante a proteção dos elementares valores de
ação ético-social.”
A proteção dos bens jurídicos, em si, é secundária. Só ocorre quando o indivíduo não
compreende os valores sociais e pratica um fato crime. Surge, portanto, uma finalidade coercitiva na
proteção dos bens jurídicos, sendo necessário que previamente à proteção dos bens jurídicos pelo
poder punitivo, se garanta a difusão de valores de cidadania, vida, propriedade, integridade física (bens
jurídicos penalmente protegidos). Se o indivíduo não compreende tais valores – e os ataca – surge o
aspecto punitivo para reafirmar o direito.
Entre as críticas a essa corrente, a mais elementar é a de se atribuir ao direito penal – braço
mais forte do Estado – o caráter pedagógico e educativo dos valores sociais. O Poder Público possui
diversos outros instrumentos para tanto, sem que disso decorra a aplicação de uma sanção penal
severa.
Por sua vez, para Jakobs, a pena nada mais é que uma necessidade e através da pena os valores
são respeitados. Em síntese, a pena é a reafirmação do direito. A pena ou, mais precisamente, a norma
penal, aparece aí, como uma necessidade sistêmica de estabilização de expectativas sociais, cuja
vigência é assegurada ante as frustrações que decorrem da violação das normas. Este novo enfoque
utiliza, enfim, a concepção luhmanniana do direito como instrumento de estabilização social, de
orientação das ações e de institucionalização de expectativas (QUEIROZ, 2005, p. 43).
O delito, em Jakobs, é responsável por destruir as expectativas de uma ordem social. A
sociedade, com base no princípio da confiança, aguarda do indivíduo uma postura temente a lei e,
portanto, que não a violará – não cometerá um delito. A expectativa social é a da conduta lícita.
Quando um crime ocorre, o princípio da confiança é violado e se destroem as expectativas
criadas pela sociedade. É neste contexto que entra a função da pena, uma forma de proteção e
prevenção dessas expectativas. A pena ao ser aplicada assegura e reafirma o direito a restabelece a
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confiança no sistema. Além disso, a pena previne a negatividade produzida pelo delito garantindo a
estabilidade social.
Observe que há uma dupla função à pena: não só a reafirmação do direito, mas também o
reestabelecimento da confiança no sistema. Portanto, Jakobs possui uma importante concepção
Hegeliana do direito (teoria absoluta). A teoria da prevenção geral positiva está mais para uma teoria
absoluta do que relativa, pois está preocupada em retribuir um mal causado pelo agente, através da
reafirmação do direito e garantindo a justiça e a paz social.
Nesse sentido, Jakobs é responsável por uma visão fundamentadora da prevenção geral
positiva (prevenção geral positiva fundamentadora) – a prevenção geral é completamente abstrata,
objetivando motivar a comunidade a preservar os valores e a cumprir as expectativas intersubjetivas de
vigência da norma, e, por consequência, marginalizando as condutas que se oponham a essa expectativa
social.
As mesmas críticas tecidas às teorias absolutas são cabíveis à teoria relativa positiva. Entre elas,
destaque-se que ao utilizar o direito penal para a reafirmação do direito, poderia se criar um Estado
arbitrário e consequentemente afetaria direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o
direito à liberdade.

