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A Prova

ATO I
Cena 1

Noite. CATHERINE sentada em uma cadeira. Está


exausta. Caoticamente vestida. Olhos fechados.
ROBERT está em pé atrás dela. Ele é o pai de
CATHERINE. Tem um visual acadêmico e amarrotado.
CATHERINE não sabe que ele está ali. Após um
momento:

ROBERT
Não consegue dormir?
CATHERINE
Caramba, cê me assustou.

ROBERT
Desculpa.
CATHERINE
O que que você tá fazendo aqui?

ROBERT
Resolvi ver como você tá. Por que não está na cama?
CATHERINE
Seu aluno ainda tá aqui. No seu escritório.
ROBERT
Ele sabe a saída.
CATHERINE
Posso esperar ele acabar.
ROBERT
Ele não é mais meu aluno. Está dando aula agora.
Garoto inteligente.
(pausa)

CATHERINE
Que horas são?
ROBERT
Quase uma.

CATHERINE
Huh.
ROBERT
Depois da meia noite...

CATHERINE
E?

(CONTINUED)
CONTINUED: 2.

ROBERT
E:
(indica algo na mesa atrás dele: uma
garrafa de champanhe.)
Feliz aniversário.
CATHERINE
Pai.
ROBERT
Alguma vez eu esqueço?
CATHERINE
Brigada.
ROBERT
Vinte e cinco. Eu não acredito.
CATHERINE
Nem eu. A gente toma agora?
ROBERT
Você que sabe.
CATHERINE
Sim.

ROBERT
Quer que eu abra?
CATHERINE
Deixa comigo. A última vez que você abriu uma garrafa
de champanhe aqui você quebrou uma janela.

ROBERT
Isso foi a muito tempo. Nem vale lembrar.
CATHERINE
Sorte sua que você não perdeu um olho.
(Abre. A garrafa espuma)
ROBERT
Vinte e cinco!
CATHERINE
Eu me sinto velha.
ROBERT
Você é uma criança.
CATHERINE
Copos?
ROBERT
Cacete, esqueci dos copos. Você quer que eu -

(CONTINUED)
CONTINUED: 3.

CATHERINE
Nah.
(CATHERINE bebe no gargalo. Um longo
gole. ROBERT a observa)

ROBERT
Espero que você goste. Não tinha certeza do que te
dar.
CATHERINE
Esse é o pior champanhe que eu já tomei.
ROBERT
Me orgulho em dizer que eu não entendo nada de vinho.
Odeio o tipo de gente que sempre sai por ai falando
sobre "vintages".

CATHERINE
Isso não é nem champanhe.
ROBERT
A garrafa tava no formato certo. E uma garota que
bebe no gargalo não pode reclamar. Não engole tudo de
uma vez. É uma bebida elegante. Saboreia.
CATHERINE
(Oferecendo a garrafa)
Quer?
ROBERT
Não. Vai em frente.
CATHERINE
Certeza?
ROBERT
Lógico. É seu aniversário.
CATHERINE
Parabéns pra mim.
ROBERT
O que você vai fazer no seu aniversário?
CATHERINE
Bebe um pouco.
ROBERT
Não. Eu espero que você não passe seu aniversário
sozinha.

CATHERINE
Eu não to sozinha.
ROBERT
Eu não conto.

(CONTINUED)
CONTINUED: 4.

CATHERINE
Por que não?
ROBERT
Eu sou seu pai. Vai sair com amigos.
CATHERINE
Tá.
ROBERT
Não vai sair com amigos?
CATHERINE
Não.
ROBERT
Por que não?
CATHERINE
Porque pra que a gente saia com amigos geralmente a
gente precisa ter amigos.

ROBERT
Oh -
CATHERINE
Engraçado como isso funciona.

ROBERT
Você tem amigos. E aquela loirinha simpática, qual o
nome dela?
CATHERINE
Quê?
ROBERT
Que vive na Avenida Ellis - vocês costumavam passar
todo tempo juntas.

CATHERINE
Cindy Jacobsen?
ROBERT
Cindy Jacobsen!

CATHERINE
Isso foi na terceira série, pai. A família dela mudou
pra Flórida em 1983.
ROBERT
E a Claire?

CATHERINE
Ela não é minha amiga, ela é minha irmã. E ela tá em
Nova York. E eu não gosto dela.

(CONTINUED)
CONTINUED: 5.

ROBERT
Achei que ela tivesse vindo.
CATHERINE
Só amanhã.
(pausa)
ROBERT
Meu conselho, quando você se encontra acordada de
madrugada, é sentar e fazer um pouco de matemática.

CATHERINE
Ah, qual é.
ROBERT
A gente pode fazer junto.

CATHERINE
Não.
ROBERT
Por que não?

CATHERINE
Não consigo pensar em nada pior. Tem certeza que não
quer um pouco?

ROBERT
Tenho, brigado. Você adorava.
CATHERINE
Não mais.

ROBERT
Você sabia o que era um número primo antes de saber
ler.
CATHERINE
É e agora eu esqueci.

ROBERT
(Severo)
Não joga fora seu talento, Catherine.
(Pausa)

CATHERINE
Sabia que você ia dizer algo assim.
ROBERT
Eu sei que você teve um tempo difícil.

CATHERINE
Brigada.
ROBERT
Mas não é desculpa. Não fica preguiçosa.

(CONTINUED)
CONTINUED: 6.

CATHERINE
Eu não tava preguiçosa, eu tava cuidando de você.
ROBERT
Menina, eu vejo você. Você dorme até meio dia, você
come porcaria, você não trabalha, fica uma pilha de
louça na pia. Se você sai é pra comprar revista.
Chega com um bloco de revista desse tamanho - Não sei
como você lê essa merda. E esses são os dias bons.
Tem dia que você nem levanta, que não consegue nem
sair da cama.
CATHERINE
Esses são os dias bons.
ROBERT
Mentira. Esses são dias perdidos. Você joga eles
fora. E você nunca vai saber aquilo que você jogou
junto com eles - O trabalho que você perdeu, as
ideias que você não teve, descobertas que você nunca
fez porque tava deprimida na cama as quatro da tarde.
(pausa)
Você sabe que eu to certo.
(pausa)
CATHERINE
Eu perdi alguns dias.

ROBERT
Quantos?
CATHERINE
Ah, não sei.

ROBERT
Aposto que sabe.
CATHERINE
Quê?

ROBERT
Aposto que você conta.
CATHERINE
Para com isso.

ROBERT
Bom, você sabe ou não?
CATHERINE
Não.
ROBERT
Claro que sabe. Quantos dias você perdeu?

(CONTINUED)
CONTINUED: 7.

CATHERINE
Um mês. Por volta de um mês.
ROBERT
Exatamente.
CATHERINE
Cacete, eu não -
ROBERT
Quantos?
CATHERINE
Trinta e três dias.
ROBERT
Exatamente?
CATHERINE
Não sei.
ROBERT
Dá o número preciso, pelo amor de deus.
CATHERINE
Eu dormi até meio dia hoje.

ROBERT
Digamos trinta e três e um quarto então.
CATHERINE
Sim, tá bom.

ROBERT
Tá brincando!
CATHERINE
Não.

ROBERT
Fantástico número!
CATHERINE
É um puta número deprimente.

ROBERT
Catherine, se cada dia que você diz que perdeu fosse
um ano, seria um puta número interessante.
CATHERINE
Trinta e três e um quarto anos não é interessante.

ROBERT
Sossega. Você sabe exatamente o que eu to falando.

(CONTINUED)
CONTINUED: 8.

CATHERINE
(concedendo)
1729 semanas.

ROBERT
1729. Puta número. O menor número capaz de ser
expresso -
CATHERINE
Expresso como a soma de dois cubos de duas formas
diferentes.
ROBERT
12 ao cubo mais 1 ao cubo igual a 1729.
CATHERINE
E 10 ao cubo mais 9 ao cubo. Sim, entendemos,
brigada.
ROBERT
Viu? Até sua depressão é matemática. Agora para de se
lamentar e volta pro trabalho. O tipo de potencial
que você tem -
CATHERINE
Eu nunca fiz nada de bom.

ROBERT
Você é nova, tem tempo.
CATHERINE
Tenho?

ROBERT
Sim.
CATHERINE
Quando você tinha a minha idade você já era famoso.

ROBERT
Quando eu tinha sua idade eu já tinha feito meu
melhor trabalho.
(pausa)
CATHERINE
E depois?
ROBERT
Depois o quê?
CATHERINE
Depois que você ficou doente.
ROBERT
Que que tem?

(CONTINUED)
CONTINUED: 9.

CATHERINE
Você não conseguia trabalhar.
ROBERT
Nada, se é que mudou alguma coisa eu fiquei ainda
mais aguçado.
CATHERINE
(Ela não consegue se conter e solta
uma risada)
Pai.
ROBERT
Fiquei. É verdade. A clareza - foi algo
extraordinário. Sem dúvida.

CATHERINE
Você tava feliz?
ROBERT
Sim, eu tava ocupado.

CATHERINE
Não é a mesma coisa.
ROBERT
Eu não vejo diferença. Eu sabia o que eu queria fazer
e eu fiz. Se eu quisesse trabalhar num problema o dia
todo, eu trabalhava. Se eu quisesse procurar por
informações - segredos, mensagens codificadas - podia
encontrar em todo lugar em volta de mim. No ar. Nas
folhas caídas que algum vizinho juntou. No placar de
esporte no jornal. Embutidas na fumaça de um copo de
café. O mundo inteiro tava falando comigo. Se eu
quisesse só fechar os olhos, sentar em silêncio na
varanda e escutar as mensagens, eu fazia isso.
Foi maravilhoso.
(pausa)

CATHERINE
Quantos anos você tinha? Quando começou.
ROBERT
Meados dos vinte. Vinte e três, quatro.
(pausa)
É isso que te preocupa?
CATHERINE
Pensei nisso.
ROBERT
Só ficar mais velha não significa nada, Catherine.
CATHERINE
Eu não to só ficando mais velha.

(CONTINUED)
CONTINUED: 10.

ROBERT
Sou eu.
(pausa)

CATHERINE
Eu pensei nisso.
ROBERT
Mesmo?

CATHERINE
Como eu não ia pensar?
ROBERT
Bom, se é isso que te preocupa você não está muito a
par da literatura médica. Tem muitos tipos de
fatores. Não é simplesmente algo que você herda. Só
porque eu bati a caçarola não significa que você
também vai.
CATHERINE
Pai...

ROBERT
Olha aqui. A vida muda rápido quando se tem vinte e
isso assusta. Você tá se sentindo pra baixo. Tem sido
uma semana ruim. Teve uns anos complicados, ninguém
sabe disso melhor do que eu. Mas você vai ficar bem.
CATHERINE
É?
ROBERT
É, te prometo isso. Força a si mesma. Para de ler
revista. Senta e coloca o maquinário pra funcionar
que eu juro por Deus que você vai se sentir melhor. O
simples fato da gente poder falar sobre isso é um bom
sinal.

CATHERINE
Um bom sinal?
ROBERT
Sim!

CATHERINE
Como pode ser um bom sinal?
ROBERT
Porque! Gente louca não sai por ai se perguntando se
ficou doida.

CATHERINE
Não?

(CONTINUED)
CONTINUED: 11.

ROBERT
Claro que não. Eles tem coisas melhores pra fazer.
Pega eu, por exemplo. Um ótimo sinal de que você está
louco é a inabilidade de fazer a pergunta "será que
eu to louco?"
CATHERINE
Mesmo quando a resposta é "sim"?
ROBERT
Gente louca não pergunta. Viu?
CATHERINE
Sim.
ROBERT
Então se você tá perguntando...
CATHERINE
Não to...
ROBERT
Mas se estivesse, seria um ótimo sinal.
CATHERINE
Um ótimo sinal...

ROBERT
Um ótimo sinal de que você está bem.
CATHERINE
Certo.

ROBERT
Viu? Você só precisa pensar nessas coisas até o fim.
Agora vem cá, o que me diz da gente encerrar por
hoje? Você levanta, vai dormir, e ai de manhã você
pode -

CATHERINE
Peraí. Não.
ROBERT
Qual o problema?

CATHERINE
Não funciona.
ROBERT
Por que não?

CATHERINE
Não faz sentido.
ROBERT
Claro que faz.

(CONTINUED)
CONTINUED: 12.

CATHERINE
Não.
ROBERT
Onde é que tá o problema?

CATHERINE
O problema é que você é louco!
ROBERT
Que diferença faz?

CATHERINE
Você admitiu - Cê acabou de me dizer que você é.
ROBERT
E?
CATHERINE
Você disse que uma pessoa louca nunca admitiria.
ROBERT
Sim, mas... Hm. tudo bem.
CATHERINE
Então?
ROBERT
É um ponto.
CATHERINE
Então como você pode admitir?
ROBERT
Bom, porque eu também estou morto.
(pausa)
Né?
CATHERINE
Você morreu uma semana atrás.

ROBERT
O coração parou. Foi rápido. O funeral é amanhã.
CATHERINE
É por isso que a Claire tá vindo de Nova York.
ROBERT
Sim.
CATHERINE
Você tá aqui. Você tá me dando conselhos. Você me
comprou champanhe.
ROBERT
Sim.
(pausa)

(CONTINUED)
CONTINUED: 13.

CATHERINE
O que significa...
ROBERT
Pra você...
CATHERINE
Sim.
ROBERT
Pra você, Catherine, minha filha, que eu amo
perdidamente... Pode ser um mal sinal.
Os dois ficam sentados juntos por um momento.
Barulho em off. HAL entra. Ele carrega uma
mochila e sua jaqueta, dobrada. Solta a porta e
ela bate com um estrondo. CATHERINE levanta
subitamente.
CATHERINE
Ahn?

HAL
Eita, desculpa - Eu acordei você?
CATHERINE
Quê?

HAL
Cê tava dormindo?
Pausa. ROBERT sumiu.

CATHERINE
Você me assustou cacete. Que que cê tá fazendo?
HAL
Desculpa. Não percebi que era tão tarde. Acabei por
hoje já.

CATHERINE
Bom.
HAL
Bebendo sozinha?

CATHERINE percebe que está com a garrafa na mão


e rapidamente coloca no chão.
CATHERINE
Sim.

HAL
Champanhe, huh?

(CONTINUED)
CONTINUED: 14.

CATHERINE
Sim.
HAL
Comemorando?
CATHERINE
Não. Eu só gosto de champanhe.
HAL
É festivo.
CATHERINE
Quê?
HAL
Festivo
(ele faz um estranho gesto de "festa")
CATHERINE
Você quer um pouco?

HAL
Claro.
CATHERINE
(Dá a garrafa para ele.)
Pra mim chega. Pode levar o resto com você.
HAL
Ah. Não, Brigado.
CATHERINE
Pega. Pra mim chega.
HAL
Não, eu não devia, to dirigindo.
(pausa)
Bom, eu sei a saída.

CATHERINE
Bom.
HAL
Quando eu posso voltar?

CATHERINE
Voltar?
HAL
É. Eu não to nem perto de terminar. Talvez amanhã?

CATHERINE
Nós temos um funeral amanhã.

(CONTINUED)
CONTINUED: 15.

HAL
Ah, claro, desculpa. Eu pretendia vir, se for tudo
bem.

CATHERINE
Sim.
HAL
Que tal domingo então? Você vai estar aqui?

CATHERINE
Você teve três dias.
HAL
Eu ia adorar ter mais tempo ali em cima.

CATHERINE
Quanto mais você precisa?
HAL
Outra semana. No mínimo.

CATHERINE
Cê tá de sacanagem?
HAL
Não. Você sabe quanta coisa tem lá em cima?

CATHERINE
Uma semana?
HAL
Eu sei que você não precisa de ninguém no seu pé
agora. Olha, eu passei os últimos dias organizando
tudo. Só são os cadernos, praticamente. Ele datava
todos eles; agora que eu coloquei tudo na ordem eu
não preciso trabalhar aqui. Podia levar alguns pra
casa, ler, depois trazer de volta.

CATHERINE
Não.
HAL
Eu vou ter cuidado.

CATHERINE
Meu pai não ia querer nada fora do lugar e eu não
quero que nada saia dessa casa.
HAL
Então eu trabalho aqui. Fico fora do seu caminho.

CATHERINE
Cê tá perdendo seu tempo.

(CONTINUED)
CONTINUED: 16.

HAL
Alguém precisa olhar o que seu pai escreveu.
CATHERINE
Não tem nada lá. É besteira.
HAL
Tem cento e três cadernos.
CATHERINE
Eu olhei esses. É besteira.
HAL
Alguém devia ler.
CATHERINE
Ele era louco.
HAL
Sim, mas ele escreveu esses.
CATHERINE
Ele era grafomaníaco, Harold. Você sabe o que que é
isso?
HAL
Sei. Ele escrevia compulsivamente. Me chama de Hal.

