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Nesta Edição
projetos culturais
Projetos Culturais
Silvio Alvarez
Vera Cruz, RS, A conscientização
cada dia mais próxima de ambiental
sua Casa de Cultura por meio da
arte
colunistas
Álisson da Hora
Letícia Losekann Coelho
Fred Navarro
e mais...
Rafael Tombini
Maíra Viana
Quadrinhos
Glauco Guimarães
Zodíaco
Madalena
Contos & Poesias
Cruzadinha Cultural
revista cultural novitas nº 10
David Nobrega
editorial
“People don´t change”, diz o doutor Gregory House no seriado televisivo que
leva seu nome. Pode até ser. Existe realmente uma absoluta falta de vontade de
determinadas pessoas –me incluam nessa – em aceitar mudanças repentinas, sejam
elas de conduta ou não.
Nesta Edição
Quem faz, acontece. Nossos convidados desta edição são o que são porque
deixaram de lado as vias consideradas como naturais ao sucesso – exposição
03 - Editorial
fatigante na mídia, vender-se às ideias alheias, etc –, e procuraram meios
04 - Filosofia de Botequim alternativos para atingirem seus objetivos. Inventividade, re-invenção, revisão,
05 - Opinião: crença no trabalho ético e bem-feito.
Fred Navarro
06 - Entrevista: “People don´t change”, mas basta um pouco de complexidade para que
Fernando Anitelli, do Teatro Mágico questões sejam revistas com outros olhares, entrando em cena o famoso jogo
08- Perfil:
de cintura, tão nosso. A vida é um mar revolto onde as bóias são poucas, quando
existem.
Maíra Viana
09 - Zodíaco: Sinto muito doutor House, mas acredito que mudemos sim, mesmo que de
Madalena maneira lenta e progressiva, gota a gota. Basta somente definir se para que lado da
10 - Artes Cênicas balança essas mudanças nos levarão.
Cristóvão de Oliveira
11 - Jazz em Série: Um grande abraço!
Luis Delcides
David Nobrega
12 - Projetos Culturais:
Silvio Alvarez
14 - Opinião:
Letícia Losekann Coelho
15 - HQ eFotografia Letras do Araguaia
16 - Contos
17 - Cruzadinha Cultural O Centro Acadêmico do Curso de Letras/UFMT/CUA, em parceria com
18 - Opinião: o Instituto de Ciências Humanas e com a Coordenação do Curso de Letras da
Álisson da Hora Universidade Federal de Mato Grosso, Campus Universitário do Araguaia,
juntamente com a Academia de Letras, Cultura e Artes do Vale do Araguaia e a
19 - Entrevista:
Editora Novitas, torna público o lançamento do 1º Concurso Literário de Poesias
Rafael Tombini “Letras do Araguaia”, com o objetivo de promover e difundir a Literatura em
20 - Poesia Língua Portuguesa entre jovens escritores, podendo participar qualquer pessoa
22 - HQ: maiores de 18 anos, residente em qualquer lugar do país.
Glauco Guimarães
Para maiores informações, acesse http://bit.ly/evEs3h ou envie mensagem
Capa composta sobre imagem de Silvio Tanaka de email para letrasdoaraguaia@gmail.com
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revista cultural novitas nº 10
B
ebedor e conversador, Haroldo nos conta de suas andanças pelos bares, botecos, botequins e
similares de nosso pais, de onde observa a vida cotidiana que é a base de seus escritos.
Conhece um bar que mereça atenção? Pois então:
convideoharoldo@editoranovitas.com.br
Esse poema do amigo David
Poema para o Chope Nobrega, editor desta Revista, mostra
claramente que linguagem poética é
As gotas deslizando pelo corpo possível em qualquer situação. Tolos
suado aqueles que acreditam que a beleza da
O prazer contido nesse corpo, linguagem deva ser restrita a assuntos
quase sagrado nobres, como o amor. Pois eis que
Cuida tua sede e teus desejos, aqui estou para declarar que não,
desobediente caros amigos, não é realmente assim.
Chopp que te quero, claro, Lembro dessa poesia toda vez que me
transparente. vejo servido por aquele copo suado,
com exatos dois dedos de espuma, que
flutua até a mesa encerada por tantos
Dias de sol e calor cotovelos sobre a bandeja do querido
Noites de corno e amor garçom, ombro de tantas lutas inglórias,
Só tu, querido amigo festeijador de nossas conquistas.