Ainda na divisão das teorias relativas, chegamos à concepção das teorias da prevenção
especial, que, conforme já dito, possui uma mudança de enfoque da sociedade para o indivíduo. A pena
atua sobre um indivíduo (ou grupo) para evitar que este volte a delinquir. Pessoaliza-se a ameaça à
sociedade. Por isso, ganha reforço a concepção da ressocialização através da pena.
Some de cena o caráter retribucionista da pena, e, com ele, a ideia de que a sociedade
irá parar de delinquir. A visão mais microcósmica permite ações apenas voltada ao indivíduo. Von Lizt,
principal defensor desta teoria, argumenta que a pena tem como objetivo a ressocialização.
A ressocialização pode ser feita por meio de três medidas: asseguramento, ressocialização, e
intimidação (em relação ao delinquente). A intimidação ocorre nas hipóteses do réu primário, sem
antecedentes criminais e de boa conduta, cometer um crime. A pena seria uma espécie de advertência
para este criminoso eventual.
A ressocialização se aplica aos casos do delinquente reincidente, que vem reiterando a prática
de crimes. Por sua vez, se a ressocialização falhar e o agente criminal continuar a cometer novos delitos,
utiliza-se o asseguramento, destinada aos criminosos que não conseguem se ressocializar. A medida é
extrema, pois isola este indivíduo da sociedade. O Direito Penal também tem a função da proteção de
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bens jurídicos, o que é feito por meio da incidência da pena sobre a personalidade do delinquente, com
a finalidade de evitar futuros delitos. (Föppel, 2004, p 27).
Entra em cena o pensamento de Claus Roxin que aponta que essa teoria não justifica a
aplicação da pena em determinadas circunstâncias, quando não há necessidade de ressocialização.
Imagine, por exemplo, um indivíduo comum que comete um crime passional, movido por um contexto
extremo. Após o crime, retorna ao seu status de pacato e não oferece risco, dispensando-se a
ressocialização, e deixando de ter a pena uma função para cumprir.
A prevenção especial negativa tem como foco a proteção da sociedade através da
neutralização do indivíduo, ou seja, a exclusão do criminoso da sociedade em razão do mal que
cometeu. Isolado do convívio social, o agente criminoso estaria impossibilitado de cometer crimes.
Segundo Zaffaroni (2003, p.127) a prevenção especial atua quando uma ideologia fracassa, isto é,
quando a norma é descumprida, por essa razão apela-se para a neutralização e exclusão do indivíduo.
A função não é igual a teoria absolutista, tendo um fim em si mesmo, mas preventiva, uma vez
que funda-se na ideia de intimidação a partir da neutralização do apenado, posto fora de circulação
social e concebendo a consequência jurídica de seus atos, evitando-se novos ilícitos.
A pena possui uma aproximação com a ideia da medicina social, já que evita-se a reincidência a
partir do momento em que as penitenciárias seriam capazes de curar os indivíduos desviantes, o que
seria feito através terapias, tratamentos, para que futuramente ele possa ser reintegrado ao seio social.
É o chamado saneamento social, que é feito através do isolamento do sujeito que é considerado um ser
nocivo, perigoso e que precisa ser urgentemente curado.
Em crítica a esse pensamento, Zaffaroni afirma que os índices de crimes dentro das unidades
prisionais são enormes. Destaca o homicídio e o suicídio, além de abusos sexuais, corrupção, entre
outros. Destacamos que o controle do “crime organizado” de dentro das unidades prisionais também
ganhou relevância nos últimos anos. E, além disso, a própria submissão dos indivíduos encarcerados a
condições degradantes corresponde, muitas vezes, a práticas penais como tortura, lesão corporal e
outros. Isso conduz ao paradoxo da insustentabilidade estrutural dos fundamentos dessa teoria.
Outrossim, a prevenção especial positiva consiste na meta de ressocialização do indivíduo. Esta
missão deverá ser cumprida através da medicina social, ou seja, a higienização do indivíduo. Equipara-se
o criminoso à uma pessoa doente que precisa de tratamento médico. A pena seria uma espécie de cura
para este indivíduo enfermo, dominado pela doença do crime. A partir desta medicina social busca-se
reintegrar o delinquente à sociedade.
Pode-se afirmar que o papel do juiz para esta teoria é o de médico social que como aplicador
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do “remédio” pena teria a missão de saneamento social, higienização e cura do criminoso, isto é um
meio de defesa social contra um indivíduo que possui uma enfermidade contagiosa, pois se este não for
excluído de imediato poderá contaminar todo o restante da sociedade.
Uma distinção especial é que compreende-se o crime enquanto algo natural e social, mas
decorrente de um certo determinismo, uma vez que os indivíduos já são vistos como detentores de uma
personalidade perigosa. Com isso, distingue-se os indivíduos comuns daqueles criminosos: naturalmente
inferiores e degenerados.
Em ambos os casos das teorias preventivas especiais, a crítica maior é quanto à possibilidade de
efetivar uma ressocialização em um ambiente de aprisionamento. Ao contrário de ampliar as
possibilidades de um retorno do indivíduo ao convívio social, a prisão opera um estigma e uma
ressiginificação da identidade do criminoso, o que importa em efetivar mais uma potencialidade de
reincidência do que de absorção social.
Além disso, essas teorias se baseiam na periculosidade do autor, não no fato. Fundamenta-se,
portanto na representatividade de um perigo que este delinquente traz.

