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JANEIRO
-PARTE 1
As palavras do mestre Paulo Freire apontam o início da luta contínua pela verdadeira
liberdade, busca essa que só se dá de maneira processual, pois, os primeiros passos para o
conhecimento está no ato de se reconhecer. O encontro com nossos saberes é lento, tem a
duração de nossa vida inteira e, por mais que sejam esses processos, responsáveis por dar
significado a existência, é preciso antes confrontar o tempo que nos foi imposto. O
capitalismo atribui felicidade com satisfação imediata, trabalho com suor e sofrimento e é
dono de um tempo sobre-humano para o mantimento das indústrias. Transformam-nos
em máquinas humanas facilmente satisfatórias com o escasso e falso tempo livre que nos
resta e que desfrutamos sendo consumidores. Vivemos em um mecanismo em que está
sendo sempre alimentado e que como um camaleão encontra brechas, muitas vezes sutis,
para continuar sendo o protagonista da vez. Não pretendo tornar o texto pessimista, e que
se transforme em um objeto de desanimo e sim para que possamos compreender o que
está por trás de algumas inciativas que por muitas vezes parecem estar aliadas a luta pela
igualdade social mas são apenas mais uma forma de adequação em prol do sistema
capitalista.
O meu primeiro emprego deve-se a um projeto social que, de certa maneira, foi um dos
responsáveis pelo encontro do que me faz mover como artista e ao mesmo tempo por
desencontros das razões do porque fazer e para quem. Pequenas bibliotecas em formato
de bancas de jornal foram montadas em alguns locais da cidade com o intuito de
promover o empréstimo gratuito de livros e atividades relacionadas a literatura. Fui
selecionada para trabalhar na comunidade da Babilônia, Leme- RJ e recém chegada de
Nova Friburgo, pouco conhecia a realidade das favelas. Inicialmente o projeto me
encantou, as bancas tinham um aspecto caprichoso, os livros eram lançamentos, tudo
tinha cheiro de novo. Existia uma certa autonomia dos funcionários que trabalhavam
direto nos locais em relação a escolha de atividades a serem feitas com o público. Por
meio desse trabalho conheci a Babilônia e foi essa certa autonomia inicial que
possibilitou que eu e os moradores, em sua maioria crianças e jovens, nos
conhecêssemos. Nos confrontamos com nossas realidades e aos poucos os meus olhos
romantizados para aquele espaço ganharam outras leituras. Foi bonito esse reconhecer-se,
eramos nós e nossas histórias e quem sabe o livro, foram três anos de segunda à sexta.
Muito jovem, insegura e ganhando funções que não estavam ao meu alcance cumpri-las
por falta de experiência quebrava algumas regras, mas não ia além por medo da perda do
emprego e por ausência de conhecimento necessário para me empoderar de razões. O
relato de minha primeira vivência em uma comunidade ligado a um projeto de
responsabilidade social me serviu como marco para o ponto de partida e criação do grupo
Histórias que Contamos. Outros projetos vieram e com eles muitos dos problemas se
repetiam e pretendo aqui aqui apontar alguns como exemplo:
2- Circulação financeira: Esse tópico é um dos fatores que mais denunciam tal atividade
como propagandista. Vende-se que há extrema preocupação no local com propagandas
assistencialistas porém não há nenhum interesse na circulação financeira do local. Muitos
projetos esbanjam recursos financeiros mas poucos empregam os próprios moradores.
Reta final para as eleições de 2018, muitas gentes indo as ruas para conversar sobre
democracia. Medo e muita união. A criação do grupo Histórias que Contamos surgiu
também sob esse quadro. Queríamos de alguma forma um modo de continuar falando
sobre democracia e foi necessário nos revisitar. O que sabíamos e gostávamos mais de
fazer? Contar e ouvir boas histórias. Quando saí do projeto no morro da Babilônia, havia
saído com uma sensação de querer muito voltar para aquele espaço de maneira autônoma.
Ligamos um fato a outro e escolhemos a Babilônia. Em nossa primeira visita pude
perceber em como a minha imagem estava ligada a Banca de Livros. “Tia a biblioteca vai
voltar?” Aos poucos fomos conversando que fisicamente não, mas que estávamos
pensando em fazer visitas para nós criarmos a nossa própria biblioteca de dentro da
cabeça.
O morro da Babilônia situado no Leme do Rio de Janeiro é uma favela da Zona Sul com
vista para o mar, características essas propícias para o processo de gentrificação.
Localizada em uma área nobre da cidade é alvo de especulação imobiliária e com ela o
aumento de custo de vida e a desconfiguração do espaço. Muitos moradores vivem de
turismo ou como vendedores ambulantes da praia porém muitas vezes não é o suficiente
comparado ao nível do padrão que precisam estar a par e mudam para as zonas mais
distantes dos grandes centros da cidade. Deste modo embranquecem a zona sul, maquiam
feridas abertas do estado e enfraquecem a identidade cultural do local. “Aqui nos anos 90
tinham mais de dez terreiros, agora sabe quanto temos? Nenhum! “ reclama Alírio
morador do morro da Babilônia sobre as recorrentes mudanças de espaço. Modificar é
mudar memórias. A Babilônia é uma pequena favela em que quase todo mundo tem um
grau de parentesco, o clima é de cidade de interior mas sem o descanso das casas e do
tempo. Os adultos passam o dia todo fora e as crianças são muito presentes, brincam
bastante pelas ruas com tranquilidade por não ser um local de muitos alvos de conflitos
diretos. Assim que revisitamos a Babilônia, sabíamos que era com o público infantil que
iríamos trabalhar. E como tínhamos necessidade do fazer, não demoramos muito para a
elaboração do projeto, realizamos um financiamento coletivo com o custo bem pequeno
para a compra de materiais como instrumentos, cordas para pular, material de papelaria e
uma chita para demarcação do espaço que iriamos realizar nossos encontros.
Por qual razão o conto como ponto de partida? A cultura oral é algo que só sobrevive se
permanecer viva no imaginário coletivo. Em tempos de distorção de nossa história, é
preciso cuidar, se encontrar, ouvir e ser ouvido. A arte de contar histórias só se dá pelo
encontro e é uma forma de dividir universos particulares coletivamente. O ato de fabular
em conjunto faz com que a fantasia caiba na realidade, e esta difere da alienação. A
proposta não é sobre passar por cima da realidade e sim de forma conjunta através da
fabulação despertar o interesse pela própria realidade, pela história de sua casa, de sua
família, da sua cidade.
- Estórias de antigamente é assim que já foram há muito tempo?
- Sim,filho.
- Antigamente é um lugar
Algumas questões já atravessam nosso caminho, não é fácil encontrar e manter as tais
fissuras que se refere John Holloway em seu artigo ”Como fissurar o capitalismo” entre
elas estão; a entrega do nosso tempo a ele em relação ao tempo das obrigações cotidianas,
o empoderamento de nossos nãos para a entrada de interesses midiáticos e políticos,
formas de manter o projeto futuramente e realização de uma estrutura mais sólida para a
assimilação do pensamento lúdico e político. Para combater algumas questões também
criamos uma lista da qual nomeamos de “possíveis utopias” com sonhos nossos e das
crianças para o desenrolar de nossos encontros como forma de resistir com
afeto.Começamos pela prática com o que tínhamos em mãos e agora sentimos que
conquistamos mais propriedade no que estamos fazendo. O acesso a diversas
metodologias, formas de se fazer e sobretudo colocar-nos à luz de Paulo Freire
contribuíram para o fortalecimento de que é apenas pela liberdade do oprimido que é
viável começar a verdadeira revolução.
Referências bibliográficas: