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A autora discute o con-

ceito de prevenção e sua


relação com o de controle
O PAPEL
social e, em um segundo
momento, apresenta algu-
mas reflexões sobre as pos-
DA ESCOLA NA
sibilidades e limites de
atuação da instituição esco-
lar em direção à educação
e a prevenção em saúde
EDUCAÇÃO E
mental dos alunos.
Tomando por referen-
cial a teoria psicanalítica, o
PREVENÇÃO EM
artigo aponta para a impos-
sibilidade radical de elimi- 1
nação dos conflitos intra-
psíquicos e da profilaxia
SAÚDE MENTAL
das neuroses, pois não há
como garantir uma boa
educação que, por sua vez,
garanta boa saúde mental
ao sujeito. Por outro lado,
reconhece-se que o ajusta- S a n d r a F r a n c e s c a C o n t e de A l m e i d a
mento da vida pulsional à
realidade social é obra da
educação e que educado-
res e escola poderiam ori-
entar a sua ação educativa
na direção do reconheci- eu interesse, ao abordar este tema, é sobretu-
mento da criança como um do o de discutir o conceito de prevenção e sua relação
sujeito desejante. com o de controle social e, num segundo momento, refle-
Escola; saúde mental; tir sobre as possibilidades e limites de atuação da institui-
desejo.
ção escolar em direção à educação e à prevenção em
saúde mental.
THE ROLE OF SCHOOL ON Segundo um antigo e conhecido ditado popular, é
EDUCATION AND PREVEN-
TION ON MENTAL HEALTH melhor prevenir do que remediar. A sabedoria popular é,
The author discusses in por vezes, boa conselheira. Mas, em ciência, sobretudo
this article the concept of em ciências humanas e sociais, nem sempre o senso co-
prevention and its relation mum é a melhor orientação a seguir no processo de des-
to social control.
vendamento de realidades e de fenômenos sociais ocul-
Afterwards, she explains
some reflections about the tos ou escamoteados por discursos ideologicamente de-
possibilities and limits of terminados.
educational institutions in A atenção, o interesse e a importância atribuídos,
dealing with education
nos últimos anos, à questão da prevenção, orientam, atu-
and prevention on the stu-
dent's mental health. almente, a elaboração de novas políticas de saúde e de
Using psychoanalytic educação e estimulam novas atitudes dos profissionais na
theory as its reference, the
article points to the absolute
impossibility of eliminating • Professora-adjunta, coordenadora do Laboratório de
inner conflicts as well as of
Psicogênese do Departamento de Psicologia Escolar e do
creating a prophylaxis of
neurosis. Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade de
School; mental health; Brasília. Doutora em Ciências da Educação e diplomada
desire. em Psicologia Escolar pela Université René Descartes,
Sorbonne, Paris, França. Psicanalista.
gestão das questões e problemas colo- volve contradições, sobre as quais con-
cados nos campos da educação e da vém refletir. O que significa, em pri-
saúde, bem como mudanças de atitudes meiro lugar, prevenir? O que se quer
no trato com os sujeitos-alvo da ação prevenir, por exemplo, na escola? Quais
social. A minha convicção é, no entan- são as pessoas suscetíveis de uma ação
to, de que quanto mais bem sucedidas preventiva? Quais são os objetivos de
são as estratégias sociais ligadas à pre- uma ação preventiva?
venção social, aí incluídas a prevenção Vou tomar como ilustração, para
nas áreas de saúde e de educação, as- definir os vários níveis de prevenção, a
sim como a prevenção à marginalização ação social de prevenção à delinqüên-
social, à miséria, ao fracasso escolar, cia infanto-juvenil, isto é, a prevenção
dentre outras, mais refinados e sutis são do desvio social, por este constituir-se,
os mecanismos de controle social que por excelência, no paradigma de uma
se encontram na base e na origem des- doença a ser extirpada, ou melhor di-
sas estratégias de intervenção. zendo, doença a ser, a todo custo, evi-
As ações preventivas, curativas ou tada, logo, prevenida.