3. TEORIAS UNITÁRIAS

Antes das teorias deslegitimadoras da pena, temos as teorias unitárias (ou mistas), em que se
tenta compatibilizar as teorias absolutas com as relativas. Um caráter inicial é o de que a pena possui
funções múltiplas, não havendo incompatibilidade em se reconhecer que é possível uma função
preventiva e retribucionista.
Após tecer críticas à teoria relativa da prevenção especial, Roxin adentra na formulação de uma
teoria unificadora que busca alcançar um conceito único de pena. Assim, tanto a teoria dialética
unificadora de Claus Roxin quanto o garantismo de Luigi Ferrajoli são espécies de teorias unitárias.
A teoria dialética unificadora de Roxin fundamenta que o direito de punir (que é momento de
manifestação da pena) deve se ser analisado em três momentos: cominação, aplicação e execução.
Nesses três momentos estará sempre presente a finalidade da pena. Na cominação, destaca que a pena
é um exercício do poder do Estado e sua finalidade, portanto, é aquela que corresponde ao objetivo do
direito penal. O Estado tem uma dupla função protetiva: uma dirigida aos bens jurídicos essenciais e
outra à prestação por parte dos cidadãos. O direito penal garante a primeira.
Dessa forma, o direito penal deve ser usado de forma limitada – subsidiária. Só pode intervir
quando os demais ramos do direito se mostrem insuficientes à proteção dos bens jurídicos (ultima
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ratio). Enquanto limitação, muitas vezes se associa a posição de Roxin, na verdade, a uma Teoria de
Prevenção Geral Positiva Limitadora, isso porque reconhece que as outras teorias de prevenção geral
positiva tendem a ampliar de forma desnecessária a atuação do direito penal.
O traço da dialética da teoria implica em uma limitação das teorias gerais e especiais, formando
um sistema em que não se admitem penas cruéis, sendo a culpabilidade o limite da pena aplicável (pena
de acordo com o grau de culpa). Roxin assevera que a justificação da pena se retira da pessoa do
delinquente (pelo ato que cometeu), e isso é feito a partir da aplicação da sanção na mesma medida da
culpa.
Na aplicação da pena, a função passa a ser uma aglutinação das ideias da teoria da prevenção
geral e especial, de forma limitada. A teoria geral limita a partir do estabelecimento de garantias
constitucionais. A teoria especial se limita na análise e proporcionalidade da pena a partir da
culpabilidade.
Por fim, na execução da pena a função seria a da ressocialização, desde que limitada pelas
garantias fundamentais. Com isso, afirma que é proibido um tratamento coativo tal que interfira na
estrutura da personalidade do indivíduo, ainda que essa medida possua eficácia ressocializante.
Entre as críticas desenvolvidas à tal perspectiva, temos uma somatória das críticas feitas às
teorias sob as quais a teoria unitária se fundamenta, tanto as cabíveis às teorias retributivas, quanto das
teorias da prevenção geral e especial.
De outro lado, a teoria mista que é idealizada por Ferrajoli e conhecida como garantismo penal,
que surge a partir de outra base em que o foco é o reconhecimento da crise do sistema penal. Embora
reconheça a função da pena como uma função de prevenção geral negativa, adverte que essa não pode
ser utilizada em todos os aspectos. Sua utilidade, na verdade, é um mecanismo para evitar as penas
informais – obsta que a sociedade faça justiça com as próprias mãos e que o Estado aplique sanções
incompatíveis, injustas, excessivas (e arbitrariamente, de modo utilitarista).
A função da pena seria igualmente dupla, mas voltada para a proteção da vítima do delito
(enquanto preventiva) e também para o delinquente, que fica isento de uma violência da sociedade ou
do Estado (racionalização da pena). Observe que ambas as funções preventivas têm signo negativo:
prevenção de futuros delitos e prevenção de reações arbitrárias, partam do particular ou do próprio
Estado. Privilegia, porém, seu modelo de justificação do direito penal, essa segunda função, que
considera como “fim fundamental” da pena.
Com isso, Ferrajoli constrói uma ideia em que há uma severa redução do uso do direito penal,
passando a uma perspectiva minimalista da sua utilidade. Amparado pelo princípio da intervenção
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mínima, defende que o direito penal apenas possa atuar em casos de relevância extremada e na
ineficácia dos demais ramos.
A perspectiva do direito pena mínimo é mais acentuada que a formulada anteriormente, uma
vez que possui diversas formas de implementação. A máxima garantia da liberdade do cidadão é
sempre uma elementar em evidência. A prisão é vista como uma técnica falha (custo alto, seletividade),
e, por isso, somente pode ser utilizada para se evitar um mal maior para a sociedade. Disso decorre uma
necessidade de descriminalização (abolição de vários tipos penais), despenalização (criação de vias
alternativas de solução ao conflito social sem aplicação da pena) e desinstitucionalização (diversificação
da resposta penal).
A alteração do sistema implicaria em uma deslegitimação do sistema penal atual, e legitimação
de um novo direito penal. Frajola cria toda uma mecânica e um modelo ideal de sistema penal para que
isso se torne possível.
A principal crítica a tal sistema é a distância entre o modelo ideal e a realidade do
funcionamento dos mecanismos estatais de persecução penal. Não só uma estrutura lógica precisa ser
criada, mas operar uma mudança na sociedade de forma profunda para afastar a ideia de vingança e
punitivismo.