CATHERINE
Não tem conexão nenhuma entre as ideias. Não tem
ideias. É um macaco numa máquina de escrever. Cento e
três cadernos cheios de merda.

HAL
Vamo ter certeza que é mesmo merda.
CATHERINE
Eu tenho.

HAL
Eu to preparado pra olhar cada página. Você tá?
CATHERINE
Não. Eu não sou louca.
(pausa)

HAL
Bom, eu vou me atrasar... Alguns amigos meus tão numa
banda. Eles vão tocar num bar em Diversey. No fim da
noite. Provavelmente umas duas. Duas e meia. Eu disse
que ia lá.

CATHERINE
Ótimo.

(CONTINUED)
CONTINUED: 17.

HAL
Eles são todos do departamento de matemática. São bem
bons. Eles tem essa música - você ia gostar - chamada
"i". "i" minusculo. Que eles só ficam parados e não
tocam nada por três minutos.

CATHERINE
"Número imaginário."
HAL
É uma piadinha matemática. Dá pra ver porque eles vão
ser só no fim da noite.
CATHERINE
Viagem longa pra ver uns nerds numa banda.

HAL
Po eu odeio quando as pessoas dizem isso. A viagem
não é tão longa.
CATHERINE
Então eles são nerds.

HAL
Ah sim, eles são bastante nerds. Mas são nerds que,
sei lá, conseguem se vestir... trabalham numa boa
universidade... Alguns até trocaram do óculos pra
lente de contato. Eles praticam esportes, tem uma
banda, transam surpreendentemente com frequência,
então nesse sentido fazem a gente meio que questionar
esses termos: geek, nerd, cdf, quatro olhos, traça
livro.
CATHERINE
Você tá nessa banda, né?
HAL
Ok, sim. Eu toco bateria. Quer vir? Eu nunca canto,
juro por Deus.

CATHERINE
Você não tem emprego?
HAL
Tenho, dou aula como professor integral esse semestre
mais meu próprio trabalho.
CATHERINE
Mais a banda.
HAL
Eu não tenho tempo pra fazer isso, mas eu vou fazer.
Se você me deixar.
(pausa)
Eu amava seu pai. E eu não acredito que uma mente
como a dele possa simplesmente fechar. Ele teve
momentos lúcidos. Ele teve um ano inteiro lúcido,
quatro anos atrás.

(CONTINUED)
CONTINUED: 18.

CATHERINE
Não foi um ano. Foi tipo nove meses.
HAL
Um ano escolar. Ele tava orientando os alunos... Eu
tava travado no meu Ph.D. Tava quase desistindo. Aí
eu conheci seu pai e ele me botou no caminho certo.
Eu devo isso a ele.
CATHERINE
Desculpa.
HAL
Olha, me deixa - Você tem vinte e cinco, certo?
CATHERINE
Quantos anos você tem?
HAL
Não importa. Olha.
CATHERINE
Vai se fuder. Quantos anos você tem?
HAL
Eu tenho vinte e oito, tá? Quando seu pai era mais
novo que nós dois, ele fez gigantescas contribuições
pra três areas: teoria dos jogos, geometria
algébrica, e teoria do operador não linear. A maioria
de nós não consegue nem uma. Ele praticamente
inventou as técnicas matemáticas pra estudar
comportamento racional, e deu aos astrofísicos um
bucado de coisa pra trabalhar também. Ok?

CATHERINE
Não me dá aula.
HAL
Não to dando. To falando com você. Se eu conseguir
descobrir um décimo das coisas que seu pai produziu,
eu garantia meu lugar em qualquer departamento de
matemática do país.
(pausa)
CATHERINE
Me dá sua mochila.
HAL
Quê?
CATHERINE
Me dá sua mochila.
HAL
Por quê?

(CONTINUED)
CONTINUED: 19.

CATHERINE
Eu quero olhar dentro.
HAL
Quê?

CATHERINE
Abre e dá pra mim.
HAL
Ah, qual é.

CATHERINE
Você não vai levar nada embora dessa casa.
HAL
Eu não faria isso.

CATHERINE
Você tá querendo achar algo que você possa publicar.
HAL
Claro.

CATHERINE
Pra você garantir seu lugar.
HAL
Quê? Não! Seria sob o nome do seu pai. Seria pelo seu
pai.

CATHERINE
Eu não acredito em você. Você tá com um caderno na
mochila.
HAL
Do que que cê tá falando?
CATHERINE
Dá pra mim.

HAL
Você tá sendo um pouco paranóica.
CATHERINE
Paranóica?

HAL
Talvez, um pouco.
CATHERINE
Vai se fuder Hal. Eu sei que você tá com um dos meus
cadernos.

HAL
Eu acho que você devia se acalmar e pensar no que cê
tá falando.

(CONTINUED)
CONTINUED: 20.

CATHERINE
Eu to falando que você tá mentindo pra mim e roubando
propriedade da minha familia.

HAL
E eu acho que isso soa um pouco paranóica.
CATHERINE
Só porque eu to paranóica não quer dizer que não tem
algo nessa mochila.

HAL
Você acabou de dizer que não tem nada lá em cima. Não
foi?
CATHERINE
Eu -
HAL
Você não disse isso?
CATHERINE
Sim.
HAL
Então o que eu levaria? Hm?
(pausa)

CATHERINE
Você tá certo.
HAL
Obrigado.

CATHERINE
Então você não precisa voltar.
HAL
Não. Por favor. Alguém devia ver com certeza se -

CATHERINE
Eu vivia com ele. Eu passei minha vida com ele. Eu
alimentei ele. Conversei com ele. Tentei ouvir quando
ele falava. Quando ele falava com gente que não tava
ali... Via ele perambulando por ai igual um fantasma.
Um fantasma imundo. Ele fedia. Eu tinha que fazer ele
tomar banho. Meu próprio pai.
HAL
Desculpa, eu não devia...

CATHERINE
Depois que minha mãe morreu ficou só eu aqui. Eu
tentei manter ele feliz não importa qual projeto
maníaco ele tava fazendo. Ele costumava ler o dia
inteiro. Ficava pedindo mais e mais livros. Eu pegava
aos montes na biblioteca. Ele guardava centenas lá em
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 21.

CATHERINE (cont’d)
cima. Depois eu percebi que ele não tava lendo: ele
acreditava que aliens estavam mandando mensagens
através dos números decimais dos livros da
biblioteca. Ele tava tentando decifrar o código.
HAL
Que tipo de mensagens?
CATHERINE
Matemática. As mais elegantes provas matemáticas,
provas perfeitas, provas como música.
HAL
Parece bom.

CATHERINE
Além de dicas de moda, caça-palavras sem sentido
- quer dizer, foi uma loucura, ok?
HAL
Ele tava doente. Foi uma tragédia.
CATHERINE
Depois a fase de escrita: rabiscando dezenove, vinte
horas por dia... Eu trouxe pra ele uma caixa de
cadernos e ele usou todos eles.
Larguei a faculdade...
Eu to feliz que ele morreu.
HAL
Entendo que você se sinta assim.

CATHERINE
Vai se fuder.
HAL
Cê tá certa. Eu não consigo imaginar o que você
passou. Deve ter sido terrível. Eu sei que -

CATHERINE
Você não sabe nada sobre mim. Me deixa sozinha. Não
quero ele aqui.
HAL
(confuso)
Ele? Eu não -
CATHERINE
Você. Eu não quero você aqui.

HAL
Por quê?
CATHERINE
Ele tá morto.

(CONTINUED)
CONTINUED: 22.

HAL
Mas eu não to -
CATHERINE
Ele tá morto. Eu não quero nenhum pupilo aqui.

HAL
Vão ter outros.
CATHERINE
Quê?

HAL
Você acha que eu sou o único? Tem muita gente
trabalhando nas coisas dele. Alguém tem que ler esses
cadernos.

CATHERINE
Eu leio.
HAL
Não, você -

CATHERINE
Ele é meu pai. Eu leio.
HAL
Não dá.

CATHERINE
Por que não?
HAL
Você não tem a matemática. Tá uma bagunça aquelas
páginas. Você não vai saber diferenciar o que é bom
de toda a merda.
CATHERINE
É tudo uma merda.

HAL
Mas se não for a gente não pode se dar ao luxo de
perder alguma coisa por descaso.
CATHERINE
Eu sei matemática.
HAL
Se tiver qualquer coisa ali vai ser bem avançado.
Precisaria um profissional pra reconhecer.

CATHERINE
Eu acho que eu reconheceria.
HAL
(paciente)
Cathy...

(CONTINUED)
CONTINUED: 23.

CATHERINE
Quê?
HAL
Eu sei que seu pai te ensinou umas coisas básicas,
mas qual é.
CATHERINE
Você acha que eu não conseguiria.

HAL
Desculpa: Eu sei você não conseguiria.
(Pausa. CATHERINE rouba a mochila
dele.)
Ei! Ah qual é.
(CATHERINE abre a mochila e mexe
dentro)
Isso aqui não é um aeroporto.
CATHERINE tira os itens um por um. Uma garrafa
de água. Alguma roupas. Uma laranja. Baquetas de
bateria. Nada além disso. Ela coloca tudo de
volta e devolve a mochila. Pausa.
CATHERINE
Você pode voltar amanhã.

Pausa. Ambos estão embaraçados.


HAL
O serviço de sáude da universidade é muito bom.
Minha mãe morreu alguns anos atrás e eu tava bem
quebrado. E o trabalho também não estava indo
direito, enfim... Eu fui lá e falei com esse médico.
Fui nele durante alguns meses e ajudou bastante.
CATHERINE
Eu to bem.
(pausa)

HAL
Exercício também é bom. Eu corro em volta do lago
algumas vezes na semana. Ainda não tá tão frio. Se
você quiser vir algum dia eu posso te buscar aqui. A
gente nem precisaria conversar...

CATHERINE
Não obrigada.
HAL
Tudo bem. Eu vou me atrasar pro show. Tenho que ir.

CATHERINE
Tá bom.
(pausa)

(CONTINUED)
CONTINUED: 24.

HAL
É realmente só uns vinte minutos até lá. A gente vai,
toca, nós somos terríveis, mas depois a gente paga
bebida pra todo mundo pra compensar. Você taria aqui
de volta as quatro, quatro e meia no máximo...
CATHERINE
Boa noite.
HAL
Boa noite.
(ele começa a sair, porém esquece a
jaqueta)
CATHERINE
Peraí, seu casaco.

HAL
Não, não precisa -
CATHERINE pega a jaqueta dele. Fazendo isso, um
caderno que estava dobrado dentro do casaco cai
no chão. Pausa. Ela pega o caderno, tremendo de
raiva.
CATHERINE
Eu sou paranóica?

HAL
Espera.
CATHERINE
Você acha que eu devia correr com você?

HAL
Calma, olha -
CATHERINE
Sai daqui!

HAL
Me deixa só -
CATHERINE
Sai daqui agora caralho!

HAL
Me escuta, só um minuto.
CATHERINE
(segurando o caderno)
Você roubou isso!
HAL
Me deixa explicar!

(CONTINUED)
CONTINUED: 25.

CATHERINE
Você roubou isso de mim, você roubou isso do meu pai
-
(HAL pega o caderno)

HAL
Eu queria te mostrar algo. Calma um pouco.
CATHERINE
Devolve.

HAL
Só espera um minuto.
CATHERINE
Eu vou ligar pra polícia.
(ela pega o telefone e disca)
HAL
Não. Olha, eu peguei emprestado o livro, tá bom?
Desculpa, eu achei só um pouco antes de descer aqui e
eu pensei que -

CATHERINE
(no telefone)
Alô?

HAL
Eu fiz por um motivo.
CATHERINE
Alô, polícia? Eu - Sim, eu quero denuciar um roubo
acontecendo agora.

HAL
Eu notei algo - algo que seu pai escreveu. Ok? Nada
de matemática, algo que ele escreveu. Aqui, deixa eu
te mostrar.

CATHERINE
Um roubo.
HAL
Você pode baixar a porra do telefone e ouvir o que eu
to falando?

CATHERINE
(no telefone)
Sim, eu estou na 5724 sul -
HAL
É sobre você. Viu? Você. Ele escreveu sobre você.
Aqui, seu nome: Cathy. Viu?
CATHERINE
Sul...

(CONTINUED)
CONTINUED: 26.

CATHERINE pausa. Ela parece estar ouvindo. HAL


lê.
HAL
"Um dia bom. Algumas ótimas notícias de Catherine."
Eu não sei a que isso se refere, mas achei que você
podia...
CATHERINE
Quando ele escreveu isso?

HAL
Acho que quatro anos atrás. A caligrafia tá firme.
Acho que deve ter sido durante a remissão. Tem mais.
(um momento. CATHERINE desliga o
telefone)
"O maquinário não está funcionando ainda, mas sou
paciente." "maquinário" é como ele chama a mente
dele, a habilidade de fazer matemática.
CATHERINE
Eu sei.
HAL
(lendo)
"Eu sei que eu vou chegar lá. Sou um automóvel que
após anos e anos de trabalho num impulso
desesperançado gira a chave na ignição e escuta um
tênue barulho do motor. Não estou dirigindo ainda,
mas há causa para otimismo. Falar com os alunos
ajuda. Assim como ir lá fora, comer em restaurantes,
andar de ônibus, todas as atividades de uma vida
’normal’.
"Acima de tudo Cathy. Os anos que ela perdeu cuidando
de mim. Quase escrevi ’desperdiçou’. No entanto sua
refusa em me internar - sua determinação em me manter
em casa, cuidando de mim ela mesma, certamente foi o
que salvou minha vida. Tornou escrever possível.
Tornou possível imaginar trabalhar com matemática
novamente. De onde vêm a força dela? Nunca poderei
retribuí-la.
Hoje é seu aniversário: ela faz vinte e um. Vou
leva-lá pra jantar." Tá datado como 4 setembro. Que é
amanhã.

CATHERINE
É hoje.
HAL
É, você tá certa.
(entrega a ela o livro)
Eu achei que você ia gostar ver. Não devia ter
tentado escamotear ele. Amanhã eu ia - vai soar
estúpido agora - eu ia colocar num embrulho. Feliz
aniversário.

(CONTINUED)
CONTINUED: 27.

HAL sai. CATHERINE fica sozinha. Ela coloca a


cabeça entre as mãos. Ela chora. Eventualmente
para, limpa os olhos. Ao longe ouvimos uma
sirene de polícia, chegando perto.

CATHERINE
Merda.
Cena 2
A manhã seguinte. CLAIRE, sofisticada, atraente,
está bebendo café em uma caneca. Trouxe as
rosquinhas e frutas que estão em uma bandeja na
varanda. Ela arruma a comida em dois pratos.
Nota a garrafa de champanhe no chão. Pega e a
coloca sobre a mesa. CATHERINE entra. Seu cabelo
está molhado do banho.

CLAIRE
Melhor. Muito melhor.
CATHERINE
Brigada.

CLAIRE
Tá se sentindo melhor?
CATHERINE
Aham.
CLAIRE
Você está mil vezes melhor. Toma um pouco de café.
CATHERINE
Tá bom.
CLAIRE
Como você prefere?
CATHERINE
Puro.
CLAIRE
Bota um pouco de leite.
(Claire mesmo o coloca)
Quer uma banana? Ainda bem que eu comprei comida: não
tinha nada na casa.
CATHERINE
Eu tava pra ir no mercado.
CLAIRE
Pega uma rosquinha.
CATHERINE
Não. Odeio café da manhã.
(Pausa)

(CONTINUED)
CONTINUED: 28.

CLAIRE
Você não experimentou o vestido.
CATHERINE
Não tava com vontade.
CLAIRE
Não quer nem experimentar? Pra ver se cabe?
CATHERINE
Eu coloco mais tarde.
(Pausa)
CLAIRE
Se quiser secar o cabelo eu tenho um secador.

CATHERINE
Nah.
CLAIRE
Usou o condicionador que eu trouxe pra você?

CATHERINE
Não, droga, esqueci.
CLAIRE
É o meu favorito. Você ia adorar, Katie. Quero que
você experimente.
CATHERINE
Da próxima eu uso.
CLAIRE
Você vai gostar. É de jojoba.
CATHERINE
O que é "jojoba"?
CLAIRE
É algo que eles colocam pra deixar o cabelo saudável.
CATHERINE
Cabelo é morto.
CLAIRE
Quê?
CATHERINE
É tecido morto. Não dá pra ficar saudável.
CLAIRE
Que seja, é algo que faz bem pro seu cabelo.
CATHERINE
O que, um químico?

(CONTINUED)
CONTINUED: 29.

CLAIRE
Não, é orgânico.
CATHERINE
Pode ser orgânico e ainda ser um químico.
CLAIRE
Eu não sei o que é.
CATHERINE
Nunca ouviu falar de "química orgânica"?
CLAIRE
Faz meu cabelo ter uma boa aparência e um cheiro bom.
Isso é tudo que eu sei sobre o assunto. Você ia
gostar se decidir usar um dia.

CATHERINE
Brigada, vou usar.
CLAIRE
Que bom.
(Pausa)
Se o vestido não servir a gente pode ir no centro e
trocar.
CATHERINE
Tá bom.
CLAIRE
E eu vou te levar pra jantar.
CATHERINE
Ótimo.
CLAIRE
Talvez domingo antes que eu volte. Você precisa de
alguma coisa?

CATHERINE
Tipo roupas?
CLAIRE
Ou qualquer coisa. Enquanto eu estou aqui.

CATHERINE
Não, to legal.
(Pausa)
CLAIRE
Eu pensei em chamar algumas pessoas hoje a noite. Se
você estiver se sentindo bem.
CATHERINE
Eu to me sentindo bem, Claire, para de falar isso.

(CONTINUED)
CONTINUED: 30.

CLAIRE
Você não tem nada planejado?
CATHERINE
Não.
CLAIRE
Eu pedi comida. Vinho, cerveja.
CATHERINE
A gente vai enterrar o Pai hoje a tarde.
CLAIRE
Acho que vai ser tudo bem. Quem tiver no funeral e
quiser vir pra comer alguma coisa vai poder. E é a
única chance que eu tenho pra encontrar meus velhos
amigos de Chicago. Vai ser bom. É um velório mas nós
não precisamos ficar fúnebres o tempo todo. Isso se
for tudo bem pra você.
CATHERINE
Tá, claro.

CLAIRE
Tem sido uma época estressante. Faria bem relaxar um
pouco.
Mitch mandou um Oi.

CATHERINE
Oi Mitch.
CLAIRE
Ele pediu desculpas por não poder vir.

CATHERINE
É, vai perder a diversão.
CLAIRE
Ele queria te ver. Mandou os sentimentos. Eu disse
pra ele que vocês iam se encontrar logo.
(Pausa)
A gente vai se casar.
CATHERINE
Não brinca.

CLAIRE
Sim! Acabamos de decidir.
CATHERINE
Oba.

CLAIRE
Sim!

(CONTINUED)
CONTINUED: 31.

CATHERINE
Quando?
CLAIRE
Janeiro.
CATHERINE
Huh.
CLAIRE
A gente não quer fazer nada muito grande. Os pais
dele já se foram também. Vamos na Prefeitura da
cidade, depois um jantar no nosso restaurante
favorito com todos os nossos amigos. E você, claro.
Espero que você vá no casamento.

CATHERINE
Sim, claro. Parabéns, Claire, to realmente feliz por
você.
CLAIRE
Obrigada. Eu também. A gente simplesmente decidiu que
já tava na hora. O emprego dele é ótimo. Eu acabei de
ser promovida...
CATHERINE
Huh.

CLAIRE
Você vai?
CATHERINE
Vou, claro. Janeiro? Quer dizer, não é como se eu
tivesse que checar a agenda ou qualquer coisa do
tipo. Claro.
CLAIRE
Isso me deixa muito feliz.
(Pausa. Daqui em diante CLAIRE avança
cautelosamente)
CLAIRE
Como você tá?
CATHERINE
Ok.
CLAIRE
Como você tá se sentindo sobre tudo isso?

CATHERINE
Sobre tudo isso?
CLAIRE
Sobre o Pai.

(CONTINUED)
CONTINUED: 32.

CATHERINE
Que que tem ele?
CLAIRE
Como você tá se sentindo sobre a morte dele? Você tá
bem?
CATHERINE
Sim, to.

CLAIRE
Honestamente?
CATHERINE
Sim.

CLAIRE
Eu acho que de certa forma foi o "momento certo". Se
é que existe um momento certo.
Você já sabe o que você quer fazer agora?
CATHERINE
Não.
CLAIRE
Quer ficar aqui?

CATHERINE
Não sei.
CLAIRE
Quer voltar pra faculdade?

CATHERINE
Não pensei nisso ainda.
CLAIRE
Bom, tem bastante coisa pra pensar.
Como você se sente?

CATHERINE
Fisicamente? Ótima. Exceto que meu cabelo tá meio
doente. Queria que tivesse uma forma de deixar ele
mais saudável.

CLAIRE
Que isso, Catherine.
CATHERINE
Qual é o sentido de todas essas perguntas?
(Pausa)

CLAIRE
Katie, um policial veio aqui enquanto você tava no
banho.

(CONTINUED)
CONTINUED: 33.

CATHERINE
É?
CLAIRE
Eles disseram que estavam checando como estão as
coisas. Vendo se está tudo bem agora de manhã.
CATHERINE
(Neutra)
Gentil da parte deles.

CLAIRE
Me disseram que responderam uma chamada ontem a noite
e vieram até aqui.
CATHERINE
É?
CLAIRE
Você chamou a policia ontem a noite?
CATHERINE
Sim.
CLAIRE
Por quê?

CATHERINE
Eu achei que a casa tava sendo roubada.
CLAIRE
Mas não estava.

CATHERINE
Não. Eu mudei de ideia.
(Pausa)
CLAIRE
Primeiro você disca 190 falando que tem uma
emergência e ai você desliga na cara deles -
CATHERINE
Eu não queria que eles realmente viessem.
CLAIRE
Então por que você ligou?
CATHERINE
Eu tava tentando botar um cara pra fora.
CLAIRE
Quem?
CATHERINE
Um dos alunos do Pai.

(CONTINUED)
CONTINUED: 34.

CLAIRE
O Pai não tinha alunos faz anos.
CATHERINE
Não, ele era um aluno do Pai. Agora ele é - ele é um
matemático.
CLAIRE
E por que que ele estava aqui dentro de casa?

CATHERINE
Ele tem vindo aqui pra olhar os cadernos do Pai.
CLAIRE
No meio da noite?

CATHERINE
Tava tarde. Eu tava esperando ele terminar, aí ontem
a noite achei que ele talvez tivesse roubando algo.
CLAIRE
Roubando os cadernos.

CATHERINE
Sim. Aí eu disse pra ele ir.
CLAIRE
E ele tava roubando?
CATHERINE
Sim. Por isso que eu chamei a polícia.
CLAIRE
Qual o nome desse homem?
CATHERINE
Hal. Harold. Harold Dobbs.
CLAIRE
A polícia disse que você estava sozinha aqui.
CATHERINE
Ele saiu antes deles chegarem.
CLAIRE
Com os cadernos?
CATHERINE
Não, Claire, para de ser idiota, tem mais de cem
cadernos. Ele só tava roubando um, mas ele tava
roubando pra me dar de volta, então eu deixei ele ir
tocar com a banda dele na zona norte.
CLAIRE
A banda dele?

(CONTINUED)
CONTINUED: 35.

CATHERINE
Ele tava atrasado. Ele até queria que eu fosse junto,
mas eu tava tipo "Ah, claro".
(Pausa)

CLAIRE
(Gentilmente)
Esse "Harold Dobbs" é seu namorado?
CATHERINE
Não!
CLAIRE
Você está dormindo com ele?
CATHERINE
Quê? Euught! Não! Ele é um matemático nerd!
CLAIRE
E ele tem uma banda? Uma banda de rock?
CATHERINE
Não, uma fanfarra de escola. Ele toca trombone. Sim,
uma banda de rock!
CLAIRE
Qual o nome da banda?

CATHERINE
Como é que eu vou saber?
CLAIRE
"Harold Dobbs" não contou pra você o nome da banda de
rock dele?
CATHERINE
Não. Eu sei lá. Olha no jornal. Eles tocaram ontem.
Eles tem uma música que chama "Número Imaginário" que
não existe.
(Pausa)
CLAIRE
Desculpa. Eu só to tentando entender: esse "Harold
Dobbs" -

CATHERINE
Para de falar "Harold Dobbs."
CLAIRE
Essa... pessoa...

CATHERINE
Harold Dobbs existe.
CLAIRE
Tenho certeza que sim.

(CONTINUED)
CONTINUED: 36.

CATHERINE
Ele é um matemático na universidade de Chicago. Liga
pra porra do departamento de lá.

CLAIRE
Não fica chateada. Eu só to tentando entender! Se
você descobriu que um aluno tava roubando os cadernos
do Pai e ligou pra polícia, eu entendo. E se você
tava aqui festejando, bebendo com seu namorado, eu
entendo também. Mas as duas histórias não batem.

CATHERINE
Porque você inventou a história do "namorado". Eu
tava aqui sozinha.
CLAIRE
Harold Dobbs não tava aqui?
CATHERINE
Não, ele - Sim, ele tava aqui, mas a gente não tava
festejando!

CLAIRE
Você não estava bebendo com ele?
CATHERINE
Não!

CLAIRE
(Ela levanta a garrafa de champanhe)
Isso estava aqui no chão. Com quem você tava bebendo
champanhe?
(Catherine hesita)

CATHERINE
Com ninguém.
CLAIRE
Tem certeza?

CATHERINE
Tenho.
(Pausa)
CLAIRE
A polícia disse que você foi abusiva.
(Catherine não fala nada)
Eles disseram que você teve sorte de não ter sido
levada.
CATHERINE
Eles foram uns babacas, Claire. Eles não iam embora.
Eles queriam que eu prenchesse um boletim...
CLAIRE
Você foi abusiva?

(CONTINUED)
CONTINUED: 37.

CATHERINE
Tinha um policial que não parava de cuspir em mim
quando ele falava. Foi nojento.

CLAIRE
Você usou a palavra "escroto"?
CATHERINE
Ah, não lembro.

CLAIRE
Você disse para um policial... fuder a mãe do outro
policial?
CATHERINE
Não.

CLAIRE
Foi o que eles me disseram.
CATHERINE
Não com essas palavras.

CLAIRE
Você bateu em um deles?
CATHERINE
Eles tavam tentando entrar na casa!
CLAIRE
Meu Deus.
CATHERINE
Talvez eu tenha empurrado ele um pouco.
CLAIRE
Eles disseram que você estava, ou bêbada, ou
perturbada.

CATHERINE
Eles queriam entrar e vasculhar minha casa -
CLAIRE
Você chamou eles.

CATHERINE
Sim, mas eu não queria que eles realmente viessem.
Mas vieram e começaram a agir como se fossem donos da
casa, me empurrando, me chamando de "menina",
sorrindo pra mim, rindo pra mim: eles foram uns
filhos da puta.

CLAIRE
Eles me pareceram perfeitamente simpáticos. Tiveram o
trabalho de passar aqui no fim do turno deles pra ver
como você estava. Foram muito educados.

(CONTINUED)
CONTINUED: 38.

CATHERINE
Bom, as pessoas são mais simpáticas com você.
CLAIRE
Katie. Você gostaria de vir para Nova York?
CATHERINE
Sim, te falei, em Janeiro.
CLAIRE
Você podia vir antes. Nós iamos adorar ter você com a
gente. Pode ficar lá em casa. Ia ser divertido.
CATHERINE
Não quero.

CLAIRE
Mitch virou um excelente cozinheiro. É o hobby dele
agora. Ele compra todo aquele aparato. Expremedor de
alho, spray de azeite de oliva... Toda noite tem algo
diferente. Pratos maravilhosos. Outro dia ele fez
chili vegetariano!

CATHERINE
Mas que caralho que você tá falando?
CLAIRE
Fica com a gente um pouco. A gente ia se divertir
tanto juntas.
CATHERINE
Brigada, to bem aqui.

CLAIRE
Chicago tá morta. Nova York é muito mais divertida,
você não ia acreditar.
CATHERINE
"Diversão" não é muito onde tá meu foco nesse
momento.
CLAIRE
Eu acho que Nova York iria ser divertidíssima e... um
lugar seguro pra você -

CATHERINE
Eu não preciso de um lugar seguro e eu não quero
diversão nenhuma! To perfeitamente bem aqui.
CLAIRE
Você parece cansada. Acho que talvez você devia
recostar um pouco.
CATHERINE
Recostar um pouco?

(CONTINUED)
CONTINUED: 39.

CLAIRE
Katie, vamo lá. Você teve um período difícil.
CATHERINE
Eu to perfeitamente bem.
CLAIRE
Eu to te achando estressada e exausta.
CATHERINE
Sim, mas você -
HAL
(em off)
Catherine?

CLAIRE
Quem é esse?
(Pausa, HAL entra)
HAL
Ei, eu -
(CATHERINE levanta e aponta o dedo
para ele, triunfante)
CATHERINE
Harold Dobbs!

HAL
(Confuso)
Oi.
CATHERINE
Tá bom? Eu realmente não preciso disso, Claire. Eu to
bem, sabe, to perfeitamente bem, e ai vem você e
inunda isso aqui com todas essas perguntas, e "Você
tá bem?" e esse seu tom de voz manso e "Ah, tadinhos
dos policiais" - Eu acho que os policias sabem se
virar! - E rosquinhas e bananas e jojoba e "Vem pra
Nova York" e chili vegetariano. Tá me irritando de
verdade então guarda pra você.
(Pausa)
CLAIRE
(Suavemente, para o Hal)
Eu sou a Claire. Irmã da Catherine.
HAL
Oh, Oi. Hal. Prazer te conhecer.
(Pausa desconfortável)
Eu espero que não seja cedo demais. Eu só ia tentar
avançar um pouco no trabalho antes do ahn - se - ahn
se...
CLAIRE
Sim!

(CONTINUED)
CONTINUED: 40.

CATHERINE
Claro, tudo bem.
(HAL sai. Um momento)

CLAIRE
Esse é o Harold Dobbs?
CATHERINE
É.

CLAIRE
Ele é bonito.
CATHERINE
Augh.

CLAIRE
Ele é matemático?
CATHERINE
Eu acho que você me deve desculpas, Claire.

CLAIRE
A gente ainda precisa tomar algumas decisões. Mas eu
não devia ter tentado começar assim tão cedo. Não
quero começar uma discussão.
(Pausa)
Talvez Hal queira uma rosquinha?
(Pausa. CATHERINE não aceita a dica.
Sai.)
Fade.
Cena 3

Noite. No interior da casa há uma festa em


andamento. Música alta de uma banda não muito
boa mas bastante entusiasmada. CATHERINE está
sozinha na varanda. Está usando um lisonjeiro
vestido preto. A banda termina um número. Vivas,
Aplausos. Após um momento HAL sai da casa.
Vestido com um terno preto, do qual já removeu a
gravata. Está suado e agitado por estar tocando.
Traz na mão duas garrafas de cerveja. CATHERINE
olha para ele. Pausa.

CATHERINE
Parece que o funeral saiu um pouco do controle.
HAL
Ah, qual é. Tá bacana, entra um pouco.

CATHERINE
To bem.

(CONTINUED)
CONTINUED: 41.

HAL
A gente já parou de tocar, prometo.
CATHERINE
Não brigada.
HAL
Quer uma cerveja?
CATHERINE
To legal.
HAL
Te trouxe uma.
Pausa. CATHERINE hesita.

CATHERINE
Tá bom.
(Ela pega a cerveja. Toma um gole)
Quantas pessoas tão lá dentro?

HAL
Umas quarenta.
CATHERINE
Quarenta?

HAL
Só o pessoal mais animado.
CATHERINE
Os amigos da minha irmã.

HAL
Não, os matemáticos. Os amigos da sua irmã saíram faz
muito tempo. A galera ficou realmente contente de ter
sido convidada pra participar. Eles idolatravam seu
pai.

CATHERINE
Foi ideia da Claire.
HAL
Foi bom.

CATHERINE
(Concede)
A performance da música "Número Imaginário" foi...
até... tocante.

HAL
Bonito funeral. Quer dizer, não "bonito", mas -
CATHERINE
Não. Sim.

(CONTINUED)
CONTINUED: 42.

HAL
Acredita na quantidade de gente que veio?
CATHERINE
Fiquei surpresa.
HAL
Acho que ele ia gostar.
(CATHERINE olha para ele)
Desculpa, não é meu lugar dizer -

CATHERINE
Não, ce tá certo. Tudo foi melhor do que eu pensei.
(Pausa)
HAL
Você tá linda.
CATHERINE
(Indica o vestido)
Claire deu pra mim.

HAL
Eu gostei.
CATHERINE
Não cabe direito.

HAL
Não, Catherine, tá bom.
(Um momento. Barulho vindo de dentro)
CATHERINE
Quando você acha que eles vão embora?
HAL
Não tem como saber. Matemáticos são doidos. Eu fui
numa conferência em Toronto no outono passado. E eu
sou jovem, certo? Eu to em forma. Achei que dava pra
eu sair com o garotos. Errado. Nunca fiquei tão
exausto em toda minha vida. Quarenta e oito horas
seguidas de festas, bebidas, drogas, artigos,
palestras...
CATHERINE
Drogas?
HAL
É. anfetamina na maioria das vezes. Quer dizer, eu
não. Alguns caras mais velhos é que tavam bem
viciados.