Me dá conforto e abrigo Sente-se na Pepis Pizza Bar em
Indaiatuba (interior de São Paulo)
naquela área externa que lhe dá olhos
Mesa suja em algum esquecido sobre as mesas todas e dali, com olhar
bar atento, note os romances que se inciam
Ovos coloridos sobre o balcão, e findam, servidos por garçons vestidos
cuspe no chão com a frase “Você é importante para
Ou refinado, simpático, da nós”, na camiseta. O chope dali é
moda ou chique praticamente um mousse, com destaque
Vem a mim o chopp, me para o escuro bem tirado (www.
vivifique. pepispizzabar.com.br).
Há, segundo informações que recebi
por e-mail, dois outros lugares onde a
Ora bolas, seres vida passa, entre um copo e outro:
despreparados, O leitor Victor Alves nos indica a
De pouca fé e desamparados. Choperia Saidera em Vitória (R. João
Bebe logo e não me encha o da Cruz, 241 - Praia do Canto, ES). Essa
saco choperia tem diversas promoções
Ou pede e conta vai-te p´ro teu e, segundo nosso amigo capixaba, o
barraco. atendimento é realmente excelente
(www.saidera.com.br)
Já a querida Célia F. Fontana, de
E um viva àqueles bem- Fortaleza, nos diz de seu melhor chope
aventurados dos últimos tempos. O local se chama
Que ao sentar em um bar não Barril 85 e se localiza no Casa Shopping
se fazem de rogados (www.barril85.com).
Pede logo dois, em prazer Assim, meus caros, mais uma vez
descarado lhes digo que conhecer e se misturar
E danem-se os conselhos não às gentes reais é a melhor maneira de
solicitados. encontrar a tal inspiração.
Ainda mais com um belo gelado, bem
tirado.
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revista cultural novitas nº 10
Fred Navarro
opinião
Fred Navarro, 54 anos, pernambucano do Recife, mora em São Paulo há 22 anos, autor dos livros “Assim falava Lampião” e “Dicionário do Nordeste – 5.000 palavras e
expressões” (Ed.Estação Liberdade, SP).
Twitter: @frednavarro
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revista cultural novitas nº 10
S e um dia Fernando Anitelli, idealizador d´O Teatro Mágico resolver, por um motivo qualquer,
alterar o nome de sua trupe para “Fenômeno Mágico”, será absolutamente verdadeiro.
Conquistada basicamente no boca-a-boca — ou no tecla-a-tecla, se levarmos em
consideração a imensa quantia de público oriundo da internet —, a legião de fiéis seguidores
é verdadeiramente um fenômeno. Ou não, não há nada de fenomenal nisso e todos os méritos
são “simples” frutos do árduo trabalho da trupe, formada por músicos e atores circenses. Ou, se
prefererirem, por músicos circenses, ou mesmos atores-músicos. Uma salada cultural, eclética,
mágica...
Na entrevista, Fernando Anitelli nos conta um pouco do Teatro e dos projetos que estão no forno,
quase prontos para serem entregues, quentinhos, ao respeitável público. Logo na sequência, matéria
com uma das principais colaboradoras do Teatro Mágico, a escritora Maíra Viana.
Editora Novitas: À texto, me fascinou Assim nasceu o grande entrada nas redes
primeira impressão, a idéia de montar sarau amplificado que sociais, sim, isso faz
o Teatro Mágico é um um espetáculo que hoje é o TM. parte da nossa história e
caldeirão onde tudo é pudesse trazer a tona sem a internet nós não
misturado aos borbotões esse universo lúdico e EN: Saltimbancos teríamos conseguido
e posto a ferver. sensorial que o Hesse tecnológicos seria chegar onde chegamos
Existe um fato ou ato aborda uma boa sem uma gravadora,
inspirador inical desse no livro. definição sem o engole sapo
mistura-tudo-mexe-e- Arregacei “Pois é, para o de um jabá, sem os
serve? as mangas, mas a nossa TM? grandes patrocinadores.
Gosto da imagem dos
entrei no
Fernando Anitelli: A estúdio e bicicleta é FA: saltimbancos mas, no
obra inspiradora foi o comecei
livro do escritor alemão a gravar
que nem a do Sabe que
eu nunca
dia a dia da produção
independente, a luta é
Hermann Hesse, O Lobo algumas filme E.T, é tinha grande e, muitas vezes,
da Estepe. Na história
há uma passagem em
músicas que
eu tinha.
uma bicicleta pensado
nisso!
não tão poética quanto
a do musical infantil em
que o personagem entra A idéia que voa” (risos) O questão.
num lugar cheio de cores de somar slogan
e sinestesias e passa num mesmo palco circo, é interessante, no EN: Algumas letras
por experiências que o música, poesia e teatro entanto, sou receoso soam ser poemas, alguns
transformam. No livro, foi ficando cada vez mais com essa coisa de altamente contestadores
este lugar chama-se O clara. Essas artes sempre rótulos. Com relação como por exemplo “A
Teatro Mágico. Quando fizeram parte da minha ao uso de ferramentas Metamorfose ou Os
tive contato com este trajetória como artista. tecnológicas e forte Insetos Interiores ou O
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revista cultural novitas nº 10
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revista cultural novitas nº 10
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revista cultural novitas nº 10
Madalena
zodíaco
É astróloga, taróloga, reikiana, terapeuta floral.