4. TEORIAS DESLEGITIMADORAS

Diante do reconhecimento destas limitações, surgem as Teorias Deslegitimadoras da pena, ou


seja, aquelas que não conferem qualquer legitimidade e demonstram que se a pena possui uma função,
esta não corresponde à função manifesta pelo direito penal.
De modo geral, as teorias deslegitimadoras abominam a intervenção do Estado sob o manto do
direito de punir. Desacredita-se a suposta eficiência do sistema penal como legitimante do controle
social. Entre essas teorias, destaque para o Abolicionismo Penal e o Minimalismo Radical.
O Abolicionismo Penal tem como eixo a reclamação por uma extinção de todo sistema penal e
tudo que é associado a ele. O sistema penal não é uma solução, mas, ao contrário, um problema não só
associado às suas precariedades e ineficiência, mas também por ser servil a outras funções escusas.
Enfrenta o questionamento de como funcionaria uma sociedade sem direito penal. Para isso,
argumenta que a teoria do abolicionismo penal sintoniza-se com o presente, evitando dicotomias e
discriminações, mas, principalmente, procura mostrar que a sociedade sem o sistema penal já existe. As
pessoas, no cotidiano, encontram soluções pacíficas para os acontecimentos, principalmente através de
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mecanismos conciliatórios e compensatórios, que dispensam qualquer intermediação do sistema penal.


O sistema penal, de forma ampla, já possui estampada a sua incapacidade em prevenir crimes e
evitar a reincidência dos delitos. Se é assim, porque ainda existe o sistema penal? Outra característica é
que o sistema penal é altamente seletivo, só punem uma parcela da sociedade, vulnerável aos
instrumentos estatais de controle social. O direito penal é um grande fomentador das desigualdades
sociais e, na verdade, servil somente para proteção do status quo.
O abolicionismo penal é uma das respostas à crise do sistema penal: em razão da
deslegitimação dos sistemas penais, surgem duas grandes correntes de proposta de propostas político-
criminais – ou políticas, se assim se preferir – com variáveis relativamente consideráveis em cada uma
delas: a proposta de um direito penal mínimo ou “contração de direito penal” e a proposta de sua
abolição ou do abolicionismo penal.
Com a abolição do sistema penal, busca-se ultrapassar a mera transferência das condutas do
campo penal para o civil, supondo que neste, por prevalecer a conciliação, se encontraria o meio mais
eficaz para a pacificação real da violência. Seguramente, estaríamos no campo da despenalização sem
dar fim à imposição punitiva, talvez privilegiando as situações de semiliberdade ou de liberdade vigiada,
sem o interesse efetivo dos envolvidos, mas contemplando o efetivo interesse dos reformadores de
plantão. É inevitável encontrar um mesmo novo lugar para o encarceramento, substituindo-se a
prevenção pela terapêutica geral (PASSETI; SILVA, 2007, p.01).

#LINK: o abolicionismo, entre todas as correntes, é a que possui um tom maior de


denúncia do uso do direito penal para fins diversos, tais como a manutenção do
status quo (impedidor de luta de classes), interesses econômicos com o
aprisionamento em massa (construção de presídios, gastos volumosos com
alimentação sem que isso seja efetivado em favor dos apenados, compra de
armamento etc.).

