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O sagrado nórdico: crenças e mitos da Escandinávia Medieval (The sacred


nordic: beliefs and myths of Medieval Scandinavia). João Pessoa: Editora da
UFPB, 2018, 182 p., ilustrado. I...

Book · February 2018

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Johnni Langer
Universidade Federal da Paraíba
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2
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2018

3
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4
Johnni Langer

O SAGRADO
NÓRDICO
CRENÇAS E MITOS
DA ESCANDINÁVIA
MEDIEVAL

5
SUMÁRIO:

1. Conceituando a Religião Nórdica Antiga


2. O simbolismo da águia
3. Constelações e mitos celestes
4. Bebidas e sagrado
5. A religião dos Vikings no cinema
6. O sacrifício a Freyr: notas sobre ritual na série
Vikings
7. Bibliografia

6
CONCEITUANDO A RELIGIÃO
NÓRDICA ANTIGA
Em nossos dias a mitologia nórdica constitui um tema extremamente
popular, sobrevivendo nas reapropriações artísticas, na mídia e ocupando grande
parte dos estudos acadêmicos dedicados à Era Viking. Mas ela encobre uma
parcela do qual ainda existem poucas fontes e do qual conhecemos apenas uma
parte fragmentada: a religiosidade, as práticas relacionadas aos ritos, a cosmo-
visão e os significados simbólicos. Os mitos ocupam uma parte importante deste
universo pré-cristão, mas eles não são sinônimos de religião nórdica antiga. A
principal função deste presente trabalho é realizar uma rápida sistematização
historiográfica dos estudos sobre religião na área escandinava, proporcionando
aos pesquisadores brasileiros a oportunidade de conhecerem um pouco mais
este fascinante e pouco conhecido tema dos estudos medievais.

Conceituando religião e religião nórdica

Os debates conceituais sobre religiosidade nórdica, na realidade, estão


envolvidos diretamente com o próprio conceito de religião: trata-se de um assunto
que sempre ocupou grande quantidade de publicações acadêmicas, definir o que
é religião. A abordagem mais tradicional, nascida ainda no século XVIII era
atrelada a ideia da existência de uma natureza humana predisposta ao fenômeno
religioso, ou seja, religião era um sentimento natural voltado ao sobrenatural.1
A ideia do Homo religiosus foi o substrato fundamental dos estudos oitocentistas
e de grande parte da fenomenologia, a exemplo de Mircea Eliade.2 Este último,
em suas obras, procurou mais um sistema descritivo do que explicativo, buscando
uma tipologia genérica das formas e práticas religiosas3. A essência da religião
era mais buscada do que a sua história. Ao construir seu modelo comparativo,

1HERMANN, Jaqueline. História das religiões e religiosidades. In: CARDOSO, Ciro & VAINFAS, Ronaldo. (org). Domínios da história. RJ:
Campus, 2010, pp. 315-336.

2A fenomenologia consiste na ideia de atribuir uma unidade à experiência religiosa numa perspectiva claramente teológica, a exemplo
de Rudolf Otto e o sagrado como essência de toda religião. Mas o teórico responsável pela popularização da fenomenologia foi
Mircea Eliade, para o qual a multiplicidade dos fenômenos culturais eram expressas pela mesma essência religiosa. AGDOLIN,
Adone. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São Paulo: Paulinas, 2013, pp. 43-50. Uma detalhada sistematização
das críticas à teoria fenomenológica e a noção universalista do sagrado podem ser encontrada em: USARKI, Frank. Os enganos
sobre o sagrado: uma síntese da crítica ao ramo clássico da fenomenologia da religião e seus conceitos-chave. Rever: Revista de
Estudos de Religião 4, 2004, pp. 73-95.

3 CARDOSO, Ciro. História das religiões. Um historiador fala de teoria e metodologia. Bauru: Edusc, 2005, p. 211.

7
Eliade buscava a essência dos fenômenos de crença, criando generalizações,
regras a-históricas e interpretações irracionalistas.4
Já algumas das abordagens da Antropologia cultural definiram a religião
como uma crença no sobrenatural, mas atuando como uma força coercitiva de
uma sociedade. Criam-se pessoas qualificadas para tratar esse sobrenatural, os
sacerdotes e suas técnicas, e também templos e hierarquias, originando os as-
pectos institucionais que são característicos das religiões.5
As definições conceituais da religião enquanto espaço puramente sagrado
da natureza humana ou de uma dimensão a-histórica também foram recente-
mente criticadas pela historiografia norte-americana. Em primeiro lugar, para
ela não existe consenso acadêmico no conceito de religião e sagrado, sendo ambas
dependentes do contexto histórico e cultural. E também, a perspectiva fenome-
nológica, semântica e conceitual da religião tem deficiências e limitações. Não
existiria um padrão universal de religião: as comparações são superficiais ou
deficientes, sendo a perspectiva fenomenológica denominada de pseudoteológica.
O caminho alternativo seria a comparação histórica que não ofereça princípios
universais ou essências a-históricas: a semelhança não necessariamente leva a
uma essência humana. Os elementos comuns e coletivos das religiões levam a
um modelo que não é universalista, uma referência mutável, uma categoria sem
demarcação. O sagrado não necessariamente seria real ou natural, mas um
conceito descritivo. O conteúdo transcendente da religião deve ser considerado
como inexistente e estudado sempre a partir de um contexto cultural
especifico.6
Durante o século XIX, os primeiros estudos sobre a religiosidade nórdica
antiga denominavam essa prática de “fé dos ases” ou “religião dos ases”, que
mais tarde originou o termo moderno Asatru. Uma doutrina originada dos
germanos antigos, cujo sistema religioso foi preservado pela Edda Poética e Edda
em Prosa, sendo a fé e os costumes religiosos comuns aos todos os povos escan-
dinavos e preservados nos manuscritos islandeses da Idade Média Central.7 Essa
ideia de que as fontes mitológicas serviriam como principal base para os estudos
da religião nórdica nortearam os estudos até pouco tempo atrás: mitos, contos

4 HERMANN, op.cit., p. 321.

5 TITIEV, Mischa. Introdução á Antropologia cultural. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1979, p. 290-298.

6 ENGLER, Steven. Teoria da religião norte-americana: alguns debates recentes. Rever: Revista de Estudos de Religião 4, 2004, pp. 27-42.

7 KEYSER, Rudolph. The religion of the northmen, 1854. Originalmente publicado em norueguês: Nordmændenes religionsforfatning i
hedendommen (1847). Disponível em: http://www.norron-mytologi.info/diverse/ReligionOfNorthmen.pdf Acesso em 30 de junho
de 2014.

8
e tradições das Eddas formariam a base principal da fé escandinava8 pelo fato de
conterem a noção de sagrado – uma categoria a priori, transcendente e pertencente
ao espírito humano de qualquer época.9
E de certa maneira, quase todos os estudos sobre a religião nórdica publi-
cados no século XX tiveram algum tipo de influência da fenomenologia. A famosa
mitóloga britânica Hilda Davidson, por exemplo, cita em 1964 que essa religio-
sidade “era modelo para um comportamento social e a tentativa de definir, em
histórias de deuses e demônios, sua percepção das realidades interiores”.10
Também a visão de outro pesquisador britânico, Raymond Page, de que os mitos
nórdicos constituem manifestações de narrativas originadas por proezas histó-
ricas, fenômenos da natureza e sentimentos humanos11 é tanto a mescla de um
romantismo oitocentista quanto do conceito de que o numinoso seria a base de
todas as crenças religiosas. Outro modo de conceituar a religiosidade nórdica
proveio do estruturalismo, que parcialmente era influenciado por pressupostos
culturais. Assim, para Dumézil, a religião nórdica seria a expressão ideológica
da tripartição indo-européia, de cujos mitos seriam a máxima expressão.12
Os pesquisadores que publicaram estudos entre 1970 a 1990 iniciaram uma
nova fase nos estudos sobre a religiosidade nórdica antiga.13 Apesar de utilizarem
métodos diferentes, muitos chegaram a um denominador comum: esta religio-
sidade teria sido caracterizada por um falta absoluta de unidade e um complexo
dinamismo. O historiador francês Régis Boyer foi pioneiro neste referencial,
inicialmente em 1974 e depois em várias publicações. Para ele, a cultura pré-cristã
não possuía o conceito tradicional de religião, fé, adoração ou oração, sendo uma

8 BRØNSTED, Johannes. Crenças religiosas e costumes referentes ao sepultamento dos mortos. Os vikings. São Paulo: Hemus, s.d.
(Original de 1958), p. 247. Na mesma direção, o escandinavista britânico Turville-Petre analisava a religiosidade estritamente a
partir das fontes literárias centro medievais: TURVILLE-PETRE, E. O. G. The sources. Myth and Religion of the North: the religion of
Ancien Scandinavia. London: Weidenfeld and Nicolson, 1964, pp. 1-34.

9 MASSENZIO, Marcello. A história das religiões na cultura moderna. São Paulo: Hedra, 2005, pp. 85-98.

10 DAVIDSON, Hilda R. E. Deuses e Mitos do Norte da Europa. São Paulo: Madras, 2004 (Original de 1964), p. 7.

11 PAGE, Raymond Ian. Mitos nórdicos. São Paulo: Centauro, 1997, p. 7.

12 DUMÉZIL, Georges. Los dioses de los germanos: ensayo sobre la formación de la religión escandinava. México: Siglo Veintiuno Editores,
1990, p. 24. Não vamos neste artigo examinar as diversas críticas às teorías religiosas do estruturalismo indo-europeu. Para
maiores detalhes destas reflexões e revisões realizadas pelos escandinavistas, consulte-se o trabalho: BOULHOSA, Patricia Pires. A
*mitología escandinava de Georges Dumézil: uma reflexão sobre método e improbabilidade. Brathair 6(2), 2006, pp. 3-31.

13 Para uma discussão sobre os principais pressupostos teóricos em religiosidade nórdica, dos autores oitocentistas até os pós-
estruturalistas, consultar: DAVIDSON, Hilda. The interpreters. The lost beliefs of Northern Europe. New York: Routledge, 2001, pp.
144-159; ORTON, Peter. The interpretation of Old Norse Pagan myths. In: MCTURK, Rory (Org.). Old Norse-Icelandic Literature
and Culture. New York: Blackwell, 2007, pp. 311-317; MUNDAL, Else. Theories, explanatory models and terminology: possibilities
and problems in research on Old Norse mythology. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse Religion in long-term
perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 285-288; ROSS, Margaret Clunies. The
measures of Old Norse religion in long-term perspective. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse Religion in long-
term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 412-416; LANGER, Johnni. Cultura e
religiosidade. O conto de Völsi: aspectos do paganismo na Era Viking. Relens Thréskeia: revista de estudos e pesquisas em religião
2(2), 2013, pp. 105-112; LANGER, Johnni. O passado e o futuro dos estudos de religiosidade viking. Religião e magia entre os
Vikings. Brathair 5(2), 2005, pp. 78-79.

9
religiosidade empírica e sem dogmas.14 Posteriormente, adiciona os referenciais
de uma prática rural, mágica e de culto aos mortos ancestrais.15 Em alguns de
seus últimos trabalhos, Hilda Davidson procurou definir a religiosidade nórdica
em torno de sua cultura material, recuperando a história da arte e a iconografia
como bases para o estudos dos antigos ritos, também aproximando-se dos cultos
dos povos celtas para análises comparativas.16 Assim, para Davidson, a religião
nórdica apresentava-se com uma complexidade muito maior do que supunha
anteriormente.
Mas a obra mais importante da produção deste período, que abriu as in-
vestigações sobre o tema para um novo patamar foi Nordic religions in the Viking
Age, de Thomas Dubois. O livro foi instigante desde o título, alertando para a
multiplicidade em vez do tradicional conceito unitário. Além disso, o autor utiliza
um referencial geográfico e cultural para conceituar o paganismo nórdico: ao
mesmo tempo em que este se apresenta como comunidade descentralizada de
fé, estava intimamente relacionado a influências estrangeiras (vínculos econô-
micos, linguísticos e culturais), tornando ainda mais dinâmica essas práticas.
Para definir religião, DuBois seguiu basicamente dois autores: a teoria religiosa
de Karl Luckert (enquanto construção humana da realidade) e a religião como
sistema cultural de Clifford Geertz. Assim, o pesquisador enfatiza muito a di-
nâmica social e cultural da experiência religiosa, evitando a perspectiva feno-
menológica e universalista ou atemporal.17
Na mesma década de 1990, algumas publicações reforçavam o caráter
multidinâmico da religiosidade nórdica, obrigando os pesquisadores a tentarem
encontrar outros caminhos conceituais para ela. Em uma coletânea de ensaios
provocadores, John Mckinell atentava para a extrema variedade e mudança na
experiência e criatividade religiosa pré-cristã, elaborando uma série de questio-
namentos sobre as fontes e as concepções tradicionais. As mudanças seriam
vistas como sinal de vitalidade na religiosidade e não sinais de decadência ou
derrota.18 Por sua vez, o norueguês Preben Meulengracht Sørensen elaborou a
ideia da interpretatio norrœna – o paganismo tardio foi composto por influências
cristãs em seus cultos e mitos, transformados dinamicamente em um hibridismo

14 BOYER, Régis. Yggdrasill: la religion des anciens Scandinaves. Paris: Payot, 1981, p. 7.

15 BOYER, Régis. Essai sur la mentalité religieuse des anciens Scandinaves. Le Christ des barbares: Le monde nordique (IX-XIII siècle). Paris:
Les Éditions du Cerf, 1987, pp. 17-74.

16 DAVIDSON, Hilda. Myths and Symbols in Pagan Europe: Early Scandinavian and Celtic Religions. Manchester: Manchester University
Press, 1988; DAVIDSON, Hilda. The lost beliefs of Northern Europe. New York: Routledge, 2001 (Original de 1993).

17 DUBOIS, Thomas A. Religions in the Viking Age: contexts and concepts for analysis. Nordic Religions in the Viking Age. Pennsylvania:
University of Pennsylvania Press, 1999, pp. 30-44.

18 McKINNELL, John. Both one and many: essays on change and variety in late norse heathenism. Roma: Il Calamo, 1994, pp. 9-11,
20-27; 129-138.

10
próprio, descartando a teoria da inserção de elementos cristãos nas fontes lite-
rárias após a conversão.19
Entre a década de 1990 e os anos 2000 teve início uma série de pesquisas
e publicações que se tornaram a grande referência conceitual sobre o tema, com
aplicações e influências diretas até nossos dias. Um grupo de diversos pesqui-
sadores europeus,20 baseados essencialmente em um referencial arqueológico e
material da religiosidade nórdica, iniciou um novo patamar de investigações,
polêmica, debates e temas de estudo. Em essência, este grupo (de forma conjunta
entre alguns autores ou individualmente) conclama uma “desconstrução do
paganismo nórdico” (os estudos anteriores sobre religião nórdica privilegiaram
o institucional e o intelectual, deixando de lado o ritual ou apenas interpretando
os mitos) e uma nova imagem da prática religiosa pré-cristã, onde seus elementos
internos são constantemente mutáveis e hibridizados,21 bem como o conceito
básico de uma religiosidade integrada com a vida social, política e cotidiana.22
Influenciado por este grupo, mais recentemente o pesquisador Andreas
Nordberg realizou a mais profunda reflexão conceitual sobre a religião nórdica
antiga.23 O primeiro elemento que ele questiona é a respeito do cristocentrismo:
os pesquisadores tem aplicado conceitos e ideias que tem origem no referencial
de religião cristã.24 Assim, essa visão levou a dois caminhos: ou se tentou abolir

19 SØRENSEN, Preben Meulengracht. Religions old and new. In: SAWYER, Peter (org.). The Oxford illustrated history of the Vikings. New
York: Oxford University Press, 1997, pp. 204-205.

20 Principalmente representado pelos pesquisadores Neil Price (Universidade de Aberdeen, Escócia), Kristina Jennbert (Universidade
de Lund, Dinamarca), Anders Andrén (Universidade de Estocolmo, Suécia), Catharina Raudvere (Universidade de Copenhague,
Dinamarca), Jens Peter Schjødt (Universidade de Aarhus, Dinamarca), Anne-Sofie Gräslund (Universidade de Uppsala, Suécia) e Gro
Steinsland (Universidade de Oslo, Noruega).

21 ANDRÉN, Anders; JENNBERT, Kristina; RAUDVERE, Catharina. Old Norse religion: some problems and prospects. In: ANDRÉN;
JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic
Academic Press, 2006, pp. 11-15.

22 HULTGÅRD, Anders. The religion of the Vikings. In: BRINK, Stefan (Ed.). The Viking World. London: Routledge, 2008, pp. 212-213.
Neste trabalho, Hultgård foi influenciado por publicações anteriores de Gro Steinsland: o conceito de mito não é idêntico ao
de religião e a religiosidade nórdica pré-cristã foi essencialmente étnica, baseado sua identidade no culto. Essas ideias também
foram popularizadas para pesquisadores de línguas neolatinas, como ANTÓN, Teodoro Manrique. Religión nórdica precristiana
y conversión. Ecos literários del paganismo nórdico: estúdios de los motivos precristianos en la Saga de Gísli Súrsson. Tese de
Doutorado em Filologia pela Universidade de Salamanca, 2000, pp. 103-109; BERNÁRDEZ, Enrique. Sobre algunas ideas religiosas
de los germanos. Los mitos germánicos. Madrid: Alianza Editorial, 2010, pp. 67-76.

23 Um outro exemplo recente da influência do grupo dinamarquês nos estudos sobre religiosidade nórdica pré-cristá é a dissertação
de mestrado em História: CHVALKOVSKA, Marketa. The religious roles in pré-Christian Scandinavia. University of Aberdeen, 2013.

24 NORDBERG, Andreas. Continuity, change an regional variation in Old Norse Religion. In: RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens
Peter. (Eds.). More Than Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian Scandinavian Religions.
Lund: Nordic Academic Press, 2012, pp. 120.

11
o termo religião para o estudo das práticas nórdicas pré-cristãs25 ou criaram-se
referenciais moralistas para sua interpretação.26
Para Nordberg a tentativa de retirar o termo religião denota a própria in-
terpretação de que estas antigas práticas nórdicas foram tratadas como algum
tipo de semi religião: ela não se adequaria à categoria universal das grandes
religiões históricas, reveladas e supostamente uniforme. Mas ele questiona que
o próprio cristianismo não foi totalmente homogênea em seu início até o advento
da modernidade, tanto nas variadas formas das práticas sociais quanto nas
interpretações teológicas.27 Quanto ao referencial moralista, segundo Nordberg
ele foi aplicado num mesmo sentido em que os viajantes e missionários do século
XVIII descreviam as religiosidades de populações não cristãs pelo mundo – onde
a categoria religião era definida a partir da experiência cristã.28
Em seguida Nordberg discute as terminologias empregadas para designar
as práticas religiosas pré-cristãs e seu conteúdo ideológico. O primeiro termo,
religião nórdica antiga, provém da utilização de uma categoria geográfica e
temporal criada por influência dos estudos filológicos (a linguagem do nórdico
antigo) e geralmente foi localizada na Era Viking (um conceito temporal cons-
truído pelos historiadores). O segundo, religião nórdica pré-cristã, enfatiza a
periodização confrontada com o cristianismo, enquanto que o popular termo

25 ANDERSON, Carl Edlund. Scandinavian religion & politics in relation to Christian Europe. Formation and resolution of ideological
contrast in the early history of Scandinavia. Dissertação de Doutorado em Estudos Nórdicos, Universidade de Cambridge, 1999, p.
82. Para uma crítica detalhada aos opositores do uso do termo religião para as práticas nórdicas pré-cristãs, consultar: LINDBERG,
Anette. The concept of religion in current studies of Scandinavia Pre-christian Religion. Temenos 45(1), 2009, pp. 85-119.

26 Neste sentido, geralmente quando era tratado o confronto entre as religiosidades cristã e pagã, apontava-se a superioridade
daquela que permaneceu no mundo nórdico, a exemplo das afirmativas de alguns historiadores: “(...) tivemos a preocupação de
descrever sua organização social bem como o impacto benéfico que o cristianismo, a longo prazo, exerceu sobre sua cultura (...)
o cristianismo, a longo prazo, moldou, orientou e civilizou suas energias” (COSTA, Ricardo da; PAES FILHO, Orlando. Vikings. São
Paulo: Planeta, 2004, p. 5, 26); “A fé pagã deve ter sido fraca (...) aquelas crenças seriam suplantadas pela claridade da fé cristã.
Uma religião que oferece ao homem comum conceitos vagos e contraditórios do que ele encontrará depois da vida não é uma
religião potente e este é o caso de toda fé politeísta” (BRØNSTED, Johannes. Os vikings. São Paulo: Hemus, s.d., p. 239, 274); “(...)
parecem freqüentemente obscuros e, de certo modo, primitivos (...) Pode ter parecido atraente ter um deus único em lugar dos
muitos deuses que com freqüência se mostravam inúteis” (ROESDAHL, Else. The Vikings. London: Penguin, 1998, p. 148-167).
Segundo Nordberg, esses referenciais moralistas sugerem uma visão de religiosidade influenciada pelo cristocentrismo, ideias
raciais e evolucionistas. NORDBERG, op. Cit., p. 144.

27 NORDBERG, op. cit., p. 121.

28 Um autor especialmente criticado por Nodberg é Torsten Blomkvist, para o qual o termo religião deveria ser aplicado somente para
o cristianismo medieval. Segundo Blomkvist, na ilha de Gotland antes da cristianização, por exemplo, não existiria tradição ritual e
religiosa antes da cristianização. NORDBERG, op. cit., p. 145. Neste mesmo caminho, a acadêmica Alexandra Sanmark utiliza um
referencial de alta e baixa religião, no mesmo sentido que Blomkvist. SANMARK, Alexandra. Pre-Christian religious custom and
early Christianity in Scandinavia. Power and conversion: a comparative study of christianization in Scandinavia. Tese de Doutorado
em Arqueologia e História Antiga, University College London, 2004, pp. 147-181.

12
paganismo possui conotações pejorativas.29 Já para outro influente acadêmico,
Jens Schødt, não seria correto pensar em uma religião nórdica,30 devido ao fato
de que as religiões não existem em estado “puro”, intocada por concepções e
visões de mundo de ouras regiões, sendo sincréticas e mutáveis por natureza,31
mas por falta de melhor opção, ele próprio continua a empregar o termo religião
nórdica antiga.32

Os métodos e conceitos aplicados para investigação

Desde o século XIX, ao lado das diversas teorias, vários métodos foram
aplicados no estudo da religiosidade nórdica pré-cristã, como investigações
linguísticas, heurísticas, paleográficas, codicológicas, folclóricas, entre outras.33

29 O termo pagão originalmente veio do latim paganus (aldeão, homem do campo) e era aplicado às religiões politeístas em geral,
mas também foi associado em algumas ocasiões às religiões monoteístas não cristãs (como islamismo e judaísmo). LOYN, Henry.
Paganismo. Dicionário da Idade Média. Rio de Janeiro: Zahar, 1989, p. 285. A palavra correspondente em nórdico antigo, heiðinn,
surgiu pela primeira vez no poema escáldico Hákonarmál 21 (composto em 962 d. C.) e foi influenciada pelo anglo-saxão hæden (do
qual derivou o moderno termo heathen). McKINNELL, John. On heiðr. Saga-Book 25, 1998-2001, p. 399. No contexto das sagas
islandesas, geralmente heiðinn é utilizada em contraposição ao comportamento, ideologia e práticas do cristianismo. LANGER,
Johnni. Pagãos e cristãos na Escandinávia da Era Viking. Revista Brasileira de História das Religiões 4(10), 2011, pp. 1-22. Não existe
um termo em nórdico antigo para religião, mas uma palavra utilizada também para contrapor a prática pré-cristã à religiosidade
emergente: forn siðr (costume antigo, o paganismo) e inn nýi siðr (costume novo, o cristianismo). BOYER, Régis. Yggdrasill: la religion
des anciens Scandinaves. Paris: Payot, 1981, p. 7. Outros termos empregados: religião pagã, paganismo, culto escandinavo antigo,
culto de fertilidade. Recentemente, a utilização do termo e do conceito do paganismo para a Era Viking foi duramente criticada.
STURTEVANT, Paul. Contesting the semantics of Viking Religion. Viking and Medieval Scandinavia 8(1), 2012, pp. 261-278.

30 Numa perspectiva muito semelhante (mas defendendo a conservação conceitual do termo religião nórdica), Maths Bertell reflete
sobre a diversidade entre as diversas religiões da Escandinávia pré-cristã, não criando fronteiras, por exemplo, entre finlandeses e
nórdicos. BERTELL, Maths. Where does Old Norse religion end? Reflections on the term Old Norse religion. In: ANDRÉN, Anders;
JENNBERT, Kristina & RAUDVERE, Catharina. (Eds.). Old Norse religion in long-term perspectives: origins, changes and interactions.
Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 298-302.

31 Ele atenta para três níveis de religiosidade: a de uma comunidade (pequena escala); a definida pela geografia, sociologia ou dogmas
de um grupo (grande escala); outras compartilhadas elas pessoas de certos estratos sociais como reis, líderes e seu círculo; e por
fim, as que são compartilhadas por pobres ou ricos, como nas religiões mundiais do islamismo e cristianismo. SCHJØDT, Jens
Peter. Reflections on aims and methods in the study of Old Norse Religion. In: RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens Peter. (Eds.).
More Than Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian Scandinavian Religions. Lund: Nordic
Academic Press, 2012, pp. 266-267.

32 Apesar do popular uso do termo paganismo, os termos mais utilizados recentemente pelos pesquisadores do tema vem sendo: Religião
Nórdica Antiga (Old Norse Religion, ONR em inglês, em contraposição ao cristianismo, que seria a religião nova da Escandinávia)
e Religião Escandinava Pré-Cristã (Pre-Christian Scandinavian Religion, PCSR, em inglês). Do mesmo modo que Schjødt, outros
pesquisadores também rejeitam o termo religião aplicado ao contexto pré-cristão, mas continuam a utilizá-lo devido ao senso
moderno para delimitar o campo de pesquisa: ANDRÉN, Anders; JENNBERT, Kristina; RAUDVERE, Catharina. Old Norse religion:
some problems and prospects. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse Religion in long-term perspectives: origins,
changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 12. Para um panorama temático dos estudos de religiosidade
nórdica pré-cristã em língua portuguesa, consultar os verbetes: LANGER, Johnni (Org.). Alma e espiritualidade; Amuletos mágicos;
Animais totêmicos; Banquetes rituais na Era Viking; Blót; Cavalo; Destino; Espaços sagrados; Funerais e enterros; Hierogamia;
Ídolos e imagens; Jól; Magia e feitiçaria nórdica; Níð; Nove; Paganismo nórdico; Poesia pagã feminina; Realeza sagrada nórdica;
Ritos nórdicos; Ritos Rus´; Sacerdócio; Sacrifício escandinavo; Seidr; Templo de Uppsala; Templos e edifícios religiosos; Volsi;
Xamanismo nórdico. Dicionário da Mitologia Nórdica: símbolos, mitos, ritos. São Paulo: Hedra (no prelo).

33 Uma recente sistematização dos estudos linguísticos da religiosidade nórdica pode ser conferida em: JACKSON, Peter. The merits and
limits of comparative philology: old norse religious vocabulary in a long-term perspective. In: RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT,
Jens Peter. (Eds.). More Than Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian Scandinavian
Religions. Lund: Nordic Academic Press, 2012, pp. 47-64.

13
Não é nossa intenção neste pequeno estudo fornecer uma crítica sistemática
destes procedimentos tradicionais, mas apenas apontar algumas das tendências
mais recentes e inovadoras.

Arqueologia e cultura material

Apesar do uso de fontes arqueológicas não ser uma novidade nos estudos
de religiosidade nórdica, pois tiveram início ainda na década de 1960,34 foi so-
mente com acadêmicos dinamarqueses que se iniciaram reflexões teóricas e
conceituais mais profundas35 a partir da década de 2000.
Segundo Kristina Jennbert, o interesse mais intenso por arqueologia da
religião nórdica antiga na Escandinávia se efetuou a partir dos anos 1990, com
algumas exposições temáticas pela Europa e grande interesse popular por temas
arqueológicos e de resgate do passado. O primeiro ponto que a pesquisadora
analisa é a respeito dos vários significados que as fontes materiais poderiam
conter, especialmente influenciada pela arqueologia pós-processualista. Em
segundo, os problemas nas reconstituições materiais de rituais e sua relação
com conexões políticas e ideológicas. A terceira questão é a respeito da relação
entre fontes literárias e as materiais, que ocupam grande espaço nos debates da
Escandinavística.36 Como temas de investigação, as questões envolvendo morte
e cultos fúnebres ocupam a maior atenção dos especialistas, algumas relacionando
a arte rupestre da Idade do Bronze com sepulturas e iconografias do período
Viking. Inclusive, a autora é da opinião que a arte rupestre seria um tipo de
cultura material central aos estudos de religião, fazendo com que os pesquisadores
retornem aos clássicos estudos sobre fertilidade, o sagrado, a cosmologia e o
xamanismo. Os sítios envolvendo oferendas votivas e sacrifícios também vem
recebendo atenção especial. Outro tema mais recente diz respeito as conexões

34 Um bom exemplo é com o estudo de Hilda Davidson, que utiliza um referencial comparativo entre as fontes materiais anglo-saxônicas,
celtas e nórdicas, buscando compensar as lacunas e limitações das fontes escritas e analisar especialmente as relações entre
materialidade divina e imagem: DAVIDSON, Hilda. Help from Archaeology/The contribution of Archaeology. The lost beliefs of
Northern Europe. London: Routledge, 1993, pp. 11-36. Um crítico da utilização das evidências arqueológicas é Cristopher Abram,
questionando o modelo das expressões da fé pagã recuperados pela materialidade (fé e práticas religiosas e sua dinâmica com os
mitos) e as interpretações de certas figuras de deuses e sua relação com as narrativas literárias. ABRAM, Christopher. Archeological
evidence. Myths of the Pagan North. Auckland: Continuum International Publishing Group, 2011, pp. 2-8.

35 Integrantes do projeto multidisciplinar Väger till Midgård (Roads to Midgard), empreendido entre os anos de 2000 a 2007 e coordenado
pelos professores Kristina Jennbert, Anders Andrén e Catharina Raudvere, do departamento de Arqueologia e História Antiga da
Universidade de Lund, Dinamarca (http://www.ht.lu.se/projekt/23).

36 Para um panorama detalhado das discussões sobre as fontes da religiosidade nórdica pré-cristã, um dos melhores estudos é: SCHJØDT,
Jens Peter. The sources. Initiation between two worlds: structure and symbolism in pre-christian scandinavian religion. Odense: The
University Press of Southern Denmark, 2008, pp. 85-107. Sobre a questão das fontes, ver também: HEDEAGER, Lotte. Written
sources on the pre-Christian past. Iron Age Myth and Mentality an archaeology of Scandinavia ad 400 – 1000. Abingdon: Routledge,
2011, pp. 21-32; BIBIRE, Paul. Myth and belief in Norse Paganism. Northern Studies 29, 1992, pp. 1-23; FELL, Christine. Paganism/
Sources of evidence. In: GRAHAM-CAMPBELL, James (Org.). The Viking World. London: Frances Lincoln, 2001, pp. 174-178.

14
entre a vida cotidiana, a paisagem e a religiosidade. O meio ambiente seria sa-
turado de interpretações culturais, e entre elas, a religião. E ao mesmo tempo,
o ritual em um dado espaço físico seria conectado à interpretações cosmológicas
e visões de mundo.37
Em outro estudo mais recente e detalhado, Anders Andrén retoma consi-
derações teóricas sobre a metodologia da arqueologia da religião nórdica. O
primeiro elemento definido pelo autor é a manutenção do diálogo entre as fontes
literárias medievais com as fontes materiais, mas também percebendo que o
ritual não é simplesmente uma representação dos mitos e que a literatura contém
poucas informações empíricas sobre religião. Baseado no projeto Väger till
Midgård, Anders discute inicialmente a questão da recuperação da prática ritual.
A primeira dificuldade sobre este tema consiste nas precárias descrições literárias,
que se concentram muito mais na mitologia do que na religião e também poucos
dados sobre a relação entre as pessoas e os poderes divinos. Neste sentido, os
estudos toponímicos podem indicar a crença na conexão entre deuses e locali-
dades ou grupos de pessoas e mesmo a relação entre religião e paisagem.38 E
também as escavações em áreas sagradas e templos ou habitações para cultos
fornecem detalhadas informações sobre objetos depositados, sacrifícios e indícios
de rituais. Os diferentes sítios apresentam possibilidades de conterem diversidade
regional nos cultos como também diversidade ritual em categoriais sociais es-
pecificas. Alguns aspectos desses cultos são desconhecidos, como danças, músicas
e discursos. A etimologia também fornece algum auxílio revelando associações
rituais e sacrifícios de animais, sangue, alimentação e bebidas.39 Uma questão
especial tratada por Andrén é a respeito da origem e desenvolvimento da religião
nórdica antiga, do qual se conhece muito pouco, mas um ponto ainda mais
importante: a definição do quanto ela foi unificada ou diversa. Apesar da histo-
37 JENNBERT, Kristina. Archaeology an Pre-Christian Religion in Scandinavia. Current Swedish Archaeology 8, 2000, pp. 127-142. Um
campo que vem relacionando a religiosidade com a cultura material é o estudo de imagens e iconografia nórdica pré-cristã. Um dos
poucos estudos teóricos neste campo é: FUGLESANG, Signe Horn. Iconographic traditions and models in Scandinavian imagery.
13th International Saga Conference, Durham University, 2006. Para estudos aplicados ver: PRICE, Neil. What´s in a name? As
archaeological identity crisis for the Norse gods (and some of their friends). In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse
Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 179-183; KALIFF,
Anders & SUNDQVIST, Olof. Odin and Mithras: religious acculturation during the Roman Iron Age and the Migration period. In:
ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund:
Nordic Academic Press, 2006, pp. 212-217; RATKE, Sharon & SIMEK, Rudolf. Guldgubber: relics of pre-Christian law rituals? In:
ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund:
Nordic Academic Press, 2006, pp. 259-266; SØRENSEN, Preben Meulengracht. Þorr´s fishing expedition (Hymiskviða). In: ACKER,
Paul (Ed.). The Poetic Edda: essays on Old Norse Mythology. London: Routledge, 2002, pp. 119-138; HALL, Richard. Viking Age art.
Viking Age Archaeology. London: Shire, 2010, pp. 31-39; STERN, Marjolein. Runestone images and visual communication in Viking Age
Scandinavia. Tese de doutorado em Estudos Nórdicos, Universidade de Nottingham, 2013.

38 Para um estudo recente sobre religião e paisagem pré-cristã ver: BRINK, Stefan. Myth and ritual in Pre-Christian Scandinavian
landscape. In: BRINK, Stefan; NORDEIDE, S. W. (Eds.). Sacred sites and holy places: exploring the sacralization of landscape through
time and space. London: Brepols Publishers, 2013.

39 ANDRÉN, Anders. Behind Heathendom: archaeological studies of Old Norse Religion. Scottish Archaeological Journal 27(2), 2005, pp.
105-138.

15
riografia clássica apontar muito a sua unidade, diversos estudos mais recentes
vem demonstrando as variações locais, sociais e rituais desta forma de religio-
sidade. E pensada enquanto “forma de vida”, a diversidade dos rituais nunca
pode ser entendida enquanto uniforme ou homogênea.40 Assim, objetos como
pingentes e amuletos e pinturas rupestres possuem tanto conexão com temas
mitológicos, cosmológicos quanto foram inseridos em motivos da literatura
islandesa após a cristianização.41

O novo comparativismo

O método comparativo foi uma das ferramentas analíticas mais utilizadas


pelos acadêmicos de temas nórdicos, tanto no século XIX quanto no XX.
Basicamente, seus métodos consistiam em contrapor dois ou mais sistemas
mitológicos, procurando evidências de um padrão universal ou geral, aproxi-
mando-se da fenomenologia (seja a teoria dos arquétipos ou do homo religiosus).
Outras experiência comparativas, como a de Angelo Brelich, preocupavam-se
muito mais com as individualizações que as generalizações, procurando deter-
minar as funções mítico-religiosas relacionadas às realidades sociais e históricas
de uma dada região e espaço de tempo.42 Já o helenista Marcel Detienne critica
o comparativismo clássico pela sua busca de elementos permanentes e estáveis
de uma cultura a outra e seus aspectos evolucionistas, deixando a abordagem
fechada em si mesma e muito esquemática. Para ele, o método comparativista
deve levar em conta a dinâmica interna de todo sistema cultural, permitindo
um experimentalismo na análise e uma liberdade para perceber outras facetas

40 Baseada no conceito de cultos a fertilidade e as publicações de Neil Price e Gro Steinsland, a pesquisadora Anne-Sofie Gräslund
analisa a dinâmica da religiosidade nórdica pela sua cultura material, também percebendo variações em alguns cultos. GRÄSLUND,
Anne-Sofie. The material culture of Old Norse Religion. In: BRINK, Stefan (Ed.). The Viking World. London: Routledge, 2008, pp.
249-256. Outro pesquisador também aponta a falta de homogenidade e a visão de uma religiosidade nativa totalmente livre de
influências externas à Escandinávia (“intocada”). BRINK, Stefan. How uniform was the old norse religion? In: QUINN, Judy (Ed.).
Learning and understanding in the Old Norse world: essays in honour of Margaret Clunies Ross. London: Brepols, 2007, pp. 105-136.

