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1 -1Gastão Dias - Professor Altamiro Delaboneta - 7° ano – Língua Portuguesa

Escola Municipal Gastão Dias de Oliveira


Professor: Altamiro Delaboneta da Conceição
- Ela disse que dançaria comigo se eu
Língua Portuguesa - 7° ano / 2021 lhe levasse rosas vermelhas –
O Rouxinol e a Rosa exclamou o Estudante – mas
estamos no inverno e não há uma
única rosa no jardim...
Por entre as folhas, do seu ninho, no
carvalho, o Rouxinol o ouviu e,
vendo-o ficou admirado...
- Não há nenhuma rosa vermelha no
jardim! – disse o Estudante, com os
olhos cheios de lágrimas. – Ah!
Como a nossa felicidade depende de
pequeninas coisas! Já li tudo quanto
os sábios escreveram. A filosofia não

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tem segredos para mim e, contudo, - Amanhã à noite o Príncipe dá um


a falta de uma rosa vermelha é a baile, murmurou o Estudante, e a
desgraça da minha vida. minha amada se encontrará entre os
Eis, afinal, um verdadeiro convidados. Se levar uma rosa
apaixonado! – disse o Rouxinol. vermelha, dançará comigo até a
Tenho cantado o Amor noite após madrugada. Somente se lhe levar
noite, sem conhecê-lo no entanto; uma rosa vermelha... Ah... Como
noite após noite falei dele às queria tê-la em meus braços, sentir-
estrelas, e agora o vejo... O cabelo é lhe a cabeça no meu ombro e a sua
negro como a flor do jacinto e os mão presa a minha. Não há rosa
lábios vermelhos como a rosa que vermelha em meu jardim... e ficarei
deseja; mas o amor pôs-lhe na face a só; ela apenas passará por mim...
palidez do marfim e o sofrimento Passará por mim... e meu coração se
marcou-lhe a fronte. despedaçará.

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- Eis um verdadeiro apaixonado... – instrumentos de corda e, ao som de


pensou o Rouxinol. – Do que eu harpas e violinos, minha amada
canto, ele sofre. O que é dor para ele dançará. Dançará tão leve, tão ágil,
é alegria para mim. Grande que seus pés mal tocarão o assoalho
maravilha, na verdade, é o Amar! e os cortesãos, com suas roupas de
Mais precioso que esmeraldas e cores vivas, reunir-se-ão em torno
mais caro que opalas finas. Pérolas e dela. Mas comigo não bailará,
granada não podem comprá-lo, nem porque não tenho uma rosa
se oferece nos mercados. vermelha para dar-lhe... – e
Mercadores não o vendem, nem o atirando-se à relva, ocultou nas
conferem em balanças a peso de mãos o rosto e chorou.
ouro. - Por que está chorando? –
- Os músicos da galeria – prosseguiu perguntou um pequeno lagarto ao
o Estudante – tocarão nos seus

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passar por ele, correndo, de rabinho Mas o Rouxinol compreendeu a


levantado. angústia do Estudante e, silencioso,
- É mesmo! Por que será? – Indagou no carvalho, pôs-se a meditar sobre
uma borboleta que perseguia um o mistério do Amor.
raio de sol. Subitamente, abriu as asas pardas e
- Por quê? – sussurrou uma linda voou.
margarida à sua vizinha. Cortou, como uma sombra, a
- Chora por causa de uma rosa alameda, e como uma sombra,
vermelha, - informou o Rouxinol. atravessou o jardim.

- Por causa de uma rosa vermelha? – Ao centro do relvado, erguia-se uma


exclamaram – Que coisa ridícula! roseira. Ele a viu. Voou para ela e
E o lagarto, que era um tanto posou num galho.
irônico, riu à vontade.

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- Dá-me uma rosa vermelha – pediu - Dá-me uma rosa vermelha – pediu
– e eu cantarei para ti a minha mais – e eu te cantarei minha canção mais
bela canção! linda.
- Minhas rosas são brancas; tão A roseira sacudiu-se levemente.
brancas quanto a espuma do mar, - Minhas rosas são amarelas como as
mais brancas que a neve das cabelos dourados das donzelas,
montanhas. Procura minha irmã, a ainda mais amarelas que o trigo que
que enlaça o velho relógio-de-sol. cobre os campos antes da chegada
Talvez te ceda o que desejas. de quem o vai ceifar. Procura a
Então o Rouxinol voou para a minha irmã, a que vive sob a janela
roseira, que enlaçava o velho do Estudante. Talvez ela possa te
relógio-de-sol. possa ajudar.