de tratamento constituem uma ação so- Etimologicamente, prevenir signifi-
cial. Por ação social entendo toda ação ca "vir antes, tomar a dianteira". No
planejada e executada com a finalidade caso de nossa ilustração, o da preven-
de assegurar o controle e a inserção ou ção à delinqüência social, ou à inadap-
reinserção das pessoas à vida familiar, tação social, podem-se distinguir três
escolar, social e econômica do país. A tipos de ações preventivas, segundo a
ação social é exercida através das insti- análise proposta por Lascoumes (1977):
tuições sociais, sejam elas de caráter a) primária — "prevenção preven-
repressivo (polícia, Justiça, exército...) tiva", centrada nas atividades de lazer
ou de caráter ideológico (família, Igreja, de crianças e pré-adolescentes, e na aju-
escola, meios de comunicação...). A da generalizada às famílias: habitação,
ação social se concretiza, na prática do higiene, etc.;
cotidiano, pela ação mediadora dos b) secundária — "prevenção cura-
agentes sociais, isto é, pelos profissio- tiva", visando a impedir os processos de
nais que se dedicam ao planejamento, desagregação das relações das pessoas
execução e avaliação de atividades, as com o ambiente social;
mais diferenciadas, no campo social, e c) terciária — "prevenção da
que funcionam, sobretudo, à base de recidiva", visando a impedir uma anco-
sistemas ideológicos. Pode-se citar, den- ragem na delinqüência ou na marginali-
tre estes profissionais, o assistente so- zação.
cial, o psicólogo, o psiquiatra, o profes- Com base nessa classificação,
sor. nosso interesse recai sobre a prevenção
Os Estados modernos, via institui- secundária ou "curativa", pois a pre-
ções sociais, orientam as ações sociais, venção primária envolve ações e estra-
cada vez mais, na direção de ações pre- tégias político-sociais e econômicas, a
ventivas, como pode ser observado ao cargo do Estado, no sentido de prover o
nível dos discursos sobre a prevenção cidadão em suas necessidades básicas:
em saúde (mental e somática) e a pre- emprego, assistência à saúde, habita-
venção à marginalidade e exclusão soci- ção, educação, lazer, etc. Já a preven-
ais. ção terciária confunde-se com as ações
O conceito de prevenção, no en- de tratamento ou de reeducação. Vê-se,
tanto, provoca inúmeras questões e en- assim, que o conceito de prevenção,
não importa o nível em que esta se situe, refere-se, sempre, a uma Prevenção é evitar que o
antecipação de, a um impedimento de, a um adiantar-se a alguma comportamento escape
coisa. Envolve, portanto, uma referência a algo que se supõe como à norma
negativo, prejudicial, inadequado ou, no mínimo, diferente. Mas, ideologicamente
inadequado em relação a quê? Certamente em relação a uma imposta, acarretando na
norma, a uma prescrição, a um modelo dado. E tais padrões são
classificação de
indivíduos ajustados ou
determinados por quem? Determinados por todo um sistema social
desajustados.
e ideológico dominante, que rege as relações de produção do
Estado e as relações sociais das pessoas, entre si, e que invoca,
para si, o direito de normatizar a vida dos cidadãos, classificando-
os em indivíduos de primeira classe (os ajustados socialmente) e os
de segunda classe (os desviantes da norma, os desajustados ou,
ainda, utilizando uma expressão cunhada por Costa (1986), os que
não correspondem ao tipo psicológico ordinário).
Prevenir, em última instância, significa o exercício de uma Prevenir em última
forma refinada e muito bem elaborada de controle social, de instância:
impedimento de desperdícios de força humana de trabalho, de ten-
tativa de inserção da pessoa ou de classes de pessoas nos mais va-
riados segmentos das relações sociais e de produção, com a finali-
dade de se evitar qualquer espécie de desvio ou de conflito, sobre-
tudo conflitos no âmbito social. Assim sendo, há de se prevenir, em
termos de saúde mental, para se evitar a loucura ou o desequi-
líbrio, há de se prevenir, na escola, para se evitar reprovações e
insucessos escolares, há de se prevenir no trabalho, para se evitar
desperdícios de material e de mão-de-obra...
