Você está na página 1de 7

PROBLEMA 3.

Um rio com a profundidade de 0,5 m apresenta antidunas com 2,00 m de comprimento.


Estimar o caudal líquido unitário (por unidade de largura).

Resolução:

As antidunas são uma das formas possíveis de fundo móvel (Fig. 14.1, Quintela), associadas
geralmente ao regime rápido (Fr > 1).

Fig. 14.1 – Configurações de um fundo móvel.

Neste caso, é possível relacionar directamente o comprimento da duna com a velocidade da


água, através de uma expressão simples, sugerida por Kennedy (1969) (vide Quintela,
p. 376):

2π V2
L=
g

ou seja,

gL
V=

No nosso caso,

V=
(9,8) (2,0) = 1,77 m s −1

vindo:

q = V h = (1,77 ) (0,5 ) = 0,88 m 2 s −1 ~ 0,9 m 2 s −1

1
PROBLEMA 3.2

Um rio apresenta as seguintes características

D 50 = 0,25 mm

V = 0,6 m s −1

h = 0,9 m

ν = 10 −6 m 2 s −1

i = 0,0004

O escoamento é permanente e uniforme. Estime a configuração do leito. Justifique.

Resolução:

A relação entre a configuração dum leito e as diferentes características do escoamento e do


sedimento está longe de ser linear, mas uma análise mais exaustiva ultrapassa o âmbito
desta disciplina. Assim, limitar-nos-emos, neste caso, a utilizar a relação proposta por
Simons e Richardson (1966) que relaciona τV (potência da corrente) com D50, a única que
consta em Quintela (Fig. 14.2, p. 377).

Sabemos que:

τ = γ JR (7.4, Quintela)

2
Esta expressão geral é válida para qualquer escoamento, laminar ou turbulento.
Considerando a hipótese de regime uniforme, J = i. Relativamente a R (raio hidráulico) e
considerando, para maior simplicidade, uma secção rectangular, temos, por definição:

A bh h
R= = =
P b + 2h h
1+ 2
b

Para canais largos, como é o caso da maioria dos rios naturais, h << b, vindo:

h
R= ≈h
h
1+ 2
b

Neste caso,

τ = γ R J = γ hi (14.3, Quintela)

Substituindo valores:

τ = 9800 (0,9) (0,0004) = 3,528 Pa

τ V = 3,528 (0,6 ) = 2,12 N m −1 s −1 = 2,12 Kg s −3

No sistema anglo-saxónico de unidades, teríamos que converter este valor a esse sistema,
vindo: τ V = 0,131 l b f ft −1 s −1 . Analisando a Figura 14.2, para este valor de τ V e para

D50 = 0,25 mm (ou, no caso, qualquer outro diâmetro), estamos no domínio das dunas (o
caso mais corrente, em rios aluvionares).

PROBLEMA 3.3

Pretende-se realizar um canal para transportar um caudal de 3 m 3 s −1 , em terreno de aluvião

composto por areia grossa e seixo (D 75 = 5 cm) , e um declive de 0,01. Suponha taludes

devidamente protegidos da erosão através de revestimento adequado. Qual a largura mínima


deste canal para que ele não seja erodível?

Resolução:

A curva representada no diagrama de Shields (Figura 14.3, Quintela) constitui uma base de
trabalho para a resolução de problemas relativos a canais não erodíveis. Esta curva foi
primeiramente delineada por Rouse (1939), com base no trabalho de Shields (1936).

De notar que, dada a natureza estocástica do processo de arrastamento, referida aliás pelo
próprio Shields, não há verdadeiramente uma condição crítica para o início do movimento.
De facto, a curva de Shields não deve ser encarada como um valor absoluto, acima da qual
se inicia inevitavelmente o movimento, antes existirá sempre alguma arbitrariedade e mais
correcto será falar de um movimento fraco (apenas algumas partículas, das mais pequenas,

3
serão arrastadas), médio (partículas médias deslocar-se-ão em quantidade não desprezável,
mas sem transporte sólido significativo nem alteração prática do leito) ou generalizado
(movimento amplo das partículas, com alteração do leito) (ASCE 1977).

A Figura inclui uma escala auxiliar, que facilita o cálculo de τc quando conhecemos as
propriedades do fluido e do sedimento.

Fig. 14.3 – Diagrama de Shields.

Tal curva simplifica-se consideravelmente no caso dum escoamento puramente turbulento, o


caso mais vulgar em rios naturais e ao qual corresponde R *e > 400/500 [ R *e = Nº de

Reynolds das Partículas = V* D/ν, onde V* (= √ τ/ρ) é a chamada velocidade de atrito, junto
ao fundo]. De facto, nesta região do diagrama, o outro parâmetro de Shields, τ* , é uma

constante, aproximadamente igual a 0,06, vindo:

τ τ
τ* = = = 0,06
(γ s − γ )D γ
 s 
γ  − 1 D
 γ 

É este precisamente o nosso caso, já que o material aluvionar do leito situa-se claramente no
grupo dos seixos, em cujo caso a expressão anterior é válida (pode demonstrar-se que, para
rios com material de fundo com D ≥ 6 mm, caímos nesta região do diagrama de Shields; mas
a respectiva demonstração é deixada como exercício para casa).

Sabendo que:

τ = γh i (14.3, Quintela, para regime uniforme e canais largos)

vem:

γh i
= 0,06
γ 
γ  s − 1 D
 γ 

4
γs
Admitindo que = 2,65 (quartzo), vem:
γ

h i = 0,1 D

uma expressão simples que relaciona o tamanho mínimo de grão que permanece em
repouso, num canal caracterizada por h e i.

Ao aplicar esta equação, convém ter presente que no leito dum canal aluvionar, como é o
caso, à medida que as partículas mais pequenas são arrastadas pelo escoamento e as
partículas maiores permanecem em repouso, estas últimas vão constituindo uma camada
superficial, mais grosseira, que vai funcionar como um pavimento, uma "armadura", que
protege o substrato, composto geralmente de material mais fino.

Para um leito plano, o coeficiente de Manning-Strickler pode ser avaliado por:

26
K= (14.1) de Quintela (p. 378)
D1 / 6

Nos trabalhos de Strickler (1923), D representa a mediana (D50) na distribuição


granulométrica do material do fundo. Devido porém a este fenómeno de engrossamento da
camada superficial, o valor efectivo de D, do ponto de vista de resistência ao escoamento,
tende a ser duas a três vezes superior (Henderson 1966).

Em termos de projecto, é pois recomendável um diâmetro típico representativo da camada


superficial superior. Einstein e Barbarossa (1952) recomendam D65 mas, nesta resolução,
utilizaremos D75, seguindo a orientação de Lane (1955), também referida por Henderson
(1966). Na verdade, ele é maior, aproximando-se mais do D90, valor indicado por Meyer-
Peter e Muller (1948) (vide Quintela, p. 378). Mas, neste cálculo de protecção contra a
erosão do leito (ou dos taludes) dum canal, colocamo-nos do lado da segurança.

Assim,

(0,1) (0,05 )
h máx ≤ = 0,5 m
0,01

26
K= = 43 m1 / 3 s −1
(0,05 )1 / 6

Então, pela fórmula de Manning-Strickler, V = 43 (0,5 )2 / 3 0,01 ≅ 2,7 m s −1

vindo:

q = V h = (2,7 )(0,5 ) = 1,35 m 2 s −1

pelo que a largura deste canal não deveria ser inferior a

5
Q 3
b= = = 2,22 ≈ 2,3 m
q 1,35

Observação: Assumimos neste problema que R = h = 0,5 m, o que é aproximadamente


válido quando h << b. Podemos agora verificar que, neste caso, h = 0,5 m, b = 2,3 m e,
0,5
consequentemente, R = ≈ 0,35 m . Num projecto de obra real, haveria que ter
1+ 2
(0,5)
(2,3)
maiores cautelas.

