relação com o de controle O PAPEL social e, em um segundo momento, apresenta algu- mas reflexões sobre as pos- DA ESCOLA NA sibilidades e limites de atuação da instituição esco- lar em direção à educação e a prevenção em saúde EDUCAÇÃO E mental dos alunos. Tomando por referen- cial a teoria psicanalítica, o PREVENÇÃO EM artigo aponta para a impos- sibilidade radical de elimi- 1 nação dos conflitos intra- psíquicos e da profilaxia SAÚDE MENTAL das neuroses, pois não há como garantir uma boa educação que, por sua vez, garanta boa saúde mental ao sujeito. Por outro lado, reconhece-se que o ajusta- S a n d r a F r a n c e s c a C o n t e de A l m e i d a mento da vida pulsional à realidade social é obra da educação e que educado- res e escola poderiam ori- entar a sua ação educativa na direção do reconheci- eu interesse, ao abordar este tema, é sobretu- mento da criança como um do o de discutir o conceito de prevenção e sua relação sujeito desejante. com o de controle social e, num segundo momento, refle- Escola; saúde mental; tir sobre as possibilidades e limites de atuação da institui- desejo. ção escolar em direção à educação e à prevenção em saúde mental. THE ROLE OF SCHOOL ON Segundo um antigo e conhecido ditado popular, é EDUCATION AND PREVEN- TION ON MENTAL HEALTH melhor prevenir do que remediar. A sabedoria popular é, The author discusses in por vezes, boa conselheira. Mas, em ciência, sobretudo this article the concept of em ciências humanas e sociais, nem sempre o senso co- prevention and its relation mum é a melhor orientação a seguir no processo de des- to social control. vendamento de realidades e de fenômenos sociais ocul- Afterwards, she explains some reflections about the tos ou escamoteados por discursos ideologicamente de- possibilities and limits of terminados. educational institutions in A atenção, o interesse e a importância atribuídos, dealing with education nos últimos anos, à questão da prevenção, orientam, atu- and prevention on the stu- dent's mental health. almente, a elaboração de novas políticas de saúde e de Using psychoanalytic educação e estimulam novas atitudes dos profissionais na theory as its reference, the article points to the absolute impossibility of eliminating • Professora-adjunta, coordenadora do Laboratório de inner conflicts as well as of Psicogênese do Departamento de Psicologia Escolar e do creating a prophylaxis of neurosis. Desenvolvimento, Instituto de Psicologia, Universidade de School; mental health; Brasília. Doutora em Ciências da Educação e diplomada desire. em Psicologia Escolar pela Université René Descartes, Sorbonne, Paris, França. Psicanalista. gestão das questões e problemas colo- volve contradições, sobre as quais con- cados nos campos da educação e da vém refletir. O que significa, em pri- saúde, bem como mudanças de atitudes meiro lugar, prevenir? O que se quer no trato com os sujeitos-alvo da ação prevenir, por exemplo, na escola? Quais social. A minha convicção é, no entan- são as pessoas suscetíveis de uma ação to, de que quanto mais bem sucedidas preventiva? Quais são os objetivos de são as estratégias sociais ligadas à pre- uma ação preventiva? venção social, aí incluídas a prevenção Vou tomar como ilustração, para nas áreas de saúde e de educação, as- definir os vários níveis de prevenção, a sim como a prevenção à marginalização ação social de prevenção à delinqüên- social, à miséria, ao fracasso escolar, cia infanto-juvenil, isto é, a prevenção dentre outras, mais refinados e sutis são do desvio social, por este constituir-se, os mecanismos de controle social que por excelência, no paradigma de uma se encontram na base e na origem des- doença a ser extirpada, ou melhor di- sas estratégias de intervenção. zendo, doença a ser, a todo custo, evi- As ações preventivas, curativas ou tada, logo, prevenida. de tratamento constituem uma ação so- Etimologicamente, prevenir signifi- cial. Por ação social entendo toda ação ca "vir antes, tomar a dianteira". No planejada e executada com a finalidade caso de nossa ilustração, o da preven- de assegurar o controle e a inserção ou ção à delinqüência social, ou à inadap- reinserção das pessoas à vida familiar, tação social, podem-se distinguir três escolar, social e econômica do país. A tipos de ações preventivas, segundo a ação social é exercida através das insti- análise proposta por