Obviamente, não se trata de fazer a apologia da doença ou
dos procedimentos de sua cura e/ou tratamento. Pretendo, apenas,
deixar claro que nâo se previne ingenuamente. Os benefícios soci-
ais (e do Estado), resultantes das ações preventivas, são, provavel-
mente, relevantes, mas não estou certa de que o sejam, igualmente
e na mesma proporção, para os sujeitos-alvo da prevenção, os Em ações preventivas
quais, certamente, pagam um preço, em termos pessoais, subje- devem ser considerados
tivos, pela adaptação conseguida. Pois é certo que, na nossa so- os riscos ao sujeito-alvo
ciedade, não é qualquer pessoa ou classe social que se presta a da ação.
uma ação de caráter preventivo. A prevenção destina-se a popu-
lações previamente determinadas, segundo o perigo que suposta-
mente representam ou os riscos que correm. Não há ações pre-
ventivas, em saúde ou em educação, sem que estes riscos tenham
sido antecipadamente estimados. Prevenir supõe, também, como
curar, o investimento de recursos humanos, materiais e financeiros.
Portanto, é contrário à lógica da prevenção se ocupar de pessoas Pois a prevenção exige
ou populações que, em princípio, não apresentam indicadores ou recursos e apresenta
riscos de doença, de inadaptação social ou escolar, por exemplo. riscos, logo não deve ser
uma ação injustificada.
Em se tratando de saúde mental e, especificamente, do papel
da instituição escolar, prefiro adotar o termo promoção à saúde
mental, ao invés de prevenção, em função das implicações ideo-
lógico-práticas e das contradições que a análise do termo permite
inferir.
Vou me referir aos estudos de tos que intervém no desenvolvimento
Gonzalez Rey (1992), sobre personali- do processo, pois muitos dos fatores de
dade e saúde, para situar o que neste saúde são alheios ao esforço volitivo do
contexto se entende por saúde e saúde homem; Não entendi
mental. d) a expressão sintomatológica da
A saúde é um processo e não um enfermidade é resultante da estabilida-
produto a ser alcançado, segundo pres- de das funções e mecanismos que ex-
Conceito crições e normas previamente determi- pressam o estado de saúde.
de Saúde nados. Trata-se de um processo com- Nestes aspectos incluo a obser-
plexo, um processo qualitativo, que su- vação de que o sujeito participa do seu
põe o funcionamento integral do orga- processo de saúde, nâo somente de for-
nismo, nos seus aspectos somático e ma ativa e consciente, mas também de
psíquico, cuja integração forma uma forma inconsciente, pois, como já foi
unidade e onde o prejuízo sobre um dito, as funções somáticas e psíquicas^
aspecto atua, necessariamente, sobre o formam uma unidade indissolúvel e se
outro. A saúde, portanto, deve ser con- afetam mutuamente.
ceitualizada levando-se em conta o ní- A saúde é, ao mesmo tempo, um
vel individual, pois "a saúde humana processo humano individual, que tem a
(...) manifesta a vitalidade alcançada ver com a subjetividade do sujeito, em Saúde é
por uma população ou um indivíduo particular, mas que não deixa de ser individual
para o desenvolvimento de suas capaci- afetado pelas condições sociais, cultu- e social
dades biológicas, psicológicas e sociais" rais e históricas da sociedade. Assim é
(Aldereguía Henríquez, apud Gonzalez que as noções de saúde e de doença,
Rey, 1992, p.10). no âmbito de sua sintomatologia, de
Segundo Gonzalez Rey (1992), o suas manifestações e exigências, têm
conceito de saúde deve considerar os mudado qualitativamente conforme o
seguintes aspectos: desenvolvimento dos valores culturais
a) a saúde nâo pode ser identifica- da sociedade.