CATHERINE
Sério?

(CONTINUED)
CONTINUED: 43.

HAL
É, eles acham que precisam.
CATHERINE
Por quê?
HAL
Eles acham que matemática é coisa de gente jovem.
Anfetamina mantêm eles na páreo, mantêm eles afiados.
Existe esse medo que a critividade atinge o ápice por
volta dos vinte e três e daí pra frente é tudo
ladeira abaixo. Quando você tá com mais de cinquenta,
o melhor que cê pode fazer é dar aula na escola.
CATHERINE
Isso era o que meu pai achava.

HAL
Sei lá. Tem gente que continua prolífico.
CATHERINE
Não muitos.

HAL
É, você tá certa. Trabalho original de verdade vem
dos caras novos.

CATHERINE
Caras novos.
HAL
Pessoas novas.

CATHERINE
Mas a maioria é homem.
HAL
Tem algumas mulheres.

CATHERINE
Quem?
HAL
Tem uma mulher em Stanford, não lembro o nome dela.

CATHERINE
Sophie Germain.
HAL
É? Eu provavelmente já vi nos encontros. Mas acho que
não cheguei a conhecer ela.

CATHERINE
Ela nasceu em Paris em 1776.
(Pausa)

(CONTINUED)
CONTINUED: 44.

HAL
Então definitivamente eu não cheguei a conhecer ela.
CATHERINE
Ela ficou presa em casa.
A Revolução Francesa tava acontencendo, o Terror. Ela
teve que ficar em casa por segurança e passou todo
tempo lendo o trabalho do pai. Os Gregos... Depois
tentou uma educação formal mas as escolas não
permitiam mulheres. Então ela escreveu cartas.
Escreveu para Gauss. Usou um nome masculino. Uhn -
Antoine August Le Blanc. Ela enviou pra ele algumas
provas envolvendo um tipo específico de números
primos, trabalho importante. Ele respondeu dizendo
que estava encantado de se corresponder com um jovem
rapaz tão brilhante. Meu pai me deu um livro sobre
ela.
HAL
Eu sou uma besta. Sophie Germain, lógico.

CATHERINE
Você conhece?
HAL
Números primos de Germain.

CATHERINE
É.
HAL
Eles são famosos. Dobra um deles e adiciona um e você
consegue outro primo. Tipo dois. Dois é primo, o
dobro de dois mais um é cinco: também primo.
CATHERINE
Certo. Ou 92.305 x 2 elevado a 16.998 potência + 1.
HAL
(Pasmo)
Certo.
CATHERINE
Esse é o maior de todos. O maior deles conhecido...
(Pausa)

HAL
Ele chegou a descobrir quem ela era? O Gauss.
CATHERINE
Sim. Mais tarde um amigo mútuo falou pra ele que o
jovem rapaz brilhante era uma mulher.
Ai ele escreveu pra ela: "A propensão pelos mistérios
dos números é extremamente rara, porém quando uma
pessoa cujo sexo, de acordo com os costumes e
preconceitos, deve encontrar infinitamente mais
dificuldades que os homens para se familiarizar com
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 45.

CATHERINE (cont’d)
essas complexas pesquisas, e independente disso
consegue ser bem sucedida em suas partes mais
obscuras, então sem dúvida nenhuma ela deve possuir a
mais nobre coragem, um talento extraordinário, e um
gênio superior."
(Agora ciente de si)
Eu memorizei...
HAL está transfixado por ela. Ele subitamente a
beija, então para, envergonhado. E se afasta.
HAL
Desculpa, eu to um pouco bêbado.
CATHERINE
Tudo bem.
(Pausa desconfortável)
Desculpa por ontem. Não ajudei muito. No trabalho que
você tá fazendo. Toma o tempo que você quiser lá em
cima.

HAL
Você foi ótima, eu que fui incoveniente.
CATHERINE
Eu fui péssima.

HAL
Não, meu timing foi terrível. De todo modo,
provavelmente você tá certa.
CATHERINE
Quê?
HAL
Sobre ser tudo besteira.
CATHERINE
(Acena com a cabeça)
Sim.
HAL
Eu li um bucado de coisa hoje, uma leitura rápida.
Com exceção daquele livro que eu roubei -

CATHERINE
Nossa, desculpa sobre aquilo.
HAL
Não, cê tava certa.
CATHERINE
Não devia ter chamado a polícia.

(CONTINUED)
CONTINUED: 46.

HAL
Foi culpa minha.
CATHERINE
Não.
HAL
O ponto é, aquele caderno - Eu to começando a achar
que era o único lúcido, realmente. E não tem nada de
matemática nele.

CATHERINE
Não.
HAL
Quer dizer, eu vou continuar lendo, mas se não achar
nada nos próximos dias...
CATHERINE
Voltar pra bateria.
HAL
É.
CATHERINE
E sua própria pesquisa.

HAL
Que não vai tão bem.
CATHERINE
Que que tem de errado nela?

HAL
Eu não to exatamente chacoalhando as estruturas do
mundo.
CATHERINE
Ah, qual é.

HAL
É bem ruim, basicamente.
CATHERINE
Harold.

HAL
Meus artigos foram recusados. Por bons motivos -
minhas coisas são triviais. As grandes ideias não tão
lá.

CATHERINE
Não é sobre grandes ideias. É o trabalho. Você tem
que ir atacando aos poucos o problema.

(CONTINUED)
CONTINUED: 47.

HAL
Não era isso que o seu pai fazia.
CATHERINE
Eu acho que era, de certa forma. Ele atacava uma
questão por um lado, por algum ângulo estranho,
chegava por trás, pegava ela de surpresa. Ele se
esforçava muito. Só era muito mais rápido que todo
mundo então pro olhar de fora parecia mágico.

HAL
Eu não sei.
CATHERINE
É só um palpite.

HAL
Além do mais o trabalho dele é lindo. Dá pra ler por
prazer. É linear, direto, nenhum movimento em falso,
tipo um dardo a cento e cinquenta quilometros por
hora. Chega a ser... elegante.

CATHERINE
É.
HAL
E é isso que nunca vai dar pra duplicar. Pelo menos,
eu não consigo. E tudo bem. Chega um momento que a
gente percebe que não vai acontecer. A gente reajusta
nossas expectativas. Eu gosto de dar aula.
CATHERINE
Vai ver você descobre algo.

HAL
Eu tenho vinte e oito, lembra? Descendo a ladeira já.
CATHERINE
Já tentou anfetamina? Eu soube que ajuda.

HAL
(Rindo)
É.
(Pausa)

CATHERINE
Então, Hal.
HAL
Hm?

CATHERINE
Que que você faz pra transar?
HAL
Oi?

(CONTINUED)
CONTINUED: 48.

CATHERINE
Nas suas conferências?
HAL
Ahn, eu ahn -
CATHERINE
Não é pra isso que as pessoas fazem conferências?
Viajar. Serviço de quarto. E sexo em grandes camas de
hotel.

HAL
(Ri, nervoso)
Talvez, eu não sei.
CATHERINE
Então o que vocês fazem? Todos os caras juntos.
Pausa. Ela tá flertando com ele? HAL não sabe ao
certo.
HAL
Bom, eles são cientistas.
CATHERINE
E?

HAL
Então tem bastante experimentação.
CATHERINE
(Ri)
Entendi.

Pausa. CATHERINE vai até ele. O beija. Um beijo


mais longo. Acaba. HAL está surpreso e feliz.
HAL
Huh.

CATHERINE
Isso foi bom.
HAL
É?

CATHERINE
Sim.
HAL
De novo?

CATHERINE
Sim.
Se beijam.

(CONTINUED)
CONTINUED: 49.

HAL
Eu sempre gostei de você.
CATHERINE
Gostou?

HAL
Mesmo antes de te conhecer. Eu via lampejos seus
quando visitava o escritório do seu pai na
universidade. Eu queria falar contigo, mas pensei,
não, você não flerta com a filha do seu orientador de
doutorado.
CATHERINE
Especialmente quando seu orientador é maluco.

HAL
Especialmente nesse caso, sim.
Se beijam.
CATHERINE
Você veio aqui antes. Quatro anos atrás. Lembra?
HAL
Claro. Nem acredito que cê lembra disso. Eu vim
entregar um rascunho da minha tese pro seu pai.
Nossa, eu tava muito nervoso.

CATHERINE
Eu lembro de você.
(Beijo)
Eu lembro que eu te achei... não entediante.

Eles continuam a se beijar.


Fade.
Cena 4
A manhã seguinte. CATHERINE sozinha na varanda,
vestida com um robe. HAL entra, semi-vestido.
Ele se aproxima por trás dela silenciosamente.
Ela o escuta e se vira.
HAL
A quanto tempo tá acordada?
CATHERINE
Um tempinho.
HAL
Eu dormi demais?
CATHERINE
Não.
(Pausa. Estranheza de uma manhã
seguinte)

(CONTINUED)
CONTINUED: 50.

HAL
Sua irmã tá acordada?
CATHERINE
Não. Ela vai pegar o vôo daqui a algumas horas. Na
verdade eu até devia acordar ela.
HAL
Deixa dormir. Ela tava bebendo um bucado com um
físico teórico ontem a noite.

CATHERINE
Vou preparar um café pra ela quando ela acordar.
(Pausa)
HAL
Domingo de manhã eu geralmente vou pra rua. Compro um
jornal, como alguma coisa.
CATHERINE
Tá bom.
(Pausa)

HAL
Você quer vir?
CATHERINE
Ah. Não. Eu tenho que ficar aqui até a Claire ir
embora.
HAL
Tudo bem. Você se importa se eu ficar?

CATHERINE
Não. Você pode trabalhar se quiser.
HAL
(surpreendido)
Tá bom.

CATHERINE
Tá bom.
HAL
Eu devo?

CATHERINE
Se você quiser.
HAL
Você quer que eu vá?

CATHERINE
Você quer ir?

(CONTINUED)
CONTINUED: 51.

HAL
Eu quero ficar com você.
CATHERINE
Oh...
HAL
Eu quero passar o dia com você se for possível. Eu
quero passar todo o tempo que eu puder com você, a
não ser que eu esteja indo rápido demais e te
deixando assustada porque nesse caso eu retiro tudo o
que eu disse imediatamente ...
CATHERINE ri, o alívio dela é evidente; o dele
também. Os dois se beijam

HAL
Quão vergonhoso seria se eu te falasse que ontem a
noite foi incrível.
CATHERINE
Só é vergonhoso se eu não concordar.

HAL
Hm, e...
CATHERINE
Não precisa ficar com vergonha.
Se beijam. Depois de um momento ela desvia.
Hesita. Está tomando uma decisão. Ela então
retira o cordão de seu pescoço. Há uma chave na
corrente. Ela a entrega para HAL.

CATHERINE
Aqui.
HAL
Que isso?

CATHERINE
Uma chave.
HAL
Ah.

CATHERINE
Usa ela.
HAL
Onde?

CATHERINE
Gaveta de baixo da escrivaninha do meu pai.

(CONTINUED)
CONTINUED: 52.

HAL
O que tem dentro?
CATHERINE
Só tem um jeito de descobrir, Professor.
HAL
Agora?
(CATHERINE acena que sim. Ele ri, não
tem certeza se é uma piada ou não)
Tá bom.
HAL a beija rapidamente, em seguida entra na
casa. CATHERINE sorri consigo mesma. Está feliz.
Quase uma alegria vulgar. CLAIRE entra, de
ressaca, se senta e espreme os olhos.

CATHERINE
Bom dia.
CLAIRE
Não grita não por favor.

CATHERINE
Você tá bem?
CLAIRE
Não.
(Pausa. Ela aperta a cabeça.)
A porra desses físicos.
CATHERINE
Que que houve?

CLAIRE
Por sinal muito obrigado por ter me deixado sozinha
com eles.
CATHERINE
E os seus amigos?
CLAIRE
Os idiotas dos meus amigos foram embora - e era só
onze da noite! - Eles tiveram que ir pra casa pagar a
babá ou algo do tipo. Aí eu fiquei sozinha com
aqueles malucos.
CATHERINE
Por que que cê bebeu tanto?
CLAIRE
Achei que eu conseguia acompanhar o ritmo deles.
Achei que eles iam parar. Não pararam. Nossa senhora.
"Ah, toma outra tequila..."

(CONTINUED)
CONTINUED: 53.

CATHERINE
Você quer um café?
CLAIRE
Em um minuto.
(Pausa)
Aquela banda.
CATHERINE
É.

CLAIRE
Eles eram terríveis.
CATHERINE
Eles eram ok. Eles se divertiram. Eu acho.

CLAIRE
Bom, contanto que tenha sido divertido pra todo
mundo.
(Pausa)
Seu vestido ficou bem.

CATHERINE
Eu amei.
CLAIRE
Mesmo?
CATHERINE
Sim, é maravilhoso.
CLAIRE
Fiquei até surpresa de você ter usado.
CATHERINE
Eu amei, Claire, obrigada.
CLAIRE
(Surpresa)
De nada. Você tá de bom humor.
CATHERINE
Não devia estar?

CLAIRE
Tá brincando? Não. To empolgada.
(Pausa)
Vou sair em algumas horas.
CATHERINE
Eu sei.
CLAIRE
A casa tá uma bagunça. Não limpa você não. Vou
contratar alguém pra vir.

(CONTINUED)
CONTINUED: 54.

CATHERINE
Obrigada. Quer seu café?
CLAIRE
Não. Obrigada.
CATHERINE
(Indo entrar na casa)
Sem problema.

CLAIRE
Espera um pouco, Katie. Eu só...
(Respira antes de falar)
Eu to indo embora logo. Eu -
CATHERINE
Você disse. Eu sei.
CLAIRE
Eu queria que você fosse pra Nova York.
CATHERINE
Sim: Janeiro.
CLAIRE
Eu queria que você se mudasse pra Nova York.

CATHERINE
Mudasse?
CLAIRE
Você pensaria um pouco sobre? Por mim? Você pode
ficar comigo e o Mitch a princípio. Tem bastante
espaço. Depois você encontra sua própria casa. Eu já
até sondei alguns apartamentos pra você, apartamentos
muito agradáveis.
CATHERINE
O que que eu ia fazer em Nova York?

CLAIRE
O que que você tá fazendo aqui?
CATHERINE
Eu moro aqui.

CLAIRE
Você pode fazer o que você quiser. Você pode
trabalhar, você pode ir pra faculdade.
CATHERINE
Não sei, Claire. Isso é bem drástico.
CLAIRE
Eu sei disso.

(CONTINUED)
CONTINUED: 55.

CATHERINE
Eu sei que você quer ajudar. Eu só não tenho certeza
se é isso que eu quero fazer. Pra ser honesta você
tava certa ontem. E to mesmo um pouco confusa. Eu to
cansada. Foram uns anos bem estranhos. Acho que o que
eu quero é um tempo pra ajeitar as coisas.
CLAIRE
Você pode fazer isso em Nova York.

CATHERINE
E posso fazer aqui.
CLAIRE
Mas seria tão mais fácil pra mim te arranjar um
apartamento em Nova York, e -

CATHERINE
Eu não preciso de um apartamento, eu fico aqui na
casa.
CLAIRE
Nós estamos vendendo a casa.
(Pausa)
CATHERINE
Quê?

CLAIRE
Nós - Eu to vendendo.
CATHERINE
Quando?

CLAIRE
Eu espero terminar a burocrácia essa semana. Eu sei
que parece súbito.
CATHERINE
Ninguém apareceu aqui pra olhar a casa, pra quem você
tá vendendo?
CLAIRE
Pra universidade. Eles querem esse quarteirão por
anos.

CATHERINE
Eu moro aqui.
CLAIRE
Querida, agora que o Pai se foi não faz mais sentido.
Ela tá caindo aos pedaços. Custa uma fortuna pra
aquecer. Tá na hora de sair daqui. O Mitch concorda,
é o mais inteligente a se fazer. Nós demos sorte, foi
uma ótima ofer -

(CONTINUED)
CONTINUED: 56.

CATHERINE
E onde eu vou morar?
CLAIRE
Vem pra Nova York.
CATHERINE
Eu não acredito nisso.
CLAIRE
Seria ótimo. Você merece uma mudança. Seria toda uma
nova aventura pra você.
CATHERINE
Por que que cê tá fazendo isso?

CLAIRE
Eu quero ajudar.
CATHERINE
Me expulsando da minha própria casa?

CLAIRE
É minha casa também.
CATHERINE
Você não mora aqui há anos.

CLAIRE
Eu sei. Você tava sozinha. Eu realmente me arrependo
disso, Katie.
CATHERINE
Nem vem.
CLAIRE
Eu sei que eu decepcionei você. Me sinto horrível por
isso. Agora eu to tentando ajudar.