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O Rouxinol então, dirigiu o vôo as veias, a geada queimou-me os


para a roseira que crescia sob a botões e a tempestade quebrou-me
janela do Estudante. os galhos. Não darei rosas este ano.
- Dá-me uma rosa vermelha – pediu - - Eu só quero uma rosa vermelha,
e eu te cantarei a mais linda de repetiu o Rouxinol, - uma só rosa
minhas canções. vermelha. Não haverá meio de obtê-
A roseira sacudiu-se levemente. la?

- Minhas rosas são vermelhas, tão - Há, respondeu a Roseira, mas é


vermelhas quanto os pés das meio tão terrível que não ouso
pombas, mais vermelhas que os revelar-te.
grandes leques de coral que oscilam - Dize. Não tenho medo.
nos abismos profundos do oceano. - Se queres uma rosa vermelha,
Contudo, o inverno regelou-me até explicou a roseira, hás de fazê-la de

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música, ao luar, tingi-la com o carro de pérola...O aroma do


sangue de teu coração. Tens de espinheiro é suave, e suaves são as
cantar para mim com o peito junto a campânulas ocultas no vale, e as
um espinho. Cantarás toda a noite urzes tremulantes na colina. Mas o
para mim e o espinho deve ferir teu Amor é melhor que a Vida. E que
coração e teu sangue de vida deve vale o coração de um pássaro
infiltrar-se em minhas veias e tornar- comparado ao coração de um
se meu. homem?
- A morte é um preço exagerado Abriu as asas pardas para o vôo e
para uma rosa vermelha – exclamou ergueu-se no ar. Passou pelo jardim
o Rouxinol – e a Vida é preciosa... É como uma sombra e, como uma
tão bom voar, através da mata verde sombra, atravessou a alameda.
e contemplar o sol em seu O Estudante estava deitado na relva,
esplendor dourado e a lua em seu no mesmo ponto em que o deixara,

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com os lindos olhos inundados de O Estudante ergueu a cabeça e


lágrimas. escutou. Nada pode entender,
- Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol porém, do que dizia o Rouxinol, pois
– Rejubila-te; terás a tua rosa sabia apenas o que está escrito nos
vermelha. Vou fazê-la de música, ao livros.
luar. O sangue de meu coração a Mas o Carvalho entendeu e ficou
tingirá. Em conseqüência só te peço melancólico, porque amava muito o
que sejas sempre verdadeiro pássaro que construíra ninho em
amante, porque o Amor é mais sábio seus ramos.
do que a Filosofia; mais poderoso - Canta-me um derradeiro canto –
que o poder.. Tem as asas da cor da segredou-lhe – sentir-me-ei tão só
chama e da cor da chama tem o depois da tua partida.
corpo. Há doçura de mel em seus
braços e seu hálito lembra o incenso.

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Então o Rouxinol cantou para o Só pensa e cantar e bem sabemos


Carvalho, e sua voz fazia lembrar a quanto a Arte é egoísta. No entanto,
água a borbulhar de uma jarra de é forçoso confessar, possui
prata. maravilhosas notas na voz.
Quando o canto finalizou, o Que pena não terem significação
Estudante levantou-se, tirando do alguma, nem realizarem nada
bolso um caderninho de notas e um realmente bom!
lápis. Foi para o quarto, deitou-se e,
- Tem classe, não se pode negar – pensando na amada, adormeceu.
disse consigo – atravessando a Quando a lua refulgia no céu, o
alameda. Mas terá sentimento? Não Rouxinol voou para a Roseira e
creio. É igual a maioria dos artistas. apoiou o peito contra o espinho.
Só estilo, sinceridade nenhuma. Cantou a noite inteira e o espinho
Incapaz de sacrificar-se por outrem. mais e mais foi se enterrando em