da como um estado de normalidade, Seguindo esta linha de raciocínio,
Saúde pois a nível individual é um processo trata-se de uma tarefa árdua conceituar
como
único e irrepetido, com manifestações saúde mental. Isto porque entramos em
integração
funcional? próprias. A saúde nâo é uma medida, é campos que se imbricam, de tal forma,
uma integração funcional que, a nível que qualquer esforço de teorização
individual, pode ser alcançada através malsucedido pode engendrar, nas práti-
de múltiplas alternativas; cas sociais, equívocos de diferentes or-
b) a saúde não é um estado estáti- dens e conseqüências. A saúde mental
co do organismo. É um processo que se envolve os campos intra-individual,
desenvolve constantemente, do qual inter-relacional ou intersubjetivo e, ain-
participa, de forma ativa e consciente, o da, o cultural, enquanto expressão de
indivíduo, na qualidade de sujeito do conhecimentos, valores e ideais postos
processo; pela civilização humana. Evito, delibe-
c) na saúde se combinam, estreita- radamente, discutir a questão da saúde
mente, fatores genéticos, congênitos, mental a partir de conceitos que se refe-
somatofuncionais, sociais e psi- rem às normas, as mais diversas, ou aos
cológicos. A saúde é uma expressão conceitos que envolvem as noções de
plurideterminada e seu curso não se normal e patológico. Em O mal-estar na
decide pela participação ativa do civilização, texto de 1930, Freud abor-
homem; este é apenas um dos elemen- da o tema do antagonismo irremediável
o que seriam esses
"conhecimentos
psicológicos"?
entre as exigências pulsionais e as res- A educação para a saúde mental
trições impostas pela civilização. Da supõe, necessariamente, a intenção de
leitura deste texto pode-se concluir, que seja propiciada às crianças uma boa
com Freud, que a capacidade do ho- educação, isto é, que lhes sejam trans-
saúde mem, de amar e de trabalhar, quando mitidos conhecimentos psicológicos ca-
mental de realizada sem que uma exclua a outra, pazes de produzir uma boa saúde men-
acordo é um bom indicador de saúde mental. tal Ora, tanto o conceito de boa edu-
com Este critério parece-me bastante satis- cação quanto o de saúde mental são
Freud fatório, pois articula, de forma excep- apropriados individualmente e são,
cionalmente clara, desejo e atividade também, indiscutivelmente, atravessa-
civilizacional. dos pela cultura e pelas normas sociais.
Encontramos ainda, na literatura, Entende-se, portanto, que as concep-
alguns indicadores de saúde mental ou ções de uma boa educação e de uma
de uma personalidade sadia que, além boa saúde mental serão as mais varia-
de incluírem a capacidade de amar e a das, dependendo dos sistemas de rep-
capacidade para realizar um trabalho resentação, dos valores e dos ideais dos
produtivo, incluem, também, outros in- agentes educativos que estão encar-
dicadores, tais como a criatividade ou o regados de transmiti-las e das represen-
potencial criador, a capacidade do eu tações do grupo social no qual estão
outros para integrar experiências negativas, a inseridos.
indicadore
abertura para novas idéias e para novas Em trabalho anterior (Almeida,
s de
saúde pessoas, a preocupação com o próprio 1994), apontei que Freud, em 1900, em
mental eu, com outras pessoas e com o mundo A interpretação dos sonhos, chama a
natural, a aceitação da responsabilidade atenção para o caráter repressivo da
das próprias ações, a busca de trans- educação, sendo que esta função re- Educação
cender os efeitos determinantes e limi- pressiva não se reduz a uma caracterís- também
tantes, na conduta, das incapacidades tica secundária, mas constitui a essência possibilita
pessoais e das pressões sociais para o e a razão de ser da prática educativa. Is- a criação.
