Você está na página 1de 77

1

CURSO DE PSICANÁLISE

TEORIA PSICANALÍTICA
_______________________________________________________________

MÓDULO: SEMIOLOGIA PSICANALÍTICA

Profa.: Rejane Rodrigues de Campos1

São José dos Campos


2017

1
Psicanalista e Didata; Professora; Supervisora; Orientadora; Pedagoga; Licenciada em Psicologia da Educação;
Sociologia; Administração Escolar. Especialista em: Educação; Supervisão e Psicanálise; Psicologia e Saúde Mental;
Transtornos da Infância e Adolescência. Membro das Associações Psicanalíticas: APVP/SP; EPPICO/SP e
APICE/SC/BR..
2

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................. 03

1. Os signos através da história ............................................................... 05

2. O que vem a ser Semiologia ................................................................ 09

3. A Semiologia, os Mitos e as relações humanas .................................. 15

4. Por que Semiologia e Psicanálise ........................................................ 19

5. A Psicanálise, a cultura e os mitos ...................................................... 22

6. Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica ........................ 25

7. Comunicação, Semiologia e Psicanálise ............................................. 30

8. Entendendo a Semiologia .................................................................... 34

9. Semiologia Médica ................................................................................ 36

10. Semiologia Psiquiátrica ....................................................................... 38

11. Psiquiatria Dinâmica ............................................................................ 42

12. A Psicanálise e o modelo semiológico ................................................ 45

13. Os significados dos afetos e os traços mnésicos ............................... 48

14. Os mecanismos inconscientes e as defesas do ego ........................... 51

15. Evolução psicoemocional ..................................................................... 54

16. O Complexo de Édipo e o olhar semiológico ....................................... 59

17. O superego e os efeitos semiológicos .................................................. 62

18. A semiologia e a interpretação .............................................................. 64

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ............................................................... 70

LEITURAS SUPLEMENTARES ..................................................................... 71

Trabalho de avaliação e orientações .......................................................... 73


3

INTRODUÇÃO

“Os poetas e os filósofos descobriram o inconsciente antes


de mim. O que eu descobri foi o método cientifico
que nos permite estudar o inconsciente”.
Sigmund Freud

O ser humano faz parte de uma espécie bem sucedida em termos de sobrevivência
biológica, que povoa todas as regiões do universo terrestre. Entretanto a grande
adaptabilidade está na sua capacidade psíquica. É essa ferramenta que o torna capaz de
modificar decisivamente o ambiente a favor de sua sobrevivência e para uma qualidade de
vida, a qual proporciona a ele uma “estadia” maior no planeta terra. Esse processo de
adaptação se dá por meio da construção do conhecimento que o homem vai adquirindo
durante toda a sua existência, como também pela transmissão que vai ocorrendo ao longo
das gerações.
Há saberes que são vivenciados no cotidiano que convivem com diferentes fontes,
tornando-se muitas vezes contraditórios em determinadas ocasiões. Os vários
conhecimentos adquiridos pela humanidade podem ser socializados pelo uso de um código
ou sistema de símbolos que permitem a representação de uma informação. Os detentores
de um conhecimento utilizam códigos como terminologia, a fim de tornar esse
conhecimento socializado, assim, um fomenta o outro. É justamente através da vivência
que surge a dúvida e leva o individuo à experimentação para então o conhecimento tornar-
se ou não cientifico. Exemplificando, pode ser caracterizado e citado o “exossomatismo”
que consiste em uma forma de adaptação inconsciente ou consciente do ser humano às
condições ambientais. Constitui o processo pelo qual os indivíduos e mesmo as espécies,
passam a desenvolver ou viver uma adaptação evolutiva que culminará em um quadro de
seleção natural.
O desenvolvimento humano envolve o estudo de variáveis afetivas, cognitivas,
sociais e biológicas em todo o ciclo da vida, fazendo interface com a biologia, antropologia,
sociologia, educação, medicina entre outras. O enfoque tradicionalmente ficava voltado
para o interesse pelos anos iniciais de vida dos indivíduos, cuja origem está na história do
estudo cientifico do desenvolvimento humano. Entretanto, hoje há um consenso de que a
4

psicologia do desenvolvimento deve ter como foco o desenvolvimento do indivíduo ao


longo de todo o ciclo vital.
Há povos que sobreviveram por séculos sem desenvolver a escrita. Entretanto,
comunicaram-se e se expressaram cada um a seu modo. Muitas pessoas durante sua vida
se quer conhecem as regras gramaticais ou se expressam bem, o que constitui um sinal de
que a linguagem é algo mais complexo que a mera organização gramatical e a busca do
étimo das palavras. O fenômeno da comunicação é visto com uma visão mais ampla por
Ferdinand Saussure, que cria um novo paradigma para o estudo do mesmo. A função
primordial da linguagem é a comunicação e o uso da norma culta, no entanto, nem sempre
é adequada a um ambiente social descontraído.
O saber é constituído por uma dupla face, a “epistemológica” que se refere ao
significado das palavras e a “semiológica” ou “semiótica” que se refere ao significante que
encerra o significado. Pode ser dito que a semiótica teve sua origem na mesma época em
que a filosofia, sendo proposta para indicar a doutrina dos signos correspondente à lógica
tradicional. Surgiu também de forma a entender como uma ciência dos “sintomas” em
medicina junto com outras disciplinas afetas a esta.
No inicio do primeiro milênio da era cristã, Galeno de Pérgamo já tinham afirmado
que a diagnose é a parte semiótica da medicina. Isto deu origem à semiologia médica. Os
processos de significação como os sinais do corpo oferecem à interpretação e
compreensão das significações no campo das prevenções ou compreensão das semioses.
A semiologia e a teoria da comunicação podem ser sistematizadas e integradas de
uma maneira metódica e ao mesmo tempo prática no cotidiano da psicanálise. Este irá
fundamentar a operacionalidade da psicanálise, com contribuições da semiologia e da
teoria da comunicação, considerando uma estratégia terapêutica que possibilite cobrir os
níveis da ação analítica. Possibilita criar modelos que permitam reorientações pragmáticas
no sentido de facilitar ao analista, uma visão mais abrangente da problemática que lhe é
exposta pelo paciente. A compulsão à repetição, localizada a partir das estruturas
narrativas, possíveis de serem detectadas e traduzidas operacionalmente através do
material fornecido pelo paciente ao analista, em um sistema de signos passível de
codificação e consequente sistematização.
O homem vive no século da comunicação. Para alguns, o mundo constituiria uma
autêntica "aldeia global", habitada por “tribos planetárias”, possibilitadas uma e outra, pelas
novas tecnologias de informação e comunicação. Para outros tantos, a sobrecarga de
"informação" e "comunicação" não se traduz, necessariamente, em maior aproximação e
solidariedade entre os indivíduos, conduzindo antes a novas formas de individualismo e
5

etnocentrismo. "Comunicar" significa, etimologicamente, "pôr em comum". No processo de


comunicação, que simplificadamente pode ser entendido como a troca de uma mensagem
entre um Emissor e um Receptor, os Signos desempenham um papel fundamental. Sem
Signos, não há mensagem, nada pode ser posto em comum. Os Signos formam um campo
de grande amplitude e variedade, que constitui uma ciência que estuda a teoria e a
produção destes.

1. Os signos através da história

O estudo dos signos nasceu na Grécia antiga. Os primeiros a perceber a relações


e a diferença entre a natureza (semeion) e cultura (symbolon) foram os gregos. Deram
origem a duas linguagens: de nome objeto – “onomasiológica”; e de palavra conceito –
“semasiológica”. Desde então vem sendo objeto de investigação constante em vários
ramos do conhecimento, focalizado em diversas áreas como a filosofia, teologia, mitologia,
sociologia. Engloba a lógica, a retórica, a poética e a hermenêutica. Na civilização
ocidental, desde essa época até nossos dias, é marcado o desenvolvimento continuado
destas questões relativas aos signos e sinais.
O espirito capta os sinais relacionais existentes na natureza (semiologia), reunindo
significantes e significados, como também, constrói relações abstratas de significação
(semiótica), acrescentando características e aspectos, construtos apenas imaginários pelo
cérebro: o mundo cultural dos símbolos.
A partir de Platão (427-347 a. C.), filósofo das ideias que viveu no limiar de uma
época, entre valores antigos e um novo mundo, encontra-se a discussão sobre a natureza
dos signos e do significado. Em seus diálogos com Crátilos, ao falar da linguagem e do
conhecimento, faz a constatação de que os nomes não seriam capazes de dizer da
essência das coisas, bem como, o desenvolvimento de uma teoria sobre a iconicidade das
imagens mentais.
Aristóteles (384 – 322 a. C.) foi um sujeito devotado à cultura e dedicado à prática
literária. A partir da linguagem baseava sua definição de signo em uma teoria da
significação e da referência. Ele reconhece que as palavras “não são significantes por elas
mesmas, enquanto que os estados de alma são semelhantes às coisas que lhes
correspondem”. A palavra, em Aristóteles, é dita “símbolo de um estado psíquico”, isto
equivale a dizer que a relação da linguagem com o ser não é imediata. O que o autor tenta
mostrar é conservar uma relação mediata entre linguagem e realidade, evitando um abismo
entre “palavra” e “coisa”. Para o filósofo, o signo contém as bases de uma teoria da
6

significação e da referência. As palavras são convencionais em sua forma oral e escrita e


não naturais. Esse fato é observável por qualquer indivíduo e as regras mudam de uma
comunidade a outra. A palavra é, pois o símbolo de um estado psíquico. O estado psíquico
é uma imagem das coisas reais, e linguagem não tem qualquer relação de semelhança
com as coisas.
A Escola Estóica (300 a. C e 200 d. C.) apresentava sua filosofia como um modo
de vida. O individuo não era o que a pessoa diz, mas como se comporta (universo corpóreo
governado por um Logos divino). Fundada por Zenão de Cítio, cuja crença é de que o
conhecimento é atingido pela razão, pois tudo está enraizado na natureza. O estoicismo se
desenvolveu como um sistema integrado pela lógica, pela física e pela ética, articulados
por princípios comuns. Para viver uma boa vida era preciso entender as regras da
natureza. Assim, encontrada uma teoria em que o signo “reúne” três componentes: o
significante, o significado (ou sentido) e o objeto externo. Nessa proposta o significante e o
objeto externo eram definidos por uma natureza material, e o significado ou o sentido,
denominado de “Lekton”, que quer dizer “aquilo que é significado” era considerado
incorpóreo.
Epicuro de Samos (Século I), um filósofo grego do período helenístico, viveu uma
vida foi marcada pelo ascetismo, a serenidade e a doçura. Sua proposta é atingir a
felicidade, caracterizada pela “aponia” - ausência de dor física, e “ataraxia” -
impertubalidade da alma. As dores da alma estavam associadas às frustrações. Entretanto,
junto a seus seguidores, sugere a crença de que a linguagem verbal humana tal como o
comportamento animal e os gestos de uma criança, origina-se de uma convenção natural e
não de uma determinação de origem intelectual. Percebeu a superstição das pessoas, em
sua grande maioria, o que as afastavam da verdadeira função das religiões e dos deuses.
Segundo ele, os deuses viviam em perfeita harmonia, desfrutando da bem-aventurança, - a
felicidade divina. Piores e mais difíceis de lidar são as dores da alma. Estas estão
associadas às frustrações, segundo ele, e em geral oriundas de um desejo não satisfeito.
O filósofo búlgaro Tzvetan Todorov, historiador e sociólogo foi um dos intelectuais
mais reconhecidos do mundo. Estudioso de Filosofia da Linguagem, pesquisador de
linguística, teoria da linguagem e crítico literário, situa as origens da Semiótica ocidental
nas "tradições particulares" da semântica, da lógica, da retórica e da hermenêutica antigas.
Este autor considera Santo Agostinho o primeiro dos semióticos por ter sido ele Padre da
Igreja, por ser o primeiro a satisfazer os dois requisitos fundamentais implicados na noção
de semiótica: ter como objetivo o conhecimento, a teoria; ter como objeto de estudo signos
de espécies diferentes e não exclusivamente os linguísticos.
7

Santo Agostinho desenvolveu sua inteligência dentro de conceitos filosóficos e


científicos distantes dos ensinamentos religiosos e de infância. Vivenciou várias formas de
vida contemplativa, estudou retórica e contribuiu para a promoção da proliferação de
sentidos. Ele fez referência à mente do interprete como um terceiro componente da
semiose, retomando o caráter triádico: “Um signo é alguma coisa, que além e acima da
impressão que causa nos sentidos, traz à mente alguma coisa como consequência”.
Encontram-se os mesmos elementos: signo, significante e significado, afirmando Santo
Agostinho que “um signo é uma coisa que, além da espécie ingerida pelos sentidos, faz vir
ao pensamento, por si mesma, qualquer outra coisa”.
A descoberta do funcionamento dos organismos vivos é que inicialmente vem ser
chamada de semiótica, devido à elaboração intelectual de alguns estudiosos e autores.
Partem do princípio de que todo o animal, principalmente aqueles dotados de percepção
devem aprender que determinada matéria tem para suas vidas um significado fundamental.
As denominações “semiótica” e “semiologia” são nomes que passaram a existir por uma
questão de origem devido aos seus precursores do estudo nessa área.
As contribuições do filósofo Ferdinad du Saussure, um linguista de origem suíça,
marcou a história da linguística. Afirmou que “a língua é o palco de fenômenos relevantes”,
através do que é possível compreender a importância da constatação quanto à inexistência
de sociedade sem linguagem para interagir como o outro e com todos os elementos que a
rodeiam. Os conceitos como “langue e parole”, “sintagma e paradigma”, e “significante e
significado” fizeram com que ele fosse considerado o “pai da linguística moderna”.
Defendeu que a linguagem seria um fenômeno psicossocial constituindo a língua e a fala.
Afirmou que a “língua é o sistema, é aquilo que nenhum falante pode mudar”. O autor
buscou definir um objeto de estudo e objetivo de outro estudioso, ocasionando, assim, a
fundação de uma ciência autônoma e independente de outros estudos. Embora, conforme
o mestre “a linguística tem relações bastante estreitas com outras ciências, que tanto lhe
pegam emprestados como lhe fornecem dados, cujos limites que a separam de outras
ciências não aparecem sempre nitidamente”,
Saussure trabalhou com a fala e a oralidade, preocupando-se em “ver” como é que
as línguas se cruzam umas com as outras. Com a inquietação proveniente dessa ideia veio
chamar de “semiologia” os seus estudos sobre os signos. Ele trabalhou com a língua
francesa, o latim e o italiano, conhecendo bem o grego. Procurava saber como é que estas
línguas, no fundo se suportam, indo atrás de respostas para suas inquietações. O autor,
através da linguística, salientou que existia um lugar nas ciências sociais para uma ciência
8

que estudasse os signos. Isto fez com que montasse uma teoria, entretanto, não chegou a
escrevê-la.
Portanto, “Semiologia é uma ciência que estuda os signos”, segundo Saussure. O
núcleo de significação de linguagem é o signo. Para o autor o signo é composto de:
“significante” (Se), constituído pela “matéria acústica” ou a “imagem acústica”, nada mais
do que o som, algo que pode ser dividido e que tem contorno sonoro definido2; e
“significado” (So) que é o “conceito da coisa”, constitui um conceito de âmbito da memória,
cuja junção destas duas faces resultará no “signo”. Portanto, o “signo” é sempre “mental”,
ele é a “representação” daquilo que a nossa mente percebe. Quando alguém que não
domina uma língua estrangeira ouve uma palavra, ele capta o “significante”, ou seja, o
“som”, mas não consegue apreender o “significado”3, o conteúdo do que foi dito, por não
conhecer a língua. Saussure não considera a matéria externa, só acredita na existência da
palavra que é percebida pela mente. Portanto, a representação dessa materialidade é feita
pelo autor, através da equação “significante (Se) + significado (So) = signo”. Mais tarde
Adair Peruzzolo e Elizeu Verón e Martini, estudiosos que precederam Saussure,
classificam a “representação” como sendo “matéria significante”.
As formas como o individuo dá significado a tudo que o cerca, refere-se a um
conhecimento que existe há um longo tempo. Da raiz grega “semeion”, provém a semiótica
que constitui a “arte dos sinais”. Portanto, é a ciência que estuda os signos e todas as
linguagens e acontecimentos culturais como se fossem fenômenos produtores de
significado. O “ponto de vista semiótico” se refere ao significante, enquanto o “ponto de
vista epistemológico” esta conectado ao sentido dos objetos. A Semiótica na sua origem
remonta à Grécia Antiga. Portanto, ela é contemporânea do nascimento da Filosofia. Mais
recentemente é que se expressaram os mestres conhecidos como pais desta disciplina. No
início do século XX, ao lado das pesquisas de Ferdinand ddu Saussure surge Peirce com a
“Ciência da Significação”.
Charles Sander Peirce, um lógico e matemático americano, surge com um estudo,
onde propõe a “ciência da significação” como um “processo de produção do signo”. A este
sistema chama de “semiose”, e não apenas a ciência que estuda o signo. Em relação à
semiose, o autor propõe o estudo da relação triádica entre o “signo” (representâmen),
“objeto” (mental) e o “interpretante” que se formam a partir do “representâmen” (sinal,

2
A escuta da língua estrangeira é como se fosse uma sonoridade continua, por não conhecer a língua;
quando escuta a própria língua sabe onde termina e onde começa a palavra.
3
O sentido e acepção do vocábulo; correspondência que um vocábulo de uma língua tem em outra.
9

matéria externa, matéria significante). Peicer vai buscar na filosofia política, através de
John Locke (1690) a palavra Semiotikês para designar a “semiótica”.
O termo “semiótica” vem do grego “semiothiké” que significa a “arte dos sinais”. A
semiótica, portanto é a ciência geral que estuda todos os fenômenos culturais como se
fossem “sistemas sígnicos”, ou dizendo de outra maneira, “sistemas de significação”
envolvendo os signos e a semiose. Abrange um ocupar-se do estudo do processo de
significação ou representação, na natureza e na cultura, do conceito ou da ideia. Na cultura
e na sociedade as marcas como sistema de significação remontam desde a antiguidade, na
mitologia, na música, nas artes visuais, fotografia, cinema, moda, religião, gestos e em
todas as formas de manifestações sígneas em todos os tempos.
Com referência ao signo, pode ser dito que este é constituído por qualquer objeto,
som ou palavra capaz de representar uma outra coisa. Na modernidade, todos os
indivíduos dependem do “signo” para viver e interagir com o meio onde estão inseridos.
Para o homem comum, a noção de signo e suas relações, do ponto de vista teórico, não
são tão importantes, porém estão presentes em seu cotidiano entendidos de maneira
prática e precisa. Os signos são úteis, existem ou sucedem o momento, são
compreendidos e vão além do que se pode imaginar. Pode ser exemplificado com o ato de
dirigir um carro: lemos os discursos contidos nas placas de sinalização, sinais de trânsito,
nas luzes dos semáforos, pelas reações do veiculo ao meio ambiente, entre outros.
O homem intelectualizado não vive sem o signo, precisa dele para entender o
mundo, a si mesmo, as representações de seu mundo interno e as pessoas com as quais
se relaciona. Estão nas relações humanas. Portanto no cerne de tudo – semiologia ou
semiótica – o signo que é o tema central de um discurso, como um outro discurso, constitui
o produtor complexo da semiose. “A semiótica é um saber muito antigo que estuda os
modos como o homem significa o que o rodeia”.

2. O que vem a ser Semiologia

A semiologia é uma área do conhecimento que se dedica a compreender os


sistemas de significação desenvolvidos pela sociedade. O objeto da mesma são os
conjuntos de signos, sejam eles linguísticos, visuais, ou ainda ritos e costumes. A palavra
Semiologia vem da união das palavras gregas “semeion” que significa “sinal”, e “logos” que
quer dizer “estudo”. A Semiotica e a Semiologia, portanto, representam o memo campo de
estudos. Entretanto a partir de 1969, a Semiotica foi determinada como o nome da
“Ciência Geral dos Signos”.
10

A Semiologia, também chamada de Semiótica e definida como a "teoria geral dos


sinais” se ocupa não apenas de Linguística, pois aquela possui uma maior abrangência do
que esta. A Linguística é o estudo científico da linguagem humana, e a Semiologia
preocupa-se não apenas com a linguagem humana e verbal, mas também com a dos
animais e de todo e qualquer sistema de comunicação, seja ele natural ou convencional.
Assim, pode ser dito que a Linguística se insere como parte da Semiologia.
Semiologia e Semiótica são termos permutáveis. Enquanto a Semiologia surgiu na
Europa, com o filósofo e linguista suíço Ferdinand du Saussure, o qual entendeu que a
língua é um sistema de signos que exprime ideias no seio da vida social, a Semiótica
desponta nos Estados Unidos, com o filósofo Charles Sanders Peirce, cujo projeto consistia
na definição dos quadros lógicos de representação da experiência e das categorias do
pensamento. O primeiro autor acentuou a “função social” do signo, enquanto o segundo
destacou a sua “função lógica” do mesmo.
As elaborações teóricas de Saussure propiciaram o desenvolvimento da linguística
como ciência autônoma. Seu pensamento exerceu grande influência sobre o campo da
literatura e dos estudos culturais. Os conceitos propostos ganharam notabilidade: de
fundação, ou seja, estrutural para inúmeros estudos e teorias contemporâneas; e
notabilidade de indução, ou seja, estruturante em outros tantos estudos não linguísticos –
da antropologia de Lévi-Strauss à psicanálise de Lacan, em especial.
Para Saussure o signo é a união do sentido e da imagem acústica. O que o autor
chama de “sentido” é a mesma coisa que “conceito” ou “ideia”, isto é, a “representação
mental de um objeto” (ideia), ou da “realidade social” em que nos situamos. Essa
representação é condicionada pela formação sociocultural que nos cerca desde o berço, ou
seja, no núcleo familiar e na cultura, inicialmente da própria família. Este autor, em outras
palavras propõe um conceito que é sinônimo de significado (plano das ideias), algo como o
lado espiritual da palavra, sua contraparte inteligível, em oposição ao significante (plano da
expressão), que é sua parte sensível. Por outro lado, a imagem acústica “não é o som
material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som”. Melhor dizendo, a
imagem acústica é o significante. Com isso, temos que o signo linguístico é “uma entidade
psíquica de duas faces”, semelhante a uma moeda.
Considerando o estudo de algumas teorias do signo e suas significações, cabe
uma reflexão sobre os fundamentos da Semântica e da Semiótica, bem como, as relações
destas com o signo. Reputando ao homem biopsicossocial e sua subjetividade, a
semiologia é necessária para a compreensão e entendimento da Psicanálise. A Psicanálise
acaba confundindo–se com a linguística. Entretanto, a “escuta” de um linguista e de um
11

psicanalista é diferente. A razão de existir da língua é o sujeito, e traz consigo uma ideia
inseparável de intersubjetividade. O dizer de um ser falante é sempre constituído de uma
alteridade. Tentar entender essa inclusão do outro no dizer do eu por circunstâncias que
consideram o dialogo, a interação, trazem à cena um Outro elemento subjetivo: o sujeito
do inconsciente, cuja atuação na linguagem é silenciosa e constante. O primeiro elemento
do método semiótico é o “significante”, caracterizado pela imagem acústica. A impressão
psíquica do som é o “significado” que pode desencadear outro fenômeno psico-semiológico
e constitui o segundo elemento do signo.
Saussure estipula duas características primordiais do Signo:
a) O Signo é arbitrário: Isso quer dizer que não há um laço natural entre o significante e o
significado. Por exemplo, lua em Inglês é ‘moon’, enquanto em é italiano é ‘luna’, em
francês ‘lune’. Com essa inferência Saussure distingue um signo de um símbolo; um
símbolo teria uma relação com o objeto representado. Como exemplo, pode-se dizer que
a cruz evoca muita coisa para um cristão, enquanto a suástica a um nazista ou a um
judeu. O símbolo da justiça, a balança, não poderia ser substituído por um objeto
qualquer, um carro, por exemplo.
b) Caráter Linear do Significante: O significante é de natureza auditiva, desenvolve-se no
tempo, unicamente, e tem as características que toma do tempo em determinada
cultura. Com a constituição da linguagem verbal, existiriam relações sintagmáticas e
relações associativas. As relações sintagmáticas estariam baseadas no caráter linear da
língua, que exclui a possibilidade de pronunciar dois elementos ao mesmo tempo. Estes
se aliam um após o outro na cadeia da fala e tais combinações podem ser chamadas de
sintagmas. Por exemplo, “re-ler”, “contra-todos”, “a vida humana”, etc.
Saussure fazia frequentemente comentários sobre o conjunto dos fatos
semiológicos sem, contudo, apresentar qualquer detalhamento da maioria desses sistemas
de signos. O pesquisador tinha a língua como o principal dos sistemas sígnicos,
mencionando outros sistemas como o “Braille”, o “código de bandeiras marítimo”, “sinais
militares de corneta”, “códigos cifrados” (ex. música), etc. Somente no campo da literatura
Saussure empreendeu estudos mais extensos de sistemas sígnicos não-verbais. Por
exemplo, um estudo mitológico sobre a lenda germânica Niberlungen, que é descrita como
um sistema de símbolos que estão inconscientemente sujeitos às mesmas variações que
qualquer outra série de símbolos, bem como as palavras da língua.
Nos anagramas da poesia latina, Saussure se destacou no âmbito da semiologia.
Em determinado ponto das discussões teóricas, a semiologia saussureana ficou inscrita no
12

âmbito da sociologia e da psicologia (1901). O que mais ressaltou este enquadramento foi
a menção feita pelo linguista à aplicação da semiologia ao estudo das instituições jurídicas.
Ainda que o próprio Saussure tivesse a linguística como parte da semiótica, estudos
posteriores conseguiram provocar sérios equívocos que se tornaram polêmicas até hoje,
não sanados no que tange à posição dessas duas ciências: a semiótica contém a
semiologia ou a semiologia contem a semiótica? Convém, no entanto, buscar entender as
contribuições fundamentais do patrono da linguística na formulação de uma teoria geral dos
signos:
a) A arbitrariedade do signo linguístico em relação a sua constituição fonológica, do que
decorre o princípio suplementar da convencionalidade.
b) A não-arbitrariedade, a posterior, uma vez que ao falante não é facultado eleger signo
diferente do convencionado quando estabelece a comunicação com outrem, disto
decorre o princípio suplementar da imutabilidade do signo.
c) A imotivação dos signos quanto ao seu significado.
O princípio do binarismo: significado & significante indicam a associação psíquica
entre a imagem acústica e o conceito, sendo os três termos do modelo diádico de
Saussure: signo = significante + significado. O autor aponta a língua como o mais
importante dos sistemas de signos. Ele considera este o mais complexo e o mais utilizado
dentre os chamados sistemas de expressões sígnicas, mesmo considerando a língua como
apenas uma parte do universo semiológico. Ainda para Saussure, existe uma ciência geral
dos signos (Semiologia), da qual a Linguística poderia ser tão somente uma subdivisão.
Enquanto a semiologia de Saussure afirmava que a teoria do sentido deveria ser
estudada pela semiologia sem “contaminação” de outras áreas como a Filosofia e a
Sociologia, a semiótica proposta por Charles Sanders Peirce abraça as demais áreas do
conhecimento. Afirma que a teoria do sentido só pode ser recebida num corpo filosófico
maior. Este autor que estudou particularmente linguística, filologia e história, além de todos
os tipos de ciências, dominava dez idiomas. A semiótica peirciana pode ser considerada
uma filosofia cientifica da linguagem. A fenomenologia é a ciência que permeia a semiótica
de Peirce, devendo ser entendida no seu contexto. Para ele a fenomenologia é a descrição
e análise das experiências do homem, em todos os momentos da vida. Nesse sentido, o
fenômeno é tudo aquilo que é percebido pelo homem, seja real ou não.
Peirce acreditava que a semiose era uma manifestação da tendência humana de
buscar a verdade. O autor afirmava que a “verdade” é uma atividade dirigida para um
objetivo capaz de permitir a passagem de um estado de insatisfação para um estado de
satisfação, sendo este o motor do comportamento. Conceituou de forma indissociável de
13

sua investigação semiótica. Propõe o conceito de psique, mente, e consequentemente


analisou as atividades humanas. Psique para o autor remete à palavra grega “psyche”,
termo usado e que representa o princípio da vida nos seres viventes. Portanto, a “psíquica”
seria a ciência preocupada com os fenômenos mentais ou com as leis, manifestações e
produtos da mente. A mente por sua vez, nada mais é do que semiose, ou processo de
formação das significações.
A semiótica para Charles Sanders Peirce (2000) é constituída em três níveis: o
sintático – que revela a relação que o signo tem com o seu interpretante; o semântico – que
diz respeito a relação existente entre o signo e o seu referente (objeto); o pragmático – que
se importa com a relação do signo com ele mesmo e com outros signos. Para este autor, o
universo é semiótico e o homem interage com os sinais, lendo os que o antecedem e
formulando novos sinais em suprimento das necessidades emergentes.
Um signo, ou “representamen”, para Peirce é aquilo que em certo aspecto,
representa alguma coisa para alguém. Dirigindo-se a essa pessoa, esse primeiro signo
criará na mente ou “semiose” dessa pessoa, um signo equivalente a si mesmo ou,
eventualmente, um signo mais desenvolvido. O signo criado na mente do receptor recebe a
designação de “interpretante”, ou seja, que não é o interprete, e a coisa representada
recebe o nome o nome de “objeto”. Signo, Interpretante e Objeto constitui o que é chamado
de “representação triádica do signo”. O Interpretante comporta uma divisão tripartite: o
Interpretante Imediato corresponde ao Sentido (palavra à qual Peirce continuou preferindo
o termo antigo Acepção), o Interpretante Dinâmico equivale ao Significado e o Interpretante
Final, referido à Significação.
A visão pansemiótica de Pierce sobre o universo resultara no entendimento das
cognições, das ideias e até do homem como entidades semióticas. Como tal, um signo se
refere a outras ideias, a outros objetos do mundo e se reflete num passado. Suas ideias
projetam uma dimensão muito mais ampla. O homem denota qualquer objeto de sua
atenção num momento dado. Conota o que conhece ou sente sobre o objeto e é também a
encarnação desta forma ou espécie inteligível; o seu interpretante é a memória futura
dessa cognição, o seu eu futuro, ou uma outra pessoa à qual se dirige, ou uma frase que
escreve, ou um filho que tem.
Pierce retomou a teoria estóica do significado, em termos que lhe deram direito de
cidadania na lógica moderna. As concepções semióticas do autor demonstraram ser
fecundas na lógica e na semiótica contemporâneas, do mesmo modo que se tornaram
fecundas as múltiplas distinções e classificações de signos que ele forneceu nos seus
escritos. Para ele, Lógica e Semiótica identificam-se. Em seu sentido geral, Peirce afirma
14

que a lógica é apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal,


doutrina dos signos. A Semiótica é quase necessária ou formal no sentido em que,
segundo o autor, procede por observações abstrativas, partindo dos signos particulares e
de que os signos "são", para as afirmações gerais, o que os signos devem ser. Segundo
Peirce a Semiótica tem três ramos:
a) Gramática Pura - a sua tarefa é determinar o que deve ser verdadeiro quanto a
representação utilizada por toda a inteligência científica a fim de que possa incorporar
um significado qualquer. É a teoria geral da relação de representação e dos vários tipos
de signos.
b) Lógica Pura ou Crítica - ciência do que é quase necessariamente verdadeiro em
relação aos “representâments” de toda a inteligência científica a fim de que possam
aplicar-se a qualquer objeto, isto é, a fim de que possam ser verdadeiros. Ciência formal
da verdade das representações, compreendendo a teoria unificada da dedução, da
indução e da retodução - inferência hipotética ou abdução.
c) Retórica Pura ou Especulativa - o seu objetivo é o de determinar as leis pelas quais,
em toda a inteligência científica, um signo dá origem a outro signo e, especialmente, um
signo acarreta outro. Refere-se à eficácia da semiose.
Esta tripartição da Semiótica viria a ser retomada por Charles Morris em 1938 que
substitui as designações de Pierce pelas de Sintaxe, a qual trata da relação formal dos
signos uns com os outros; Semântica, que trata da relação entre os signos e os objetos a
que se aplicam, e Pragmática, a qual procede da relação entre os signos e os intérpretes.
Como sabemos, Sintaxe, Semântica e Pragmática constituem, hoje em dia, os três grandes
domínios da Semiótica.
Pierce distingue, ainda, entre Semiótica geral e "ciências psíquicas" que mais
propriamente pode ser chamada de "ciências semióticas", as quais incluem as ciências
psicológicas e sociais, a linguística, a história, a estética, etc.. Para o autor, a Lógica e a
Semiótica se identificam, pois afirma que "em seu sentido geral, a lógica é, como acredito
ter mostrado, apenas um outro nome para semiótica, a quase-necessária, ou formal,
doutrina dos signos". A Semiótica é "quase-necessária" ou "formal" no sentido em que,
segundo Peirce, procede por "observação abstrativa", partindo dos signos particulares
(signos - como "são"), para as afirmações gerais (signos - "devem ser"). Isto se observa
através de uma carta que escreve a Lady Welby, dizendo que "desde o dia em que, com
doze ou treze anos, apanhei no quarto do meu irmão um exemplar da Lógica de Whately
nunca mais fui capaz de estudar o que quer que fosse - matemática, moral, metafísica,
15

gravitação, termodinâmica, fonética, economia, história das ciências, homens e mulheres,


vinho, metrologia - senão como estudo de semiótica".
É perfeitamente perceptível que a sociedade atual organiza-se em torno de um
grande e poderoso universo de signos, e bastante complexo. De igual modo, é também
perceptível o estado absoluto em que se portam a linguagem humana e seus signos de
valor incondicional. Conforme Barthes (1991), nenhum outro sistema com a mesma
complexidade e grandeza foi observado em nosso espaço e tempo.
No cerne de tudo – semiologia ou semiótica –, o signo, tema central para também
um outro discurso: o signo, produtor complexo da semiose. Ora, como faz notar Umberto
Eco: “A semiose é o fenômeno, típico dos seres humanos (e, segundo alguns, também dos
anjos e dos animais), pelo qual – como diz Peirce – entram em jogo um signo, seu objeto
(ou conteúdo) e sua interpretação. A semiótica é a reflexão teórica sobre o que seja a
semiose. Em consequência o semiótico é aquele que nunca sabe o que seja semiose, mas
está disposto a apostar a própria vida no fato de que ela exista”.

3. A Semiologia, os Mitos e a Cultura

A semiologia estuda todo o sistema de signos da vida social e se debruça sobre a


significação de toda e qualquer linguagem. Constitui a ciência das formas, considerando
que estuda as significações, independente do seu conteúdo. O tema é complexo e
subordinado a múltiplas intepretações segundo o ângulo que é tomado para descrever
fenômenos tanto da mitologia como de outras ciências. Constitui num assunto que se
insere na perspectiva histórica da humanidade, como também, um aspecto vital da
civilização humana.
O mito é um sistema semiológico que aglutina o significado e o significante, a
própria relação entre os dois, o “signo”, na forma de entidade concreta. A comunicação
pode fazer do mito, a marca, “um signo linguístico perfeito”. Os mitos servem de modelo
para a sociedade desde épocas remotas, por conseguinte, possuem uma importante
função (des)organizadora para a humanidade, eles constituem um sistema de
comunicação, uma “mensagem”. Formam parte essencial de uma marca, é um sistema de
significação que tem uma massa ilimitada de significantes. A alteração comportamental nas
sociedades faz com que o mito seja “re-apresentado” inúmeras vezes, funcionando como
uma verdade profunda da mente mergulhada no inconsciente. Ele faz compreender e
acima de tudo impõe-se na mente das pessoas. A linguagem da mitologia constitui num
repertório de narrativas transmitidas oralmente de geração a geração através de um
16

conjunto de mitos narrados ou cantados. Muitas são as formas de abordagem e definição


dos mitos.
O mito vem do grego “mythós” que significa “mensagem”, “discurso”. Constitui uma
forma de comunicação de cunho simbólico. Procura explicar a origem e o significado do
mundo. Representa um sistema de pensamento de uma cultura, uma maneira de
sistematização das questões de âmbito das angústias do ser humano em busca de
conhecimento, tais como: origem do universo e do homem; o nascimento; o divino; a morte,
entre outros. Múltiplas são as funções das histórias míticas que se baseiam em tradições e
lendas em uma perspectiva temporal indefinida e que envolve muitas vezes a força divina.
O “Mito cumpre na cultura primitiva”, de acordo com Grimal (2005), “uma função
indispensável; expressa, acentua e codifica a crença, protege e reforça a moral; vigia a
eficiência do ritual e de certas regras práticas para a orientação do homem (...) não é uma
fabula vã, mas uma força criadora. Um ingrediente vital para a civilização humana”.
Os mitos, como histórias sagradas, são muitas vezes endossados pelos
governantes e sacerdotes, intimamente ligados à religião. O mito, na sociedade em que é
divulgado, geralmente é considerado um relato verdadeiro, narrativa de um passado
remoto, dos antepassados em suas conquistas, peripécias e suas relações no âmbito dos
deuses e dos humanos. A condição humana, na Grécia antiga estava vinculada à
existência dos deuses do Olimpo, representações de força e níveis de realidade
transcendente. O Mundo era povoado por deuses que atuavam sobre a vida humana. Ao
homem cabia viver da melhor maneira possível de acordo com os desígnios divinos. Não
havia separação clara entre o sagrado e o profano. A vida humana era regida por uma
divindade e que para uma vida harmoniosa era preciso conhecer seus genitores, condições
de seu nascimento, seu lugar na genealogia divina, para assim agir de forma piedosa a
este Deus.
Na origem mitológica e religiosa da criação e queda do homem transcende seu
tempo e sua própria origem através da narrativa da sua aporia do “pecado original”. Nesta
se esconde e desvelam a um só tempo a incompatibilidade lógica entre o objetivo divino da
“obediência” e o objetivo humano da “liberdade” e da “igualdade”, segundo Fiori (1973). A
criação do homem está posta no “poder da palavra” de Deus capaz de criar os céus, a
terra, os animais e o homem a partir do nada, através de uma simples designação.
Adão e Eva no paraíso não resistiram em provar do fruto da árvore do conhecimento
sem a sarcástica intervenção da serpente tentadora. O primeiro delito humano seria então
a busca em se apropriar do que é do Pai criador. Porém, “antes do pecado original, o
homem conhecia o bem e o mal: o bem por experiência (per experientian), o mal por
17

ciência (per scientiam). Mas após o pecado, o homem conhece o mal por experiência e o
bem somente por ciência”, afirma Autun (apud AGMBEN, 2005). Eva foi quem caiu primeiro
em tentação. O mito do paraíso trouxe uma duplicidade ao signo feminino entre outras
narrativas. A debilidade implícita de Eva cede ao chamado do diabo. Ao profanar o paraíso
conduz a humanidade ao ciclo de vida e morte, de procriação e realização da vida humana,
para além do paraíso exclusivo de Deus. O mito de Eva representa vida e mundo. A
transgressão dela é criadora. É a palavra iluminadora da dualidade humana, que, fora a
posse da semente do bem e do mal em sua essência, emana a capacidade reprodutiva e
de reprodução do mundo, o poder criador que remete ao divino, afirma Gea (2007). Noé e
a esposa, depois do Dilúvio, receberam a ordem dada a Adão e Eva: “sejam fecundos e
multipliquem-se pela terra”. Mas logo Noé é obrigado a amaldiçoar seu próprio filho pela
primeira desobediência.
Os mitos, a partir da escrita, obtiveram a condição de representatividade na
literatura, sobretudo através dos trageógrafos gregos, como Ésquilo, Sófocles e Euripedes,
entre outros. São autores de textos mitológicos enriquecidos pela arte da fantasia e
imaginação criativa do artista. A tragédia é uma forma transformada do mito, segundo
Azevedo (2015), cujas alterações são feitas para que o relato se encaixe na escrita. O mito
é na verdade o conjunto de suas variantes, transmitido em diferentes versões. A obra
literária pode ser entendida como “recorte” de uma ou mais variantes que se adapta à
leitura que o autor faz de um determinado mito. Como exemplo pode ser citado a versão
literária de Sófocles na peça de Édipo Rei, entre outras tantas do mito edípico. Portanto, há
uma clara diferença entre mito e tragédia. A tragédia é uma variante recortada e
transformada formal e esteticamente para a arte. Ela compreende o relato de situações de
acontecimentos terríveis que inspiram comoção. Constitui em uma forma dramática cuja
finalidade é despertar o terror e a piedade, baseada no percurso do herói que termina
quase sempre num acontecimento que enuncia ou precede a morte.
Na modernidade os mitos continuam existindo, porém mais adequados à realidade
atual, segundo Müller que afirma: “com a diferença apenas de que atualmente não
reparamos nela, porque vivemos sua própria sombra e porque, nós todos, retrocedemos
ante a luz meridiana da verdade”. Entretanto, nem por isso deixam de serem naturalmente
mitos e de inspirarem as pessoas, seja por meio das religiões ou da ciência.
O mundo moderno procura satisfazer todas as necessidades do homem através do
consumo. Entretanto, esse mesmo consumo o escraviza. Torna-se seu único objetivo,
destrói sua individualidade. O homem comum, preocupado em obter todos os bens ou
produtos de massa, torna-se um mero componente na máquina de consumo, um operário
18

que quer ser um consumidor. Incapaz de obter satisfação vê-se impotente e diminuído. O
mundo moderno procura suprimir a religião, os mitos e os heróis, pois é nestes que o
homem procura forças para superar o sentimento derrotista em que mergulhou. As religiões
aparecem como fonte de conforto, esperança de sucesso que o mundo material não lhe
pode oferecer.
O herói é uma das manifestações mais fortes do mito, presente em todas as áreas
da cultura. Seja no cinema, na literatura, na televisão ou nas histórias em quadrinhos, o
herói surge na vida dos povos como guardião de seus valores mais nobres e justos. É
responsável não só pela defesa dos homens, mas pela transmissão de ensinamentos para
as gerações futuras, através de suas narrativas. Entre os ídolos na atualidade, os do
futebol estão mais próximos do herói clássico, como também os da música. Segundo o
sociólogo Ronaldo Helal (1999), a trajetória do herói do futebol, ligada à luta, à disputa e ao
sucesso em virtude da derrota do oponente, é semelhante às batalhas dos mitos da
antiguidade. O autor afirma que essa característica do “ídolo-herói acaba por transformar o
universo do futebol em um terreno extremamente fértil para a produção de mitos e ritos
relevantes para a comunidade”.
O herói atual tem sua narrativa construída segundo um padrão midiático para
corresponder aos anseios do público. Se por um lado o homem contemporâneo des-
sacraliza os deuses e heróis de antes, de outro, reforça e fetichiza os mitos da pós-
modernidade. O consumo e o estilo de vida de um mundo cujos rituais já não giram mais
em torno de figuras sagradas, mas sim de desejos mundanos, ao invés de libertar o
homem dos limites da religião, apenas a substituem, aprisionando o espirito humano e
submergindo-o em suas próprias ambições. É importante perceber que não se pode retirar
do mito o seu poder emocional, tão pouco seu efeito metafisico sobre os homens. O
simbolismo que está atrelado aos mitos lhes dá legitimidade, mesmo que para isso tenham
mudado de forma e de apresentação.
Na verdade não há uma oposição entre mito e realidade, verdade, modernidade,
mesmo que de fato na consciência e no senso comum, “o apelo ao moderno evoca um
tempo percorrido e denominado vitorioso desmantelamento a antigas mitificações
sedimentadas e enraizadas no costume” de acordo com Grossi (2007). Segundo o autor,
devido às conquistas do progresso humano através da secularização e a consequente
posse de verdades cientificas. No consciente coletivo, o mito não significa somente coisa
fantasiosa, irreal, de acordo com Costa Neto (1999), mas quer dizer, em primeiro lugar,
uma narrativa de significação simbólica e, como tal, pode auxiliar a ciência a expor suas
teorias de forma viva e imaginativa.
19

