Você está na página 1de 2

Percepções da aluna Elisa Ottoni sobre a oficina de Gaga Dance com Ohad Naharin e

Hillel Kogan realizada no dia 29 de novembro de 2020.

Fronteira de Corpos.

Em um domingo de quarenta graus da cidade do Rio de Janeiro fiz uma ponte com meu
corpo até a cidade de Tel Aviv, Israel. Era noite do outro lado da tela, o sol esquentava meu
ombro, o pagode do vizinho se misturava com a música proposta e ambas eram acatadas
pelo meu corpo que dançava sem parar em uma mistura de imersão, atenção redobrada e
prazer. Muitas imagens me atravessaram e à medida que eu era transformada noutra coisa,
espaço e movimento ganhavam múltiplas interpretações e formas. Tudo dançava e ainda
dança à sua maneira.
Iniciamos a oficina com o trabalho energético de Hillel Kogan, foram trinta minutos de um
aquecimento vivo e intenso. Hillel fora como um trampolim para o mergulho na prática do
Gaga Dance. Fomos conduzidos à busca pelo nosso prazer de dançar, e durante a prática
muitas imagens nos conduziam ao processo de se permitir explodir em movimentos.
Inicialmente minha atenção se curvava para o entendimento das imagens e propostas
dadas em inglês, língua na qual não domino, mas aos poucos meu corpo tirou minha
cabeça para dançar e consegui seguir sem grandes dificuldades. A energia convidativa de
Hillel nos prepara para a chegada de Ohad, pois a quentura da liberdade de se movimentar
constantemente é geradora de uma alteração notória de nosso estado emotivo, uma
pequena chama de loucura nos acende, o pulmão enlouquece de tanto ar, o coração faz
batuque, a cabeça fabula e cria imagens com maior facilidade, abrindo portas para um
estado brincante.
A condução de Ohad inaugurou um estado semelhante ao estado meditativo onde se é
possível respirar perante a euforia com doses de levitação. A contenção da musculatura de
diferentes formas nos permite enxergar concretamente onde habitam a leveza ou o peso de
nossos corpos. A partir desses princípios me atentei para a fisicalidade de meus sentidos, e
com esse mote, tracei um mapa sobre os lugares que pude notar estados emotivos
agindo/habitando o corpo:

O prazer: Tudo que pulsa, que sua, que é capaz de mover, articular. O quadril é a parte
mais gostosa de movimentar, junto com as costelas, porque meu corpo conhece e gosta
dessas tantas possibilidades que elas têm. O prazer também mora na cabeça solta e no
deixar o corpo todo chacoalhar sem grandes preocupações. Cabe euforia e calma. O prazer
está muito ligado à liberdade e ao estado presente.

A raiva: Entrou pela cabeça e atingiu o estômago. Movimentos curvilíneos de quem sente
cólica, de quem encontrou o umbigo. Boca, olhos e nariz se encontram no meio do rosto.

O amor: O amor é alongado e mora no meu pulmão,respiro e danço. Os pés sentem o chão
e a cabeça flutua sem gravidade. Sinto amor ao acompanhar a leveza das mãos.

A tristeza: É Lânguida. Está muito quente para ser triste. Mora em aprisionamentos de
músculos tensos, ombros, peito, cabeça…
A esperança: É como não negar o peso do corpo mas dançar leve. O horizonte é a imagem.
Fluida, os joelhos dançam querendo chegar em alguma parte mas acabam aproveitando o
caminho durante o processo de busca.

Ohad é dono de uma fluidez generosa em matéria de condução, as imagens são muito
assertivas e ao mesmo tempo acessíveis a todas as estruturas corpóreas. Em algum
momento de repetição de imagens me perguntei qual era a diferença do Gaga Dance para o
dançar livre. Compreendi que ambos buscam liberdade de movimento mas em processos
diferentes. A criação de imagens é muito forte no Gaga Dance, é como uma busca por uma
liberdade antes nunca experimentada, não é sobre unicamente conhecer o corpo, mas sim,
encontrar estados possíveis através dele, é uma redescoberta do prazer e de novas
maneiras de explorar e perceber nossa infinitude em matéria de movimento.

Depois de um certo momento, não sei quanto tempo se passou, Ohad saiu de cena e nos
deixou dançando. Eram mais ou menos oitocentos alunos e enquanto a câmera revezava o
protagonismo de quem dançava no meio de tantos quadradinhos dançantes, fui atingida por
uma emoção muito forte. Poder dançar com tantas pessoas de lugares diferentes em um
momento tão difícil para o mundo me fez perceber que não importa a distância, o corpo
aproxima, salva e liberta. Deixei a minha dança chegar ao fim, depois observei um pouco as
muitas pessoas que dançavam e saí da sala mais morta do que viva ou melhor, mais viva
do que morta.

Você também pode gostar