Estão abertas as inscrições para mais uma Coletânea Scriptus, a quarta produzida pela
Editora Novitas, desta vez nomeada “Visão [D]Escrita”.
Da mesma que as versões anteriores desta coletânea (“Um Balaio de Ideias”, “A Livre
Escrita” e “Palavração”), contaremos com número reduzido de autores. Serão somente
quinze, cada um contando com dez páginas para publicar seus poemas, contos, crônicas ou
minicontos.
Para maiores informações, acesse nosso site: www.editoranovitas.com.br ou escreva diretamente para
contato@editoranovitas.com.br
imagem somente para fins de divulgação
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revista cultural novitas nº 10
Cristóvão de Oliveira
artes cênicas
Cristóvão de Oliveira é ator, diretor teatral e professor. Catarinense radicado em Curitiba/PR, dá aulas na Faculdade de Artes do Paraná e cumpre mestrado na
Universidade do Estado de Santa Catarina.
contato: cristovaocwb@gmail.com
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revista cultural novitas nº 10
Luis Delcides
jazz em série
Jornalista, músico, repórter e editor do blog Pauliceia do Jazz (pauliceiadojazz.com.br), SP Metrópole (spmetropole.com/blog/saopaulometropole) e colaborador do portal
Cristianismo Criativo (cristianismocriativo.com.br)
Sem barreiras
Projetos Culturais
Quem acompanha nossa Revista Cultural desde quando era somente editada em sua versão digital
deve se lembrar de Silvio Alvarez. Em uma simpática entrevista, nos contava ali (e ainda nos conta, já
que encontra-se a sua disposição no endereço revistasnovitas.com.br) de seu trabalho, dos projetos,
das dificuldades em se fazer notar nesse mar imenso que é a Cultura.
Como diz o antigo ditado, os frutos se colhem quando se cuida bem da árvore e Silvio já está com
alguns desses frutos maduros, por assim dizer. Entre idas e vindas, cada vez mais é procurado para
organizar oficinas onde, em meio ao lúdico, vê como ensinar em uma metodologia toda própria.
No artigo abaixo você que até o momento não o conhecia — ou mesmo para aqueles que já sabem
do trabalho desse artesão das colas e tesouras —, poderá entender o motivo de valorizarmos seu
trabalho ao ponto de abrirmos espaço novamente em nossa revista, em tão pouco tempo. Afinal, aqui
está a comprovação de que com arte e educação, unidas, podemos mudar os rumos de nosso País.
Criança em oficia: Atenção absoluta... Silvio, rei da tesoura, provando o mesmo remédio... Trabalhando em “A Invasão dos Pinguins”
Foto de Silvio Tanaka Foto de Zé Goulart Foto de Silvio Tanaka
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Perfeição
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revista cultural novitas nº 10
fotografia
E
m matéria do fotógrafo
Kais Ismail Musa — “Uma
Imagem Vale Por Mil
Palavras (mas depende de quem a
vê!)”—, publicada em nossa edição
anterior a imagem a seguir:
Obviamente era uma de informação rápida demais, rasas causam estranheza, mesmo sendo
provocação e o subtítulo já dava a demais, e se em algum momento a pilcha, a vestimenta gaúcha,
dica: tudo, na realidade, depende palavras podem ser distorcidas, declaradamente masculina. Nesse
de uma visão pessoal para que seja imaginem o que não pode caso, a esposa deveria estar vestida
classificado. acontecer com uma imagem? de prenda, com vestido rodado e
florido.
Nem sempre essa “classificação” Aí acima você encontra o
de coisas, pessoas, atos ou fatos é mesmo casal, em outra ocasião. E, na verdade, isso importa?
coerente. Passamos por uma época São heterossexuais e por isso não
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contos
Sereia E a grande literatura universal se fez...
E todas as perguntas tornaram-se desnecessárias.
Déa Paulino As aflições apaziguadas por lapidar uma frase do grande
mago.
Piracemando, multiplicavam-se entre as distantes O fim da história.
margens do límpido rio fartamente iluminado mesmo nas
mais nubladas estações. Porque eram peixes, nadavam. Aquilo que a gente sabe o que é
Acardumavam-se de acordo com as afinidades pela biologia
explicáveis e aceitavam em seus cardumes outros não-afins Tati Cavalcanti
talvez explicados pela sempre misteriosa natureza.