4. Porque Semiologia e Psicanálise

O estatuto epistemológico é fundamentalmente diferente entre linguística e


psicanálise. A primeira é a ciência da linguagem, a segunda é mais complexa, é a ciência
do inconsciente. Enquanto um “lapso” se torna a “escória involuntária”, que mal se nota
para um linguista, para o psicanalista é a brusca irrupção do “inconsciente no discurso”.
Freud (1923) define a Psicanálise como o nome de um método “de investigação de
processos anímicos que são dificilmente acessíveis de outra maneira; de tratamento dos
distúrbios neuróticos, que se funda sobre essa investigação”, assim como propõe como o
nome de “uma série de princípios psicológicos adquiridos por esse meio, que crescem
progressivamente para reunir-se em uma disciplina cientifica nova”.
A psicanálise aparece como que clivada, terapêutica de um lado e cientifica de outro.
Amplamente discutido por Lacan (Seminário 11), ele manifesta a assimetria fundamental
entre a “ciência da linguagem” de um lado e a “ciência do inconsciente” de outro, embora
interrogativo e parcial quanto a esta última. Contemporâneos e pertencentes à mesma
geração, Freud (1856-1939) e Saussure (1857- 1913) não se conheceram. Embora a
linguística já existisse no universo da cultura, Ferdinand não escreveu sobre o que teorizou
e por outro lado não entrou em contato com os escritos freudianos, no entanto, o filho de
Saussure, Raymond de Saussure, foi analisando de Freud.
Lévi-Strauss (1958) com sua antropologia estrutural contribuiu para a construção da
semiologia psicanalítica, justificando o autor, sua proposição dos mitos como sendo
universais linguísticos, reveladores do inconsciente humano apoiando-se em Freud e na
Psicanálise. O antropologista, pensa sobre a noção de mito e também de inconsciente,
admitindo que “as constelações psíquicas que reaparecem à consciência do doente
possam constituir um mito”, e ainda, “o objeto próprio dos mitos é oferecer uma derivação a
sentimentos reais mais recalcados” (Lévi-Strauss, 2003). Diretamente Freud não propõe
nenhuma “Semiologia Psicanalítica”, porém a ciência que estuda a vida dos signos no seio
da vida social ensina as leis que regem os signos, e como tal vinculada a um domínio dos
fatos humanos.
Na biografia de Freud, Ernest Jones sublinha o pai da psicanálise em toda a sua
vida, “provavelmente foi mais absorvido pelo grande problema de como o homem veio a
ser homem do que por qualquer outra questão". Impulsionado em direção a longínquas
navegações, Freud intui que o vento da história do processo de humanização - do devir
homem -, sopra do passado. O cerne do mito é a origem das coisas, seus primórdios
segundo Eliade. O mito narra a origem do mundo, do homem, do animal, do fogo, da
20

guerra, e assim outros tantos, e por tanto, giram em torno não do fim em si mesmo, mas de
um novo começo. Um leque de aberturas se descortina no estabelecimento de uma
comunhão entre mito e psicanálise.
O efeito do mito é desvelar as contradições, pois apresenta a recorrência de certas
questões conflitantes da humanidade: vida e morte; o mesmo e o outro; a diferença sexual;
o perene e o transitório; etc.. O homem indaga muitas vezes: por que os mitos? A literatura
oral de modo geral, utiliza com tanta frequência a duplicação, a triplificação de uma mesma
sequência. Lévi-Strauss responde que a “repetição possui uma função própria, que é a de
tornar manifesta a estrutura do mito”.
O inconsciente, a espinha dorsal da descoberta freudiana - a psicanálise e sua
clínica - também se funda na figura do paradoxo, na coabitação de opostos, no conflito e na
repetição - tendência de retorno ao mesmo ponto de origem, em geral, ao ponto de
encontro com uma satisfação originária e absoluta, e, portanto, mortífera. Mas, o eterno
retorno não significa sempre o retorno do idêntico. Ao contrário, voltar é ser, mas apenas o
ser do devir, pois supõe um mundo em que as identificações prévias são abolidas,
dissolvidas e metamorfoseadas.
O deus da medicina, Asclépio que é filho de Apolo, no seu santuário transmite seus
oráculos por meio dos sonhos. No ritual de cura por incubação, o doente é recebido para
passar a noite com o objetivo de ingressar no sono e incubar o sonho curativo. A palavra
clínica origina-se, etimologicamente, do grego “Klinico”, “Kline” e do verbo “Klino” que
significa tratamento, leito ou repouso, e deitar reclinar, debruçar, inclinar. Na clínica, não
por acaso, coube a Freud a invenção do artifício do “divã”, representante emblemático da
posição privilegiada para as experiências de nascimento, doença, sexo, morte, sonho ...
dos pacientes. Deitar-se para relembrar, retomar o que não pode ser esquecido, segundo
Pastori, é o convite de trabalho psíquico a ser realizado pelo analisando. Aquilo que não
pode apagar – não esquecimento -, traduzido também por desvelamento da verdade.
Lévi-Staruss esclarece que há muita psicanálise no mito, a partir do par analítico,
mas dialético, e de verdade-esquecimento. No mito há verdade velada em seu interior,
esta intimamente ligado à noção de verdade. Este é o anúncio de um dos princípios
fundamentais da psicanalise, o princípio da dualidade como estruturante da vida psíquica.
Freud salienta que o psiquismo não se restringe ao individuo e que a vida humana é tecida
entre o coletivo e o individual. Ele recomenda aos psicanalistas, não só a inclusão de um
curso de mitologia na formação psicanalítica, como também a relevância em conhecermos
o desenvolvimento da linguagem – a etimologia – ao trabalhar na tradução da linguagem
do sonho.
21

Desde os primórdios da psicanálise com a obra fundante do método psicanalítico


(1900), “A interpretação dos sonhos”, o mito figura como objeto de fascínio, fonte de
inspiração e reflexão para Freud construir suas teorias acerca do funcionamento psíquico.
O mito aparece como via de compreensão para os processos inconscientes. A linguagem
dos sonhos é uma aproximação da linguagem dos oráculos que indica os desígnios, uma
linguagem ambígua, entretanto fica a cargo do homem a sua interpretação. À semelhança
do mito, o sonho abarca a projeção de desejos inconscientes de um sonhador particular. O
mito expressa o sonho da humanidade, enquanto que o sonho de um sujeito designa seu
mito singular, ou, o mito individual do neurótico, segundo Jacques Lacan. O mito é um
saber que nos atravessa sem que o saibamos, assim como o inconsciente é um saber que
não se sabe que se sabe.
Em psicanálise, os mitos são compreendidos como modelos de subjetivação. Eles é
que moldam a mente do individuo. Constituem produções coletivas cujo uso que homem
faz das mesmas pode ser distinguido em duas vertentes: na primeira o mito é criado, serve
ao sujeito e este o vive, numa “ênfase biológica”; na segunda o mito cria o individuo, é
servido e ele vive o homem, numa “ênfase cultural”. Usando a metáfora de um carro com
passageiros, na primeira vertente, é como se o sujeito dirigisse seu carro e levasse os
mitos como passageiros, e na segunda vertente, é como se os mitos dirigissem o carro e
os indivíduos fossem os passageiros.
Os mitos, na contemporaneidade, sem serem dialéticos e lógicos ou produtores de
verdade, educam, subjetivam e operam como marcadores de lugares sociais, institucionais
e familiares. Esta binocularidade de compreensão dos mitos é imprescindível para definir
lugares de emergência do humano – bio-psico-social -, tanto como expressão da biologia,
como produção cultural intersubjetiva, família e instituições. Transubjetiva grandes grupos e
etnias, assim como é subjetivadora de indivíduo, sujeito e pessoa. A psicanálise, ao tratar
da análise da realidade psíquica institui, na travessia em direção ao processo de
subjetivação, o caminho da construção de uma linguagem mito-poética. Caminho se origina
do grego “Hódos”, de onde deriva “métodos”, que significa a busca de algo, especialmente
de saber, de conhecimento que se refere, também, ao modo como essa busca é
conduzida.
Para a construção do método de uma “semiologia psicanalítica”, Bento (1996) e se
inspirou no linguista de Saussure e em Lévi-Straus e sua antropologia estrutural. Este autor
propõe a hipótese de que os mitos são reveladores do inconsciente humano. Apoiado em
Freud e na psicanálise, justificará sua hipótese quando escreve que “pensamos
particularmente na noção de mito e na noção de inconsciente”, e segue afirmando que
22

“inúmeros psicanalistas se recusarão a admitir que as constelações psíquicas que


reaparecem na consciência do doente possam constituir um mito”. Afirma ainda que “o
objeto próprio dos mitos é de oferecer uma derivação a sentimentos reais, mas recalcados”
(Lévi-Straus, 2013).
O aparecimento do humano e sua compreensão ocorreram por funções peculiares,
como obras de arte, míticas criadas em espaços intersubjetivos e em presença de pessoas.
Estas figurações são específicas a cada individuo e aos vínculos específicos que são
gerados, exatamente como a história pessoal vivida e como o próprio nome que carrega a
cada um e o qual este carrega. Embora os mitos, como a arte, não sejam produtores de
verdade como a ciência, eles residem, com sua geratividade, na fenda entre o pensamento
(individual) e a linguagem (coletiva). Eles obrigam o pensamento à busca de denotação no
mundo e produzem o imaginário que, caso seja inundado pela experiência religiosa,
mágica como ocorre com a criança, fazem a mente pensar pensamentos que só existem,
de fato, na linguagem, mas parecem estar no mundo.
O relevante, para a psicanálise em cada história, é a expressão anímica, mágica,
vital – catexia libidinal. O conceito de mito aqui usado está ampliado para a produção
coletiva expressiva – contida em material verbal e para-verbal – possuidora de vida, de
partes de subjetividade, comprometida e sentida como histórias verdadeiras, abarcando as
lendas urbanas, as histórias de grupos vários e pessoais além de expressão da arte.
Interessa menos o envelope onde está contido – linguagem, artes cênicas, plásticas – e
mais a impregnação mágica associada à força de convicção, como se dá com o que é
sentido como verdadeiro e real.
Freud não propõe diretamente uma “semiologia psicanalítica”. Cabe ao psicanalista
determinar o lugar exato da semiologia como instrumental de seu trabalho. Em seu artigo
“Totem e Tabu”, Freud (1913) particularmente explicita e de forma clara sua primeira
“semiologia psicanalítica”. Sem a utilização e o conhecimento semiológico ele efetivamente,
fez ali o que se entendeu como uma prática da semiologia psicanalítica dos signos: "totem”
e “tabu”.

5. A Psicanálise, a cultura e os mitos

Mitologia e Psicanalise são duas áreas que se entrelaçam no caminho das


palavras, no discurso que envolve questões da angústia e da tragédia da condição
humana. Ambas se movimentam e se deslocam pela vereda das representações dos
aspectos inconscientes da mente. Em todo o lugar onde se façam frases, onde se contem
23

histórias, em todos os sentidos das expressões, o mítico esta presente. Freud aponta o
conceito mítico como uma repetição histórica. Este conceito do mítico conduz a um
conhecer, um olhar semiológico sobre uma compreensão de um sistema particular
construído a partir de uma cadeia semiológica existente e anterior a ele.
Nos processos de desenvolvimento de seu pensamento é necessário lidar com a
origem e o proposito da cultura humana como tal, afirma Freud. Para o autor, cultura
significa todos os aspectos em que a vida humana tem se levantado acima da condição
animal e que difere da vida de uma fera. A cultura inclui todo o conhecimento e poder que
os homens acumulam, a fim de dominar as forças da natureza, de um lado, e de outro,
todas as providências necessárias para que as relações dos homens uns com os outros
possam ser reguladas. Condições estas inseparáveis porque os recursos existentes e à
medida que satisfazem os desejos dos instintos estão profundamente entrelaçados. E
escreve Freud: ”Parece mais provável que cada cultura deve ser construída em cima de
(...) coerção e renuncia ao Instinto”. O homem forma a cultura, entretanto, “ele é, ao mesmo
tempo sujeito a ela, pois ela doma seus instintos selvagens e faz com que o homem se
comporte de forma socialmente aceita”.
A essência da cultura, segundo Freud, não esta na conquista da natureza pelo
homem como maneira de dar suporte à vida, mas na esfera psicológica, em que cada
homem possa conter seus instintos predatórios. A religião é um dos refreadores do instinto
que o homem criou para perpetuar sua cultura. O aspecto particular da religião como
reflexo da consciência moral é reconhecido por Freud. Escreve que uma de suas funções é
tentar “corrigir as tão dolorosamente sentidas imperfeições da cultura”. Argumenta o autor
“que sofremos de neuroses da infância que são naturais e derivam das condições
exteriores e da falta de carinho”. Afirma que a religião elimina a maioria daquelas neuroses
a custo de desenvolvimento da neurose que ele considerava como “a neurose universal”, a
neurose mais comum, da qual “era difícil de se libertar, em oposição às neuroses tratáveis
da infância”, que ele considerava curáveis.
A psicanálise, a semiologia e a teoria da comunicação podem ser sistematizadas e
integradas de uma maneira metódica e ao mesmo tempo prática no cotidiano da clínica
psicanalítica. Em princípio tudo parece se opor à linguística e à psicanálise, o linguista ao
psicanalista, e parece que ambos não nasceram para se encontrarem ou mesmo para se
entenderem. O psicanalista visa uma ação terapêutica por definição diferente e estranha ao
linguista, porém ambos escutam, embora cada um tenha a “escuta” a seu modo. O linguista
se preocupa em escutar de forma objetiva entre as variantes das ligações ou a diversidade
dos modos de formação neológica, enquanto o psicanalista deve ter uma escuta
24

diferenciada, praticando a fórmula proposta por Freud, a “Atenção Flutuante”, com seu
“terceiro ouvido” (Reik). Sua escuta deve ser sensível àquilo que “não é dito”, ou que se
“diz mal”, ou reconhecendo nos “atos falhos” os verdadeiros atos bem sucedidos, aquilo
que provém do inconsciente.
Nas teorizações iniciais de Freud, ao criar a psicanálise, assim como Karl Abraham,
os mitos são usados para demonstrar a existência de desejos, pulsões, e instintos. Eles
são criados como ressonadores de desejos que precisam permanecer escondidos na
mente humana e produtora, pelo mesmo processo de sonhos devaneios, fantasias
(inconscientes) e da arte. Todos eles são considerados “formação de compromisso” e
“formações substitutivas”, cuja função é dissimular as verdadeiras motivações das pulsões,
buscando algum modo de descarrega-las. Num segundo momento da obra de Freud, os
mitos são compreendidos como modelos de subjetivação.
Freud foi um grande admirador e estudioso das fontes mais primitivas da evolução
do homem: a mitologia, a filosofia e a literatura antiga. Ao iniciar a psicanalise, ele
começou descobrindo o “poder mágico” simbólico da palavra. A clínica freudiana verifica
em que medida os afetos e as representações estão ligadas a complexos laços simbólicos,
bem como, a expressão verbal opera nesse emaranhado de coisas. A linguagem é a
condição do inconsciente na estruturação da subjetividade humana. O sujeito se constrói a
partir da fala dirigida ao Outro, organizando seu corpo, seu desejo e seus vínculos.
As mensagens inconscientes, por exemplo, seriam essas auto-mensagens que o
sujeito codifica por si mesmo e que depois não sabe mais decodificar. Dentro dessa
perspectiva, o psicanalista trabalha a título de intérprete entre o inconsciente, emissor que
transmite em cifra, e o pré-consciente, receptor que não pode decriptar essa cifra sob pena
de experimentar desprazer. Na patologia da comunicação do paciente psicanalítico, vemos
fenômenos de codificação ou de decodificação patológicas ligadas a uma delimitação
incorreta de classes significantes e de classes significadas; o que tem como consequência
uma pragmática incorreta da comunicação.
O paciente psicanalítico se põe em comunicação patológica, de um ponto de vista
pragmático, com seus objetos - na transferência, com seu analista -, na medida em que as
classes significantes de seu código informativo, equivalentes às “representações de
palavras”, segundo Freud, e as classes significadas desse mesmo código ou
“representações das coisas”.
Foi através dos trabalhos de Melanie Klein, Hanna Segal, Wilfred R. Bion e outros
autores da escola inglesa, bem como, através dos escritos de Jacques Lacan, André
Green, Jean Laplanche e outros autores da escola francesa, que progressivamente surgiu
25

a consciência da importância de que se revestem os símbolos e os signos na teoria e na


prática psicanalíticas. E isto a tal ponto, que acabaram surgindo como domínio específico
das pesquisas e modificações constitutivas do trabalho do psicanalista.

6. Semiologia psicanalítica, fundamentos para a clínica

Freud valorizou os mitos, as lendas, os contos de fadas e as narrativas do homem


primitivo supondo que poderia revelar uma verdade humana imutável, atemporal, pois “num
certo sentido, ele (o homem pré-histórico) ainda é nosso contemporâneo”, assegura o
autor. Nesse sentido, sua obra “Totem e Tabu" (1913) constitui uma psicologia social vista
segundo uma ótica psicanalítica, que se assemelha a uma "semiologia psicanalítica",
lembrando a semiologia saussuriana, aparentemente sem possuir suas raízes no
pensamento de Saussure (1916). Nesta obra, Freud considerou-a como uma de suas
pesquisas favoritas. Pergunta-se, o que é um totem? Freud caracteriza o “totem” como
sendo o “antepassado comum do clã”, como uma “significação mitológica”. Ao mesmo
tempo afirma ser “um espirito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos e, embora
perigoso para outros, reconhece e poupa seus próprios filhos”.
Os mitos remeterão às religiões, eles se situarão na origem das instituições
religiosas. Uma lei mitológica de transformação faria dos “totens” (mitos) originários de um
primeiro tempo, os “tabus” (sagrado) de um segundo tempo. Quando ocorrer a ausência da
transformação, permanece a conservação do mito. Freud (1913) proporá também uma
psicologia dos povos primitivos a partir de uma comparação entre esta, "como é vista pela
antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise".
Essa ideia de uma psicologia dos povos primitivos revelaria uma aproximação da
semiologia de Saussure (1916), concebida como sendo "uma parte da Psicologia social".
Wundt e Jung serviram de ponto de partida, entretanto, eles também serviram de referência
para se diferençar e marcar a identidade dessa obra. Freud (1913) afirma que fará: "uma
comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social,
e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise"; ao contrário do que fará
Jung, que valorizará a psicologia individual explicada pela psicologia coletiva.
Freud interrogou-se a partir do domínio da psicologia social e da psicanálise sobre
o sentido do signo "mito": " Você imagina o que podem ser os 'mitos endopsíquicos'?" Os
"mitos endopsíquicos", a "psico-mitologia", serão assim valorizados como linguagem
humana, "popular", atemporal, remetendo a um duplo fenômeno: social, por um lado, e o
inconsciente, por outro, posto que os mitos são "vestígios deformados de fantasmas
26

(inconscientes) dos desejos comuns a nações inteiras", e "eles representam os sonhos


seculares da jovem humanidade". Os mitos são destacados ao lado das religiões, situando-
se na origem das instituições religiosas.
Essa amostra de estudo é assim definida por Freud: "as tribos que foram descritas
pelos antropólogos como sendo dos selvagens mais atrasados e miseráveis, os aborígenes
da Austrália (...) considerados uma raça distinta, sem apresentar relação física nem
linguística com seus vizinhos mais próximos, os povos melanésio, polinésio e malaio".
Nessa sociedade primitiva, aparentemente sem vínculo com as sociedades atuais, o autor
sublinha a inexistência de instituições religiosas e o papel do sistema de totemismo que as
substitui. Ele escreve a esse propósito: "É altamente duvidoso que se lhes possa atribuir
qualquer religião moldada na adoração de seres superiores (....). Entre os australianos, o
lugar das instituições religiosas e sociais que eles não têm é ocupado pelo sistema do
'totemismo'" (FREUD, 1913).
O "totem", enquanto "mito", será regido pelas leis da mitologia e, assim, terminará
por se transformar em "tabu". O conjunto desses dois aspectos remete aparentemente a
uma contradição. Freud afirma que, por um lado, os totens são mitos originários, objetos de
veneração que, apesar das aparências, não cessam nunca de existir. Permanecem vivos
ainda que escondidos "no que foi considerado como uma forma inferior e finalmente
desprezível" (o tabu) parece que, por outro lado, os totens, como "objetos de (...)
veneração, se transmudam em objetos de horror" (os tabus). Portanto, os tabus que
caracterizam o pensamento religioso se fundam nas transformações dos mitos, que são os
totens.
As religiões como cultos rendidos a Seres superiores e às suas restrições morais e
em oposição aos mitos, ao animismo, nos quais se observa o culto livre do homem aos
seus pares, surgem num segundo momento da história da raça humana. As religiões como
os tabus, tem sua origem, no tempo dos “totens-mitos” que se tornaram “inconscientes”
após recalcados ao longo de um segundo tempo religiosos. Os tabus caracterizam o
pensamento religioso e se fundam nas transformações dos mitos que são os totens. Freud
aborda a questão do surgimento das religiões, posterior aos mitos, no contexto de uma
psicologia do desenvolvimento dos sistemas intelectuais, das concepções do mundo, na
história do homem. Afirma que “a raça humana (...) desenvolveu, no decurso das eras, três
desses sistemas de pensamento - três grandes representações do universo: animista (ou
mitológica), religiosa e científica”.
Em “Totem e Tabu” (1913) e em “O Futuro de uma Ilusão” (1927) Freud escreve
sobre o fenômeno religioso e enfatiza a imagem paterna que esta por trás da figura de
27

Deus. O sentimento de desamparo, experiência na infância que é inerente a todo ser


humano, é o que o move a procurar a religião. O pai de “Totem e Tabu” era o pai todo-
poderoso, não castrado que tinha todas as mulheres para si. Ele foi alvo da hostilidade dos
filhos que o mataram. Para se apropriarem das marcas de sua onipotência e assumirem
seu lugar, o comem num banquete canibalesco. Posteriormente, os filhos descobrem que
amavam o pai. Esse amor se transformou em sentimento de culpa e a palavra do pai se
converteu em lei simbólica. Com o arrependimento e a culpa eles realizaram um culto
através do qual a dívida seria honrada pela rendição à instituição simbólica da proibição do
incesto. E Freud (1912) assim escreve “este crime esta destinado a dar origem a toda a
civilização futura, foi o ato criminoso memorável com o qual começaram a organização
social, as restrições morais e religiosas”.
Em o “Futuro de uma Ilusão”, Freud defendia que o homem é um “ser de desejo”,
antes de ser um “ser da razão”. O ser humano é uma instância pulsional marcado e dividido
pelo conflito. A cultura fundamenta-se sobre as bases da renuncia pulsional. Os indivíduos
possuem atitudes hostis a ameaçarem a cultura. Apesar das frustrações das interdições,
estas são necessárias. O valor universal da crença marca as religiões. Elas se organizam e
exercem certo controle social sobre seus ambientes e fora deles. Criam sanções e
proibições a serem seguidas por todos.
A psicologia das neuroses e as grandes produções sociais, considerando a
semelhança entre religião e tabu é comparada por Freud. Ele aproxima as neuroses
obsessivas das religiões e dos tabus. Os tabus constituem uma característica comum das
neuroses obsessivas e das religiões, afirmando que “o tabu assemelha-se muito
estreitamente ao medo de contato do neurótico, com sua fobia de contato”. Através dessa
comparação, o autor pressupõe a compreensão da natureza da relação entre as diferentes
formas de neuroses e instituições culturais, assim como o estudo da psicologia das
neuroses é importante para a compreensão do desenvolvimento da civilização.
As neuroses “apresentam pontos de concordância notáveis e de longo alcance com
as grandes instituições sociais, a arte, a religião e a filosofia” afirma Freud (1913).
Entretanto, segue o autor, estas “parecem como se fossem distorções delas”. Ele
compara o caso da histeria, afirmando que esta “é uma caricatura de uma obra de arte”;
uma neurose obsessiva “é uma caricatura de uma religião”; e um delírio paranoico “é a
caricatura de um sistema filosófico”. O psiquismo é uma formação intermediária entre o
corpo biológico e o campo social, e o inconsciente, objeto de estudo da psicanálise, não
existe no vazio.
28

Freud, nesse mesmo artigo, baseado em hipóteses cientificas dos etnólogos de sua
época, reconstrói o mito da morte do “Pai primitivo” e vê nele as origens da mais antiga
forma de religião, o “totemismo”, bem como a moral e a vida social. Ele retoma a questão
do incesto, enunciada anteriormente como experiência estruturante do individuo e das
neuroses. O autor demonstra que o “desejo do incesto” esta presente em todas as
sociedades e que o mesmo é fundador da exogamia, colocando-o no centro organizador da
cultura. Freud lança a ideia da necessidade de haver uma força repressora, uma interdição,
ditada e mantida por uma instância capaz de manter essa lei e que funciona como um
obstáculo para a descarga pulsional, assevera Bento (2007).
Inspirado no mito de Édipo, Freud descreveu a “função paterna” como estruturante
do psiquismo através do Complexo de Édipo. A lei foi atribuída ao pai, um pai potente que
intervém na relação mãe/filho, privando a mãe de seu objeto e colocando limite no gozo
desmedido. O pai está inscrito no psiquismo da mãe, em sua experiência edípica com seu
próprio pai, e em sua vivência amorosa com seu parceiro. O pai é um operador simbólico,
ele ordena uma função estruturante do ponto de vista do inconsciente. O pai da realidade é
o representante do “pai simbólico” e depositário de uma lei que vem de outro lugar. Freud
atribui ao pai de alteridade, um “modelo para todos”, um pai soberano, ideal, um grande
Outro da linguagem, que Lacan denominou de “Nome-do-Pai”.
O sujeito, em especial o neurótico, faz uma tentativa de manter o pai no lugar do
sagrado, na esperança de recuperar sua autoridade que é posta em questão nas
configurações familiares atuais. As famílias tem experienciado mudanças radicais: valores,
identidades e comportamentos, ao logo do tempo. Modificações nas formas de procriação,
o ato sexual deixou de ser a única forma de fertilização; mudanças na maneira de criação
dos filhos, bem como, crescente demanda de modificações da identidade sexual.
As consequências decorrentes dessas modificações não produzem problemas mais
sérios do que os que já existiam em relação à subjetivação do individuo pela falta de um
pai de família. Não é a presença do pai que faz a diferença, mas sim que o sujeito seja
reconhecido pela “palavra do outro”. Portanto, não importa que haja carência paterna por
esse pai ser enfraquecido demais ou faltar. “O essencial é que o sujeito, seja por que lado
for, tenha adquirido a dimensão do Nome-do-Pai”, afirma Lacan (1957).
O ponto de apoio por excelência para a construção de uma “Semiologia
Psicanalítica” a partir de Lacan foi à linguística saussuriana e o retorno a Freud, devido à
analise do inconsciente freudiano segundo o método estruturalista. A célebre hipótese
marcadamente da essência de seu pensamento foi a de que o “inconsciente é estruturado
como linguagem”. Essa célebre hipótese marcou a essência do pensamento lacaniano e
29

encontra-se, especialmente colocada em evidência no seu trabalho intitulado “A instância


da letra no inconsciente ou a razão desde Freud”, (LACAN, 1966ª). O autor assim escreve
“Nosso título deixa claro que, para-além dessa fala, é toda a estrutura da linguagem que a
experiência psicanalítica descobre no inconsciente.”
O fundamento teórico dessa hipótese lacaniana tem seu primeiro fundamento em
Saussure, particularmente na linguística que esse autor propõe e não na semiologia. Lacan
afirma que a linguística é “o estudo das línguas existentes em sua estrutura e nas leis que
nela revelam”, e segue em seu posicionamento dizendo que “o que deia fora (...) qualquer
semiologia mais ou menos hipoteticamente generalizada”. O autor valoriza a linguística em
sua “posição-piloto” no que concerne o estudo da linguagem, porque “a linguagem (...)
efetivamente (conquistou), na experiência, seu status de objeto cientifico”, em oposição a
“qualquer semiologia mais ou menos hipoteticamente generalizada.”
A noção de “signo” é essencial para Lacan, porque separa entre o significante e o
significado representada por uma barra que simboliza “uma barreira resistente à
significação”, evocará a ideia de um significado oculto inconsciente. O signo, tal como se
apresenta em Saussure, tornaria então possível “um estudo exato das ligações próprias do
significante e da amplitude da função destas na gênese do significado”, isto é, uma
abordagem psicanalítica tendo como ideal último encontrar a significação inconsciente
original, a qual se situa “muito além do debate relativo (ao arbitrário) do signo”.
No Seminário, “Escritos”, Lacan expressa que o inconsciente a partir de Freud “é
uma cadeia de significantes que em algum lugar, numa outra cena”, escreve ele, “se repete
e insiste, para interferir nos cortes que lhe oferece o discurso efetivo e a cogitação a que
ele dá forma”, enquanto Carvalho (2009) afirma que “a realidade para qualquer ser é um
conhecimento absoluto que abrange com o formato de uma coerência harmoniosa toda a
multiplicidade dispersa e contraditória de uma aparência sensível.” E segue apontando que
“isso acontece a partir dos processos ditos semiológicos e neles o signo, isto é, aquele
fator em que se juntam significantes e significados, sendo o significante a representação
psíquica do como os nossos sentidos percebem e o significado, o conceito que lhe seja
atribuído.”
Neste estudo há uma tentativa de fundamentar uma operacionalidade da
psicanálise, com contribuições da semiologia e da teoria da comunicação, com vistas a
uma estratégia terapêutica que possibilite cobrir os níveis da ação analítica. Cria modelos
que permitam re-orientações pragmáticas no sentido de facilitar, ao analista, uma visão
mais abrangente da problemática que lhe é exposta pelo paciente. A compulsão à
repetição, localizada a partir das estruturas narrativas, é possível de ser detectada e
30

traduzida operacionalmente através do material fornecido pelo paciente ao analista, isto em


um sistema de signos passível de codificação e consequente sistematização.

7. Comunicação, Semiologia e Psicanálise

Na pós-modernidade, o século da comunicação está sendo vivido. O mundo para


alguns, se constitui numa autêntica "aldeia global", onde habitam “tribos planetárias”,
possibilitadas uma e outra, pelas novas tecnologias de informação e comunicação. As
novas tecnologias eletrônicas tendem a encurtar distâncias, reconstituindo uma tradição
oral na forma de comunicação do ser humano. Outros tantos sentem uma sobrecarga de
"informação" e "comunicação" que não se traduz, necessariamente, em maior aproximação
e solidariedade entre os homens, mas sim conduzindo antes a novas formas de
individualismo e etnocentrismo.
O termo "Comunicar" significa "pôr em comum", em seu sentido etimológico.
Simplificando o processo de comunicação, pode-se entender o mesmo como a troca de
uma mensagem entre um “Emissor” e um “Receptor”, cujos “Signos” desempenham um
papel fundamental. Sem Signos, não há mensagem, nada pode ser posto em comum. Os
Signos são tão importantes que permitem (e costuma) ser definida a Semiótica de forma
essencial, como a "ciência dos signos".
Semiótica é a ciência, ou teoria geral da produção dos signos. Teve sua origem na
Rússia, na Europa Ocidental e na América. A semiótica, atualmente, é um campo de
grande amplitude e variedade teórica. O autor Charles Peirce foi o fundador da semiótica.
Saussure, no Curso de Linguística Geral, falava de uma semiologia, que pode ser
comparada ou diferenciada da semiótica propriamente dita. Atualmente, Umberto Eco é
um especialista em semiótica.
Ferdinand Saussure estabeleceu a distinção entre “língua” e “fala” para que o
indivíduo possa reconhecer um signo como tal e atribuir-lhe seu designado correspondente.
É necessário que previamente possa apoiar-se, por um lado, nas representações
psíquicas, ou seja, os significantes, dos “sons” concretos e, por outro, nas representações
psíquicas, ou significados, dos referentes também concretos com os quais se relacionam
esses sons.
No sentido saussuriano, os “signos” psíquicos serão constituídos pela união dos
“significantes”, ou seja, a imagem acústica dos sons, e dos “significados”, portanto os
conceitos do referente. A estrutura ou o código é determinado pela oposição de dois signos
31

complementares. O autor denomina “valor”, o estudo específico da relação lateral que se


estabelece entre os significantes ou entre os significados.
O usuário na comunicação poderá estabelecer relações semiológicas corretas
entre “sinais” e “mensagens” se tiver previamente formado de maneira correta as classes
significantes e significadas correspondentes. Quando o usuário funciona como emissor e
transmite uma mensagem por meio de um sinal, faz um “incoding”, uma codificação.
Quando funciona como receptor, recebe um sinal e dele deduz uma mensagem, faz um
“decoding”, ou seja, uma decodificação. No caso das mensagens inconscientes, por
exemplo, seria estas auto mensagem que o sujeito codifica por si mesmo através das
representações, e depois não sabe mais decodificar. Dentro dessa perspectiva, o
psicanalista trabalha a título de intérprete entre o inconsciente, emissor que transmite
codificado, e o pré-consciente, receptor que não pode decodificar esse código, sob a pena
de experimentar desprazer.
Na patologia da comunicação do paciente psicanalítico, são percebidos fenômenos
de codificação ou de decodificação patológicas ligadas a uma delimitação incorreta de
classes significantes e de classes significadas; isso tem como consequência uma
pragmática incorreta da comunicação. O paciente psicanalítico se põe em comunicação
patológica, de um ponto de vista pragmático, com seus objetos - na transferência, com seu
analista -, na medida em que as classes significantes de seu código informativo
(equivalentes, às representações de palavras, segundo Freud) e as classes significadas
desse mesmo código (ou representações das coisas).
Na clínica o que está em vigência, enquanto comunicação e linguagem, seja
formal ou informal, é a questão do “sentimento oculto” crucial na compreensão do “conflito
psíquico”, o qual pode ser latente, ou se manifestar por seus derivados, onde o paciente
pode:
a) adotar mecanismos de defesa para neutralizar impulsos motivacionais inaceitáveis
pelo superego por serem conflitantes com tabus morais;
b) temer, consciente ou inconscientemente, a instalação de consequências
insuportáveis, função da exteriorização dos assim chamados sentimentos ocultos;
c) exprimir e/ou sugerir sintomas subjetivos formulados com o formato de queixas sobre
si mesmo.
O analista deve estar preparado para a “escuta” diante do “dito”, a fim de que se
houver um sintoma, em cada palavra escutada, possa ser o interprete. Exige a suspensão
do juízo – epoché – ou seja, uma atitude como a dos antigos céticos, o que constitui em
não aceitar, nem refutar, em não afirmar ou negar. Constitui a imperturbabilidade ante o
32

sensível exposto no verbal e no não-verbal do paciente, algo difícil de conseguir, mas que
se impõe sem alternativa e que implica na “neutralidade” sem a qual não há psicanálise.
Todo o ser humano, em função da própria natureza, a todo o momento sente, pensa, julga
e principalmente interpreta, pois vive a inferir a partir do significante e do significado que é
ouvido, do tocado, do gosto sentido, do olhar lançado sobre algo, ou do perfume aspirado.
Assim, em cada palavra o analista se depara inevitavelmente com o signo, e este composto
de significante e de significado, implicando denotações verbais e não-verbais.
O signo apresenta características de um estojo, pois além do dito, há palavras, atos
e produções imaginárias que o compõem. Sempre trazem dentro de si, algo muito
importante, valioso para ser compreendido, a partir do que o paciente produza consciente
ou inconscientemente. Justifica-se a abertura desse estojo, pois no signo há também o
estilo, ou seja, o “como diz” e que se junta à situação. Assim a par disso, mecanismos de
defesa são instalados devido aos preconceitos e o temor da rejeição do ser humano. Este
já nasce para desfrutar prazeres, o que justifica a situação cautelar de cada um no
momento da produção de palavras mesmo que de uma maneira informal.
As defesas são usadas para neutralizar as dores mentais, ou para controlar as
pulsões inaceitáveis pelo superego. Por isso, a cada representação de toda a ordem e
afetos dolorosos que surgem, o ego faz adaptações. Os mecanismos de defesas podem
tomar formatos de comportamentos mal adaptados o que provoca o surgimento de
sintomas neuróticos, e por vezes referidos às funções defensivas relacionadas com
sentimentos, pulsões e afetos que insurgem de maneira disfarçada, em meio aos
discursos, os verbais e os não-verbais. De alguma forma isto reforça a importância de um
“olhar semiológico psicanalítico” especialmente quando tudo que se tenha do paciente seja
um bocejo, um pigarro, um muxoxo (estalar de língua), um suspiro, uma olhada no relógio,
não esquecendo que as cinco posturas citadas são nada mais nada menos do que
“discursos” altamente importantes.
Na clínica, a prática mostra que a demanda do paciente provem de seu
inconsciente. Devido a isso, ele tem dificuldade em responder por que vem buscar o
terapeuta. O analista deve ter a preocupação com a coerência na formação das frases,
enquanto semântica, e através de sintaxe, buscar a relação coerente entre os símbolos
adotados no campo analítico. Ao inferir, seja ao pontuar ou ao interpretar (quando seja
possível),considerar: a fonte da angústia; as defesas e seus graus de importância e eficácia
contra a angústia; e a natureza da pulsão que busca descarga.
O paciente deve dizer ao analista tudo o que este precisa saber sobre ele em seus
discursos verbais, como também informar tudo o que não pensa dizer sobre “si mesmo”.
33

Entretanto, o analista precisa ter a percepção, através das manifestações e linguagem não
verbais, sobre o que significa não perguntar, e “aguardar e decodificar as mensagens e
comunicações” transmitidas por aquele. No discurso que o paciente traz, feitas as
interpretações, o analista deve perceber se estas foram adequadas quando: a angústia
diminuir e houver melhora na sintomatologia. Quando isto não acontece, é importante
pesquisar o sentimento de culpa que pode se encontrar no nível inconsciente a exigir
análise das formações de compromisso que pode surgir nos sonhos, se os apresentar, nas
parapraxias, nos chistes, nas fantasias, nas lembranças, nas associações livres, sobretudo,
de forma aprofundada. O analista deve trabalhar focado nas “falas”, ações e os estados
afetivos, especialmente aqueles que influenciam os sentimentos.
Para ampliar o campo de visão e escuta da fala proferida pelo paciente, o
terapeuta pode observar uma divisão no discurso, segundo a sugestão de alguns autores.
Estes discursos terapêuticos se entremearão nas comunicações que venha fazer ao
paciente, tais como:
a) Descritivo - reconhecer os seus próprios padrões de comportamento patológico;
b) Reconstrutivo – apontar o padrão seguido por ele, quando externalizar afetos,
discursos de toda ordem, bem como atitudes postas nos termos de suas relações
objetais no lar;
c) Interpretativo – promover a produção do insight, possibilitando que o analista
interprete os mecanismos de defesa, a importância do superego, os traços de
angústia, de inibição e de raiva;
d) Requalificação ou ressignificação - corrigir as desqualificações do “self” e de outros
elementos nos discursos deste com o analista, levando o indivíduo a compreender
sua tendência para denegrir a si mesmo e/ou os outros;
e) Prospectivos - o analista tenta produzir futuros “out sights” no paciente e/ou também
o reconhecimento de novas possibilidades comportamentais e cognitivas em si
mesmo ou em outros;
f) Diretivo - analista tenta provocar o paciente para que compreenda como pode
cooperar ativamente no processo terapêutico com o fim de torná-lo mais efetivo;
g) Convencional – usar e direcionar a conversa para o tema da análise, quando o
paciente encontra com o analista no elevador, ou mesmo numa festa; o analista não
pode assumir uma postura paternalista, mas manter as regras vigentes do “setting
analítico”, visto que este não constitui o espaço, mas as regras, quando foram
acordadas.
34

8. Entendendo a Semiologia

A semiótica se funda na lógica em sentido geral, no dizer de Peirce, quando assim


denomina a doutrina dos signos. O autor descreve a doutrina como “quase necessária” ou
formal ao observar os signos e dizer de seus caracteres. O processo de observação
abstrativa envolve uma cientificidade na relação lógica proposta pela semiologia, ou seja,
uma inteligência capaz de apreender através da experiência e que é possível ocorrer em
pessoas comuns. É uma experiência familiar a todo o ser humano desejar algo que está
totalmente longe de seus recursos presentes e complementares ao seu desejo, se
perguntar: “meu desejo dessa coisa seria o mesmo se eu dispusesse de meios de realizá-
lo?” Respondendo à pergunta que se faz, o indivíduo examina seu interior, e é a isso que
Peirce denomina de observação abstrativa. A pessoa faz na imaginação, uma espécie de
esboço, considerando modificações, estado de coisas, o que deverá se exigir e observar o
que examinou, a fim de saber se seu desejo é possível, mesmo que não imediatamente.
Através desse processo, que se assemelha a um raciocínio matemático, pode-se chegar a
conclusões sobre o que seria verdadeiro a respeito dos signos de todos os casos,
conquanto a inteligência que dele se serviu.
Um signo, ou “representâmen”, é aquilo que de certa maneira representa algo para
alguém. Dirige-se a alguém, ou seja, cria na mente da pessoa, um signo equivalente, ou
talvez mais desenvolvido. O signo representa alguma coisa, representa o seu objeto,
representa um tipo de ideia no sentido de ter um similar, é a mesma ideia e não a cada
intervalo uma nova ideia.
A palavra é um signo e será usada para denotar um objeto perceptível ou imaginável
num certo sentido. A palavra estrela, por exemplo, é um signo, não é imaginável, pois é a
mesma palavra quando escrita e quando pronunciada. A palavra significa “astro com luz
própria”, possui outro significado diferente quando empregada para dizer de um “artista
célebre”, ou em dado momento para dizer de que alguém tem “sorte”. Assim esse algo
serve para significar outra coisa, que é chamada de “objeto”. O signo deve ser algo distinto
de seu objeto, ele irá representar alguma outra coisa.
Saussure, por ser um linguista, considerava como signo a palavra, principalmente a
palavra oral. Na concepção deste autor, o signo é bifacial onde são correlacionados apenas
dois elementos, sendo um a unidade entre o som verbal e uma ideia, chamado de:
“significante”, entendido como o som verbal, ou seja, a imagem acústica; e “significado”,
esta ideia ou a imagem conceptual, que é o objeto. Então temos que: signo = significante
(som) + significado (objeto).
35

Cada palavra é um signo ou uma unidade para Saussure. Um discurso é uma


sequência de signos. O signo linguístico une o conceito com a imagem acústica, pois estes
dois elementos requerem-se um ao outro. Afirma o autor que o “caráter psíquico das
nossas imagens acústicas surge bem claro quando observamos a nossa própria
linguagem. Sem mover os lábios nem a língua, podemos falar conosco ou recitar
mentalmente um poema”. Segue dizendo que “é porque as palavras da língua são para nós
imagens acústicas que ao devemos falar dos “fonemas” que as compõem”, (SAUSSERE,
1916). O “conceito” pode ser substituido por “significado” e a “imagem acústica” por
“significante”, sendo que o “signo” é o resultado dos dois juntos. O signo é arbitrário quando
associado um significante a um significado.
A prova da arbitrariedade esta entre as línguas e a existência de várias línguas,
como também a arbitrariedade envolve a cultural, o simbólico e o convencional. Saussure
(1916) afirma que nenhuma sociedade conheceu e conhece a língua senão como produto
herdado das gerações anteriores que se deve receber e manter intacto, pois o único objeto
real da linguística é a vida normal e regular de um idioma já constituído. A imagem acústica
não é a palavra falada, ou o som material, mas a impressão psíquica desse som. A
distinção entre “língua” e “fala” foi estabelecida pelo autor, para que o paciente possa
reconhecer o signo como tal e atribuir-lhe seu designado correspondente. Torna-se
necessário que possa previamente apoiar-se, por um lado, nas representações psíquicas,
ou significantes dos sons concretos, e por outro lado, nas representações psíquicas ou
significados dos referentes também concretos com os quais se relacionam esses sons.
Peirce considerou o “signo”, qualquer coisa que represente outra coisa para
alguém, não importa a espécie. Para este autor, o signo é um elemento triádico, onde se
correlacionam três elementos, aos quais chamou de representâmen, objeto e interpretante.
Esta relação o autor veio denominar de “semiose”. O “representâmen” é a coisa que
representa; o “objeto” é a coisa que é representada; e o “interpretante” é a terceira coisa
que surge na mente do intérprete no momento em que ele percebe aquela primeira coisa.
Os três elementos possuem correlação entre si: uma coisa só aparece como signo
de uma outra coisa se surgir uma terceira coisa; esta terceira coisa provem de experiências
anteriores a partir da qual a interpretação da primeira coisa possa ser realizada na mente
de quem percebe. Nas relações triádicas envolvem: a “comparação” que faz parte da
natureza das possibilidades lógicas; o “desempenho” que faz parte da natureza dos fatos
reais; o “pensamento”, que faz parte da natureza das leis.
O significado é a palavra equivalente no mesmo ou em outro idioma. Ele se
constitui na representação, ou na linguagem do significante. O significado corresponde ao
36

conceito ou à noção do objeto. É dito de todo o objeto, forma ou fenômeno que representa
algo distinto de si mesmo, tal como: a “cruz” é o significado do “cristianismo”; a cor
vermelha é o significado de “pare” no código de transito; a bandeira pode ser o significado
do “país”, do “time de futebol”, do “clube náutico”, entre outros tantos.
A partir da teoria no sentido saussuriano, os “signos” psíquicos serão constituídos,
portanto, pela união dos “significantes” (imagem acústica dos sons) e dos “significados”
(conceitos do referente). O usuário poderá estabelecer relações semiológicas corretas
entre “sinais” e “mensagens” se tiver previamente formado de maneira correta as classes
significantes e significadas correspondentes. O significante tem um código afetivo, como
por exemplo, a angústia, relacionado a um fato psíquico no inconsciente, não sabido e
ligado a um objeto referido. Exemplo: a angústia que pode ser aniquiladora, ligada ao
desprazer, à dor, ou a angústia diante de um prazer. O outro elemento do signo é
constituído pelo significante, que é a parte fônica, ou a imagem acústica de um fonema
provido de significação. O significante apresenta um código informativo, como: o som, os
sintomas, as relações objetais.

9. Semiologia Médica

A Semiologia que trata da parte da medicina é chamada de Propedêutica. Está


relacionada ao estudo dos “sinais” e “sintomas” das doenças no ser humano e nos animais.
Surge através do termo grego “Semeion”, que quer dizer “sinal” + “Logus” que quer
significa “tratado” (estudo). A Semiologia Médica é muito importante para o diagnóstico da
maioria das enfermidades que acometem o homem.
O “Sintoma” constitui-se em toda a informação subjetiva, relatos ou queixas
descritas pelo paciente, ou seja, é tudo aquilo que o paciente sente, mas que não pode ser
mostrado ou manifestado diretamente. O examinador não consegue perceber ou confirmar,
já que é uma sensação sentida pelo paciente como uma dor de cabeça, por exemplo. É
algo que se refere unicamente à percepção de uma alteração por parte do próprio doente.
O “sinal” é uma manifestação objetiva diretamente observável e passível de ser
percebido pelo examinador no examinado, mesmo que o paciente não perceba ou relate
sua ocorrência. Estes sinais podem ser, por exemplo, a febre, a sudorese, a tosse entre
outros. A anamnese é a parte da semiologia que visa revelar, investigar e analisar os
sintomas. É realizada através de uma entrevista com o paciente, objetivando estabelecer
uma relação de confiança e apoio com ele. Ela possibilita a coleta de informações acerca
do que o paciente esta sentindo, bem como, facilitará o esclarecimeneto sobre o
37

diagn[ostico, e a pessoa receberá de forma mais adequada as orientações para os


cuidados que deverá ter ao realizar o tratamento em cada caso especifico. Cerca de 80%
dos diagnósticos são realizados baseados nessa parte do exame, na chamada história
clínica do paciente.
Na semiologia médica é estudada a forma de denotar e de apresntação dos
sintomas. A coleta desses sinais e sintomas é feita através de um procedimento
semiotécnico que envolve a anamnese, o exame clínico e exames complementares. Estas
observações, tabelas e grupos de sianis que se manifestam via sintoma conduzem ao
estabelecimento de um diagnóstico.
A “síndrome” é um estado morbido caracterizado por um conjunto de sintomas e
sinais que pode ser produzido por uma mesma causa e que caracterizam uma determinada
doença. As síndromes associadas a determinadas condições, podem despertar reações
diversas de temor e inssegurança.
Assim a semiologia médica é composta pela anamnese e pelo exame físico do
paciente que permitem chegar ao diagnóstico clínico. O diagnóstico clínico é uma
idntificação da doença específica apresentada pelo paciente, através de critérios clínicos
que constam do Código Internaconal de Doenças – CID-10. Este Código de doenças é
elaborado pela Organização Mundial de Saúde – OMS -, e abrange todo o espectro de
doenças humanas. Ao citar um exemplo, numa observação segundo Cichoski (2001)
propõe considerar “uma criança com a história de dores corporais, irritação ocular à luz,
inapetência, como sintomas principais, e febre, tosse discreta, manchas avermelhadas ao
longo da face, tronco e membros e a presença de erosões na nuca jugal”, como sinais
principais afirma ele “estamos autorizados a pensar numa síndrome viral febril da infância,
e muito provavelmente enunciar o diagnóstico clínico de sarampo”.
No diagnóstico médico – o signo -, temos um relato verbal que são os sintomas -, o
significante -, além de uma mensagem não-verbal - os sinais –, os quais devem conduzir
o médico a perceber uma situação nosológica – o significado. A natureza dos elementos
utilizados na composição de um diagnóstico médico é física, orgânica, - dados possíveis de
mensuração e verificação sensorial.
Para que o diagnóstico seja o mais acertivo possivel, é importante que o relato do
paciente seja claro e em ordem cronologica dos porblemas que levaram o paciente a
procurar auxilio médico. No relato do paciente deve estar claro como os sintomas
aparecem, de que forma se desenvolveram e os tratamentos feitos anteriormente.