41 Ibidem, pp. 120-138. Para outros exemplos da aplicação de novas metodologias e perspectivas arqueológicas nos estudos de religião
nórdica antiga, consultar: PRICE, Neil. Mythic acts: material narratives of the dead in Viking Age Scandinavia. In: RAUDVERE,
Catharina; SCHJØDT, Jens Peter. (Eds.). More Than Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian
Scandinavian Religions. Lund: Nordic Academic Press, 2012, pp. 13-46 (Vestígios de sepultamentos como dramatizações sociais da
morte, interpretação material influenciada pelas ideias do folclorista Terry Gunnell); DUBOIS, Thomas. Diet and deities: contrastive
livehoods and animal symbolism in Nordic Pre-Christian Religious. RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens Peter. (Eds.). More Than
Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian Scandinavian Religions. Lund: Nordic Academic
Press, 2012, pp. 65-96 (Análise de fontes literárias e arqueológicas sobre simbolismo animal e convergência entre práticas sociais
religiosas e econômicas de alimentação); HEDEAGER, Lotte. Iron Age Myth and Mentality an archaeology of Scandinavia ad 400 –
1000. Abingdon: Routledge, 2011 (Com enfoque em influências materiais externas na religiosidade nórdica, advindas no período
das migrações germânicas); BERGGREN, Åsa. Archaeology and sacrifice. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse
Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 303-307 (Análise das
principais teorias sobre sacrifício e as modernas interpretações arqueológicas).

42 AGDOLIN, Adone. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São Paulo: Paulinas, 2013, pp. 77-87.

16
das divindades, do panteão, das crenças e a diversificação dos sistemas religiosos,
atingindo a “rede cultural” de uma época, que entrelaça tanto as fontes literárias,
escritas e material.43
O método comparativo aplicado à religião nórdica antiga foi recentemente
discutido pelo escandinavista Jens Schjødt. Para ele, o nível geral de comparação
é caracterizado pelo fato de que as culturas envolvidas na comparação não são
conectadas em uma perspectiva histórica. Existem diversas possibilidades de
comparação, como a similaridade entre culturas diferentes e a similaridade entre
culturas relacionadas historicamente (possuem um patrimônio comum ou
“genético”). Ele aponta quatro níveis distintos de comparação. A primeira seria
uma comparação interna, entre as fontes e os temas da Escandinávia. Por exemplo,
comparando os mitos sobre o deus Thor, podemos chegar a caminhos ou temas
diferentes pela mesma cultura. Os diferentes relatos da pesca da serpente por
Thor seriam reflexos de versões diferentes, fases diferentes do desenvolvimento
de uma única narrativa, ou visões de mundo diferentes nas mesmas regiões e
cultura? O segundo nível será relacionado a comparação entre culturas diferentes:
existiria uma grande diferença entre as similaridades entre nórdicos e lapões
com as similaridades entre nórdicos e saxões, por exemplo.44 O terceiro nível
consistiria da comparação entre povos indo-europeus de uma mesma região,
por exemplo, entre islandeses e germanos do sul.45 Essa perspectiva é muito
criticada pelo autor, por utilizar material comparado de diferentes períodos e

43 “Chamando a atenção para tudo aquilo que não foi dito claramente dos deuses e deusas e de seus poderes, gostaria de convidar
os analistas dos conjuntos politeístas a descobrir como as potências divinas estão ligadas por dezenas de facetas ao conjunto
dos objetos e dos fenômenos da vida social e do mundo natural”. DETIENNE, Marcel. Experimentar no campo dos politeísmos.
Comparar o incomparável. São Paulo: Idéias e Letras, 2004, pp. 93-120. Uma discussão crítica dos principais métodos comparativos
nos estudos de mitologia pode ser vislumbrada em: BARRERA, Bermejo. Introducción a la lógica de la comparación em la mitologia.
Gallaecia 22, 2003, pp. 471-486.

44 A mitóloga Hilda Davidson realizou um importante estudo comparativo entre a religiosidade nórdica e a céltica: DAVIDSON,
Hilda. Myths and Symbols in Pagan Europe: Early Scandinavian and Celtic Religions. Manchester: Manchester University Press, 1988.
Excelentes estudos recentes utilizando a perspectiva comparativa: HULTGÅRD, Anders. The askr and embla myth in a comparative
perspective. In: ANDRÉN, Anders; JENNBERT, Kristina & RAUDVERE, Catharina. (Eds.). Old Norse religion in long-term perspectives:
origins, changes and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 58-62; KALIFF, Anders & SUNDQVIST, Olof. Odin
and Mithras: religious acculturation during the Roman Iron Age and the migration period. In: ANDRÉN, Anders; JENNBERT,
Kristina & RAUDVERE, Catharina. (Eds.). Old Norse religion in long-term perspectives: origins, changes and interactions. Lund:
Nordic Academic Press, 2006, pp. 212-217. Também os estudos de Etnoastronomia utilizam a nova perspectiva comparativa de
culturas diferentes, como: LANGER, Johnni. O céu dos vikings: uma interpretação etnoastronômica da pedra rúnica de Eckelbo
(Gs 19). Domínios da imagem 6(12), 2013, pp. 97-112. A pesquisa da relação entre as religiosidades da Escandinávia e a área
finlandesa e báltico/circumpolar vem sendo os estudos comparados com mais respaldo na Escandinavística. Sobre esses tema
consultar: BERTELL, Maths. Contacts and eyewitnesses and micro level perspective. In: ANDRÉN, Anders; JENNBERT, Kristina &
RAUDVERE, Catharina. (Eds.). Old Norse religion in long-term perspectives: origins, changes and interactions. Lund: Nordic Academic
Press, 2006, pp. 300-301; DUBOIS, Thomas A. Nordic Religions in the Viking Age. Pennsylvania: University of Pennsylvania Press,
1999; PRICE, Neil. The archaeology of seiðr: circumpolar traditions in Viking pre-christian religion. Brathair 4(2), 2004, pp. 109-126.

45 Um estudo nesta perspectiva foi realizado pelo arqueólogo Mike Pearson, considerando a religião nórdica antiga como uma variação
final do paganismo pan-europeu. No ano mil, a religião nórdica conservaria muitos elementos rituais da Idade do Ferro germânica.
PEARSON, Mike Parker. The origins of Old Norse ritual and religion in European perspective. In: ANDRÉN, Anders; JENNBERT,
Kristina & RAUDVERE, Catharina. (Eds.). Old Norse religion in long-term perspectives: origins, changes and interactions. Lund: Nordic
Academic Press, 2006, pp. 86-90.

17
localidades que não permitiriam o acesso ao conhecimento da religiosidade
nórdica antiga. Ele ainda discute outro método comparativo, envolvendo análise
fenomenológica em diversas áreas pelo mundo, onde os níveis de diversidade
(histórica, geográfica, social e cognitiva) devam ser levados também em
conta.46

Continuidade, variação e hibridização

Os estudos clássicos e tradicionais sobre religião nórdica antiga privilegia-


vam uma noção de continuidade absoluta e uniforme. Apesar das novas pesquisas
apontarem essa forma de religiosidade como uma unidade coerente, elas também
vem apresentando uma ênfase na diversidade e na mudança,47 especialmente
atrelada ao conceito de hibridização.48 Essa diversidade seria especial em termos
cronológicos, sociais e regionais, onde principalmente os ritos sofreriam mu-
danças, mas com uma certa herança em comum. Assim, elementos e motivos
externos foram constantemente incorporados numa tradição, que foi sucessi-
vamente alterada com o tempo. Os significados destas mudanças dependeriam
de diferentes contextos em que estavam funcionando.49
Para o historiador Andreas Nordberg toda religião muda com o tempo, mas
possui uma continuidade temporal mantida pela tradição. No caso da religiosi-
dade nórdica, ela sobreviveu após a cristianização pelo folclore e sua base tra-
dicional teria provindo essencialmente do pangermanismo. Deste modo, os
estudos sobre as similaridades e diferenças regionais devem se concentrar em
alguns aspectos: variação, arcaísmo, inovação e revitalização. E os contatos com
outras regiões podem servir como inovações para novos impulsos – áreas isoladas

46 SCHJØDT, Jens Peter. Comparativism. In: RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens Peter. (Eds.). More Than Mythology: Narratives,
Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian Scandinavian Religions. Lund: Nordic Academic Press, 2012, pp. 275-
280.

47 RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens Peter. The stuy of Pre-Christian Scandinavian Religions: trends and perspectives. In:
RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens Peter. (Eds.). More Than Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution
in Pre-Christian Scandinavian Religions. Lund: Nordic Academic Press, 2012, pp. 7-12.

48 Sobre hibridização consultar: BURKE, Peter. Hibridismo cultural. Madrid: Akal, 2010; LANGER, Johnni. A História e as mudanças
culturais. História, Questões & Debates 57, 2012, pp. 273-277. Para aplicações do conceito de hibridização nos estudos de mitologia
e religiosidade nórdica, consultar: ABRAM, Christopher. Hel in early norse poetry. Viking and Medieval Scandinavia 2(2), 2006, pp.
1-29; JENNBERT, Kristina. Animals and humans: recurrent symbiosis in archaeology and Old Norse religion. Lund: Nordic Academic
Press, 2011.

ANDREEF, Alexander. Gotlandic Picture Stone, hybridity and material culture. In: CORNELL, Per & FAHLANDER, Frederik (Eds.).
Encounter/Materialities/Confrontations: Archaeologies of social space and interaction. Cambridge: Cambridge Scholar Press,
2007, pp. 242-258.

49 ANDRÉN, Anders; JENNBERT, Kristina; RAUDVERE, Catharina. Some perspectives. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old
Norse Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 13-14.

18
como a Escandinávia não eram sinônimo de regiões estáticas.50 Comparando as
fontes literárias com as arqueológicas encontramos algumas situações inusitadas:
por exemplo, o deus Ullr é insignificante na literatura, mas tem uma grande
proeminência na toponímia sueca e norueguesa. Baseado nas pesquisas de Stefan
Brink,51 Nordberg admite que o culto aos deuses deveria ser muito mais variável
e diverso do que o apresentado nos textos. Também alguns dados arqueológicos
são polêmicos, como vestígios de sepultamentos. A variação regional dos dife-
rentes funerais foi uma variedade nos ritos ou variações culturais? Aqui o conceito
de homogeneidade é questionado, acreditando alguns que se trata de variações
sociais e étnicas, concedendo ao paganismo uma diversidade maior que o cris-
tianismo, mas Nordberg critica essa posição. Para ele, rituais de morte não foram
reflexos diretos de ideias religiosas e são influenciados por questões sociais e
econômicas – assim, temos casos de variações regionais e não casos de religiões
diferentes. Mais uma vez, reconhece que a religião nunca é estática.52

Cosmologia

Tradicionalmente os estudos de cosmologia estiveram dependentes das


investigações sobre mitologia e religiosidade. Dentro de certa tendência atual,
o referencial cosmológico passou a ser tratado como uma categoria específica
de interpretação e análise, vinculada a uma visão de mundo onde a noção de
cosmos une-se a um conhecimento sistemático sobre a realidade, ao contrário
da concepção estruturalista e comparativa que vinculara a cosmologia a outras
formas de pensamento,53 mas especialmente advindo da interpretação espacial
e instrumental da arqueologia (o contexto de onde os artefatos foram desco-
bertos). Assim, cosmologia envolveria noções de tempo, espaço, estrutura do
universo, criação do mundo, fronteiras entre poderes sobrenaturais e humanos,
origem dos grupos sociais, divisões entre homem e mulher, destino e morte e
critérios de verdade.54

50 NORDBERG, Andreas. Continuity, change an regional variation in Old Norse Religion. In: RAUDVERE, Catharina; SCHJØDT, Jens
Peter. (Eds.). More Than Mythology: Narratives, Ritual Practices and Regional Distribution in Pre-Christian Scandinavian Religions.
Lund: Nordic Academic Press, 2012, pp. 122-130.

51 A toponímia aponta que a ampla quantidade de deuses apontados pela literatura não era de fato objeto de adoração, não sendo a
religião algo homogêneo. BRINK, Stefan. How uniform was the old norse religion? In: QUINN, Judy (Ed.). Learning and understanding
in the Old Norse world: essays in honour of Margaret Clunies Ross. London: Brepols, 2007, pp. 105-136.

52 NORDBERG, Andreas. Op.cit., p. 132-136.

53 Mas também estaria desvinculada parcialmente do referencial religioso: RAUDVERE, Catharina. The part of the whole: cosmology as
an empirical and analytical concept. Temenos 45(1), 2009, pp. 7-33.

54 ANDRÉN, Anders. Tracing Old Norse cosmology: the world tree, middle earth, and the sun from archaeological perspectives. Lund:
Nordic Academic Press, 2014, p. 11-12.

19
Um dos melhores estudos críticos sobre o tema foi desenvolvido por Jonas
Wellendorf. Para ele, as principais interpretações da cosmologia nórdica podem
ser sintetizadas por diversos autores (que inserimos nesta tabela) e em seguida
pela sua interpretação:55

AUTOR, ANO TEORIA DA COSMOLOGIA NÓRDICA

Eixo horizontal – sepulturas, montanhas da morte, reino dos mortos,


Emil Birkelli, 1944 Valhalla
Eixo vertical – Alfheim no nível superior/Hel no inferior

Eixo horizontal – centro: Midgard/Utgard; leste/norte: Jotunheimr; Norte:


Jan de Vries, 1957
reino dos mortos

Eixo horizontal: pré-cristão


Aron Gurevitch, 1969
Eixo vertical: influência do cristianismo em Snorri

Eixo horizontal: noção irreversível de tempo, com começo e fim


Eleazar Meletinskij, 1973/ Kirsten
determinados
Hastrup, 1981
Eixo vertical: ordem temporal constante

Eixo horizontal: deuses no centro, homem no plano médio, gigantes e


outros seres nas margens do oceano e um eixo vertical que se estende
Jens Schjødt, 1990 para baixo, mas não para cima. A localização celeste dos deuses nórdicos
foi uma construção totalmente cristã e é encontrada somente na obra de
Snorri Sturluson

Existem dois tipos de referências que atestam a moradia celeste dos


deuses escandinavos: em primeiro, referências da poesia escáldica e
éddica; segundo: várias fontes cristãs apontam a existência paralela tanto
de concepções cosmológicas verticalizadas quando horizontalizadas
Jonas Wellendorf, 2006
no imaginário medieval. Conclusão: as concepções nórdicas pré-cristãs
e nativas foram extremamente heterogêneas, com uma múltipla visão
de mundo e foi distorcida pelo referencial homogêneo imposto pelo
cristianismo em uma cosmologia essencialmente verticalizada.1

No caso das Eddas, as visões cosmológicas da Edda Poética apresentam-se


de forma heterogênea, enquanto a Edda em Prosa de Snorri Sturluson concede

55 WELLENDORF, Jonas. Homogeneity and heterogeneity in Old Norse cosmology. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old
Norse Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 50-53.

20
uma interpretação uniforme e coerente,56 não tanto de seu referencial religioso,
mas como produto de um hibridismo das velhas e novas visões de mundo.
Segundo Catharina Raudvere, também a cosmologia envolveria significados
sobre o mundo que não necessariamente estariam relacionados ao mito ou ao
religioso. Ela envolveria critérios espaciais e expressões que seriam utilizados
pelas narrativas míticas ou onde as ações rituais seriam realizadas, mas não de
forma independente. No caso das formas textuais e imagéticas, ambas seriam
conectadas a cosmologia, como nos casos das pedras pintadas de Gotland, ex-
pressando direções, mudanças, consequências e associações lógicas dos eventos,
definindo fronteiras e estabelecendo ordem – ou seja, explicando posições no
universo. Em um plano secundário, a cosmologia seria atrelada à ideologia e a
historiografia – estabelecendo pontos de conflito entre o passado e o presente,
entre a nova e velha religião. Também a cosmologia estabelece fronteiras entre
o divino e o humano, servindo para conhecer distinções na vida humana. Assim,
o ritual não necessariamente seria apenas uma configuração dos mitos, mas
também as manifestações de moralidades sobre o universo. Mito e cosmologia
não seriam verdadeiros por causa da crença literal das pessoas, mas porque essas
narrativas contam verdades sobre a sociedade, sobre o lugar dos homens na
história, sobre moral e ideologias. Uma das mais importantes questões levantadas
por Catharina Raudvere é a respeito da cosmologia enquanto espaço para
imaginação. Analisando temas relacionados ao ciclo da Völsunga saga, a pesqui-
sadora atenta para sua relação entre cosmologia, ideologia e sistema de normas
para legitimar ou censurar os protagonistas – neste caso a cosmologia funcionaria
tanto como centro da narrativa literária como para uma estrutura externa – aqui
a visão de mundo não é explicitamente pagã ou cristã ou necessariamente reli-
giosa. A narrativa (mítica, heroica ou histórica) está associada diretamente com
o âmbito da imaginação.57

56 A Edda de Snorri é uma das fontes mais completas para se entender a cosmologia escandinava. Nela, a parte do mundo habitado pelo
homem é chamada de Midgard; os deuses habitam Asgard. A região marginal não habitada por humanos é denominada de Utgard,
e é separada de Midgard por rios. Ao norte, localiza-se Jotunheim, onde se situa também o reino dos mortos, Hel. Ao sul localiza-se
Muspell, apresentada como perigosa, e que segundo Rudolf Simek teria sido influenciada pela religiosidade maniqueísta. O centro
do sistema cósmico é a árvore conhecida como Yggdrasill (“cavalo de Odin”), uma referência ao fato de Odin ter se autoimolado
nesta árvore (Hávamál 138). Ela é o centro do universo e o divide em três regiões cósmicas distintas em um eixo vertical: o plano
celestial dos deuses, o plano intermediário dos humanos e gigantes, o plano inferior dos mortos – o submundo. Apesar deste
quadro cósmico ser tradicionalmente inferido pelas fontes, a relação de Yggdrasill com os nove mundos não é muito clara, sendo
difícil estabelecer as fronteiras entre eles. Alguns escandinavistas atualmente estão questionando esse modelo de interpretação,
como: ROSS, Margaret Clunies. Images of norse cosmology. In: ANLEZARK, Daniel (Ed.). Myths, Legends, and Heroes: Essays on
Old Norse and Old English Literature. Toronto: University of Toronto Press, 2011, pp. 53-75. Para ela, tanto a ideia de uma axis
vertical, quanto de três níveis e a posição celeste dos deuses foi influenciada pelo cristianismo, não tendo base pagã, ou ainda,
as referências astronômicas da poesia escáldica foram influenciadas pela tradição clássica. Não concordamos com esses pontos
de vista, tendo como respaldo duas perspectivas: a de fontes visuais da Escandinávia da Era Viking e mitos de outras culturas:
LANGER, Johnni. O céu dos vikings: uma interpretação etnoastronômica da pedra rúnica de Ockelbo (Gs 19). Domínios da Imagem
6(12), 2013, pp. 97-112. Sobre o tema ver também: SIMEK, Rudolf. Altnordische kosmography. Berlin: Walter de Gruyter, 1990.

57 RAUDVERE, Catharina. The part of the whole: cosmology as an empirical and analytical concept. Temenos 45(1), 2009, pp. 7-33.

21
Em diversos estudos de caso, arqueólogos investigaram expressões da
cosmologia nórdica. Um dos mais conhecidos foi a aplicação de conceitos cos-
mológicos para a arte escandinava da Era do Bronze, inicialmente com Peter
Gelling e Hilda Davidson em 1969 no seu famoso livro The chariot of the Sun,
onde analisaram imagens da arte rupestre e do famoso achado do disco solar de
Trundholm, baseados na literatura nórdica medieval. Posteriormente Flemming
Kaul em 1998 propõe novos esquemas cosmológicos baseados na arte rupestre,
parcialmente aceito pelos pesquisadores. Em uma crítica a essas pesquisas, re-
centemente o arqueólogo Richard Bradley diminui a importância solar nas re-
presentações da arte pré-Era Viking, mas confirma a existência de indicações
cosmológicas, simpatizando-se com o modelo inicial de Peter Gelling.58
Por sua vez, analisando a fortaleza de Ismantop (Suécia), o arqueólogo
Anders Andrén interpretou o sítio como sendo não um local de culto ou refúgio,
mas uma construção com significado cosmológico. Utilizando nove portões
(alusão a um número altamente simbólico na religiosidade nórdica, atrelado a
Odin e aos nove mundos) e um poste central (alusão a árvore Yggdrasill), o local
é um exemplo da nova ordem militar nórdica surgida na era das migrações, com
influência romana, mas com significações nativas – legitimando o poder militar
por sanções divinas ou cosmológicas.59
Em outras pesquisas, arqueólogos vem apontando concepções cosmológicas
em vestígios de sepultamento. Monumentos em sepulturas atestam o simbolismo
da porta para o outro mundo, comuns como referências simbólicas na poesia
escáldica, além de referências ao centro cósmico – a axis mundi, representada
mitologicamente pela árvore Yggdrasill e ritualmente por árvores sacrificiais e
a postes ou pilares rituais, enquanto referências ao pilar cósmico (pouco atestado
nas fontes mitológicas nórdicas). Também existem indícios do simbolismo das
montanhas cósmicas, onde deuses foram associados a locais sagrados. Assim, a
mais importante noção associada com as sepulturas seria sua função como centro
cósmico.60
Em um novo e recente estudo, o arqueólogo Anders Andrén retoma o
conceito cosmológico aplicado à Arqueologia como um indicativo de mudanças
na religiosidade nórdica pré-cristã. Para ele, o conceito de cosmologia seria si-

58 BRADLEY, Richard. Can archaeologist study prehistoric cosmology? In: ANDRÉN, Anders; JENNBERT; RAUDVERE (Eds.). Old Norse
Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 16-20.

59 ANDRÉN, Anders. A world of stone: warrior culture, hybridity, and Old Norse cosmology. In: ANDRÉN; JENNBERT; RAUDVERE
(Eds.). Old Norse Religion in long-term perspectives: origins, changes, and interactions. Lund: Nordic Academic Press, 2006, pp. 33-38.

60 NORDBERG, Andreas. The grave as a doorway to the other world: architectural religious symbolism in Iron Age graves in Scandinavia.
Temenos 45(1), 2009, pp. 35-63. Outros exemplos de aplicação do conceito de cosmologia em pesquisas arqueológicas: KALIFF,
Anders.  Fire, Water, Heaven and Earth. Ritual practice and cosmology in ancient Scandinavia: an Indo-European perspective. Lund:
Riksantikvarieämbetet, 2007; HEDEAGER, Lotte. Scandinavian ´central places´ in a cosmological setting. In: Central Places in the
Migration and Merovingian Periods: Papers from the 52nd Sachsensymposium, Lund, 2001, pp. 3-18.

22
tuado entre o mito e o rito e modelado de acordo com as visões de mundo. A
religiosidade associada com o modelo cosmológico não é mais a teologia dos
modelos clássicos de história das religiões (cujo referencial era baseado na visão
judaica e cristã), mas sim baseada nas mudanças das práticas sociais e no discurso
religioso transcendental. Mito e ritual61 são diferentes mas relacionados, mas
ao contrário da escola antropológica inglesa, rito não é a dramatização do mito,
mas um ato formalizado que cria significados. Mantido na ordem cosmológica,
o ritual é um ato transformador e neste sentido, não é apenas religioso, mas
também político, jurídico e social. Mas também as noções cosmológicas não
estão somente situadas nos ritos, elas também surgem e são recriadas a partir
de noções advindas de sítios e monumentos. Neste caso, os estudos de cultura
material deixam de ser apenas objetos de interesse semiótico nas investigações
ou ter um papel menor na análise dos ritos. Agora os estudos convergem para
uma visão de que sem o aspecto material e físico, os rituais não tem sentido
social. Para Andrén, o futuro das investigações sobre cosmologia dependerá de
novos modelos e teorias na arqueologia da religiosidade nórdica pré-cristã.62

61 Para um estudo sobre a relação entre mito e rito (a interpretação de que as Eddas foram dramatizações rituais e sociais nos tempos
pré-cristãos), ver: GUNNELL, Terry. The origins of drama in Scandinavia. London: D. S. Brewer, 1995.

62 ANDRÉN, Anders. Tracing Old Norse cosmology: the world tree, middle earth, and the sun from archaeological perspectives. Lund:
Nordic Academic Press, 2014, p. 11-20.

23
24
O SIMBOLISMO DA ÁGUIA 63

Desde o Paleolítico, a cultura da representação animal encontra-se presente


nas sociedades humanas. Nas mais diversas regiões, por meio de cultura material
e também na escrita, é possível identificar referências a animais tanto por sua
forma física quanto por seus hábitos. Essas representações carregam perspectivas
de mundo que possibilitam acessar, ainda que parcialmente, concepções simbó-
licas cultivadas por nossos antepassados.64
O presente capítulo pretende realizar uma investigação sobre o simbolismo
da águia na religiosidade nórdica, desde a Idade do Bronze até o final da Idade
Média. Nossas fontes são essencialmente iconográficas, analisadas em conjunto
com o corpus literário e mitológico disponível para a Europa Setentrional. Nosso
referencial básico é o diacrônico, dentro da reinterpretação do conceito de longa
duração da historiografia francesa aplicado à cultura material nórdica, proposta
por Lotte Hedeager.65 E o conceito de símbolo que adotamos é como um elemento
da cultura material, repleto de significados sociais e históricos66, especialmente
dentro da metodologia proposta pela Arqueologia das Religiões.67

O simbolismo da águia na Escandinávia Pré-Viking


A águia nórdica na Idade do Bronze (1800 a.C. – 1000 a.C.)

As representações mais antigas de aves na Escandinávia


encontram-se na arte rupestre, datadas entre 1800 a 400

63 Capítulo escrito em parceria com Wagner Menezes de Oliveira e Andressa Furlan Ferreira.

64 Em 1928, o escritor Norman Douglas teve sua obra “Birds and Beasts of the Greek Anthology” publicada. Nela, ele menciona um
poema moralista grego do século 14 a.C., que ilustra alguns aspectos de associação simbólica daquela sociedade frente às aves. O
poema, chamado “Poulologos” (“livro do pássaro”), é composto de aproximadamente 650 versos e dispõe de pássaros politizados
como personagens. O enredo procede quando 40 aves são convidadas para um festival que a águia promove em homenagem ao
casamento de seu filho. Enquanto comemoram, elas começam a discutir entre si, o que leva a águia a fazer ameaças de enviar o
falcão e o abutre com vistas à punição. Ao final da obra, os pássaros se harmonizam e a história termina em paz e bom humor (1928,
30). Esse é apenas um pequeno exemplo da importância da figura da águia na literatura, folclore, moral, política e religiosidade do
Ocidente, desde os seus primórdios.

65 Um modelo baseado nos sistemas de crenças (mentalidade) que serve para analisar o passado humano em uma longa perspectiva
temporal. No caso desta arqueóloga dinamarquesa, o conceito francês é utilizado para analisar as narrativas míticas envolvendo
principalmente os simbolismos do deus Odin da Escandinávia, indo do período de migrações ao final da Era Viking (HEDEAGER,
2011, 1-3).

66 Símbolos não são meramente conceitos irracionais, mas também altamente racionalizados e concretos: são aspectos da cultura
material e intrinsecamente relacionados com o mental. O símbolo serve primariamente como instrumento de comunicação e sendo
um sinal de alto status, representa significados materiais: produz, muda, monopoliza, subverte e destrói. Os aspectos materiais dos
símbolos governam as intenções humanas e as estratégias sociais (ROB, 1998, 331-332).

67 A Arqueologia das Religiões propõe o estudo da cultura material do rito, das crenças, dos mitos e das doutrinas, demonstrando o
constante dinamismo e variação cultural do fenômeno religioso na História (LANGER, 2015b, 4-12).

25
a.C. durante a Idade do Bronze. Juntamente com os petró-
glifos (no caso de esculturas ou gravuras na rocha, em sueco
moderno: hallristningar), as pinturas rupestres são fontes
valiosas para o estudo da religiosidade na Escandinávia e
Europa Setentrional e são também utilizadas como contra-
ponto e modelo comparativo para os estudos de mitologia
nórdica.68 O grupo mais importante são as pinturas rupestres
de Tanum, situadas em Bohuslän (sul da Suécia), datadas
de 1.800 a 400 a. C. (BOYER, 199, 68).

Os motivos mais frequentes nas representações figurativas são pessoas


dançando, navios, rodas, discos, animais, cenas de caça e batalhas, casamentos,
etc. Geralmente se aceita que as cenas possuem motivos religiosos e simbólicos,
como o culto ao Sol e a fertilidade, além de procissões e rituais que podem ser a
origem de cultos a deidades como Thor e Odin, segundo muitos pesquisadores.
As manifestações de arte rupestre na Escandinávia não constituem um
conjunto homogêneo: enquanto as da região norte possuem muito mais repre-
sentações de quadrúpedes dos mais variados tipos, as do sul são repletas de fi-
gurações antropomórficas, humanas, embarcações e simbolismos variados. Essa
diferenciação é apontada como resultado de dois tipos diferentes de sociedade:
a primeira seria mais próxima de uma cultura de caçadores-coletores, enquanto
a segunda seria agrícola (JOHSEN, 2003, 21). Em especial, a região de Bohuslän
é a que apresenta a mais rica variedade de formas e figuras.
É possível que muitas destas imagens sejam cenas do cotidiano e do am-
biente que rodeava essas populações69, mas grande parte dos pesquisadores
acredita em motivações religiosas, especialmente rituais mágicos e xamânicos.
Muitos destes locais são percebidos enquanto verdadeiros santuários, com
significados sagrados ou altamente simbólicos paras as populações que viviam
nestas regiões (ALDHOUSE-GREEN, 2005, 89). A finalidade básica destas
pinturas nas rochas seria a de garantir o poder da fertilidade do campo e a re-
produção animal e humana (GÖRMAN, 1990, 330).
Nestas imagens petrificadas, existiria algum tipo de ligação entre os homens,
os animais e o outro mundo. O principal tipo de divindade desta época seria conectado
com o céu e com a guerra, sendo seu principal ritual relacionado com o movimento
do Sol, cuja trajetória mitológica no firmamento era realizada em um barco-carru-
68 Sobre a questão da utilização da arte rupestre escandinava como contraponto ao estudo da religiosidade e mitologia nórdica da Idade
do Bronze ao período medieval, especialmente em seus aspectos teóricos e metodológicos, consultar: LANGER, 2015a, 368-370;
KRISTIANSEN, 2010, 93-110; GOLDHAHN & LING, 2013, 270-290.

69 As pinturas rupestres do sul da Escandinávia eram situadas geralmente próximas à terras cultivadas e possuíam conexão com água.
Essa posição em relação à terras cultivadas e pastos criou a expressão “esculturas agrícolas” (GÖRMAN , 1990, 330).

26
agem. O motivo solar é um dos mais importantes temas da área de Bohuslän: imagens
circulares são incorporadas ou associadas a homens, animais, navios. Círculos
concêntricos (e também rodas solares) fazem parte de escudos de guerreiros ou são
transportados dentro de embarcações (BOYER, 1981, 59-66).
Neste contexto, as aves da Idade do Bronze nórdica estariam associadas ao
disco do Sol (DAVIDSON, 1987, 16). No simbolismo indo-europeu e norte-asiático,
a águia é tradicionalmente considerada a mensageira ou substituta uraniana do Sol.
Em vários tipos de rituais, os sacerdotes utilizam vestimentas feitas de penas de
águia em uma prova para olhar o Sol (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2002, 23).

Figura 1, 2 e 3: representações de homens portando


máscaras em formato de aves, Bohuslän, Suécia,
Idade do Bronze. A primeira figura apresenta um
homem com pênis ereto e portando asas,
aproximando-se de um cervídeo. Na figura 2, um
grupo de três homens com máscaras de aves e
armados com espadas, parecem representados em
situação de vôo. Na figura 3, dois homens com
máscaras são posicionados de costas, parecendo
dançarem com duas lanças, observado por uma
terceira figura externa na mesma situação. Fonte das
imagens: http://www.megalithic.co.uk/search.
php?country=14&county=182 Acesso em 05 de
julho de 2015.

Existem algumas evidências da utilização de máscaras de pássaros70, como


atestam os petróglifos de Gåshopen e Ammtmansnes, ambos em Finnmark
(Noruega), alguns deles inclusive em contextos de dança ou procissão. Para alguns
acadêmicos, isso é uma evidência de dramatizações e performances de rituais que
70 Foram encontrados ossos de águia em ocupações humanas da Dinamarca, datados do Mesolítico (6.000 a.C.) (BÉLLAMY-DAGNEAU,
2015, 5).

27
podem remeter as raízes da religiosidade indo-européia. Também é possível que
estas imagens sejam ações que se acreditava que ocorriam no plano espiritual ou
que tenham relação com mitos ou cenários básicos de crenças, um drama sagrado
(GUNNELL, 1995, 39).
Em especial, algumas imagens de seres masculinos portando espadas e máscaras
de pássaros estão em contexto de movimento: Boglösa (Uppland), onde um homem
está de pênis ereto e portando as duas mãos ao alto; Järrestad (Scania, Suécia), onde
um guerreiro parece pular e se contorcer. Estas imagens foram interpretadas como
sendo de dois xamãs realizando algum tipo de ritual ou performance e cujas imagens
denotam um poder sagrado (ALDHOUSE-GREEN, 2005, 90-91).
Em Kallsängen (Bohuslän, Suécia) foram encontrados petróglifos de seres
humanos com máscaras de aves e portando asas. Duas das figuras também portavam
espadas (figura 2). O conjunto principal é constituído por três homens “voando”
para o lado direito, enquanto uma quarta figura masculina (também com asas e
máscaras de aves) possui duas cabeças – denominada de figura “janus”. Segundo
alguns acadêmicos, essa figuração dupla poderia representar o sacerdote xamânico
como uma personalidade de duplo espírito, pertencendo ambos tanto ao mundo
terreno quanto ao reino do sobrenatural (ALDHOUSE-GREEN, 2005, 94).

Figura 4: Ornamento de bronze de Ljungby, Harland, Suécia, Idade


do Bronze Tardia. Possui um formato de uma máscara de
ave-de-rapina e provavelmente era a extremidade de um bastão.

Figura 5: Elmo de bronze com chifres encontrado em 1942 em


uma turfeira de Viksø, Dinamarca, Idade do Bronze. Os chifres
recurvados são muito parecidos com as representações da arte
rupestre escandinava. Provavelmente utilizado em cerimônias
religiosas e foi depositado em um pântano como oferenda.
Davidson (1987, 26) acredita que seja uma representação de um
deus celeste, cujos olhos e bico recurvado evocam uma
ave-de-rapina, provavelmente uma águia. Fonte das imagens:
http://en.natmus.dk Acesso em 05 de junho de 2015.

28
A águia ocupa um simbolismo extremamente importante nas narrativas
xamãnicas euro-asiáticas. Segundo os mitos siberianos, uma águia copulou com
uma mulher e originou o primeiro xamã – explicando porque a aparição de uma
águia é interpretada como sinal de vocação nesta técnica espiritual. Entre os
iacutos, este pássaro também é visto como criador do primeiro xamã. Em vários
mitos euro-asiáticos, as águias são relacionadas a árvores cósmicas e nos seus
galhos estão as almas dos futuros sacerdotes (ELIADE, 1998, 87-88).
Além do papel fundamental das aves-de-rapina na iniciação e treinamento
nas narrativas mitológicas, também as indumentárias xamânicas envolvem
significados ornitológicos: são revestidas de penas imitando a forma de ave.
Mesmo quando a indumentária não apresenta forma aquilina objetiva, o orna-
mento da cabeça imita pássaros. O uso destes trajes transformaria magicamente
o praticante em águia. (ELIADE, 1998, 89).
Muitos pingentes datados da Era do Bronze representam aves e pássaros,
levando diversos pesquisadores a acreditarem em um simbolismo essencial
envolvendo esses animais e o disco solar na Europa Nórdica e Ártica, basicamente
crenças animistas. Estes pingentes remeteriam a uma conexão com o céu
(PÁSZTOR, 2011, 106)
Outra cena da Idade do Bronze retrata o mesmo tipo de fantasia ornitoló-
gica, com espada e pênis ereto, aproximando-se de um animal quadrúpede (figura
1). Aqui, evidentemente, temos a idéia de fertilidade associada ao deus celeste,
ao mesmo tempo um deus fecundador e belicista, representado por sacerdotes
ou guerreiros em posição fálica na arte rupestre. O ethos guerreiro deste período71
é altamente associado com uma ideologia sexual de penetração e força
(KRISTIANSEN, 2014, 83), cujos ecos se perpetuarão posteriormente na Era
Viking (HEDEAGER, 2011, 115-118).
Este deus celeste foi também especialmente simbolizado pelo touro – muito
representado nas pinturas suecas, onde algumas cenas parecem representar
sacrifícios e em outras, imagens de tauromaquia. Os chifres neste caso repre-
sentam força e poder, reproduzindo as maiores qualidades do touro e do deus
celeste, como reprodutor e fecundador. Na cidade de Viksø foram recuperados
esplêndidos elmos do final da Idade do Bronze, portando enormes chifres re-
torcidos e dois imensos pares de olhos proeminentes (figura 5). Acima dos olhos,
um bico pontudo e retorcido parece representar uma ave-de-rapina. Essa fusão
do simbolismo de um animal ctônico (touro) e outro aéreo (águia), parece indicar

71 Mas como observou Enrique Bernárdez (2010, 51), as representações de guerreiros na arte ruepstre escandinava da Idade do Bronze
não está relacionada diretamente a cenas de guerra – são simplesmente homens armados com lanças ou machados, mas também
com arcos e flechas, o que pode indicar referência à caça. Quando surgem representações de espadas, elas estão associadas
diretamente a sexualidade e virilidade.