PROBLEMA 3.4

Pretende-se realizar um canal para transportar um caudal de 50 m3 s-1, com um declive de


0,001 num solo de aluvião composto por material grosseiro, com D75 = 5 cm. Tratando-se de
um canal não revestido, de secção trapezoidal, e admitindo um ângulo de talude natural dos
sedimentos de 37º, determine os valores desejáveis para a largura do fundo e a inclinação
dos taludes.

φ = 37º (ângulo de talude natural dos sedimentos ou ângulo de repouso do sedimento


submerso)

ψ deverá ser sempre inferior a φ. Seja, e.g., m = 1,75 (1,75H:1V) vindo ψ cerca de 30º)

Então:

τo sen 2 ψ
= 1− (Equação 14.4, Quintela)
τc sen 2 φ

τo sen 2 30 o
= 1− = 0,55654
τc sen 2 37 o

τo é a tensão tangencial real no talude [igual a 0,75 γ h i, Figura 14.4, Quintela)] e τc a tensão
tangencial crítica para movimentar estas partículas num leito plano, dada pelo diagrama de
Shields. Neste caso:

τ = 0,06 (1,65 ) γ D = γ D / 10

vindo:

τo 0,75 γ h i
= ≤ 0,55654
τc 0,1 γ D

e:

0,55654 (0,1)(0,05 )
h≤ ≅ 3,71m
0,75 (0,001)

Admitindo um factor de segurança de 20%, podemos considerar h ≤ 3,00 m.

6
Trata-se de escolher agora uma largura de fundo, b, de forma que o canal transporte o
caudal dado (50 m3 s-1) para uma altura de água não superior a 3,00 m.

Considerando novamente a expressão (14.1, Quintela),

26
K= = 43 m1 / 3 s −1
(0,05)
1/ 6

podemos construir agora uma tabela, e.g., em "Excel", em função de b, até chegar, por
iterações, ao valor dado para o caudal (50 m3 s-1). Recorde-se que, para uma secção
trapezoidal e neste caso,

A (área) = (b + m h) h = 3 [b + (1,75) (3)] = 3 (b + 5,25)

P (perímetro molhado) = b + 2 h √ (1 + m2] = b + 6 √ (1 + 1,752) = b + 12,0934

vindo pois:
b (m) A (m2) P (m) R = A/P R2/3 V (m s-1) Q (m3 s-1)
1,0 18,75 13,09 1,43 1,27 1,73 32,392
2,0 21,75 14,09 1,54 1,34 1,82 39,496
3,0 24,75 15,09 1,64 1,39 1,89 46,799
4,0 27,75 16,09 1,72 1,44 1,96 54,259
3,4 25,95 15,49 1,67 1,41 1,92 49,766
3,5 26,25 15,59 1,68 1,42 1,92 50,512

Solução: b = 3,5 m

Observações Finais relativamente aos Problemas 3 e 4 (Ref.ª: Henderson 1966):

1) Os dois últimos problemas referem-se ao projecto de canais não erodíveis. Neste


contexto, considerámos um escoamento de água limpa sobre um leito móvel, coagido a
não erodir. Não se aborda, nesta pequena introdução à Hidráulica Fluvial, o caso mais
realista em que é permitida alguma erosão, até porque a água vinda de montante
transportará muito provavelmente algum sedimento, havendo pois também deposição.

2.1) Para declives baixos, é possível usar uma secção trapezoidal, mesmo sem
revestimento, conforme o Problema 4.

2.2) Para declives superiores, pode tornar-se necessário proteger os taludes, com
revestimento adequado, ficando o projecto condicionado apenas à possibilidade de
erosão do leito, conforme o Problema 3. O objectivo será então fazer um canal
suficientemente largo para limitar a altura de água e, consequentemente, a tensão de
arrastamento. Se estes canais são suficientemente largos, podemos fazer R = h, o que
simplifica o problema, como aconteceu no Problema 3.

2.3) Se o declive for ainda maior, excessivo pois, a melhor solução será possivelmente
reduzir o declive do leito e absorver a queda em excesso através de descarregadores
adequados.

Você também pode gostar