10. Semiologia Psiquiátrica


38

Através da psicopatologia, a visão da psiquiatria segue o modelo médico instituído


desde os temos hipocráticos. O diagnóstico era fundamentalmente empírico. A observação,
descrição e categorização de enfermidades que compartilham sinais e sintomas permite a
formulação de diagnósticos. Este por sua vez, auxilia na identificação da causa de uma
determinada patologia, na previsão de sua evolução e no planejamento terapêutico. A
compreensão dos comportamentos que são tidos como inadequados, requer uma análise
das contingências em que se instalaram e que os mantém. O uso de classificações
categoriais fica limitada, considerando que a topografia de um comportamento não é
suficiente para a compreensão da sua função para uma determinada pessoa. A análise
funcional do comportamento é imprescindível para o planejamento da intervenção clínica.
A Semiologia Psiquiátrica merece um estudo e capítulo a parte dentro da
semiologia médica em virtude de suas peculiaridades. Nesta área a técnica diagnóstica
muda, pois os referenciais diagnósticos estarão além do CID-10 e se valem do Manual de
Diagnósticos e Estatísticos dos Transtornos Mentais – DMS V (2013). Este é elaborado
pela Sociedade Americana de Psiquiatria e constitui num Manual que sistematiza os
sintomas e sinais em quadros de critérios. Na elaboração e publicação desta última
edição, os quadros de critérios foram modificados em relação ao DSM-IV, os quais
possibilitam o diagnóstico psiquiátrico.
O diagnóstico psiquiátrico se estrutura a partir de diferentes eixos diagnósticos,
envolvendo o exame psiquiátrico, a entrevista psiquiátrica que inclui a anamnese e o
exame psíquico, como também o exame físico. A doença mental ou distúrbio, também é
chamado de “transtorno psíquico” ou “desordem mental”. Por transtorno entende-se
qualquer anormalidade do funcionamento psíquico. O transtorno mental pode vir
acompanhado de desordens do comportamento, pois envolve um campo de estudo
interdisciplinar que abrange diferentes áreas como a Psiquiatria, a Neurologia e a
Psicologia. A Psiquiatria e a Psicologia tratam mais a doença mental como “transtorno” em
lugar de doença, esses desarranjos, desordens, distúrbios, ou ligeira perturbação de saúde
para evitar o impacto psicológico no doente ou em quem o acompanha.
O medo do desconhecido, ou um conjunto de falsas crenças e estereótipos, dão
origem ao transtorno mental, o qual gera um preconceito pela falta de conhecimento e
compreensão do que ocorre com o individuo. Os portadores de transtornos metais são
tratáveis e recuperam a saúde tal como as doenças físicas, pois muitas podem ter causas
definidas, requerendo cuidados e tratamento. Muitas pessoas, quando não a maioria, ficam
impedidas de retomar sua vida normal devido aos preconceitos seus, de seus familiares e
dos outros em geral. Muitas pensam que uma vez em tratamento do transtorno ficarão
39

impedidas de retomar sua vida com plenitude, o que vem bloquear sua produtividade e
impedir de seguir o curso normal de sua existência.
O paciente psiquiátrico resiste mais em procurar o médico e fazer o tratamento.
Quando este está decidido a procurar um psiquiatra, indica que sua infelicidade ou angústia
superam o preconceito de ser estigmatizado como paciente “psiquiátrico”, na maioria das
vezes. Este tipo de paciente precisa fazer uma descrição dos sentimentos mais íntimos, os
seus e de seus familiares, frequentemente a um “estranho”, devido aos seus sentimentos
de vergonha e humilhação que com certeza o acompanham.
A anamnese psiquiátrica envolve os mesmos elementos de toda história clínica do
paciente. Os dados desta são obtidos de duas fontes, do próprio paciente ou de seus
acompanhantes. Normalmente este tipo de paciente chega à consulta psiquiátrica com um
familiar, ou uma ou mais pessoas mais próximas que o conduzem. O paciente deve ser
ouvido em primeiro lugar, sem a presença do(s) acompanhante(s), para depois fazer a
escuta daqueles que com ele chegaram até o médico. É importante estar atento, pois os
pais podem ter dificuldade em ver distúrbios de conduta nos filhos, inveja e competição
entre irmãos.
O exame psíquico consiste na avaliação do estado mental do paciente no momento
da entrevista. Constitui numa das etapas mais importantes. Esta observação é feita
mediante observação cuidadosa do comportamento, tais como: relação com o
entrevistador, consciência, atenção, orientação, pensamento, memória, afetividade,
sensopercepção, vontade, psicomotricidade e inteligência.
A sensopercepção é a capacidade de uma pessoa apreender as impressões
sensoriais, dando-lhes um significado. Esta apreensão depende do tipo de estímulo, da
higidez dos órgãos sensoriais e da integridade do sistema nervoso central. É também
influenciada por várias funções psíquicas como a vontade, a afetividade e a inteligência. Os
principais transtornos da sensopercepção são as ilusões e as alucinações. As ilusões são
percepções deformadas, pois aos aspectos reais de um objeto percebido acrescentam-se
outros imaginários. A alucinação constitui a “percepção” sem o objeto, ou seja, ouvir vozes
que ninguém em volta está ouvindo, ou ver objetos que não estão presentes e outros não
os veem.
Os distúrbios da psicomotricidade possuem grande valor semiológico em
psiquiatria, pois muitas vezes fornecem pistas seguras em direção a uma determinada
afecção psiquiátrica. O exame psíquico deve ser feito de forma minuciosa a fim de que
possa fornecer uma imagem viva do paciente. A precisão no uso de termos para descrever
sinais e sintomas é essencial também para a psiquiatria.
40

O exame físico da semiologia psiquiátrica é realizado com o intuito de identificar


sintomas psicossomáticos e excluir causas orgânicas para a afecção do paciente. O
médico psiquiatra deve manter sua capacidade de observação e apreensão de dados
psicológicos não-verbais, bem como, a percepção de indícios de doença somática, dos
mais claros aos mais sutis. Para exemplificar a complexidade da semiologia psiquiátrica
(como na Semiologia Médica em geral), costuma-se dizer que estão “presentes” pelo
menos quatro pessoas na consulta: o médico, o paciente, o médico que o paciente imagina
e o paciente que o médico imagina.
É importante enfocar a sensibilidade e a necessidade de atenção do médico
psiquiatra para as manifestações e conhecimentos psicológicos, pois muitas enfermidades
aparentemente somáticas têm como fator etiológico fundamental transtornos emocionais.
Todo paciente somático, no modo de viver sua doença e lutar contra ela, emprega recursos
que sua personalidade e seu modo particular de reagir lhe permitem. A medicina
psicossomática deixa de ser uma especialidade, ou um grupo de doenças para converter-
se em um pano de fundo, um colorido de toda a medicina contemporânea.
O diagnóstico psiquiátrico se estrutura pelo DSM – V (2013) que em seu aspecto
estrutural modificou e rompeu o modelo multiaxial do documento até então vigente (o DSM
IV) a partir de seus diferentes Eixos Classificatórios das doenças mentais. Esses eixos
foram reunidos e reorganizados, sendo que um deles foi suprimido. Na descrição do
documento atual, os “Transtornos Clínicos” do Eixo I, os “Transtornos da Personalidade e
Retardo Mental” do Eixo II, e as “Condições Médicas Gerais” do Eixo III, contidos na edição
anterior, foram agrupados na descrição do Manual atual, por não apresentam diferenças
fundamentais que sustentem a divisão dos diagnósticos em Eixos. Houve a considerando
de que o objetivo dos mesmos consistia em facilitar a avalição. Os “Fatores Psicossociais e
Ambientais” descritos no Eixo IV continuam sendo foco de atenção, porém com a
recomendação de que a codificação dessas condições seja realizada de acordo com CID-
10, nos códigos de Z00 a Z99. Estes sistemas de regras ou informação referenciais são
aplicados aos “fatores que influenciam o estado de saúde” do indivíduo. A “Escala de
Avaliação Global do Funcionamento” do indivíduo empregada anteriormente através do
Eixo V, foi suprimida do DSM-V, considerando que a arguição em notas atribuídas na
avaliação em uma escala decrescente de valores (100 a 0) não constitui informação
suficiente e adequada para a compreensão global do paciente.
Na reestruturação do documento, com o objetivo de apresentar algumas
modificações do DSM-V, serão descritas de forma aglutinada, a nova organização do
mesmo. Na orientação geral do curso dos transtornos, bem como do estudo destes, foi
41

adotada uma nova forma de apresentação dos critérios para reconhecimento das questões
semiológica clínicas. Seguindo a proposta, através de um olhar longitudinal sobre o curso
dos transtornos mentais, assim foram organizados o referenciais:
Transtornos do Neurodesenvolvimento;
Gama da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos;
Transtorno bipolar e outros transtornos relacionados;
Transtornos depressivos;
Transtornos de ansiedade;
Transtorno obsessivo-compulsivo e outros transtornos relacionados;
Trauma e transtornos relacionados ao estresse;
Transtornos dissociativos;
Sintomas somáticos e outros transtornos relacionados;
Alimentação e transtornos alimentares;
Transtornos da excreção;
Transtornos do sono-vigília;
Disfunções sexuais;
Disforia de gênero;
Transtornos Disruptivos, controle dos impulsos e conduta;
Transtornos relacionados a substâncias e adição;
Transtornos neurocognitivos;
Transtornos de personalidade;
Transtornos Parafílicos;
Outros Transtornos Mentais;
Transtornos do Movimento induzidos por medicamentos;
Outros efeitos adversos de medicamentos;
Outras condições.
A “Hipocondria” foi excluída da classificação do DSM-5. Foi considerado o caráter
pejorativo em relação ao diagnostico devido ao não enquadre nos atuais critérios para o
Transtorno com Sintomas Somáticos. Portanto, os pacientes passaram a receber o
diagnóstico de “Transtorno de Ansiedade de Doença”.
As questões referentes à sexualidade e os transtornos que o individuo possa
desenvolver estão classificados em três novos capítulos: a) Disfunções Sexuais - grupo de
transtornos heterogêneos tipicamente caracterizados por uma perturbação clinicamente
significativa na capacidade de responder ao prazer sexual; b) Disforia de Gênero -
descreve o diagnóstico onde o individuo apresenta uma diferença marcante entre gênero
42

experimentado (expresso) e o gênero atribuído, com critérios específicos para identificação


na infância; c) Transtornos Parafílicos - classificação que inclui o indivíduo com interesses
eróticos atípico, (como por exemplo, foco erótico em crianças), mas que em não havendo
consequências negativas não implica em transtorno mental, e não há necessidade de
intervenção clínica.
As mudanças no padrão de organização dos capítulos constantes do DSM - V
refletem avanços científicos na compreensão de transtornos psiquiátricos e das relações
etiológicas e fisiopatológicas entre eles. Essas mudanças foram realizadas a fim de facilitar
uma abordagem mais abrangente de diagnósticos e de tratamento. Entretanto, as
modificações na organização e classificação de transtornos, nesse documento, suscitaram
polêmicas e dividiram opiniões de especialistas, motivando criticas de profissionais
renomados. Os autores da atual versão da edição do DSM apontam que: as modificações
realizadas foram baseadas na melhor evidência cientifica disponível, cujos critérios
diagnósticos foram exaustivamente avaliados em estudos de campo, buscando a utilidade
e confiabilidade de cada um deles. Os sintomas que suscitavam dúvidas foram trabalhados
novamente de forma mais precisa.
O manual diagnóstico das doenças mentais não constitui um documento que deva
ser usado para uma simples listagem de sintomas, pois implica e, falsos diagnósticos
positivos. O DSM-V é um instrumento para ser usado e aplicado por profissionais da área
da saúde correspondente e habilitados, com experiência clínica e solido conhecimento de
psicopatologia.

11. A Psiquiatria Dinâmica

O termo “psiquiatria dinâmica” se refere a uma abordagem cujo referencial se situa


na teoria e no conhecimento psicanalítico. Ela é vista como um modelo que explica os
fenômenos mentais como oriundos do desenvolvimento do conflito. Com base nas novas
categorias do DSM-V, é atualizada, porém mantém o foco nas necessidades e
complexidades específicas de cada indivíduo, com o objetivo de melhorar sua
compreensão.
Karl Menninger, Psiquiatra e Psicanalista, nascido em Topeka no Kansas, foi
analisado por Franz Alexander. Fundou a Clínica Menniger, local de passagem obrigatória
de todos os terapeutas expulsos da Europa pelo nazismo (1933), durante a Segunda
Guerra Mundial. Foi um grande reformador da Psiquiatria tradicional inspirado na tradição
suíça de Eugen Bleuler, para militar por um tratamento humanista da loucura carcerária.
43

A Psiquiatria que Menninger propõe, é baseada nos conceitos psicanalíticos, e como


tal denominou de “psiquiatria dinâmica”. Ele acreditava que a Psiquiatria era uma forma
mais cientifica para lidar com todos os tipos de disfunções humanas. Estas tinham sido
vistas pelas gerações anteriores, como consequência do pecado, influenciadas pela
ideologia religiosa e preconceitos sagrados. A base teórica e de apoio dessa forma de
Psiquiatria é: a Teoria Psicanalítica, a Psicologia do Ego, a Teoria das Relações Objetais, a
Psicologia do Self e a Teoria do Vínculo, permitindo um tratamento para o distúrbio em
foco.
A Psiquiatria Dinâmica constitui uma abordagem ao diagnóstico e tratamento,
caracterizada por um modo de pensar acerca do paciente e do clínico, que inclui o conflito
inconsciente, os déficits e as distorções das estruturas intrapsíquicas e as relações objetais
internas, segundo Gabbard (1994), um dos expoentes da psiquiatria dinâmica moderna.
Esse autor considera as personalidades Histéricas e Histriônicas. Na investigação do
sintoma histérico, constata-se que no DMS-IV havia o objetivo de se constituir num guia
para a prática clínica através de uma nomenclatura oficial, facilitando uma avaliação dos
sintomas em diversos contextos clínicos. No entanto, o termo “histeria” não é encontrado
na quinta edição do DSM, ou seja, o sintoma histérico não aparece como tal. Propõe que
não se perca de vista a compreensão ampla da condição humana, cujo referente último é o
homem e seus vínculos, em sua dimensão intra, inter e trans subjetiva. A psiquiatria
psicodinâmica é um modo de pensar – não apenas sobre o paciente, mas também acerca
de si próprio no campo interpessoal entre o paciente e o terapeuta.
Considerando os enunciados de Freud sobre o sintoma histérico e reafirmado por
Lacan, este tem um sentido sexual e um caminho até sua formação. O sintoma é sempre o
resultado de um conflito, pois ele representa a busca de uma satisfação para a libido,
considerando que esta, insatisfeita, vai procurar uma saída para se satisfazer. Por essa
razão, pode-se dizer que o sintoma fala. A histérica com seus sintomas denominados de
“migratórios” pelo discurso médico, engana o saber médico, colocando-o num impasse.
Entretanto, a histérica sempre ouvirá do médico “você não tem nada”. Essa visão permite
pensar que os impasses de diagnóstico no DSM-5 visam aferir o que, para Freud, foi
situado como incomensurável: as moções da energia pulsional.
O transtorno de personalidade histérica (Histérica e Histriônica) tem um padrão
generalizado de excessiva emocionalidade e busca de atenção. O Histérico sente
desconforto em situações nas quais não é o centro das atenções. A interação com os
outros, frequentemente se caracteriza por um comportamento inadequado e sexualmente
provocante e sedutor, exibindo uma mudança rápida e superficial na expressão das
44

emoções. Esse tipo de paciente usa consistentemente a própria aparência física para
chamar a atenção sobre si mesma, apresentando um discurso excessivamente
impressionista, sedutor e carente de detalhes. Geralmente, tem por habito o uso da auto
dramatização, da teatralidade e de uma expressão emocional exagerada. É uma pessoa
sugestionável, ou seja, é facilmente influenciada pelos outros ou pelas circunstâncias,
considerando os relacionamentos mais íntimos do que realmente são.
A personalidade histriônica é mais florida do que da histérica, praticamente em
todos os aspectos. A causa básica está ligada às vivências edipianas, mais frequentemente
nos pacientes histéricos. As regressões são mais arcaicas – orais – e estão presentes nos
casos histriônicos. O paciente histérico verdadeiro conseguiu atingir relações maduras com
um objeto interno, caracterizado por temas edipianos triangulares e foi capaz de formar
relacionamentos significativos com ambos os genitores. O paciente histriônico encontra-se
fixado a um nível diádico mais primitivo de relações objetais, muitas vezes caracterizado
por apego, masoquismo e paranoia.
A categoria “neurose” foi definitivamente abandonada na publicação do DSM-III,
sendo diagnosticados os sintomas histéricos como “Transtornos de sintomas somáticos” e
“Transtornos relacionados”. Desde então, os sujeitos que recebem esse diagnóstico
acabam buscando múltiplos médicos para os mesmos sintomas. Parece não responder a
intervenções médicas, revelando um tratamento médico inadequado, segundo a
Associação Americana de Psiquiatria (2014). Os pesquisadores dessa última edição, o
DSM-V, acentuam que os sintomas clinicamente inexplicados, continuam sendo um
aspecto chave. Exemplificam com o “transtorno conversivo” cujos sintomas não são
compatíveis com uma fisiopatologia médica.
A psicanálise, desde Freud, vem propondo uma maneira de fazer diagnóstico que
se distingue do discurso médico e que se confunde com o discurso psiquiátrico e
psicológico. Portanto, no diagnóstico freudiano não se trata de agrupar sinais e indicadores
da doença como o que é proposto no DSM - V, mas sim localizar a posição em que o
sujeito se localiza frente à castração. Portanto, o diagnóstico em psicanálise é da ordem da
construção, não estando reduzido às classificações desse documento.
Em “A psicoterapia da histeria” (1895), Freud se refere à “arquitetura da histeria”,
concebendo a mesma como uma estrutura com arranjos morfológicos: um arquivo de
lembranças e um núcleo traumático; e arranjo dinâmico, referindo a um fio lógico. A partir
do diagnóstico como construção, Lacan (1960) propõe “estruturas clínicas” - neurose,
psicose e perversão -, afirmando que é a estrutura que faz aparecer o sujeito. Os ditos do
sujeito são tomados como efeitos de estrutura e, a partir deles, é possível construir as leis
45

que regem a lógica do significante de cada sujeito, apontando para a sua posição subjetiva.
O que evidencia a partir da noção de estrutura, é que o diagnóstico em psicanálise se
desloca efetivamente das classificações, reconhecida e efetivamente afastado dos
diagnósticos de “transtornos” do DSM – V. Isso leva a pensar que as classificações
contidas nesse documento se transformam em catálogos para enxugar todas as maneiras
possíveis de adoecer, causando um novo modelo de clínica, o da medicalização. A questão
é que tanto os médicos quanto os psiquiatras não deveriam desqualificar “o sujeito do
inconsciente” anestesiando a “dor psíquica” de qualquer natureza com drogas que
garantem a felicidade, pois a série de revisões do DSM aboliu a própria subjetividade.

12. A Psicanálise e o Modelo da Semiologia

A teoria geral dos signos, ou seja, a semiologia é aplicada à teoria psicanalítica. A


aproximação teórica e técnica, assim como a pesquisa semiológica, segundo Gear e
Liendo (1967), constituem um instrumento especial que se adapta à analise das estruturas
das primeiras operações mentais, pré-linguísticas por assim dizer, realizadas pelo ego do
bebê. Ela permite ordenar o interjogo dos impulsos instintivos primários e categorizá-los
graças à sua assimilação com processos semióticos.
O processo de simbolização corresponde aos conhecimentos das relações
universais de identidade (metafórica) ou as de contiguidade (metonímia), dentro da
perspectiva psicanalítica. Graças a estas relações, o ego associa entre si, de modo
“polissêmico”, as relações objetais atuais e as relações objetais arcaicas infantis. Na prática
psicanalítica, Freud considera alguns fatores para explicar o recalque e o sintoma. Quando
o ego simboliza, tece uma rede de relações lógicas conscientes e inconscientes, a partir de
uma relação biuniversal arbitrária que esse universo estabelece com o universo correlativo
de seus afetos. A ordem dinâmica e tópica a que o ego submete em sua percepção das
relações objetais, de que participa fundamentalmente dos vínculos econômicos que unem
essas relações objetais aos afetos que o ego percebe, ocorre no exato momento em que
atualiza aquelas.
A semiologia está muito presente nas noções de simbolização, denotação (sinal,
indicação), conotação (sentido além da significação própria) e comutação (mudança,
variação), sendo que esta última é a operação que permite ao ego abstrair classes ou
categorias de relações objetais.
As classes e comutações são conjuntos de dados inter-relacionados. Conjuntos de
objetos, indivíduos, sinais, etc., determinado de características em comum:
46

a) Relato Fatual X Vivência afetiva.