29
as qualidades da deidade celeste, juntas pelo elmo – posteriormente, as pontas
dos chifres élmicos vão ser acrescentadas de figuras de águias, como veremos a
seguir.
Alguns pesquisadores acreditam que as imagens de um deus associado a
serpentes e animais com cornos (além do seu simbolismo solar e com represen-
tações de anéis), teria sido influenciado pelo culto ao deus Cernunnos, provindo
dos Celtas. Neste caso, seria uma influência externa de um povo da Idade do
Ferro ao sul da Escandinávia ainda na Era final do Bronze (GÖRMAN, 1990,
329-343).
Mas o contexto mais aceito pelos acadêmicos em geral é a de um deus celeste
na idade do Bronze sendo um proto-Odin: uma deidade especialmente associada
com uma lança, como podemos constatar na pintura de Litsleby (Tanum,
Bohuslän, Suécia) – onde uma enorme figura masculina com pênis ereto ergue
uma lança, sendo margeada por inúmeros barcos, animais e pessoas de baixa
estatura. Vários pesquisadores percebem nesta pintura a origem nativa de Odin
(BOYER, 1997, 119; SIMEK, 2007, 244).
O final da Idade do Bronze na Escandinávia foi marcado por mudanças
abruptas no clima e temperatura, além das estruturas sociais e religiosas. Os
povos germânicos da Idade do Ferro penetram na região, trazendo diversos
elementos novos, além de perpetuarem algumas tradições nativas: a principal
delas é a guerra, antes esporádica, mas agora um elemento permanente na so-
ciedade nórdica (BERNÁRDEZ, 2010, 56).

A águia nórdica na Idade do Ferro (1000 a.C. – 750 d.C.)

O panteão de deuses deste período é marcado por três grupos principais:


deuses da vida e da fertilidade, da guerra e da vida comunitária. O surgimento
de grandes quantidades de sacrifícios animais e humanos no início da Idade do
Ferro, indica transformações sociais advindas da atividade regular da guerra,
quem além de fornecer imolações também era responsável pelas possíveis lide-
ranças políticas (BERNÁRDEZ, 2010, 61).
As representações de águia no início da Idade do Ferro escandinava até o
século IV d.C. são marcadas por uma grande lacuna na arte religiosa. Nesta
época, intensificam-se contatos comerciais e culturais da área escandinava com
a romana, favorecendo a formação de reinos e centralizações políticas no mundo
nórdico. Uma das maiores características da religiosidade deste período são os
depósitos rituais de vários tipos de objetos, especialmente em lagos e pântanos
(incluindo corpos humanos) (WILSON, 2003, 16-40), especialmente associados

30
com o principal deus dos germanos antigos, a deidade da guerra: Gaut (Godos),
Wöden (Anglo-saxões), Woden (Saxão antigo), Wutan (Antigo alto alemão),
Oðinn (Nórdico antigo).
No início do período de migrações (século IV d.C.), o simbolismo aquilino
volta a ter um grande impacto da arte religiosa germânica. Neste contexto, sem
abandonar seu aspecto xamânico (que na realidade sobreviveria até o período
viking), a águia passa a simbolizar também tanto a soberania política quanto a
ideologia guerreira dos grupos dominantes. Isso deve ter sido originado por
uma influência direta da civilização romana72, que por sua vez a absorveu da
área oriental, especialmente dos persas (que percebiam este pássaro como augúrio
de vitória militar). O Irã aquemênida utilizava um estandarte de uma águia
dourada com as asas abertas, pousada sobre a ponta de uma lança (CHEVALIER
& GHEERBRANT, 2002, 25), muito semelhante aos famosos estandartes das
legiões romanas.
A riqueza era uma conseqüência direta da guerra, ao mesmo tempo em que
foi reflexo de poder e alto prestígio social no mundo germânico antigo
(ROESDAHL, 1980, 146-148). Ouro e jóias foram elaborados para uso pessoal,
onde destacam-se a utilização de diversos ornamentos religiosos ou míticos,
especialmente formas animais e de bestas fantásticas. O simbolismo da águia
surge em profusão neste contexto da arte dos povos germânicos, especialmente
relacionado a dois tipos de vestígios materiais (geralmente encontrados em
sepulturas de guerreiros): objetos de adorno (pingentes, broches, bracteados e
fíbulas) e figuras esculpidas em armamentos (como escudos e elmos).
O padrão básico de figuração da águia nos adornos pessoais é a de uma
águia-real, sempre destacando o seu bico recurvado e os olhos penetrantes e
altivos (figuras 7, 11, 12).73 Aqui, evidentemente, além de sua ligação como
representação da realeza e nobreza germânica, ela se vincula ao deus da guerra
germânico. A pesquisadora Hilda Davidson atentou ao fato de que tanto Odin
quanto o deus celta da guerra (Lug) estavam associados a águias, primariamente

72 No território de Todi na Umbria (Itália) e no Chipre, por exemplo, foram encontradas moedas cunhadas com a figura da águia (Moeda
italiana, cerca de 280 – 240 a.C.; moeda cipriota, cerca de 101 – 88 a.C.). Embora de civilizações e regiões distintas, ambas as
culturas em questão convergem para uma visão similar a respeito da figura da águia. Pela maneira como foi retratada no poema,
por exemplo, essa ave é caracterizada como soberana, destacando-se pela liderança que exerce sobre outras aves. Quanto às
evidências materiais, como exemplificado pelas moedas, é notável que sua representação visual se encontre no reverso de um
objeto tão circulante no meio social. Ainda, no caso da moeda cipriota, a águia compartilha a cunhagem com um líder político. A
aproximação simbólica dessa ave com questões políticas e, principalmente, soberanas, se fortaleceu na Idade Antiga e se manteve
na cultura européia dos séculos seguintes, alcançando até a Idade Moderna e Contemporânea. Isso se comprova pela adoção desse
animal nos emblemas de instâncias superiores, como ocorre na heráldica militar e real.

73 Alguns pesquisadores acreditam que o uso da águia entre os germanos do período de migração, além dos motivos religiosos e
políticos, se devia ao fato deste animal efetuar ataques inesperados e fulminantes em suas vítimas – assim como os próprios
guerreiros germânicos. Essa imitação teve um lugar especial na imaginação artística, especialmente destacando as garras afiadas e
o bico recurvado das aves de rapina (SIMONS, 1971, 46-47).

31
como símbolos do céu,74 mas também com a soberania devido a influência dos
imperadores romanos na época das migrações (DAVIDSON, 1988, 91). Tanto a
estética dos broches aquilinos quanto outros objetos materiais, como fivelas,
medalhões e bracteados germânicos, possuíam funções religiosas e políticas em
suas sociedades e foram utilizados pela elite como expressões de soberania.
Essas imagens refletem não somente o poder do deus da guerra, mas também
que os líderes-guerreiros (os que utilizaram estes adereços pessoais) são eles
próprios descendentes desta divindade. Essa ideologia teria sido inspirada di-
retamente no culto romano ao imperador (KALIFF & SUNDQVIST, 2006, 215).
Mas apesar destas influências externas, algumas imagens com sentidos
sagrados ou religiosos específicos da tradição escandinava ainda permanecem
na época das migrações. Alguns deles são os triskelions e suásticas: figuras que
possuem três ou quatro pernas que partem de um centro em comum. Ambas
ocorrem no mundo euro-asiático desde a Idade do Bronze e na região escandinava
possuem originalmente conexão com a sazonalidade da vida, as divindades do
céu e o culto ao Sol (LANGER, 2015a, 525, 483). O trefot (triskelion) possui
dois tipos básicos – representações de figuras ternárias cujos terminais possuem
cabeças de animais ou então, esculturas geométricas cujas terminações são
simplesmente pontas ou cornos de bebidas que se entrelaçam (essa mais comum
na Era Viking, como em Stenkyrka Lillbjärs III e Snoldelev). No primeiro caso
temos imagens muito comuns na época das migrações, como em uma fivela de
cinto dos Francos (França, século VII), onde o trefot se ramifica em cabeças de
pássaros com o bico aberto. Em um pingente anglo-saxônico (figura 9), a imagem
possui terminais em forma de águia com os bicos bem recurvados e suas garras
preparando-se para agarrar algo; no caso de outra imagem da mesma região,
elas agarram outros pássaros (figura 15). Alguns trefots são mais complexos (a
exemplo de Smiss I em Gotland, onde ele possui terminais com cabeça de águia,
serpente e javali), mas indubitavelmente todos são relacionados ao culto de
Odin. Isso é ainda mais explícito com outro símbolo, a suástica (fylfot).
Extremamente comum em objetos de adornos pessoais e armamentos dos
germanos do período das migrações, a suástica tanto denota um símbolo de
vitória e proteção marcial aos seus possuidores, como também um elemento
ideológico de identificação dos líderes ao deus Wotan. Um exemplo foi o uso do
fylfot em equipamentos bélicos, como na bainha da espada de Gutenstein,
Alemanha, século VII; em pomos de espadas e guarda-mãos (desde a Inglaterra
Anglo-Saxônica até a Era Viking) ou mesmo nas lâminas de lanças e espadas
(Dahmsdorf; Sæbø). Neste sentido não é estranho percebermos uma suástica
74 A deidade máxima da guerra no mundo germânico antigo era intrinsecamente relacionada aos céus (em seus aspectos solar, de criador
e principal divindade) e ao mundo marcial (NORDGREN , 2011, 212-213).

32
cujos terminais são cabeças de águia (figura 10), realizada pelos godos no século
IV – aqui tanto sobrevive a idéia de movimento circular, típica das antigas espirais
(simbolizando o calor solar), quanto temos uma representação do poder aquilino,
transfiguradora da soberania militar e divina do deus da guerra germânico.
Sendo o animal que comanda os céus, ele tanto tem significados solares quanto
puramente marciais – na figura 9, percebemos que as três aves (número odínico)
estão em posição de lançarem-se sobre suas presas. Também em um bracteado
dinamarquês (figura 6), a suástica possui tanto um sentido de vitória militar
(está ao lado de um guerreiro derrotado – possui uma espada apontada para
baixo; e do outro lado, uma representação do símbolo da lança), quanto é em-
blema de Wotan-Odin: acima da suástica, um cavaleiro acompanha duas águias,
uma delas sendo a crista de seu elmo.

Figura 6: Bracteado de ouro, com a representação de


duas águias, um cavaleiro, uma suástica, uma lança e um
guerreiro com espada. Kitnæs, Dinamarca, Fonte:
HEDEAGER, 2011, 87.

Figura 7: Par de fivelas com cabeças de águias, Inglaterra


Anglo-Saxônica, século V d.C. Fonte: www.pinterest.com

33
Figura 8: Cabeça de homem como parte de uma águia,
broche de bronze, Dinamarca pré-Viking. Fonte:
HEDEAGER, 2011, 72.

Figura 9: Pingente circular com um triskelion interno em


forma de três águias, Inglaterra Anglo-Saxônica, século VI
d. C. Museu Ashmoleon, Oxford. Fonte: www.pinterest.
com

Figura 10: Pingente de prata em forma de suástica com


cabeças de águia, Balcãs do período godo, século IV d. C.
Fonte: www.pinterest.com

Figura 11: Pingente de ouro em forma de águia, tesouro


de Sutton Hoo, Inglaterra Anglo-Saxônica, século VI d. C.
Fonte: http://flickriver.com

34
Figura 12: Broches de jóias preciosas, Espanha
Merovíngia, século VI d. C. Fonte: SIMONS, 1971, 54.

Figura 13: Broche em forma de águia, Suécia, período


Vendel, século VII-VIII d.C. Fonte: www.pinterest.com

Figura 14: Par de arreios de bronze dourado, Gotland,


período Vendel, século VII-VIII d.C. Fonte: MAREZ, 2002,
45.

O último aspecto a considerarmos no período pré-viking são os adornos e


esculturas relacionados aos chifres celestes. Tratam-se de representações de elmos
com um par de chifres ou adornos córneos, mantenedores de uma tradição que
remonta à Idade do Bronze e que analisamos anteriormente (figura 5), mas que
agora recebem novos sentidos. Infelizmente não sobreviveu nenhum exemplar
deste tipo de vestígio em tamanho real. Os pesquisadores utilizam as represen-
tações existentes em pingentes e amuletos, geralmente associadas a guerreiros
em posição de dança ou êxtase. Normalmente essas figuras masculinas são
consideradas como sendo adoradores do deus Odin (berserkir), celebrando o
êxtase guerreiro ou se preparando para a batalha. Utilizam o principal símbolo

35
marcial e religioso da deidade – a lança – que como já vimos, está relacionada
ao deus celeste e da guerra nórdico desde a Idade do Bronze.
Muitas destas imagens estão associadas a animais (como nas famosas
plaquetas de Torslunda, Suécia) e não são consideradas cenas de “batalhas reais”
e sim figurações de ritos iniciáticos, sazonais, celebrações da morte ou renasci-
mento – remetendo a dramatizações míticas constantes na religiosidade ger-
mânica e que são referendadas por inúmeras fontes literárias, históricas e fol-
clóricas (GUNNELL, 1995, 66-77).
No caso dos elmos nórdicos com chifres, a partir do período de migrações
(séculos IV a VIII), eles passam a receber terminações em formato de cabeça de
pássaros na extremidade dos cornos. Assim, os chifres ainda transfiguram força
e poder, típicas da deidade celeste da Idade do Bronze, mas agora se somam ao
simbolismo das aves: animais solares e aéreos, emblemáticos da soberania militar
e do poder político que os governantes germânicos almejam em suas comuni-
dades. Como as representações possuem dois chifres, um em cada extremidade
do elmo, e cada cabeça animal defrontando a outra (ou cruzando os bicos, como
em Turslunda), a maioria dos especialistas acreditam serem representações dos
dois corvos de Odin: Hugin e Munin. A estética e a ornamentação artística são
utilizadas para reforçarem interpretações míticas e religiosas. Os analistas
utilizam basicamente as Eddas e muitas imagens criadas na Idade Média e
Renascimento e neste caso, quando surgem duas aves ao lado de Odin, elas são
interpretadas como sendo os dois corvos odínicos.
Analisando outros tipos de objetos, como as plaquetas ornamentais de
elmos, percebemos que existem representações diferenciadas de aves e pássaros
antes dos Vikings. Em uma plaqueta datada da Suécia do período Vendel (figura
19), averiguamos nitidamente dois tipos semelhantes de aves na mesma imagem:
uma primeira, constante no elmo do guerreiro, com o bico totalmente recurvado
para dentro, enquanto a ave mais abaixo, ao lado de uma serpente, por sua vez
possui um bico alongado com uma pequena curvatura para baixo e uma cauda
e asas muito semelhante às encontradas em outros objetos germânicos (vide
figura 12). Acreditamos que a primeira se trata da águia real (Áquila chrysaetos),
enquanto que a segunda ave é a representação de uma águia raballa (Haliaeetus
albicilla), todas encontradas em sepulturas humanas na Escandinávia da Alta à
Baixa Idade Média75, o que demonstra que foram domesticadas nos tempos
antigos e que foram estes animais que inspiraram a arte que mencionamos até
aqui.

75 TYRBERG 2002, 228; PÁLSDÓTTIR, 2008, 6. Também existem evidências arqueológicas do Bufo real (Bufo bufo) na Escandinávia pré-
Viking. A falcoaria foi considerada uma arte de alto status social no mundo nórdico dos séculos VII a IX d.C.; conforme: BÉLLAMY-
DAGNEAU, 2015, 28; 35.

36
Figura 15: Águias caçando pássaros, detalhe de tampa de
caixa de moedas, tesouro de Sutton Hoo, Inglaterra
Anglo-Saxônica, século VI d. C. Fonte: www.britishmu-
seum.org

Figura 16: Par de águias, logo abaixo, meio humano entre


dois javalis, fivela de cinto. Åker, Noruega pré-Viking.
Fonte: ROESDAHL, 1980, 133.

Figura 17: Ilustração representando um guerreiro


portando elmo com chifres aquilinos, fragmento de elmo,
tumba de Caenby, Inglaterra anglo-saxã, século VI d.C.
Fonte: http://www.millennia.f2s.com/dancing.htm

Figura 18: Fragmento de chave ou cabeça de bastão


mágico, Staraya Ladoga, Rússia, século VIII d.C. Fonte:
GRAHAM-CAMPBELL, 1997, 190.

37
Figura 19: Ilustração de ornamento de elmo de Vasgärde
7, período Vendel, Suécia, século VII d.C. Fonte:
GRÄSLUND, 2006, 127.

Figura 20: Ilustração de Oscar Montelius (1905),


reproduzindo ornamento de elmo do período Vendel,
Suécia, século VII d.C. Fonte: LANGER, 2015, 95.

Em outra representação constante de um antigo elmo do período Vendel,


também percebemos estas diferenças (figura 20). Acima de um cavaleiro portando
uma lança, duas aves voam com as asas abertas: o primeiro possui o bico recur-
vado para dentro, enquanto que o segundo possui o bico afinado e pontudo, sem
dobras. A primeira ave é idêntica a figuração da crista do elmo do cavaleiro (que
também coincide com as mesmas representações de outros elmos da região, ver
figura 6) e com certeza se trata da águia-real (Áquila chrysaetos), enquanto o
segundo animal é um corvo (Corvus corone, em português conhecida como gralha
preta). Estas duas aves são igualmente símbolos do deus Odin. Estão associadas
a sua sabedoria, aos seus mitos, as suas aventuras amorosas e mágicas. O pro-
blema é que apenas os dois corvos são mencionados como sendo animais de
estimação da deidade, ao contrário da águia, que aparece como o próprio deus
transfigurado neste animal. Baseados nisso e na estética artística, acreditamos
que os pesquisadores se equivocam quando identificam Hugin e Munin na
iconografia pré-Viking.76

76 Anteriormente também cometemos equívocos neste sentido, como em LANGER, 2010, 21, quando nos referimos ao pingente de
Starayja Ladoga como sendo Odin e seus corvos (ver figura 18), mas que na realidade se tratam de duas águias.

38
Exemplos podemos perceber em manuais de popularização (ALLAN, 2002,
45), considerando o par de arreios dourados de Gotland como sendo os dois
pássaros odínicos (figura 14), ou em manuais de arqueologia nórdica, ao tratar
do objeto de bronze de Staraya Ladoga (figura 18) também como sendo figuras
de dois corvos (GRAHAM-CAMPBELL, 1997, 190). Mais recentemente, a análise
tradicional dos elmos de Vasgärde 7 (figura 19) e dos pássaros do escudo de
Sutton Hoo (figura 11) como sendo corvos, vem sendo criticada (GRÄSLUND,
2006, 127). Em termos quantitativos, a figura do corvo é praticamente ausente
da arte nórdica pré-viking. Ela figura em alguns poucos casos (como no bracteado
de Bolbro, Dinamarca) e no já relatado elmo de Vendel (figura 20). E a duplicidade
das formas aquilinas na arte nórdica se deve a motivações puramente ornamen-
tais e de simetria dos objetos, sem respaldo nas fontes mitológicas ou literárias.77
Outros animais importantes para a religiosidade escandinava, como os javalis
e as serpentes, também são duplicados na cultura material, mas sem nenhuma
motivação de base religiosa (a não ser o simbolismo do animal em si). Assim,
temos casos de duas águias, dois javalis, duas serpentes, dois cavalos, dois ursos
na arte germano-escandinava. Algumas vezes uma figura masculina ou um rosto
ocupa o centro do objeto, sendo as formas animais representadas à margem ou
em suas laterais – um caso típico de fíbulas em quase toda a arte germânica
antiga.
Um dos objetos mais antigo em que podemos afirmar categoricamente que
possui dois corvos é a estatueta encontrado em Lejre (Dinamarca, 2009) e que
representa Odin sentado em seu trono, ao lado de dois pares de animais.78 Como
se trata de um vestígio da Era Viking (século IX d.C.), podemos reforçar as
considerações de alguns pesquisadores de que esta imagem de dois pássaros que
acompanham a suprema deidade tenha provindo essencialmente da poesia dos
escaldos no início do período viking (SIMEK, 2007, 164), tendo como base a
tradição artística germânica de duplicidade animal.79 Apesar de também estar
relacionado ao mundo das batalhas, o corvo se alimenta dos mortos e possui
muito mais afinidade com o xamanismo e a capacidade do deus de visitar outros
mundos e obter conhecimento (valquírias conversam na poesia éddica com

77 “A construção de qualquer imagem material é expressão de uma imagem mental em certo contexto sociocultural” (FRANCO JR.,
2010, 70-71).

78 Para maiores informações sobre este objeto, consultar: http://www.roskildemuseum.dk/Default.aspx?ID=442 Acesso em 22 de


agosto de 2015.

79 “Muitas vezes é a imagem visual de um evento, personagem ou gesto que gera a imagem textual (...) Outras vezes é a imagem verbal
que produz a imagem visual (...) as imagens são produto de sua própria intertextualidade” (FRANCO JR., 2010, 72).

39
corvos, a respeito de questões de vida e morte, Hráfnsmál, século IX80). Ao
contrário, as águias são emblemas da realeza e da soberania. Elas são treinadas
para a arte da falcoaria, ligada à caça e ao treinamento para a guerra, mas também
tendo elementos de religiosidade e culto ao deus Odin (BÉLLAMY-DAGNEAU,
2015). Deste modo, podemos afirmar com razoável certeza de que os chifres81
com aves predatórias nas ornamentações de elmos são símbolos do deus da
guerra, ele próprio denominado de “cabeça de águia” em fontes medievais
(Arnhöfði, þula, século XII82) e cuja idéia de metamorfose podemos perceber
claramente em um broche dinamarquês (figura 8): a cabeça de um ser masculino
está ao centro de uma águia. A idéia da simbiose humana em formas animais
será mais desenvolvida na arte e literatura da Idade Média Central, onde Odin
transforma-se em águia quando foge com o hidromel retirado do mundo dos
gigantes (LANGER, 2015a, 247-250). Anteriormente, para poder adentrar na
montanha onde estava o líquido precioso, o deus havia tomado a forma de uma
serpente. Essa oposição serpente (mundo ctônico) e águia (mundo celeste)83,
talvez explique a freqüência destes dois animais na arte nórdica do período
Vendel de modo tão contundente (figuras 19 e 20).84 Aqui estamos já estamos
muito mais próximos da Era Viking, o momento em que a arte, a religiosidade
e a literatura oral fizeram da águia o símbolo máximo da expressão divina da
guerra, da soberania e do poder militar.

A águia nórdica na Era Viking (750-1100 d.C.)

Com o início das incursões escandinavas às ilhas britânicas, e, posterior-


mente, à grande parte do continente europeu, os homens do Norte começaram
80 É possível que o simbolismo dos corvos na área escandinava tenha provindo objetivamente do contato com a área irlandesa,
após o século VIII. Neste local, a deusa Morrigan era particularmente relacionada à morte e aos corvos (incluindo metamorfose
neste animal). Também o deus Lug era associado com corvos e gralhas (DAVIDSON, 1988, 58, 86). Diversos pingentes com
representações de valquírias da Era Viking podem estar associando suas vestimentas com formato de corvos e aves (BÉLLAMY-
DAGNEAU, 2015, 39-42). E diversas fontes nórdicas sobre as valquírias (como o poema Darraðarljóð) podem ter origem irlandesa
(LANGER, 2015, 90-91).

81 Os elmos nórdicos com chifres desapareceram da cultura material no início da Era Viking e não são mencionados na literatura nórdica
medieval (sagas islandesas, poesia éddica e escáldica e contos folclóricos). Deste modo, não existe nenhuma referência mitológica
ou religiosa direta associando os elmos com chifres a animais após a Era Viking. Do mesmo modo, o culto ao touro também
desaparece do mundo germano-escandinavo após o período de Vendel.

82 Esta lista de nomes de Odin foi preservada somente nos manuscritos AM 748 e AM 757 das versões da Edda Prosaica de Snorri
Sturluson. Conforme GUNNELL, 1995, 63.

83 Além desta conotação ctônica, a metamorfose de Odin em serpente também tem conotação fálica, sem perder a dicotomia entre
o baixo (animal subterrâneo e ctônico) e o alto (águia, mundo celeste). Conforme SCHJØDT, 2008, 164-165. Evidentemente, os
guerreiros que portavam estes equipamentos e objetos devem ter compartilhado este referencial fálico do simbolismo animal.

84 No bracteado norueguês de Teig (Roland, séculos V ao VI d.C.), podemos observar a figura de duas águias que possuem pernas
humanas. Na lateral da peça, duas serpentes ladeiam as figuras. Essa representação foi analisada em termos artísticos por
BÉLLAMY-DAGNEAU, 2015, 47. De nossa parte, acreditamos que seja a prefiguração do mito de Odin metamorfoseado em águia,
após a mesma deidade ter mudado para a forma de uma serpente.

40
a ocupar um espaço de destaque nas crônicas e anais da Europa cristã. Esse
período de saques e colonização é tradicionalmente nomeado de Era Viking,
tendo, como marcos simbólicos de início e término, o ataque ao mosteiro de
Lindisfarne em 793 e a Batalha de Hastings em 1066, respectivamente (LANGER,
2015, 165). Durante esses tempos, os escandinavos medievais acumularam ri-
quezas e conhecimentos suficientes para desenvolver e expandir sua cultura e
sociedade ao longo das terras que visitaram e ocuparam, bem como continuaram
a trazer conhecimentos externos dos povos vizinhos (LANGER, 2015, 165),
como já faziam com os romanos e outros germanos desde a Idade do Ferro. No
que diz respeito à iconografia do período, uma grande quantidade de objetos
adornados foi produzida, como jóias, tapeçarias e entalhes. Porém, apenas uma
pequena porção desses objetos sobreviveu ao tempo. Muitos, compostos por
matéria orgânica, apodreceram; alguns dos feitos de metais foram fundidos e
reutilizados, sendo parte dos trabalhos em pedra servindo de material para
construção. Desta maneira, as fontes para o estudo do simbolismo e da cultura
visual apresentam apenas uma pequena fração do todo, necessitando um cru-
zamento entre as fontes para melhor compreensão (MENEZES, 2015, 25).
Os monumentos de pedra da Era Viking são as principais fontes imagéticas
da religiosidade nórdica pré-cristã (LANGER, 2015a, 362), em razão de alguns
possuírem representações de animais totêmicos, cenas mitológicas e de pós-
-morte, demonstrando a importância dispensada a esses elementos e reprodu-
zindo suas crenças e cosmogonias (MENEZES, 2014b, 61). Ademais, tais estru-
turas são oriundas de uma tradição germânica de erguer pedras, anterior à Era
Viking, configurando-se uma reapropriação, por parte da elite social desta época,
de um costume muito popularizado da ilha sueca de Gotland desde o Período
das Migrações (LANGER, 2009, 80): a de criar estelas pintadas, transmutando-as
depois em monumentos com textos rúnicos, as estelas rúnicas, que se mantém
até depois da cristianização (MENEZES, 2014a, 47).
Essas pedras entalhadas possuem uma grande quantidade de formas, estilos
e temas, mas seus objetivos são os mesmos: homenagear um falecido, demons-
trando o poder de sua família. Assim, nos monumentos que não possuem ins-
crições, as cenas de exaltação de guerreiros alcançando a glória de entrar no
Valhala são recorrentes, enquanto que nos monumentos com textos rúnicos,
um esforço para lembrar o nome do falecido e de seus familiares que o home-
nageiam e herdam suas posses, é evidente.
Desta maneira, a busca para entender o papel simbólico da águia para o
escandinavo da Era Viking nos depararmos com as tradicionais fontes escritas
da mitologia nórdica, tanto a Edda em prosa como a poética, onde percebemos
uma concepção onde a águia ocupa os espaços mais altos da espacialidade e

41
cosmologia. No Gylfaginning 16, bem como na estrofe 32 do Grímnismál, encon-
tramos a descrição de uma águia pousada em um galho no topo da Yggdrassil, a
árvore cósmica. Vislumbramos, ainda, todo um antagonismo cósmico represen-
tado por outro animal, situado na extremidade da mesma árvore, em suas raízes,
a figura da serpente no submundo, que antagoniza-se com a citada ave.
Essa dualidade também está presente em outras narrativas, como no mito
do roubo do hidromel (Hávamál 104-110), no qual Odin transforma-se em
serpente para adentrar a caverna onde a bebida estava guardada e depois se
torna uma águia para fugir com todo o líquido em sua barriga. Tais narrativas
associam a serpente com o submundo, o ctônico e o plano inferior, enquanto a
águia guarda relação com o alto, o celeste e a própria morada dos deuses, Asgard
(LANGER, 2015a, 21).
Uma das pedras pintadas de Lärbro, Gotland,chamada de Stora Hammars
III (figura 21), datada do século IX, ostenta em sua face uma representação da
narrativa do hidromel. Nela podemos identificar, em um dos painéis do topo,
local comumente reservado para representações do pós-morte, do celeste e do
Valhala, um homem armado com faca, uma mulher servindo hidromel e um
outro homem com aparência de um grande pássaro, sendo então o casal os gi-
gantes, Suttungr e Gunnlod e o homem vestido de pássaro, Odin (LANGER,
2009, 15). Temos então uma estética de águia na forma de uma grande ave, de
bico recurvado, garras evidentes, cauda larga e estaqueada.

Figura 21: Pormenor da Stora Hammars III. Disponível em: http://norse-mythology.org/wp-content/


uploads/2012/11/Mead-of-Poetry.jpg

42
Figura 22: Stora Hammars I. Disponível em: http://runeberg.org/svfolket/1//illustrations/fullsi-
ze/0275_1.jpg

Ainda em Lärbro, uma outra pedra do local, a Stora Hammars I (figura 22),
de aproximadamente do início do século IX, é um dos monumentos mais bem
preservados e controversos da iconografia mitológica escandinava (LANGER,
2009, 80). Três de seus seis painéis possuem representações de aves em contextos
diferentes. Vistos de baixo para cima, a segunda sessão exibe uma cena de batalha
composta por dois exércitos em sentidos opostos e, ao centro, um homem está
deitado abaixo de um cavalo, possivelmente morto na luta, além de um pássaro
logo acima deles. Por representar uma morte e uma batalha, o pássaro da cena
poderia ser um corvo, animal que sobrevoa campos de batalha, alimenta-se dos
cadáveres e é associado à Odin, o deus da guerra (LANGER, 2015a, p. 256).
Entretanto, uma análise estética permite notar a evidência dada as asas largas,
cauda estaqueada, patas avantajadas e bico curvo. Estes elementos se aproximam
muito mais a uma águia que a um corvo, contudo, não é possível precisar se
realmente o que se vê trata-se de uma águia ou de uma outra ave-de-rapina,
como um gavião ou falcão.
Em um estudo de 2007, Kristina Jennbert investigou broches em formatos
de pássaros encontrados em 2005 por detectores de metal na região de Uppakra,
ao sul de Lund. A autora levanta questionamentos sobre a identificação das
espécies de aves representadas nos 130 broches e destaca que o comportamento
do animal e a morfologia das representações podem ajudar na sua identificação
(JENNBERT, 2007, 25). Além disso, no mesmo estudo, um levantamento da
presença de restos de aves, como falcões, corujas, patos e galinhas, em sepulturas

43
suecas entre os anos 500 e 1000 da Era Cristã.85 Jennbert justifica a presença
de aves-de-rapina com a prática da falcoaria. Esta atividade é conhecida e repre-
sentada em bracteados por europeus pelo menos desde o século VI (JENNBERT,
2007, 26) e certamente alcançou a Escandinávia. A habilidade e o direito de
possuir uma ave-de-rapina estava reservada aos que tinham posses e status
social, vindo este animal a se tornar símbolo de prestígio e poder (JENNBERT,
2007, 27), como também em outros objetos que ostentam águias como símbolo
de proteção odínica (GRÄSLUND, 2006, 128). Assim, a representação de ave no
segundo nicho da Hammars I pode ter a função de demonstrar que o guerreiro
falecido possuía uma ave-de-rapina junto a ele, pertencendo, portanto, aos altos
estratos sociais ou pode evidenciar a presença efetiva de uma águia, animal
também ligado à Odin, indicando que esta divindade escolheu o guerreiro para
entrar em seu salão.
O quarto painel do monumento possui sua gravura mais polêmica, composta
por guerreiros, um deles segurando uma grande ave, enquanto os demais em-
punham espadas. Há também a representação do que pode ser um sacrifício
humano sobre um altar ou a inumação de um corpo em um montículo funerário
por um homem que porta uma lança (LANGER, 2009, 86). No mais, vê-se um
valknut e outro pássaro acima, um homem entalhando uma pedra e duas árvores,
uma delas com um guerreiro enforcado e outra com mais um pássaro em seu
galho. As aves desse nicho possuem morfologias distintas e, no caso da que
repousa na copa da árvore, não muito clara. A primeira citada, apesar de corpu-
lenta e de grande proporção, possui um bico curto e largo e cauda côncava, o
que a diferencia das outras desta cena. Essas características se assemelham às
dos gaviões, portanto, mais uma vez, indica alta posição social de quem o carrega.
A ave que sobrevoa a todos possui semelhantes bicos e caudas se comparada
com a apresentada no segundo quadro do monumento e, mesmo sem apresentar
garras evidentes, podemos seguramente afirmar ser uma águia, pois além da
semelhança com a figura anterior, está em posição de um vôo de mergulho ca-
racterístico de animais que buscam alvos em terra (JENNBERT, 2007, 25).
Por último, nos deparamos com o animal da árvore. Este possui um corpo
pouco identificável, porém com traços das asas, bico e cauda que se assemelham

85Das 115 aves identificadas, entre os pássaros, apenas 1 pertence ao gênero dos corvos, uma Gralha-Preta (Corvus corone), e apenas
3 pertencem ao gênero da águia, sendo uma Águia Rabela (Haliaeetus albicilla) e duas Águias Reais (Aquila chrysaetos). Porém,
outras aves de rapina abundam nestas sepulturas, perfazendo-se um total de 10 falcões (5 Falco peregrinus, 4 Falco rusticolus e 1
Falco columbarius), 1 coruja (Bubo bubo) e 31gaviões (3 Accipiter nisuse 28 Accipiter gentilis) encontrados juntos a restos mortais de
humanos. A presença de outras aves-de-rapina além da águia, como falcões e gaviões, pode ser explicada pelo fato de serem bem
menores e mais facilmente adestradas para a falcoraria e domesticação do que a águia real - que pode atingir até 12 kilos e 100 cm
de comprimento. Outra questão que podemos levantar é a associação de aves-de-rapina menores com as deusas: Freyja assume
forma de falcão, bem como pode emprestar suas asas de falcão a outros deuses, segundo as Eddas. Segundo alguns pesquisadores,
esta associação animal remete à significação das deusas com o mundo celeste (DAVIDSON, 2001, 109).

44
à outra ave, bem mais nítida, representado no quadro ao topo desta pedra, onde
é possível identificar um homem sentado e ladeado por outros dois homens de
armas em punho e uma ave ao canto direito. Esta última sessão pode ser inter-
pretada como o próprio Valhala, onde Odin seria o homem sentado e os guerreiros
seriam seus einherjar (LANGER, 2009, 93). Dessa forma, a ave, entendida como
uma águia, localiza-se junto ao nível dos homens, indicando que as figuras estão
na morada dos deuses, num plano celeste.
Outro monumento gotlândico que apresenta a mesma estrutura celeste
representado pela ave é a pedra rúnica de Sanda I (G 181 – figura 23). Nesta
pedra, datada entre os anos de 1020 e 1050 d.C., três homens seguram armas,
localizando-se, logo acima, duas pessoas sentadas, identificadas como Odin e
sua esposa Frigg (LANGER, 2009, 93), que estão cercando um homem, ao qual
segura na lança do chefe dos deuses.