Porque nadavam, sobreviviam. Venciam em pequenos ou O negócio de pegar fogo, de arrebentar tudo até vidro de
grandes grupos os não raros trechos de águas caudalosas. janela na batida da porta, que é violenta com o batente, por
Fugiam do perigo, das iscas e da ameaçadora facilidade das culpa da pressa. Aquilo que a gente sabe muito bem o nome
grandes redes; em dias chuvosos, refocilavam. Das espinhas e o ritmo. Aquilo de ter que ser agora, afinal, o mundo pode
às escamas, guelras e nadadeiras, eram plural felicidade. acabar e tem que dar tempo da última vez ser incrível.
Ainda assim, alguns deles, frequentemente deslumbrados, Nem é muito, pensa: o que é que você faz de tão incrível
acreditando ousar, se desgarravam. em um ano? Nada porque a gente nem vê mais o ano passar.
Debatendo-se em uma quase-poça, restante da última E isso, da certeza de poder voar, de poder atravessar
cheia, Sereia foi encontrada pelos pescadores com a cabeça oceanos, aquilo da cegueira que todo mundo já viveu pelo
ainda imersa nas águas turvas que seus inexpressivos olhos menos uma vez na vida.
de peixe tomavam como profundidade. Foi levada, louvada, Aquilo de a música da primeira vez arrepiar a espinha
lavada e limpa. Em postas, jaz despedaçada, já fria e assada, depois da qüinquagésima vez. Aquilo de quando se pensar
sobre a amanhecida mesa do jantar. no cheiro esfria a barriga igual uma descida de bung jump.
Aquilo de o amanhã não precisar existir, de a gilete
A aurora dos deuses trabalhar três vezes por semana. A vaidade excita. Aquilo
de ser irresponsável e viver uma história para culpar, uma
Denison Mendes ilusão de meia tigela para bombear o coração mais rápido e
que bombeia tanto que deixa de ser ilusão para ter jeito de
Num certo dia da graça de nosso senhor, lá para as eternidade. Aquilo que parece tanto ser sempre a primeira
bandas do muito antes, melhor vez que a gente deseja sempre que seja a última.
Depois de ter criado tudo ao seu redor, na volta que deu A música que a gente aumenta só para não escutar o
ao mundo, e este ali prontinho, sermão da razão e as razões do sermão.
Tudo se comportando da maneira planejada, As desculpas que a gente arruma para não entender a
O singular, na terceira pessoa do pretérito perfeito do verdade que dói e, então, tentar fugir da dor que demora
verbo dar, fez-se plural. muito até passar. Aquilo de parecer carnaval o ano inteiro, de
E como se multiplicou, encasquetou de saber o porquê e ser verão no inverno pelo simples encostar o dedo na orelha.
de onde viera, já que nada existia antes. Aquilo de vício por remédio que sara, do respirar junto
Só o silêncio. que coloca o corpo de volta no centro do mundo. Aquilo de
Então pegou a primeira árvore que viu e fez o papel. a gente achar que viver é só isso e nada mais e que a razão
Descobriu o grafite, muito antes de sua prole, que o pode ser um abajur com a lâmpada queimada que só existe
confundiu com o chumbo. para constar.
Pensou: que burros!, meu eu mesmo A paixão é um dos mais perigosos vícios.
E colocou dentro de tocos de madeira, fez o lápis. O bom dela é que acaba logo.
Pronto. Agora poderia rascunhar suas preocupações. Melhor ainda é quando ela tem fôlego para se transformar.
Só faltava uma mesa. Pegou outra árvore,
Pensou: desse jeito vou acabar com a floresta. O futuro atrás de uma cortina de névoa
Como não queria se incomodar com o Ibama, criou o
madeireiro e eles que se virassem. Duas semanas depois Evana Ribeiro
recebeu a mesa da mais fina flor feita de mogno e de lambuja
uma cadeira. Tanto tempo se esforçando para chamar a atenção
Que eficiência! do mundo – e de um homem em especial –, para acabar
Sentou-se e começou a rascunhar suas preocupações. daquele jeito. Dentro de um avião com poucos passageiros,
Cálculos complexos, variantes, x para lá, y para cá, raciocinou, ocupando o assento perto da janela, se sentindo um tanto
fez cara de quem não estava entendendo nada, depois de isolada do mundo.