CATHERINE
Você quer ajudar agora?
CLAIRE
Sim.

CATHERINE
O Pai tá morto.
CLAIRE
Eu sei.

CATHERINE
Ele morreu. Agora que ele tá morto você voa pra cá um
fim de semana e resolve que quer ajudar? Chegou
tarde. Onde é que você tava?

(CONTINUED)
CONTINUED: 57.

CLAIRE
Eu -
CATHERINE
Onde é que você tava cinco anos atrás? Não tava
ajudando nessa epóca.
CLAIRE
Eu estava trabalhando.

CATHERINE
E eu tava aqui. Eu vivi com ele sozinha.
CLAIRE
Eu estava trabalhando quatorze horas por dia. Eu
paguei cada conta daqui. Eu paguei a hipoteca dessa
casa de três quartos enquanto eu morava num estúdio
no Brooklyn.
CATHERINE
Você teve sua vida. Você conseguiu terminar a
faculdade.

CLAIRE
Você podia não ter largado a sua!
CATHERINE
Como?
CLAIRE
Eu teria feito tudo que - Te falei isso. Eu te falei
um milhão de vezes pra fazer tudo que você quisesse.

CATHERINE
E o Pai? Alguém tinha que cuidar dele.
CLAIRE
Ele estava doente. Ele deveria ter ficado em uma
instituição profissional de saúde.

CATHERINE
O lugar dele não era o hospício.
CLAIRE
Talvez ele estivesse melhor lá.

CATHERINE
Como você pode dizer isso?
CLAIRE
É aqui que eu devo me sentir culpada, né?

CATHERINE
Claro, fica a vontade.

(CONTINUED)
CONTINUED: 58.

CLAIRE
Eu não tenho coração. Meu próprio pai.
CATHERINE
Ele precisava ficar aqui. Na casa dele. Perto da
universidade, perto dos alunos, perto de tudo que
deixava ele feliz.
CLAIRE
Talvez. Ou talvez alguns profissinais qualificados
teriam sido mais benéficos que ficar perambulando por
essa casa imunda com você pra cuidar dele.
Me desculpa Catherine, não é sua culpa. A culpa é
minha de ter permitido.
CATHERINE
Eu tava certa em manter ele aqui.
CLAIRE
Não.

CATHERINE
E a remissão dele? Quatro anos atrás. Ele ficou
saudável por quase um ano.
CLAIRE
E daí em diante foi só piorando de novo.

CATHERINE
Ele talvez tivesse pior num hospital.
CLAIRE
E talvez ele estivesse melhor. Ele chegou a trabalhar
de novo?
CATHERINE
Não.
CLAIRE
Não.
(Pausa)
E você talvez estivesse melhor.
CATHERINE
(Mantendo a voz sob controle)
Melhor que o quê?
CLAIRE
Morar aqui não te fez bem. Você mesma disse.
Você tinha tanto talento...

CATHERINE
Você acha que eu sou igual ao Pai.
CLAIRE
Eu acho que você tem um pouco do talento dele e um
pouco da tendência pra... instabilidade.

(CONTINUED)
CONTINUED: 59.

(Pausa)
CATHERINE
Claire, além dos "apartamentos muito agrádaveis" que
você "sondou" pra mim em Nova York, por algum acaso
você teria devotado um pouco da sua considerável
energia para sondar um outro tipo de -
CLAIRE
Não.

CATHERINE
- moradia especial pra sua irmãzinha doida?
CLAIRE
Não! Absolutamente não. Não é esse o motivo disso
tudo.
CATHERINE
Não mente pra mim, Claire. Eu sou mais esperta que
você.
(Pausa)

CLAIRE
As instituições... que eu investiguei -
CATHERINE
Meu Deus.
CLAIRE
- caso você quisesse, eu só to falando que, os
médicos e as pessoas em Nova York são as melhores, e
eles -

CATHERINE
Vai se fuder.
CLAIRE
Seria completamente sua decisão. Você não iria ficar
presa em nenhum lugar, você poderia -
CATHERINE
Eu te odeio.
CLAIRE
Não grita. Por favor. Calma.
CATHERINE
Eu te odeio. Eu -
HAL entra, segurando um caderno. CLAIRE e
CATHERINE param subitamente. Pausa.
CLAIRE
O que você está fazendo aqui?
(CLAIRE olha para CATHERINE)

(CONTINUED)
CONTINUED: 60.

HAL
A quanto tempo você sabe disso?
CATHERINE
Algum tempo.
HAL
Por que você não me falou?
CATHERINE
Não tinha certeza se eu queria falar.
(Pausa)
HAL
Obrigado.

CATHERINE
De nada.
CLAIRE
Que que tá acontecendo?

HAL
Catherine, obrigado.
CATHERINE
Achei que você ia gostar de ver.

CLAIRE
O que é?
HAL
É incrível.

CLAIRE
O que é?
HAL
Ah, hm, é um resultado. Uma prova. Quer dizer, parece
uma prova. Quer dizer, é uma prova, uma prova bem
extensa. Eu não cheguei a ler tudo, claro, ou
verificar, eu nem sei se eu ia ser capaz de
verificar, mas se for a prova do que eu acho que essa
prova é, então é uma prova... muito... importante.

CLAIRE
O que que ela prova?
HAL
Parece que ela prova um teorema... um teorema
matemático sobre números primos, algo que os
matemáticos vem tentando provar desde... desde que
haviam matemáticos, basicamente. A maioria das
pessoas achou que nem fosse possível.

(CONTINUED)
CONTINUED: 61.

CLAIRE
Onde você encontrou isso?
HAL
Na escrivaninha do seu pai. A Cathy me falou sobre.
CLAIRE
Você sabe o que é isso?
CATHERINE
Claro.
CLAIRE
É bom?
CATHERINE
É.
HAL
É histórica. Se for confirmada.
CLAIRE
O que que ela diz?
HAL
Eu não sei ainda. Eu só li as primeiras páginas.

CLAIRE
Mas o que que ela significa?
HAL
Significa que no tempo que todo mundo achou que seu
pai tava louco... ou inválido... ele tava fazendo uma
das descobertas matemáticas mais importantes do
mundo. Se isso aqui se confirmar, significa que você
publicaria imediatamente. Significa que jornais do
mundo inteiro vão querer falar com a pessoa que achou
esse caderno.

CLAIRE
Cathy.
HAL
Cathy.

CATHERINE
Eu não achei.
HAL
Achou. Foi você.

CATHERINE
Não.
CLAIRE
Bom, foi você quem achou ou foi o Hal?

(CONTINUED)
CONTINUED: 62.

HAL
Eu não achei.
CATHERINE
Eu não achei.
Eu escrevi.
Cortina.
63.

ATO 2
Cena 1

ROBERT está sozinho na varanda. Está sentado em


silêncio, saboreando uma bebida, em uma
silenciosa tarde de setembro. Um caderno por
perto, fechado. Ele fecha os olhos,
aparentemente coxilando. Estamos quatro anos
antes dos eventos do Ato 1. CATHERINE entra em
silêncio. Ela permanece por trás de seu pai por
um momento.
ROBERT
Olá.

CATHERINE
Como você soube que eu tava aqui?
ROBERT
Eu ouvi você.

CATHERINE
Achei que você tava dormindo.
ROBERT
Numa tarde como essa? Não.

CATHERINE
Você precisa de alguma coisa?
ROBERT
Não.

CATHERINE
Eu to indo no mercado.
ROBERT
O que tem pra janta?

CATHERINE
O que você quer?
ROBERT
Spaghetti não.

CATHERINE
Tá bom.
ROBERT
Troço enjoado.

CATHERINE
Era o que eu ia fazer.

(CONTINUED)
CONTINUED: 64.

ROBERT
Tive essa impressão. Que bom que eu falei. Você faz
demais.

CATHERINE
O que você quer?
ROBERT
O que você tá com vontade?

CATHERINE
Nada.
ROBERT
Nada mesmo?

CATHERINE
Não ligo. Achei que macarrão podia ser mais fácil.
ROBERT
Macarrão, Deus do céu, nem fala essa palavra,
"macarrão". Soa tão desesperançoso, como se render.
"Macarrão seria mais fácil" Sim, sim, seria.
CATHERINE
Pai, que que cê quer comer?

ROBERT
Não sei.
CATHERINE
Bom então eu não sei o que trazer.

ROBERT
Eu compro.
CATHERINE
Não.

ROBERT
Pode deixar.
CATHERINE
Não, Pai, descansa.

ROBERT
Eu quero dar uma caminhada de todo jeito.
CATHERINE
Tem certeza?

ROBERT
Sim. Que tal um passeio no lago? Eu e você.
CATHERINE
Tudo bem.

(CONTINUED)
CONTINUED: 65.

ROBERT
Eu ia gostar de ir até o lago. Depois no caminho de
casa a gente passa no mercado. Vê o que salta aos
nossos olhos.

CATHERINE
Tá fazendo calor. Vai fazer bem, se você estiver
disposto.
ROBERT
Eu to mais que disposto. Vai abrir nosso apetite. Me
dá só dez segundos, deixa eu colocar essas coisas
aqui pro lado e a gente sai.
CATHERINE
Eu to indo pra faculdade.
(Pausa)
ROBERT
Quando?
CATHERINE
Eu vou começar na Northwestern no fim do mês.
ROBERT
Northwestern?
CATHERINE
Eles foram ótimos sobre meus créditos. Estão me
recebendo como secundárista. Não sabia direito quando
te contar isso.
ROBERT
Northwestern?

CATHERINE
Sim.
ROBERT
Que que há de errado com Chicago?

CATHERINE
Você ainda é professor aqui. Desculpa, mas é estranho
demais, assistir aula no seu departamento.

ROBERT
É uma longa estrada.
CATHERINE
Nem tanto, meia hora.

ROBERT
De todo jeito, duas vezes por dia...
CATHERINE
Pai, eu moraria lá.
(Pausa)

(CONTINUED)
CONTINUED: 66.

ROBERT
Você quer mesmo que eu vá morar em Evanston?
CATHERINE
Sim. Eu ainda vou estar perto. Eu posso vir pra casa
sempre que você quiser.
Você tem estado bem - muito bem - por quase sete
meses.
Eu não acho que você precisa de mim aqui a cada
minuto do dia.
(Pausa)
ROBERT
Isso tudo já está decidido?
CATHERINE
Sim.
ROBERT
Tem certeza.
CATHERINE
Sim.
ROBERT
Quem vai pagar?

CATHERINE
Eles estão me deixando entrar de graça pai. Eles tem
sido ótimos.
ROBERT
Na mensalidade claro. Mas e comida, livros, roupas,
gás, jantar fora - você planeja ter uma vida social?
CATHERINE
Não sei.
ROBERT
Você tem que pagar sua parte da conta nos encontros,
pelo menos nos primeiros encontros, digamos os três
primeiros, se não eles vão esperar algo em troca.
CATHERINE
O dinheiro vai dar. A Claire vai me ajudar.

ROBERT
Quando você falou com a Claire?
CATHERINE
Não sei, algumas semanas atrás.

ROBERT
Você falou com ela antes de falar comigo?

(CONTINUED)
CONTINUED: 67.

CATHERINE
Tinha muitos detalhes pra resolver. Ela foi ótima, se
ofereceu pra pagar as despesas.

ROBERT
Isso é uma mudança grande. Uma outra cidade -
CATHERINE
Não é nem uma chamada interurbana.

ROBERT
É um lugar enorme. Eles são sérios por lá. Quero
dizer sérios. Sim, o time de futebol é um desastre,
mas os garotos da matemática não perdem tempo. Você
não tem estudado. Tem certeza que tá pronta? Eles
podem te atropelar por lá.

CATHERINE
Eu vou ficar bem.
ROBERT
Você está bastante pra trás.

CATHERINE
Eu sei.
ROBERT
Um ano, no mínimo.
CATHERINE
Brigada, eu sei. Olha, eu não sei se isso é uma boa
ideia. Eu não sei se eu vou dar conta do recado. Eu
não sei se vou dar conta de nada.

ROBERT
Cacete Catherine, você devia ter falado comigo.
CATHERINE
Pai. Escuta. Se você... se por qualquer motivo
acontecer de você precisar de mim aqui de volta o
tempo todo -
ROBERT
Não vou. Não é esse o -

CATHERINE
Eu sempre posso trancar um semestre. ou -
ROBERT
Não. Para. Eu só - no fim do mês? Por que você não me
falou nada antes?

CATHERINE
Poxa Pai. Levou um tempo pra ajeitar tudo, e até
recentemente, até muito recentemente, você não estava
-

(CONTINUED)
CONTINUED: 68.

ROBERT
Você mesma acabou de falar que eu tenho estado bem.
CATHERINE
É, mas eu não sabia - eu tinha esperança, mas eu não
sabia, ninguém sabia se ia durar. Eu disse pra mim
mesma pra esperar até que tivesse certeza. Que você
tá se sentindo bem de novo. Consistentemente bem.
ROBERT
Então eu devo tomar essa conversa como um voto de
confiança? Estou honrado.
CATHERINE
Toma como você quiser. Eu acredito que você vai
melhorar.

ROBERT
Bom muito obrigado.
CATHERINE
Não por isso. Eu tinha que acreditar. Eu tava morando
com você.
ROBERT
Tudo bem, chega, Catherine. Não vamos mudar de
assunto.

CATHERINE
Esse é o assunto! Tinha livros de biblioteca no andar
de cima empilhados até o teto, lembra disso? Você
tava tentando decodificar mensagens -

ROBERT
A porra dos livros já foram. Devolvi eles eu mesmo.
Pra que lembrar de uma merda dessas?
Batidas na porta em off. Pausa. CATHERINE entra
em casa para atender. Ela retorna com HAL. Ele
carrega um envelope. Ele está nervoso.
ROBERT
Senhor Dobbs.
HAL
Oi. Espero que não seja uma hora ruim.
ROBERT
É sim, na verdade, você não poderia ter escolhido uma
hora pior.

HAL
Ah, eu uh -
ROBERT
Você interrompeu uma discussão.

(CONTINUED)
CONTINUED: 69.

HAL
Me desculpa. Eu posso voltar mais tarde.
ROBERT
Tudo bem. Nós precisamos de uma pausa.
HAL
Tem certeza?
ROBERT
Sim. A discussão era sobre o jantar. Nós não sabemos
o que comer. O que você sugere?
(Pausa)
HAL
Hm, tem um macarrão ótimo não muito longe daqui.

ROBERT
Não!
CATHERINE
(simultâneo a ROBERT)
Brilhante ideia.
ROBERT
Deus do céu, não.

CATHERINE
(simultâneo a ROBERT)
Qual o nome? Me passa o endereço.
ROBERT
Não! Desculpa. Resposta errada, mas obrigado por
tentar.
HAL fica ali parado, olhando para ambos.
HAL
Eu posso voltar mais tarde.

ROBERT
Fica.
(Para CATHERINE)
Onde você vai?

CATHERINE
Lá dentro.
ROBERT
E o jantar?

CATHERINE
E ele?
ROBERT
O que te trouxe aqui, Dobbs?

(CONTINUED)
CONTINUED: 70.

HAL
Meu timing foi terrível. Me desculpa.
ROBERT
Não, não, que isso.
HAL
Eu vou até seu escritório.
ROBERT
Para. Senta ai. Bom que você veio. Não deixa o
negócio do jantar afetar você. Você vai se recuperar.
(Para CATHERINE)
Assim vai ser mais fácil. Vamos nos afastar um pouco
do problema, deixar respirar, e atacar de novo quando
ele não está olhando.

CATHERINE
Tudo bem.
(Saindo)
Com licença.

ROBERT
Desculpe, grosseria minha. Hal, essa é minha filha
Catherine.
(Para CATHERINE)
Fica. Toma uma bebida com a gente. Catherine, Harold
Dobbs.
CATHERINE
Olá.
HAL
Oi.
ROBERT
Hal é um aluno da graduação. Está fazendo seu
doutorado, coisas bem promissoras. Infelizmente para
ele, o trabalho coincidiu com meu retorno pro
departamento e ele acabou preso comigo.
HAL
Não, não, tem sido uma - eu tive muita sorte.
CATHERINE
Faz quanto tempo que você tá na Universidade de
Chicago?*
HAL
Bom eu to trabalhando na minha tese há -

ROBERT
Hal está no programa "Infinito". Conforme ele se
aproxima do término da dissertação, o tempo se
aproxima do infinito. Aceita algo pra beber, Hal?

(CONTINUED)
CONTINUED: 71.

HAL
Aceito sim. E ahn, com todo respeito...
HAL entrega a ROBERT seu envelope.

ROBERT
Sério?
(Abre e olha dentro)
Você deve ter tido alguns meses interessantes
ultimamente.