Lascoumes (1977): tuições sociais, sejam elas de caráter a) primária — "prevenção preven- repressivo (polícia, Justiça, exército...) tiva", centrada nas atividades de lazer ou de caráter ideológico (família, Igreja, de crianças e pré-adolescentes, e na aju- escola, meios de comunicação...). A da generalizada às famílias: habitação, ação social se concretiza, na prática do higiene, etc.; cotidiano, pela ação mediadora dos b) secundária — "prevenção cura- agentes sociais, isto é, pelos profissio- tiva", visando a impedir os processos de nais que se dedicam ao planejamento, desagregação das relações das pessoas execução e avaliação de atividades, as com o ambiente social; mais diferenciadas, no campo social, e c) terciária — "prevenção da que funcionam, sobretudo, à base de recidiva", visando a impedir uma anco- sistemas ideológicos. Pode-se citar, den- ragem na delinqüência ou na marginali- tre estes profissionais, o assistente so- zação. cial, o psicólogo, o psiquiatra, o profes- Com base nessa classificação, sor. nosso interesse recai sobre a prevenção Os Estados modernos, via institui- secundária ou "curativa", pois a pre- ções sociais, orientam as ações sociais, venção primária envolve ações e estra- cada vez mais, na direção de ações pre- tégias político-sociais e econômicas, a ventivas, como pode ser observado ao cargo do Estado, no sentido de prover o nível dos discursos sobre a prevenção cidadão em suas necessidades básicas: em saúde (mental e somática) e a pre- emprego, assistência à saúde, habita- venção à marginalidade e exclusão soci- ção, educação, lazer, etc. Já a preven- ais. ção terciária confunde-se com as ações O conceito de prevenção, no en- de tratamento ou de reeducação. Vê-se, tanto, provoca inúmeras questões e en- assim, que o conceito de prevenção, não importa o nível em que esta se situe, refere-se, sempre, a uma Prevenção é evitar que o antecipação de, a um impedimento de, a um adiantar-se a alguma comportamento escape coisa. Envolve, portanto, uma referência a algo que se supõe como à norma negativo, prejudicial, inadequado ou, no mínimo, diferente. Mas, ideologicamente inadequado em relação a quê? Certamente em relação a uma imposta, acarretando na norma, a uma prescrição, a um modelo dado. E tais padrões são classificação de indivíduos ajustados ou determinados por quem? Determinados por todo um sistema social desajustados. e ideológico dominante, que rege as relações de produção do Estado e as relações sociais das pessoas, entre si, e que invoca, para si, o direito de normatizar a vida dos cidadãos, classificando- os em indivíduos de primeira classe (os ajustados socialmente) e os de segunda classe (os desviantes da norma, os desajustados ou, ainda, utilizando uma expressão cunhada por Costa (1986), os que não correspondem ao tipo psicológico ordinário). Prevenir, em última instância, significa o exercício de uma Prevenir em última forma refinada e muito bem elaborada de controle social, de instância: impedimento de desperdícios de força humana de trabalho, de ten- tativa de inserção da pessoa ou de classes de pessoas nos mais va- riados segmentos das relações sociais e de produção, com a finali- dade de se evitar qualquer espécie de desvio ou de conflito, sobre- tudo conflitos no âmbito social. Assim sendo, há de se prevenir, em termos de saúde mental, para se evitar a loucura ou o desequi- líbrio, há de se prevenir, na escola, para se evitar reprovações e insucessos escolares, há de se prevenir no trabalho, para se evitar desperdícios de material e de mão-de-obra... Obviamente, não se trata de fazer a apologia da doença ou dos procedimentos de sua cura e/ou tratamento. Pretendo, apenas, deixar claro que nâo se previne ingenuamente. Os benefícios soci- ais (e do Estado), resultantes das ações preventivas, são, provavel- mente, relevantes, mas não estou certa de que o sejam, igualmente e na mesma proporção, para os sujeitos-alvo da prevenção, os Em ações preventivas quais, certamente, pagam um preço, em termos pessoais, subje- devem ser considerados tivos, pela adaptação conseguida. Pois é certo que, na nossa so- os riscos ao sujeito-alvo ciedade, não é qualquer pessoa ou classe social que se presta a da ação. uma ação de caráter preventivo. A prevenção destina-se a popu- lações previamente determinadas, segundo o perigo que suposta- mente representam ou os