quem desconfiava dos próprios resultados. Na verdade, Elissa queria mesmo estar assim,
Não contente, amassou tudo e jogou no Éden. isolada, sem ninguém prestando atenção nela. Não queria
Que na verdade foi o primeiro lixão jamais visto e nem que puxassem papo sobre o céu de brigadeiro para depois
comentado no grande livro. emendar um comentário galante sobre seus olhos ou
Mas isso é outro capítulo. perguntarem as horas. Seu pensamento estava no pai ali,
Foi então que O cara (não confundir com personagem no salão de desembarque; e nas palavras antes da última
recente) teve a brilhante idéia de criar o verbo, e ele se fez, chamada:
assim, no tapa. — Me perdoe se não soube expressar muito bem o
E o gênio começou a elaborar teorias filosóficas da sua quanto me preocupo com seu futuro. Para um sujeito que
existência. lida com textos, fui muitíssimo ruim com as palavras, mas
De onde vim, para onde vou? Se existo, logo penso? eu te amo muito, filha. E é por isso que acho melhor você se
Ou será o contrário? Só sei que nada sei? Decifra-me ou te afastar um pouco. Vai ser melhor para você.
devoro? Assim como a Leonardo DiCaprio? Ou não? Talvez fosse realmente bom, mas naquele momento
Cansado de tanta pergunta, resolveu passear. No ela não estava totalmente convencida. Precisava pensar
Caminho de Santiago encontrou um coelho. Ficou intrigado mais. Ficaria sozinha como nunca antes; só em uma terra
com aquela criatura. Achou-o um ser iluminado. Batizou-o quase que totalmente estranha. Quando tinha sido a
de última vez em que estivera na Polônia? Fazia tanto tempo.
Paulo. Era ainda uma menininha e não se interessava por nada
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revista cultural novitas nº 10
além das roupas que teria de usar no frio e as fotos que ter alguma forma definida ali, nem que fosse uma sombra
poderia fazer no inverno. Pouco antes de pôr os pés no projetada.
aeroporto, suas preocupações eram as mesmas; mas com O táxi foi diminuindo a velocidade e finalmente
um adicional, teria de se acostumar à cidade que seria sua parou. Só então ela ergueu os olhos para a janela e viu
única companhia. tudo com mais clareza. Viu um rapaz de perfil, encostado
Desembarcou, finalmente, depois de horas. Até em frente a um prédio qualquer. Segurava algo, talvez um
achou que não conseguiria pronunciar a primeira sílaba cigarro apagado. Concentrou-se e fez a melhor foto que
com facilidade depois de tanto tempo muda, e só falando pôde, para depois ficar olhando e buscando algo do homem
quando necessário. Quando deu por si estava em um táxi; que ela sempre desejou. Como quem sentia já ter cumprido
carregando a bagagem e a câmera fotográfica sempre a missão, logo depois de fotografado ele se foi rua afora.
a tiracolo. Fez os primeiros cliques da janela mesmo: o Sem saber seu nome, nem o rumo que aquele estranho ia
céu cinzento, os prédios, a neve lamacenta e as pessoas tomar, sem contar com nada além de uma imagem estática;
caminhando pelas ruas de Varsóvia se tornavam num ela tinha certeza de que acabariam se encontrando.
borrão cinzento quando passavam pela sua lente. Mais tarde, a névoa se mostrava mais pesada,
Olhando os retratos em sequência pelo visor da visibilidade pouca; mas mesmo assim ela sorria. Sorria
câmera, Elissa tentava entender. Aqueles eram os primeiros ao pensar no que se escondia atrás daquela cortina
registros do que seria seu mundo até só Deus sabia quando. acinzentada. E tudo, até mesmo a solidão, ganhava sentido.
Um borrão cinza e só, ao menos a primeira vista. Devia
cruzadinha cultural
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* *
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HORIZONTAL VERTICAL
2. Escritor símbolo da Semana da Arte Moderna de 1. Mais conhecida escultura de Victor Brecheret
1922 3. Narração em prosa de menor extensão do que o
4. Pintor espanhol barroco romance
6. Mais antigo programa de rádio do mundo. 5. Redundância (proposital ou não) em uma expressão.
7. Imortal paulista, autor dos poemas “Moisés” e
“Juca Mulato”
8. Antônio Gonçalves da Silva, o ...
9. Primeiro livro publicado por Hilda Hilst
10. Conjunto de mitos e lendas de uma Nação.
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Álisson da Hora
opinião
Mestre em Teoria da Literatura
alissonwittgenstein@hotmail.com
O
sentido do passado e A luz me ultrapassa pelos ouvidos. E o azeviche preto da plena
da (im)permanência. O juventude
registro da palavra, rítmica, A procura por um esquecimento e a turquesa azul do ser-adulto
assustadora pelo que escorre em (impossível), como se fosse um E o álamo amarelo do nada que
seus vácuos. A escuridão no olhar, remédio para a dor vê-se defrontada não
a fotografia esvanecida, a morte, a com a sempre presente memória. se concebe nem se
afasia. O poeta e matemático francês A recusa em se fazer “versos” é diz
Jacques Roubaud, em “algo: preto”, um recurso que o possibilita fazer e a concha branca da
traduzido para o português por Inês de seus “registros” poemas de um Ressurreição.