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seu peito, e o sangue de sua vida que apareceu no mais alto galho da
lentamente se escoou... Roseira.
Primeiro descreveu o nascimento do Mas a Roseira pediu ao Rouxinol que
amor no coração de um menino e se unisse mais ao espinho. – Mais
uma menina; e, no mais alto galho ainda, Rouxinol, - exigiu a Roseira, -
da Roseira, uma flor desabrochou, senão o dia raia antes que eu acabe
extraordinária, pétala por pétala, a rosa.
acompanhando um canto e outro O Rouxinol então apertou ainda mais
canto. Era pálida, a princípio, qual a o espinho junto ao peito, e cada vez
névoa que esconde o rio, pálida qual mais profundo lhe saía o canto
os pés da manhã e as asas da porque ele cantava o nascer da
alvorada. Como sombra de rosa num paixão na alma do homem e da
espelho de prata, como sombra de mulher.
rosa em água de lagoa era a rosa

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E tênue nuance rosa nacarou as E o Rouxinol, desesperado, calcou-se


pétalas, igual ao rubor que invade a mais forte no espinho, e o espinho
face do noivo quando beija a noiva lhe feriu o coração, e uma punhalada
nos lábios. de dor o traspassou.
Mas o espinho não lhe alcançava Amarga, amarga lhe foi a angústia e
ainda o coração e o coração da flor cada vez mais fremente foi o canto,
continuava branco – pois somente o porque ele cantava o amor que a
coração de um Rouxinol pode morte aperfeiçoa, o amor que não
avermelhar o coração de rosa. morre nem no túmulo.
- Mais ainda, Rouxinol, - clamou a E a rosa maravilhosa tornou-se
Roseira – raiar o dia antes que eu purpurina como a rosa do céu
finalize a rosa. oriental. Suas pétalas ficaram rubras
e, vermelho como um rubi, seu
coração.

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Mas a voz do Rouxinol se foi caverna purpurina, nos montes,


enfraquecendo, as pequeninas asas despertando os pastores de seus
começaram a estremecer e uma sonhos. E ele levou-os através dos
névoa cobriu-lhe o olhar, o canto caniços dos rios e eles transmitiram
tornou-se débil e ele sentiu qualquer sua mensagem ao mar.
coisa apertar-lhe a garganta. - Olha! Olha! Exclamou a Roseira. – A
Então, arrancou do peito o rosa está pronta, agora.
derradeiro grito musical. Ao meio dia o Estudante abriu a
Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se janela e olhou.
da Aurora e permaneceu no céu. - Que sorte! – disse – Uma rosa
A rosa vermelha o ouviu, e trêmula vermelha! Nunca vi rosa igual em
de emoção, abriu-se à aragem fria da toda a minha vida. É tão linda que
manhã. Transportou-o o Eco, à sua tem certamente um nome

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complicado em latim. E curvou-se - Esta rosa não combina com o meu


para colhê-la. vestido, disse. Ademais, o Capitão da
Depois, pondo o chapéu, correu à Guarda mandou-me jóias
casa do professor. verdadeiras, e jóias, todos sabem,
custam muito mais do que flores...
- Disseste que dançarias comigo se
eu te trouxesse uma rosa vermelha, - - És muito ingrata! – exclamou o
lembrou o Estudante. – Aqui tens a Estudante, zangado. E atirou a rosa a
rosa mais linda e vermelha de todo o sarjeta, onde a roda de um carro a
mundo. Hás de usá-la, hoje a noite, esmagou.
sobre ao coração, e quando - Sou ingrata? E o senhor não passa
dançarmos juntos ela te dirá o de um grosseirão. E, afinal de contas,
quanto te amo. quem és? Um simples estudante...
A moça franziu a testa. não acredito que tenhas fivelas de
prata, nos sapatos, como as tem o

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Capitão da Guarda... – e a moça


levantou-se e entrou em casa. Oscar Wilde, O Rouxinol e a Rosa

- Que coisa imbecil, o Amor! –


Resmungou o estudante, afastando-
se. – Nem vale a utilidade da Lógica,
porque não prova nada, está sempre
prometendo o que não cumpre e
fazendo acreditar em mentiras. Nada
tem de prático e como neste século
o que vale é a prática, volto à
Filosofia e vou estudar metafísica.
Retornou ao quarto, tirou da estante
um livro empoeirado e pôs-se a ler...

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