Entre as críticas mais recorrentes ao abolicionismo penal é taxá-lo enquanto uma teoria
utópica, pois não apresentaria soluções para substituir a função exercida pelo direito penal. Em
contrapartida, o abolicionismo reforça que a função do direito penal manifesta não é alcançada, e a não
manifesta é nefasta, e, por isso, não precisa ser substituída por nenhuma.
Todavia, as teorias abolicionistas precisam ser aperfeiçoadas, sobretudo porque pensadas em
contextos diversos. Salo de Carvalho destaca que “não podemos olvidar, também, que as teorias
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abolicionistas foram criadas a partir de realidade totalmente distinta da realidade marginal latino-
americana. É proposta gerada no interior das sociedades nas quais o Estado efetivamente cumpriu seu
papel, ou seja, em países nos quais a existência do Estado Liberal e do Estado Social é notória, países nos
quais as promessas da modernidade saíram do papel e integraram o cotidiano das pessoas.”
(CARVALHO, 2007, p. 11).
Em relação as vertentes dentro do abolicionismo, interessante destacar que o abolicionismo
possui variações em que se questionam os fins da pena por diferentes perspectivas, mas também a
forma com que se efetiva a abolição do sistema penal.
Abolicionismo Estruturalista (Michael Foucault): antes de tudo, importante destacar que é
praticamente consensual que Foucault não era um abolicionista, ou que os estudos do filosofo não eram
pela via abolicionista. Tal condição não desmerece o autor ou a sua corrente, mas reconhece que havia
um campo de estudo diverso e uma proposta diferente. Assim, quando falamos em abolicionismo
estruturalista, estamos diante de uma releitura do pensamento de Foucault aplicado a perspectiva
abolicionista. Ele é, portanto, a primeira referência contemporânea de saber contracultura (Salo de
Carvalho) – algo que está na essência do abolicionismo.
Nessa ideia, o sujeito congnoscente é um produto do poder. Lembrando da já anotada
“microfísica do poder”, não existe um sistema de poder (o “trono” ocupado por alguém que, ao ser
destronado, faz ruir todo o sistema moderno). Conforme afirma Zaffaroni, Foucault reconhece que de
um lado o poder expropriou os conflitos no momento da formação dos estados nacionais, e de ouro
nega o modelo de uma parte sobreposta ao litigante, como instância superior decisória, o que evidencia
sua crítica ao conceito de “justiça penal”. Conforme o argentino informa, embora Foucault não ofereça
considerações táticas para avançar rumo ao abolicionismo, permite “entrevê-las” quando aconselha a
“técnica do judoca”: quando se refere à debilidade que sofre o poder ao utilizar-se de violências, que
deixa apoiado em um só pé. Deve ser observado que a utilização da força do adversário, em substituição
ao emprego da própria violência, é um postulado básico de qualquer tese da “não-violência”.
Conforme explica Salo de Carvalho, a contribuição da ideia estruturalista de Foucault baseia-se
na capacidade que a sua perspectiva – sobretudo em Vigiar e Punir – teve de identificar dois níveis de
intervenção crítica. No primeiro, foi a possibilidade de enxergar que a criminologia tradicional nada mais
era do que uma forma de legitimação científica do sistema punitivo. A criminologia tradicional serviu, ao
longo da história, para justificar as práticas punitivas e sempre sob uma suposta – e falsa – ideia
humanista de ressocialização. Essa ideia foi embutida em todas as fases possíveis, inclusive no discurso
orientador da atuação legislativa, executiva e judicial – estabelece a ideia da pena clínica e correicional.
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No segundo nível de intervenção crítica, foi possível romper com a ideia do sistema punitivo. É
esse segundo nível que mais se aproxima de uma ideia abolicionista, sem prescindir do primeiro. O eixo
é entender que a estrutura punitiva não tem uma estrutura macro definitiva (novamente, não é
decorrente de um poder ocupado de um lugar no alto da estrutura – o trono), mas sim se opera em
razão de um complexo de relações quase imperceptíveis – micro poder – e por isso faz uso de
manobras, táticas e técnicas de manutenção. “Não se sabe ao certo quem detém o poder, mas se sabe
quem não os possui” - é uma ideia que consegue aproximar muito das premissas do abolicionismo.
Finaliza Salo de Carvalho ao explicar que o enfoque foucaultiano gera radical mudança no
discurso da criminologia crítica, legando fundamentos importantes ao desenvolvimento das demais
políticas abolicionistas.
Abolicionismo Materialista (Thomas Mathiesen): É possível dizer que a perspectiva
materialista de Thomas Mathiesen é uma aplicação do esquema marxista ao direito penal e criminologia
crítica. Tido como principal nome do direito penal, utiliza-se da ideia marxista para reclamar uma
eliminação completa do direito penal.
Vincula o sistema penal à organização do sistema capitalista, permitindo purgar não só pela
eliminação do sistema punitivo, mas também de todo e qualquer processo de repressão existente.
Reconhece que o abolicionismo é uma teoria inacabada, precisando ser enriquecida coma
vivência prática. Sustenta que o Estado é possuidor de uma capacidade extraordinária de “sedução”,
detentor de uma capacidade de transmutação única, e faz isso criando posições antagônicas de
aceitação ou recusa. Essas posições implicam o estar dentro ou fora, o que é uma maneira de controlar
– manipular – as passagens (de dentro para fora, ou de fora para dentro) de acordo com a sua política
de dominação e controle. Cria elementos e condições que vão garantir o desenvolvimento do sistema
abolicionista baseado na permanente situação de oposição e competição com o poder dominante.
Apesar de parecer fundada em uma teoria muito distante, foi a partir das ideias de Mathiesen
que mais surgiram práticas abolicionistas. Por exemplo, a sua publicação de “The politics os Abolition”
(1974) sugeriu a radical extinção de todo o sistema punitivo de alguns países (Noruegua, Holanda,
Bélgica). A partir disso, surge a Organização Norueguesa Anti-Carcerária (KROM) que reclama a extinção
de qualquer meio punitivo, afastando inclusive as propostas substitutivas (penas alternativas).
Estabelece algumas premissas que indicam a moratória sobre a construção de novas unidades
prisionais: i) alerta para a falácia que é a prevenção especial (ressocialização), e que na verdade esta tem
um efeito contrário de destruição da personalidade e fomento a reincidência; ii) o efeito da prisão em
relação a prevenção geral é totalmente incerto; iii) a maior parte dos crimes são contra a propriedade,
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que é um bem jurídico disponível; iv) a construção de novos presídios é irreversível; v) o sistema
prisional é uma instituição total (conceito de instituição que controla a vida das pessoas a ela
submetidas de forma completa – vide Laranja Mecânica), e, assim, tem um caráter expansivo, buscando
sempre aumentar seu poder, ou seja, construção de cada vez mais novas unidades; vi) as prisões são
modelos institucionais e desumanos; vii) o sistema prisional, ao invés de proteger, gera violência e
degradação dos valores culturais; viii) o custo econômico do modelo carcerário é inaceitável.