Oseki-Dépré praticamente torna lirismo invulgar, que transitam no Enrolavam-se em torno ruídos
as palavras fotografias, imagens de seu próprio jogo de luz e sombras, tranquilos e quotidianos
uma dor flagrante; magicamente
consegue com que os seus versos, do observar o já estático, retratos
estranhamente afins à prosa, sejam passados, imagens que impregnam a A gestação poética da morte
eles próprios materializações de um alma: que ele tenta exorcizar, mas ao
silêncio. mesmo tempo é um exercício de
Publicado em 1986 traz em si o Luz, Por Exemplo presentificação do ser amado já
impacto de uma perda — a morte extinto. A evocação de um nada
precoce de sua esposa, a fotógrafa Luz, por exemplo. preto. encerra o livro que está repleto de
Alix Cleo Roubaud —, entretanto, Vidros. “nãovidas”, de “meditações” e de
por mais que seja algo puramente Boca fechada. abrindo-se à língua. fotografias esparsas, por cima da
biográfico, não cai no equívoco de Janela. reunião de gizes. mesa da memória. A intuição do
tentar fazer poesia com desabafos. Seios. depois embaixo. a mão se instante, como diz Gaston Bachelard,
Guardando as devidas proporções e aproxima. penetra. se sobrepõe ao tempo citadino, a
as diferenças estéticas, aproxima-se Abre certeza de que o que está gravado na
do confessionalismo de Sylvia Plath Lábios penetrados. de joelhos. alma é superior e perene a uma mera
ou de Anne Sexton. Entretanto, há Lâmpada, lá. molhada duração contínua de recordações que
mais. Olhar repleto de tudo. orbitam a mente. Por isso o poema
Um dos artífices do OuLiPo, a que fecha o livro é justamente
Oficina de Literatura Potencial (que, Tais imagens encerram um “Nada”. O nada se reflete nos olhos
entre outros nomes, contou com a panorama de tristeza e tédio, de um do amor morto, que fita um céu
participação de Raymond Queneau, cotidiano evocado e ressignificado, vivo e consagrado, como uma última
Georges Perec), Roubaud sempre que trespassam a vida dos que fotografia capturada no momento da
se pautou por uma meticulosidade ficam, porque permanentes, porque partida, o fim.
matemática, por uma economia iluminam, ainda que timidamente,
verbal que viu-se defrontada em os dias que restaram no meio das Nada
“algo: preto” com a necessidade reminiscências mais caras, uma
do exprimir-se e com a vontade do enumeração de registros que Este pedaço de céu
calar-se: tentam suspender o tempo, anular doravante
a distância da morte, revivificando te é consagrado
1983: janeiro ................ 1985: — ainda que dolorosamente — em que a face cega
junho passagens que nunca morrem, os da igreja
dias de um calendário mais íntimo. se encurva
O registro rítmico da palavra me complicada
horripila. Um dia de junho por uma castanheira,
Não consigo abrir um só livro que o sol, ali
contenha poesia. segundo um epitalâmio de Georges hesita
As horas da tarde devem ser Perec deixa
aniquiladas. um vermelho
Quando acordo tudo preto : O céu é azul ou o será breve. ainda
sempre. O sol pestaneja por cima da Ille antes que terra
Em centenas de manhãs pretas de la emita
refugiei-me. Cité. tanta ausência
Leio inofensiva prosa. A terra inteira está ouvindo as que teus olhos
Os cômodos ficaram no mesmo sonatas do Rosário de Heinrich se exprimem
estado: as cadeiras, as paredes, as Biber de nada
venezianas, as roupas, as portas. Tinta e imagem encontram-se
Fecho as portas como se o solidárias e aliadas ROUBAUD. Jacques. Algo: preto.
silêncio. Como o esquecimento e o vestígio Tradução de Inês Oseki-Dépré. São
No começo dos anos obedientes Paulo: Perspectiva, 2005.