Figura 23: Pedra de Sanda I (G 181). Disponível


em: http://www.runesnruins.com/runes/g/got_
sanda.jpg

Figura 24: Sö 101. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4f/


Sigurd.svg/2000px-Sigurd.svg.png

Mais uma vez, a ave aparece no canto do nicho, todavia, possui um formado
diferente da águia e das outras aves já citadas. Esta possui longos pescoço, patas
e bico, semelhantes à um cisne, o que também remete a Odin através das val-
quírias, uma vez que estas aves estão ligadas às mensageiras de Odin tanto como

45
as donzelas-cisne (LANGER, 2009, 66), quanto em seu aspecto de psicopompo
(OEHRL, 2012, 93-96). Mesmo com morfologia distinta, a simbologia é a mesma,
indicando um plano superior.
Outro simbolismo atribuído aos pássaros e aves de um modo geral, portanto
também aplicável à águia, é o conhecimento. Expressando a capacidade de
percorrer longas distâncias de forma rápida e sem os obstáculos que o terreno
apresenta, o voo dos pássaros representa um bem inestimável para os escandi-
navos, consubstanciado na habilidade de poder saber o que acontece em terras
externas, observando-se, de longe, a movimentação do inimigo, o que é algo
crucial para se preparar um ataque ou defesa, numa situação beligerante. Os
próprios corvos de Odin, Huginn e Muninn, cujos nomes significam respectiva-
mente pensamento e memória, estão presentes em diversas fontes literárias e
são associados ao deus caolho como seus mensageiros. Destarte, a águia, até
mais que outras aves, possui esta habilidade. Seus olhos sempre atentos são
capazes de notar a menor movimentação no solo, enquanto seu vôo de grandes
altitudes lhe dá amplitude de observação. Assim o imaginário sobre pássaros
que levam notícias está presente no mundo viking e preservado em suas sagas,
lendas e poemas. De forma similar, é contado na Saga dos Yglingos que o Rei Darg
é capaz de entender a fala dos pássaros e seu gavião é sua fonte de conhecimento,
pois quando ele retorna de seus vôos, relata ao rei acontecimentos de diversos
locais, fazendo dele um homem mais sábio.Timothy Bourns aponta que Snorri
Sturluson, ao escrever esse texto, deixa claro a relação entre as aves e a realeza,
pois entender a língua dos pássaros seria a fonte da sabedoria real (BOURNS,
2012, 23).
Semelhante ao caso do Rei Darg é o de Sigurd, o maior herói escandinavo.
A Saga dos Volsungos narra que Sigurd, após por o dedo que sujou do sangue ao
assar o coração de Fafnir em sua boca, passou a poder entender a língua dos
pássaros. Neste momento, ouviu dois pássaros que estavam num galho de árvore
próximo comentarem que Regin pretendia lhe matar. Assim, o conhecimento
destes animais permitiu ao herói atacar primeiro e escapar da morte. Esta
narrativa do ciclo nibelunguiano (LANGER, 2006, 26) surge representada em
algumas estelas rúnicas suécas. As pedras de Ramsund (Sö 101 – figura 24) e de
Gök (Sö 327 – figura 25), datadas entre os anos de 960 e 1020 d.C., possuem
muito bem representados diversos elementos desta passagem mítica, podendo
ser notado Sigurd trespassando a serpente e assando seu coração, ferramentas
de ferreiro, Regin decapitado, o cavalo Grani, a árvore e os dois pássaros.

46
Figura 25: Gök 327. Disponível em: https://upload.
wikimedia.org/wikipedia/
commons/2/2c/S%C3%B6_327,_G%C3%B6k.JPG

Figura 26: Reprodução da Pedra de OckelboGs 19.


Original foi destruída em incêndio. Disponível em:
http://www.allakartor.se/venue_ima-
ges_475/56826_75116494.jpg

Os pássaros representados nestes dois entalhes foram desenhados em uma


estética simples, mas com asas, patas e bico bem definidos, o que parece indicar,
pelas formas de bico e cauda, uma ave-de-rapina. Considerando que o herói tem
sido favorecido por Odin durante sua vida, é evidente a associação entre as aves
que evitam a morte de Sigurd e a vontade de sua divindade protetora. Esta re-
presentação também reforça a simbologia das aves-de-rapina com o prestígio
através da idealização heróica.
O tema do pássaro no topo da árvore também está presente em outras
estelas do grupo de Pedras de Sigurd. A pedra de Ockelbo (Gs 19 – figura 26),
com datação aproximada entre 1020 e 1050 d.C., apresenta uma curiosa distri-
buição de elementos. Neste monumento, além de cenas da lenda de Sigurd, como
a morte de Fafnir por Sigurd, o cavalo amarrado à árvore centralizada com uma

47
ave no topo e o anão Andvari portando o anel, também podemos identificar dois
homens jogando um jogo de tabuleiro e bebendo, uma valquíria servindo hidro-
mel, a serpente-dragão emergindo das raízes da árvore, uma ave no chão seme-
lhante a um galo e mais ao topo, na área mais danificada, fragmentos de pessoas
e carroças puxadas por cavalos.
Esta pedra rúnica possibilita uma interpretação do cosmos escandinavo,
se for analisada à luz da Etnoastronomia e da observação astronômica das
constelações de escorpião, cisne e águia no céu escandinavo medieval: todos os
elementos são encaixados de forma a compor a organização dos planos divino,
humano e sub-mundo (LANGER, 2013, 105-109). Nesta interpretação, a árvore
seria a Yggdrasil, encarada em uma perspectiva de pilar cósmico, bem como
vislumbrada na Via Láctea, enquanto que o pássaro no seu topo seria a águia
que habita a copa da árvore do mundo, segundo as narrativas mitológicas, ob-
servada como a constelação de Cisne, que estaria localizada no zênite da
Escandinávia. Desta forma, a ave representada teria a capacidade de voar ao
mais alto ponto do cosmo, o que reforça a interpretação de que fora concebida,
de fato, como um animal com sentido cosmológico.
Este arranjo onde uma águia está ao topo e a serpente emerge do nível
inferior também está presente em outros monumentos, como é o caso da pedra
rúnica de Grystabacke (U 629 – figura 27), datada do período entre 1050 e 1070
d.C. Nesta estela, duas serpentes-dragões surgem no nível inferior agarrando
duas pessoas, enquanto, nos níveis mais elevados, um pássaro repousa logo
abaixo de uma cruz, que, por sua vez, pende do laço que une as caldas das ser-
pentes. A postura das serpentes, que podem ser vistas com as bocas abertas e
segurando corpos em formas humanas, remetem à serpente devoradora de
cadáveres Níðhöggr (LANGER, 2015, 140), que, de acordo com o Gylfaginning,
habita as raízes da Yggdrasil, ou seja, o nível do submundo. Portanto, ainda que
a árvore não esteja presente, o pássaro acima poderia representar a águia do
topo celeste, antagonizada pela serpente-dragão.
De igual modo, a pedra rúnica de Hårby (U 746 – figura 28), posterior à de
Ockelbo, sendo datada entre 1070 e 1100 d.C., reproduz um grande emaranhado
de serpentes e serpentes-dragões, mas desta vez estas criaturas preenchem o
centro. Mais dois animais aparecem na cena, sendo um quadrúpede que, por
estar danificado, não conseguimos identificar e um pássaro, ambos acima das
serpentes, o que denota uma separação entre os níveis subterrâneos, dominados
pelas serpentes, e os demais planos. Observando a postura de umas das serpentes,
podemos notar que ela ataca a ave, que por sua vez, voa em sentido ascendente.
Este comportamento representado à dicotomia das figuras cósmicas da serpente

48
e da águia, uma vez que a ave está evidentemente representada com garras e
bico curvo, traços marcantes deste animal.

Figura 27: U 629. Disponível em:


https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/736x/41/
b2/00/41b200199ec00c36b3fa50c416b25efc.jpg

Figura 28: Pedra de HårbyU 746. Disponível em: https://


scontent.cdninstagram.com/hphotos-xaf1/t51.2885-
15/s306x306/e15/11116845_768366123270838_40
5997340_n.jpg

Ainda na Suécia, a pedra de Böksta (U 855 – figura 29), datada do


período compreendido entre 1020 e 1050 d.C., apresenta a águia de uma forma
dúbia. Esta estela tem a mesma organização de uma serpente emaranhada no
nível inferior e uma ave no nível superior, em cujo centro, vê-se uma cena de
caça representada por um homem de esqui armado de arco e flecha, outro
homem montado em um cavalo com uma lança em punho e dois cachorros,

49
todos eles perseguindo um cervo. O pássaro foi esculpido com enormes garras
e bico curvo, características de uma ave-de-rapina, e pode indicar a águia
cósmica em paralelo com a serpente. Tal interpretação reforça-se ao notar a
posição em que o pássaro está reproduzido nesta estela, pois ele voa por fora da
linha rúnica, o que pode indicar que não faz parte da caçada. Entretanto, o fato
de o animal posicionar-se exteriormente não é suficiente para afirmar que não
participa da referida caçada, pois, aves-de-rapina, como dito anteriormente,
eram tanto utilizadas em caçadas, efetivamente, mas também serviam como
símbolo de prestígio nas composições estelares, o que pode ser a função da
representação do animal na pedra.

Figura 29: Pedra de Böksta U 855. Disponível em:


https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/
thumb/8/81/U_855,_B%C3%B6ksta.jpg/250px-
-U_855,_B%C3%B6ksta.jpg

Figura 30: Pedra de Alstad N 61 e N 62. Disponível em:


http://www.arild-hauge.com/arild-hauge/no-y-rune-als-
tad.jpg

50
Um outro exemplo da relação entre caças e aves está presente no monu-
mento fúnebre norueguês de Alstad (N 61 e N62 – figura 30). Datada entre 1000
e 1060 d.C., esta pedra com duas inscrições rúnicas não possui a figura da ser-
pente. Seu texto rúnico em duas faces está localizado em linhas horizontais e
verticais, que separam os caracteres dos desenhos. Em sua face maior, podemos
identificar uma grande ave de vôo ascendente na extremidade superior. Um
pouco abaixo temos um cavaleiro de elmo que segura uma outra ave de porte
médio, mas em escala menor. Curiosamente, um animal quadrúpede, como um
cachorro ou lobo, aparece gravado por cima deste pássaro. Logo abaixo outro
canino surge, seguido por um cavalo e depois por outro cavaleiro montado e
portando elmo e lança. O interessante nessa estela é que, retirando a ave superior,
todos os elementos parecem se mover para a esquerda, o que pode ser entendido
como uma caça, já que contém os cães e uma ave-de-rapina domesticada. Nesse
sentido, a ave superior, com características claras de águia, indica a verticalização
cosmológica da estrutura – um sentido odínico de soberania e poder - enquanto
a ave-de-rapina no braço do cavaleiro lhe designa alta posição social e
liderança.
A simbologia da águia também atinge o deus Thor, já que esta deidade tem
como seu grande rival Jörmungandr, a serpente-do-mundo. Muitas águias
predam serpentes na vida selvagem e, fazendo isso, arriscam-se a serem picadas
e envenenadas pela serpente. Esta relação de vida e morte ocorre na natureza,
podendo ter um final semelhante ao destinado à Thor na escatologia nórdica,
onde o deus mata a monstruosa serpente, mas está fadado a morrer por seu
veneno (LANGER, 2015, 458).
Sendo Thor representado nas fontes literárias como um homem barbudo
e furioso, algumas representações em jóias de seu lendário martelo Mjölnir,
utilizado como adorno na Era Viking, adquirem feições antropomórficas, exibindo
um olhar penetrante e furioso e uma barba emaranhada (LANGER, 2015a, 303).
Os martelos encontrados em Odeshog, Bredsätra e Skane, datados do século X,
possuem os olhos fixos que remetem também ao olhar da águia para sua presa.
Além disso, o nariz possui uma curvatura que lembra o bico dessa ave. Mais
abaixo, no que seria a cabeça do martelo, possuem laços e espirais, remetendo
tanto aos pelos de uma barba quanto às serpentes do mundo inferior.
Em uma abordagem comparativa, Thor também se aproxima da tradição
xamânica dos Sami (LANGER, 2015a, 564), povo que fazia fronteira com os
suecos e noruegueses ao norte Escandinávia. Vestígios de tambores de xamãs
foram encontrados onde um homem portando um martelo aparecia desenhado
junto a símbolos religiosos (LANGER, 2015a, 302). Além disso, a própria águia
possui um papel importantíssimo no ofício do xamã, pois sua capacidade de

51
voar entre os planos e de ser fonte de conhecimento, está ligado ao ritual xamâ-
nico de conhecimento espiritual, barganha com espíritos e viagem ao mundo
dos mortos. Desta forma, a águia também se apresenta como símbolo ritual de
iniciação xamânica, seguindo uma tradição nórdica bem anterior, como já
analisamos anteriormente.
De um modo geral, podemos concluir que as aves, possuem um simbolismo
em comum. Fontes de sabedoria, elas poderiam fazer um homem mais sábio.
Com a habilidade de viajar entre os planos, estavam como intermediárias entre
os deuses, os humanos e os mortos. Dessa forma, através delas, se podia ter
uma proteção mágica, alcançar o mundo dos deuses e barganhar a vida ou a
morte de alguém. Logo sua associação ao poder foi apropriada por uma elite
social que necessita de legitimação para assegurar sua posição e então torna-
ram-se signos de sabedoria, de favor divino e de nobreza. Quanto à águia, cabe
a ela a maestria nestas características. Habitando o ponto mais alto que o mais
alto dos deuses, a águia possui um caráter indomado, sendo raros os casos de
sucesso em ser domesticada.

A águia na religiosidade nórdica cristã (1100-1500 d.C.)

Apoiado em produções culturais milenares, o simbolismo da águia conta


com atribuições diversificadas, mas coerentes de acordo com cada momento
histórico. Além das atribuições de liderança e soberania, é comum a crença de
que as aves são sábias nas culturas do Norte Europeu. A exemplo disso, o etnólogo
canadense Vilhjalmur Stefansson, em um breve artigo publicado em 1906 sobre
as crenças populares islandesas, destaca que muitos homens tinham vontade
de aprender a linguagem das aves, pois tais animais são sábios e podem revelar
situações do passado e do futuro (1906, 304). O autor também relata duas
práticas, as quais mostram-se particularmente relevantes ao estudo do legado
cultural que a mitologia nórdica, transmitida formalmente em um contexto
cristão, pode ter imprimido na sociedade islandesa logo após o abandono público
das práticas religiosas pré-cristãs.
O primeiro relato diz que se um homem dormir sobre um travesseiro que
contém uma pena de águia, ele poderá ser facilmente enganado no dia seguinte.
Em contrapartida, o segundo relato diz que se uma criança beber leite por meio
de uma das longas penas da asa de uma águia, sua memória será consideravel-
mente fortalecida (STEFANSSON, 1906, 306). Essas crenças não parecem fatores
isolados quando recorremos às fontes de mitologia nórdica. Na Edda em Prosa,
por exemplo, há narrativas a respeito da transformação de personagens para

52
determinadas façanhas, como a do gigante Þjazi e a de Odin. O gigante Þjazi se
metamorfoseia em águia para enganar os deuses de Asgard e sequestrar a deusa
Iðunn. Mediante essa narrativa, a ação de ludibriar está associada à águia, o que
pode ter influenciado aquela crença islandesa primeira. Quanto à metamorfose
de Odin, esta ocorre no mito do hidromel, no qual o deus se transforma em uma
águia que oferece conhecimento divino ao proporcionar inspiração poética
(simbolizada pela bebida) para os deuses e para a humanidade, conforme eluci-
dado por Bourns (2012, 39). Torna-se pertinente, portanto, o uso da pena da
águia para causas mais nobres, como o fortalecimento da memória, já que Odin
— metamorfoseado de águia — participou ativamente do processo da poesia,
assinalada primordialmente pela memorização.
Quanto às representações visuais, de acordo com Hourihane, os tipos mais
comuns de animais na arte viking tardia foram o leão (e quadrúpedes semelhan-
tes) e a serpente, ao passo que a figuração das aves ocorre esporadicamente. A
águia, em particular, reaparece somente no estilo designado Mammen, aproxi-
madamente na metade do século 10 (HOURIHANE, 2012, 287). Entretanto,
com a cristianização da Escandinávia, a águia ressurge significativamente como
tema simbólico e artístico, conforme será ilustrado nas figuras que seguirão.
Assim como as narrativas politeístas, o simbolismo religioso cristão, pro-
pagado pelos bestiários e pela arquitetura medieval, contribuiu na consolidação
de alguns animais no sistema simbólico europeu.86 Por se tratarem de superfícies
que encerram fontes visuais, esses meios disponibilizam de modo significativo
informações referentes aos elementos que compõem a imagem, bem como ao
contexto em que estão inseridas. Matschinegg reforça que a análise crítica de
imagens pode revelar informações não somente sobre as pessoas envolvidas naquela
produção, tais como os produtores e o público, mas também sobre as relações estabe-
lecidas entre esses grupos (MATSCHINEGG, 2014, 23).
Os bestiários constituem um corpus literário caracteristicamente medieval,
cujas origens remetem à Idade Antiga. Baseados em uma obra grega intitulada
Physiologus (O Fisiólogo), o conteúdo dessas obras conta com uma compilação
de descrições de uma série de animais, fantásticos e reais, seguidas de uma moral
cristã. Também é possível encontrar algumas descrições de pedras e plantas,

86 Edward Payson Evans, professor acadêmico do final do século XIX, em um relevante trabalho sobre o simbolismo animal na
arquitetura eclesiástica, discorre que cotas de armas e brasões eram adornados com animais reais e fabulosos, com o intuito de
ameaçar inimigos ou de promover coragem e confiança entre aliados (1896, 11). Além disso, o autor também defende que a adoção
dessas figuras animais contou com a apropriação de símbolos de antigas tradições religiosas (1896, 13). Decerto, os emblemas (nas
suas mais variadas categorias, que representam desde clãs até santidades) pautaram-se nas descrições advindas da cultura escrita
desenvolvida principalmente pelos clérigos cristãos.

53
ainda que houvesse produções mais específicas para tais assuntos, como os la-
pidários e os herbários.
Apesar de abordarem os hábitos dos animais e frequentemente tentarem
reproduzir suas formas físicas, os bestiários não apresentam o rigor científico
que é familiar à Idade Moderna. Em vez de buscarem o conhecimento com base
na observação natural, os autores se restringiam às fontes escritas antigas e se
preocupavam em catequizar os leitores segundo a doutrina cristã. Parte dessa
postura advém da filosofia neoplatônica que permeou o período de produção
desse gênero literário, notadamente entre os séculos VIII e XV.
Tal contexto filosófico contribuiu para o caráter dos escritos bestiários, que
buscavam fazer analogias entre o mundo natural e o divino. Varandas acrescenta:
“o Bestiário assume que todas as criaturas constituem signos a interpretar numa rede
simbólica de correspondências entre o mundo natural e o divino (…) o homem deve
contemplar o mundo natural para dele retirar os ensinamentos morais e atingir (…)
sua salvação no Dia do Juízo Final” (2014, 43). A fim de ilustrar essa didática ca-
tequética, selecionamos um trecho que trata da descrição da águia. Esse excerto
foi extraído do manuscrito Arundel 292 (British Library), que apresenta um
bestiário inglês do final do século XIII, cuja transcrição e tradução em inglês
moderno estão presentes em Morris (1872, 3); a tradução livre é nossa:

Natura aquile

Kiðen i wile ðe ernes kinde,


Also ic it o boke rede,
wu he neweð his guðhede,
hu he cumeð ut of elde,
Siðen hise limes arn unwelde,
Siðen his bec is al to-wrong,
Siðen his * fligt is al unstrong,
and his egen dimme;
Hereð wu he neweð him.
A welle he sekeð ðat springeð ai
boðe bi nigt and bi dai,
ðer-ouer he flegeð, and up he teð,
til ðat he ðe heuene seð,
ðurg skies sexe and seuene
til he cumeð to heuene;
So rigt so he cunne
he houeð in ðe sunne;

54
ðe sunne swideð al his fligt,
and oc it makeð his egen brigt,
Hise feðres fallen for ðe hete,
and he dun mide to ðe wete
Falleð in ðat welle grund,
ðer he wurdeð heil and sund,
and cumeð ut al newe,
Ne were his bec untrewe.
His bec is get biforn wrong,
ðog hise limes senden strong,
Ne maig he tilen him non fode
him self to none gode,
ðanne goð he to a ston,
and he billeð ðer-on,
Billeð til his bec biforn
haueð ðe wrengðe forloren,
Siðen wið his rigte bile
takeð mete ðat he wile.

Significacio

Al is man so is tis ern,


wulde ge nu listen,
Old in hise sinnes dern,
Or he bicumeð cristen;
and tus he neweð him ðis man,
ðanne he nimeð to kirke,
Or he it biðenken can,
hise egen weren mirke;
Forsaket ðore satanas,
and ilk sinful dede;
Takeð him to ihesu crist,
for he sal ben his mede;
Leueð on ure loue[r]d crist,
and lereð prestes lore;
Of hise egen wereð ðe mist,
wiles he dreccheð ðore.
his hope is al to gode-ward,
and of his luue he lereð,

55
ðat is to sunne sikerlike,
ðus his sigte he beteð;
Naked falleð in ðe funt-fat,
and cumeð ut al newe,
buten a litel; wat is tat?
his muð is get untrewe;
his muð is get wel unkuð
wið pater noster and crede
Fare he norð, er fare he suð,
leren he sal his nede;
bidden bone to gode,
and tus his muð rigten;
tilen him so ðe sowles fode,
ðurg grace off ure drigtin.

Eu irei contar-vos como a


águia rejuvenesce, e
como ela se livra de sua idade,
quando suas asas tornam-se
pesadas, e seu bico completamente
torto;
[* folha 4 b.] quando seu vôo
é fraco e seus olhos opacos.

Ela procura uma fonte—a qual ela


sobrevoa, ‘nos céus por seis [noites] e
sete [dias],’ e, pairando sob a luz
do Sol, ela recupera sua visão.

Com as asas chamuscadas ela mergulha


na fonte, onde ela
torna-se completa e saudável,

se não fosse por seu distorcido


bico, o qual impede que ela
cace sua comida.

56
Então ela vai para uma rocha e bica
sua superfície até seu bico perder sua
distorção.

Depois disso com seu ‘bico acertado’


ela consegue a ‘carne que quiser.’

O homem é como uma águia.

Antes de se tornar cristão


ele é velho em seus pecados.

Ele se renova ao ir para a


igreja, lá renunciando
o demônio e todo ato pecaminoso,

e ao recorrer a Cristo.

Ele então acredita em Cristo, e


aprende o ‘conhecimento sacerdotal.’

Ele conhece o amor de Deus, que


restaura sua visão.

Nu, ele entra na fonte, e


sai dela renovado, com uma exceção
—pois sua boca ainda não
proferiu o Pai-Nosso nem o credo.

Mas ele deve logo aprender o que é


necessário, e então ajustar sua boca
e ele mesmo procurar pela
comida da alma.

Entre as habilidades da águia, destacam-se três: sua capacidade de rejuve-


nescimento, de resistência à incidência da luz do Sol nos olhos e de restituição
do próprio bico. Cada um de seus feitos encontrou uma significação simbólica
na cultura cristã. Seu hábito de se banhar na fonte, por exemplo, foi interpretado
como análogo à prática do batismo, ritual que inicia o batizado na vida cristã.

57
A águia por excelência, cuja visão resiste ao Sol sem que haja necessidade de
piscar, foi associada ao crente fiel que se dirige à palavra de Deus e prova-se
digno da salvação divina, já que consegue “encarar” a verdade cristã, simbolizada
pela luz solar — comum à inúmeras culturas e não somente ao cristianismo, o Sol é
associado a uma entidade divina superior. Curl ressalta que a águia foi considerada
como a única ave que conseguiria voar diretamente para o Sol sem fechar os
olhos, proeza essa que conferiu à ela o símbolo das Sagradas Escrituras, pois
estas também seriam capazes de guiar os fiéis “de olhos abertos” em direção a
Deus (2006, 252).
Dessa forma, o desempenho da águia foi valorizado na moral cristã de tal
maneira que, mesmo diante da descrição de sua rejeição aos filhotes que não
conseguem olhar para a luz do Sol, sua figura não se caracteriza pela impiedade,
mas pela justiça — os filhotes que não resistem à luz do Sol são rejeitados por não
serem “dignos da verdade”. Tamanha é sua exaltação, que é comum também ser
considerada como o “rei dos pássaros”, conforme apontado no manuscrito Harley
3244 (British Library), o qual contém um bestiário latino do século XIII, prove-
niente da Inglaterra (CLARK, 2006, 79).
As descrições e respectivas associações morais dos bestiários ampliaram a
representação dos animais no campo simbólico europeu. Devido a tal tradição,
a águia, que antes era concebida como um símbolo de liderança, agora é acrescida
de outra atribuição: símbolo de aceitação da palavra divina. Inclusive, a confi-
guração simbólica acerca dessa ave é notável também nos países nórdicos, que,
mesmo distantes geograficamente do centro europeu, compartilharam do legado
cultural escrito e visual.

Figura 31: Abside da Igreja de Alsted (Dinamarca), c.


1200. Fonte:https://en.wikipedia.org/wiki/
Church_frescos_in_Denmark

58
Figura 32: Parte interna do cibório da Igreja de Årdal
(Noruega), c. 1250. Fonte: https://www.flickr.com/
photos/arnybo/2352794725

Na figura 31, temos um tema da arte medieval ocidental amplamente re-


produzido na arquitetura eclesiástica, denominado Maiestas Domini (“Cristo em
Majestade”). Esse tema denota, por representação artística, explorar a glória e
a divindade de Jesus Cristo, que, por sua vez, é comumente retratado sentado,
envolto por uma mandorla (auréola oval), disposto no centro da composição e
circundado pelo tetramorfo, isto é, as figuras aladas que simbolizam os quatro
evangelistas do Novo Testamento (o anjo, o leão, o touro e a águia). Vinycomb
defende que os elementos do tetramorfo também podem simbolizar a Encarnação
(anjo), a Paixão (touro), a Ressurreição (leão) e a Ascensão (águia), independentemente
da associação aos quatro evangelistas (2009, 55). Na abside de Alsted, os próprios
evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João) foram retratados em conjunto com
os elementos que os simbolizam, mas no cibório de Årdal (figura 32), que também
reproduz esse tema, seus retratos não ocorreram, o que indica a manutenção simbólica
das criaturas do tetramorfo. No retábulo da figura 32, também é possível identificar
o tetramorfo arranjado ao redor da figura de Cristo. Dessa vez, contudo, há
diferenças do modelo tipificado pelo Maiestas Domini. Neste, Cristo foi repre-
sentado em sua crucificação em vez de sua forma considerada como majestosa
ou gloriosa. É relevante também observar a presença de duas figuras (uma mulher
à esquerda e um homem à direita) lamentando sua crucificação.
Além do Maiestas Domini, há outro tema tradicional da arte religiosa cristã,
denominado Deësis, que é comum na arte bizantina. O Deësis apresenta Jesus
sentado, ocupando a posição central da composição, e acompanhado das figuras
de Maria e de João Batista em cada lado. O retábulo em questão, portanto, parece
se encaixar no estilo bizantino. Ainda assim, há algumas divergências conside-
ráveis, como a representação do tetramorfo, da crucificação e de algumas etapas
do seu sofrimento (a começar pelo beijo de Judas) até sua ressurreição. A
composição em sua totalidade compõe uma narrativa visual, cuja escolha pode
sugerir uma relativa liberdade ou preferência artística dos noruegueses daquela
região frente à elaboração do painel, já que não seguiu à risca um dos temas
consagrados pela arte religiosa medieval. Inclusive, o acompanhamento do te-

59
tramorfo é incomum no Deësis, o que denota uma combinação do estilo ocidental
com o oriental no retábulo da Igreja de Nes.
No retábulo de Haltdalen (figura 34), temos a representação da vida de Santo
Olavo, um dos ícones do cristianismo na Noruega. Santo Olavo foi também Olavo II
Haraldsson, rei da Noruega de 1015 a 1028 d.C.. Canonizado em 1164, a exaltação
de sua santidade reforça-se pela disposição dos elementos na composição, tendo em
vista que o santo ocupa a posição central e também é acompanhado pelo
tetramorfo:

Figura 33: Retábulo da Igreja de Nes (Sogn og Fjordane,


Noruega), século 14. Fonte: https://www.flickr.com/
photos/arnybo/2353569222/

Figura 34: Retábulo de Santo Olavo na Igreja de


Haltdalen (Noruega), século 14. Fonte: http://www.
danielmitsui.com/hieronymus/index.
blog?start=1152712213

Esses painéis foram produtos dos países nórdicos já cristianizados. Na Idade


Média, a Dinamarca e a Noruega acompanharam o desenvolvimento do continente
europeu, de modo a viabilizar a introdução da filosofia cristã em suas culturas de elite.
Nos séculos XII e XIII, os dinamarqueses foram influenciados pelos ideais acadêmicos
e culturais da França, uma vez que os filhos de famílias nobres passaram a frequentar
a Universidade de Paris em grande número (PULSIANO, 1993, 130). O cristianismo
na Noruega possibilitou o estabelecimento de um contato regular com os europeus
continentais, pois a formação dos clérigos dependia das universidades lá estabelecidas.
Estes, por sua vez, investiram na produção escrita, a qual também estimulou e in-
fluenciou a arte aplicada na arquitetura eclesiástica. A Igreja, em parceria com a Coroa,
proporcionou meios literários e pictóricos (PULSIANO, 1993, 91), que culminaram

60
em uma cultura propícia para o florescimento da cultura cristã nas terras
escandinavas.
Um exemplo do alcance histórico do simbolismo religioso cristão na
Escandinávia pode ser dado por meio de um relógio astronômico sueco. O
Horologium mirabile Lundense (figura 35) foi construído no século XV e exibido
na Catedral de Lund, um dos mais importantes centros eclesiásticos da
Escandinávia medieval, segundo Etheridge (2015, 49). No século XIX, o objeto
foi estocado e, em 1923, foi recuperado e reconstruído, de modo a dispor o tema
do tetramorfo em sua parte inferior. Apesar de apenas a sua metade superior
ser original (ETHERIDGE, 2015, 50), é de se observar que o simbolismo dos
quatro evangelistas perdure durante os séculos, sendo sustentado pelas criaturas
aladas, dentre elas, a águia.

Figura 35: Horologium mirabile Lundense, relógio astronômico da Catedral de Lund (Suécia), c. 1422.
Fonte: http://journeyaroundtheglobe.com/europe/sweden/lund/

61
Ainda que os bestiários fossem destinados a um público clerical, seu con-
teúdo transpôs as paredes dos monastérios por meio de referências às suas
histórias moralizantes e pela reprodução visual, esta presente em iluminuras de
livros das horas, brasões, elementos de arquitetura eclesiástica, entre outras
superfícies. Ultrapassando fronteiras e calendários, a tradição bestiária conferiu
à águia seu amplo simbolismo na cultura cristã, que varia de símbolo de João
Evangelista até símbolo das Sagradas Escrituras e da Ascensão. Ademais, há
vários trechos bíblicos que reforçam as características evocadas nas descrições
bestiárias, bem como referência ao tetramorfo, como pode ser conferido nos
seguintes versículos (grifo nosso):
“Moisés subiu em direção a Deus, e o Senhor o chamou do alto
da montanha nestes termos: ‘Eis o que dirás à família de Jacó,
eis o que anunciarás aos filhos de Israel: / vistes o que fiz aos
egípcios, e como vos tenho trazido sobre asas de águia para
junto de mim.” (Êxodo 19:3-4)
“Tal qual águia vigilante sobre o ninho, adejando sobre os fi-
lhotes, / ele estendeu as asas e o tomou, / e o transportou sobre
sua plumagem.” (Deuteronômio 32:11)
“É ele quem cumula de benefícios a tua vida, / e renova a tua
juventude como a da águia.” (Salmos 102:5)
“Até os adolescentes podem esgotar-se, / e jovens robustos podem
cambalear, / mas aqueles que contam com o Senhor renovam
suas forças; / ele dá-lhes asas de águia. Correm sem se cansar,
/ vão para a frente sem se fastigar.” (Isaías 40:30-31)
“Havia ainda diante do trono um mar límpido como cristal.
Diante do trono e ao redor, quatro Animais vivos cheios de olhos
na frente e atrás. / O primeiro animal vivo assemelhava-se a
um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto como
o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em
pleno vôo.” (Apocalipse 4:6-7)

Conclusão: Um símbolo animal milenar

A arqueóloga Kristina Jennbert (2012) defende que, pela mera existência,


os animais contribuem na maneira como as pessoas pensam de si mesmas. A
autora também aponta que nossa percepção do reino animal é uma construção
cultural, entrelaçada de relações sociais, circunstâncias ecológicas e expressões
linguísticas. Não se admira que as mais diversas religiões ao redor do mundo

62
apresentem representações de animais, já que tais criaturas não apenas coexistem
com os seres humanos, como também ocupam papéis funcionais em suas estru-
turas sociais. As diferenças que distinguem o animal de uma pessoa tornam-se
justamente aquilo que atrai o olhar desta. A assimilação daquilo que define o
outro resulta em um reflexo simbólico que se manifesta no meio social, e é a
partir daí que os estudos de simbolismo animal mostram-se relevantes para as
ciências das religiões.
A figura da águia ocupou um papel primordial na religiosidade da Escandinávia,
desde a Idade do Bronze até o final da Idade Média. Apesar de alguns significados
terem permanecido, outros se somaram com o passar do tempo e muitos desapareceram.
Passando de um animal com forte ligação xamânica e celeste a outros relacionados
com a soberania, a marcialidade e o poder político, até chegar aos simbolismos de
moral, ascensão e conhecimento cristãos.
Os símbolos religiosos foram submetidos a normas e recursos de cada região e
época. Neste caso, o futuro estudo do simbolismo animal na área nórdica deve recorrer
a pesquisas que envolvam a alimentação, a relação com o ambiente natural e a do-
mesticação dos seres vivos que habitam estas mesmas regiões (DUBOIS, 2012, 90).
E além disso, novas problemáticas aplicadas à análise de imagens, arte e cultura
material devem fornecer aos futuros pesquisadores outros parâmetros
investigativos.

63
64
CONSTELAÇÕES E MITOS
CELESTES
Nas últimas décadas vem se realizando diversas pesquisas tentando recons-
tituir como os povos antigos percebiam os fenômenos celestes, seja na forma
de registros monumentais com orientação astronômica, seja com narrativas
míticas sobre o céu e sua relação com a cosmologia. As diversas disciplinas que
investigam esse campo (como a História da Astronomia, Arqueoastronomia e
Etnoastronomia) e outras ciências humanas, como História, Antropologia,
Ciências das Religiões, entre outras, começam a conceder um espaço cada vez
maior ao estudo das mitologias celestes na forma de eventos acadêmicos e pu-
blicações especializadas.
Nossa intenção neste capítulo é realizar um exame bibliográfico e historio-
gráfico sobre os estudos envolvendo mitos celestes na Era Viking, especialmente
os que aludem a constelações não zodiacais. Nossa principal metodologia de
investigação são as reflexões da Etnoastronomia, em particular os estudos teó-
ricos da área eslavo-báltica, que analisamos em detalhe em outro trabalho
(Langer, 2013a: 67-71). No presente capítulo, inicialmente concederemos algumas
reflexões gerais sobre as mitologias celestes das constelações e em seguida,
aplicaremos as mesmas análises para a área nórdica.

Mitos celestes: entre os deuses e o firmamento

A maioria da bibliografia traduzida e produzida em nosso país sobre mito


e mitologia, foi baseada em referenciais fenomenológicos. Um conceito muito
difundido, por exemplo, pode ser sintetizado nesta frase de um recente manual:
“mito é uma narrativa que conta uma história sagrada (...) o rito é (...) a revivi-
ficação da narrativa mitológica” (Almeida Júnior, 2014: 18-19). Essa relação
visceral do mito com o rito é algo intrínseco aos autores fenomenologistas ou
essencialistas87, que também acreditam no referencial de que os mitos fazem
parte uma essência natural e a-histórica ao homem, supostamente presente em
todas as épocas e sociedades e com a mesma base simbólica (com a teoria dos
arquétipos, do inconsciente coletivo e do homo religiosus).88 Mas o mito é muito
87 Neste sentido, parafraseando o historiador Peter Schjödt – se o mito é conectado somente ao rito, a Escandinávia medieval teve
poucos mitos... (Schjödt, 2008: 64).

88 Para uma visão mais detalhada da crítica aos referenciais fenomenológicos do mito (presentes em autores como Mircea Eliade, Otto
Rank, Carl Gustava Jung, Joseph Campbell, entre outros), ver nosso trabalho: Langer, 2013e: 105-112 e especialmente: Usarki,
2004: 73-95.

65
mais do que simplesmente uma descrição do sagrado ou uma hierofania.
Alinhamo-nos muito mais com as perspectivas da Escola de Paris e seus refe-
renciais estruturalista-sociológicos (mito como forma de classificação e ordena-
mento do mundo, um instrumento de pensamento: Vernant, 1992: 217) bem
como da Escola de Roma e seus referenciais de Antropologia histórica (o mito
não explica a realidade, mas funda-a baseado num sistema cultural: Scarpi, 2004:
206). Também seguimos as ideias estruturalistas do escandinavista Peter Schjödt,
para o qual o mito é um fenômeno comunicativo, uma narrativa que contém
dramatizações, funções legitimadoras, explicativas e etiológicas, sendo sua ligação
com os rituais apenas uma de suas diversas aplicações ideológicas (a função
básica do mito é explicar e a do rito é obter: Schjödt, 2008: 62-72).
Ainda com relação aos mitos em geral, questionamos sua interpretação
tradicional de que constituíram formas absolutas, primárias e universais que
podem ser acessadas facilmente pelas fontes literárias onde foram preservadas
– uma ideia muito comum nos teóricos simbolistas. Essa ideia foi arduamente
criticada pela Escola de Paris, especialmente por omitir maiores referências ao
contexto cultural, sociológico e histórico onde cada mito foi produzido e pre-
servado (Vernant, 1992: 200-205). Dentro deste pensamento, adotamos as
considerações do escandinavista Christopher Abram, para o qual os mitos mudam
no tempo e no espaço, sendo formas dinâmicas e que sempre se transformam
– não existe um acesso a uma suposta forma “pura” de qualquer mito (Abram,
2011: viii-ix, 1-2).

