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Gênero e divisão sexual do trabalho nas atividades desempenhadas por mulheres que

trabalham com artesanato.

Ellen Rafaela De Souza Freitas


Isabela Thamires Da Silva Souza
Maria Eduarda Barbosa de Barros
Universidade Federal Rural de Pernambuco

RESUMO
O presente artigo visa analisar a desvalorização do trabalho de mulheres artesãs, nas cidades
de Vitória de Santo Antão e Petrolina. Foram realizadas entrevistas, questionários
socioeconômicos, visando saber como esses trabalhos manuais ajudam na renda da família e
destacar o protagonismo das mulheres artesãs que através do artesanato buscam superar o
sistema patriarcal. Por fim, procuramos os obstáculos enfrentados pelas artesãs no
reconhecimento e valorização do trabalho, como essa atividade, para além da manutenção,
está ligada ao trabalho exercido por essas mulheres em suas casas.

Palavras chaves: artesanato; divisão sexual do trabalho; feminismo.

ABSTRACT
This article aims to analyze the devaluation of the work of women artisans in the cities of
Vitória de Santo Antão and Petrolina. Socioeconomic questionnaires were diverted, qualified
as these manual works in the family income and highlighting the protagonism of women
artisans who, through handicraft, seek to overcome the patriarchal system. Finally, we look
for the challenges faced by the artisans in recognizing and valuing their work, as this activity,
in addition to maintenance, is linked to the work performed by these women in their homes.

Keywords: handicraft; sexual division of labor; feminism

INTRODUÇÃO
A necessidade de ter informações sobre o trabalho exercido por mulheres que vivem do
artesanato foi o principal propósito deste artigo, pois estas continuam sendo o grupo que mais
cumprem jornadas duplas e até triplas, para obter alguma renda, mesmo com toda
disseminação do feminismo.
O trabalho artesanal é usado, muitas vezes, como aumento de renda em algumas casas, em
diversas situações é o sustento principal da família. E por falar em artesanato, muitos desses
trabalhos manuais são realizados pelo público feminino: compra da matéria prima, realização
do trabalho e venda. Chamamos atenção como essa prática pode ser exaustiva para o público
feminino.
Abordar esse tema nos remete a questão de que as concepções de trabalhos formais ou
mercado de trabalho, não dão conta das diversas atividades historicamente realizadas por
mulheres e que muitas dessas atividades, não contam nas estatística oficiais. Com isso
podemos afirmar que as mulheres sempre trabalharam, entretanto, muitos dos seus trabalhos
não são valorizados pelo capitalismo, que valoriza as atividades que geram mais-valia, e que
são realizados em espaços públicos, menosprezando os realizados nos espaços domésticos.
As histórias de vida em nosso trabalho são importantes por darem visibilidade às trajetórias
das mulheres envolvidas. É através dessas histórias que se encontram as raízes e
aprendizagens, tanto do artesanato, como dos papéis sociais de gênero que realizam no
cotidiano.
A metodologia utilizada decorre da teoria-metodológica denominada pesquisa/formação,
que utiliza a mediação de uma metodologia de pesquisa vinculada às histórias de vida.
É através do diálogo e atividade de rememoração que as entrevistadas revelam a sua opinião
e encontram a oportunidade de se autoavaliar em relação ao que lhe é perguntado. As
questões levantadas na pesquisa as fazem pensar, lembrar e conscientizar-se em relação aos
seus trabalhos. Também foram utilizadas entrevistas em formato de vídeo para compor o
trabalho.
Delory- Momberger (2008), em sua obra, Biografia e Educação: figuras do indivíduo-
projeto, denomina sua metodologia de pesquisa como ateliê biográfico de projeto . Trazendo
essa ideia para nossa pesquisa, temos um ateliê biográfico do artesanato, onde reunimos
biografias, que possibilitam conhecer e entender o aprendizado referente aos diversos tipos de
artesanatos. Com a intenção de trocar vivências, valorizar e assumir a incorporação dessas
atividades produtivas na constituição das identidades femininas
As narrativas são ferramentas fundamentais, pois permitem uma aproximação, com os
aprendizados e experiências das mulheres que estão envolvidas na investigação.

O TRABALHO FEMININO
O processo de entrada feminina no mercado de trabalho começou tardiamente, e ao mesmo
tempo, a remuneração não é igualitária, a dinâmica familiar patriarcal também contribui para
um atraso da vida profissional da mulher no mercado de trabalho, além disso há um certo
preconceito com atividades exercidas majoritariamente por mulheres. Esse tipo de dinâmica
está presente também no artesanato.
Historicamente as mulheres sempre estiveram mais ligadas a certos tipos de trabalhos
artesanais voltados mais ao lar (como a tecelagem por exemplo) mas, esse tipo de atividade
enfrenta uma dificuldade de ser vista como trabalho de fato, e após a revolução industrial esse
preconceito se tornou maior ainda devido o modo de produção burguesa. Foi após a revolução
industrial e primeira guerra mundial que as mulheres passaram a trabalhar nas indústrias, mas,
a remuneração delas eram mais baixas que as dos homens e elas continuavam exercendo
trabalhos em suas casas, fazendo uma jornada dupla de trabalho.
Essa dinâmica de trabalho não mudou muito com o tempo, até hoje as mulheres ganham
menos que homens e enfrentam dificuldades de terem seus trabalhos levados a sério. A
produção artesanal enfrenta sérios problemas de desvalorização dentro da sociedade, por
exemplo a artesã Severina Carvalho relata em sua entrevista a falta de ajuda do governo para
quem trabalha com artesanato, os que são feitos por homens tem algum prestígio maior do
que os que são fabricados por mulheres, fora que ainda existe a visão de que os ganhos dessas
mulheres são vistos como suplementação de renda mesmo quando boa parte do dinheiro da
casa vem delas. As próprias artesãs relatam que veem suas obras e dinheiro desse mesmo
modo, e isso afeta até as formas com que consomem os frutos de seus trabalhos.