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Editora Novitas: Apesar de teu recordes foram quebrados na esteira de uma parte que será gravada em Bento
currículo imenso (mais de 40 curtas, “Tropa de Elite - 2”? Gonçalves (RS), com elenco gaúcho,
05 longas, 08 especiais para televisão, em maio. Mas o início será rodado em
além de videoclipes) continuas em Porto Investimento. Ainda falta muito para Roma, depois Veneza e diversas cidades
Alegre. Hoje em dia é desnecessário ao que o Brasil perca seu complexo de da região do Vêneto. SAPORE D’ITALIA
autor fixar-se no eixo Rio-São Paulo? inferioridade com relação a países mais vai ao ar em agosto, em Curtas Gaúchos,
desenvolvidos. O investimento deve ser aos sábados, depois do Jornal do
Rafael Tombini: Infelizmente a classe feito em todas as esferas e não somente Almoço, na RBS TV.
artística toma essa direção pela falta de colocando quantias exorbitantes na
oportunidades aqui no Rio Grande do produção de um filme. Precisamos EN: Quais os projetos que podemos
Sul. Temos um investir para esperar para 2011?
pólo audiovisual formar uma
muito importante nova geração RT: Além da série “Sapore d´Italia”
mas os cachês de roteiristas, teremos uma versão reeditada e com
e a sequência fotógrafos, cenas extras para o longa da serie, com
de trabalhos diretores, previsão de lançamento no final do ano.
ainda deixam a cenógrafos, Tem também a estréia do longa
desejar. A maioria maquiadores “Porto Dos Mortos”, primeiro longa
dos projetos entre outros de horror realizado no RS e vencedor
são realizados profissionais. do prêmio de melhor filme no Arizona
de maneira Underground Film Festival e também o
independente EN: Agora em qual faço o papel do protagonista.
e sem qualquer março se iniciarão Tem também o lançamento da série
Em cena em “Sapore D´Italia” - Divulgação
incentivo, as gravações de Contos Gaúchos na TVE, baseado nos
e quando há um financiamento, “Sapore d´Italia”, humorístico produzido contos de Simões Lopes Neto, interpreto
geralmente as produções chamam pela Epifania Filmes. Pode nos contar o personagem Chicão no episódio “No
atores de fora no intuito de dar maior algo sobre esse projeto? Manantial”, dirigido por Henrique de
‘visibilidade’ às suas obras. Freitas Lima. Tem também o curta “A
RT: O projeto iniciou no começo Noite Do Artista” produzido pela Low
EN: A pior pergunta que se pode do ano passado e agora tem data para Filmes no qual faço uma participação
fazer a um contista é quando escreverá ser realizado. A partir de 24 de março, especial ao lado do mestre João
um romance. Relacionando literatura e começam as gravações de SAPORE Castanha.
cinema, para o ator de curtas a questão D’ITALIA, a primeira série de
do longa metragem também é encarada ficção da RBS TV no Exterior,
como um degrau a mais e não um ponto com produção executiva
final? da Epifania Filmes. Humor,
confusão, romance e as
RT: Acredito ser apenas um degrau trapalhadas de um repórter
a mais pois fazendo curtas, televisão e seu fiel escudeiro, o
e teatro o ator também está sempre câmeraman, temperam
buscando um aperfeiçoamento na sua os cinco programas com
arte de interpretar. Claro que um longa direção de Boca Migotto e
tem um peso muito maior para a carreira Rafael Ferreti, com roteiro
de um artista devido a complexidade do de Leonardo Garcia.
envolvimento no projeto como um todo. No elenco estão Rafael
Tombini, Artur José Pinto e a
EN: Cinema no Brasil: o que seria atriz italiana Miriam Marini,
necessário para que o cinema se além de diversos atores Imagem de acervo do entrevistado
mantenha nas marcas de 2010, onde da Itália. Tem também
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revista cultural novitas nº 10
poesia
Matizes
Sandra Cajado
É país da enxada
suor no rosto 002
calos na mão.
David Nobrega
Meu país é de sorrisos, de soluços,
de dunas e cachoeiras. Alimenta-se de sorrisos.
Peças desconexas
Meu país criança é da Quebra-cabeças
experiência Um coração partido Condomínio Via-Láctea
sobrevivência Um adeus sofrido
é fortaleza. O grande amor Silas Correa Leite
Amor perdido
... Já esse país de mensalões é de poucos... Veneno transfundido A lua nova sobre o arranha-céu
Um beijo mal sentido Com rímel de nuvens e sorriso de miss
E no jogo de cintura, eu vejo meu Brasil Aquele sabor, o calor Não sabe de janelas abertas
O grande amor No enorme Edifício Vulgata
no acordar cedo, Amor bandido De arquitetura espacial.
na correria do trabalho, Vai ao longe, distante
no voltar cansado, Mosca mutante O edifício e o condomínio têm luas
suado. Cadaver do já sentido Como tem ruínas e alguns fantasmas
O grande amor Da rua olho todos os sinais
no contar moedas para o pão e cafezinho Amor estremecido Janelas abertas são ruas no breu
e nas noites insones sem dinheiro. Foi e não volta Muito além do noturnal.