66
Figura 1: Ilustração sobre a aparição de cometa e parélio na Escandinávia, Historia de gentibus septentrio-
nalibus I: 15, de Olaus Magnus, 1555. Fonte da imagem: http://www.avrosys.nu/prints/olausmag-
nus/100404.jpg Acesso em 5 de janeiro de 2015. Na imagem, percebemos na extrema esquerda a
passagem de um cometa em meio a nuvens no céu, causando influências negativas para o gado da região.
No extremo direito, a figura do Sol surge rodeada por parélios – fenômenos óticos causados pela presença
de gelo em nuvens, que duplica ou triplica o disco solar ou lunar. Para o imaginário europeu em geral,
tanto os cometas (fenômenos astronômicos) quanto os parélios (fenômenos atmosféricos) são indicadores
de desordem cósmica, ou seja, são acontecimentos que quebram a harmonia do firmamento e para o
qual são comumente associadas influências negativas para os habitantes da Terra (porque não podiam
ser previstos neste período). No caso da ilustração de Magnus, deve ter sido influenciada pelo famoso
parélio solar de 1535, avistado especialmente em Estocolmo. Alguns pesquisadores alegam que a mitologia
dos parélios (conhecidos em inglês como sun dog/moon, em sueco solulv e norueguês solvarg) podem ter
sido originadas com as narrativas nórdicas pré-cristãs de lobos perseguindo o Sol e Lua (Simek, 2007:
292; Sigurðsson, 2014: 185; Etheridge, 2013a: 5).

Já com relação aos mitos celestes, definimos os mesmos como as narrativas


envolvendo o firmamento celeste para os povos antigos, envolvendo dois tipos
básicos de fenômenos: os atmosféricos (que compreendem os parélios solares e
lunares, halos solares e lunares, tempestades e chuvas, arco-íris, luzes e brilhos
atmosféricos, auroras boreais) e os astronômicos (estrelas e constelações, Sol,
Lua, planetas, conjunções e ocultações entre os astros, passagens de cometas e
meteoros). Essa separação é meramente didática e é baseada na Astronomia
moderna (Verdet, 1987: 25-26, 99-100). Para os povos antigos, muitas vezes
esses dois tipos de fenômenos eram associados em uma mesma mitologia celeste.
E outros modelos de narrativas míticas, como as cosmologias e cosmogonias,
muitas vezes estavam muito mais relacionadas aos fenômenos astronômicos.
O estudo etnoastronômico e arqueoastronômico procura tanto perceber as di-
ferenças quanto as semelhanças entre os diversos mitos celestes das culturas
pelo mundo (Kelley & Milone, 2011: 473). No caso de interpretações semelhantes,
elas não possuem uma base em comum devido a um suposto caráter universal

67
ou arquetípico dos mitos89, mas porque alguns fenômenos são observados em
várias partes do mundo (ou ainda, por terem uma mesma origem mítica pelo
contato ou difusão cultural). Porém, o mais comum é os fenômenos astronômicos
serem interpretados por concepções diferenciadas ao longo da história.
Tomamos como exemplo as constelações. Apesar das estrelas serem um
fenômeno natural de características objetivas, as figuras ou desenhos que foram
criados a partir das ligações entre as estrelas – as constelações90 e asterismos91
– são definidas culturalmente: seu recorte, sua nomeação, sua descrição, sua
dramatização é arbitrária conforme o contexto em que foram criadas (Verdet,
1987: 31). Os nomes e atributos das constelações em grande parte dos povos
antigos eram definidos em torno de alguns critérios: figuras mitológicas; animais
e objetos inanimados; analogias geográficas e políticas; associações com fenô-
menos sazonais (Kelley & Milone, 2011: 9).

Figura 2: Ilustração da constelação de Órion, manuscrito MS


Harley 647, f. 8r, Norte da França, 820 d. C. Fonte: http://
britishlibrary.typepad.co.uk Acesso em 5 de janeiro de 2015.

89 Uma famosa interpretação fenomenológica dos mitos celestes é encontrada em Mircea Eliade: “Sem precisarmos sequer atentar
na efabulação mítica, o Céu revela diretamente a sua transcendência, a sua força e a sua sacralidade. A simples contemplação
da abóbada celeste provoca na consciência primitiva uma experiência religiosa (...) O céu revela-se tal como é na realidade:
infinito, transcendente (...) O simbolismo é um dado imediato da consciência total (...) Só pela sua existência o Céu simboliza a
transcendência, a força, a imutabilidade” (Eliade, 2010: 39-40). Ou seja, aqui o autor toma um dado natural (a observação do
firmamento celeste) como uma condição a priori ou em si suficiente para que o homem tenha consciência de suas características
“infinitas” – mas não há como os povos antigos terem conhecimento das dimensões “reais” da abóbada celeste, do espaço ou do
cosmos. O caráter “sagrado” do Céu é considerado universal, mas nem toda cultura necessariamente sacralizava o firmamento ou
seus componentes. O suposto caráter “transcendente” do firmamento revela-se independente de qualquer consideração humana
– na realidade, a própria noção da existência do sagrado e de divindade(s) (no sentido judaico-cristão) existiriam à parte do ser
humano, o que á uma falácia, pois todo mito é uma construção cultural e histórica. Esse caráter pseudo-teológico das teorias
fenomenológicas já foi arduamente criticado pelos historiadores das religiões (Usarki, 2004: 73-95).

90 Constelações são agrupamentos de estrelas, definidos pela sua posição na esfera celeste (boreais e austrais) e zodiacais (situadas no
Zodíaco) (Mourão, 1995: 137). Originalmente um padrão estelar, mas hoje em dia é considerada uma área do céu dentro de limites
estabelecidos pela União Astronômica Internacional (Ridpath, 2011: 290).

91 Asterismos são padrões formados por estrelas que são parte de uma ou mais constelações, como as Três Marias, que fazem parte de
Órion; as Plêiades e as Hiades, ambas da constelação do Touro (Ridpath, 2011: 290).

68
Figura 3: Ilustração das constelações de Órion e Cão Maior,
manuscrito GKS 1812 4to., fol. 7v (Islândia, século XIV). Fonte
da imagem: http://handrit.is/en/manuscript/imaging/is/
GKS04-1812#0000r-FB Acesso em 5 de janeiro de 2015.

Nestas imagens percebemos algumas influências culturais na tradição as-


tronômica: a constelação de Órion, quase sempre representada com vestimentas
greco-romanas clássicas (mesmo nos mapas celestes renascentistas), aqui foi
interpretada dentro da moda e vestuário da Antiguidade Tardia (manuscrito
francês) e Idade Média Central/Baixa Idade Média (manuscrito islandês). No
manuscrito islandês, Órion apresenta-se com cota de malha, elmo, maça, lança
e espada comuns no período feudal. Neste último, também a constelação de Cão
Maior apresenta a forma de um galgo, típico animal da nobreza e das caças
aristocráticas do período.
Apesar de alguns asterismos serem reconhecidos em grande parte do mundo
e em muitas épocas – citando aqui o exemplo das Três Marias da constelação de
Órion – elas receberam inúmeros significados míticos ou sentidos astronômicos
diferenciados conforme cada cultura: para os gregos e romanos, eram o cinturão
do caçador Órion; no folclore italiano e espanhol moderno eram os Três Reis;
na área finlandesa, era conhecido como cinturão de Vainamoinen; para os maias,
estavam associadas a pedras de fogo do forno da criação cósmica. Outro exemplo
da variedade cultural em torno das constelações é a respeito do zodíaco: apesar
de muitos povos da Ásia, Oriente e Mediterrâneo utilizarem os conceitos advindos
da Mesopotâmia, elas tiveram variações em número e forma (8 entre os hindus,
13 entre os maias). Por sua vez, entre alguns povos que possuíam mitologias
celestes, como os indígenas sul-americanos, celtas e nórdicos da Era Viking, não
existem comprovações de que eles conheciam ou desenvolveram constelações
zodiacais (Langer, 2013d: 1-32).

Astronomia, ritos e crenças na Antiguidade Nórdica

O conhecimento astronômico dos povos antigos não é um tema novo na


academia. Desde o século XIX a tradicional História da Astronomia já realizava

69
diversos estudos neste sentido. Mas foi com o desenvolvimento da
Arqueoastronomia, ciência surgida essencialmente com as pesquisas em torno
de Stonehenge na Inglaterra após os anos 1960, que o estudo das sociedades
pré-históricas e sem registros escritos foi muito mais intensificado.
Os fenômenos celestes eram parte importante da vida nas comunidades
européias da Antiguidade. Sejam para com os povos neolíticos, os germanos,
celtas, eslavos, assim como os habitantes do Mediterrâneo pré-clássico, o céu
propiciava a regulamentação do calendário (com os movimentos do Sol e Lua)
e da sazonalidade agrícola (determinação da época exata de plantar e colher pelo
avistar de certas constelações), mas também a projeção de mitos produzidos
pelo referencial cultural (as mitologias celestes e as cosmogonias). Também os
medos escatológicos eram associados com fenômenos desconhecidos ou não
previsíveis (como passagens de cometas, a visão de eclipses ou fenômenos at-
mosféricos) e transformados em mitos. E alguns rituais eram executados de
acordo com o calendário astronômico, relacionados tanto com o movimento do
Sol quanto da Lua e também investidos de significados simbólicos.
Assim como outras culturas, os germanos antigos tiveram grande interesse
pela Astronomia – não no referencial moderno, obviamente, mas por meio da
visualização a olho nu de fenômenos celestes que eram considerados importantes
para a vida cotidiana e com grande sentido mítico-religioso. Apesar de não termos
registros detalhados ou tão elaborados como os realizados após a cristianização
(fundindo-se com a tradição astronômica clássica da Europa continental e a
originada no Oriente), existem algumas fontes que apontam para isso. Tácito
mencionou que atividades políticas e o calendário germânico foram baseados
no ciclo lunar (Germânia 11). Júlio César afirmou que os germanos não realizavam
batalhas antes da Lua Nova (Comentários da guerra gálica 50). Jordanes enunciou
que os antigos Godos tinham conhecimentos de constelações e do movimento
de planetas e estrelas (Sobre a origem e feito dos Godos 10).

Imagem 1: Megálitos de Ales, Suécia.

70
Imagem 2: Orientações astronômicas de Ales. Fonte das imagens: http://www.livescience.com

Mas os mais surpreendentes registros são provenientes da Arqueologia.


Em 1999 foi descoberto na Alemanha o disco de Nebra, datado de 1700 a. C.
Consiste em um disco de bronze contendo as figurações do Sol, da Lua e de dois
arcos laterais, além de várias estrelas. Uma das figuras é interpretada como
sendo uma barca solar, um mito comum a várias culturas do Ocidente e somado
ao achado do carro solar de Trundholm, Dinamarca, representa um dos momentos
fundamentais da cosmologia antiga: a jornada simbólica dos astros pelos vários
mundos, especialmente o dos mortos. Além disso, Nebra também registra as
Plêiades – um dos mais importantes asterismos do céu, demarcadora das épocas
de colheita na Europa. Tanto o tema da barca solar quanto as Plêiades vêm sendo
identificadas também em diversos sítios de arte rupestre na Suécia da Idade do
Bronze, como apontadas pelo astrônomo Göran Henriksson.
Dois sítios nórdicos estão apresentando antigas orientações solares: Ales
e Tysnes. Os megálitos suecos de Ales (imagem 1), com formato de navio e da-
tação incerta (Idade do Bronze Tardia ou do Ferro), foram estudados por Mörner
e Lind e considerados como um sofisticado calendário solar dos solstícios de
verão e inverno, as duas datas mais importantes do calendário religioso da
Europa pré-cristã.

Imagem 3: Monólito de Tysnes, Noruega. Fonte da imagem: fotografia


enviada pelo pesquisador Eldar Heide em 2014, do qual agradecemos
a gentileza.

71
Já o pilar cerimonial de Tysnes, Noruega (Idade do Ferro Tardia), além de
ter sido encontrado com vestígios religiosos e associado toponimicamente com
os deuses germânicos desde o início do século XX, durante o período do solstício
de inverno a luz solar incide sobre seu topo (imagem 2), iluminando o monólito.
O fenômeno foi constatado visualmente pelo pesquisador Eldar Heide e possi-
velmente este efeito foi originado com caráter intencional, mas ainda faltam
medições geo-astronômicas pormenorizadas neste local. Infelizmente, a quan-
tidade de investigações de campo e pesquisadores em Arqueoastronomia na
Escandinávia ainda é muito reduzida.
Segundo Rudolf Simek e Régis Boyer, existem muitas evidências de culto
ao Sol na Idade do Bronze, evidenciados pela grande existência de grafismos
rupestres e do disco da carroça de Trundholm. No Encantamento de Merseburg,
a deusa Sunna é citada como irmã de Sinthgun, mas Simek acredita que a
combinação dos antigos símbolos solares com o navio nos contextos ritualísticos
(que ocorrem frequentemente da Idade do Bronze aos tempos medievais), pa-
recem estar conectados à cultos de deuses da fertilidade (como Njórd e Freyr,
mas que não possuem conexões diretas com personificações solares). Em 1936
Vilhelm Kiil argumentou que o nome Solberg significava montanha do sol, evi-
denciando algum tipo de culto solar na Escandinávia. Em 1981 o francês Régis
Boyer realizou um extenso estudo sobre o simbolismo dos mitos solares na Idade
do Bronze da Escandinávia, inseridos em sua obra Yggdrasill: La religion des
anciens scandinaves. Algumas das principais pinturas de Bohuslän analisadas por
Boyer, embarcações transportando discos (relacionadas a procissões e rituais
solares), foram analisadas pelo astrônomo Göran Henriksson em 1996, sendo
associadas a eclipses totais do Sol nesta região.
Baseado em pesquisas folclóricas e nas investigações arqueológicas de
Anders Andrén, o pesquisador Thomas DuBois concluiu que as áreas nórdica e
báltica foram devedoras de representações míticas solares provenientes da Idade
do Bronze, mas também foi influenciada pela idéia do Sol invictus da área romana
(durante o período de migrações). Também levanta a possibilidade de parte da
credibilidade do culto solar ter sido perdida com a catástrofe vulcânica de 536
d. C. (pelo fato do Sol ter permanecido encoberto durante muito tempo pelos
detritos na atmosfera), ao mesmo tempo em que surge uma nova aristocracia
com novos cultos e deuses no mundo nórdico.

72
Imagem 4: Estelas de Bro I, Gotland, Suécia
Imagem 5: Estela de Väskinde, Gotland, Suécia. Ambas
datadas entre 400-600 d.C. Fonte das imagens: http://
diaphanee.tumblr.com A maior parte dos pesquisadores
reconhece nas espirais dominantes nas estelas
gotlandesas entre os séculos IV a VII como manifesta-
ções de cultos solares, o que é muito pertinente com as
pesquisas que apontamos até aqui. Alguns, porém, vão
muito além: querem reconhecer na quantidade de raios
das espirais uma possível alusão a representações dos
doze signos zodiacais (como em Bro I, onde existem 12
terminações da espiral, ver imagem 4) ou as oito partes
da divisão do dia no mundo nórdico (devido as oito
radiações existentes na espiral de Sanda). Mas isso é
pura especulação: a quantidade de radiações das
espirais depende do monumento gotlandês deste
período: três (Hellvi); seis (Martebo; Havor; Garda I;
Väskinde – ver imagem 5); oito (Sanda IV); nove (Bro
24), ou seja, são detalhes puramente ornamentais e não
possuem qualquer tipo de simbolismo numérico ou
computo de algum tipo. E já demonstramos que a idéia
do zodíaco viking foi uma fantasia acadêmica do século
XIX e não possui respaldo em nenhum tipo de pesquisa
etnoastronômica ou arqueoastronômica da atualidade
(Langer, 2015: 579-581).

A Lua também vem aparecendo nos registros arqueoastronômicos, confir-


mando os relatos de Tácito e Júlio César. Göran Henriksson identificou na ilha
de Gotland marcações em sepulturas que pressupõe registros lunares (um possível
calendário), indicando fases da Lua Nova ou Cheia durante o solstício de inverno.
E o arqueólogo Mike Parker-Pearson comparou diversos sítios da Idade do Ferro

73
em áreas germânicas e nórdicas que possuem alinhamentos voltados para eclipses
totais da lua durante o solstício de inverno, demonstrando observações e registros
destes fenômenos.
Em recente publicação, o historiador Dorian Knight analisou o episódio de
Odin e Gunnlod no Hávamál como sendo uma descrição do ciclo lunar, com
resultados surpreendentes. Em síntese, a pesquisa de Knight conclui que a
descrição do relacionamento fracassado de Odin com a filha do gigante Billing
(Hávamál 96-102) corresponde à fase da Lua Cheia para Nova: o astro possui
ligações simbólicas com o feminino e o cachorro no final do relato é uma sim-
bolização da morte, do outro mundo e da escuridão do disco (Lua Nova),
transfigurados no medo da Lua desaparecer por meio de canídeos devorando
este astro. A narrativa triunfante de Odin acasalando com Gunnlod (Hávamál
103-110), por sua vez, corresponde com a fase da Lua Nova à Lua Cheia. Neste
caso, a interpretação de Knight leva em conta também o simbolismo do hidromel
associado com a Lua Cheia, conhecido no folclore por Lua de mel (conexão entre
casamento e fertilidade).

74
Imagens 6 e 7: Tabelas do calendário lunar associados com as aventuras amorosas de Odin: no primeiro,
corresponde ao seu fracasso com a filha de Billing (Lua Cheia à Lua Nova); no segundo, corresponde ao
seu triunfo com Gunnlod, obtendo o hidromel (Lua Nova à Lua Cheia). Fonte das imagens: Knight, 2013:
31-62.

Deste modo, percebemos que a Escandinávia preservou uma tradição muito


antiga de observações e registros astronômicos desde o Neolítico, que agora vem
sendo investigada por vários pesquisadores e que revelam uma gama variada de
conhecimentos celestes nos mitos e folclore medieval: constelações, movimentos
solares e lunares, passagens de cometas, eclipses, halos, parélios, auroras, etc.
Resta aos pesquisadores futuros uma melhor compreensão dos vínculos e relações
do conhecimento astronômico nórdico com a religiosidade na Antiguidade e
início da Alta Idade Média.

Constelações na Escandinávia da Era Viking: debates e


controvérsias

A Escandinávia Medieval conservou algumas narrativas mitológicas sobre


a abóbada celeste, além de diversas referências sobre Astronomia em crônicas

75
e sagas islandesas, analisadas em DuBois, 201592, 2014; Langer, 2015; Sigurðsson,
2014, 184-260; 2009: 851-861; Knight, 2013; Etheridge, 2013a: 1-12; Ogier,
2009: 9-12. Desde o século XIX diversos pesquisadores tiveram interesse em
reconstituir quais constelações os nórdicos observavam e as crenças em torno
delas, geralmente em torno de referenciais dominados pelas teorias vigentes
– um determinismo naturalista e simbólico tipicamente romântico. A teoria
mais popularizada neste período e que sobreviveu com algumas alterações nos
séculos seguintes foi a da existência de um zodíaco no mundo nórdico pré-cristão,
algo que examinamos criticamente em Langer, 2013d: 1-32. No presente capítulo,
examinaremos as teorias envolvendo constelações não zodiacais para a área
escandinava.
O primeiro estudo específico sobre Astronomia no mundo germano-escan-
dinavo e que continha especulações sobre os mitos de constelações foi realizado
pelo alemão Otto Siegfried Reuter no livro Der Himmel über den Germanen,
publicado em 1936.93 Reuter reconstitui o firmamento nórdico baseado essen-
cialmente no sistema de projeção e o catálogo estelar de Johann Elert Bode
(1747-1826) e as idéias de Jacob Grimm sobre o conhecimento astronômico
entre os vikings (Deutsche Mythologie, 1835), além de seu conhecimento nas
Eddas.
O autor segue o padrão geral das constelações gregas, adaptando-as para
uma possível e hipotética configuração nórdica. A área do firmamento elegida
são os agrupamentos de estrelas ao redor da Via Láctea, tendo como centro o
Polo Norte Celeste. A mais destacada constelação em tamanho é a que denomina
de A grande boca do lobo (Trober/Wolfsrachen), um grande semicírculo formado
pelas constelações de Cisne, Pégaso e Andrômeda, tendo como estrela central
Scheat (ß de Pégaso). Relacionada a ela, surge a Pequena boca do lobo (Ki/
Wolfsrachen), formada pelo aglomerado das Híades em Touro. Reuter segue
principalmente as fontes mitológicas para realizar seu esquema astral. Os dois
únicos mitos celestes conhecidos das Eddas foram reproduzidos. O primeiro,

92 Agradecemos a extrema gentileza de Thomas DuBois em enviar seu estudo sobre mitologia solar na área nórdica, ainda inédito, e seu
artigo publicado em 2014 sobre constelações e folclore nórdico (DuBois, 2015, 2014).

93 Não levamos em conta aqui o livro Deutsche Mythologie de Jacob Grimm, publicado originalmente em alemão em 1835. Nele, o
famoso folclorista realizou pioneiras interpretações e reconstituições de constelações nórdicas pré-cristãs, mas como elas foram
feitas ao longo de seu vasto estudo sobre as deidades e não em uma seção ou capítulo específico, preferimos não incluí-lo
diretamente nesta nossa sistematização. Mas ele foi levado em conta como reforço teórico para nossa crítica geral (Grimm, 1882).
Outros autores oitocentistas, como Finn Magnússen, Bror Emil Hildebrand, Rudolph Keyser, Franz Mone e Benjamin Thorpe,
também realizaram interpretações astronômicas (mas com referenciais fantasiosos) e foram analisados em outro trabalho de nossa
autoria (Langer, 2013d: 5-16).

76
referente ao dedo de Aurvandil (Aurvandilstá),94 foi interpretado como sendo a
constelação de Coroa Boreal (CrB), enquanto os olhos de Tiazi (Thiazis Augen)95
foram transferidos para as estrelas Castor e Pólux de Gêmeos (Gem). Para as
demais configurações, Reuter utilizou comparações com fontes folclóricas de
outras épocas ou regiões germânicas (Reuter, 1982). Assim, a constelação da
carroça de Carlos Magno (Karlswagen) ou do Homem – que aparece nas fontes
germânicas tardias identificada à Ursa Maior – foi conservada, do mesmo modo
que a Carroça da Mulher (que no folclore escandinavo medieval é associada à
Ursa Menor); as Plêiades foram identificadas tanto a galinhas ou javalis; a estrela
Polar foi associada ao deus Tyr (baseado no poema rúnico anglo-saxão)
No geral, o esquema de Reuter possui acertos e erros. No caso de suas
alegações corretas – os asterismos da Boca do Lobo (para as Hiades em Touro)96
e Os pescadores para as Três Marias em Órion – elas possuem confirmação pela
descrição sobrevivente de termos nativos no manuscrito islandês GKS 1812 4to,
datado do século XII, conservando essas mesmas denominações para os aste-
rismos aludidos (Etheridge, 2013a: 9). Outra constelação reconstituída é a de
Cocheiro, que recebe o nome de Batalha dos Ases, baseada na antiga denominação

94 O dedo de Aurvandill - Após uma batalha entre Thor e Hrungnir, este gigante é derrotado, mas a sua arma, uma pedra de amolar,
despedaça-se e um fragmento aloja-se na cabeça do deus. Thor retorna à sua casa (Thrudvangar) e lá encontra a völva Gróa –
esposa do gigante Aurvandill – que recita um encantamento galdr para retirar a lasca na cabeça do deus. Feliz com a situação, Thor
narra para a feiticeira que conheceu Aurvandill na terra dos gigantes e o retirou de lá dentro de um cesto. Porém, um dos seus
dedos ficou para fora e congelou, motivando o deus a quebrá-lo e enviá-lo ao céu, transformando o mesmo na estrela conhecida
como Dedo de Aurvandill (svá at Þórr braut af ok kastaði upp á himin ok gerði af stjörnu þá, er heitir Aurvandilstá). Gróa fica animada
e para de cantar o galdr e imediatamente a lasca deixa de sair da cabeça de Thor. A narrativa encerra-se afirmando que essa é a
motivação para que nenhuma pedra de afiar saia das habitações, para não mover a mesma da cabeça da deidade (Skáldskaparmál
17). Existem várias hipóteses para tentar identificar qual é a estrela citada por Snorri, mas a maioria fica em torno de três respostas.
Primeiro, que seria a estrela Rigel (Beta da constelação de Órion), ideia seguida por Richard Allen, Giorgio de Santillana e Hertha
von Dechend. Outro grupo defende que não seria propriamente uma estrela, mas uma constelação, no caso, a Coroa Boreal,
como pleiteia Otto Reuter. Por sua vez, Jonas Persson reitera esse posicionamento baseado que esta constelação seria ligada à
primavera no hemisfério norte: representa um antigo mito de luta entre estações, símbolo da vitória da primavera sobre o inverno.
Outros como Jacob Grimm,Timothy J. Stephany e James Ogier, pensam que seria o planeta Vênus, baseados em outra fontes, como
Blickling homilies I, 3 e Crist I, ambas narrativas anglo-saxônicas, cujo termo Earendel significa estrela da manhã (Vênus). Richard
Allen acredita que seja Alcor, da Ursa Maior. De nossa parte, acreditamos que a estrela do dedo de Aurvandil seja Polaris, a estrela
polar (alfa da constelação da Ursa Menor), do mesmo modo que o historiador Robert Fergusson (Langer, 2015).

95 Os olhos de Tiazi - mito estelar referente ao gigante Tiazi, pai de Skadi, que é conhecido principalmente pelo sequestro da deusa Idunna
e de suas maçãs, narrativa encontrada no poema escáldico Haustlöng de Thjódólfr de Hvin e no Skáldskaparmál de Snorri. Odin,
Hoenir e Loki viajam e ao encontrarem uma manada, tentam cozinhar um boi, sem sucesso. Uma águia se aproxima e se oferece
para ajudar, no que os deuses concordam. Logo que ela recebe sua parte da comida, Loki tenta capturá-la com um bastão, mas ela
o leva em voo. Para tentar escapar, Loki concorda em trocar Idunna e suas maçãs para soltá-lo. Após enviar a deusa para o gigante,
Loki arrepende-se e instigado pelos deuses, volta para o resgate. Tiazi metamorfoseia-se em águia e quando chega em Asgard,
tentando a recaptura de Idunna é morto nas bases da muralha da terra dos deuses. Skadi arma-se e vai tentar vingar a morte de seu
pai, mas os ases prometem compensações: além de um marido escolhido para a giganta, Odin tira os olhos de Tiazi e os lança ao
céu fazendo duas estrelas (at hann tók augu Þjaza ok kastaði upp á himin ok gerði af stjörnur tvær, Skáldskaparmál 1). Em outro relato
(Hárbarðsljód 19) a autoria da criação deste par estelar é creditada ao deus Thor: upp ec varp augom Allvalda sonar á þann inn heiða
himin (eu arremessei os olhos do filho de Allvadi para o céu brilhante). Para John Lindow, esta narrativa reforça a participação de
Thor como construtor do universo, um papel necessário para a manutenção da ordem cosmogônica. E a maioria dos acadêmicos
(como Jacob Grimm, James Ogier, Jonas Persson e Otto Reuter) acreditam que os olhos de Tiazi sejam as estrelas Castor e Pólux,
ambas da constelação de Gêmeos, uma posição que nós reiteramos (Langer, 2015).

96 Para maiores detalhes sobre o asterismo da Boca de Lobo (Hiades) e suas conexões com mitologia nórdica, especialmente o Ragnarök,
ver o estudo: Langer, 2013a: 67-91.

77
Asar Bardagi. Possivelmente Reuter teve acesso ao livro Alfræði íslenzk: Islandsk
encyklo-pædisk litteratur, publicado em 1916, que reconstitui o nome original de
cinco constelações em islandês antigo.97
Sua interpretação de que os Olhos de Tiazi sejam Cástor e Pólux em Gêmeos
é muito lógica, pois as duas estrelas possuem magnitudes semelhantes em uma
região de estrelas poucos brilhantes, mas do mesmo modo que sua interpretação
para o Dedo de Aurvandil ser a constelação de Coroa Boreal, não tem respaldo
em fontes medievais e são difíceis de serem comprovadas. Uma das principais
contribuições do estudo de Reuter foi ter conectado a mitologia com o folclore
europeu da Idade Média, não recorrendo simplesmente a uma substituição das
constelações conhecidas no mundo clássico para a área nórdica.

97 O livro foi escrito por Theodore Beckman e Kr. Kålund e apresenta os nomes Ulfs keptr (Boca do Lobo) para as Hiades; Fiskikarlar
(Pescador) para o cinturão de Órion; Kvennavagn (Carroça da mulher) para a Ursa Menor; Karlvagn (Carroça do Senhor) para o
asterismo do Grande Carro na Ursa Maior; Asar Bardagi (Batalha dos Ases) para a constelação do Cocheiro. Conforme Etheridge,
2014: 9; Persson, 2003. Destes nomes, dois são encontrados no manuscrito islandês GKS 1812 4º, na seção datada do século XII:
Ulf´s keptr e Fiskikarlar (Etheridge, 2014: 9-10).

78
Figura 4 e 5: Ilustrações reconstituindo o céu nórdico segundo Otto Reuter: esquerda, desenho original em
alemão de Gertrud Reuter, 1936. Direita: desenho em inglês baseado na imagem alemã. Fonte: Reuter, 2012.
Otto Reuter foi um dos poucos pesquisadores que conseguiu manter uma reconstituição do céu baseada
tanto em fontes mitológicas quanto folclóricas. Para visualizar outros de seus mapas celeste originais,
consultar: Langer, 2013b: 28.

Justamente esse último tipo de atitude foi muito comum nos autores
posteriores. Um dos mais conhecidos, o médico islandês Björn Jónsson em seu
livro Star myths of the Vikings: a new concept of norse mythology (1994). A principal
ideia seguida por Jónsson é a suposta existência da crença em constelações
zodiacais no mundo nórdico pré-cristão, uma teoria criada durante o século XIX
e que como demonstramos em um estudo anterior (Langer, 2013d: 1-32), é uma
suposição sem nenhuma evidência concreta e repleta de fantasias interpretativas.
Analisando a obra deste autor, percebemos que praticamente todos os objetos
celestes receberam a transposição de algum mito contido nas Eddas, mesmo que
não tenha relação direta com fenômenos astrais. Sendo certo que existiu uma
tradição astronômica com mitos celestes na Escandinávia da Era Viking, ela foi

79
perdida parcialmente, e sua reconstituição é algo que deve ser inferido por alguma
fonte paralela, como os estudos de literatura, história, folclore e mitologia
comparada. A associação do autor com conceitos modernos de Astronomia,
também beira o anacronismo total, como denominar a linha do Equador de
muralha fortificada (em referência aos muros de Asgard), a eclíptica de Asgardur
e o zodíaco de Hlidskjalf (o trono de Odin). No próprio poema Grímnismál, o
trono é situado em um ponto elevado de Asgard (algo próximo do conceito do
zênite), mas tanto a linha da eclíptica quanto a faixa zodiacal reconhecida por
Jónsson envolvem uma boa parte do céu e não se fixam em apenas uma região
específica do firmamento celeste no hemisfério norte.

Figuras 5 e 6: Constelações nórdicas pré-cristãs, segundo Jónsson, 2012. Figura: As constelações de


Escorpião e Lobo foram reconstituídas seguindo o modelo clássico, mas não existem fontes para
assegurar essa informação, assim como a de que Centauro tenha sido vista como Mimir. Figura 6: A
famosa constelação de Órin é vista como sendo a transfiguração de Hodur – mas ao contrário, todas
as fontes folclóricas apontam este agrupamento de estrelas como sendo Os pescadores (no caso do
cinturão) ou o Fuso de Freyja para todo o conjunto. Também não faria sentido os nórdicos conceberem
um importante grupo estelar com uma deidade de importância secundária. As Hiades são apontadas
como sendo o visco (também sem nenhum tipo de fonte para assegurar essa informação), mas
demonstramos que elas era conhecidas como Boca do Lobo em outro trabalho (Langer, 2013a: 67-91).

80
Mais deficiências dos estudos de Jónsson podem ser percebidas em sua
reconstituição de constelações. Em primeiro lugar, realizou a configuração
morfológica dos asterismos Escorpião (Sco) e Lobo (Lup) da mesma forma que
receberam na tradição oriental e clássica. Comparando as mesmas constelações
nas mais diversas culturas do mundo, percebemos que geralmente receberam
referenciais diferentes. Não há motivo para que os nórdicos tenham percebido
a constelação de Escorpião exatamente como este animal, pois ele nem mesmo
ocorre nas latitudes setentrionais. E apesar da importância da figura do lobo na
mitologia escandinava, não existem indícios de que eles interpretaram essa
constelação (Lup) do mesmo modo que os gregos e orientais – aliás, estes últimos
o percebiam como um animal selvagem não especificado e foi depois do
Renascimento que ele passou a ser identificado com um lobo no Ocidente em
geral.
Baseado parcialmente nas ideias de Björn Jónsson, o astrônomo James
Ogier realizou uma conferência em Kalamazoo intitulada Eddic constellations
(2002). Para ele, os mitos nórdicos refletiriam a ideia de um zodíaco; a constelação
de Órion seria interpretada como uma figura masculina; o planeta Vênus seria
associado com o amor. Assim como seu predecessor, Ogier não estudou o folclore
astronômico das áreas germânicas, focando única e exclusivamente nas narrativas
mitológicas. Concentrando-se nas constelações em volta da Via Láctea, o pes-
quisador vai paulatinamente enumerando suas correspondentes com os animais
míticos presentes na Edda Poética e em especial, acreditando que o poema éddico
Grímnismál conteria a enumeração de casas celestiais do zodíaco – mas em ne-
nhum momento a fonte aponta para uma passagem do Sol entre elas, o que seria
de se esperar caso fosse uma referência sobre a eclíptica. As elucubrações de
Ogier em torno dos números contidos em Grímnismál e sua ligações com
Astronomia (uma hipótese que já havia sido levantada anteriormente por Giorgio
de Santillana e Hertha vom Dechend no livro Hamlet´s Mill de 1969) beiram a
uma fantasia descabida. Apesar de sua importância por inserir o tema no meio
acadêmico, o trabalho de Ogier é problemático essencialmente por seu desco-
nhecimento mais profundo em torno de estudos sobre fontes nórdicas e a
pesquisa folclórica como apoio para a reconstituição das mitologias celestes.
Influenciado por Ogier, o físico norte-americano Timothy Stephany realizou
um mapa estelar em 2009, reconstituindo constelações nórdicas que não tem
base comparativa com outras fontes nórdicas, a exemplo dos cervos Dvalin,
Dain, Duneyr e Durathror, além do esquilo Ratatosk e Vedrfolnir. Geirrod (o
nome de um gigante e de um rei na mitologia escandinava) foi associada à
constelação de Cisne pelo fato da palavra Garuda significar águia entre os hindus
– uma clara influência da teoria indo-européia de Georges Dumézil. Mas neste

81
caso, uma simples semelhança lingüística não explica porque o asterismo seria
supostamente conhecido entre os nórdicos com este nome. Em todo caso,
Stephany (2009) segue a tendência mais recente de alguns pesquisadores, como
Andres Kuperjanov, em associar a constelação de Cisne com um pássaro (águia)
que era concebida como habitante no topo de Yggdrasill segundo as fontes
míticas.
No mesmo ano da palestra de James Ogier, ocorreu outra conferência, desta
vez no evento Cultural context from the Archaeoastronomical data, na cidade de
Tartu, Estônia (2002). Seu autor, o arqueólogo Arkadiusz Soltysiak, sustentou
que a narrativa mítica da pesca da serpente de Thor (contida essencialmente
nos poemas éddicos Hymiskvida e Gylfaginning 48) seria uma explicação etiológica
da posição das constelações de Hidra, Touro e Via Láctea. Em primeiro lugar, é
extremamente complicado conceber que algum mito nórdico tenha sido criado
pura e simplesmente pela observação da natureza. Como sustentamos em outros
trabalhos, a natureza pode colaborar com a dinâmica do mito, modificando ou
incrementando algum aspecto em sua oralidade, mas é muito difícil ao pesqui-
sador comprovar qualquer origem pelo viés do determinismo naturalista. O
segundo aspecto a se levar em conta é o padrão classicista. Assim como Björn
Jónsson e parcialmente em James Ogier, o estudo de Arkadiusz Soltysiak tenta
encaixar os padrões estabelecidos pelo mundo oriental e mediterrânico para a
área escandinava. Nem todos os povos viam as estrelas da constelação de Touro
como sendo necessariamente esse animal. Aqui o fator cultural deve ser levado
em conta e muitas vezes os pesquisadores atropelam esse paradigma.98

98 Recentemente alguns arqueólogos vem tentando comprovar que as pinturas bovídeas da caverna de Lascaux na França seriam
transfigurações da constelação de Touro (Bégoin & Lima, 2007), sem maiores evidências materiais, etnoastronômicas ou
arqueoastronômicas. Quem pode afirmar que os homens pré-históricos da Europa viam esse conjunto de estrelas do mesmo modo
que os antigos mesopotâmicos, egípcios e gregos?

82
Figura 7: Constelação da Baleia, manuscrito islandês GKS 1812 4º, século XIV. Fonte da imagem:
http://handrit.is/en/manuscript/imaging/is/GKS04-1812#0000r-FB Acesso em 5 de janeiro de 2015.
Figura 8: Constelação da Hidra, Uranometria, Johan Bayer, 1603. Fonte: http://lhldigital.lindahall.org/
cdm/ref/collection/astro_atlas/id/118 Acesso em 5 de janeiro de 2015.
Figura 9: Ilustração da serpente do mundo, manuscrito islandês AM 738 4º, datado de 1680. Fonte:
https://www.abdn.ac.uk/skaldic/db.php?table=mss&id=338 Acesso em 5 de janeiro de 2015.

Percebemos certa influência classicista na elaboração de Jörmungandr do


manuscrito islandês seiscentista: os detalhes da serpente-dragão enrolando-se
em si mesma e com sua língua para fora. Em ilustrações de outras constelações
na Uranometria de Johan Bayer, como Draco (dragão), esses detalhes também
são percebidos. O livro de Bayer foi o primeiro atlas celeste que inseriu todo o
firmamento celeste e tornou-se um padrão para a maior parte da arte astronômica
por todo o Renascimento. Também outras constelações eram representadas
como monstros marinhos serpentiformes e com partes do corpo enroladas,
como a Baleia representada no manuscrito islandês GKS 1812 4º, em sua seção
tardia, datada do baixo medievo (figura 7), possivelmente também uma influência
estética para a serpente do mundo do manuscrito AM 738 4º.
As principais evidências de Soltysiak seriam: o nome da cabeça do boi
capturado por Thor teria conotações astrais (Himinhtjóðr: destruidor do céu); o
manuscrito renascentista AM 738 4º contém uma ilustração representando a
serpente do mundo do mesmo modo que a constelação de Hidra (figura 9); a
festa organizada pelos deuses (o motivo da partida de Thor buscando um cal-
deirão) teria ocorrido no inverno, o período em que Hidra e Touro seriam visíveis
no firmamento. Obviamente o segundo ponto é muito questionável: embora
seja possível que as imagens do manuscrito islandês tenham sido influenciadas
pela então recente estética dos mapas celestes renascentistas (muitos com
imagens provindas do final do medievo), elas correspondem ao modelo clássico
que penetrou na Escandinávia após a cristianização, sem relação direta com a
tradição astronômica nativa. Ademais, sendo a maior e mais larga constelação,

83
Hidra não apresenta estrelas brilhantes, tendo pouca importância na maioria
das tradições astronômicas das comunidades rurais do mundo antigo e medieval
da Europa e praticamente não foi registrada pelas fontes folclóricas. Ao contrário
da constelação de Touro, muito importante devido aos aglomerados das Plêiades
e Hiades – mas de modo diferente do defendido por Soltysiak, não foi vista pelos
nórdicos como sendo um bovídeo, mas com motivos lupinos.
Um caso muito semelhante de transposição classicista para a área nórdica
foi realizado mais recentemente. Em um artigo publicado na revista The Heroic
Age em 2008, a pesquisadora Linda Malcor defende que os motivos ursídeos
presentes na Hrólfs kraka saga seriam alusões a uma mitologia celeste produzida
em torno da constelação da Ursa Maior, identicamente à tradição greco-romana.
Para ela, os povos que viveram na área circumpolar e Mediterrâneo desenvolveram
mitos semelhantes devido à práticas de caça ao urso desde os tempos neolíticos
e ao conhecimento do fenômeno da Precessão dos Equinócios na Antiguidade
Clássica.99 Um dos elementos essenciais para a afirmação de Malcor é a compa-
ração do motivo literário da transformação em urso de Bödvar por sua sogra
Hvit com o episódio da transformação em urso da ninfa Calisto pela deusa Hera
e sua metamorfose posterior na constelação da Ursa Maior (Malcor, 2008: 1-12).
Malcor baseou parcialmente suas ideias em um trabalho anterior, o livro
Saxo Grammaticus de Kurt Johannesson de 1978. Para este autor, os motivos
ursídeos presentes na Gesta Danorum seriam baseados nas constelações zodiacais
(especialmente a referência a 12 berserkir). A ideia de um zodíaco desenvolvido
na Escandinávia pré-cristã é algo totalmente contestável (ver Langer, 2013d:
1-32), mas não negamos algum tipo de influência da Astronômica clássica na
obra de Saxo, visto que no prefácio de sua obra ele se refere as regiões nórdicas
como privilegiadas pela plena visibilidade das constelações do Cocheiro e das
duas ursas (Gesta Danorum 7). Também as associações de Johanneson sobre as
ursas em Saxo com astrologia são imaginárias, visto que elas não são constelações
zodiacais.

99 Precessão dos Equinócios é o movimento do equinócio que consiste em uma ação retrógrada (ou precessão) sobre a eclíptica, ou
seja, uma volta completa do equinócio em 26.000 anos (Mourão, 1995: 143). Em 1991 o pesquisador David Ulansey publicou o
livro The origins of the mithraic mysteries: cosmology and salvation in the Ancient World (Oxford: 1989) alegando que o centro do
culto mitraista era baseado no conhecimento da Precessão dos Equinócios na mesma época dos primórdios do cristianismo: “De
acordo com Ulansey, a matança do touro por Mitra representa o mistério central do culto, o poder de seu deus sozinho mover
todo o universo, pois, matando o touro, Mitra permitiu que o Sol no equinócio se movesse para a casa seguinte do zodíaco” (Aveni,
1993: 184). O mitraismo possuía uma grande conexão com fenômenos astronômicos e astrológicos, sendo seu calendário de
culto e simbolismos baseados na posição do Sol e zodíaco. Como a obra de Ulansey teve grande aceitação na Arqueoastronomia e
Etnoastronomia do mundo antigo, muitos pesquisadores passaram a procurar evidências deste conhecimento também para outros
povos, a exemplo de Linda Malcor. Mas suas reflexões sobre o conhecimento da precessão entre celtas, germanos e escandinavos
carecem de maiores evidências. Na área grega, a historiografia aponta a primeira evidência do conhecimento técnico da precessão
por Hiparco (190-120 a. C.). (Langer, 2014).

84
Não questionamos a extrema importância mítica e religiosa da figura do
urso no mundo nórdico pré-cristão, mas não existem elementos que associem
esse simbolismo pagão com qualquer tipo de figuração celeste, especialmente
com a Ursa Maior e Menor. As fontes folclóricas e etimológicas apontam para
uma identificação das constelações das ursas como figuras de carroças na
Escandinávia anterior à conversão.
Com isso percebemos três pontos centrais para os equívocos por parte de
Linda Malcor: em primeiro lugar, não existem conexões ou elementos internos
e externos que apontem que os temas ursídeos na Hrólfs kraka saga tenham
qualquer tipo de conexão com mitos celestes ou mesmo fenômenos astronômicos;
não existem provas de que a área nórdica pré-cristã conhecia a Precessão dos
Equinócios – o conhecimento astronômico não era sofisticado de maneira sufi-
ciente para esse tipo de saber: registros pormenorizados de observações solares
e lunares, das constelações zodiacais, dos planetas e estrelas durante seu percurso
anual pela eclíptica são desconhecidos no mundo nórdico pré-cristão; não existem
evidências de mitos celestes ursídeos na Escandinávia ou mesmo em áreas
próximas, como Finlândia e Báltico.100
Esse tipo de análise sobre as constelações da Escandinávia continua até
nossos dias. Em um popular website de divulgação de estudos e fontes sobre
mitologia nórdica, Germanic Mythology, vários estudos sobre constelações são
disponíveis, a maior parte dentro de considerações puramente fantasiosas.
Vamos tomar apenas alguns exemplos. No estudo Mjöllnir, o pesquisador Peter
Krūger afirma que o aglomerado das Plêiades era identificado ao martelo do
deus Thor durante a Era Viking (Krūger, 2011a), sem apresentar nenhum tipo
de evidência mitológica, folclórica, literária ou histórica para isso. Com certeza
esse importante aglomerado foi visto e registrado desde os tempos pré-históricos
na Escandinávia (como afirma o astrônomo Goran Henriksson baseado em um

100 Na Estônia a constelação da Ursa Maior era conhecida como o lobo ao lado do touro: Kuperjanov, 2007: 151; na Lituânia, a Ursa Maior
era vista como a Grande Carroça e a Ursa Menor a Pequena Carroça (Straizys & Klimka, 1997: s76).); entre os lapões, a Ursa Maior
era vista como o caçador com arco (fauna davgee) (Urke, 2008: d-4); em grande parte das sociedades indígenas norte-americanas,
asiáticas e europeias as setes estrelas do asterismo da carroça/panela da constelação da Ursa Maior eram vistas como sendo sete
caçadores. Algumas variações folclóricas dos indígenas norte-americanos interpretaram estas como sendo um urso, cabra ou alce.
Existem alegações, no entanto, que as descrições de urso não são originalmente baseadas na tradição pré-europeia na América do
Norte, mas foram influenciadas pelos europeus após o Renascimento. A mitologia da Ursa Maior como sendo um urso seria mais
comum entre os povos mediterrânicos e orientais (Berezkin, 2009: 34-38). No detalhado estudo de Yuri Berezkin, a interpretação
da Ursa Maior como uma carroça adentrou por toda a Escandinávia, Báltico e Europa Setentrional pós o ano 500 d. C. (Berezkin,
2009: 47). Ainda no século XIX Jacob Grimm discutia se a origem do termo nórdico Karlvagn (carroça do homem) para a Ursa maior
foi uma transposição do germânico Karl como referência a Carlos Magno (associado a esta constelação na Alta Idade Média) ou se
foi uma referência nativa a Thor e sua carroça (Bågenholm, 2005: 17). Mais recentemente, Thomas DuBois analisou este asterismo
dentro da área nórdico-báltico-finlandesa concluindo que ela remete no folclore a uma ideia de um grupo dominante de campeões.
No caso específico do espaço escandinavo, tratou-se de uma associação com o triunfante karlar (ou o líder Odin) conquistando o
cosmos com sua carruagem celeste (DuBois, 2014: 209, 220).

85
excelente estudo sobre arte rupestre, Henriksson, 1999: 14),101 mas a sua per-
cepção não deve ter sido diferente do folclore medieval preservado em locais
adjacentes: seja como uma galinha e seus pintinhos (Dinamarca e Alemanha);
uma peneira (Finlândia) ou patos selvagens (Rússia) (Berezkin, 2010: 8)102, antes
de ser conhecida por Sete estrelas no final do medievo.103 Esse aglomerado estelar
recebia um simbolismo agrário justamente porque era utilizado como demarcador
de sazonalidade na Europa Medieval, isto é, como indicador de calendário anual
baseado em sua visibilidade no céu, além de marcador de colheitas, rituais reli-
giosos e navegação (Berezkin, 2009: 8; Palmer, 2010: 312-313).
Outras análises de Peter Krūger são puramente aleatórias, baseando-se na
morfologia das constelações do ponto de vista classicista: a constelação de
Capricórnio, associado com cornos pelos gregos e mesopotâmicos, torna-se a
constelação de Heimdallr para os vikings pelo fato deste deus portar um grande
corno (Gjallarhorn) (Krūger, 2011b), o que é uma discrepância total. A constelação
de Virgem torna-se identificada à deusas nórdicas (como Idduna, Gerd, Nanna)
pelo simples fato de serem personagens femininas. Escorpião transforma-se na
constelação de Fenrir para os vikings, enquanto Peixes é vista pelo autor como
o colar de Freyja (Brisingamen) pelo fato de estar próximo à constelação de
Andrômeda – um ser feminino como Freyja. Peter Krūger não utiliza nenhum
tipo de fonte medieval para respaldar suas hipóteses – seu único método é a
similaridade direta entre os mitos gregos e os nórdicos, não importando as di-
ferenças culturais sobre a percepção do céu ou leituras mais atentas sobre
Etnoastronomia.
No mesmo site, o pesquisador Christopher Johnsen apresenta o artigo Thor
goes fishing, tentando reconstituir a narrativa de Hymiskvida e Gylfaginning sobre
o combate de Thor e a serpente do mundo: considera que a constelação de Órion
seria Thor; Touro o mesmo animal morto pelo deus como isca; a constelação de
Baleia como a serpente do mundo. O autor concentra-se no fato destas três
constelações estarem lado a lado no céu e que supostamente elas teriam a mesma
morfologia que os mitos escandinavos: uma forma hominídea, uma forma bovídea
e uma forma serpentiforme. Mas do mesmo modo que o estudo anterior que
analisamos de Arkadiusz Soltysiak, equivoca-se justamente ao tentar perceber
o céu nórdico do mesmo modo que os gregos – não existem evidências de que
as três constelações aludidas tenham sido vislumbradas da mesma maneira que
101 Também existem referências de que as Plêiades eram observadas e conhecidas na Alemanha da Idade do Bronze, conforme análises
do disco de Nebra: Perin, 2008. Na cosmonímia euroasiática, a Ursa Maior era associada com as Plêiades (Berezkin, 2009: 34-35)

102 Entre os Lapões as Plêiades eram conhecidas como uma mulher velha com um bando de cachorros ou um grupo de renas prenhas;
no folclore finlandês também existe a versão das Plêiades como a espada de Vainamoinen (Vainamoisen miekka) e outro como uma
peneira (DuBois, 2014: 208, 211)

103 Sjaustirni (Sete estrelas), Fritzner, J. (2014). No sueco moderno as Plêiades são conhecidas por Stjärnhop; no norueguês por Sjustjerna.

86
a área oriental e clássica. Pelo contrário, as fontes apontam que Órion foi visto
de duas formas: seu cinturão (as Três Marias) eram conhecidas como Os pescadores
na Islândia e Noruega, na Suécia como o Fuso de Freyja.104 Enquanto o principal
asterismo de Touro (as Hiades) foi visto como a Boca do Lobo. Não conhecemos
nenhum tipo de fonte que registrou a constelação da Baleia antes da entrada da
Astronomia clássica na Escandinava.105

Conclusão: qual era o céu dos vikings?

Existem mais dúvidas do que certezas com relação ao conhecimento astro-


nômico nórdico na Era Viking. Muitas fontes precisam ser exploradas, assim
como algumas narrativas míticas precisam receber melhores análises em relação
a outros referenciais como a cosmologia, a cosmogonia, a cultura material e
religiosa, entre outros aspectos. Também não conhecemos em detalhes as relações
entre fenômenos puramente atmosféricos (como parélios e auroras) com os
mitos celestes escandinavos. Recentes estudos apontam estreitos vínculos entre
fenômenos climáticos e escatologia (como erupções vulcânicas, Price, 2012:
428-443) e fenômenos astronômicos com escatologia (Langer, 2013a: 67-91).
Mas ao mesmo tempo em que os estudos de cosmologia nórdica vem recebendo
uma grande atenção por parte dos arqueólogos e mitólogos,106 os referenciais
astronômicos em comparação, são ainda pouco explorados. Os dois únicos mitos
celestes preservados que enfocam objetivamente estrelas e constelações, Os
olhos de Tyazi e o Dedo de Aurvandil, ainda não receberam análises mais detalhadas
e nem ao menos sabemos exatamente para qual parte do firmamento elas cor-
respondem. Como vimos no presente capítulo, muitos estudos possuem inter-
pretações equivocadas e mesmo puramente fantasiosas. É necessária a utilização
de metodologias diferenciadas que procurem compreender melhor estes mitos
dentro do referencial histórico e cultural da sociedade nórdica. E acima de tudo:
os mitos celestes sobre constelações precisam ser entendidos dentro da visão
interna em que foram elaborados e não partindo de modelos universais ou
clássicos.
Até o presente momento, podemos afirmar com certa segurança que a área
de interesse do firmamento para os nórdicos pré-cristãos partia da região da
104 Uma mesma constelação ou asterismo pode receber vários nomes e significados em uma mesma região ou área cultural. No caso
do cinturão de Órion, entre os finlandeses era conhecido como anzol de peixe; rede de peixe e espada Kaleva (DuBois, 2014: 208,
209, 211).

105 A imagem nórdica mais antiga da constelação da Baleia que conhecemos é a do manuscrito islandês GKS 1812 4º (figura 7), datada
do século XIV.

106 A bibliografia sobre estudos cosmológicos nórdicos é muito grande. Para um panorama atualizado desta produção, consultar Heide,
2014: 134-142; Andrén, 2014.

87
estrela Polar (Ursa Menor) até Órion (ver figura 10), incluindo as constelações
de Touro, Gêmeos, Cocheiro e Ursa Maior, um céu particularmente vislumbrado
na Escandinávia de outubro a fevereiro – época importante para a religiosidade,
especialmente no momento culminante do Jól. Ou seja, não era todo o firma-
mento celeste que foi alvo de apropriações míticas. Também são necessários
estudos mais completos sobre a relação entre os mitos celestes e o conhecimento
astronômico com o cotidiano rural, especialmente épocas de colheita e a formação
de calendários. Esperamos que o presente estudo possa servir como parâmetro
bibliográfico a este campo de estudo, em seus primórdios investigativos e ainda
muito carente de pesquisadores.

Figura 10: Reconstituição do céu de Oslo em 12 de janeiro de 950 d. C., programa Stellarium 0.11.3
(padrões mitológicos nórdicos das constelações realizados por Jonas Persson, tradução automática ao
português pelo próprio programa). Nesta imagem, podemos perceber as principais constelações
supostamente vislumbradas pelos nórdicos pré-cristãos, reconstituídas através de fontes medievais: no
extremo direito superior, marcada com um círculo, temos a estrela Polar (principal objeto indicado para
ser a estrela Dedo de Aurvandil descrita na mitologia) da constelação da Ursa Menor (A carroça da
Mulher ou Senhora); ao lado esquerdo, a Ursa Maior (A carroça do Homem ou Senhor). Logo abaixo, é
indicada a estrela Capela da constelação do Cocheiro, conhecida como Batalha dos deuses (Campo de
batalha de Asar); Touro, cujo asterismo Hiades era conhecido como Boca do Lobo; Órion, conhecida
tanto como Os pescadores como o Fuso de Freyja. Ao lado esquerdo da constelação do Cocheiro, as
estrelas Castor e Pólux que podem ter sido Os olhos de Tiazi para os antigos nórdicos.

88
Agradecimentos:

Aos pesquisadores Thomas DuBois (Universidade de Wisconsin–Madison),


Gísli Sigurðsson (Universidade da Islândia), Neil Price (Universidade de Uppsalla),
Aleksander Pluskowski (Universidade de Reading), Dorian Knight (Universidade
da Islândia), James Ogier (Colégio Roanoke) e Christian Etheridge (Universidade
do Sul da Dinamarca) pelo envio de material bibliográfico.

89
90
BEBIDAS E SAGRADO 107

Uma das representações icônicas mais famosas a respeito dos antigos povos
germânicos é a sua propensão a festas com muitas bebidas. Tanto as artes
plásticas, quanto a literatura, o cinema e as histórias em quadrinhos estão re-
pletos de referências a anglo-saxões, vikings e outros germanos da Alta Idade
Média em meio a festins em absoluta bebedeira. Mas até que ponto os estereó-
tipos modernos estão corretos? Existiriam outros fatores envolvidos no cotidiano
destas sociedades que favoreciam esta prática? As bebidas e o ato de beber
continham os mesmos significados que hoje? Nossa intenção neste capítulo é
investigar a relação entre a bebida e seu contexto sócio-cultural - examinando
as imagens artísticas contemporênas mais populares sobre o tema, contrastan-
do-as com fontes primárias e permitindo conhecer com melhores detalhes a
sociedade germânica alto medieval, além das resignificações sociais que os es-
tereótipos icônicos adquirem durante a história. Nossos referenciais nos estudos
de imagens são advindos tanto dos teóricos do imaginário social, ao pensarem
as representações visuais enquanto expressões de modelos psicológicos e sócio-
-históricos,108 como dos pesquisadores da nova história cultural, que refletem
as fontes visuais enquanto produtos históricos de determinados agentes.109
Concentramos nosso estudo em dois eixos imagéticos contemporâneos, sendo
cada caso seguido de um panorama comparativo destes temas na sociedade da
Era Viking. Como conclusão, apresentamos algumas reflexões sobre os usos
sociais destas representações pela arte dos tempos atuais.

107 Capítulo escrito em parceria com Luciana de Campos.

108 “A imaginação é feita de imagens interiores e imateriais. Ela se alimenta de imagens exteriores e materiais, percebidas pelos sentidos
e por sua vez ´desrealizadas´, apropriadas de mil maneiras” (Schmitt, 2001: 136). “Imagem é construção mental que implica certa
leitura do mundo e certa relação com o mundo, materializada na palavra e/ou na figura plástica” (Franco Júnior, 2010: 73).

109 “simulacro da realidade, não é a realidade histórica em si, mas traz porções dela, traços, aspectos, símbolos, representações,
dimensões ocultas, perspectivas, induções, códigos, cores e formas nela cultivadas” (Paiva, 2006: 19). Apresentamos algumas
sínteses interpretativas sobre a pesquisa em imagem, que acreditamos serem fundamentais para nosso estudo, visando perceber
as rupturas ou permanências na cultura visual de uma época: 1. As imagens como visões contemporâneas do mundo social,
informando sobre o ambiente histórico que a produziu. 2. É necessário colocar as imagens dentro de uma série de contextos e
convenções, percebendo o sentido destas através das conexões. 3. A seriação é mais confiável que a imagem individual. 4. Como
nas fontes escritas, é necessário analisar os detalhes, ausências e pistas nas imagens (Burke, 2004, p. 237; Schmitt, 2007, p. 39, 46;
Franco Júnior, 2010, p. 75; Ginzburg, 1990, p. 157; Gaskell, 1992, p. 260).

91
A popularização dos estereótipos modernos

O viking110 representado pela arte, acima de tudo, é um personagem ima-


ginário. Logo no início do século XIX, a literatura e artes plásticas divulgaram
amplamente a figura do navegador nórdico, que após pilhar ou singrar os mares
de forma intrépida, corajosa e audaciosa, retorna para a sua casa e procede a
fartos banquetes regados a muita bebida. Além disso, seu comportamento tende
a fanfarronice e sua estética geralmente é de um barbudo obeso, portando um
equipamento igualmente fantasioso (quase sempre constituído de elmos com
chifres ou asas).111 O primeiro elemento estereotipado sobre bebidas surge ainda
durante o Oitocentos: a de que os nórdicos seriam consumidores apenas de
cerveja. Tanto em poemas quanto em charges jornalísticas deste período,112 a
idéia básica é a que na Era Viking só se consumia este tipo de bebida. Essa imagem
sobrevive largamente pelo imaginário popular – nos anos 1980, em uma série
de propagandas televisivas da cervejaria Skol, foram utilizadas animações do
personagem quadrinístico Hägar, o horrível.113 Anteriormente, seu autor, o
norte-americano Dick Browne, já popularizava o consumo de cerveja pelos es-
candinavos, sem muitas diferenças em relação ao mundo contemporâneo: ge-
ralmente este está sentado acima de um barril com torneira, portando caneco
de metal com alça, em um bar ou taberna de aspecto bem atual.114
Neste contexto, a cerveja Skol aproveitou-se de outro estereótipo relacio-
nado a estes guerreiros do medievo: o uso de taças-crânios. Surgida ainda na
Antiguidade, seria supostamente um prática de alguns povos antigos que utili-
110 O termo Viking possui duas acepções correntes hoje em dia: uma restrita, que se refere nas fontes primárias medievais a nórdicos
envolvidos em empreitadas marítimas, seja de pirataria ou comércio, não tendo conotações étnicas; e outra mais comum, na
academia contemporânea e no imaginário popular, possui uma conotação mais genérica e étnica, se referindo todos os habitantes
da Escandinávia durante o século VIII ao XI d.C. Na realidade, “sair à viking” foi um modo de vida orientado por práticas culturais: as
empreitadas ao mar para comércio, pirataria, exploração ou colonização foram estruturadas por motivações econômicas, religiosas
e sociais, sendo comum a diversas etnias diferenciadas existentes em toda a Escandinávia durante a Era Viking, com muitos elementos
culturais semelhantes, como linguagem, mitologia, religiosidade, cotidiano, entre outras (Langer, 2012).

111 O imaginário oitocentista criou duas vertentes populares sobre os vikings, uma positiva e outra negativa, mas ambas tendo os
mesmos estereótipos icônicos: equipamentos de guerra fantasiosos, comportamento fanfarrão, propensão a grandes festas e
extrema beberagem (Langer, 2002, p. 6-9; 2004a, p. 166-169; 2012, p. 1-20). O imaginário positivo sobre os escandinavos (muito
comum no romantismo alemão e escandinavo) enfatizava o espírito de aventura, bravura e liberdade (Boyer, 1986, p. 19-120),
enquanto o negativo (freqüente entre os franceses e ingleses) preponderava elementos de selvageria, bestialidade e paganismo
(Langer, 2002, p. 6-9; Wawn, 2002, p. 3-4).

112 No poema The skeleton in Armor, 1841, do professor norte-americano Henry Wadsworth Longfellow, o desfecho é caracterizado
por vikings beberrões e fanfarrões, brindando na América do Norte a saudade da região escandinava. A charge foi realizada por
Frederick Burr Oper para um jornal de Nova York em 1894, representando um grupo de seis vikings próximos à torre de Newport
em Massachusets (Nova Inglaterra, Estados Unidos), todos brindando em cornos com cerveja. Para uma análise destas duas fontes,
consultar: Langer, 2012.

113 Trata-se de uma série de vinhetas televisivas para a Skol Lager (Inglaterra, 1986, especialmente “Drinking song” e “Quiet drink”), de
autoria do quadrinista argentino Oscar Grilo, baseado no personagem Hägar, de Dik Browne.

114 O personagem Hägar, o horrível foi criado em 1973 pelo cartunista norte-americano Dik Browne, retratando as aventuras de um
viking barbudo, beberrão, relaxado e que vive de pilhagens e aventuras pelo mundo (Langer, 2009b, p. 14).

92
zariam os crânios dos inimigos como copo. Atualizada pelos referencais depe-
criatórios do século XIX, a imagem de “brutamontes” empregando crânios
mesclou-se ao termo nórdico para brinde, skål, ganhando um novo sentido de
barbárie e poder.115 Na primeira cena do filme O Escorpião rei (2002),116 perso-
nagens caracterizados como germanos realizam o “horrendo” brinde como uma
forma de demonstrar força, poder e virilidade descomunal, algo também presente
em um banquete da animação Asterix e os vikings (2005)117 – com taças-crânios
de vários tamanhos e formatos. Contrapondo os gauleses e os nórdicos, certa-
mente estes últimos são caracterizados como mais sombrios e incivilizados,
possuindo comportamentos selvagens.

Figura 1: Ilustração de Hägar, o horrível, personagem criado em


1973. Fonte: Browne, 1987, capa.

115 O estereótipo surgiu inicialmente com Heródoto, ao descrever os Citas. Posteriormente, a descrição da taça-crânio também foi
associada a povos germânicos da Alta Idade Média e surge em passagens mitológicas da Edda Poética (séc. XIII). Durante o século
XVIII, a expressão “copos feitos de cornos” foi traduzida erroneamente por “caveiras dos seus inimigos” popularizando a imagem
em relação aos vikings (Arbman, 1967, p. 14). A fonte literária em questão, uma passagem da narrativa Krákumál (poema escáldico
do século X-XI), foi traduzida erroneamente por Finn Magnussen: “Bibemus cerevisiam hoc momento, Ex profundis craniis”
(Boyer, 1986, p. 102). Em nórdico, o termo skål (brinde) é semelhante ao termo skull (crânio em inglês), aumentando ainda mais a
popularidade do estereótipo. Na realidade, o principal suporte utilizado na Era Viking para o consumo de bebidas era um corno
de origem animal, geralmente de auroques. Alguns exemplares destes cornos encontrados pela Arqueologia utilizavam adornos
de ouro e pedras preciosas. Neste período, também se utilizavam copos, taças e jarras feitas de madeira, vidro e prata (Arbman,
1967, p. 215).

116 The scorpion king (O escorpião rei), dirigido por Chuch Russel, 2002.

117 Astérix et les vikings (Asterix e os vikings), dirigido por Stefan Fjeldmark, 2006. Para uma análise deste filme, consultar: Elliott, 2011,
p. 165-177. A fonte original da animação foi o álbum em quadrinhos Astérix et les Normans, 1967, de Gosciny e Uderzo. Mas
neste quadrinho não ocorre o banquete com taças-crânio da animação de 2006, que foi realizada em uma aldeia escandinava (no
quadrinho, Asterix e Obelix não saem da Gália no original de Gosciny e Uderzo).

93
Figura 2: Cena do quadrinho Asterix e os
normandos, de 1967. Fonte: Gosciny & Uderzo,
2002, p. 10.

A série de quadrinhos criada por Dik Browne retratando as aventuras do


viking Hägar representam muito mais padrões de comportamento da sociedade
norte-americana do que a medieval. Do mesmo modo, a cultura material presente
nestas representações, em alguns casos, são adaptações estereotipadas do que
se conhece da Era Viking (elmo com chifres e roupas grosseiras). No caso das
bebidas, também refletem diretamente nossos hábitos, afastando-se do cotidiano
escandinavo. Começando pelo tipo de suporte – em todos os quadrinhos da
série, os personagens utilizam canecos de metal e barris de madeira com torneira,
típicos de nosso tempo. Em seguida, a ambientação: todos recorrem a bares,
tavernas e locais especializados no consumo de bebidas, sendo atendido por
garçons e barmen, inexistentes na Era Viking. As imagens históricas da série
Hägar constituem um passado exótico e pouco conhecido ao leitor, funcionando
como um modelo de alteridade para a sátira, crítica e reflexão do mundo em que
vivemos. Quanto aos vikings presentes no álbum Asterix e os normandos, são
contrapontos para outro modelo. Ao contrário de Hägar, a série criada pela dupla
Gosciny e Uderzo possui referenciais nacionalistas: os personagens principais,
os gauleses Asterix e Obelix, representam uma ideologia de resistência cultural
frente aos romanos e outros povos – a exemplo dos escandinavos, estes repre-
sentados principalmente pelo estereótipo da taça-crânio, símbolo de brutalidade
e selvageria. Na figura 2, uma mulher serve bebidas ao chefe viking Olaf
Abominaff - neste caso, a estética feminina lembra muito o modelo folclórico
alemão. Se pensarmos na tradicional rivalidade entre Alemanha e França, os
vikings podem incorporar também a alteridade e a xenofobia a outros povos por
parte dos quadrinistas franceses.

94
As bebidas na Escandinávia da Era Viking

As bebidas fermentadas consumidas pelos germanos alto-medievais, in-


cluindo os escandinavos da Era Viking, iam muito além do que apenas a cerveja,
sendo também produzidos vinhos, hidromel e cidras.118 Um poema medieval
esclarece os tipos de bebidas dos vikings:
“Þórr kvað:
33. Segðu mér þat, Alvíss,
- öll of rök fira
vörumk, dvergr, at vitir -:
hvé þat öl heitir,
er drekka alda synir,
heimi hverjum í?
Alvíss kvað:
34. Öl heitir með mönnum,
en með ásum bjórr,
kalla veig vanir,
hreinalög jötnar,
en í helju mjöð,
kalla sumbl Suttungs synir.”

“Thor disse:
33. Diga-me, ó Alvis! tu que conhece tudo,
Anão, a todas as sortes do homem,
Como é o nome da bebida que bebem os homens
Em cada mundo?

Alvis disse:
34. Öl entre os homens, bjórr para os ases,
veig chamam os vanir,
hreinalög entre os gigantes, mjöð em Hel,
sumbl chamam os filhos de Súttungr”.119

118 A civilização alimentar da alta Idade Média européia é marcada pelo triunfo do vinho, bebida ao mesmo tempo apreciada e de
consumo diário. A densa cerveja – que só muito mais tarde se tornará o líquido claro e transparente aromatizado com lúpulo,
durante o que conhecemos sob o nome de cerveja – será, durante muito tempo, o símbolo da cultura germânica, e os pagãos
usam-na em seus rituais para marcar sua oposição à sacralidade cristã do vinho. Com o tempo, porém, ela deixará de rivalizar
com este, que acabará por ser reconhecido – por motivos de gosto e de imagem – como a bebida de prestígio por excelência
(Montanari, 2003, p. 19-20).

119 Anônimo, Alvíssmál 33 e 34, integrante da Edda Poética (manuscrito Codex Regius, GKS 2365 4to, século XIII). Tradução nossa.

95
Öl é o nome genérico usado para toda bebida alcoólica, mas em alguns casos
para a cerveja tipo ale (Boyer, 2000, p. 100). Bjórr se refere a cervejas mais fortes
(por isso sua associação com os deuses Aesir). Veig e hreinalög são termos para
bebidas claras e frescas, mas a vinculação do hidromel (mjöð) com Hel é pura
fanfarronice do poema, visto que era o licor preferido no palácio do Valhala, a
morada de Odin. Sumbl é o nome para banquetes e está relacionado ao mito do
hidromel e Súttungr (que trataremos diante).
A cerveja (bjórr, em nórdico antigo) era consumida em todas as refeições
e, também ao longo do dia, substituindo em alguns momentos a própria água
que em determinadas regiões apresentava altos índices de contaminação, pois
era uma grande disseminadora de doenças. Por ter um teor alcoólico baixo (algo
em torno de 3 a 5 graus), também oferecia calorias e certa dose de nutrientes.
A cerveja consumida tanto pelos vikings como anglo-saxões possuía praticamente
a mesma composição: cereais, água, levedura e ervas aromatizadas - que além
de conferirem um sabor especial à bebida, também eram boas conservantes. É
preciso ressaltar que o lúpulo (Humulus lupulus) que é ingrediente indispensável
na fabricação da cerveja contemporânea, só começou a ser incorporado em larga
escala no século XI. A erva mais utilizada como aromatizante na fabricação das
cervejas alto medievais era a Glechoma hederacea, popularmente conhecida como
erva-de-São João ou hera-terrestre, de sabor amargo essa erva é também rica
em ácidos fenólicos e tanino que são anti-oxidantes e conservantes naturais e,
em certa medida também conferem amargor à bebida (Hagen, 2010, p.
199-232).
Diferentemente de hoje a produção de cerveja, vinho e outros fermentados,
não se dava de forma “industrial” e nem havia a excessiva preocupação com a
excelência na qualidade e seleção dos ingredientes como vemos atualmente. A
produção de bebidas era tarefa feminina por excelência. As mulheres deviam
cuidar para que as despensas estivessem sempre bem abastecidas de ingredientes
tanto para a elaboração da comida de todos os dias e também para as festas.120
A cerveja produzida pelos nórdicos possuía um sabor e também coloração dife-

120 Fazer a moagem dos grãos – trigo, cevada, sorgo, aveia e centeio – despejar a àgua nos caldeirões para que atingissem a temperatura
correta, acrescentar os grãos que eram triturados em moinhos manuais de pedra, fervê-los acrescentando à mistura as ervas
aromáticas, esperar o início e o término do processo de fermentação e, finalmente acondicionar a bebida em local adequado
era, praticamente uma tarefa diária executada pelas mulheres – das mais jovens às mais velhas. Nesse processo de fabricação de
cerveja podemos também incluir também o do vinho que consiste na moagem dos grãos de uva, uma filtragem e é colocado para
fermentar. O hidromel e a cidra são feitos da mesma forma que a cerveja.

96
rentes das equivalentes atuais, já que não possuía conservantes e clarificantes
(Ward, 2005).121
Os nórdicos também fabricavam o vinho de uva (vín) e de frutas silvestres.
A cidra era elaborada a partir da fermentação de maçãs e peras que existiam em
grandes quantidades e eram consumidas in natura e utilizadas na elaboração de
diversos pratos tanto doces com salgados, e vários tipos de bebidas também era
produzidos com outras frutas, tais como amoras, mirtilos e framboesas. Outro
fermentado muito importante era o hidromel (mjöð) que levava na sua composição
nada mais do que mel, água, algumas ervas aromáticas e uma levedura (Graham-
Campbell, 2001, p. 123-124). Mas, devido ao seu ingrediente principal, o mel,
ser raro e também bastante caro, o seu consumo era destinado somente às
grandes comemorações de caráter religioso e político. O vinho era considerado
a única bebida que Odin consumia (Grimnismál 19)122 e o hidromel era associado
a festas no mundo dos deuses (o banquete de Égir, Lokasenna 1-65; a cuba mágica
dos einherjar, Gylfaginning 38) e também a poesia e ao próprio Odin
(Skáldskaparmál 1). Portanto, ao contrário da cerveja, o vinho e o hidromel tinham
um caráter muito mais sagrado.