LINK: excelentes tópicos para discutir a expansão da malha carcerária – construção de


novos presídios – inclusive em uma Ação Coletiva que busca impugnar tal ato do poder
público

Mathiesen elabora a crítica ao “maxiencarceramento” ao expor os “escudos da prisão”, ou seja,


os discursos que tem como função ocultar a irracionalidade que é a existência dessas instituições
prisionais. Quem ergue esse escudo (sustenta do discurso) basicamente são os interessados na sua
manutenção: agentes da administração carcerária, cientistas sociais apegados manutenção da
criminologia oficial (tradicional), meios de comunicação. Acrescentem-se, a isso, os interessados
econômicos – empreiteiras, construtoras, fornecedoras de materiais de manutenção à rotina carcerária
(empresa de alimentação, segurança, indústria bélica etc).
Em razão desse discurso, revela que existe uma falsa percepção das instituições enquanto
aberrações que a sociedade não deveria aceitar. Decorre de um processo de “naturalização” do cárcere
enquanto solução, levando as pessoas a acreditarem que as prisões funcionam.
Como alternativa ao sistema punitivo, afirma que existiriam duas teses principais: a
necessidade de direcionamento de políticas sociais aos sujeitos vulneráveis e a descriminalização das
drogas. Indica que a “guerra contra o crime deveria se converter em uma guerra contra a pobreza”.
Propõe também uma nova forma de proteção às vítimas: compensação financeira pelo Estado, sistemas
de seguro simplificado, apoio econômico no caso de luto, abrigos protetivos e centros de apoio – seriam
estruturas e conceitos primordiais para modificar a lógica do sistema punitivo. Tal proposta tem como
paradigma alterar a preocupação do fato crime em relação ao seu autor, focando na vítima. Assim, ao
invés de aumentar a punição do transgressor, de acordo com a gravidade da transgressão, iria-se propor
o aumento do apoio à vítima de acordo com a gravidade das consequências da transgressão.
Obs.: embora a lógica, a primeira vista, indique um aumento no custo da política, isso é
facilmente desmistificável. Os “escudos protetores da prisão” também são responsáveis por esconder o
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quanto é caro e oneroso ao Estado a manutenção das prisões. Além disso, ao aumentar o tempo de
encarceramento, por exemplo, de uma pessoa, isso gera imediatamente um aumento exponencial das
despesas decorrentes do encarceramento.
Assim, Mathiesen é tido como o “estrategista do abolicionismo”, apresentando respostas
concretas, afastando a crítica da perspectiva utópica que teria a construção.
Abolicionismo fenomenológico-historicista (Nils Christie): o autor faz uma escolha pela história
para a construção e fundamentação da sua teoria abolicionista. Enxerga a verticalização do poder uma
maneira destrutiva das relações coletivas entre os indivíduos da coletividade. Essa verticalização não
gera apenas perigo, mas também danos que são de difícil reparação.
Christie faz uma severa crítica a Durkhein, constatando que sua construção doutrinária é
repleta de preconceito – pessoaliza a parada dizendo que é um homem branco que só enxerga a
igualdade entre os brancos – e sobretudo a ideia deste de que os processos de modernização sofridos
pela sociedade provocariam uma inevitável progressão. Questiona que progressão é essa, e sob quais
custos e pagos por quem.
Conclui que o sistema penal é encarregado exclusivamente de produzir dor e sofrimento como
forma de controle social. Assim, traça uma estratégia baseada em formas de redução ou imposição
mínima do sofrimento, buscando as opções aos castigos e não castigos opcionais (que sanções
alternativas, penas substitutivas).
#LINK: saiba diferenciar as penas alternativas das alternativas penais. Em uma, temos a
aplicação de alternativas à prisão (art. 44, CP). Em outra, temos alternativas ao uso do
direito penal (transação penal, por exemplo). As duas possuem críticas no
abolicionismo penal. Em relação as penas alternativas, embora louvável iniciativa de
redução dos danos, não deixam de legitimar o sistema penal baseado na sanção. Além
disso, nas duas formas “alternativas”, há um risco da expansão do direito penal – ao
invés de aplicar a alternativa sobre os casos que antes o sistema punitivo julgava e
prendia, este passa a ser utilizado no sentido de ampliar o alcance do modelo punitivo,
alcançando pessoas e atos ainda menores que antes eram “indiferentes” ao direito
penal.