HAL
(Brincando)
Pior verão da minha vida.
ROBERT
Parabéns.
HAL
É só um rascunho. Baseado em tudo que a gente
conversou na primavera.
(ROBERT serve uma bebida. HAL
balbucia)
Eu não tinha certeza se devia esperar até que o
trimestre começasse, ou se eu devia te entregar
agora, ou segurar, fazer outro rascunho, mas ai eu
disse dane-se, quer dizer, eu, eu só... achei melhor
acabar de vez com isso, então decidi passar aqui e
ver se você tava, e -
ROBERT
Bebe isso aqui.

HAL
Obrigado.
(Ele bebe)
Eu decidi, sei lá, me pareceu pronto, talvez esteja.
ROBERT
Errado, se parece pronto, tem grandes erros.
HAL
Ahn, eu -
ROBERT
Tudo bem, não tem problema, nós os acharemos e os
resolveremos. Fica tranquilo. Você tá no caminho para
uma carreira sólida, vai estar dando aula pra versões
mais jovens e mais irritantes de si mesmo logo logo.
HAL
Obrigado.
ROBERT
Catherine está no departamento de matemática da
Northwestern, Hal.

(CONTINUED)
CONTINUED: 72.

CATHERINE levanta a cabeça, surpresa.


HAL
Ah, tá trabalhando com quem?

CATHERINE
Eu ainda vou começar esse outono. Na graduação.
ROBERT
Ela começa em... três semanas?

CATHERINE
Um pouco mais.
(Pausa)
ROBERT
Eles tem algumas pessoas boas em Northwestern.
O’Donohue. Kaminsky.
CATHERINE
Sim.

ROBERT
Eles vão tirar seu couro fora.
CATHERINE
Eu sei.

ROBERT
Vai ter que correr bastante para alcançar.
CATHERINE
Eu acho que eu consigo.

ROBERT
Claro que consegue.
(Pausa)
HAL
Você deve estar contente.
CATHERINE
Estou.
HAL
Primeiro ano na faculdade pode ser ótimo.
CATHERINE
É?
HAL
Claro, pessoas novas, lugares novos, sair de casa.
CATHERINE
(Constrangida)
Sim.

(CONTINUED)
CONTINUED: 73.

HAL
(Constrangido)
Ou, não, eu -

ROBERT
Lógico, ir logo embora daqui, graças a Deus, já era
hora. Vou ficar feliz de me livrar dela.
CATHERINE
Você vai?

ROBERT
Claro. Talvez eu queira o lugar só pra mim por um
tempo, já pensou nisso?
(Para HAL)
É horrível o jeito que as crianças sentimentalizam os
pais.
(Para CATHERINE)
Ia fazer bem um tempo sossegado por aqui.
CATHERINE
Ah não se preocupa, eu vou voltar. Eu vou estar aqui
todo domingo cozinhando uma panela enorme de macarrão
pra durar a semana toda.
ROBERT
E eu vou dirigir, chegar em Evanston e te envergonhar
na frente dos seus colegas.
CATHERINE
Que bom. Então a gente vai se encontrar bastante.
ROBERT
Claro. E se alguma vez você ficar emperrada em um
problema, telefona pra mim.
CATHERINE
Tá bom, o mesmo pra você.

ROBERT
Ótimo. Certifique-se de me passar seu número.
(Para HAL)
Na verdade eu estou ansioso pra voltar ao trabalho.
HAL
Ah, no que você está trabalhando?
ROBERT
Em nada.
(Pausa)
No momento em nada.
O que me deixa feliz na verdade. Essa é uma época do
ano em que você não quer ficar preso a nada. Você
quer estar lá fora. Eu amo Chicago em setembro. Céu
perfeito. Veleiros na água. O Chicago Cubs perdendo.
Calor, o sol continua quente... com uma eventual
brisa do Ártico pra deixar a gente esperto, lembrar
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 74.

ROBERT (cont’d)
do inverno. Estudantes voltando, livrarias cheias,
todo mundo ocupado.
Eu tive ontem numa livraria. Completamente cheia,
estudantes comprando livros... Buscando alguma
coisa... Estudantes buscam pra cacete, não é verdade?
Só buscando. Você vê eles espalhados com as mochilas,
vagando por ai, tomando espaço. Chamaria de vadiagem
exceto que de vez em quando eles pegam um livro e
folheam as páginas: "buscando." Eu admiro isso. É um
jeito honesto de se passar uma tarde. Nos fundos de
um sebo, ou com uma caixa de vinis velhos de alguém -
sem procurar especificamente por nada, só olhando,
que diabo, tocar nas capas antigas de livros, vendo o
que alguém um dia jogou fora, vendo o que
sublinharam...
Pode ser que você ache algo incrível, como um velho
suspense com uma capa pintada nos anos quarenta, ou
uma cartilha que um dos seus professores usou quando
era aluno - o nome escrito com muito cuidado... Sim,
eu gosto. Gosto de observar os estudantes. Imaginando
o que vão comprar, o que vão ler. Que tipo de ideias
eles vão ter quando se estabilizarem e começarem o
trabalho...
Não tenho feito muito ultimamente. Fica realmente
mais difícil. Um esteriótipo que por acaso é verdade,
infelizmente para mim - infelizmente para você,
infelizmente para todos nós.
CATHERINE
Vai ver você esbarra na sorte.
ROBERT
Vai ver que sim. Vai ver você assume de onde eu
parei.
CATHERINE
Espera sentado.

ROBERT
Não se subestime.
CATHERINE
Enfim.
(Pausa)
ROBERT
Outro drink? Cathy? Hal?
CATHERINE
Não, obrigada.
HAL
Obrigado, eu realmente devia ir.

(CONTINUED)
CONTINUED: 75.

ROBERT
Tem certeza?
HAL
Sim.
ROBERT
Te ligo quando tiver olhado isso aqui. Até lá esquece
isso. Vai se divertir, assistir uns filmes.

HAL
Tá bom.
ROBERT
Você pode passar no meu escritório em uma semana. Dia
-

HAL
Onze?
ROBERT
Sim, nós vamos...
(Pausa. Ele se vira para CATHERINE.
Grave)
Me desculpa. Eu costumava ter uma ótima memória pra
números. Feliz aniversário.

CATHERINE
Obrigada.
ROBERT
Realmente me desculpa. Estou envergonhado.

CATHERINE
Pai, larga de ser besta.
ROBERT
Não te comprei nada.

CATHERINE
Não se preocupa.
ROBERT
Vou te levar pra sair.

CATHERINE
Não precisa.
ROBERT
Vamos sair. Eu não queria fazer compras nem cozinhar.
Vamos sair pra jantar. Ir bem longe dessa vizinhança.
O que você quer comer? Vamos pra Zona Norte. Ou
Chinatown. Ou Greektown. Não sei mais que que é bom.
CATHERINE
O que você quiser.

(CONTINUED)
CONTINUED: 76.

ROBERT
O que você quiser cacete, Catherine, é seu
aniversário.
(Pausa)

CATHERINE
Bife.
ROBERT
Bife então.

CATHERINE
Não, cerveja antes, cerveja gelada. Uma cerveja bem
barata mesmo.
ROBERT
Feito.
CATHERINE
Aquela cerveja de Chicago que é aguada e sem sabor e
da pra beber barris dela.

ROBERT
Eles só pegam a água do Lago Michigan e engarrafam.
CATHERINE
É horrorosa.

ROBERT
Eu até que gosto.
CATHERINE
Aí o bife, grelhado bem passado, e batatas com creme
de espinafre.
ROBERT
Me lembro de um lugar. Se ainda existe vai dá pro
gasto.

CATHERINE
E sobremesa.
ROBERT
Isso nem precisa dizer. É seu aniversário, ora bolas.
E aí está a solução para o nosso dilema do jantar.
Obrigado por me lembrar, Harold Dobbs.
CATHERINE
(Para Hal)
A gente tá sendo mau educado. Você quer vir?

HAL
Ah, não, eu não devia.
ROBERT
Por que não? Vem sim, por favor.

(CONTINUED)
CONTINUED: 77.

CATHERINE
Vem.
(Um breve momento entre HAL e
CATHERINE. HAL titubeia, então)

HAL
Não, não posso. To ocupado. De todo jeito obrigado.
Feliz aniversário.
CATHERINE
Brigada. Bom. Vou te levar na porta.
ROBERT
Te vejo no dia onze, Hal.
HAL
Ótimo.
HAL e CATHERINE saem. Um momento. Está mais
escuro. ROBERT olha para o fim de tarde.
Eventualmente ele pega seu caderno e uma caneta.
Ele se senta. Abre uma página em branco.
Escreve.
ROBERT
"Quatro de setembro. Um dia bom..."

Continua a escrever.
fade.
CENA 2
De manhã. Um instante depois do fim do ATO 1:
CATHERINE, CLAIRE e HAL.
HAL
Você escreveu isso?
CATHERINE
Sim.
CLAIRE
Quando?
CATHERINE
Comecei quando eu sai da faculdade. Terminei alguns
meses antes do Pai morrer.
CLAIRE
Ele viu?

CATHERINE
Não. Ele não sabia que eu tava trabalhando nisso. E
de todo jeito não teria feito diferença. Ele tava
doente demais.

(CONTINUED)
CONTINUED: 78.

HAL
Eu não entendi - você fez isso sozinha?
CATHERINE
Sim.
CLAIRE
Tá no caderno do Pai.
CATHERINE
Eu usei um dos cadernos vazios. Tinha umonte deles lá
em cima.
(Pausa)
CLAIRE
(Para Hal)
Me conta exatamente onde você encontrou isso.
HAL
No escritório dele.
CATHERINE
Na escrivaninha. Eu dei pra ele a -
CLAIRE
(Para Catherine)
Calma.
(Para Hal)
Onde você encontrou?
HAL
Na gaveta de baixo da escrivaninha no escritório
dele. Uma gaveta trancada. Catherine me deu a chave.

CLAIRE
Por que a gaveta estava trancada?
CATHERINE
É minha, é a gaveta que eu guardo minhas coisas
pessoais. Eu uso a anos.
CLAIRE
(Para Hal)
Havia algo mais na gaveta?

HAL
Não.
CATHERINE
Não, isso é a única -

CLAIRE
Posso ver?
(HAL entrega o caderno a CLAIRE. Ela
folheia. Pausa)
Desculpa. Eu só...
(Para CATHERINE)
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 79.

CLAIRE (cont’d)
O livro estava na... Você disse para ele onde
achar... Você deu a ele a chave... Você escreveu essa
coisa extraordinária e não contou pra ninguém?

CATHERINE
Eu to contando pra vocês dois agora. Depois que eu
larguei a faculdade eu não tinha nada pra fazer. Eu
tava deprimida, bastante deprimida, mas aí chegou um
ponto que eu decidi, foda-se, não preciso deles. É só
matemática, eu posso fazer sozinha. Então eu
continuei trabalhando aqui. Trabalhei a noite, depois
que o Pai tinha ido dormir. Foi difícil mas eu fiz.
(Pausa)
CLAIRE
Catherine, desculpa mas eu só acho isso muito difícil
de acreditar.
CATHERINE
Claire. Eu escrevi. A prova.

CLAIRE
Desculpa, eu -
CATHERINE
Claire...

CLAIRE
Isso é a caligrafia do Pai.
CATHERINE
Não é.

CLAIRE
Parece exatamente igual.
CATHERINE
É minha letra.

CLAIRE
Desculpa, -
CATHERINE
Pergunta pro Hal, ele tá olhando a letra do Pai faz
semanas.
(CLAIRE entrega o caderno para HAL.
Ele olha. Pausa)
HAL
Eu não sei.

CATHERINE
Hal, qual é.

(CONTINUED)
CONTINUED: 80.

CLAIRE
Parece a caligrafia de quem?
HAL
Parece... eu não sei como é a letra da Catherine.
CATHERINE
É assim.
HAL
Tá bom. É... Ok.
(Pausa. Ele devolve o caderno)
CLAIRE
Eu acho - sabe o quê? Eu acho que tá muito cedo, e as
pessoas estão cansadas e não estão no melhor estado
pra tomar decisões sobre assuntos sensíveis, então
talvez fosse melhor se todo mundo respirasse um
pouco...
CATHERINE
Você não acredita em mim?

CLAIRE
Eu não sei. Eu não sei nada sobre isso.
CATHERINE
Esquece. Não sei porque eu esperei que você
acreditasse em qualquer coisa que eu digo.
CLAIRE
Você pode nos falar a prova? Isso iria mostrar que
ela é sua.

CATHERINE
Você não entenderia.
CLAIRE
Fala pro Hal.

CATHERINE
(Pegando o livro)
Nós poderiamos passar ela juntos. Pode demorar um
pouco.

CLAIRE
(Pegando o livro de volta)
Sem usar o caderno.
CATHERINE
Cacete, são quarenta páginas. Eu não memorizei. Não é
uma receita de bolo.
Isso é estupidez. É meu livro, minha letra, minha
chave, minha gaveta, minha prova. Hal, diz pra ela!

(CONTINUED)
CONTINUED: 81.

HAL
Dizer pra ela o que?
CATHERINE
De quem é o caderno.
HAL
Eu não sei.
CATHERINE
Qual o seu problema? Você olhou as outras coisas
dele, você sabe que não tem nada remotamente parecido
com isso!
HAL
Olha, Catherine -

CATHERINE
Nós passamos a prova juntos. A gente senta - se a
Claire por favor me devolver meu caderno -
CLAIRE
(Entregando o livro)
Tudo bem, passa com ele.
HAL
Isso pode levar dias e ainda assim não provaria que
ela escreveu.
CATHERINE
Por que não?
HAL
Seu pai pode ter escrito e explicado pra você depois.
Eu não to dizendo que ele fez, eu só to dizendo que
não tem nenhuma prova de que você escreveu isso.
CATHERINE
Claro que não tem, mas qual é! Ele não fez isso, ele
não poderia ter feito. Ele não fez matemática nenhuma
por anos. Até no ano bom ele não conseguia trabalhar:
você sabe disso. Você supostamente é um cientista.
(Pausa)
HAL
Você tá certa. Tá bom. Eu tenho uma sugestão. Eu
conheço uns quatro caras no departamento, bem
espertos, pessoas sem envolvimento que conheciam seu
pai, conheciam o trabalho dele. Deixa eu levar isso
pra eles.

CATHERINE
Quê?
HAL
Eu digo que nós encontramos algo, algo potencialmente
gigantesco, que não temos certeza sobre a autoria; Eu
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 82.

HAL (cont’d)
vou sentar com eles. Nós vamos passar a prova com
cuidado -

CLAIRE
Ótimo.
HAL
- E descobrir exatamente o que a gente tem. Pode
demorar alguns dias, provavelmente, e aí nós vamos
ter muito mais informação.
CLAIRE
Eu acho uma sugestão excelente.
CATHERINE
Você não pode.
CLAIRE
Catherine.

CATHERINE
Não! Você não pode pegar a prova.
HAL
Eu não to "pegando".

CATHERINE
É isso que você queria.
HAL
Ah, qual é. Nossa.

CATHERINE
Você não perde tempo, né? Sem hesitação. Mal pode
esperar pra mostrar pra eles sua brilhante
descoberta.
HAL
Eu to tentando determinar o que isso é.
CATHERINE
Eu to te dizendo o que isso é.
HAL
Você não sabe!
CATHERINE
Eu escrevi.

HAL
É a letra do seu pai.
(Pausa. Sentido)
Pelo menos parece muito com a escrita dele nos outros
cadernos. Talvez a sua letra pareça com a dele, eu
não sei.

(CONTINUED)
CONTINUED: 83.

CATHERINE
(Suave)
Parece sim com a dele.
Eu não mostrei isso pra mais ninguém. Poderia ter
mostrado. Eu quis que você fosse o primeiro a ler. Eu
não sabia disso até ontem a noite. Sou eu. Eu confiei
em você.
HAL
Eu sei.

CATHERINE
Eu tava errada?
HAL
Não. Eu -

CATHERINE
Eu devia saber que ela não ia acreditar em mim, mas
você?
HAL
Esse é um dos cadernos dele. Exatamente o mesmo tipo
que ele usa.
CATHERINE
Eu falei pra você. Eu usei um dos cadernos em branco.
Tinha alguns cadernos extras.
HAL
Não tinha nenhum caderno extra no escritório.
CATHERINE
Tinha quando eu comecei a escrever a prova. Eu que
comprei pra ele. Ele deve ter usado o resto depois.
HAL
E a letra.

CATHERINE
Quer testar a caligrafia?
HAL
Não. não importa. Ele pode ter ditado pra você
caramba. Ainda não faz sentido.

CATHERINE
Por que não?
HAL
Eu sou matemático.

CATHERINE
Sim.

(CONTINUED)
CONTINUED: 84.