MANUTENÇÃO DO MACHISMO
As mulheres exercem diversos trabalhos e sendo, unicamente, responsáveis pela criação dos
filhos. Heleieth Saffioti, em seu livro O Poder do Macho (1987), fala a respeito dessa
socialização feminina na criação dos filhos:

“A socialização dos filhos, por exemplo, constitui tarefa


tradicionalmente atribuída às mulheres. Mesmo quando a mulher
desempenha uma função remunerada fora do lar, continua a ser
responsabilizada pela tarefa de preparar as gerações mais jovens para
a vida adulta. A sociedade permite a mulher que delegue esta função a
outra pessoa da família ou a outrem expressamente assalariado para
este fim.” (SAFFIOTI, 1987, p.8)

Ao nos lançarmos para a história, notamos que só mulheres de classes médias podem se dar
ao trabalho de não realizar atividades domésticas, como explicou Saffioti (1987). Não é o
caso das artesãs que são responsáveis pelos filhos e pela manutenção da casa, para muitas isso
é uma questão de liberdade; tal como a história da artesã Débora de Souza que iniciou seus
trabalhos por hobby após largar seu emprego formal para se dedicar a criação dos filhos;
mesmo que o dinheiro seja para organização da casa. Em uma das entrevistas nos chamou
atenção que uma artesã falou, para Marta Alves, 38 anos e artesã há seis anos, o dinheiro que
recebe ajuda na criação dos filhos e faz com que a renda da casa aumente. “O dinheiro não é
muito, mas ajuda em casa. Apenas o dinheiro do meu marido não era suficiente” diz Marta.
Dona Tereza, 52 anos, aprendeu, com a mãe e sua avó, o ofício da costura, bordado e
tecelagem. A artesã diz que na época isso era para ajudar nos custos da casa,“Os homens
aravam a terra e as mulheres cuidavam da colheita, cuidados com os filhos e alimentação.”,
explica Dona Tereza. O artesanato serviu para contribuir no sustento familiar. É muito comum
que mulheres sejam incumbidas das atividades domésticas, sendo algo comum na sociedade
patriarcal. Kergoat (2009) explica que existe uma destinação masculina para atividades
produtivas e às mulheres as atividades reprodutivas: limpeza da casa, cuidados com os filhos
etc, o que ela chama de Divisão Sexual do Trabalho.
Mesmo diante de obrigações com manutenção da casa, elas veem no artesanato uma forma de
reconhecimento, muitas das artesãs entrevistadas falaram que gostam de receber elogios por
seus trabalhos, uma atividade além da doméstica.

ANÁLISE E DISCUSSÃO

Com a pesquisa, percebemos que o aprendizado do artesanato revela a trajetória de vida das
mulheres envolvidas. As mesmas aprenderam seus trabalhos na infância, em ambientes
vinculados à família onde as figuras femininas como mães, avós, tias, passam seus
conhecimentos, que vêm das gerações passadas.
O artesanato produzido está rompendo com o espaço doméstico e se tornando cada vez mais
público, tornando-se fonte de renda para várias mulheres.
Essas entrevistas são mais que um momento de coleta de dados, são momentos de reflexão
em relação a um contexto de construção de consciência das pessoas envolvidas.
Buscamos como resultado, que a investigação feita contribua para o processo de
conscientização e emancipação das mulheres envolvidas, que através do reconhecimento e
valorização dos seus conhecimentos, possam planejar seus futuros e qualificar suas atuações
não apenas nos espaços domésticos, mas nos mais diversos espaços sociais.
Referências:
ARTESANATO Sustentável, Entrevista artesã Débora de Souza no Programa Evidence.
Colatina, 2016. Color.
DELORY-MOMBERGER, Christine. Biografia e Educação: figuras do indivíduo- projeto.
Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008.
ENTREVISTA com a artesã e artista Nena Goubeu de Santo Antônio do Salto da Onça
RN. Santo Antônio do Salto da Onça/RN, 2021. Color.
KERGOAT, Danièle. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. In: HIRATA,
H. et al (org.). Dicionário Crítico do Feminismo. Editora UNESP : São Paulo, 2009
SAFFIOTI, Heleieth. O Poder do Macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987

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