Três premissas fundamentam a desconstrução do modelo de “tratamento” e etiológico do


sistema punitivo na vertente de Christie: i) os centros de tratamento dos delinquentes são similares – ou
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idênticos – ao cárcere comum; ii) os métodos “científicos” não tem êxito, por nunca impedirem a
reincidência; e iii) conceitos clínicos como periculosidade são absolutamente isentos de predicação.
No sistema punitivo geral, denuncia que o modelo punitivo se sustenta numa falsa imagem do
indivíduo, da sociedade e das formas de controle da violência, geralmente reduzidos a um sistema
binário (bom/mau; correto/incorreto) que gera a destruição dos laços societários horizontais.
Como solução, indica que o modelo punitivo poderia ser substituído por modelos de justiça
participativa e comunitária, mais próximas das relações privadas e não dos sistemas sancionatórios. A
reparação ou indenização do dano causado ganha espaço no lugar das sanções. Haveriam espaços de
“manejo de conflito” que seriam informais – já que a estatização do conflito revitimiza o sujeito passivo
onde se poderia realizar a justiça.3
Por sua vez, o Minimalismo Radical enquanto teoria deslegitimadora da pena parte dos
mesmos pressupostos de desconstrução da função manifesta da pena e esclarecimento da existência de
uma outra função não manifesta e nada nobre. Contudo, o ponto de partida é o mesmo, mas o de
chegada é diverso em relação ao abolicionismo. Não defende a supressão total e imediata do sistema
penal. Esta teoria defende a abolição a longo prazo, de forma mediata. Assim como o abolicionismo
penal, o minimalismo prega a abolição do direito penal, mas de maneira graduada.
Isso seria fruto de um contexto de mudanças e transformações sociais, sobretudo com base na
melhoria de direitos fundamentais básicos como saúde, educação, lazer, moradia, emprego, enfim uma
evolução no padrão de vida da população. O Direito Penal se manteria existente, mas somente para agir
no interesse de alguns bens sociais.
Para Baratta, em especial, a melhor política criminal corresponde a uma política de
transformação das estruturas sociais e de poder, uma política, enfim, de minimização das desigualdades
sociais, salientando que dentre os instrumentos de política criminal, o direito penal é o mais
inadequado, pelas razões já assinaladas. Daí porque não se trata de uma política de “substitutivos
penais”, vagamente reformista e humanitária, mas, sim, de uma política muito mais ambiciosa, de levar
a cabo profundas reformas sociais e institucionais para o desenvolvimento da igualdade, da democracia,
de formas de vida comunitária e civil alternativas e mais humanas. Enfim, a melhor política criminal é
uma política não-penal, que se socorre de intervenções que vão às raízes dos problemas, uma resposta
etiológica, e não uma resposta sintomatológica apenas. (QUEIROZ, 2005, p.103).
Entre os passos principais para essas transformações estaria a de deslegitimar o direito penal
3
Complementação: ler os artigos:https://jus.com.br/artigos/3556/manifesto-abolicionista-penal
http://emporiododireito.com.br/minimalismos-abolicionismos-e-eficientismo/ (Fonte: Artigos citados acima e CARVALHO,
Salo de. Antimanual de Criminologia – 2ªed. Lumen Juris, 2008)
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atual enquanto instrumento de proteção dos direitos de todos. Para Baratta, substituir o direito penal
por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma
sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta
ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma
sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de
transição, todas as conquistas possíveis para a repropriação, por parte da sociedade, de um poder
alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no