HAL
Eu sei o quão dificil seria criar algo assim. Quer
dizer, é impossível. Você teria que ser... você teria
que ser seu pai, basicamente. Seu pai no auge da
capacidade.
CATHERINE
Eu sou matemática também.
HAL
Não como sei pai.
CATHERINE
Ah, ele é o único que poderia ter feito isso?
HAL
O único que eu conheço.
CATHERINE
Tem certeza?
HAL
Seu pai era a pessoa mais -
CATHERINE
Só porque você e o resto dos nerds idolatram ele não
significa que ele escreveu essa prova, Hal!

HAL
Ele era o melhor. Minha geração não produziu nada
como ele. Desculpa Catherine, mas você teve algumas
aulas em Northwestern por uns meses.

CATHERINE
Minha educação não foi em Northwestern. Foi morando
nessa casa por vinte e cinco anos.
HAL
Ainda assim, não importa. Isso é avançado demais. Eu
mesmo não entendo a maior a parte.
CATHERINE
Você pensa que é avançado demais.
HAL
Sim.
CATHERINE
É avançado demais pra você.
HAL
Você não poderia ter feito esse trabalho.
CATHERINE
Mas e se eu fiz?

(CONTINUED)
CONTINUED: 85.

HAL
Bom, e se?
CATHERINE
Seria um grande desastre pra você, não seria?
E pra os outros nerds que mal terminaram o Ph.D, que
estão perdendo tempo fazendo pesquisas idiotas, se
gabando sobre conferências que eles vão - wow -
tocando numa banda horrorosa, e reclamando como eles
estão intelectualmente obsoletos aos vinto e oito,
porque eles estão.
Hal hesita. ai abruptamente sai.
CLAIRE
Katie. Vamos entrar. Katie?

CATHERINE abre o caderno, tentar rasgar as


páginas, destruí-las. CLAIRE vai tirar o livro
dela. Lutam por ele. CATHERINE o puxa pra longe.
Ambas estão em pé, distantes, ofegando. Após um
momento, CATHERINE joga o livro no chão. Ela
sai.
Fade.
Cena 3

No dia seguinte. A varanda está vazia. Batidas


na porta. Ninguém aparece. Depois de um momento
HAL da a volta pelo lado da varanda e bate na
porta dos fundos.
HAL
Catherine?
CLAIRE entra.
HAL
Achei que você tivesse ido embora.

CLAIRE
Tive que adiar meu vôo.
(Pausa)

HAL
Catherine taí?
CLAIRE
Eu não acho que esse seja um bom momento, Hal.

HAL
Posso ver ela?
CLAIRE
Não agora.

(CONTINUED)
CONTINUED: 86.

HAL
Qual o problema?
CLAIRE
Ela tá dormindo.
HAL
Posso esperar aqui até ela levantar.
CLAIRE
Ela tá dormindo desde de ontem. Ela não levanta. Ela
não come, não fala comigo. Não pude ir pra casa. Vou
esperar até que ela esteja bem pra viajar.
HAL
Nossa, sinto muito.

CLAIRE
Sim.
HAL
Eu gostaria de falar com ela.

CLAIRE
Não acho que isso seja uma boa ideia.
HAL
Ela falou alguma coisa?
CLAIRE
Sobre você? Não.
HAL
Ontem... Eu sei que eu não fiz o que ela queria.
CLAIRE
Nenhum de nós fez.
HAL
Não sei o que dizer. To me sentindo horrível.
CLAIRE
Por que você dormiu com ela?
(Pausa)

HAL
Desculpa, isso não é da sua conta.
CLAIRE
Aqui que não é. Eu tenho que cuidar da Catherine. E é
um pouquinho mais difícil com você sacaneando ela.

HAL
Eu não sacaniei ela. Aconteceu.

(CONTINUED)
CONTINUED: 87.

CLAIRE
Seu timing não foi lá muito bom.
HAL
Não foi meu timing. Nós dois que -

CLAIRE
Por que você fez isso? Você sabe como ela é. Ela é
frágil e você se aproveitou dela.
HAL
Não. Foi o que nós dois queríamos. Eu não quis
machucar ela.
CLAIRE
Mas machucou.
HAL
Gostaria de falar com a Catherine, por favor.
CLAIRE
Não pode.
HAL
Você tá levando ela embora?
CLAIRE
Sim.
HAL
Pra Nova York.
CLAIRE
Sim.

HAL
Vai simplesmente arrastar ela pra Nova York.
CLAIRE
Se for preciso.

HAL
Não acha que ela deveria ter algo a dizer sobre a
decisão de ir ou não.
CLAIRE
Se ela não vai falar, o que mais que eu posso fazer.

HAL
Deixa eu tentar, deixa eu falar com ela.
CLAIRE
Hal, desiste. Isso não tem nada a ver com você.

HAL
Eu conheço ela. Ela mais forte que você pensa,
Claire.

(CONTINUED)
CONTINUED: 88.

CLAIRE
Quê?
HAL
Ela consegue se virar sozinha. Ela consegue lidar com
uma conversa comigo - talvez até ajude. Talvez ela
goste.
CLAIRE
Talvez ela goste? Você tá maluco? Você é o motivo
dela estar lá em cima nesse momento! Você não faz
ideia do ela precisa. Você não conhece ela! Ela é
minha irmã. Jesus, esses putos matemáticos, vocês não
pensam. Vocês não sabem o que tão fazendo. Vocês
perambulam por ai criando essas catástrofes e é gente
como eu que acaba tendo que voar lá pra limpar.
(Pausa)
Ela precisa sair de Chicago, sair dessa casa. Eu vou
te dar meu número em Nova York. Pode ligar pra ela
assim que ela estiver estabelecida. É isso, esse é o
acordo.

HAL
Ok.
(Pausa. Mas ele não se move.)
CLAIRE
Eu não quero ser indelicada mas tenho muito o que
fazer.
HAL
Tem mais uma coisa. Você não vai gostar.

CLAIRE
Claro, leva o caderno.
HAL
(pasmo)
Eu -

CLAIRE
Espera um segundo, eu pego pra você.
Ela entra e retorna com o caderno. Ela entrega-o
a HAL.

HAL
Pensei que iria ser mais difícil.
CLAIRE
Não se preocupa, eu entendo. É muito fofo da sua
parte querer ver a Catherine mas lógico que você ia
querer ver o caderno também.
HAL
(irritado)
É - Não, é minha responsabilidade - como um
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 89.

HAL (cont’d)
profissional, não posso dar as costas à necessidade
de -

CLAIRE
Relaxa, to nem aí. Leva. Que que eu ia fazer com
isso?
HAL
Tem certeza?

CLAIRE
Sim, lógico.
HAL
Você confia em mim com isso?

CLAIRE
Sim.
HAL
Você acabou de dizer que eu não sei o que to fazendo.
CLAIRE
Eu acho que você é um pouquinho idiota mas não chega
a ser desonesto. Alguém precisa descobrir o que tem
aí dentro. Eu não consigo. Devia ser feito aqui, em
Chicago: meu pai ia gostar disso. Quando você decidir
o que nós temos me diz o que a família deve fazer.
HAL
Obrigado.

CLAIRE
Não me agradece, é de longe a opção mais conveniente
disponível. Coloquei meu cartão aí dentro, me liga
quando quiser.
HAL
Tá bom.
HAL começa a sair. CLAIRE hesita, então
CLAIRE
Hal.

HAL
Sim?
CLAIRE
Você pode explicar pra mim? A prova. Eu to só
curiosa.
HAL
Levaria algum tempo. Quanto de matemática você tem?
(Pausa)

(CONTINUED)
CONTINUED: 90.

CLAIRE
Eu sou uma analista financeira. É mais fácil quando
se é rápida com números. Eu sou. Provavelmente herdei
algo como um centésimo da habilidade do meu pai. É
suficiente.
Catherine herdou mais, não sei direito quanto.
Fade
Cena 4

Inverno. Cerca de três ou quatro anos atrás.


ROBERT está na varanda. Ele usa uma blusa de
manga curta. Escreve em um caderno. Após um
momento escutamos a voz de CATHERINE fora do
palco.

CATHERINE
Pai?
(Ela entra usando um casaco parka. Ela
vê seu pai e para.)

ROBERT
Trabalhando.
CATHERINE
Tá em dezembro. Tá -1 de temperatura.

ROBERT
Eu sei.
CATHERINE olha para ele, atônita.

CATHERINE
Você não precisa de um casaco?
ROBERT
Não acha que eu consigo perceber isso por mim mesmo?
(Pausa)

CATHERINE
Não tá com frio?
ROBERT
Lógico que eu to com frio! To congelando minha bunda
aqui!
CATHERINE
Então que que você tá fazendo aqui fora?
ROBERT
Pensando! Trabalhando!
CATHERINE
Você vai congelar.

(CONTINUED)
CONTINUED: 91.

ROBERT
Tá muito quente dentro de casa. Os radiadores secam o
ar. E também tem o barulho - Não consigo me
concentrar. Se a casa não fosse tão velha a gente
teria aquecimento central, mas não temos, então tenho
que vir aqui fora pra conseguir trabalhar.
CATHERINE
Eu desligo os radiadores. Eles não vão fazer nenhum
barulho. Vem pra dentro, não é seguro aqui.

ROBERT
Eu to bem.
CATHERINE
Eu liguei algumas vezes. Você não escutou o telefone?

ROBERT
É uma distração.
CATHERINE
Eu não sabia o que tava acontecendo. Tive que dirigir
até aqui.
ROBERT
Percebi isso.

CATHERINE
Tive que matar aula.
(Ela traz um casaco para ROBERT e ele
o coloca)
Por que você não atendeu o telefone?

ROBERT
Me desculpa Catherine, mas é uma questão de
prioridades, e trabalho tem prioridade, você sabe
disso.
CATHERINE
Você tá trabalhando?
ROBERT
Puta que pariu, eu to trabalhando! Eu digo "eu" - O
maquinário. O maquinário está trabalhando. Catherine,
ele está na potência máxima, todos os cilindros
pegando fogo, eu estou pegando fogo. Por isso eu vim
aqui fora, pra esfriar. Eu não me sentia assim em
anos.
CATHERINE
Tá bricando.
ROBERT
Não!

(CONTINUED)
CONTINUED: 92.

CATHERINE
Eu não acredito.
ROBERT
Nem eu acredito! Mas é verdade. Começou mais ou menos
uma semana atrás. Eu acordei, desci as escadas, fiz
um copo de café, e antes que eu pudesse colocar um
pouco de leite foi como se alguém tivesse acendindo a
luz da minha cabeça.

CATHERINE
Sério?
ROBERT
Não só uma luz, toda a rede elétrica. Eu acendi. E é
como tempo nenhum tivesse passado desde que eu tinha
vinte e um.
CATHERINE
Tá brincando!
ROBERT
Não! Estou de volta! Estou de volta em contanto com a
fonte - a fonte, a - o que quer que a origem da minha
criatividade fosse todos aqueles anos. Estou em
contato com ela de novo. Estou sentado nela. É um
geyser e eu estou sendo atirado, voando pelo ar bem
no topo dele.
CATHERINE
Meu Deus.
ROBERT
Não estou falando de inspiração divina. Não está
baixando num tubo mágico pela minha cabeça e sobre o
papel. Dá trabalho moldar essas coisas. Não estou
dizendo que não vai ser um tremendo volume de
trabalho. Vai ser um tremendo volume de trabalho. Não
vai ser fácil. Mas a matéria bruta está toda aí. É
como se eu estivesse digirindo num engarrafamento e
agora todas as estradas se abriram pra mim e eu posso
acelerar. Eu vejo paisagens inteiras - lugares onde o
trabalho vai chegar, novas técnicas, possibilidades
revolucionárias. Eu vou fazer com que áreas inteiras
da profissão conversem entre elas. Eu - desculpe.
Estou sendo indelicado. Como foi na escola?
CATHERINE
(espantada)
Bem.

ROBERT
Você tá trabalhando duro?
CATHERINE
Claro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 93.

ROBERT
A Faculdade está te tratando direito?
CATHERINE
Sim. Pai -
ROBERT
Fez amigos?
CATHERINE
Lógico. Eu -
ROBERT
Namorando?
CATHERINE
Pai, calma.
ROBERT
Sem necessidade de detalhes se não quiser
fornece-los. Eu só to interessado.

CATHERINE
A faculdade tá ótima. Eu quero falar sobre o que você
tá fazendo.
ROBERT
Ótimo, vamos falar.
CATHERINE
Esse trabalho.
ROBERT
Sim.
CATHERINE
(Indicando os cadernos)
Tá aqui?

ROBERT
Parte dele, sim.
CATHERINE
Posso ver?

ROBERT
Está tudo ainda muito no início.
CATHERINE
Eu não ligo.

ROBERT
Nada realmente completo, pra ser honesto. Está tudo
em progresso. Acho que pode levar anos.

(CONTINUED)
CONTINUED: 94.

CATHERINE
Tudo bem. Não ligo. Me deixa ver alguma coisa.
ROBERT
Você quer mesmo?
CATHERINE
Pai, lógico!
ROBERT
Lógico, é seu ramo.
CATHERINE
Sim.
ROBERT
Você sabe o quanto isso me deixa feliz.
(Pausa)
CATHERINE
Sim.

ROBERT
Eu acho que tem suficiente aqui pra me deixar
trabalhando pro resto da vida.
Não só eu.
Eu tava começando a achar que eu tava acabado,
Catherine. Realmente acabado. Não me leva a mal, Eu
tava agradecido por de ter minha sala, ter uma vida,
mas secretamente eu tava apavorado de nunca conseguir
trabalhar de novo. Sabia disso?
CATHERINE
Eu imaginei.
ROBERT
Eu estava absolutamente apavorado pra caralho.
Depois eu lembrei de algo e parte do terror foi
embora. Eu lembrei de você.
Seus dias criativos estão só começando. Vai ter seu
diploma, fazer seu próprio trabalho. Tá só começando.
Se você não tivesse ido pra matemática teria sido ok
também. Claire se saiu bem. Eu to satisfeito com ela.
Eu to orgulhoso de você.
Não to dizendo isso pra te envergonhar. É parte do
motivo da gente ter filhos. A gente espera que eles
nos sobrevivam, conquistem o que nós não podemos.
Agora que estou de volta no jogo admito que eu tive
uma outra ideia, uma ideia melhor.

CATHERINE
Qual?
ROBERT
Eu sei que você tem seu próprio trabalho. Não quero
que você negligencie isso. Você não pode negligenciar
isso. Mas eu provavelmente poderia usar alguma ajuda.
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 95.

ROBERT (cont’d)
Trabalha comigo. Se você quiser, se você conseguir
manejar seus horários das aulas e tudo mais, eu
poderia ajudar você com isso, fazer algumas ligações,
falar com os professores...
Eu estou me precipitando.
Bom, Jesus, olha, chega de besteira. Você me pediu
pra ver alguma coisa. Vamos começar com isto. Eu
rascunhei alguma coisa. A linha geral de uma prova.
Grande resultado. Importante. Não tá pronta mas você
pode ver pra onde está indo. Vamos ver.
(Ele seleciona um caderno)
Aqui.
(Entrega para CATHERINE. Ela abre e
lê)
É só um esboço.
Após um longo momento CATHERINE fecha o caderno.
Uma pausa. Ela se senta ao lado de ROBERT.
CATHERINE
Pai. Vamo entrar em casa.
ROBERT
As lacunas talvez tornem difícil de entender. Nós
podemos passar ela juntos.

CATHERINE
Você tá gelado. Vamo entrar.
ROBERT
Talvez a gente pudesse trabalhar nisso juntos. Talvez
seja um ótimo ponto pra começar. Que tal? Que que cê
acha? Vamos passar ela juntos.
CATHERINE
Agora não, eu to gelada também. Tá realmente
congelando aqui fora. Vamo entrar.

ROBERT
Eu to te falando que tá sufocante ali dentro, cacete.
Os radiadores. Olha, lê as primeiras linhas. Assim a
gente começa: você lê, e a gente vai linha por linha,
através do argumento. Vemos se tem um jeito melhor,
um jeito mais curto. Vamos colaborar.
CATHERINE
Não. Pai. Vamo lá.
ROBERT
Eu esperei anos por isso. Isso é algo que eu quero
fazer. Vamo lá, vamos fazer algum trabalho juntos.
CATHERINE
Não dá pra fazer aqui. Tá congelando de frio. Vou
levar você pra dentro.

(CONTINUED)
CONTINUED: 96.

ROBERT
Não até que a gente fale sobre a prova.
CATHERINE
Não.
ROBERT
Cacete, Catherine, abre a merda do caderno e lê a
porra das linhas.