b) Relação Objetal X Angústia.
c) Significante X Significado.
d) Manifesto X Latente.
e) Signos/Sinais X Mensagens/ Sintomas.
f) Pré-consciente / Consciente X Inconsciente.
A “repetição de uma relação do passado no presente”, o conhecido conceito
psicanalítico da “transferência” encontra respaldo no conceito semiológico da “comutação”.
O processo semiótico teria continuidade por comutações, ou seja, por substituições de
fatos concretos iniciais por outros, por meio dos quais o ego observará se a relação inicial
se mantém ou não, para confirmar ou invalidar a hipótese semiótica que ordena os
universos em classes.
Com a comutação/transferência, podemos considerar o nascimento (perda da
relação objetal continente) como fato inicial de referência para todas as vivências
desencadeantes de desprazer/dor, ou seja, a angústia aniquiladora. A mensagem vem a
ser a comunicação, a notícia, ou o recado verbal ou escrito.
Para explicar a constituição do ser humano Freud usa várias formas semiológicas a
partir do biológico, considerando as áreas biológica, psíquica e social, embora não tenha se
dedicado ao estudo semiológico que surgia em paralelo com a psicanálise. Uma série de
operações semióticas efetuadas pelo ego do bebê, tem por finalidade controlar e elaborar o
aumento maciço de angústia provocada pelas primeiras perdas objetais. Diante das perdas
objetais, o corpo surge para o ego do bebê como o gerador de tensões intrapsíquicas ou de
angústias. Ele serve como instrumento concreto do ego para controlar estas tensões. O
corpo também constitui um símbolo quando o ego abstrai as funções corporais, por meio
das quais ele controlou sua angústia, ao regularizar suas relações objetais. As primeiras
fantasias inconscientes do bebê metaforizam seu corpo, as zonas erógenas deste e o
corpo dos objetos com os quais estão em contato, inicialmente a boca e o tubo digestivo.
A primeira causa externa da angústia pode estar na experiência do nascimento,
segundo Freud. Afirma que esta experiência fornece o padrão de todas as angústias que
vierem surgir na realidade interna e externa, real ou imaginária do individuo. O “universo
significado” e o “universo significante” devem ser radicalmente heterogêneos para que
possam funcionar como tais. De acordo com esse princípio, as hipóteses kleinianas sobre o
narcisismo secundário e a formação dos símbolos, supõem uma relação biuniversal
sistemática do universo significante com o universo das angústias. É esse mesmo ego que
as experimenta como universo significado. O universo das relações objetais se organiza
47

em classes. Isso se deve, graças a essa relação biuniversal que ele mantém com o
universo das angústias. Ocorre devido ao fato de que essas angústias representam a
transformação mais frequente que os afetos sofrem em virtude da repressão das
representações desprazerosas que daí resultam.
O “signo” formado por uma classe de relações objetais como significante e por
uma classe de angústias como significado coincide com o conceito de “misto de
representação e de afeto” de André Green. Este autor se apoia em uma tese mais geral
segundo a qual “os afetos também têm, como objetos externos, sua representação
psíquica”. No sentido econômico, é o afeto que deve ser tornado inconsciente, enquanto
que no sentido tópico e sistemático, é a representação que se torna inconsciente. “O afeto
reprimido é tornado inconsciente”, sustenta Green, apoiando-se na afirmação clara e
decisiva de Freud, segundo a qual “a representação do desenvolvimento do afeto constitui
a finalidade específica do recalque e o trabalho deste permanece incompleto enquanto a
finalidade específica não é atingida”.
Quando o ego-prazer forma suas classes de afetos e de representações, tenderá a
recalcar no inconsciente a classe significante das representações hostis, para reprimir,
sempre no inconsciente, a percepção da mensagem afetiva desprazerosa concreta.
Situações posteriores de angústia marcam as primeiras relações do bebê com o mundo
exterior.
Na medida em que é estabelecida a equivalência entre “representação”, seja ela
afetiva, seja objetal, e “classe” de afetos, ou de relações objetais é estabelecida a
equivalência que existe entre a capacidade do ego de “representar” para Freud, ou de
“simbolizar” para M. Klein, e a capacidade de classificar tanto suas relações objetais com
referência à classificação das mesmas relações objetais. Em consequência, as dificuldades
de “simbolização” se reduzirão a dificuldades de classificação dos objetos devidas a um
déficit na pertinentização afetiva desses últimos: o ego classifica seus objetos atuais em
função de suas classes de afetos arcaicos e narcísicos.
A inclusão sistemática dos afetos experimentados pelo usuário, ou interpretante
dos signos, quando adota uma atitude semiótica, constitui uma das contribuições mais
notáveis com que a psicanálise pode, por sua vez, enriquecer a semiologia. O análogo que
poderíamos depreender da teoria da técnica psicanalítica residiria na inclusão sistemática
dos afetos experimentados pelo analista na contratransferência, quando utiliza seu
conhecimento da classe desses afetos a título de instrumento de primeira importância para
discriminar a classe de relações objetais em questão na transferência de seu analisando.
48

13. Os significantes dos afetos e os traços mnésicos

Saussure propõe a noção de “estrutura em linguística”, em seu sentido mais


rigoroso, estabelecendo a distinção, na “língua”, entre língua – como sistema lógico - e falar
- como prática. A partir desta, surge a “semiologia estrutural” que estuda o comportamento
de qualquer signo possível dentro dessa perspectiva. Para clarificar, situar e definir os
termos teóricos: sinal, significante e significado, mensagem, signo e estrutura podem ser
usados exemplos. Pode ser citado, exemplificando: quando o sujeito está diante de um
sinal vermelho de um semáforo para pedestres, diz-se que ele percebe um sinal; quando
reflete e compara com outros sinais vermelhos anteriores está admitindo o “vermelho”
como conceito, como significante (classe de sinais); quando liga sempre
intrapsiquicamente, o conceito “vermelho” ao conceito de “perigo”, tem o significado (classe
de mensagens); quando dirige seu olhar para a rua e percebe um carro que passa a toda a
velocidade, diz-se que ele recebe a mensagem do sinal que consiste em um perigo
concreto.
Observando os conceitos e mensagens, no exposto anteriormente, tem-se que
entre o sinal concreto e a mensagem concreta existem dois representantes psíquicos, o
significante e o significado respectivamente, e que constituem o signo em sua
especificidade, segundo Saussure. O signo é uma entidade bifásica constituída pelo
significante “vermelho” e o significado “perigo”. Para obter uma estrutura devem ser ligados
dois signos no mínimo, cujas características sejam opostas e complementares. No exemplo
exposto, ao significante “vermelho” e ao significado “perigo” se oporia seu componente
lógico, ou seja, um signo cujo significante seja “não-vermelho” e cujo significado seja “não-
perigo”. Como o “não-vermelho” pode ser qualquer cor do espectro, é hábito escolher,
convencionalmente o “verde” como “não-vermelho”, sendo assim oferecido ao usuário um
universo cromático reduzido aos dois termos “vermelho” e “verde”.
Este código (estrutura A) é valido para o sujeito que observa de frente o semáforo
para pedestres, pois ao contrário, os sinais se invertem e adquirem um sentido oposto
(estrutura B). Na realidade não se trata dos mesmos significantes, considerando que o
“vermelho frontal” significa “perigo”, e o “vermelho oblíquo” significa “não-perigo”; é o
contexto que faz com que “vermelho” e “verde” mudem de significado para o pedestre. Do
mesmo modo é o contexto de uma sessão analítica que faz com que, para o analista o
conteúdo manifesto (perspectiva frontal) adquira um conteúdo latente particular
(perspectiva oblíqua).
49

As relações entre significantes e significados recebem a denominação clássica de


“significação” e correspondem ao estudo da semântica: são relações arbitrárias entre
vermelho e perigo, ou entre objetos internos e sua respectiva angústia, que dependem da
ancoragem, ou ligação, que o ego estabelecerá a partir de suas primeiras experiências.
Para isto, ligará estas às pressões pulsionais, assim como os objetos que permitem ou não
sua satisfação.
As relações sistemáticas entre significantes e significantes e entre significados e
significados são denominadas “relações de valor”. Correspondem ao estudo da sintática,
exemplificando, as relações de oposição e de diferença que o ego estabelece entre as
características de duas classes de objetos internos ou entre características de duas classes
de angústias.
Freud postulou que o aparelho psíquico “aprende pela experiência biológica” a
discriminar dois tipos fundamentais de experimentação vivida, opostos e complementares
entre si, cada vez que se produz nele um aumento de quantidade de estímulos internos ou
externos. Em primeiro lugar, Freud descreve uma “experiência de satisfação” na qual
intervém a percepção de três fenômenos simultâneos: uma descarga permanente de
tensão intraneurônica; uma fixação perceptiva das características do objeto gratificante sob
forma de imagem desiderativa (desejo); e uma força motriz do movimento reflexo de
desinvestimento mnésico e uma imagem motriz de atração.
O binômio primordial de experimentação vivida, se completa pela “experiência de
dor”. Esta é constituída pela percepção de um aumento brusco de tensão intraneurônica.
Ocorrência de uma fixação perceptiva das características do objeto doloroso e uma
“imagem mnésica hostil”, e de uma fixação motriz do movimento reflexo à dor em uma
“imagem motriz” de repulsão.
Freud afirma que todo o movimento de tensão, interna ou externa, produzirá uma
atração desiderativa em direção ao representante psíquico. Este constitui um traço mnésico
desiderativo (significante), do objeto satisfatório concreto (sinal), traço evocador de prazer
(significado) que constitui o representante psíquico da diminuição de tensão intrapsíquica
concreta (mensagem). Ao mesmo tempo se produzirá uma repulsa, ou defesa primária de
aversão, face ao traço mnésico hostil (significante) que evoca o desprazer (significado). A
essa repulsa acrescenta-se uma tendência a substituir o traço mnésico hostil pelo
desiderativo. Freud vem chamar de defesa, ou recalque primário, acompanhado por vezes
de uma descarga motriz reflexa, salvo nos casos em que, para o ego organizado, a
descarga de tensão se efetua pelo pensamento. Este não repele nem evita o traço mnésico
hostil.
50

As experimentações vividas em um contexto objetal, satisfazem ou frustra o sujeito


em uma forma ou estilo repetitivo particular ao grupo familiar. Cada experiência de
satisfação, ou de dor imprimirá aos traços mnésicos desiderativos e hostis do sujeito
características individuais, fixas, opostas e complementares. Assim constitui um “clichê de
experimentação vivida”. Os reflexos de repulsa que a eles correspondem codificam-se
pouco a pouco em condutas automáticas e individuais que formam um clichê defensivo.
Cada objeto do clichê bi-objetal permanece ligado – ancorado de forma arbitrária -, mas
definitivamente coagulado em um código individual – ao prazer ou desprazer. Isso ocorre
quando se estabelece a primeira “barreira de contato” (fixação) entre as células nucleares
que recebem as descargas pulsionais e as células que recebem a percepção dos objetos
externos.
Os desejos inconscientes associam-se aos elementos da recordação, levando ao
seu deslocamento e recalque. Logo, o ressurgimento de recordações está relacionado ao
destino dos desejos pulsionais. A autenticidade da cena infantil, bem como, sua
reconstrução é importante para Freud, na medida em que somente a análise dos processos
deformadores possibilitará o reconhecimento desses desejos inconscientes. Em “Recordar,
repetir, elaborar” (1914g), o autor entende como objetivo do tratamento analítico “o
preenchimento das lacunas existentes na recordação” por meio da superação das
resistências que haviam levado ao recalque. O paciente deve recordar determinadas
vivências e as moções emocionais correspondentes, pois somente assim se convencerá de
que a realidade aparente nada mais é, na verdade, que “o reflexo de um passado
esquecido” (1920). O que é recordado não são os acontecimentos ou fatos em si, mas sim
sua transformação e seus processamentos psíquicos. Freud se refere de forma bastante
geral a “processos psíquicos” como, por exemplo, quando fala da “birra” em relação à
autoridade dos pais, no caso de um de seus pacientes. É exatamente nesse ponto que
reside para ele a verdade histórica de uma recordação, na recordação dos processos
psíquicos e não somente em uma reprodução fiel da verdade dos fatos objetivos.
Em seu artigo “Pulsões e destinos das pulsões” Freud (1911/1915) sugere que o
ego prazeroso “trata os estímulos desprazerosos como se fossem externos”.
Posteriormente, completa afirmando que a polarização de realidade (ego/não-ego)
estabeleceu a eficácia ou ineficácia do aparelho muscular para desembaraçar-se dos
estímulos. É rodeado pela polarização econômica (prazer-desprazer): “o ego divide o
mundo exterior em uma parte prazerosa, que ele incorpora, e em um resto que lhe é
estranho”. Separou de seu próprio ego uma parte (o que motiva desprazer) que ele rejeita
do mundo exterior e que “percebe como lhe sendo hostil.” Segundo Freud, ao sinal de
51

desprazer, a angústia suscita da parte do ego uma “reação passiva ou ativa.” Ao lado de
cada movimento instintivo se observa o seu contrário, segundo ele. A estrutura final ativa e
passiva continua a existir conjuntamente e merece ser expressamente conceituada sob o
nome de “ambivalência”.
A presença simultânea de tendências, de atitudes e de sentimentos opostos, na
relação com um mesmo objeto, essas complexidades de sentimentos ou flutuações de
atitudes reside na manutenção de uma oposição em que a afirmação e a negação são
simultâneas. Surge como ação fundamental do paciente em sua posição atuante
manifestamente básica:
a) Posição Ativa X Posição Passiva
b) Sedutor X Seduzido
c) Desorganizador X Desorganizado
d) Fazendo Medo X Assustado
e) Enfurecedor X Enfurecido
f) Abandonar X Abandonado
g) Invejar X Invejado
h) Amar X Amado
i) Odiar X Odiado
j) Temer X Temido
Desta ação se deduz a posição “complementar e inversa” que caracteriza a
posição recalcada, porque contém a projeção de seu ego sofredor que, no caso de ela se
tornar consciente ao ser reintrojetada, aumentaria sua angústia, ou seja, lhe proporcionaria
desprazer. A posição básica e seu complemento invertido é então inverter tais posições, é
o que é considerado mais eficaz na prática, mas sua aplicação ao pé da letra não é
indispensável.

14. Os mecanismos inconscientes e as defesas do ego

A repressão é uma operação psíquica que faz desaparecer do consciente os


impulsos, sentimentos e desejos ameaçadores e geradores de angústia. Dessa forma
reprime também afetos e ideias, sendo esta defesa uma modalidade especial de repressão.
A repressão ou o recalque é um mecanismo básico com o qual o indivíduo retira da
consciência as pressões pulsionais, mantendo-as afastadas do ego. Freud escreveu que a
vantagem disso, é que a ideia incompatível é recalcada para fora do ego consciente. O ego
consciente não aceita o que não é condizente com seus ideais. Tem a tendência de
52

descarregar a energia vinculada a eles, disfarçados em formada de esquecimentos,


sintomas, sonhos e atos falhos.
Os mais clássicos casos clínicos apresentados e descritos por Freud, um deles foi o
da paciente Dora, que mostrou através de seu sintoma, seus desejos e a imaginação não
ajustada à sua imagem de menina que devia ser, recalcou sua fantasia, passando a sofrer
de tosse nervosa e falta de voz.
As defesas são operações de diferentes tipos que se modificam segundo o tipo de
afecção. Considerando a etapa genética, o grau de elaboração do conflito defensivo elas
podem ser especificadas. Ao utilizar “mecanismo” para exprimir o fato de que os
fenômenos psíquicos apresentam articulações suscetíveis de uma observação e análise
cientifica, Freud (1896), destaca a noção de defesa e situa a base dos fenômenos
histéricos. Ao mesmo tempo, o autor coloca outras afecções psiconeuróticas, devido à sua
forma particular, realçando que as defesas são provenientes dos diversos procedimentos
em que o ego se compromete para se libertar da incompatibilidade de uma representação.
As defesas do ego constituem um tema importante na investigação psicanalítica,
em particular pela obra de Anna Freud. A autora partiu de exemplos concretos escrevendo
sobre a variedade, diversidade, complexidade e extensão dos mecanismos de defesas.
Mostra principalmente como o objetivo defensivo pode utilizar as mais diversas
capacidades e ações, a fantasia, a atividade intelectual. A defesa pode incidir não apenas
nas reivindicações pulsionais, mas em tudo que provocar o surgimento e o
desenvolvimento da angústia: emoções, situações exigências do superego, entre outros.
Um mesmo processo esta sujeito a variações ou funcionar em níveis diferentes, como a
introjeção por exemplo. Esta defesa é inicialmente um modo de relação da pulsão com seu
objeto e que encontra por sua vez, o protótipo corporal na incorporação. Ela pode ser
secundariamente utilizada como defesa do ego, sobretudo uma defesa maníaca.
O recalque é um dos processos defensivos especificados por Freud, como um caso
particular de defesa. Este mecanismo de defesa do ego é constitutivo do inconsciente
como campo separado do psiquismo, desempenhando um papel primordial nas afecções
mentais tanto quanto na normalidade. Este é o mecanismo tomado como protótipo de
outras operações defensivas do ego. O termo “recalque” é empregado por Freud para
designar o destino das representações cortadas da consciência que constituem o núcleo de
um grupo psíquico separado, processo que se encontra tanto na neurose obsessiva como
na histeria. O autor, em seus textos sobre “As psiconeuroses de defesa” (1896), especifica
as diversas psiconeuroses através de modos de defesas nitidamente diferentes, entre os
quais inclui o recalque. Afirma que o mecanismo de defesa da histeria é a “conversão do
53

afeto”, o da neurose obsessiva é o “deslocamento do afeto”, enquanto na psicose Freud


considera mecanismos de rejeição (verwerfen), concomitante da representação e do afeto,
ou a projeção.
A conversão é um mecanismo de formação de sintoma que opera na “histeria de
conversão”. Esta defesa consiste numa transposição de um conflito psíquico e numa
tentativa de resolvê-lo em termos de sintomas somáticos, motores ou sensitivos,
manifestando assim impulsos e afetos reprimidos. A conversão não é simplesmente
manifestação somática de afeto, mas representação específica de fantasias, que podem
ser novamente traduzidas na linguagem somática para sua linguagem original. Ocorre que
a libido desligada da representação recalcada é transformada em energia de inervação.
Entretanto, o que especifica os sintomas de conversão é a sua significação simbólica, pois
eles exprimem as representações recalcadas especificas de fantasias que podem ser
novamente traduzidas na linguagem somática, através do corpo, para a sua linguagem
original.
Na identificação o sujeito assimila um aspecto, propriedade, ou atributo do outro e
se transforma total ou parcialmente, segundo o modelo desse outro, num processo
psicológico. Por outro lado, Freud descreve a identificação como uma série de
identificações que são constitutivas e ao mesmo tempo, diferencia a personalidade. A
identificação é um processo ativo que substitui uma identidade parcial, ou uma semelhança
latente por uma identidade total.
Na obra freudiana, o conceito de identificação assumiu valor central, mais do que
um mecanismo de defesa psicológico entre outros. Representa a operação pela qual o
sujeito humano se constitui. Os efeitos do Complexo de Édipo sobre a estruturação do
sujeito, em termos de identificação, desenvolve uma catexia objetal que compõe uma
primitiva forma de expressão vincular. As identificações formam uma estrutura complexa,
segundo Freud, na medida em que o pai e a mãe, cada um por sua vez, constitui o objeto
de amor e de rivalidade. A ambivalência presente em relação ao objeto deve ser essencial
à constituição de qualquer identificação. Esse mecanismo – identificação – ocorre com o
genitor do mesmo sexo ou seu representante simbólico, na ânsia de derrotá-lo na luta
competitiva pelo amor do progenitor do sexo oposto. O mesmo é observado com o
progenitor do sexo oposto, ou com seu representante simbólico. Como tal ocorre, quando o
paciente sente que tem pouca probabilidade de êxito na competição edípica.
A regressão no sentido formal designa a passagem a modos de expressão e de
comportamentos de nível inferior do ponto de vista da complexidade, da estruturação e da
diferenciação. Afasta da consciência uma ideia, um evento que possa causar ansiedade,
54

porém continua no inconsciente. A regressão possibilita a fuga de uma vivência incestuosa


atual, como também pode surgir no corpo, resultante de doenças psicossomáticas
vinculadas a essa repressão. Pela regressão o paciente retoma uma fase anterior
destituída do risco incestuoso edipiano.
Na negação os pacientes se defendem do sofrimento envolvido nas emoções e
desejos dolorosos que vivenciam. Não entendem o resultado de seu comportamento
sedutor sobre as pessoas de seu relacionamento. Quando ocorre algo que os incomodam
profundamente, há a tendência de não aceitar o que ocorreu, ou lembrar o ocorrido de
modo incorreto. A situação ocorrida pode ser fantasiada na tentativa de distorcer e
minimizar o impacto do evento.

15. Evolução psicoemocional

A visão sobre a evolução psicoemocional do indivíduo começa com sua concepção


e, principalmente, gestação, segundo Cichoski (2001). O indivíduo ocupa um primeiro
‘lócus’ que é o ambiente intrauterino. Em relação a tal ambiente podem ser considerados
os diferentes estímulos a que está submetido o feto, postulando, é claro, diferenças em
relação à fase da gestação e a maturação do Sistema Nervoso Central – SNC, com uma
evolutiva capacidade discriminativa. No ambiente intrauterino quais seriam os diferentes
estímulos do bebê? Os odoríferos, os visuais, os táteis, os gustativos e os sonoros? Com
esse grau de estimulação como deve sentir-se o feto?
Nessa visão de início de vida do bebê, Melanie Klein propõe, a partir da análise com
crianças pequenas, conceitos sobre o desenvolvimento emocional infantil, bem como,
mecanismos defensivos mais primitivos. Diferentes autores fazem alusão sobre o
nascimento do bebê, como vivência referencial para o indivíduo ao longo de sua vida: “na
situação intrauterina, como efeito, o que é externo é desprazeroso e o que é interno é
prazeroso. Após o nascimento, quando a criança tem fome e necessidade do mundo
externo, o que é externo se transformou em prazeroso e o que é interno é tornado
desprazeroso.” Para Klein, o nascimento se constitui na “primeira causa externa de
angústia”, enquanto que Freud sugere que no homem “o nascimento proporciona uma
experiência prototípica desse tipo” e segue o autor afirmando que “ficamos inclinados,
portanto, a considerar os estados de ansiedade como uma reprodução do trauma do
nascimento”.
Bion, em relação a estes dois momentos da vida fetal é um autor que apresenta os
conceitos conforme segue:
55

a) O ambiente intrauterino vai caracterizar uma:

Relação de Continente e ausência de desprazer ou Angústia não


aniquiladora (angústia que o ego é capaz de suportar).

Este seria o referencial de busca do indivíduo durante toda a vida, o retorno ao


ambiente ideal, Continente de Angústia não aniquiladora, ou o Nirvana.

b) A experiência de nascimento transmuta esta situação para uma:

Relação Não Continente e o aparecimento do desprazer ou Angústia


Aniquiladora (angústia que o ego não é capaz de suportar).

Afiguram-se assim, como os objetivos do ego:

a) Afastar-se da “angústia aniquiladora”, capaz de destruir o ego, associada ao


nascimento, representante de todas as relações “não continentes”, conforme a
conceituação freudiana de “experiência de dor” (Projeto Para uma Psicologia
Cientifica, Freud, 1895), de acordo com o princípio do prazer/desprazer. A
experiência do nascimento se constitui na referência para todas as vivências
posteriores onde o ego identificar a presença de angústia (aniquiladora).

b) Procurar por relações “continentes” (Nirvana), capazes de gerar a vivência da


“angústia não aniquiladora”, conforme a conceituação freudiana de “experiência
inicial de satisfação” (Projeto...), de acordo com o princípio de prazer/desprazer. A
vivência intrauterina se mantém como referência para todas as vivências posteriores
onde o ego identifica segurança (Nirvana*).
Pode ser observado que as situações criadas são:

COMPLEMENTARES e INVERSAS

Dentro desta concepção teórica kleiniana -, a perda da situação continente / angústia


não-aniquiladora, obriga o ego a procurar pelo restabelecimento da situação “prazerosa”, e
nesta tentativa, o ego infantil pode assumir algumas posições, dentro da conceituação de
Melanie Klein:
56

ESQUIZO-PARANÓIDE e DEPRESSIVA

Estas posições são vivenciadas de forma conjunta e alternante de acordo com as


experiências do bebê. Interessante lembrar neste ponto os conceitos da introdução
relativos a: Significante, Significado, Signo/Sinal e Estrutura:

SIGNO = SIGNIFICANTE (SOM) + SIGNIFICADO (OBJETO)

Neurofisiologicamente, segundo Cichoski, parece estar falando de uma “memória


de sons” e de uma “memória de objetos”, as quais se alojam em endereços cerebrais
distintos, porém mantendo conexões.

ESTRUTURA = SIGNO a: (significante a + significado a)


+
SIGNO a’: (significante a’+ significado a’)

Onde o signo a e signo a’ guardam entre si uma relação Complementar e Inversa.

Como integrar estes dados com nossa tarefa anamnésica/semiológica?