121 A cerveja produzida pelos germanos alto-medevais possuía uma sabor e também coloração diferentes das cervejas contemporâneas
já que não possuíam conservantes e clarificantes. A cerveja tipo ale que hoje é classificada como “cerveja gourmet” recebe
essa denominação nos dias atuais, pois é para ser apreciada como acompanhamento de determinados pratos. Em alguns casos
a ale contemporânea vem recebendo a mesma classificação de vinhos nobres, não sendo mais a cerveja feita à base de trigo
com alta fermentação que era consumida cotidianamente no medievo. Até porque todas as cervejas industrializadas de hoje
por determinaçãoes sanitárias recebem uma parte de cevada na sua composição. Além da ale também existam outros tipo de
fermentados de cereais como a beor e a ealu (entre os anglo-saxões) que nada mais são do que variações da cerveja elaborada com
outros cereais, mas fermentadas e armazenadas da mesma maneira (Hagen, 2010, p. 229-23).

122 Mas em outra fonte éddica, o Hávamál, o próprio Odin afirma que bebeu hidromel durante três dias na morada de Gunnlod:

“13. Óminnishegri heitir


sá er yfir ölðrum þrumir,
hann stelr geði guma;
þess fugls fjöðrum
ek fjötraðr vark
í garði Gunnlaðar.”

“13. A ave do esquecimento voeja sobre a festa da bebida,

e rouba a mente dos homens;

nas plumagens desta ave eu me acorrentei,

no jardim de Gúnnlod.”

Hávamál, séc. X, integrante da Edda Poética (manuscrito Codex Regius, GKS 2365 4to, século XIII). Tradução nossa.

Todas as fontes que citamos em negrito no corpus do texto, constituídas de poemas éddicos e textos anglo-saxônicos, são anônimas.

97
Figura 3: Runestone Gs19, igreja de Okelbo,
Suécia, século XI d.C.. Fonte: <http://en.wikipedia.
org/wiki/File:Gs_19,_Ockelbo.jpg> Acesso em
17/04/2012

Figura 4: detalhe da runestone Gs19. Fonte:


Graham-Campbell, 2001, p. 126.

Podemos constatar o uso de bebida em um tradicional monumento rúnico


pré-cristão (mas preservado em um templo católico), com cenas tanto do coti-
diano quanto da mitologia escandinava. Cada conjunto cênico pode ser visto
independente do outro (figura 3), mas em alguns existe relação direta entre si,
a exemplo das imagens relacionadas com o ciclo nibelungiano. A figura que
entrelaça todo o monumento é uma serpente (cujo interior possui inscrições
rúnicas) que tanto pode significar o monstro que circula e concede estabilidade
ao mundo (Jörmunganðr), quanto o dragão Fáfnir – na parte superior, interna,
uma figura semi-apagada golpeia seu dorso, uma alusão a Sigurd, seu matador.
Uma árvore na parte central é uma alusão a Yggdrasill, com um pássaro no cimo
(o deus Odin, metamorfoseado em águia). No lado direito da árvore, um cavalo
está amarrado (talvez uma alusão ao cavalo de Odin, Sleipinir, que era amarrado
em Yggdrasill, ou Gram, o cavalo de Sigurd, também esculpido na inscrição de
Ramsund, amarrado ao lado esquerdo desta árvore). A figura mais abaixo, se-
gurando uma das raízes, pode ser o anão Andvari, portando o anel amaldiçoado.
A figura masculina adiante, segurando um corno, é enigmática (talvez uma re-

98
ferência a Odin). O galo atrás deste, é um símbolo pagão, relacionado aos mundos
subterrâneos, ao xamanismo e ao renascimento. Duas cenas não contém vínculo
direto com as figurações até agora mencionadas: uma carroça e um cavalo na
parte superior, e dois homens sentados, disputando um jogo de tabuleiro (talvez
o hnefatl), onde um destes bebe com um corno (figura 4). Esta é uma situação
típica do período de inverno, onde as atividades domésticas prevaleciam em
baixas temperaturas. Dentro do contexto de todo o monumento, podemos
considerar que esta cena em particular, concede ao ato de beber algo muito além
de meramente ser um prazer cotidiano e vulgar – beber é um ato divino, respal-
dado pelos deuses – como na figuração masculina logo abaixo, onde o homem
(ou deus) com corno de bebida aproxima-se da árvore Yggdrasill.123 Assim, para
o nórdico, não ocorria necessariamente uma separação entre espaço laico e sa-
grado. Beber neste mundo ou em outro, representava uma ligação direta com
as suas divindades e suas crenças. Ser pagão, acima de tudo, era desempenhar
um papel de grande apreciador de bebidas.124

Os estereótipos sobre os banquetes nórdicos

Diretamente relacionado com o uso de bebidas, são as representações de


banquetes reais da Era Viking inseridas em produções cinematográficas dos anos
1950 a 2000. Elas são muito importantes porque definiram o imaginário con-
temporâneo sobre o tema, sendo reutilizadas posteriormente por diversos outros
meios artísticos e de comunicação, como televisão, quadrinhos e música.
Elegemos duas cenas, respectivamente, dos mais populares filmes sobre a te-
mática: Vikings, os conquistadores (1958, que abreviamos para Vikings) e Os le-
gendários vikings (1964, abreviamos para Legendários), e uma cena contemporânea,
do filme Outlander (2008).125
A reconstituição do contexto material e histórico de ambas as produções
foi bem caracterizado: no primeiro filme, de 1958, os guerreiros encontram-se
bebendo no salão do rei Ragnar; no segundo e terceiro, da mesma forma, os
guerreiros de um povoado festejam em um salão real. Em todos estes filmes, os
equipamentos, as casas, o salão real, as vestimentas e as taças (cornos) foram

123 Para uma comparação com outros monumentos e fontes visuais da Era Viking, consultar Langer, 2006, p. 10-41.

124 O ato de beber masculino possui um respaldo direto nas fontes mitológicas, especialmente na figura do deus Thor, onde em diversas
situações, é testado através do consumo de bebidas (desafio do gigante Utgardloki (Gylfaginning 45) ou bebendo hidromel em
profusão na festa do gigante Thrym (que havia roubado seu martelo (Þrymskviða 24-25).

125 The Vikings (Vikings, os conquistadores), direção de Richard Fleischer, 1958, com Kirk Douglas e Tony Curtis; The long ships (Os
legendários vikings), direção de Jack Cardiff, 1964, com Richard Widmark e Sidney Poitier; Outlander (guerreiro versus predador),
direção de Howard McCain, 2008, com Sophia Myles e Jim Caviezel. Sobre estas produções, consultar: Kelly, 2011, p. 9-23;
Hoffman, 2011, p. 24-38; Marshall, 2011, p. 135-149; Glot, 2004, p. 188-190; Lévesque, 2008, p. 79-81.

99
bem reconstituídas, gerando um cenário histórico muito mais crível que produ-
ções anteriores como O príncipe valente (1952).126 Saindo de um referencial
negativo, onde representavam apenas vilões de aventuras medievais, agora os
vikings tornam-se personagens centrais de filmes empolgantes. Mas apesar
disso, os banquetes são estereotipados não tanto por sua estrutura material,
mas comportamental: são cenários de pura balbúrdia, do encontro desenfreado
de pessoas buscando diversão e os prazeres mundanos.
Nos filmes citados, a cena de banquete está situada logo no início (20 mi-
nutos em Vikings, 18 minutos em Legendários e 37 minutos em Outlander). Após
um momento de maior “seriedade”, onde os personagens principais são apre-
sentados ao espectador, o contexto histórico é definido e a trama apresenta seus
principais desenvolvimentos, surge o momento de total descontração, onde a
representação do escandinavo como aventureiro e belicoso é deixada de lado,
sendo suplantada pelo seu imaginário como um beberrão sem limites. Na pro-
dução Vikings, o ambiente é de total lascividade: os homens presentes pulam
fogueiras, bebem cerveja e comem carne assada (com as mãos e colocando os
pés sobre a mesa), tudo servido por diversas mulheres. Após um escravo ser
julgado, tem início o principal momento do banquete: uma jovem é fixada sobre
uma roda de madeira, e os guerreiros presentes tentam cortar suas tranças com
arremessos de machados. Além de totalmente fantasiosa, a cena reforça a imagem
dos vikings como pessoas à parte de qualquer princípio civilizacional, cujo
comportamento é desenfreado e tosco.127 E o desfecho do banquete, após o
personagem Einar triunfar nos arremessos, é muita bebida juntamente com
abraços e beijos nas mulheres presentes na festa. No filme Legendários, o contexto
é muito semelhante, mas a balbúrdia é ainda maior: em meio às bebedeiras, os
homens brigam, trocam socos, pulam sobre as mesas, agarram e abusam das
serviçais: uma delas é atirada para o alto, impulsionada por um círculo de couro
seguro pelos vikings. Em meio à confusão, a cerveja acaba e as serviçais tratam
de supri-la comprando de um comerciante – uma situação inverosímil, pois as
principais bebidas eram produzidas artesanalmente pelos próprios fazendeiros
e moradores de cada região nórdica.

126 Prince valiant (O príncipe valente), dirigido por Henry Hattaway, 1954.

127 No filme, a jovem é acusada de adultério e o seu marido é incumbido de proceder a uma espécie de ordálio – caso as tranças sejam
cortadas, ela é inocente – mas se algum machado atingir alguma parte do corpo, ela é culpada. Quando o marido, bêbado, tenta
executar o primeiro lançamento, o personagem Einar intercede e consegue realizar todas as projeções com sucesso, provando
a inocência da acusada. Na literatura da Europa centro-medieval existem algumas referências ao corte de tranças de mulheres
adúlteras (especialmente entre os Fabliaux), mas não conhecemos esse tema nas fontes escandinavas. Na cultura pagã da Era
Viking, a mulher que era acusada de cometer algum crime sexual (especialmente o adultério, hórdómr), era defendida por algum
membro masculino de sua família perante a corte, visto que era considerada uma propriedade danificada, e ao contrário do
referencial da legislação cristã, não era responsável por atos individuais (Jochens, 1998: 168). Portanto, a cena do filme em questão
é fantasiosa de um ponto de vista histórico e social.

100
E tanto a cena do corte das tranças quanto da impulsão da serviçal são
também totalmente fantasiosas, sem respaldo nas fontes medievais.128 Elas
remetem muito mais a um ambiente circense, típico de outras produções cine-
matográficas da época. Em 1952, o consagrado diretor de filmes épicos, Cecil
DeMille, filmou o clássico O maior espetáculo da terra, popularizando o tema do
mundo do circo. Anteriormente, o ator Burt Lancaster participou do filme O
gavião e a flecha (1950), cuja trama se desenrola no medievo central italiano,
recheado de ações, piruetas e malabarismos (o ator provinha de família circense).
Em outras produções históricas, como O pirata sangrento (1952), o mesmo ator
tornou-se célebre por incluir cenas de ação física de extrema agilidade, criando
um referencial estético para qualquer tipo de enredo aventureiro.129 No filme
Legendários, por exemplo, um dos personagens realiza uma incrível proeza, na
qual sobe por uma viga de casa, jogando as mãos e impulsionando as pernas
para o alto, de forma semelhante às cenas de Burt Lancaster.
Em Outlander o ambiente geral do salão é muito mais crível e fidedigno que
os filmes anteriores. Junto às mulheres que servem a comida e as bebidas,
também se encontram crianças, mas a maioria dos participantes é constituida
de homens jovens e velhos. A principal fantasia ocorre por conta de uma com-
petição entre dois personagens em um círculo formado por escudos – seguros
em posição horizontal acima dos ombros de vários guerreiros. Os competidores
correm por cima destes escudos, bebendo e realizando mirabolantes piruetas.
Também sem respaldo histórico, possivelmente uma readaptação da cena de
corrida acima de remos em Vikings (essa por sua vez, baseada nas sagas
islandesas).
As cenas de festas com consumo de bebidas da Era Viking são essenciais
em diversas produções norte-americanos. A exemplo de outros filmes épicos,
este momento encarna o ponto onde o exotismo atinge seu ápice (nas produções
The saga of the Viking Women, Ben Hur, Os bravos tártaros, entre outros, o clímax
é uma cena de dança, executada por uma mulher ou dançarinos orientais/afri-
canos/asiáticos, durante o momento de alguma refeição). No caso do filme Vikings
(figura 5), o ponto central é o corte das tranças, enquanto em Outlander é a
corrida sobre escudos. Ao mesmo tempo em que seguem uma tradição de alte-
ridade no cinema, onde os povos antigos são vistos como tendo costumes bár-
baros, exóticos ou estranhos, conferem sentido e significado para práticas

128 O arremesso de machados lembra as clássicas apresentações de projeções de facas dos circos, onde geralmente uma moça fica
amarrada em uma roda, que pode girar ou permanecer parada, enquanto as lâminas atingem a madeira situada em sua lateral.
A cena de impulsão lembra as brincadeiras de palhaços e malabaristas em apresentações circenses utilizando “camas elásticas”.

129 Além do filme Os saltimbancos, de Elia Kazan, 1953, outra produção circense é Trapézio, dirigido por Carol Reed, 1956. O detalhe
importante é que esta última produção contou com os atores Burt Lancaster e Tony Curtis – este último interpretou o segundo
personagem de maior importância em Vikings, os conquistadores de 1958.

101
comportamentais do público espectador (Hoffman, 2011, p. 33), especialmente
jovens que através da bebida esperam transgredir ou ultrapassar limites impostos
pela família e sociedade.

Figura 5: cena de banquete do filme Vikings, os conquistadores. Fonte: ˂http://www.imdb.com/title/


tt0052365/˃ Acesso em 13/01/2012

Figura 6: cena de banquete do filme Vikings, os conquistadores. Fonte: Fonte: ˂http://www.imdb.com/


title/tt0052365/˃ Acesso em 13/01/2012

Deste modo, os banquetes retratados nos três filmes, apesar de remeterem


em princípio a um ambiente historicamente correto (reunião de guerreiros no
salão real, bebidas servidas em cornos e provenientes de uma enorme cuba),
estão relacionados a diversas estéticas típicas do cinema dos anos 1950 e 2000
e que remetem também, ao gosto da audiência masculina e adolescente de cada
época. São ambientes idealizados onde as principais fantasias dos jovens atuais
são projetadas: sexo, bebedeiras e transposição dos limites impostos pelas famílias
e pela sociedade.

A ritualização da bebida nórdica na Era Viking

Entre os germanos alto-medievais, ocorria uma fusão entre a esfera pública


e a privada, sendo as relações pessoais do rei e de seus subordinados definida

102
por uma “comunidade alimentar”, isto é, o líder era o encarregado de nutrir e
proteger os seus servidores. Com isso, o momento do banquete (sumbl) – a
ocasião onde toda a comunidade de guerreiros reunia-se para prestar fidelidade,
juramentos, obrigações políticas e militares a seu líder, constituía uma ocasião
especial tanto de alimentação quanto de consumo de bebida (Rouche, 2009, p.
420-421). Os banquetes germânicos eram ao mesmo tempo rituais simbólicos
de compromisso e confiança, quanto espaços de discussão e afirmadores da paz
(Althof, 1998, p. 300-307).
Na Escandinávia da Era Viking, as casas dos chefes eram importantes centros
de poder e também produtoras de carne e cevada para a cerveja, além de locais
de importação de taças de vidro. As festas reais eram momentos onde os negócios
eram estabelecidos, sendo o momento de comer e beber uma manifestação de
poder da administração (Christiansen, 2006, p. 143).
No centro do salão, tanto celtas quanto germanos mantinham uma grande
cuba contendo bebida, simbolizando a produção de hidromel no outro mundo,
conectado a diversas narrativas mitológicas (no caso escandinavo, especialmente
o banquete de Égir descrito na Lokasenna 1-65; a fonte de Mímir, Voluspá 28; a
cuba mágica dos einherjar, Gylfaginning 38).130 Em dois filmes a reconstituição
é exata (Legendários e Outlander), onde as servidoras enchem os cornos com o
seu líquido, mas em Vikings (figura 6), a impressão é que a cerveja é fabricada
neste momento e logo servida aos convivas, algo totalmente inverossímil.131
Apesar dos excessos e da alcoolização extrema ser a conclusão obrigatória
destes banquetes, existia uma ritualização na forma de beber (drykkja) e de como
beber. Geralmente se bebia por rodadas (sveitardrykkja), devendo cada um passar
o corno ou taça para seu vizinho (situação obrigatória para os guerreiros). A
bebida individual (einmenningr) era realizada em cornos pequenos, mas era
menos freqüente. Também existia o costume de beber em duplas (tvímenningr),
mais comum em eventos privados. Mas a regra geral nos banquetes reais era o
corno passar em círculos ou sucessivamente de uma fila para adiante (Boyer,
2000, p. 100-101).
Um dos momentos principais do banquete era o brinde. Neste momento,
o rei e seus principais seguidores utilizavam as melhores taças ou cornos, rica-
mente adornados, seguindo um costume germânico desde a antiguidade clássica.
Os brindes iniciais são para os deuses. Na Hákonar saga Góða 14, após a morte
cerimonial de cavalos, que são cozidos e comidos em seguida, fogos são acessos
130 Entre os Alamanni, povo germânico da Suiça, existia um enorme recipiente de cerveja dedicado ao deus Wodan (Odin), chamado de
cupa (Davidson, 1984, p. 44).

131 Nesta cena (figura 6), uma mulher retira a espuma ou revolve o líquido, uma situação que não seria necessária, visto que a bebida
encontra-se pronta para consumo. Qualquer bebida feita de grãos, depois de cozida, necessita de um período de repouso para sua
fermentação (e para adquirir teor alcoólico).

103
no meio do salão, e neste momento realiza-se o primeiro brinde para Odin, o
deus supremo do panteão nórdico, almejando a vitória e o poder para o rei. Em
seguida, outros brindes são oferecidos para Njord e Frey, deuses da fertilidade,
conclamando boas colheitas e a paz. Posteriormente, os homens presentes
brindam em memória de seus parentes (minni, brinde comemorativo). E ainda
segundo a Fagrskinna 55, após o brinde ao rei, brindes memoriais eram realizados
para Thor e outros deuses.
As competições de bebidas (kappdrykkja) eram muito comuns, como também
o jogo de palavras sarcásticas associadas ao beber (hnýfilyrði), o juramento
(heitstrenging) e as disputas masculinas por meio de duelos verbais (mannjafnað).
Num contexto de banquete real, as mulheres tinham uma função basicamente
servil, sendo excluídas dos rituais de bebida.132 Mas nos três filmes que debate-
mos, está ausente uma figura feminina extremamente importante: a rainha. No
mundo germânico alto-medieval, era ela que oferecia a taça ao rei, para em seguida
distribuir aos demais presentes, simbolizando os laços de fidelidade entre os
guerreiros. Em um poema anglo-saxão do período, podemos observar este
ritual:
“Guð sceal in eorle,
wig geweaxan, ond wif geþeon
leof mid hyre leodum, leohtmod wesan,
rune healdan, rumheort beon
mearum ond maþmum, meodorædenne
for gesiðmægen symle æghwær
eodor æþelinga ærest gegretan,
forman fulle to frean hond
ricene geræcan, ond him ræd witan
boldagendum bæm ætsomne.”
“O espírito guerreiro fortalecerá a coragem do soberano. E sua esposa
prosperará, adorada por sua tribo. Ela há de ser prazenteira, guardará
segredos e será generosa com os cavalos e com os pujantes tesouros. Na
cerimônia de degustação do hidromel, sempre e em toda parte, diante do
grupo dos guerreiros ela saudará o protetor dos príncipes primeiro; pousará a

132 Mas evidentemente bebiam em outros contextos festivos, como nascimentos, casamentos, rituais funerários (que no contexto
pagão, também eram comemorados), recepção a convidados, jogos e entretenimentos de inverno. Mulheres bebiam especialmente
em celebrações religiosas, como em honra ao deus Freyr durante o inverno. Todo evento privado era brindado com bebidas. Mas
em nenhum contexto público ocorria o ato da mulher beber de forma solitária (algo que não ocorre nas fontes mitológicas ou
históricas) e muito menos a figura feminina bêbada (Jochens, 1998, p. 105-109). As narrtivas mitológicas reforçam o caráter servil
das mulheres, como na descrição das valquírias servindo comida e hidromel para os guerreiros eleitos, os enherjar, no salão do
Valhala (Grímnismál 36; Gylfaginning 35).

104
primeira taça nas mãos do soberano; e ensinar-lhe-á a prudência, pois ambos
viverão juntos, como amo e ama, no mesmo domicílio.”133

Nas fontes escandinavas,134 a figura da rainha ou princesa pode substituir


o rei ou líder ausente do banquete, especialmente quando da visita de dignatários,
tanto em questões políticas quanto nos rituais de bebida. O ato de servir as
bebidas por uma mulher da alta aristocracia simbolizava a ênfase germânica na
manutenção do poder hierárquico e no sentido de comunhão e fidelidade (Ward,
2005), algo totalmente inexistente nas representações fílmicas.

133 Anônimo, Maxims I, (Exeter Book, MS 3501), Inglaterra, séc. X. Tradução do anglo-saxão ao português por prof. Ms. João Bitencourt
de Oliveira (UERJ/NEVE). Agradecemos a este pesquisador a gentileza pelo envio da tradução e pela seguinte nota complementar:
“Os textos em inglês saxônico, de fato, apresentam sérios problemas de transcrição, de interpretação e consequentemente de
tradução, pois, em muitos casos, um mesmo texto passou pelas mãos de mais de um copista até chegar às versões conhecidas.
Além disso, as convenções ortográficas não eram uniformes. Ocorriam também muitas abreviaturas, omissões e repetições da
mesma palavra, sem contar as figuras de linguagem, dentre elas as “kennings”: recurso estilístico que consiste em expressar uma
coisa em termos de outra, como emeodor æþelinga “protetor dos príncipes” = o rei, o soberano. Por fim, a tradução de qualquer texto
desse período é um grande desafio, pois além dos conhecimentos linguísticos, também temos de levar em conta conhecimentos
da história, dos costumes sociais, dos valores religiosos e mitológicos etc. Por isso sugeri a tradução do sintagma meodorædenne
por “cerimônia de degustação do hidromel”, em vez de simplesmente, “degustação do hidromel”; pois, ao que parece, tratava-se de
um verdadeiro ritual a ser seguido pela Rainha nesse contexto: servia-se primeiramente ao Rei, e em seguida aos demais presentes,
numa escala hierárquica descendente até chegar aos mais jovens e humildes. O compartilhamento da taça [guampa feita de chifre]
simbolizava, ao que parece, os elos de fidelidade entre os soberanos, os guerreiros e os servos (cf. uma cerimônia bem parecida
em Beowulf, vv. 1158-1196).”

134 O poema Beowulf contém uma descrição semelhante:

“Pois quem puder há de prosseguir para alcançar hidromel, c´ânimo no âmago, tão logo o lume de outra manhã, vestes celestes do
sol, cintile, do sul, sobre os filhos dos homens (...) Grande estrondo. Felizes falas. Foi à frente Wealhtheow, a rainha de Hothgar,
e, com respeito, saudou, de ouro ornada, no salão, os homens. Deu a dama a taça ao guardião dos Danos: que lhe fosse a
cervejada tão fausta; que fosse ele, pois, querido do povo. Com prazer, tomou parte o portentoso soberano, co´a taça de salão,
da festa. Circ´lar fez a dama Helming os caros vasos entre os veteranos e os jovens. Era a hora de ela levar, enfeitada de anéis
(mente excelente), até Beowulf, a taça de hidromel. Grata a Deus, saudou o geta. O desejo atendeu-se-lhe: de alívio pros atos
vis esperança ela, então, via. O varão tomou, bravo nas batalhas, da taça por Weahltheow dada.” ANÔNIMO. Beowulf, séc. X.
Tradução de Erick Ramalho. 2ª edição bilíngüe, revista e ampliada. Belo Horizonte: Tessitura, 2011, p. 39-41. O prof. Ms. João
Bitencourt de Oliveira (UERJ/NEVE) enviou também o seguinte comentário, o qual agradecemos: “Dois tipos de bebidas são
bastante recorrentes em Beowulf, a saber: 1) mead = hidromel. Do anglo-saxônico medu “bebida alcoólica de mel fermentado e
água” (cf. nórdico antigo mjQðr). Algumas corrências:

medoærn (v. 69) “saguão de hidromel”


medu (v. 2633) ou medo (v. 604) “hidromel”
medubence (v. 776) ou variantes medobence (vv.1052, 1067), medubence (v. 1902) “banco de hidromel”
medoful (v. 624 e 1015) “taça de hidromel”
medoheal (v, 484) ou meoduhealle (v 638) “saguão de hidromel”
medusled (v. 3065) “saguão de hidromel”
medudream (v. 2016) “deliciar-se com hidromel”
medostigge (v. 924) “passagem para o saguão de hidromel”

2) beer = cerveja. Do anglo-saxônico beor “bebida alcoólica feita com lúpulo e malte ou outros cereais” (cf. nórdico antigo bjórr).
Algumas ocorrências:

beore (vv. 480, 531, 2041) “cerveja”


Beorscealca (v. 1240) “bebedor de cerveja”
beorþege (vv. 117, 617) “degustação ou consumo de cerveja”

Este último sintagma, tem como segundo elemento o verbo þicgan “consumir, sorver, degustar”. O sentido, portanto, me parece
ser “degustação” ou “apreciação”, levando-se em conta o que oc orre com o hidromel em diversas passagens. O consumo dessas
bebidas, na tradição anglo-saxônica, consistia em certos rituais bastante significativos e cerimoniosos.”

105
Figura 7: Fotografia da estela de Stora Hammar III,
paróquia de Lärbro, Gotland, Suécia, séc. VIII d.C.
Fonte: Nylén & Lamm, 2007: 61.

Figura 8: detalhe do motivo principal da estela de Stora Hammar III. Fonte: Nylén & Lamm, 2007: 60.

Um impressionante monumento da ilha de Gotland preservou importantes


imagens míticas relacionadas ao hidromel entre os escandinavos. A cena logo
acima do navio (figura 7) trata da chegada ao Valhala do guerreiro morto em
batalha, sendo recepcionado por uma valquíria oferecendo um corno com hi-
dromel – uma imagem muito comum também em pingentes, diversas outras
estelas, inscrições rúnicas e poemas da Era Viking. Além de refletir a subservidade
feminina, é uma referência para relação entre bebidas e o deus Odin (as valquírias
são servidoras desta deidade, Langer, 2004b, p. 52-69). A cena superior (figura

106
7) trata de uma referência ao mito da obtenção do hidromel da poesia por Odin,
citado no Skáldskaparmál 1, Hávamál 104 e em diversos poemas escáldicos.
Originalmente elaborado a partir da mistura do sangue do sábio Kvásir com
mel, o hidromel tinha a capacidade de tornar qualquer pessoa poeta e muito
inteligente. Foi guardado na casa do gigante Súttungr (figura 8, figuração
masculina armada com espada), localizada na montanha Hnitbiorg, guardada
pela filha do gigante, de nome Gúnnlod (figura 8, figuração feminina central,
segurando um corno). Odin penetra na montanha, bebendo todo o precioso
líquido e dormindo com a filha do gigante. Para fugir do local, metamorfoseia-se
em águia (figura 8, primeira figuração do lado esquerdo), levando posteriormente
o néctar divino para ser compartilhado em Ásgard. Além de exaltar o papel de
Odin como herói (Simek, 1993, p. 209), essa narrativa mítica reflete a associação
do hidromel como uma bebida exclusiva da aristocracia, realeza, poetas e
guerreiros.135

Conclusão: os sentidos das imagens

Seja no medievo ou em nosso mundo, toda representação visual possui


funções que informam sobre suas especificidades culturais: comportam funções
de revelar conhecimento sobre a natureza e a sociedade. Neste sentido, as imagens
alto medievais sobre bebidas revelam desde simbolismos de natureza religiosa
e mitológica até significados de hierarquização social e poder durante a Era
Viking (figuras 3, 4, 7, 8).
Mas também as imagens são testemunhas dos estereótipos - as sucessivas
mudanças e transformações sócio-históricas que as comunidades, grupos e os
indivíduos tiveram no Ocidente conferiram novos significados para a bebida da
Era Viking. Sobrevivendo como tema, mas com novos sentidos: o ato de beber
passou a ser identificado com a barbárie e a ausência de civilização dos escan-
dinavos (seja com a fantasia do crânio-taça ou com um consumo desenfreado
de cerveja, figuras 1 e 2).
Permanências ou continuidades, rupturas ou descontinuidades constituem
problemas essenciais nas fontes visuais:136 porque o estereótipo dos vikings
utilizando elmos com chifres persiste no imaginário do Oitocentos até hoje?
Porque a fantasia visual das taças feitas de cabeças pelos escandinavos medievais
encontrou recepção apenas na Europa e não em escala mundial como outras

135 Para uma comparação com outras fontes visuais gotlandesas, consultar: Staeker, 2006, p. 363-368; Langer, 2006, p. 10-41.

136 “Esse é o jogo que nos possibilita entender porque algumas imagens continuam sendo referenciais para nós, depois de séculos ou de
milênios, e porque outras de perderam ou ficaram restritas a grupos específicos” (Paiva, 2006, p. 27).

107
imagens canônicas sobre o medievo? Estes são apenas alguns exemplos de di-
versas questões que ainda demandam investigações para o futuro.
Neste sentido, podemos perceber como as schemattas (esquemas mentais)
presentes em cada período, em cada cultura, adaptaram e acrescentaram carac-
terísticas específicas para cada estereótipo, em vez de apenas repeti-lo, tornan-
do-o reconhecível e crível.137 Em especial, foi com o cinema que as representações
visuais readaptadas tiveram sucesso, modificando os valores dos vikings de
vilões para heróis – ao invés dos bárbaros e selvagens beberrões do século XIX,
agora as novas imagens transformaram os nórdicos como intrépidos aventureiros,
heróicos representantes de uma transgressão promovida pela bebida (figuras 5
e 6). Graças ao “efeito do real” promovido pelo cinema, o espectador tem a ilusão
de vivenciar o período medieval como se fosse seu presente. Travestidas de puro
entretenimento, as imagens cinematográficas manipulam o conteúdo histórico
e os sentimento do público, perpetuando representações que definem o imagi-
nário popular sobre os vikings.
Esse “agitar do espírito” provocado pelas imagens, que fascinam, sensibi-
lizam e concedem respostas para uma época e para determinadas sociedades
(Gruzinski, 2006, p. 18), deve ser sempre o principal mote investigativo do
historiador da cultura. Extremamente populares no cinema, quadrinhos, lite-
ratura e música, os aventureiros escandinavos aindam podem gerar muitos
debates sobre os nossos valores para com o passado.
Agradecimentos: Ao prof. Ms. João Bitencourt de Oliveira (UERJ/NEVE)
pelo envio de tradução do poema Maximus I e pela nota comentando sobre as
bebidas no poema Beowulf.

137 Gombrich, 2007, p. 55-78. “A forma de uma representação não pode estar divorciada da sua finalidade e das exigências da sociedade
na qual a linguagem visual dada tem curso” (Gombrich, 2007, p. 78).

108
109
110
A RELIGIÃO DOS VIKINGS NO
CINEMA
A sociedade nórdica da Era Viking conheceu diversas representações artís-
ticas desde o período medieval, mas certamente o período oitocentista foi o que
mais contribuiu para sua popularização. Muitas imagens e estereótipos foram
moldados pelo romantismo e sofreram continuidade com a Sétima Arte, já no
século vinte. Nosso intuito básico neste trabalho é analisarmos algumas destas
facetas imaginárias, mas especialmente advindas de elementos não tão conhe-
cidos, os aspectos materiais de sua religiosidade. Apesar da mitologia ser am-
plamente divulgada, a religião ainda é um tema pouco explorado pela arte
contemporânea, justamente para conceder elementos ainda mais misteriosos a
esse povo. Os filmes foram selecionados não tanto por sua importância fílmica
ou qualidades estéticas, mas por conterem suficientes elementos visuais que
permitam nossa análise ao tema pretendido.
Nosso referencial básico é o do imaginário social. Acreditamos que todo
conjunto de ideias, imagens e representações que possuem funções de identidade
pertence a um imaginário de uma determinada especificidade histórica e cultural
(FRANCO JÚNIOR, 2010: 70). Aqui entendemos imagens como as representações
visuais de alguma coisa ou de um ser, real ou imaginário, tendo como suportes
diferentes objetos materiais e expressando a diversidade social: “Toda imagem
é tentativa de revelar um certo modelo, seja psicológico, seja social” (FRANCO
JÚNIOR, 2003: 96). As imagens são a essência do imaginário social, são expres-
sões e revelações de modelos psicológicos, sendo ao mesmo tempo efeitos de
matrizes sócio-históricas mas também contribuem para a sua resignificação.
Nenhuma imagem é um decalque do real, mas antes a sua reinterpretação,
ampliação ou redução (FRANCO JÚNIOR, 2010: 71-73). Com relação ao cinema,
acreditamos que seja um espaço privilegiado para examinarmos o imaginário
sobre a religiosidade dos vikings, visto que as produções fílmicas são o terreno
essencial na construção de uma “medievalidade”, ou seja, as referências estere-
otipadas e fragmentadas do medievo no mundo contemporâneo (MACEDO,
2009: 13-48). Pela sua popularidade, pela sua abrangência mundial, pelo alcance
público e de mídia, o cinema é o grande responsável pela manutenção do ima-
ginário sobre a religiosidade dos vikings. Os filmes selecionados não abrangem
a totalidade de obras do cinema mundial desde seus primórdios (aqueles que
tiveram os nórdicos medievais como tema), mas sim aqueles que consideramos

111
relevantes pela inclusão de cenas envolvendo a cultura material de suas
crenças.
A religiosidade nórdica pré-cristã era constituída de uma falta absoluta de
unidade dogmática, prescindindo de uma centralização institucional. Não havia
sacerdotes, livros sagrados nem hierarquias. Os padrões de crenças em deuses,
narrativas míticas e os tipos de rituais eram variáveis conforme a região e a
categoria social dos envolvidos. As comunidades mais relacionadas ao mundo
rural estruturavam-se em crenças de base mais próximas as deidades da fertili-
dade e a espíritos da terra, enquanto a elite governamental e aristocrática
mantinha cultos fortemente relacionados ao poder político e marcial, respaldados
por deidades atreladas a estas funções. As crenças mágicas e divinatórias eram
comuns a ambas as categorias, assim como o panteão de deuses preservados
pela mitologia. Para maiores detalhes sobre fontes medievais, historiográficas,
temáticas e teóricas sobre esse tema, deve-se recorrer a outros trabalhos de
nossa autoria (LANGER, 2010a: 1-28; 2010b: 177-202; 2005: 55-82) além de
DUBOIS, 1999 e ANDRÉN, 2004.