A amarra se solta
Vejo esse Brasil de muitos Precisa esquecer, sofrer A lua e o breu noturno no alto céu
O grande amor O condomínio e seus desenredos
na cachaça com limão, Amor, vencido... As luzes e as janelas abertas
no espetinho de gato, Talvez a Lua seja uma
cerveja gelada Válvula de escape sideral.
e samba improvisado.
No céu noturno da cidade grande
É na morena que rebola O prédio é só cimento armado
no banho de chuva com mar Mas a lua é uma janela
e principalmente no gingar No Condomínio Via Láctea
Como um jogo de pinball.
(...)
Insisto
e vejo assim o meu país.
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revista cultural novitas nº 10
poesia
Desencontros
Inverno
Olga de Callis
Raphael Rosado do Nascimento
Enquanto olho para um lado
Tu foges pelo outro É de força todo porvir
de realeza qualquer instante
Caminhos Religião e em pranto de me lançar.
Bifurcações Me lanço.
Escolhas Alessandro de Paula
E de história de canto enquanto
Um dia, um encontro. Alimenta-se de sorrisos. qualquer conto me faz sorrir
Noutro, um desencontro. De sol. De sombra. De água fresca, empunho um tanto que nao faz santo
embora prefira cerveja. o ponto ao qual hei de seguir
Situações Alimenta-se do carinho,
Momentos de amigos. É de inocência esse meu olhar
Ações Da luz e das cores das noites festivas. se já distante ao sol me exponho
em brilho bélico , um sonho insone
Ali, eras meu futuro E, ainda assim, na ventania volto a partir
Aqui, já não és nada não é um ser vampiresco
em seu túmulo arquitetando e se no estralejo os anos lançam
Sorriso tolos planos de conquistas vazias. de fel seu braço a perseguir
Lágrima em rima e passos sigo inconstante
Pranto Nem oculta o que tem abraço a prosa de qualquer fugir
de mais belo
Um passo, avante! por autossabotagem,
Um passo, retrocesso. banhando-se em
ilusões de consumo,
Toque mostrando-se assim
Abraço artificialmente seguro
Beijo em sua torre de cristal
que lentamente desmorona.
Um rato que come queijo
Um gato que toma leite É! Quanto mais high, mais low.
Um humano que não toma jeito.
Antolhos
Desculpem tal poeta,
Saíste pela tangente tristes pessoas André F. Frutuoso
Pulsante como uma veia das trevas do mundo.
Vibrante como um torpedo. Não descerá novamente Sem informações verídicas
ao inferno. Sem a reflexão individual
Teu rosto, já não lembro Não estará em busca Continuaremos a crer
Teu sorriso, se perdeu de uma Beatriz No que é vendido no jornal.
Teu cheiro, ainda guardo... que não há.
Somente tendo buscado
... Está comigo todas as noites. Não será um poeta maldito. A verdade por trás do palco
Tampouco bendito. Pode-se enxergar com clareza
Poeta apenas humano A sinistra verdade da beleza.
que ainda tenta aprender a amar,
que sabe o árduo do caminho, Ainda há tempo para acordar
porém não desiste. Sair da alienação efusiva
Pois sabe que além dos clichês, E pelo caminho amor caminhar.
Desilusão do trato e destrato social,
Karla Idiany
das palavras mal-ditas, Mas para isso é preciso lembrar
dos cigarros e pulmões enegrecidos, Das cicatrizes que o passado deixou
Como vagas ressonâncias há redenção. Para não repetir o que nos anestesiou.
Clássicas e vãs Uma religião sem bandeiras.
Belas como um coração
Estranhas não por natureza O poeta acredita em vida nesta vida.
Mas por tristeza Participe!
Assim são as aves A morte nesta vida
As gaivotas azuis deixa aos habitantes Você é bem-vindo para participar
As asas da ilusão da torre de cristal das sessões de poesia e contos. Basta
Da desilusão que já se esqueceram enviar seu texto para:
Da tentativa falsa de como sorrir.
De ser feliz. contato@editoranovitas.com.br
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revista cultural novitas nº 10
Glauco Guimarães
hq
Artista gráfico e ilustrador profissional há 17 anos, participando ou desenvolvendo projetos nas áreas da propaganda, do cinema e dos quadrinhos.
glauco@glauco.art.br
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Porto Alegre, por David Nobrega