conformismo e a evitação do estresse to porque cabe à educação a imposição
desmedido (Gonzalez Rey, 1992). de limites e de renúncia às pulsões sex-
Passo, agora, a discutir o papel da uais. O ajustamento da vida pulsional à
escola na prevenção à saúde mental ou, realidade social é, para Freud, obra da
como prefiro me referir, as suas possi- educação. O mal-estar na cultura, resul-
bilidades e limites de atuação na pro- tado das renúncias e do recalque das
moção do bem-estar e da saúde dos pulsões, é o preço que se paga para se
sujeitos em situação de aprendizagem viver em sociedade.
escolar. Com a psicanálise, reconhecemos
A relação que comumente as pes- a impossibilidade radical de eliminação
soas estabelecem entre educação e saú- dos conflitos intrapsíquicos e de profi-
de mental, no sentido de que esta de- laxia das neuroses, pois não há como
pende da primeira, é amplamente dis- garantir uma boa educação que, por
cutida em um trabalho escrito por Costa sua vez, garanta boa saúde mental ao
(1986). O autor analisa os esforços edu- sujeito.
cativos dirigidos à prevenção das neu- A própria natureza e objetivos das
roses e condutas caracterológicas e con- funções educativas, o caráter multide-
clui que "a educação psicológica não terminado do conceito de saúde mental
produz saúde mental mas reproduz, e as implicações ideológico-sociais da
tão-somente, a ordem social" (p.64). ação preventiva permitem concluir que
por conta das implicações ideológicas
das ações preventivas e da pluralidade
da saúde mental
não é possível à escola se assegurar da professores, são fundamentais na cons-
tarefa de prevenir a doença mental. O tituição do Supereu e, conseqüente-
que se pode, então, dela esperar, em mente, na constituição da instância do
termos de uma educação para a pro- Ideal de Eu. Uma vez constituída esta A tarefa
moção do bem-estar e da saúde mental instância, formada pela identificação ao da
de seus alunos? Supereu dos pais (ou de seus substitu- educação
Na minha opinião, não é pelo fato tos), a tarefa essencial da educação terá e formar o
sido cumprida?
Supereu?
de a escola e seus educadores se con-
frontarem com o papel normativo e Acredito que sim. No entanto, o
socializante da educação que o ato edu- próprio Freud, em um momento de
cativo, do ponto de vista da subjetivi- elaboração de sua teoria, expressou o
dade do sujeito, perde a sua relevância. desejo de que os educadores se fami-
Sabe-se que as crianças não podem pas- liarizassem com as descobertas da psi-
sar sem os adultos e que a condição canálise e de que se abstivessem da ten-
humana de pertença a uma cultura, de tativa de suprimir as pulsões pela força,
apropriação e de identificação aos sig- pois a severidade dessas tentativas se-
nificantes do Outro, é necessária e ine- riam danosas e inoportunas e levariam à
vitável, sob pena de que as experiên- produção de neuroses (Freud, 1913).