campo do controle do desvio. (BARATTA, 2002, p. 207)
A mesma crítica aplicada ao abolicionismo é enfrentada pelo minimalismo radical, sobretudo
quando taxados de medidas que deslegitima, como um todo, o sistema penal – e por consequência o
direito, a justiça, as instituições.
Para finalizar, ainda na perspectiva crítica da pena, podemos destacar a Teoria Agnóstica da
Pena (Zaffaroni) e a Teoria Dialética da Pena. Na primeira, Zaffaroni inicia sua construção a partir da
análise dos diversos modelos de intervenção estatal: tanto a pena (modelo punitivo), quanto o modelo
reparador (próprio do direito privado) e da intervenção direta (próprio do direito administrativo).
Nessa análise, o modelo punitivo é posto como aquele inapto a solucionar os conflitos que se
propõe. Seu efeito se restringe a suspender tais conflitos, ou seja, apresentar uma solução meramente
simbólica (publicamente aparenta ter dado solução), que exclui a vítima e acaba delegando ao tempo a
função real de dissipá-lo.
Elabora um conceito negativo da pena, ou seja, pena seria tudo aquilo que não é decorrente
das intervenções positivas (caráter reparador – restitutivo – ou coerção direta): pena é uma coerção,
que impõe uma privação de direitos ou uma dor, mas não repara nem restitui, nem tampouco detém as
lesões em curso ou neutraliza perigos iminentes.
Dessa forma, como em nenhuma sociedade a pena possui o discurso manifesto de operar
efeitos negativos, há sempre uma deslegitimação da pena. Para os seguidores dessa linha de
pensamento, a pena está apenas cumprindo o papel degenerador da neutralização, já que
empiricamente comprovada a impossibilidade de ressocialização do apenado. Não quer dizer que essa
finalidade de ressocializar, reintegrar o condenado ao convívio social deva ser abandonada, mas deve
ser revista e estruturada de uma maneira diferente.
Por sua vez, a Teoria Dialética tem igual discurso crítico, mas a partir da demonstração da
natureza real da retribuição penal nas sociedades modernas. Não associa o caráter retributivo da pena
que existe na realidade com qualquer aspecto histórico ou psíquico de vingança ou expiação. Preocupa-
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se mais em demonstrar a emergência histórica da retribuição equivalente como fenômeno específico


das sociedades capitalistas, pois a função de retribuição equivalente da pena corresponde aos
fundamentos das sociedades fundadas na relação entre capital e trabalho assalariado.
A partir daí se inicia uma construção de um pensamento crítico com grande influência da teoria
marxista sobre crime e controle social. Nessa tradição crítica, todo sistema de produção tende a
descobrir a punição que corresponde às suas relações produtivas, ou seja, se a força de trabalho é
insuficiente para as necessidades do mercado, o sistema penal adota métodos punitivos de preservação
da força de trabalho, e se a força de trabalho excede as necessidades do mercado, o sistema penal
adota métodos punitivos de destruição da força de trabalho. O sistema punitivo é um fenômeno social
ligado ao processo de produção.
Se a pena constitui retribuição equivalente do crime, medida pelo tempo de liberdade
suprimida segundo a gravidade do crime realizado, determinada pela conjunção de desvalor da ação e
de desvalor de resultado, então essa pena representa a forma de punição específica da sociedade
capitalista e que deve perdurar enquanto existir a sociedade de produtores de mercadorias. 4

4
(Ref.: https://www.google.com.br/url?
sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwj0rJa7_LLPAhXDiJAKHfXnDXoQFggeMAA&url
=http%3A%2F%2Fwww.unifacs.br%2Frevistajuridica%2Farquivo%2Fedicao_fevereiro2008%2Fdiscente
%2Fdis9.doc&usg=AFQjCNF9_FORHQUY-qGkljUNrhu30c7jBw)

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