riscos que correm. Não há ações pre- ventivas, em saúde ou em educação, sem que estes riscos tenham sido antecipadamente estimados. Prevenir supõe, também, como curar, o investimento de recursos humanos, materiais e financeiros. Portanto, é contrário à lógica da prevenção se ocupar de pessoas Pois a prevenção exige ou populações que, em princípio, não apresentam indicadores ou recursos e apresenta riscos de doença, de inadaptação social ou escolar, por exemplo. riscos, logo não deve ser uma ação injustificada. Em se tratando de saúde mental e, especificamente, do papel da instituição escolar, prefiro adotar o termo promoção à saúde mental, ao invés de prevenção, em função das implicações ideo- lógico-práticas e das contradições que a análise do termo permite inferir. Vou me referir aos estudos de tos que intervém no desenvolvimento Gonzalez Rey (1992), sobre personali- do processo, pois muitos dos fatores de dade e saúde, para situar o que neste saúde são alheios ao esforço volitivo do contexto se entende por saúde e saúde homem; Não entendi mental. d) a expressão sintomatológica da A saúde é um processo e não um enfermidade é resultante da estabilida- produto a ser alcançado, segundo pres- de das funções e mecanismos que ex- Conceito crições e normas previamente determi- pressam o estado de saúde. de Saúde nados. Trata-se de um processo com- Nestes aspectos incluo a obser- plexo, um processo qualitativo, que su- vação de que o sujeito participa do seu põe o funcionamento integral do orga- processo de saúde, nâo somente de for- nismo, nos seus aspectos somático e ma ativa e consciente, mas também de psíquico, cuja integração forma uma forma inconsciente, pois, como já foi unidade e onde o prejuízo sobre um dito, as funções somáticas e psíquicas^ aspecto atua, necessariamente, sobre o formam uma unidade indissolúvel e se outro. A saúde, portanto, deve ser con- afetam mutuamente. ceitualizada levando-se em conta o ní- A saúde é, ao mesmo tempo, um vel individual, pois "a saúde humana processo humano individual, que tem a (...) manifesta a vitalidade alcançada ver com a subjetividade do sujeito, em Saúde é por uma população ou um indivíduo particular, mas que não deixa de ser individual para o desenvolvimento de suas capaci- afetado pelas condições sociais, cultu- e social dades biológicas, psicológicas e sociais" rais e históricas da sociedade. Assim é (Aldereguía Henríquez, apud Gonzalez que as noções de saúde e de doença, Rey, 1992, p.10). no âmbito de sua sintomatologia, de Segundo Gonzalez Rey (1992), o suas manifestações e exigências, têm conceito de saúde deve considerar os mudado qualitativamente conforme o seguintes aspectos: desenvolvimento dos valores culturais a) a saúde nâo pode ser identifica- da sociedade. da como um estado de normalidade, Seguindo esta linha de raciocínio, Saúde pois a nível individual é um processo trata-se de uma tarefa árdua conceituar como único e irrepetido, com manifestações saúde mental. Isto porque entramos em integração funcional? próprias. A saúde nâo é uma medida, é campos que se imbricam, de tal forma, uma integração funcional que, a nível que qualquer esforço de teorização individual, pode ser alcançada através malsucedido pode engendrar, nas práti- de múltiplas alternativas; cas sociais, equívocos de diferentes or- b) a saúde não é um estado estáti- dens e conseqüências. A saúde mental co do organismo. É um processo que se envolve os campos intra-individual, desenvolve constantemente, do qual inter-relacional ou intersubjetivo e, ain- participa, de forma ativa e consciente, o da, o cultural, enquanto expressão de indivíduo, na qualidade de sujeito do conhecimentos, valores e ideais postos processo; pela civilização humana. Evito, delibe- c) na saúde se combinam, estreita- radamente, discutir a questão da saúde mente, fatores genéticos, congênitos, mental a partir de conceitos que se refe- somatofuncionais, sociais e psi- rem às normas, as mais diversas, ou aos cológicos. A saúde é uma expressão conceitos que envolvem as noções de plurideterminada e seu curso não se normal e patológico. Em O mal-estar na decide pela participação ativa do civilização, texto de 1930, Freud abor- homem; este é apenas um dos elemen- da o tema do antagonismo irremediável o que seriam esses "conhecimentos psicológicos"? entre as exigências pulsionais e as res- A educação