Pausa. CATHERINE abre o caderno. Ela lê


lentamente, sem afetação.
CATHERINE
"Deixe que X seja igual a todas as quantidades de X.
Deixe que X seja igual ao frio. É frio em dezembro.
Os meses de frio igualam novembro através de
fevereiro. Há quatro meses de frio e quatro meses de
calor, sobrando quatro meses de temperatura
indeterminada. Em fevereiro neva. Em Março o lago é
um lago de gelo. Em setembro os estudantes voltam e
as livrarias estão cheias. O número de livros se
aproxima do infinito a medida em que o número de
meses de frio se aproxima de quatro. Eu nunca vou
estar tão frio agora quanto no futuro. O futuro do
frio é infinito. O futuro do calor é o futuro do
frio. As livrarias são infinitas e portanto nunca
estão cheias exceto em setembro...
Ela para de ler e lentamente fecha o livro.
ROBERT treme incontrolavelmente. Ela coloca seu
braço ao redor dele e o ajuda a levantar.

CATHERINE
Tá tudo bem. Nós vamos entrar.
ROBERT
To com frio.

CATHERINE
Nós vamos esquentar.
ROBERT
Não vai embora. Por favor.

CATHERINE
Não vou. Vamo entrar.
Fade
Cena 5

(CONTINUED)
CONTINUED: 97.

O presente. Uma semana após os acontecimentos da


Cena 3. CLAIRE na varanda. Café em copos
descartáveis. CLAIRE pega passagens aéreas de
dentro da bolsa, checa o itinerário. Um momento.
CATHERINE entra com mochilas de viagem. CLAIRE
dá a ela um copo de café. CATHERINE bebe em
silêncio. Pausa.
CATHERINE
Bom esse café.

CLAIRE
É bom, não é?
(Pausa)
Tem um lugar onde a gente compra todo o nosso café.
Feito por eles mesmos, eles tem um velho aparelho no
porão. Dá sentir o cheiro da rua. Tem dias que dá pra
sentir o cheiro até lá de casa, no quarto andar. É
maravilhoso. "O Melhor de Manhattan", escreveram em
uma revista. Vai saber. Mas é muito bom.

CATHERINE
Parece bom.
CLAIRE
Você vai gostar.

CATHERINE
Bom.
(Pausa)
CLAIRE
Você tá bonita.

CATHERINE
Brigada, você também.
(Pausa)
CLAIRE
Tá claro hoje.
CATHERINE
Sim.
CLAIRE
É uma das coisas que eu vou sentir falta. Todo esse
espaço, a luminosidade. Dá pra sentar aqui a manhã
inteira.
CATHERINE
Não é tão quente.
CLAIRE
Você tá com frio?

(CONTINUED)
CONTINUED: 98.

CATHERINE
Não exatamente. Eu só -
CLAIRE
Esfriou um pouquinho. Me desculpa. Você quer ir pra
dentro?
CATHERINE
Eu to bem.

CLAIRE
Só achei que poderia ser bom tomar café aqui fora.
CATHERINE
Não, é sim.

CLAIRE
Além do mais a cozinha já tá toda empacotada. Se você
tiver com frio -
CATHERINE
Não to.

CLAIRE
Quer seu casaco?
CATHERINE
Tá, tudo bem.
(CLAIRE entrega para ela. Ela o
coloca)
Brigada.
CLAIRE
Tá nessa época do ano.
CATHERINE
É. Dá pra sentir chegando.
(Pausa. Ela encara para além do
quintal)

CLAIRE
Querida, não tem pressa.
CATHERINE
Eu sei.

CLAIRE
Se você quiser sair, ficar sozinha por um tempo -
CATHERINE
Não, não é nada demais.

CLAIRE
A gente ainda tem uns vinte minutos.

(CONTINUED)
CONTINUED: 99.

CATHERINE
Eu sei. Brigada, Claire.
CLAIRE
Suas coisas já estão todas prontas.
CATHERINE
Sim.
CLAIRE
Se você esquecer alguma coisa não faz muita
diferença. O pessoal da mudança manda pra gente no
dia seguinte.
(CATHERINE não se move. Pausa)
Eu sei que isso é difícil.

CATHERINE
Tá tudo bem.
CLAIRE
É a decisão certa.

CATHERINE
Eu sei...
CLAIRE
Eu quero fazer de tudo pra que seja uma transição
agradável pra você. O Mitch também.
CATHERINE
Bom.
CLAIRE
Sair que é a parte mais difícil. Chegando lá a gente
pode relaxar. Aproveitar.
CATHERINE
Eu sei.
(Pausa)

CLAIRE
Você vai amar Nova York.
CATHERINE
Mal posso esperar.

CLAIRE
Vai amar. É uma cidade muito viva.
CATHERINE
Eu sei.

CLAIRE
Não é como Chicago, ela é vibrante, sabe.

(CONTINUED)
CONTINUED: 100.

CATHERINE
Eu li sobre.
CLAIRE
Eu acho que você vai realmente se sentir em casa por
lá.
CATHERINE
Sabe pro que eu to mais animada?
CLAIRE
O que?
CATHERINE
Musicais da Broadway.
(Pausa)

CLAIRE
Mitch consegue ingressos pra qualquer um que você
queira.
CATHERINE
E o Rockefeller Center no inverno - Todo mundo
patinando!
CLAIRE
Bom, você -

CATHERINE
E também, todos aqueles museus enormes!
(Pausa)
CLAIRE
Eu sei que é difícil para você.

CATHERINE
Ficar escutando você dizer o quanto é difícil pra mim
é o que é difícil pra mim.
CLAIRE
Uma vez que você esteja lá você vai ver todas as
possibilidades que estão disponíveis.
CATHERINE
Contenção, Lítio, eletrochoque.

CLAIRE
Universidades. Só na area de Nova York tem a NYU,
Columbia -
CATHERINE
Boa vida de universitário! Futebol, viagens, pegação
atrás da quadra.
CLAIRE
Ou se não for o que você quer nós podemos te ajudar a
arrumar um emprego. Mitch tem ótimos contatos na
cidade toda.

(CONTINUED)
CONTINUED: 101.

CATHERINE
Ele conhece alguém no ramo de telesexo?
CLAIRE
Eu quero que essa transição seja o mais fácil
possível.
CATHERINE
Vai ser fácil, Claire, porra, vai ser tão fácil que
você nem vai acreditar.

CLAIRE
Obrigada.
CATHERINE
Eu vou me sentar quieta na viagem pra Nova York, e
viver quieta num apartamento bonitinho. E responder
educadamente todas as perguntas do Dr. Von Heimlich.
CLAIRE
Você pode ver qualquer médico que você queira, ou
nenhum.

CATHERINE
Eu gostaria de ver um médico chamado Dr. Von
Heimlich: acha um pra mim por favor. E eu gostaria
que ele usasse um monóculo. E eu gostaria que ele
tivesse um sofá estofado que eu possa ficar bem
confortável enquanto coloco toda a culpa em você.
(Pausa)
CLAIRE
Não vem então.

CATHERINE
Não, eu vou.
CLAIRE
Fica aqui, vê como você se sai.

CATHERINE
Eu podia.
CLAIRE
Você não consegue se cuidar sozinha por cinco dias.

CATHERINE
Porra nenhuma.
CLAIRE
Você dormiu a semana toda. Eu tive que cancelar meu
vôo. Eu perdi uma semana de trabalho - Eu estava a
isso aqui de te levar pra um hospital. Eu mal
acreditei quando você finalmente conseguiu se
levantar.

(CONTINUED)
CONTINUED: 102.

CATHERINE
Eu tava cansada!
CLAIRE
Você tava completamente fora de si, Catherine, você
não tava falando.
CATHERINE
Eu não queria falar com você.
(Pausa)

CLAIRE
Fica aqui se você me odeia tanto.
CATHERINE
E fazer o que?

CLAIRE
Você não é a gênia, vai pensar em alguma coisa.
CLAIRE está aborrecida, quase chorando. Ela
procura dentro da bolsa, tira uma passagem de
avião, joga sobre a mesa. Sai. CATHERINE está
sozinha. Ela não consegue forças pra sair da
varanda. Um momento. HAL entra - não pela casa,
pelo canto. Ele está vestido de qualquer jeito e
parece muito cansado. Está ofegante pela
corrida.

HAL
Você ainda tá aqui.
(CATHERINE fica surpresa. Nao fala
nada)
Eu vi a Claire saindo. Não tinha certeza se você -
(Ele levanta o caderno na mão)
Essa desgraça aqui... funciona.
Eu verifiquei tudo, duas vezes, com dois grupos de
caras, nerds velhos e nerds jovens. E é estranha. Eu
não sei de onde essas técnicas vem. Alguns dos
caminhos são bem difíceis de seguir. Mas nós não
conseguimos achar nada de errado com ela! Talvez até
tenha algo de errado mas nós não conseguimos achar.
Eu to sem dormir.
(Ele recupera o fôlego)
Funciona. Achei que você ia querer saber.

CATHERINE
Eu já sabia.
(Pausa)
HAL
Eu tive que fazer todo mundo jurar segredo. Eles
tavam completamente pirados. Tipo, um e-mail e
pronto, já era. Eu ameacei eles. E acho que estamos
seguros, eles são notoriamente covardes.
(Pausa)
Eu tive que ver você.

(CONTINUED)
CONTINUED: 103.

CATHERINE
Eu to indo embora.
HAL
Eu sei, espera só um minuto, por favor?
CATHERINE
O que que você quer? Você tem o caderno. Ela me disse
que você veio buscar e te deu. Pode fazer o que
quiser com ele. Publica.

HAL
Catherine.
CATHERINE
Pega a permissão da Claire e publica. Ela não liga.
Ela não sabe de nada sobre isso mesmo.
HAL
Eu não quero a permissão da Claire.
CATHERINE
Quer a minha? Publica. Vai lá. Chama uma confêrencia
de imprenssa. Mostra pro mundo o que meu pai
descobriu.
HAL
Eu não quero.
CATHERINE
Ou então que se foda meu pai, diz que foi você. Quem
liga? Consegue seu ingresso pra qualquer departamento
de matemática do país.

HAL
Eu não acho que foi seu pai que escreveu.
(Pausa)
CATHERINE
Você achava semana passava.
HAL
Isso foi semana passada. Eu passei essa semana lendo
a prova. Eu acho que eu entendo ela, mais ou menos.
Usa muitas técnicas matemáticas recentes, coisas que
só foram desenvolvidas na última década. Curvas
Elipticas. Formas modulares. Acho que eu aprendi mais
matemática essa semana do que em 4 anos de graduação.
CATHERINE
E daí?

HAL
E daí que a prova é muito... moderninha.

(CONTINUED)
CONTINUED: 104.

CATHERINE
Vai dormir Hal.
HAL
O que que seu pai tava fazendo nos últimos 10 anos?
Ele não tava bem, tava?
CATHERINE
Já terminou?

HAL
Eu não acho que ele conseguiria dominar essas
técnicas.
CATHERINE
Mas ele era um gênio.

HAL
Mas ele era doido.
CATHERINE
Tá, então ele leu sobre elas depois.

HAL
Talvez. Os livros que ele precisaria estão lá em
cima.
(Pausa)
Seu pai datava tudo. Até as coisas mais incoerentes
ele datava. Não tem datas aqui.
CATHERINE
A letra -

HAL
- Parece a do seu pai. Pais e filhos muitas vezes tem
caligrafia parecida, especialmente se eles passaram
muito tempo juntos.
(Pausa)

CATHERINE
Teoria interessante.
HAL
Eu gostei dela.

CATHERINE
Gostei também. É o que eu te disse semana passada.
HAL
Eu sei.

CATHERINE
Você estragou.
HAL
Eu -

(CONTINUED)
CONTINUED: 105.

CATHERINE
É uma pena, o resto tava indo muito bem. Todo aquele:
"Eu amava o seu pai." "Eu sempre gostei de você." "Eu
quero passar cada minuto com você..." Puta frases.
Você transou e conseguiu o caderno! Você é um gênio!
HAL
Você tá me superestimando.
(Pausa)
Eu não espero que você fique feliz comigo. Eu só
queria... Sei lá. Eu tava esperando que a gente
pudesse conversar sobre um pouco disso antes de você
ir. Puramente profissinal. Não espero nada além.
CATHERINE
Esquece.

HAL
Quer dizer, eu tenho perguntas. Ter trabalhado nisso
deve ter sido incrível. Eu adoraria ouvir você
falando sobre.

CATHERINE
Não.
HAL
Você vai ter que lidar com isso uma hora ou outra,
você sabe. Não dá pra ignorar isso, você vai ter que
publicar. Vai ter que falar pra alguém.
Pega, pelo menos. Aí eu vou embora. Aqui.
CATHERINE
Eu não quero.

HAL
Qual é, Catherine, eu to tentando resolver as coisas.
CATHERINE
Não dá. Tá bom?
Você achou que descobriu alguma coisa? Veio correndo
aqui todo contente com você mesmo porque você mudou
de ideia. Agora você tem certeza. Você é tão...
desajeitado. Você não sabe de nada. O caderno, a
matemática, as datas, a escrita, tudo isso que você
decidiu com seus amiguinhos, são só evidências. Não
termina o serviço. Não prova nada.
HAL
Tá bom, e o que provaria?

CATHERINE
Nada. Você devia ter acreditado em mim.
(Pausa)
HAL
Eu sei.
(Pausa. CATHERINE reúne suas coisas)
(MORE)
(CONTINUED)
CONTINUED: 106.

HAL (cont’d)
Então a Claire vendeu a casa?
CATHERINE
Sim.
HAL
Fica aqui em Chicago. Você é adulta.
CATHERINE
Ela me quer em Nova York. Ela quer cuidar de mim.
HAL
Você precisa que alguém cuide de você?
CATHERINE
Ela acha que sim.
HAL
Você cuidou do seu pai por cinco anos.
CATHERINE
Então talvez agora seja a minha vez.
Eu esperneio e grito, mas sei lá. Alguém tomando
conta de mim, não parece tão ruim. To cansada.
E a casa tá aos pedaços, vamo falar a verdade. Era a
casa do pai.
(Pausa)
HAL
Boa casa.
CATHERINE
Velha.
HAL
É.
CATHERINE
Venta que nem o inferno. Os invernos são difíceis.
HAL
Isso é Chicago inteiro.
CATHERINE
Ou tá congelando ou fica sufocante.
HAL
Eu não ligo muito pro frio. Deixa a gente alerta.
CATHERINE
Espera alguns anos.
HAL
Eu morei aqui minha vida toda.

(CONTINUED)
CONTINUED: 107.

CATHERINE
É?
HAL
É. Igual você.
CATHERINE
Mesmo assim. Não acho que eu devia passar outro
inverno aqui.
(Pausa)

HAL
Não tem nada de errado com você.
CATHERINE
Eu acho que eu sou como meu pai.

HAL
Eu acho também.
CATHERINE
Eu... tenho medo de ser igual meu pai.

HAL
Você não é ele.
CATHERINE
Talvez eu venha a ser.
HAL
Talvez. Talvez venha a ser melhor.
Pausa. HAL entrega a ela o caderno. Dessa vez
CATHERINE o pega. Ela senta. Olha o caderno,
passa os dedos pela capa.
CATHERINE
Eu não me senti "incrível" ou - qual palavra você
usou?

HAL
É, incrível.
CATHERINE
É, eu tava só ligando os pontos.
Algumas noites eu ligava três ou quatro. Algumas
noites eles estavam muito distantes, não fazia ideia
de como chegar no próximo, se é que tinha um próximo.
HAL
Ele realmente nunca soube?

CATHERINE
Não, eu trabalhava depois da meia noite. Ele
geralmente já tava na cama.

(CONTINUED)
CONTINUED: 108.

HAL
Toda noite?
CATHERINE
Não. Quando eu ficava travada eu via TV. As vezes se
eu não conseguia dormir ele descia pra ver comigo. A
gente conversava. Não sobre matemática, ele não
podia. Sobre o filme que a gente tava assistindo. Eu
explicava as histórias.
Ou sobre consertar o aquecedor. Decidimos que era
melhor não. A gente gostava dos radiadores mesmo que
eles estalem de madrugada, deixava o ar seco.
Ou planejavamos o café da manhã, o que a gente ia
comer de manhã.
Essas noites geralmente eram muito boas.
Eu sei... funciona... Mas tudo que eu consigo ver são
concessões, aproximações, gambiarras. É torto. As
coisas do Pai eram muito mais elegantes. Quando ele
era jovem.
(Pausa)

HAL
Passa comigo? Qualquer coisa que tiver te
incomodando. Talvez você melhore.
CATHERINE
Não sei...

HAL
Escolhe qualquer parte. Tenta? Pode ser que você
descubra algo elegante.
Um momento. HAL senta ao lado de CATHERINE.
Eventualmente ela abre o caderno, passa as
páginas devagar, achando uma seção. Ela olha
para ele.
CATHERINE
Aqui.

Ela começa a falar.


cortina.

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