A fé conquistando novos mundos

O primeiro filme considerado, The Viking, de 1928, é um clássico do cinema


norte-americano, reconstituindo a trajetória do nórdico Leif Erickson em seu
encontro do Novo Mundo. Em linhas gerais, a produção foi fortemente influen-
ciada pela ópera wagneriana, contendo diversos guerreiros portando equipa-
mentos fantasiosos, mulheres com armaduras e elementos típicos de uma
produção musical. Este filme mudo produzido pela MGM e dirigido por Roy Neill
também foi influenciado pelo mito arqueológico nórdico criado na Nova Inglaterra
de que nos ocupamos em outro trabalho (LANGER, 2012: 1-16). Em síntese,
esse mito foi constituído por narrativas criadas em torno de uma suposta colo-
nização nórdica na Nova Inglaterra durante a Idade Média, originado por
equívocos interpretativos de resquícios materiais e propagado pelo imaginário
poético e artístico.
A narrativa do filme centra-se no amor entre a personagem Helga, dividida
entre um escravo de origem anglo-saxã, Alwin, e Leif Eriksson, filho de Erik, o
vermelho. Partindo de uma expedição na Noruega, os aventureiros chegam à
costa Leste dos Estados Unidos, com o intuito de difundir o cristianismo pelo
Novo Mundo, sob o comando do rei Olaf da Noruega. Esta foi a primeira produção
cinematográfica a utilizar o tema do contato entre indígenas e europeus e logo

112
na sua abertura identificamos um dos grandes ícones nórdicos, a nave longa –
conhecida no imaginário por drakkar (dragão).
A cena final é o momento em que os expedicionários se encontram com os
ameríndios, em frente à torre de Newport (que existe até hoje no estado de
Rhode Island e historicamente erigida no período de colonização britânica) – no
filme, construída por Leif Eriksson, demonstrando aqui uma interferência direta
do culto deste personagem pela sociedade norte-americana da época. Em nossa
opinião, o elemento ideológico mais acirrado no filme é do cristianismo como
condutor da paz e da prosperidade entre os antigos colonizadores. Aqui dois
tipos de vikings foram bem demarcados – o primeiro, ainda pagão, é bárbaro,
inculto, selvagem, indisciplinado (no filme, os primeiros vikings a serem repre-
sentados são pagãos atacando os anglo-saxões, todos com o tronco nu, portando
peles de animais e pilhando, matando e estuprando o povo indefeso da
Northumbria). O pai de Leif, Erik, é apresentado como um líder pagão sangui-
nário, adorador do deus Thor, matando todos os cristãos que se apresentam em
sua fazenda na Groelândia. Os vikings cristianizados, pelo contrário, já portam
mantos adornados, são disciplinados, complacentes e incentivadores da paz – a
figura ideal neste caso é o próprio Leif. O roteiro foi baseado no romance The
thrall of Leif the lucky, a story of Viking days de Ottilie Adelina Liljencrantz,
publicado em 1902. No livro, o desfecho ocorre com a cristianização de toda a
Groelândia, enquanto que no filme a ação final é transferida para a Nova
Inglaterra (HARTY, 2011: 110). Ambos acabam por se afastar objetivamente
das principais fontes sobre Leif, a Saga dos groelandeses e a Saga de Erik. Em
primeiro lugar, Leif não foi o primeiro a chegar ao Novo Mundo, mas o islandês
Bjarni Herjúlfsson (que avistou, porém não desembarcou no litoral), do qual ele
comprou a embarcação e contratou sua tripulação, além de ter obtido informações
náuticas. Assim, partiu da colônia groenlandesa para as terras recém descobertas,
e não da Noruega para estas, como aparece no filme, tendo a missão de cristia-
nizar o Novo Mundo. Em segundo, o encontro com os nativos norte-americanos
nem sempre foi pacífico, tendo em algumas ocasiões ocorrido batalhas, além
dos conflitos entre os próprios colonos.
Também os embates entre Leif e Erik que aparecem no filme, distanciam-se
das fontes medievais, inclusive, a esposa de Erik ordenou a construção de uma
igreja próxima à fazenda da Groelândia, cujos vestígios podem ser observados
até hoje. Com isso, percebemos que o filme perpetua tanto a representação da
Nova Inglaterra como o local onde se instalou a colônia de Vinland (simbolizado
pela torre de Newport), como também o cristianismo enquanto seu eixo central,
fixando a paz entre os nativos recém-convertidos (simbolizados por crucifixos
e cruzes que recebem) e seus legítimos descobridores, os escandinavos. A cultura

113
material da religiosidade pré-cristã foi pouco abordada na produção. Ela se centra
na figura de duas estátuas do deus Thor, idênticas, uma situada na frente e outra
dentro do grande salão de Erik (figuras 1 e 2). Ambas portam dois raios estilizados
e na mão esticada, o martelo do deus (Mjollnir). A figura é muito alegórica e
banal, sendo a religiosidade pagã vista no filme como algo muito primitivo, uma
prática de idolatria típica de um povo ainda rude e bárbaro, algo que se manterá
em outras produções posteriores. A existência de estátuas de divindades é
percebida enquanto reflexo de uma fé vazia, sem sentido. Enquanto a retratação
de guerreiros nórdicos é valorizada enquanto portadores de muita coragem,
onde suas peripécias contribuíram para o desenvolvimento da nova nação
norte-americana, a sua religiosidade antes do cristianismo é algo que deve ser
desvalorizado e ultrapassado.

Os aventureiros e seus deuses

A década de 1950 foi um dos períodos mais importantes para a filmografia


dos vikings. Dois clássicos definiram a estética das produções envolvendo
nórdicos pelas três décadas seguintes: Príncipe Valente e Vikings, os conquistadores.
O primeiro apresenta muitos estereótipos e os nórdicos são apresentados como
vilões – inimigos da civilização cristã, enquanto que o segundo, produzido quatro
anos depois, justamente possuía uma proposta totalmente antagônica: os vikings
foram heróis, descobridores de mundos desconhecidos, viajantes, guerreiros
virtuosos. O equipamento e a cultura material deste filme teve consultoria de
alguns arqueólogos e historiadores, criando uma reconstituição do cotidiano da
Era Viking como até então nunca se conheceu no cinema. Foi a primeira vez que
a verdadeira paisagem escandinava foi utilizada como cenário das filmagens,
não se apelando para estúdios nos Estados Unidos. As cenas de ação e a retratação
dos protagonistas como personagens irreverentes, somados a muita ação física,
malabarismos e ousadia, iria criar um referencial duradouro para as futuras
produções épicas e históricas. As imagens dos escandinavos como exploradores
e heróis aventureiros teve aqui seu momento de clímax na história do cinema,
povoando a imaginação dos jovens e adultos por todo o planeta. Para mais de-
talhes sobre essas produções, consultar LUPACK, 2011: 46-55; KELLY, 2011:
9-23.
Na produção Vikings os conquistadores, a religiosidade nórdica se faz presente
por meio de algumas alusões a magia. Num dado momento do filme, um dos
protagonistas – o escravo Eric, é condenado a morte, mas através da interferência
de uma feiticeira, acaba sendo momentaneamente salvo por meio de um jogo

114
de runas. Devido a isso, o chefe dos vikings transfere a morte de Eric para afo-
gamento pela subida da maré. Mas novamente, a feiticeira intervém e invocando
Odin, consegue reverter o fluxo da água por meio sobrenatural (figura 4). As
referências a esta personagem possui certa base histórica, mas ao mesmo tempo
contem alguns elementos semi-estereotipados. O mais interessante é que neste
caso a magia não é vista como algo negativo, pelo contrário, ela colabora com o
sucesso do personagem Eric. Somado a outros momentos do filme, como o
instante em que Ragnar Lodbrok se atira num poço com lobos gritando pelo
nome de Odin ou quando os guerreiros atacam invocando o nome desta deidade,
percebe-se que o filme não aprofunda detalhes religiosos, mas suas poucas re-
ferências conferem aos deuses um certo caráter positivo para os espectadores.
Isso em parte se deve a produção do filme, que envolveu escandinavos.
Alguns meses antes do lançamento de Vikings os conquistadores, foi lançada uma
produção B (filme de baixo orçamento) pelo diretor Roger Corman: The Saga of
the Viking Women, um filme que mais se aproxima da fantasia medieval do que
histórica propriamente dita. Um grupo de mulheres guerreiras decide resgatar
os homens capturados de uma vila por orientais. Em meio a monstros, lutas
com garotas sensuais e certos elementos cômicos, percebemos alguns temas
vigentes na sociedade norte-americana do final da década de 1950, especialmente
relacionados aos jovens e a liberação sexual, distanciando-se da sociedade me-
dieval (FINKIE, 2011: 150-164). O que este filme possui de semelhanças com o
filme Vikings os conquistadores é justamente a opção em retratar os nórdicos
como heróis, e no caso específico de seus deuses, como elementos importantes
para o desfecho aprazível da película. No momento final do filme, em uma cena
de grande tensão e perigo, uma das guerreiras invoca o deus Thor, posteriormente
caindo um raio que acaba atingindo os inimigos da personagem (figura 3). Aos
olhos do espectador, é inevitável pensar que o próprio Thor deve ter mesmo
auxiliado a dita invocadora de seu nome.
Mas nos dois filmes dos anos 1950 que tratamos, não houve menção direta
a religião ou rito. São apenas os deuses que são citados, e neste caso, eles são
reinterpretados como heróis sobrenaturais do mesmo nível que os super-heróis
dos quadrinhos. Lembramos que a Marvel cria um universo fictício para os
deuses nórdicos em 1962, onde Thor justamente ressurge como um super-herói
dos quadrinhos. Neste caso, as deidades escandinavas dos filmes aludidos não
competem com o deus cristão, fazendo sucesso com os jovens justamente por
serem considerados “heróis sobrenaturais” do mesmo modo que os sobre-hu-
manos dos quadrinhos. Os rituais antigos que outras produções apresentavam,
são consideradas superstições ou atos pagãos e diabólicos, mas a menção rápida

115
e superficial aos deuses como Odin e Thor podem manter alguns ideais
positivos.

Entre o erótico e o macabro

As produções norte-americanas sobre vikings dos anos 1950 vão definir e


influenciar várias produções italianas e ítalo-americanas, que seguem os mesmos
princípios estéticos hollywoodianos, mas atreladas a um orçamento mais reduzido
e que se tornaram comuns nos anos 1960: épicos, fantasias e aventuras fantás-
ticas que vão desde monstros, heróis gregos aos povos germânicos. Para o nosso
caso, uma produção em especial, A vingança dos vikings (a primeira de uma trilogia
do diretor italiano Maria Brava com o ator James Mitchell, este último encar-
nando um aventureiro nórdico) de 1962, traz um conteúdo que não havia sido
retratado em filmes anteriores.
O filme possui uma reconstituição muito colorida e vívida dos antigos
habitantes da Escandinávia, que são retratados dentro de um comportamento
altamente heroico, extremamente moralista e com um enorme senso de honra.
O fio condutor da narrativa gira em torno de duas questões: primeiro, o erotismo
acentuado, centralizado na figura de duas loiras esguias, voluptuosas e sensuais
(modelos da revista Life), sempre portando roupas brancas e longos cabelos; o
heroísmo viril do personagem principal, que tende ao trágico a exemplo de
Vikings com Kirk Douglas. Esses dois elementos encontram-se inseparáveis na
produção, mas tornam-se muito nítidos nas cenas em que foi retratado o templo
pagão, situado numa enorme caverna (ou então, um grande templo com carac-
terísticas megalíticas).
Logo na primeira tomada, uma série de caveiras humanas surge pendurada
num conjunto macabro e horripilante em uma carroça, implicitamente se refe-
rindo a mortos em sacrifícios (figura 5). Aqui temos definida a religiosidade
nórdica: ela além de sinistra é caracterizada por ritos mórbidos, proibidos e que
se aproximam de uma idolatria demoníaca. Seguindo o filme, acima da carroça
surge um casal que é pendurado por ter cometido uma transgressão – o seu
castigo (enrolados em espinhos e suspensos por cordas), neste caso, é associado
com um comportamento social definido pela religião (figura 6). Os desviantes
das normas devem ser punidos logo em frente a uma grande árvore (uma cena
fantástica e irreal influenciada pela narrativa medieval da Volsunga saga e reto-
mada no filme Outlander de 2008), na base da qual os líderes e sacerdotes se
posicionam. Também é em frente a essa árvore sagrada (simbolizando a árvore
cósmica Yggdrasill da mitologia nórdica) que ocorre um dos momentos mais

116
exóticos do filme – uma curiosa dança ritual executada somente por mulheres,
vestindo túnicas brancas e segurando espadas. Quase todas as produções épicas
dos anos 1950 e 1960 (mesmo em grandes superproduções como Ben Hur) tinham
algo semelhante, mas no filme A vingança dos vikings ela chega a ser bizarra. Logo
após a dança, o líder conclama a Odin, alegando que a moça pendurada é uma
sacerdotisa que rompeu os votos de castidade a seu culto e deve ser castigada.
Aqui evidentemente existem poucas informações fidedignas – desde a noção de
pecado, inexistente nesta religiosidade, quanto as vestimentas e ao culto em si
(não existiam sacerdotisas-virgens entre os nórdicos, “vestais”, como são deno-
minadas no filme), a estrutura do templo, as danças e música – tudo foi retomado
do referencial greco-romano, em novos sentidos.
Também um casamento ocorre neste mesmo local, em outra cena posterior
no filme. Várias pessoas levam uma vaca branca repleta de guirlandas verdes
em sua cabeça e muitas frutas e comida, cercados por um círculo de mulheres
também vestidas de branco. Na frente de um monólito de cor clara, cercado de
folhas e plantas, o casal realiza um ritual de casamento. Um sacerdote derrama
sangue em uma faca, pela qual os noivos irão realizar o juramente de união
entrelaçando suas mãos. A cena inteira é repleta de referenciais equivocados.
Em primeiro lugar, a faca possui o formato típico de armas celtas da região de
Hallstatt, sem vínculo com os cutelos escandinavos. As roupas femininas, com
seus longos penteados e brincos com detalhes espiralados, além de vestido de
túnica, são diretamente provindas da área greco-romana. Os sacerdotes e os
animais recordam muito as representações imagéticas do romantismo oitocen-
tista, especialmente sobre os druidas e festivais celtas. Mais uma vez, uma cena
que não tem conexão com a religiosidade da Escandinávia pré-cristã. O detalhe
dos noivos portando mantos vermelhos certamente indica as pretensões da
produção: indicar uma referência sexual, fornecendo aos espectadores um nítido
contraste simbólico entre a pureza do branco e a sensualidade do vermelho.
Assim, o filme contribui para reforçar no público, especialmente adolescente,
sentimentos sexuais que condizem muito mais com as pretensões sociais daquele
momento do que com o passado.

A escolha de uma fé

O filme seguinte não trata diretamente de vikings, mas faz referência aos
germanos antigos, que no caso, compartilham de uma mesma fé (a religiosidade
pan-germânica). Supostamente os mesmos deuses, mas com outros nomes. A
superprodução A queda do império romano (1964) repete a ideia do templo pagão

117
como um local situado em uma enorme caverna (de modo muito semelhante ao
verificado em A vingança dos vikings). Após uma batalha entre os germanos e os
romanos, os primeiros são acuados para dentro de seu templo pelas forças in-
vasoras. Na entrada do local, imensas estátuas esculpidas diretamente na rocha
servem de local para culto (figura 7). A cena mais impressionante é quando
Timonides, o conselheiro do imperador (um ex-escravo grego), é capturado pelos
germanos derrotados. Cristão convertido, ele tenta persuadir os líderes germanos
a se integrarem ao império romano. Mas em contrapartida, eles aceitam a inte-
gração, desde que Timonides aceite um desafio – suportar a dor de ter as mãos
queimadas sem gritar, provando que seu deus é superior a Wotan (Odin), repre-
sentado por uma estátua de um guerreiro com dois pássaros em seu ombro
(figura 8). O conselheiro consegue vencer o desafio e no mesmo instante o líder
germânico destrói a estátua de Wotan.
Ao contrário dos filmes sobre vikings, nesta produção os personagens
centrais são os romanos e suas intrigas políticas, sendo os germanos apenas
coadjuvantes da narrativa central, no caso, a queda do império. Eles não são
representados como heróis, aventureiros ou intrépidos, apenas como povos
selvagens, primitivos e misteriosos que ousaram desafiar o império romano – que
devido muito mais a problemas administrativos e políticos internos, acaba en-
trando em colapso. Ao espectador não é oferecido maiores detalhes sobre a
cultura material da religiosidade pagã, mas apenas que ela é fraca, supersticiosa
e sujeita a ser dominada por uma fé muito superior, o cristianismo e a civilização
romana. A ideia de colapso da civilização romana é atrelada ao avanço da supre-
macia cristã, impondo-se na mescla entre as sociedades romanas e
germânicas.

Aventura e exótico

Os vikings retornam ao cinema durante os anos 1970, em uma produção


dos estúdios Disney. O seu lado bárbaro e selvagem é deixado de lado, concedendo
espaço para uma visão muito mais aventureira e propícia a espectadores de
qualquer idade. A narrativa central de A ilha do topo do mundo (1974) é de uma
comunidade nórdica medieval que sobreviveu com suas características medievais
intactas até nossos tempos, graças ao isolamento geográfico (uma ilha próxima
ao Polo Norte). Uma equipe liderada por um arqueólogo especialista em
Escandinávia Medieval consegue chegar ao local, por meio de um dirigível,
passando por muitos perigos e situações inusitadas.

118
Neste filme não ocorre o típico confronto entre heróis e vilões, não sendo
o povo nórdico maléfico por natureza, mas sim o seu sacerdote – representado
por um homem com barbas e longas vestes vermelhas, semelhante a sacerdotes
pagãos de outros povos retratados corriqueiramente pelo cinema: pérfido, sínico,
enganador e acima de tudo, com um comportamento demoníaco (figura 10). O
templo da cidadela possui alguns detalhes que são advindos de fontes primárias
do medievo: três estátuas das principais deidades (Thor, Odin e Freyr) foram
inspiradas da descrição do templo sueco de Uppsala preservadas por Adão de
Bremen (Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum, circa 1070 d. C.). Não há
muitos detalhes neste documento sobre as estátuas, a não ser o fato de Thor
empunhar um cetro e Freyr ter um grande falo. Alguns pormenores foram
acrescentados no filme, como o fato de Odin portar um elmo com chifres (um
detalhe inexistente nas fontes mitológicas e religiosas da Era Viking) e Freyr
possuir uma longa veste, sem detalhes do seu membro avantajado (figura 9). O
ambiente geral do templo, cercado por labaredas de grandes fogueiras rituais, é
de um local escuro, tendo como resultado a concepção de uma religião misteriosa
e implacável.
Ao espectador resta a impressão de que as antigas religiões pagãs eram
incorretas por causa de seus sacerdotes. Isso é muito claro também em outras
produções, como O príncipe do Egito (1989), realizado pela produtora
DreamWorks, onde os sacerdotes egípcios são idealizados como diabólicos (em
algumas cenas, suas sombras tornam-se demônios). Também o contraponto dos
hebreus capturados pelo Egito e seu processo de libertação torna-se, neste caso,
um elemento ideológico nitidamente relacionado ao fundador da produtora,
Steven Spielberg – descendente de família judaica. Em muitas histórias em
quadrinhos e obras da literatura, os sacerdotes de religiões antigas (como os
druidas celtas, maias, cartagineses, mesopotâmicos, entre outros) são apresen-
tados como condutores de terríveis e horripilantes rituais, que geralmente levam
a morte os inocentes.

Força e violência

O tema do sacerdócio viking e seus templos iria ser retomado muito tempo
depois, por meio de uma série televisiva, Vikings do History Channel. Produzida
entre 2013 e 2014, a série irlando-canadense tem como tema central as narrativas
históricas e literárias envolvendo o personagem Ragnar Lodbrok e suas incursões
na Inglaterra alto medieval. A série vem obtendo um estrondoso sucesso de
público e mídia, mas tem dividido os historiadores. Apesar da produção des-

119
construir alguns estereótipos e falsas imagens com relação aos nórdicos, por
outro lado ela acaba reproduzindo algumas típicas representações ocidentais.
Um exemplo é o funeral do Jarl (episódio sexto: Burial of the dead, primeira
temporada, 2013), onde uma mulher vestida com equipamentos bélicos e elmo
com asas laterais (Angel of death, inspirada no relato histórico de Ibn Fadlan),
literalmente segue o padrão estético e fantasioso inaugurado pelas óperas
wagnerianas e sem relação material com a Escandinávia da Era Viking. Outro
momento muito estereotipado é a presença de um personagem, denominado
de vidente cego, que porta uma longa capa escura, anda com colares de ossos e
um cajado com objetos pendurados (figura 13). Mas o detalhe mais curioso é a
sua deformidade grotesca, além de possuir uma forte maquiagem escura nos
lábios, aproximando muito a sua figura ao monstruoso. Mais uma vez, dando
continuidade a uma longa tradição fílmica, os praticantes da religiosidade nórdica
pré-cristã são percebidos dentro de um referencial judaico-cristão, levando os
espectadores a interpretarem essas crenças como práticas próximas do sobre-
natural, do malévolo ou mesmo do diabólico.
A cena religiosa de maior impacto em toda a série foi incluída no episódio
Sacrifice. Os protagonistas da narrativa, juntamente com seus familiares, diri-
gem-se para o templo de Uppsala (situado na Suécia, figura 11). Descrito origi-
nalmente por Adão de Bremen na obra Gesta Hammaburgensis Ecclesiae Pontificum,
não existem vestígios diretos deste local, mas os produtores da série resolveram
reconstituir o templo baseado em edificações cristãos de madeira, erigidas na
Escandinávia a partir do século XI. Como percebemos, mais uma vez o referencial
cristão é utilizado para compensar as ausências de dados visuais sobre a religio-
sidade pagã. Mas o detalhe mais perturbador é a presença de diversos sacerdotes,
carecas e com os olhos e lábios pintados com cor escura (figura 14). Apesar de
existirem evidências bem documentadas sobre o sacrifício humano entre os
nórdicos pré-cristãos, o ambiente recriado pela série cria um certo maniqueísmo
na inerpretação das cenas. Por exemplo, no momento em que a vítima é escolhida
entre um grupo de homens voluntários – estes apresentam-se todos com roupas
claras, enquanto os sacerdotes vestem pesados casacos de coloração muito escura.
Apesar da imensa produção, figurinos e cenários, a filmagem ainda acaba
apresentando uma reconstituição das antigas religiosidades permeadas de
exotismo, de códigos morais que tendem a ser interpretados como macabros.
Em outro momento do episódio, alguns casais em torno do templo, durante a
noite, prestam-se a encontros sexuais, num clima repleto de referenciais onde
o sexo, a magia e a natureza parecem conspirar para a libertinagem pagã. Por
certo neste momento os autores da série parecem dar continuidade ao referencial
criado pelo mitólogo James Frazer em seu famoso livro O ramo dourado (1915),

120
onde a magia era um condição arcaica e anterior ao surgimento da religião (esta
última vista como moralmente superior). Assim, a sexualidade passa a ser mais
controlada e moralizada justamente quando surgem as religiões institucionali-
zadas, dogmáticas e universalistas, como o cristianismo. Com isso o imaginário
sobre o paganismo está totalmente atrelado a uma imagem de promiscuidade,
libertinagem e desvio sexual, como se as sociedades pré-cristãs não desenvol-
vem-se tabus e regras sociais específicas para o casamento ou reprodução. Isso
é explicito em outras produções fílmicas, como O homem de palha (The wicker
man, 1973) e As brumas de Avalon (The mists of Avalon, 2001).

Conclusão: cristocentrismo e estereótipos

Podemos concluir nosso trabalho afirmando que a arte cinematográfica


reproduziu claramente o que o historiador Nordberg (2012: 120) afirmou sobre
o cristocentrismo – aplicar conceitos e ideias a partir do referencial da religião
cristã. Esse referencial moralista, na realidade, já vem sendo aplicado nas artes
plásticas, literatura e ópera de temática nórdica desde o século XIX, um proce-
dimento visto como normal no Ocidente, cujos valores estão altamente impreg-
nados num modelo civilizatório judaico-cristão.
Deste modo, a religiosidade nórdica constante nos diversos filmes que
mencionamos informa muito mais sobre nossos referenciais e valores, sobre
nossos códigos comportamentais e condutas do que a própria crença dos tempos
pré-cristãos. O paganismo na arte transforma-se num modelo de exotismo que
funciona como uma catarse de tudo aquilo que não podemos acreditar, de tudo
aquilo que é errado ou equivocado, especialmente quando se trata do famigerado
tema do sacrifício humano (LANGER, 2004: 61-85).
Atrelados inevitavelmente a nossas concepções sobre o passado, os vikings
no cinema ora tornavam-se vilões, ora heróis, presos entre modelos históricos
que servem como veículos de ideologias sobre a Idade Média (GLOT, 2004: 188).
A religião dos vikings foi pouco abordada enquanto tema fílmico, mas podemos
perceber claramente que ela independe do heroísmo ou vilania de seus perso-
nagens, sendo muito mais controlada ideologicamente que os deuses nórdicos,
estes com muito mais espaço midiático no imaginário popular. Realizado essen-
cialmente pelo cinema de Hollywood, os filmes tiveram pouco apelo para uma
nacionalidade ancestral, tal como a música e a literatura europeia de temática
pagã, onde o panteão mitológico serve como elemento de identidade. Afastado
de seus verdadeiros elementos materiais, a religiosidade nórdica torna-se um
mundo distante do espectador, mais afeito ao universo de crenças ao seu redor.

121
122
SACRIFÍCIO A FREYR: NOTAS
SOBRE RITUAL NA SÉRIE
VIKINGS
Na história do cinema e das representações artísticas ocidentais, as repre-
sentações envolvendo rituais, festivais ou cenas religiosas da fé nórdica pré-cristã
são muito raras ou praticamente inexistentes. Isso gerou um imaginário onde
valores exóticos e mesmo macabros acabam ocupando as informações que a
sociedade atual mantém sobre o tema da antiga religiosidade da Escandinávia
(Langer, 2016).
Em particular, uma cena da série Vikings (terceira temporada, terceiro
capítulo: Warrior´s fate) vem ocupando um particular interesse dos espectadores
e mesmo do público ligado ao neopaganismo, por justamente conceder supostos
detalhes de um ritual pouco conhecido entre os nórdicos, os sacrifícios relacio-
nados aos vanes. Anteriormente, a série já havia detalhado outros cultos, mais
famosos, envolvendo o templo de Uppsala na Suécia. Primeiramente detalha-
remos a cena, analisando cada pormenor fílmico e em seguida, realizaremos
algumas reflexões sobre o imaginário do antigo ritual nórdico na arte
ocidental.
No episódio, o acontecimento tem lugar em um assentamento nórdico da
Inglaterra, onde após a primeira e bem sucedida colheita, os pagãos resolvem
realizar um culto ao deus Freyr, para comemorar seu êxito. Ao som de tambores
e chocalhos, o culto é presidido pela personagem Lagertha, iniciado após um
símbolo ser marcado com sangue em um bloco de pedra. Ao contrário da maioria
das pessoas presentes, Lagertha porta uma indumentária totalmente branca e
realiza uma invocação ao deus Freyr, afirmando que ele é a deidade da luz e da
abundância, filho de Njord e aquele que decide quando a luz e a chuva chega e
quando o solo será fértil. Uma procissão se aproxima portando diversas tochas
acesas e reunindo-se em volta de um bovídeo, que é decapitado por um homem,
sendo o seu sangue recolhido por diversas pessoas ao seu redor. Através do
sangue sacrificado, ele deverá fertilizar a Mãe Terra com seu falo, fazendo com
que o seu útero fecunde. Ao redor do sacrifício, uma estátua com figura antro-
pomórfica aparece salpicada de sangue. Após isso, Lagertha molha os dedos com
o sangue do animal, passando em diversas partes de sua face e peito, enquanto
duas pessoas escorrem tigelas de sangue sobre seu corpo. Ela mesmo carrega
outra tigela e com ajuda de duas mulheres, borrifa o líquido sacrificial sobre a

123
terra, aberta com sulcos para a plantação. Também destacamos a presença de
uma trilha sonora de coro rítmico com compasso ternário, concedendo à cena
um caráter ainda mais misterioso.

Figura 1: Cena do episódio Warrior´s fate (Série Vikings, terceira temporada), reconstituindo a morte de
um bovídeo para o deus Freyr. Fonte da imagem: https://www.youtube.com/watch?v=Ykh5RuBLJTw

A realização de sacrifício (blót) a Freyr para obter boas colheitas (til árs) é
algo respaldado em algumas fontes medievais, destacando seu aspecto de deus
da fertilidade e fecundidade (Boyer, 1997, p. 58). A prosperidade devido a Freyr
aparece em Hakonar Saga Aðalsteinsfóstra 14 e surge relacionado à expressão
friðr (paz), onde o segundo brinde é dedicado a ele para se obter boas colheitas.
A invocação de Lagertha, ao caracterizar o filho de Njord como deus da abun-
dância, que controla as chuvas, os raios do Sol e a vegetação sobre o solo advém
de uma famosa frase de Snorri (Gylfagining 24). O detalhe do falo é importante,
pois é atestado em muitas fontes, como no relato de Adão de Bremen (Gesta
Hammaburgensis IV) e na narrativa de Volsi (Völsa þáttr), além de comumente
ser interpretado como o principal detalhe da estatueta de Rallinge (século X
d.C.).
O detalhe da pintura a sangue de um desenho geométrico semelhante a
um X com pontos, inserido dentro de uma forma quadrangular, não ocorre em
gravuras de monumentos da Era Viking. Signos formados por quatro runas
dispostas sobre duas hastes, denominadas pelos epigrafistas de cruzes rúnicas,
surgem desde o período de migrações, como na fíbula de Soest (Marez, 2007,
p. 130). Mas a forma apresentada na cena é mais condizente com os padrões

124
simbólicos utilizados na Islândia a partir do final do medievo, popularizados
nos famosos galdrastafur e nos grimórios islandeses.
O detalhe do boi decapitado é um pouco mais complexo. O sacrifício reali-
zado para o deus Freyr (Freysblót) geralmente envolvia cavalos e javalis e mais
raramente bois. Na Viga-Glum saga 9 um boi velho é oferecido a este deus; na
Brandkrossa þáttur 1, um fazendeiro mata e oferece um boi para Freyr, sendo
em seguida realizado um banquete sacrificial (blótveizla) aos membros da comu-
nidade. Este é um elemento ausente do episódio da série e fundamental para
sociedades que dependiam diretamente de seus animais em um estilo de vida e
clima inóspitos: o consumo e aproveitamento total das vítimas imoladas. Alguns
pesquisadores consideram o blótveizla como um importante momento de unidade
social, estabelecendo uma ligação mágica e propiciatória entre os deuses, os
homens e seus ancestrais (Boyer, 1986, p. 186).
O detalhe do sangue também é verificado em diversas fontes. O sangue
sacrificial (hlaut) de animais ou humanos era borrifado sobre estátuas, por todo
o templo ou local da consagração e nas pessoas (Kjalnesinga saga 12 e Hákonar
saga góda 14, que também confirma o detalhe das fogueiras e tochas da cena de
Vikings, descritas em uma cerimônia em Trøndelag, Noruega). Alguns pesqui-
sadores acreditam que a aspersão do sangue (stokkva fórnarblódi) era o momento
central do rito sacrificial nórdico (Bray, 2004, 125). Códigos de leis islandesas,
como o Úlfljótslog, mencionam que os líderes utilizavam anéis que eram asper-
gidos de sangue sacrificial obtido em rituais. O sangue invocava o poder da
deidade sobre o mundos dos homens, como em cerimônias para obter informa-
ções do futuro (blótspánn, inclusive citado no poema éddico Hymiskvida 1).
Quanto à uma mulher presidir o ritual para Freyr, apresenta-se como um
detalhe equivocado. Justamente o simbolismo de virilidade e falicismo da deidade
é algo exaltado nas fontes, seja pelo seu caráter de soberania, de poder militar
ou de fecundidade, levando a maioria das descrições do freysblót a serem liderados
por figuras masculinas (Reaves, 2008, p. 5). Quando surgem mulheres nas fontes,
elas estão relacionadas à uma procissão com uma imagem desta deidade em uma
carroça, realizando uma peregrinação na primavera para abençoar a terra de
uma determinada comunidade (como em Ögmundar þáttr) e relacionadas ao
simbolismos da hierogamia. A túnica branca utilizada por Lagertha também é
fantasiosa. Justamente pelo contrário, a cor preta era relacionada a Freyr - se-
gundo a Gesta Danorum 1 os animais imolados ao deus eram geralmente de
coloração escura - também identificada à alma e a fertilidade em outras tradições
pré-cristãs (Reaves, 2008, p. 10).

125
Figura 1: Cena do episódio Warrior´s fate (Série Vikings, terceira temporada), momento em que
Lagertha é banhada em sangue sacrificial. Fonte da imagem: https://www.youtube.com/
watch?v=Ykh5RuBLJTw

A cor branca tem sido uma opção canônica para os artistas europeus repre-
sentarem os sacerdotes e sacerdotisas das religiosidade pré-cristãs em geral,
desde o romantismo oitocentista, até mesmo para os druidas. Nas pinturas
Ofring til Tor (1831, de Johan Lund) e Nerthus (1909, de Carl Emil Doepler),
ambos os sacerdotes nórdicos possuem longas barbas e indumentária branca,
este último um detalhe também presente na profetisa ressuscitada por Odin em
uma pintura de Carl Doepler de 1900. Na cena da série Vikings, esta cor certa-
mente foi utilizada não somente pela referência canônica da arte ocidental, mas
para causar impacto cênico – logo depois do sacrifício, dois ajudantes despejam
parte do sangue sobre o corpo de Lagertha, originando duas imensas manchas
vermelhas por todo o comprimento da roupa. Algo que recorda a primeira cena
da série televisiva Roma (HBO, 2005), quando a personagem Átia é aspergida
com o sangue de um boi sacrificado, em referência ao mitraismo oriental que
penetrou no império romano. Como o grande público desconhece maiores de-
talhes sobre as religiosidades antigas da Europa, certamente os produtores de
Vikings optaram por perpetuar uma referência fílmica consagrada e de forte
impacto visual.
Ainda mais fantasioso é o momento em que Lagertha, com ajuda de duas
mulheres, borrifa o sangue sacrificial sobre sulcos retilíneos abertos sobre o
campo (à espera da semeadura), numa referência à fertilidade. O equívoco neste
caso é que o ato de aspergir era considerado algo que deve ser realizado somente
por homens, representando a fecundação de um ser feminino, a terra. Numa

126
sociedade fortemente estruturada num simbolismo de dominação e submissão
sexual, perpetuando o poder de penetração (o falocentrismo religioso, vide
Hedeager, 2011, p. 115-118), seria lógico imaginar homens nesta tarefa. Até
mesmo os camponeses europeus cristianizados (como a França do século XII
d.C.) excluíam as mulheres destas ações que antecediam as colheitas, uma prática
advinda dos tempos pagãos e que sobrevivia no cotidiano rural: “só o homem
podia lavrar, malhar o trigo com o mangual ou podar as vinhas e as árvores (...)
A terra era mulher, cabia ao homem fecundá-la” (Verdon, 2006, p. 47).
De maneira geral, a cena do sacrifício a Freyr foi mais correta do que a re-
constituição de ritual em Uppsala, realizada durante a primeira temporada da
série Vikings (episódio 8, Sacrifice): está menos sombria e exótica, sem sacerdotes
calvos e com maquiagem escura sobre os olhos. Do mesmo modo, ao comparar-
mos com outras cenas envolvendo religiosidade nórdica antiga no cinema (Langer,
2016), ela é historicamente muito mais pertinente e detalhada, promovendo
avanços no conhecimento de um público amplo sobre estes rituais antigos. O
problema são seus pequenos equívocos, que tratamos ao longo deste pequeno
ensaio, mas também de suas limitações sobre a funcionalidade dos deuses nór-
dicos. Devido a várias sistematizações, estudos acadêmicos tradicionais ou
popularizações de manuais, a visão que temos dos deuses são de funções muito
restritas e muitas vezes dicotômicas (especialmente a teoria da tripartição de
Georges Dumézil). Odin e Thor são sempre vistos como deuses da guerra; Freyr,
Freyja e Njord como deuses da fertilidade. Os primeiros seriam adorados pela
elite guerreira, aristocracia e homens. Os segundos seriam cultuados exclusiva-
mente por camponeses. Nesta visão, não há espaços para fronteiras ou dinamis-
mos para outras funções sociais e outras características. Mas existem fontes que
apontam elementos do deus Thor também para o mundo do campo: o simbolismo
do martelo é um deles. Thor e Odin eram cultuados do mesmo modo por mulheres
e nem sempre as deusas eram vistas como benignas ou defensoras extremadas
do universo feminino.
No caso de Freyr, ele não era somente um deus da fertilidade ou adorado
unicamente no universo rural. Seus aspectos de soberania e marcialidade são
encontrados nos diversos cultos mantidos pela realeza, especialmente no sacri-
fício e consumo ritual de cavalos (Davidson, 2001, p. 104), além do drama mítico
e hierogâmico com Gerd (em conexão com a realeza sagrada). Ele está relacionado
do mesmo modo a um simbolismo com embarcações e conexões com procissões
náuticas com sentido religioso (funerário e também de fertilidade). A deusa
Freyja não era somente ligada à sexualidade, mas também ao mundo marcial.
O simbolismo do javali reflete a complexa natureza e os muitos aspectos que os

127
deuses vanes possuíam e que vão muito além da sua mera classificação como
deidades da fertilidade (Pires, 2015, 11-22).
Neste sentido, a série Vikings colabora para perpetuar a visão dicotômica
que o Ocidente criou sobre os deuses nórdicos: de um lado, reis e guerreiros
cultuando somente as deidades da guerra (os ases); de outro, os deuses que
promovem a fertilidade dos campos (os vanes). Num mundo onde a fé não era
estabelecida por textos sagrados, não existia sacerdócio profissional e a tradição
era mantida pela oralidade, confluíam variações sociais e geográficas na religio-
sidade. Apesar do ritual servir basicamente como um momento de comunhão
entre deuses e homens – e neste sentido a série Vikings é correta – ele era variável
em sua forma e utilizada em contextos diferentes. O detalhe do sacrifício animal
na cena do episódio (mas percebido sem a inclusão do blótzveila) pode colaborar
para o público moderno pensar em um ritual mantido exclusivamente pela
presença de uma morte sangrenta, sem maiores contextos. Alguns analistas
pensam atualmente a imolação nórdica de animais como reflexo da cosmogonia
(a morte de Ymir e a subsequente criação das partes do mundo por meio de seus
membros), onde o sacrifício explica a ordem da natureza e do mundo e a presença
do hlaut seria a forma física onde o cosmos e a sociedade seriam renovados (Bray,
2004, p. 135).
A ficção e a arte podem servir tanto como instrumento de reflexão sobre o
passado, como meio para analisarmos os nossos próprios valores. Elas não podem
ser vista como completas em si ou totalmente corretas em suas formas de re-
constituições históricas. Mas podem ser um importante meio para que as pessoas
possam prosseguir em seus interesses e se aprofundar no estudo da religiosidade
nórdica antiga.

128
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(Footnotes)
1 Para um estudo sobre uma forma diferenciada de concepção cosmológica entre os nórdicos pré-cristãos, ver: TOLLEY,
Clive. The Mill in norse and finnish mythology. Saga-Book 24, 1994-1997, pp. 63-82.

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