para a saúde mental trições impostas pela civilização. Da supõe, necessariamente, a intenção de leitura deste texto pode-se concluir, que seja propiciada às crianças uma boa com Freud, que a capacidade do ho- educação, isto é, que lhes sejam trans- saúde mem, de amar e de trabalhar, quando mitidos conhecimentos psicológicos ca- mental de realizada sem que uma exclua a outra, pazes de produzir uma boa saúde men- acordo é um bom indicador de saúde mental. tal Ora, tanto o conceito de boa edu- com Este critério parece-me bastante satis- cação quanto o de saúde mental são Freud fatório, pois articula, de forma excep- apropriados individualmente e são, cionalmente clara, desejo e atividade também, indiscutivelmente, atravessa- civilizacional. dos pela cultura e pelas normas sociais. Encontramos ainda, na literatura, Entende-se, portanto, que as concep- alguns indicadores de saúde mental ou ções de uma boa educação e de uma de uma personalidade sadia que, além boa saúde mental serão as mais varia- de incluírem a capacidade de amar e a das, dependendo dos sistemas de rep- capacidade para realizar um trabalho resentação, dos valores e dos ideais dos produtivo, incluem, também, outros in- agentes educativos que estão encar- dicadores, tais como a criatividade ou o regados de transmiti-las e das represen- potencial criador, a capacidade do eu tações do grupo social no qual estão outros para integrar experiências negativas, a inseridos. indicadore abertura para novas idéias e para novas Em trabalho anterior (Almeida, s de saúde pessoas, a preocupação com o próprio 1994), apontei que Freud, em 1900, em mental eu, com outras pessoas e com o mundo A interpretação dos sonhos, chama a natural, a aceitação da responsabilidade atenção para o caráter repressivo da das próprias ações, a busca de trans- educação, sendo que esta função re- Educação cender os efeitos determinantes e limi- pressiva não se reduz a uma caracterís- também tantes, na conduta, das incapacidades tica secundária, mas constitui a essência possibilita pessoais e das pressões sociais para o e a razão de ser da prática educativa. Is- a criação. conformismo e a evitação do estresse to porque cabe à educação a imposição desmedido (Gonzalez Rey, 1992). de limites e de renúncia às pulsões sex- Passo, agora, a discutir o papel da uais. O ajustamento da vida pulsional à escola na prevenção à saúde mental ou, realidade social é, para Freud, obra da como prefiro me referir, as suas possi- educação. O mal-estar na cultura, resul- bilidades e limites de atuação na pro- tado das renúncias e do recalque das moção do bem-estar e da saúde dos pulsões, é o preço que se paga para se sujeitos em situação de aprendizagem viver em sociedade. escolar. Com a psicanálise, reconhecemos A relação que comumente as pes- a impossibilidade radical de eliminação soas estabelecem entre educação e saú- dos conflitos intrapsíquicos e de profi- de mental, no sentido de que esta de- laxia das neuroses, pois não há como pende da primeira, é amplamente dis- garantir uma boa educação que, por cutida em um trabalho escrito por Costa sua vez, garanta boa saúde mental ao (1986). O autor analisa os esforços edu- sujeito. cativos dirigidos à prevenção das neu- A própria natureza e objetivos das roses e condutas caracterológicas e con- funções educativas, o caráter multide- clui que "a educação psicológica não terminado do conceito de saúde mental produz saúde mental mas reproduz, e as implicações ideológico-sociais da tão-somente, a ordem social" (p.64). ação preventiva permitem concluir que por conta das implicações ideológicas das ações preventivas e da pluralidade da saúde mental não é possível à escola se assegurar da professores, são fundamentais na cons- tarefa de prevenir a doença mental. O tituição do Supereu e, conseqüente- que se pode, então, dela esperar, em mente, na constituição da instância do termos de uma educação para a pro- Ideal de Eu. Uma vez constituída esta A tarefa moção do bem-estar e da saúde mental instância, formada pela identificação ao da de seus alunos? Supereu dos pais (ou de seus substitu- educação Na minha opinião, não é pelo fato tos), a tarefa essencial da educação terá e formar o sido cumprida? Supereu? de a escola e seus educadores se con- frontarem com o papel normativo e Acredito que sim. No entanto, o socializante da educação que o ato