cias psíquicas vividas pelo sujeito não Freud expressava, portanto, o desejo de Fugir do
sejam jamais significadas e socialmente encontrar um optimum de educação autoritaris
se tornem incomunicáveis. que causasse um mínimo de dano à mo e
Acredito que existem experiências criança, no sentido dos educadores possibilitar
educativas mais ou menos patogênicas, evitarem atitudes educativas sistematica- a
mais ou menos promotoras de um certo mente repressivas e prejudiciais à saúde sublimaçã
o das
estado de bem-estar que o sujeito hu- mental. Ao invés de reforçar a tirania do
pulsões é
mano almeja alcançar. As finalidades da Supereu, de projetar sobre a criança seu uma tarefa
as relações educação, tanto quanto a sensibilidade Ideal de Eu, levando para a relação da
intersubjeti subjetiva do mestre que as coloca em educativa os avatares e vicissitudes de educação;
vas ato, no cotidiano de sua prática, têm sua própria história pessoal fantasmá- não
definem a efeitos os mais diversos, dependendo tica, o educador poderia orientar a sua reforçar o
orientação não somente da objetividade do objeto ação e o seu desejo de ensinar procu- Supereu
do ato rando, continuamente, o optimum de
de conhecimento a ser transmitido mas,
educativo
sobretudo, das relações intersubjetivas e educação que possibilite a sublimação
afetivas que se estabelecem entre aque- das pulsões agressivas e perversas em
le que ensina e aquele que aprende. direção a objetivos socialmente aceitos
"Essas influências afetivas recíprocas (Almeida, 1994). É certo que a sublima-
não se desenrolam unicamente num ção é um processo psíquico inconscien-
plano consciente; elas atuam em pro- te. Mas a repressão das pulsões, en-
fundidade, de um modo inconsciente e quanto resultante de exigências e von-
sem que os indivíduos o saibam. (...) tade deliberada do educador, pode ser
Entre o que a criança representa no minimizada ou "prevenida". Para Aragão
inconsciente do adulto e o que este po- (1994), "a educação não deveria dar à
de experimentar conscientemente, há criança a impressão de que todos os
muitas vezes uma considerável dife- impulsos são perigosos" (p.38). Os edu-
rença" (Mauco, s.d., p.24). cadores que se empenharem na realiza-
Por outro lado, as exigências soci- ção dessa tarefa irão se confrontar com
ais, que se impõem através da ação uma difícil missão, pois esta requer mui-
educativa, seja ela obra dos pais ou dos to mais recursos pessoais do que mate-
riais ou metodológicos.
Tomo a liberdade de citar algumas passagens da obra de Na relação com o
Mauco (s.d.), sobre a relação professor-aluno. "(...) a qualidade das estudante o professor deve
relações humanas é função do grau de maturação afetiva, e essa ter uma maturação afetiva
maturidade não se pode atingir enquanto o indivíduo estiver fixa- que possibilite formar um
do a modos arcaicos de comportamento em que dominam cap- laço de não
dominação/posse sobre o
tação e posse. (...) Para que esta relação leve à maturidade — e seja
outro, assim a criança
portanto educativa — é preciso que os próprios educadores ten-
toma esse modelo como
ham atingido o estado de adulto, ou seja, que sejam capazes de alvo de imitação
relações genitais satisfatórias. Qualquer ação educativa deve ser
afirmação dessa superioridade do adulto, que se torna um modelo
a imitar e com o qual são possíveis as trocas fortalecedoras da
criança. (...) o educador que responde subjetivamente e, logo, cap-
tatoriamente, ou de uma maneira agressiva à criança, regressa ao
seu nível. (...) Colocar-se no lugar da criança para compreendê-la
não significa alienar-se nela, mas manter a distância que facilita a
compreensão objetiva da criança e ajuda o educador no seu
próprio domínio" (p. 193-194).
Neste sentido, consciente das dificuldades que se colocam
para o educador, parece-me perfeitamente compreensível que
Freud tivesse expressado o desejo de uma "educação psicanalitica-
mente esclarecida" (Freud, 1913), e houvesse recomendado uma
formação psicanalítica e até mesmo uma análise pessoal aos edu-
cadores. Isto não o impediu, todavia, de alertar para o fato de que
"o trabalho de educação é sui generis: não deve ser confundido
com a influência psicanalítica e nâo pode ser substituído por ela"
(Freud, 1925, p. 342).