“Assim será construído um código afetivo-objetal biuniversal que será anterior e


que servirá de ancoragem para o código informativo utilizado pelo paciente para nomear
suas relações objetais. O código afetivo-objetal terá como significantes (pré-consciente) as
relações objetais e como significados (inconscientes) as angústias”. (CICHOSKI, 2001). O
que de certa forma lembra a posição freudiana, onde os afetos são recalcados e
‘desaparecem’. E segue o autor, dizendo que “O código informativo, ao contrário, terá como
significantes (pré-conscientes) as palavras que servem para o paciente nomear suas
relações objetais e como significados (inconsciente) as relações objetais propriamente
ditas”.
Em outras palavras, o psicanalista na “escuta” de seu paciente deverá estar atento
ao “relato verbal” da história deste – “código informativo” -, cujo conteúdo manifesto –
“significante” - indica aquilo que o paciente sabe sobre si mesmo. Estes dados estão
relacionados com aquilo que o paciente “não” sabe sobre si mesmo –“significado” - que é
seu conteúdo inconsciente.
O ensinamento de Gere (1981) é de que cabe ao analista a função de traduzir o
conteúdo consciente que é ‘manifesto’ em seu correlato inconsciente que é ‘latente’. De
57

acordo com Gear e Liendo (1976), uma associação com os conceitos linguísticos e
psicanalíticos, seria:

SIGNIFICANTE – código informativo (sintomas) / relações objetais – Pcs/Cs

SIGNIFICADO – código afetivo (angústia) / fato psíquico – Ics

Assim, tem-se dois conjuntos de dados inter-relacionados (em lógica, CLASSES,


entendida como o conjunto de objetos, indivíduos, sinais etc. de um dado universo que
apresentam um conjunto determinado de características em comum), a saber:

Relato Factual Vivência afetiva

Relação Objetal Angústia

Significante Significado

Manifesto Latente

Signos/Sinais Mensagens

Pcs/Cs Ics

A todo o dado expresso/conhecido pelo paciente (Pcs/Cs), existe um outro dado


não expresso/desconhecido (Ics). Tal conhecimento permite uma primeira conclusão que
deve nortear o trabalho durante as sessões, conforme sugere Cichoski (2001) que: “a ideia
de que o essencial da semiotização, do ponto de vista psicanalítico, reside nas relações
que unem o universo das angústias – ou universo significado -, ao universo das relações
objetais – ou universo significante”.

SEMIOTIZAÇÃO PSICANALÍTICA BÁSICA

SIGNIFICANTE - relações objetais – (consciente, verbalizado, som)


Exemplo: Continente (amada), Não continente (não amada)
SIGNIFICADO - angústias – (inconsciente, sentido, não sabido, objeto referido)
Exemplo: angústia não aniquiladora (prazer), angústia aniquiladora (dor)
58

Conclusão: deve ser determinada em cada relato do paciente qual a relação objetal
em evidência – sabida - (significante/Pcs/Cs) para poder inferir sobre a angústia
relacionada, não sabida (significado/Ics).
O conhecido conceito psicanalítico da TRANSFERÊNCIA, como a repetição de
uma relação do passado no presente, encontra respaldo no conceito semiológico da
COMUTAÇÃO, ou seja, o “processo semiótico teria continuidade por comutações” o que
quer dizer “por substituições de fatos concretos iniciais por outros” e assim “por meio dos
quais o ego observará se a relação inicial se mantém ou não, para confirmar ou invalidar a
hipótese semiótica que ordena os universos em classes.”
A partir deste conceito Comutação/Transferência o nascimento como perda de
relação objetal continente, pode ser considerado como fato inicial de referência para todas
as vivências desencadeantes de desprazer/dor, ou seja, angústia aniquiladora.
Unindo os conceitos psicanalíticos de representação (de “coisa” e de “palavra”) com
os conceitos linguísticos de signo/sinal (significante + significado) na concepção
semiológica, temos que uma posição básica no entendimento das relações entre as
“representações de palavras” (enquanto significante/Pcs-Cs) e as “representações de
coisas” (enquanto significado/Ics) é a de que “guardam entre elas uma relação perturbada
de simetria invertida”. Isto para “evitar o experimentar, em um plano secundário de
codificação afetiva, a classe dos significados afetivos com coloração de desprazer e
angústia, que resultam de uma utilização correta desse código informativo.”
O paciente se vale de uma relação invertida na tentativa de não deparar-se com o
desprazer do significado inconsciente, habitualmente recalcado. Ocorre, segundo Cichoski,
a formação de uma “estrutura” com sinais significantes conscientes contrários (invertidos)
aos significados inconscientes. Tal situação nos permite antever/deduzir a “estrutura
inconsciente ‘inobservável’”.

Alegria Tristeza
Expresso Não Expresso

16. O Complexo de Édipo e o olhar semiológico

Na teoria psicanalítica, a figura do pai, enquanto função constitui uma de suas


pedras angulares. O Complexo de Édipo cumpre um papel primordial na estruturação do
sujeito e na configuração do desejo. A castração é o signo do drama do Édipo. Com a
59

descrição do mito, Freud propicia uma moldura discursiva que nos permite ampliar a escuta
psicanalítica, bem como, das práticas politico-sociais. Algo de fundamental se presentifica
no mito do Édipo. Para além da escuta, Freud ao toma-lo como referencial modifica a
compreensão dos fenômenos, desvela a maneira como a lei se inscreve em sua dimensão
psicanalítica ou jurídico-politica. O pai é colocado como aquele que interdita a mãe, e é
nesse exato ponto que a sua figura encontra-se vinculada à lei primordial da proibição do
incesto.
Freud sugere que o mito do “Édipo Rei” é um processo que pode ser comparado ao
trabalho de análise, supondo que este é o caminho da constituição da doença psíquica. No
período do desenvolvimento do Complexo de Édipo, a criança se encontra numa situação
de dependência vital de um sistema de interação triádico. Este é contraditório e
constantemente instável, fazendo identificações polarizadas simultâneas, complementares
e excludentes da parte de cada um de seus pais. A criança precisa se definir em duas
opções parentais restritas e excludentes: definir-se como “papai” (ou substitutos), ou se
definir como “mamãe” (ou substitutas). A criança tem de elaborar álibis que lhe assegurem
uma definição de sua identidade menos punida e mais louvável pelos pais, pois não pode
se retirar do “campo edipiano”, visto que sua vida depende da permanência nele. Ela
precisa então se adaptar à interdição edipiana factual, bem como à interdição convencional
de se dizer semelhante ao genitor do sexo oposto. A criança não deve agir plenamente
como o genitor do mesmo sexo, mas deve se dizer semelhante a este. Ela acha por outro
lado que cada um dos pais faz exatamente ao contrario do que diz e faz (no sentido ativo e
passivo), e que ele exige simultaneamente de seu parceiro que este faça e diga o contrário
do que ele “faz” e “diz que faz”. Quando a criança age separadamente com cada genitor
pode se tornar complementar a esse genitor e fazer o que ele “diz que faz”. Os espelhos
semântico, narcísico e edipiano invertidos só lhe bastam para resolver interações diádicas
imediatas.
As contradições são resolvidas pela criação de outro nível de contradições, onde a
criança dispõe de: código informativo convencional congruente com o que ela diz é
congruente com o que faz; código sexual convencional, segundo o qual ela diz e faz
(masculinidade ou feminilidade) como o genitor do mesmo sexo; código informativo
narcísico, que é uma transgressão do primeiro, por meio de uma inversão sistemática
verbal do que ela fez; código sexual edipiano, que é uma transgressão do segundo, por
meio do qual esta denota sua semelhança com o genitor do mesmo sexo, mas denota e
conota com o genitor do sexo oposto.

Paciente MASCULINO Depositário


MASCULINO\FEMININO
Cs Cs
60

Depositário
Paciente
FEMININO
Cs Cs

Ego Superego

Superego
Ego

Ics Ics

IDENTIFICAÇÃO ATUAÇÃO
Genitor mesmo sexo Genitor sexo
DIZ oposto
FAZ

A aplicação destes conceitos – psicanalíticos, linguísticos, paradoxos e semiológicos


– ao complexo de Édipo, permitiu aos autores postularem que “os pacientes tendem a
assumir factualmente, em suas relações objetais, o papel do genitor do sexo oposto”,
enquanto que induzem também “factualmente no parceiro com o qual estão em interação
(inclusive o analista) o papel de genitor do mesmo sexo”.
“Levantamos então a suposição de que se tratava de uma espécie de ‘formação de
compromisso’ edipiana, por meio da qual o ego tenta resolver o mandado paradoxal do
superego, que lhe diz ao mesmo tempo: ‘você deve ser assim – como o pai –‘ (senão você
61

é um castrado) e: ‘você não deve ser assim – como seu pai –‘ (senão eu o castro), ‘pois
você não deve fazer tudo o que ele faz, há alguma coisa que está reservada
exclusivamente para ele’ (a relação dele com sua mãe). Sugerimos que, diante desse
dilema, o sujeito “é” genitalmente como o genitor do mesmo sexo, isto é, heterossexual (e
não se trata de um castrado), mas “faz” ao mesmo tempo como o genitor de sexo oposto,
no sentido de que adota a personalidade e a posição habitual deste na interação (e ele não
é castrado porque não faz tudo o que faz o genitor do mesmo sexo).”
Mais ainda, considerando a posição freudiana de papéis ‘ativos’ e ‘passivos’ e as
possíveis evoluções do complexo de Édipo: direto e inverso, os autores apresentam a
seguinte afirmação: “a identificação com o genitor do mesmo sexo e a busca de um objeto
que oferece características similares às do genitor do sexo oposto corresponderia à eleição
‘ativa’ de objetos que resulta do complexo de Édipo direto, ao passo que a eleição ‘passiva’
de objetos que resulta do complexo de Édipo invertido (isto é, um homem escolheria uma
mulher com características não-genitais mais ‘semelhantes’ às de seu pai do que às de sua
mãe, sem para isso escolher um homem como parceiro, assim pois o homem – sem deixar
de ser homem – isto é, igual a seu pai no genital -, não é como seu pai no não-genital, pois
não possui uma mulher como sua mãe, ao mesmo tempo em que elabora, por
identificação, a dor de ter perdido genitalmente sua mãe proibida.”

Exemplos clínicos:

a) Paciente Feminina - atua em suas relações objetais o papel desempenhado pelo


pai e ao mesmo tempo induz o objeto de interação – como o analista – no papel
desempenhado pela mãe. Em outras palavras, frente a nossa paciente, vemos o
atuar paterno e em nossa contratransferência indícios do atuar materno.

b) Paciente Masculino - atua em suas relações objetais o papel desempenhado pela


mãe e ao mesmo tempo induz o objeto de interação – como o analista – no papel
desempenhado pelo pai. Similarmente, frente ao nosso paciente, vemos o atuar
materno e em nossa contra transferência indícios do atuar paterno.
17. O superego e os efeitos semiológicos

Exemplo A: Paciente em tratamento psicanalítico com queixa de anorgasmia.


Relata episódio de assédio sexual na infância. Apresenta história de insatisfação
sexual repetida (significante verbal), factualmente tem vida sexual intensa, com
62

múltiplos parceiros com os quais não mantém relações profícuas e duradouras,


chegando a perguntar por que se envolve com tais pessoas.

Exemplo B: Paciente em tratamento psicanalítico com queixa de depressão. História


de perda dos pais na infância. Verbalmente, em suas primeiras sessões refere estar
‘cansada de ver as pessoas’ se aproximarem dela para depois a abandonar.
Factualmente, observa-se que a paciente tem dificuldade em manter seus
relacionamentos quer seja com os familiares (avós, tios, irmão), ou pessoais
(namorados, marido e filhos).

C
s
Clivagem do ego

Recalque da SINTOMA
S
Pulsão

Super
Ego

Recalcad
o
Ics

RECALQUE ATUAÇÃO
satisfaz o Superego Representação das pulsões
Evita o desprazer moral Evita desprazer biológico
Representação de palavras Representação coisa factual

Semelhante a um “ouça o que eu digo, já que não me dou conta do que faço.”
Do ponto de vista prático, aplicando as correlações dos conceitos acima
apresentados, com o objetivo de conseguir os dados que capacitem o entendimento do
caso de cada paciente, os autores sugerem que se selecione e avalie um trecho da história
do paciente, procurando determinar, a partir dos dados:
Uma “ação fundamental” do paciente, ou seja, qual a sua posição atuante manifesta
básica, tal ação compõe a “posição recalcadora e seu sistema objetal continente”.

Posição Ativa Posição Passiva

Sedutor Seduzido

Desorganizador Desorganizado

Fazendo Medo Assustado

Enfurecer Enfurecido
63

Invejar Invejado

Amar Amado

Odiar Odiado

Temer Temido

Desta ação se deduz a posição “complementar e inversa” que caracteriza “a


posição recalcada, porque contém a projeção de seu ego sofredor que, no caso de ela se
tornar consciente ao ser reintrojetada, aumentaria sua angústia, ou seja, lhe proporcionaria
desprazer”
Resumindo: a análise do material selecionado deve possibilitar definir “as
características das ações que ele diz executar, ou que ele pretende executadas pelo
objeto, quanto às fantasias inconscientes dessas ações”.
Com base nessas duas posições: recalcada e recalcadora e em seus respectivos
papeis a identidade “binaria do paciente é definida, segundo Gear e Liendo, ou seja o que
ele diz “ser” e o que ele diz “não ser”. Afirmam os autores que “o paciente seria, visto sob
essa perspectiva, um signo ‘recalcador’ que se opõe e se completa por outro signo
‘recalcado’ e projetado por ele em seu não-ego” (GEAR e LIENDO, 1976). Lembrando que
no conceito de “signo”, a ideia de complementariedade invertida está implícita.
Ao determinar a posição básica do paciente no relato que faz sobre o seu sintoma,
considerar o seu correlato complementar e contrário. Ao inverter estas posições obteremos
a fantasia inconsciente com a qual o paciente opera nesse estádio da transferência.
Descrever a posição básica e seu complemento invertido e então inverter tais posições, é o
que é considerado mais eficaz na prática.
Como síntese para a investigação psicanalítica, a partir de hipóteses levantadas,
Gear e Liendo (1976), apontam os critérios abaixo para serem identificados, e que
correspondem à capacidade do paciente para assimilar as intepretações, ao longo da
anamnese psicanalítica:
a) O motivo da consulta do paciente, observando o “verbo principal” da história do
paciente: verbo no particípio passado – posição passiva (seduzida), verbo no
particípio presente/infinitivo – posição ativa (seduzindo/seduzir);
64

b) A imagem que ele relata de seu grupo familiar original;


c) A imagem que ele relata de sua relação de par;
d) Um sonho repetitivo, caso possível;
e) Uma história infantil que lhe tenha ficado particularmente gravada na mente;
f) O que ele espera do tratamento;
g) A conduta no correr da entrevista;
h) A contratransferência do analista;
i) Resposta a uma interpretação de prova.
j)
A tarefa do psicanalista enquanto analisa de seu paciente estaria então relacionada
com a identificação do que:
a) O paciente DIZ que faz, pensa, sente ou percebe (significantes verbais);
b) O que o paciente FAZ (significante factual);
c) O que o analista faz, pensa, sente ou percebe (contratransferência);
d) Comparar a descrição feita com os conhecidos mecanismos de defesa do ego: a
formação reativa; a inversão.

18. A semiologia e a interpretação

Em última análise, a função do analista é a da interpretação, isto é, traduzir para e


com o paciente o significado latente camuflado pela apresentação sintomática manifesta.
Seguindo os pontos de vista semiológicos apresentados, a síntese de Gear e Liendo (1976)
no que se referente à interpretação é de que esta deva começar por colocar em evidência
a contradição entre o que o paciente ‘faz’ (significante fatual) e o que ele ‘diz que faz
(significante verbal)’. Assim, o “analista ‘é’ para o paciente como este (o paciente) ‘é’ para
o objeto de sua própria narrativa, e inversamente, isto é, o paciente ‘é’ para o analista como
este ‘é’ para o objeto da narrativa”. (GEAR E LIENDO, 1976).
Lembrar sempre que a “fala” do paciente, na “Associação Livre”, pode estar
deslocada para qualquer assunto. Contudo a referência é o analista e a transferência que
aí se estabelece, segundo Gear e Liendo: “o paciente desloca as mensagens da
transferência, referindo-as a outros contextos, ele responde e não responde ao convite de
falar ‘livremente’ de si mesmo, já que fala de sua relação com o analista, mas falando a
propósito de outras pessoas, depois de ter tornado passiva a posição ativa que se atribuía
na interação relatada”.
65

A relação estabelecida pela proposição semiológica entre o significante pré-


consciente e o significado inconsciente é a COMPLEMENTAR E ANTITÉTICA, de acordo
com os autores citados acima.
Esta regra procura facilitar o acesso ao inconsciente, “já que Freud tinha postulado
a impossibilidade de observar o Inconsciente.” Dito de outra forma: “No código ‘afetivo’ que
admite as percepções objetivas como significantes e as sensações afetivas como
significados, sugerimos que o recalque consiste para o ego narcísico em substituir a sua
percepção de um significante hostil pela percepção do significado inverso, desiderativo, a
fim de transformar sua sensação (significado) desprazerosa, castradora ou aniquiladora,
em uma sensação prazerosa, não-castradora e não-aniquiladora.” Do que então “(...)
deduz-se que entre o Pcs e o Ics, entre o ego narcísico e seu depositário como ‘duplo
invertido’, entre o pai e a mãe edipianos, entre o recalcador e o recalcado e entre as
‘entradas’ e as ‘saídas’ de informação haveria uma relação de simetria invertida.”(GEAR e
LIENDO, 1976).

TRABALHO NO USO DOS MECANISMOS DE DEFESA

Introjeção

Seduzida Re Sedutor
R
cal
Cs e Cs
qu
cu
e
sa

Ics Ics
Sedutora
Seduzido
Projeção

Indução

(CLIVAGEM, RECALQUE, PROJEÇÃO, INDUÇÃO, RECUSA E INTROJEÇÃO)


empregado nas situações conflitivas podem ser exemplificados conforme a paciente do
primeiro caso, cujo monotema identificado foi o da sedução, da qual a clivagem produziu as
posições SEDUZIDA/SEDUTORA já que a paciente, recalca nela (‘no interior dela’) e
projeta no analista sua posição de ‘sedutora’, ao mesmo tempo em que recusa no analista
(‘fora dela’) e introjeta nela a posição ‘seduzida’. Recalcar, portanto é ‘não ver’ o
desprazeroso no sujeito e ‘vê-lo’ no objeto e recusar é ‘não ver’ o prazeroso no objeto e ‘vê-
lo’ no sujeito.
66

O objetivo imediato e fundamental do trabalho do analista é o de determinar o


‘monotema’ do paciente, a partir das seleções de seus materiais – relatos de história,
sonhos e atos falhos. Quanto aos mecanismos de defesa clássicos da psicanálise, Gear e
Liendo, supõe que “quando o ego narcísico é preso na engrenagem de um conflito
paradoxal (laço duplo e álibi duplo*), ele dispõe pelo menos de cinco mecanismos cujas
ações simultâneas se combinam: ele não ‘vê’ o que faz (recalque), pois o acharia
desprazeroso; ele diz e ‘vê’ que o depositário faz a mesma coisa que ele está fazendo
(projeção), ele o manda fazer (indução), depois não o ‘vê’ (recusa); o que, no entanto,
corresponde precisamente ao que ele pretende ‘ver’ realizado por ele mesmo (introjeção).”
Uma vez mais fica clara a relação complementar inversa entre o que o paciente “diz
que faz” e que de fato “faz”, entre o “manifesto e o latente”. A leitura que o analista deve
proceder, segundo esta visão semiológica, é desfazer estas posições quando da
interpretação.
Os autores citados e referidos acima concluem em relação ao RECALQUE e a
INTERPRETAÇÃO que: analisando numerosas narrativas verbais e confrontando-as com
suas respectivas ações narradas por pacientes psicanalíticos, “operamos seis
generalizações empíricas observáveis” as quais validam a tese de que “o recalque consiste
em uma inversão da classificação pré-consciente dos narrantes e dos narrados do código
informativo a respeito das ações sobre as quais ele informa”; e ainda validam também “a
tese do ‘recalque à dois’ e a da inversão na classificação identidade edipiana”.

• Nas sessões psicanalíticas, o paciente repete de maneira monotemática, verbal e fatual


a narrativa de uma mesma história com os mesmos personagens, a mesma sequência,
etc., (...) Em outros termos, é quando o paciente está em conflito que ele fala e repete
sempre a mesma história com – em relação a cada oscilação da transferência – as
variações circunstanciais próprias de cada episódio relatado.
• A posição na interação que ele diz ocupar em suas narrativas reiterativas é exatamente
simétrica e invertida em relação à que ele ocupa objetivamente na interação de
transferência. Em outros termos, o paciente percebe e fala o inverso do que ele faz.
• A posição na interação, que o paciente percebe e diz ser ocupada por seu depositário
face ao conflito, é simétrica e invertida em relação à que ele tenta induzir naquele.
Quando o depositário entra no jogo, ele diz também que ocupa na interação uma
posição simétrica e invertida em relação a que é induzido a ocupar na interação objetiva.
Em outros termos, o paciente faz com que seu depositário também perceba e fale ao
67

inverso, depois de tê-lo induzido a adotar na interação a posição complementar daquele


que o próprio paciente assumiu.
• A posição na interação que o paciente percebe e diz ocupar é a que objetivamente seu
depositário ocupa (ou a que ele tenta induzir nele) e a posição de seu depositário
percebe e diz ocupar (ou a que ele se esforça para que este perceba e diga que ocupa)
é a objetivamente ocupada pelo paciente.
• O paciente tende a ocupar na interação da transferência a mesma posição que na
interação parental é ocupada pelo genitor do sexo oposto, e a induzir o analista (ou em
outros depositários) a mesma posição que o genitor do mesmo sexo ocupa na interação
parental.
• O paciente tende a perceber e a dizer que ele ocupa na interação da transferência a
posição do genitor do mesmo sexo e que o analista ocupa a do genitor de sexo oposto.
Gear e Liendo (1976) apresentam alguns passos para a interpretação do material
apresentado pelo paciente:
a) Designação fora da transferência – Assinala-se para o paciente que ele tende
sempre a falar da ‘mesma coisa’ para que ele se assuma a título de interpretante
patológico e estereotipado de suas interações. (seria a PONTUAÇÃO).

b) Interpretação fora da transferência – relacionar as narrativas monotemáticas atuais


e sua origem no contexto familiar infantil: a tendência do paciente a reproduzir, com
seus depositários atuais, a interação parental edipiana direta ou invertida. (tipo uma
CONFRONTAÇÃO).

c) Interpretação direta dentro da transferência – mostrar ao paciente como ‘sente’


que na relação analítica acontece ‘a mesma coisa’ que lhe acontece em outros
contextos. (seria uma PONTUAÇÃO TRANSFERENCIAL).

d) Interpretação de transferência direta edipiana – que consiste em indicar ao


paciente que ele se ‘sente’ ocupar aí, agora e com o analista, a posição na interação
que ele já ocupou lá e então com o genitor do mesmo sexo, enquanto ele atribui ao
analista a posição do genitor do sexo oposto.

e) Designação dentro da transferência das sequências das desqualificações


observáveis por meio das quais o paciente tende a operar sempre o mesmo tipo de
indução no analista em relação ao contexto e ao trabalho terapêutico.

f) Interpretação de transferência invertida – em relação às posições que o paciente


diz, sente e percebe que ocupa na relação de transferência; em outras palavras é a
68

seguinte construção: ele faz e lhe fazem o contrário daquilo que ele ‘sente’ que faz a
seu analista e daquilo que esse analista faz a ele.

g) Interpretação de transferência edipiana invertida, que consiste em assinalar ao


paciente que ele tende objetivamente a ocupar aqui, agora e com o analista, posição
na interação ocupada lá e então pelo genitor de sexo oposto ao seu.