edu- próprio Freud, em um momento de cativo, do ponto de vista da subjetivi- elaboração de sua teoria, expressou o dade do sujeito, perde a sua relevância. desejo de que os educadores se fami- Sabe-se que as crianças não podem pas- liarizassem com as descobertas da psi- sar sem os adultos e que a condição canálise e de que se abstivessem da ten- humana de pertença a uma cultura, de tativa de suprimir as pulsões pela força, apropriação e de identificação aos sig- pois a severidade dessas tentativas se- nificantes do Outro, é necessária e ine- riam danosas e inoportunas e levariam à vitável, sob pena de que as experiên- produção de neuroses (Freud, 1913). cias psíquicas vividas pelo sujeito não Freud expressava, portanto, o desejo de Fugir do sejam jamais significadas e socialmente encontrar um optimum de educação autoritaris se tornem incomunicáveis. que causasse um mínimo de dano à mo e Acredito que existem experiências criança, no sentido dos educadores possibilitar educativas mais ou menos patogênicas, evitarem atitudes educativas sistematica- a mais ou menos promotoras de um certo mente repressivas e prejudiciais à saúde sublimaçã o das estado de bem-estar que o sujeito hu- mental. Ao invés de reforçar a tirania do pulsões é mano almeja alcançar. As finalidades da Supereu, de projetar sobre a criança seu uma tarefa as relações educação, tanto quanto a sensibilidade Ideal de Eu, levando para a relação da intersubjeti subjetiva do mestre que as coloca em educativa os avatares e vicissitudes de educação; vas ato, no cotidiano de sua prática, têm sua própria história pessoal fantasmá- não definem a efeitos os mais diversos, dependendo tica, o educador poderia orientar a sua reforçar o orientação não somente da objetividade do objeto ação e o seu desejo de ensinar procu- Supereu do ato rando, continuamente, o optimum de de conhecimento a ser transmitido mas, educativo sobretudo, das relações intersubjetivas e educação que possibilite a sublimação afetivas que se estabelecem entre aque- das pulsões agressivas e perversas em le que ensina e aquele que aprende. direção a objetivos socialmente aceitos "Essas influências afetivas recíprocas (Almeida, 1994). É certo que a sublima- não se desenrolam unicamente num ção é um processo psíquico inconscien- plano consciente; elas atuam em pro- te. Mas a repressão das pulsões, en- fundidade, de um modo inconsciente e quanto resultante de exigências e von- sem que os indivíduos o saibam. (...) tade deliberada do educador, pode ser Entre o que a criança representa no minimizada ou "prevenida". Para Aragão inconsciente do adulto e o que este po- (1994), "a educação não deveria dar à de experimentar conscientemente, há criança a impressão de que todos os muitas vezes uma considerável dife- impulsos são perigosos" (p.38). Os edu- rença" (Mauco, s.d., p.24). cadores que se empenharem na realiza- Por outro lado, as exigências soci- ção dessa tarefa irão se confrontar com ais, que se impõem através da ação uma difícil missão, pois esta requer mui- educativa, seja ela obra dos pais ou dos to mais recursos pessoais do que mate- riais ou metodológicos. Tomo a liberdade de citar algumas passagens da obra de Na relação com o Mauco (s.d.), sobre a relação professor-aluno. "(...) a qualidade das estudante o professor deve relações humanas é função do grau de maturação afetiva, e essa ter uma maturação afetiva maturidade não se pode atingir enquanto o indivíduo estiver fixa- que possibilite formar um do a modos arcaicos de comportamento em que dominam cap- laço de não dominação/posse sobre o tação e posse. (...) Para que esta relação leve à maturidade — e seja outro, assim a criança portanto educativa — é preciso que os próprios educadores ten- toma esse modelo como ham atingido o estado de adulto, ou seja, que sejam capazes de alvo de imitação relações genitais satisfatórias. Qualquer ação educativa deve ser afirmação dessa superioridade do adulto, que se torna um modelo a imitar e com o qual são possíveis as trocas fortalecedoras da criança. (...) o educador que responde subjetivamente e, logo, cap- tatoriamente, ou de uma maneira agressiva à criança, regressa ao seu nível. (...) Colocar-se no lugar da criança para compreendê-la não significa alienar-se nela, mas manter a distância que facilita a compreensão objetiva da criança e ajuda o educador no seu próprio