Se a escola não tem como assumir a tarefa de garantir a saúde a escola deve assumir a
mental do aluno, pois não há nenhuma possibilidade de assegurar criança não como
uma educação cujos efeitos sejam previsíveis, ela pode, no entan- página em branco, mas
to, se esforçar para reconhecer, no aluno, um sujeito desejante, um como sujeito desejante
sujeito a quem se atribui o direito à palavra e o direito de expres-
sar emoções, afetos e angústias. O professor que se vê alvo das
identificações e da transferência do aluno reage, a estas moções,
segundo a sua sensibilidade, a sua formação e, sobretudo, em
função de seu desejo inconsciente. Pode projetar no aluno suas
próprias fantasias e seu Ideal de Eu e enveredar por embates e
rivalidades imaginários, que alienam e subjugam o desejo da crian-
ça ao desejo inconsciente do professor. Pode, inversamente, arti-
cular as moções infantis ao nível da linguagem simbólica, per-
mitindo à criança expressar, pela palavra, seus desejos, conflitos e
tensões.
O reconhecimento da angústia, da falta e do conflito, ineren-
tes ao sujeito humano, pode auxiliar o educador a reduzir suas
esperanças educativas (megalomaníacas) e a melhor compreender
e a aceitar os limites de sua própria ação (Aragão, 1994).
Para que a escola e o educador cumpram uma função conti-
nente, capaz de abrigar e de conter, no seu interior, as múltiplas,
surpreendentes e conflitantes manifes- REFERÊNCIAS
tações do desejo infantil, há de se BIBLIOGRÁFICAS
reconhecer que o que a criança deseja
é ser amada. E é pela palavra e pelo ALMEIDA, S. F. C. de (1994). Psicologia, psi-
desejo do Outro que a criança se recon- canálise e educação: três discursos dife-
hecerá e espera ser reconhecida. rentes? In: BUCHER, R. & ALMEIDA, S. F.
C. de (orgs.). Psicologia epsicanálise:
Apesar de Freud ter se referido à
desafios. Brasília: Ed. da Universidade de
educação como uma tarefa impossível,
Brasília, 2- ed.
não o vejo como "antipedagogo", mas,
antes, como um crítico implacável da
ARAGÃO, R. O. (1994). Psicanálise e edu-
pedagogia tradicional "ortopédica". cação: conflito ou conciliação? In: BUCH-
Como a psicanálise não ensina verdade ER, R. & ALMEIDA, S. F. C. de (orgs.).
alguma, a não ser a verdade do sujeito, Psicologia epsicanálise, desafios. Brasília:
quando esta se faz palavra, a ordem Ed. da Universidade de Brasília, 2- ed.
simbólica, que faz do sujeito um efeito
do significante, permite-me concluir COSTA, J . F. (1986). Saúde mental, produto
que Freud, com seus ensinamentos e da educação? In: Violência epsicanálise.
com sua palavra, oferece aos educado- Rio de Janeiro-, Graal.
res ocasião para reflexão sobre os fun-
FREUD, S. (1913/1974). O interesse científico
damentos e os meios da educação, per-
da psicanálise. In: Edição standard
mitindo-lhes apropriar-se de sua práti- brasileira das obras psicológicas comple-
ca, questioná-la e articular as relações tas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro:
entre conhecimento, saber e desejo. • Imago, v.13.

. (1925/1976). Prefácio à juven-


tude desorientada, de Aichhorn. In:
Edição standard brasileira das obras psi-
NOTAS
cológicas completas de Sigmund Freud.
Rio de Janeiro: Imago, v.19-
1 Texto reelaborado a partir de uma palestra
proferida na Universidade Católica de Brasília,
. (1930/1974). O mal-estar na civi-
na II Semana de saúde mental, em novembro
lização. In: Edição standard brasileira das
de 1995.
obras psicológicas completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.21.
2 Adoto, aqui, a concepção freudiana do apa-
relho psíquico.
GONZALEZ REY, F. (1992). Personalidad,
saludy modo de vida. Caracas: Fondo
Editorial de Humanidades y Educación,
Universidad Central de Venezuela.

LASCOUMES, P. (1977). Prevention et controle


social: les contradictions du travail social.
Paris: Masson (Collection deviance et
société).

MAUCO, G. (s.d.). Psicanálise e educação.


Lisboa: Moraes Editores.

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