Essa última etapa é a que deve ser dosada com a maior precisão para evitar a
reação terapêutica negativa, tendo em vista que ela expõe o paciente à angústia
aniquiladora que ele experimenta com a ideia de ser semiologicamente excluído por seu
superego se ele toma contato com uma percepção correta – não invertida e não mutilada
das posições de interação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acredita-se que a partir desse estudo e pesquisa foi possível caracterizar


brevemente o que se compreende como sendo fundamentos freudianos para uma
semiologia psicanalítica. A revisão de literatura em psicanálise proporcionou encontrar os
fundamentos principais, particularmente em “Totem e Tabu” (1913), a primeira pesquisa de
Freud no domínio da semiologia, e mais importante como um todo. Embora não tenha
usado a expressão “semiologia psicanalítica” nessa obra ou em seus escritos, efetivamente
ali mostra o que entendeu como sendo a prática parece ter feito o que se entende como
sendo a pratica da semiologia psicanalítica dos signos “totem” e “tabu”.
Por semiologia psicanalítica fica entendido como o estudo de signos, a partir da
definição de Saussure, como aquilo que une um “significado” a um significante, no seu
contexto linguístico originário como, por exemplo, os mitos, os escritos clássicos, e,
recalcado nas aparições da língua da atualidade. Nessa valorização do estudo dos signos,
que poderiam ser "conceitos", em sua aparição nos textos clássicos, vê-se a ênfase
colocada no método de revisão de literatura.
Aquilo que esta presente no homem sob forma de universais linguísticos naturais,
na origem das transformações subsequentes dos signos, recalcado, portanto, na aparência
atual do signo, também esta presente no sujeito do inconsciente, enquanto fenômeno
social, quanto no inconsciente do sujeito, enquanto fenômeno individual. Esse inconsciente
que se torna objeto da investigação psicanalítica, e como tal, o método semiológico justifica
e fundamenta a necessidade do psicanalista conhecer e estudar semiologia como literatura
de apoio e como método de pesquisa, que através do pensamento de Saussure depura os
ditos universais da linguagem reveladora da natureza humana linguística inconsciente.
69

Freud (1913) com seus estudos, num segundo momento de sua obra, permitiu
perceber que é importante orientar a pesquisa semiológica para os tabus e para as
religiões, que se mantêm ao lado dos mitos. O autor aborda o estudo do fenômeno
religioso demonstrando que a religião é inimiga da ciência. Entretanto, o homem sente
necessidade de crer e opta se quer ou não crer. As razões para a atitude do crente justifica
uma investigação psicanalítica. A interpretação psicanalítica do fenômeno religioso pode
prestar um grande serviço a todo aquele que crê ou não, pois possibilita que estas opções
sejam motivadas por razoes psiquicamente sadias e não neuróticas ou neurotizantes.
Existe um pensamento semiológico em Lacam, implicitamente sugerido.
Entretanto, esse sem pensar lacaniano não possui a influência de Saussure, o autor
conserva apenas o seu modelo linguístico, em particular o modelo de signo enquanto
unidade de uma linguagem. Para Lacan, a semiologia é vista como uma disciplina,
portanto, está fora da linguística.
O pensamento semiológico de Lacan recebeu a influência de Freud, considerando
questionamento dele em uma passagem interessante, quando Lacan questiona “o que
distingue esses dois mecanismos (a condensação e o deslocamento), no trabalho sonho
(...) de sua função homóloga no discurso”. E ele responde: “nada, a não ser uma condição
imposta ao material significante”, explicando que “essa condição constitui uma limitação
que se exerce no interior do sistema da escrita, longe de dissolvê-lo numa semiologia”. É
possível pensar na existência, em Lacan, de uma analogia entre, por um lado, o sonho em
Freud e o discurso, e, por outro lado, a análise do sonho em Freud e a análise semiológica
do discurso. Portanto, dessa forma, é possível supor que a hipótese lacaniana segundo a
qual “o inconsciente é estruturado como linguagem” decorreria de um raciocínio,
implicitamente sugerido, seguindo o modelo daquele que pareceria caracterizar o que se
pode compreender como sendo uma “semiologia freudiana do sonho” em Lacan.
Freud usou a literatura, os mitos e a produção cultural para argumentar sobre suas
teorias, e em especial das pulsões. O homem ficou trancado em algo que o autor propõe
como pedra angular de sua teoria, o Complexo de Édipo. Partiu do modo grego de ver o
mundo. Demonstrou que complexos de fato explicam como a mente humana funciona, e
ainda mais, que o conteúdo dos complexos é mítico. Funciona apenas em Édipo e
Narciso? Variantes? Outros mitos? Do Jardim do Éden? Da Torre de Babel? Entre outros
nessa temática, na base, a concepção aristotélica da sexualidade é semelhante à
concepção que Freud como presente no inconsciente.
70

REFERÊNCIA BIBILOGRÁFICAS:

1. ABBAGNANO, Nicola. “Dicionário da Filosofia”. SP: Martins Fontes, 2000.


2. AZEVEDO, Elza M.G. de. Mitologia e Psicanálise. Disponível em:
http://psicanalisemarilia.com.br/docs/2015/Mitologia_e_Psicanalise_versao_final.pdf
Acesso em: 15 de junho de 2017
3. BRITANNICA, ENCYCLOPAEDIA DO BRASIL, Publicações Ltda., sd.
4. BRENNER, Charles. Noções básicas de psicanálise: Introdução à Psicologia
Psicanalítica. 5ª. Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
5. BENTO, Victor E. S. Totem e Tabu: uma “semiologia psicanalítica” em Freud? Estudo de
Psicologia. Campinas: Vol. 24; Nº 3, Julho/Setembro, 2007. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S0103-166X2007000300011. Acesso em: 20 de maio de
2017.
6. CARVALHO, Uyratan. Apostilamento aula APVP. São José dos Campos, 2009.
7. CHNAIDERMAN, Miriam. Ensaios de psicanálise e semiótica. São Paulo: Escuta, 1989.
8. CICHOSKI, Luiz Vitório. Semiologia Psicanalítica. Rio de Janeiro: Isbn 85-87591-25-8,
2001.
9. CIRINO, Antonio Piton & outros. Uma contribuição da semiótica para a
comunicação visual na área da saúde. Interface - Comunicação, Saúde,
Educação. Botucatu, SP; Vol. 15, Nº 38; Julho/ Setembro, 2011. Disponível
em: ISSN 1807-5762Print version ISSN 1414-3283. Acesso em: 07 de julho de
2017.
10. ENCARTA. Enciclopédia, 1993-1999 Microsoft Corporation.
11. FENICHEL, Otto. Teoria Psicanalítica das Neuroses. São Paulo: Atheneu, 2000.
12. FONTANARI, Julinano. Mito e Psicanálise: quando eles nos vivem e quando
nós os vivemos? Psicanálise e Transdisciplinariedade. Porto Alegre, Nº 5,
Janeiro/Fevereiro/Março, 2008. Disponível em:
www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php. Acessado em: 02 de junho de
2017.
13. Contemporânea - Psicanálise e Transdisciplinaridade, Porto Alegre, n.05,
Jan/Fev/Mar 2008 Disponível em: www.contemporaneo.org.br/contemporanea.php
87.
14. KLEIN, Melanie. Inveja e Gratidão.Rio de Janeiro: Imago, 1946.
15. LAPLANCHE & PONTALIS. Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
16. LIENDO, Ernesto C. e GEAR, Maria Carmem. Semiologia Psicanalítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1976.
17. GUYTON, Arthur C. Tratado de Fisiologia Médica. Rio de Janeiro: Interamericana,1977.
71

18. GREENSON, Ralph R. A técnica e a prática da psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1981.
19. NUNES, Portella. Psiquiatria e Saúde Mental. São Paulo: Atheneu, 2000.
20. OLIVEIRA, Sandra Regina R. & outros. Uma contribuição da semiótica para a
comunicação visual na área da saúde. Interface, Comunicação, Educação e Saúde.
Botucatu, SP, Vol.13, Nº19, Abril/Junho, 2009. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832009000200013. Acessado em: 25 de junho de
2017
21. PASTORI, Jussanan, A. D. Psicanálise e linguagem mítica. Ciência e Cultura. São
Paulo, Vol 64, Nº 1, Janeiro de 2012. São Paulo, 2012. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.21800/S0009-67252012000100009. Acesso em: 12 de julhode
2017.
22. PEIRCE, S. Charles. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003.
23. ROMANINI, Vinicius. Semiótica de Peirce. Minute Semiotic. USP ECA. São Paulo, 2009.
Disponível em: http://www.minutesemeiotic.org/?p=38&lang=br Acesso em: 30 de junho de
2017
24. ROUDINESCO, Elisabeth & PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro:
Zahar, 1998.
25. SAUSURRE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Ed Cultrix, 1995.
26. WINNICOTT, Donald W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
27. ZIMERMAN, David E. Vocabulário Contemporâneo de psicanálise. Porto Alegre: Artes
Médicas, 2001.
28. ZIMERMAN, David E. Manual de Técnica Psicanalítica Uma Re-visão. Porto Alegre:
Artemed, 2004.

#%#%#%#%#%#%#%#%#%#%#%#%#%#

SUGESTÂO PARA LEITURAS SUPLEMENTAR – SUGESTÃO DE BIBLIOGRAFIA

1. ARAÚJO, Álvaro C, e NETO, Francisco Lufato. A nova classificação americana para os


transtornos mentais – O DSM-V. Jornal de Psicanálise. São Paulo, 46 (85), 99-116.
2013. Disponível em:< pepsic.bvsalud.org/pdf/jp/v46n85/v46n85a11 >; Acesso: 14 de
nov. de 2015.

2. ARENALES-LOLI, Maria Salete & FRANQUES, Ainda Regina M. Contribuições da


psicologia na cirurgia da obesidade. São Paulo: Vetor, 2006.
3. ARENALES-LOLI, Maria Salete. Obesidade como sintoma. Uma leitura psicanalítica.
São Paulo: Vetor, 2000.
72

4. ARRIVÉ, Michel. Linguagem e psicanálise, linguística e inconsciente. Rio de Janeiro,


1999. (Transmissão da Psicanálise, V. 61).
5. BARROS, Carlos Alberto S.M. (org.). Psiquiatria para leigo. 2ª ed. Porto Alegre: Editora
Conceito, 2003. Coleção Saúde, Educação e Prevenção.
6. BARANGER, Willy. Posição e objeto na obra de Melanie Klein. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1981.
7. BARBERO, Lúcia. Narcisismo e Vínculos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
(Clínica Psicanalítica, Vol. 47).
8. BERENSTEIN, Isidoro. Do ser ao fazer: curso sobre vínculos. São Paulo: Via Lettera
Editores, 2011.
9. CORSO, Mário & CORSO, Diana Lichtenstein. Fadas no divã. Psicanálise nas historias
infantis. Porto Alegre: ARTMED, 2006.
10. CORSO, Mário & CORSO, Diana Lichtenstein. A psicanálise na terra do nunca: ensaios
sobre a fantasia. Porto Alegre: Penso, 2011
11. DOLTO, Françoise e Nasio, Juan-David. A criança do espelho. Porto Alegre, Artes
Médicas, 1991.
12. ESCOBAR, Carlos Henrique (org.). Semiologia e linguística hoje. Rio de Janeiro: Pallas
S.A, 1970. (Ciências Humanas Hoje).
13. FÉDIDA, Pierre (org.). Comunicação e representação. São Paulo: Escuta, 1989.
14. FENICHEL, Otto. Teoria psicanalítica das neuroses. São Paulo: Atheneu, 1997.
15. FERRAZ, Flávio Carvalho. Normopatia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
16. FIGUEIREDO, Ana Cristina. Corpo, sintoma e psicose: leituras do contemporâneo. Rio
de Janeiro: Contra Capa, 2006.
17. FRANCISCELLI, Leonardo Adalberto. Amanhã, psicanálise! O trabalho de colocar
o tratamento no paciente. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
18. FREUD, Anna. O ego e os mecanismos de defesa. 10 ª ed. Rio de Janeiro:
Civilização,1996.
19. GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Acaso e repetição em psicanálise. 6ª ed. Rio de
Janeiro: Zahar, Rio, 1999.
20. GEAR, Maria Carmen; LIENDO, Ernesto César. Semiologia Psicanalítica. Rio de Janeiro:
Imago, 1976.
21. JAMES, Laura. O lobo mau no divã. Rio de Janeiro: Best Seller, 2008
22. GOEPPERT, Sebastian e Herm C. Linguagem e Psicanálise. São Paulo: Cultrix; 1980.
GOMES, Purificacion Barcia. Org. Vínculos amorosos contemporâneos: Psicodinâmica das
novas estruturas familiares. São Paulo: Callis, 2003.
23. KEHL, Maria Rita. Ressentimento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
24. KEHL, Maria Rita. Clinica da exclusão. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
25. MEIRELES, Marilucia Melo. Anomia. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2001.
73

26. PIONTELLI, Alessandra. De feto a criança, um estudo observacional e psicanalítico. Rio de


Janeiro: Imago, 1995. (Nova Biblioteca de Psicanálise; Instituto de Psicanálise de Londres,
vol. 15).
27. RIESENBERG-MALCOLM, Ruth. Suportando estados mentais insuportáveis. Rio de
Janeiro: Imago, 2004. (Nova Biblioteca de Psicanálise; Instituto de Psicanálise de Londres,
vol. 34).
28. SOUZA, Laurinda Ribeiro de. Violência. 2ª ed. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.
29.

#%#%#%#%#%#%#%#%#%#%#%##%#

TRABALHO DE AVALIAÇÃO DO MÓDULO

ATIVIDADES:

1) Ler a apostila do módulo complementando com outra leituras sugeridas,


entendendo ser necessário, a fim de organizar o conhecimento sobre
Semiologia Psicanalítica .
2) Fazer a leitura (com atenção) do recorte clínico proposto (a seguir),
considerando os elementos trabalhados no módulo.
3) No caso, identificar os elementos:
- relação entre os significantes pré-consciente e consciente e o inconscientes;
- as relações objetais (familiares) e significantes;
- sensações afetivas e significados;
- significante agressivo, desprazeroso e hostil;
- cultura do grupo familiar e situação mítica;
- a repressão e mecanismos de defesa;
- a representação de coisa e a representação de palavra, enquanto significante
e significado.

Pedrinho4 e seu sintoma

1. Identificação

Um menino, que recebeu o nome de Pedro, e chamado de Pedrinho, nasceu em 23


de março de 2009 e frequentava a escola, no maternal. A mãe uma moça jovem, com 23

4
Nome fictício, e todos os demais descritos no caso.
74

anos de idade, Bacharel em Direito, exercendo uma ocupação, cuja atividade era
autônoma – representante comercial. Estava estudando para realizar a prova da OAB, pois
deseja fazer concurso público na área – ser Promotora de Justiça. O pai, Técnico em
Planejamento, contando dom 29 anos, residindo e trabalhando numa empresa no sul do
Brasil, distante uns 800 km da cidade e estado onde a família residia.

2. Genotograma/ heredograma

A mãe de Pedrinho apresenta aspectos depressivos e de uma fragilidade emocional


forte. Em seu relato, revela que sua mãe, a avó do filho, sofreu de depressão quando esta
era pequena. Conta que a sua avó materna (bisavó do bebê) sofre de depressão severa e
encontra-se em tratamento. A mãe e a criança moram na casa da avó, juntamente com sua
mãe e a tia- madrinha de Pedrinho (irmã da mãe). Os avós maternos vivem separados,
pois o avô mora com os sogros e trabalha na sul do estado, distante uns 300 km de onde
reside sua família (esposa, filhas e neto). Ele trabalha na empresa do cunhado e visita a
família aos finais de semana. Às vezes, Pedrinho com sua mãe e familiares vão visitar o
avô, na casa dos bisavós da criança. A família paterna é muito distante e fazem sete anos
que não se visitam. A mãe e a criança dormem no mesmo quarto, em camas separadas.

3. Motivo da consulta

Após a visita paterna, a qual ocorre a cada 30/40 dias, a mãe notou que seu
Pedrinho, seu filho mudou de comportamento. Ele passou a se isolar, recusando o
alimento, ficando durante cinco dias sem comer e com vômito. Apresenta dificuldades para
dormir, e quando dorme o sono é intranquilo, agitado. Na escola, as professoras reafirmam
o sintoma, observando que a criança se isolava do grupo, ficando grudada com uma das
professoras, com recusa a qualquer atividade.

4. História atual do problema: a demanda

Aspectos depressivos na criança, isolamento e querendo ficar afastada do pai,


rejeitando o contato quando da presença deste nas visitas, a partir de seis meses,
acentuado quando de sua última estada na cidade onde Pedrinho reside.

5. História passada e familiar


Os pais se conheceram na faculdade e começaram a namorar. A relação foi
permeada por discussões, e em pouco tempo ela surgiu uma gravidez. Após realizar três
75

vezes o teste de gravidez, conta ao namorado sobre seu estado. Ele se afasta e ela não
teve coragem de contar para sua família. Passou a somatizar seu conflito, piorando a cada
dia. Sua mãe preocupada peregrinou por vários médicos na região, os quais não
descobriam o mal que acometia a moça. A gestante se mostrava apática, sem ânimo para
frequentar a faculdade, ou fazer qualquer tipo de atividade, apresentando dores de
estomago, vômitos e dores de cabeça e emagrecendo a cada dia. Um médico
gastroenterologista foi quem anunciou a gravidez já em três meses. Os pais aconselharam
a filha a não casar, afirmando que estariam ao seu lado e a ajudariam a criar o bebê.
Passando alguns dias o casal de namorados decide se casar, o que ocorre três meses
após. Nesse momento o casal recebe ajuda financeira da família, mas seguem brigando e
brigando cada vez mais, onde a mãe do bebê relata muita angústia. A partir do terceiro
mês o desenvolvimento dos aspectos físicos da mãe, na gravidez foi normal, porém aos
sete meses de gestação, caiu no box do banheiro, durante o banho. Os ferimentos
corporais foram grandes, sem prejuízo para o bebê, ficando em repouso na casa da mãe.
Sem atenção do marido, relata que a gravidez não foi pior porque tinha apoio de sua
família. A criança nasceu a termo, parto normal, pesando 3,20 quilos, com 46 centímetros
de altura, e os testes do “pezinho” e “orelhinha” apresentaram resultados normais. O bebê
foi amamentado até os sete meses. Aceitou bem a alimentação sólida quando do
desmame. Engatinhou aos dez meses e aos onze meses iniciou a marcha. O pai bebia
com os amigos, durante o primeiro ano de vida de Pedrinho, o que gerava muitas brigas,
conflitos conjugais e angústia materna. Junto com os amigos, ele era muito solidário e
cortês, mas com a esposa, muito agressivo (xingamentos e humilhações).

6. História Médica

Pedrinho é uma criança saudável, com consultas de rotina ao pediatra, não


apresentando nenhuma intercorrência significativa desde o nascimento. Neste momento
em que chega à clínica, o médico pediatra diagnosticou que Pedrinho apresentava um
“episódio de Transtorno de Consumo Alimentar Evitativo/Restritivo”, (DSM-V).

7. Avaliação dos aspectos transferenciais no tratamento

Até o momento deste relato, foram realizadas três sessões com a criança, cujas
brincadeiras repetidas observa–se aspectos transferenciais. Na primeira entrevista,
Pedrinho fica no colo da mãe e resiste a aproximar-se da psicanalista. A analista começa
ofertar objetos em sua mão, provocando a queda dos mesmos. Na repetição desta
brincadeira, Pedrinho desce do colo da mãe, aproxima-se da analista, sorri e começa a
76

juntar os brinquedos do chão, incluindo-se na cena. Pega os brinquedos e coloca-os


novamente na mão da analista para seguir no jogo. Na segunda sessão ele retorna à
brincadeira com os bichinhos, ordenados em grupos familiares. Pedrinho arremessa
objetos sobre os grupos familiares verbalizando quando um deles cai - “papai não tá”. Na
terceira sessão, entra na sala e solicita os brinquedos da sessão anterior. A criança foi
nomeando os bichinhos (leão, macaco, girafa...) e organizando-os em grupos familiares. A
partir disto a analista entra na cena, agrupando as famílias conforme a nomeação do
Pedrinho. Ele arremessa um macaco sobre os outros bichos e diz “papai caiu”. Deixando
brinquedo de lado quer pintar.

8. Hipótese Diagnóstica:

A criança, pela sua idade e momento maturacional, encontra-se em processo de


construção e organização de sua estrutura psíquica. Após uma situação traumática afetiva,
apresentou um sintoma com características depressivas.

9. Direção da Cura:

A gestação de Pedrinho foi marcada pelo mal estar da mãe, a negação da gravidez,
não só por ela, mas pelo seu corpo, pois apesar de seus sintomas não consegue ser
olhada na medida em que vários médicos que consultou não perceberam a gravidez
apesar dos sintomas evidentes. Ressentia-se de atenções e cuidados por parte do marido,
apresentando tristeza e nostalgia na gravidez, apesar de afirmar que passou bem e estar
feliz com o bebê. O que as vivências da mãe poderiam ter marcado no bebê?
Pedrinho apresenta um desenvolvimento normal e sadio, considerando os aspectos
neurofisiológicos e anatômicos. A mãe mostra acentuada preocupação em relação aos
cuidados com o filho, dizendo “deixei minha vida para cuidar do Pedrinho”. A criança fica
colada à mãe. Parece que Pedrinho não consegue vivenciar a angústia da
presença/ausência da mãe, mas um apego. Talvez o temperamento agressivo do pai,
acompanhado dos episódios ocorridos por ocasião das últimas visitas tenham provocado a
situação traumática que levou ao sintoma do Transtorno de Consumo Alimentar
Evitativo/Restritivo diagnosticado pelo Pediatra. A maternidade exclusiva vivenciada pela
mãe, “deixando tudo” para cuidar do bebê, anulou sua condição de mulher, marcada pelo
modo de vida familiar, as mulheres cuidam da criança, enquanto os homens marcam a
77

ausência. As dificuldades da mãe, agressividade de pai e sintomas de ambos provocam os


sintomas de Pedrinho.

10. Interrogações sobre a condução da cura

Pedrinho é colocado num lugar de preencher a falta na vida da mãe, pois “deixou
tudo” para realizar a maternidade. Os homens da família, ao que parece se demitem da
função paterna, deixando esta a cargo das mulheres. Apesar de Pedrinho verbalizar
algumas questões referentes ao pai, coloca no corpo, como “representação de coisa” o que
não consegue dizer na “representação de palavra”. As atitudes e movimento do pai, com
seus sintomas em relação à criança a coloca numa posição fragilizada, provocando nesta
um sintoma. Será que a criança entra numa posição de renúncia à vida? Poderá ser
entendido como uma defesa em relação ao seu sintoma? A mãe, apesar de sua fragilidade,
apoiada pela irmã, vai buscar entendimento da mensagem embutida no sintoma. Estará
desejosa de entender no nível simbólico o que se passa com seu filho? Será importante
evitar a intervenção no campo da realidade, para salvaguardar uma dimensão simbólica e
ajudar Pedrinho dar um sentido ao seu sintoma. Ficam ainda dúvidas sobre o que se pode
apurar nesse curto percurso terapêutico, mas permanece a possibilidade de perceber o que
será revelado como significante ao longo do trabalho.

Você também pode gostar