domínio" (p. 193-194). Neste sentido, consciente das dificuldades que se colocam para o educador, parece-me perfeitamente compreensível que Freud tivesse expressado o desejo de uma "educação psicanalitica- mente esclarecida" (Freud, 1913), e houvesse recomendado uma formação psicanalítica e até mesmo uma análise pessoal aos edu- cadores. Isto não o impediu, todavia, de alertar para o fato de que "o trabalho de educação é sui generis: não deve ser confundido com a influência psicanalítica e nâo pode ser substituído por ela" (Freud, 1925, p. 342). Se a escola não tem como assumir a tarefa de garantir a saúde a escola deve assumir a mental do aluno, pois não há nenhuma possibilidade de assegurar criança não como uma educação cujos efeitos sejam previsíveis, ela pode, no entan- página em branco, mas to, se esforçar para reconhecer, no aluno, um sujeito desejante, um como sujeito desejante sujeito a quem se atribui o direito à palavra e o direito de expres- sar emoções, afetos e angústias. O professor que se vê alvo das identificações e da transferência do aluno reage, a estas moções, segundo a sua sensibilidade, a sua formação e, sobretudo, em função de seu desejo inconsciente. Pode projetar no aluno suas próprias fantasias e seu Ideal de Eu e enveredar por embates e rivalidades imaginários, que alienam e subjugam o desejo da crian- ça ao desejo inconsciente do professor. Pode, inversamente, arti- cular as moções infantis ao nível da linguagem simbólica, per- mitindo à criança expressar, pela palavra, seus desejos, conflitos e tensões. O reconhecimento da angústia, da falta e do conflito, ineren- tes ao sujeito humano, pode auxiliar o educador a reduzir suas esperanças educativas (megalomaníacas) e a melhor compreender e a aceitar os limites de sua própria ação (Aragão, 1994). Para que a escola e o educador cumpram uma função conti- nente, capaz de abrigar e de conter, no seu interior, as múltiplas, surpreendentes e conflitantes manifes- REFERÊNCIAS tações do desejo infantil, há de se BIBLIOGRÁFICAS reconhecer que o que a criança deseja é ser amada. E é pela palavra e pelo ALMEIDA, S. F. C. de (1994). Psicologia, psi- desejo do Outro que a criança se recon- canálise e educação: três discursos dife- hecerá e espera ser reconhecida. rentes? In: BUCHER, R. & ALMEIDA, S. F. C. de (orgs.). Psicologia epsicanálise: Apesar de Freud ter se referido à desafios. Brasília: Ed. da Universidade de educação como uma tarefa impossível, Brasília, 2- ed. não o vejo como "antipedagogo", mas, antes, como um crítico implacável da ARAGÃO, R. O. (1994). Psicanálise e edu- pedagogia tradicional "ortopédica". cação: conflito ou conciliação? In: BUCH- Como a psicanálise não ensina verdade ER, R. & ALMEIDA, S. F. C. de (orgs.). alguma, a não ser a verdade do sujeito, Psicologia epsicanálise, desafios. Brasília: quando esta se faz palavra, a ordem Ed. da Universidade de Brasília, 2- ed. simbólica, que faz do sujeito um efeito do significante, permite-me concluir COSTA, J . F. (1986). Saúde mental, produto que Freud, com seus ensinamentos e da educação? In: Violência epsicanálise. com sua palavra, oferece aos educado- Rio de Janeiro-, Graal. res ocasião para reflexão sobre os fun- FREUD, S. (1913/1974). O interesse científico damentos e os meios da educação, per- da psicanálise. In: Edição standard mitindo-lhes apropriar-se de sua práti- brasileira das obras psicológicas comple- ca, questioná-la e articular as relações tas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: entre conhecimento, saber e desejo. • Imago, v.13.
. (1925/1976). Prefácio à juven-
tude desorientada, de Aichhorn. In: Edição standard brasileira das obras psi- NOTAS cológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.19- 1 Texto reelaborado a partir de uma palestra proferida na Universidade Católica de Brasília, . (1930/1974). O mal-estar na civi- na II Semana de saúde mental, em novembro lização. In: Edição standard brasileira das de 1995. obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, v.21. 2 Adoto, aqui, a concepção freudiana do apa- relho psíquico. GONZALEZ REY, F. (1992). Personalidad, saludy modo de vida. Caracas: Fondo Editorial de Humanidades y Educación, Universidad Central de Venezuela.
LASCOUMES, P. (1977). Prevention et controle
social: les contradictions du travail social. Paris: Masson (Collection deviance et société).