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Não acredito na virgindade de Maria

José Medrado

Salvador - Bahia

Antes mesmo de você começar a vociferar contra mim, sugiro que me acompanhe nos
próximos três ou quatro artigos, onde procurarei fazer um estudo sobre a origem do
equívoco que verificaremos na associação do sexo ao pecado, na elaboração de uma
cultura de culpa, tendo a sexualidade como vilã. Onde tudo para ser limpo precisava
estar apartado do ato sexual.

Basearei minhas considerações nos extraordinários estudos da História de Voltaire


Shilling, buscando os seus apontamentos e me servindo sempre da Ciência como fato
gerador do conhecimento e da verdade, como instrumento de libertação, como, aliás, o
próprio Cristo vaticinara.

Controle um pouco o seu preconceito e me acompanhe.

Impressionados pela liberalidade sexual e vocação orgiástica da elite greco-romana,


ainda majoritariamente não-cristã, tendo como fundo de verificação as tradicionais
bacanais (culto pagão em comemoração ao deus Baco), geradoras de todo o tipo de
orgias, os apologistas cristãos daqueles primeiros tempos precisavam fazer uma grande
ruptura de valores sociais-pagãos, a fim deixar bastante claro que a propositura daquela
nova ordem moral (não religiosa – registre-se) deixasse clara uma distância em relação
aos deuses e ritos pagãos e inspirados pelos solitários "homens do deserto", eremitas e
anacoretas, tidos como sábios e acima das iniqüidades humanas. Inauguram uma
política de completo repúdio ao sexo. Esse radicalismo - enfatizado pelas epÍstolas
Paulinas - acentuou-se pela prática da abstinência carnal, transformando-se num atrativo
tão forte para novos seguidores como o martírio dos crentes nas arenas romanas.
Enquanto estes davam suas entranhas para as feras devorarem, outros abandonavam as
práticas sexuais para sempre. O martírio e a castidade eram faces diferentes da mesma
moeda: demonstrar a sua conversão e evidenciar a sua força de adesão, através do
controle absoluto da sua vontade e disciplina em se buscar “o puro”.

Havia muito simbolismo atrás disso tudo. Não só a busca da perfeição atrás do "coração
simples", mas uma nova visão do ser humano, na qual ele somente poderia se manter na
pureza com que saiu das mãos do Criador permanecendo “limpo” ou intocado.

Existia uma grande propaganda do ascetismo - uma forma peculiar de manifestar


abertamente seu protesto e desprezo pela época em que viviam, por sua excessiva
conscupsciência, sua impiedade, libertinagem e crueldade pagã. Ser asceta significava
estar acima da sujeira humana, onde tudo se escondia de maligno: Era indispensável
uma nova ordem de valores, que distinguisse o antes e o depois do Cristo. Ainda que em
nenhum momento Jesus fez qualquer menção ao sexo como “pecado”, muito pelo
contrário, deixando claro no episódio da mulher adúltera a sua compaixão para com os
que caem, desafiando, inclusive, aos que se julgavam sem pecado a atirarem a primeira
pedra.
Parte II

Propus a você no artigo anterior a me acompanhar nas digressões acerca da leitura que o
sexo passou a ter depois da partida de Jesus, apoiando-me na História por Schilling.

Vimos que o principal motivo para se criar uma moral diferente era o de se estabelecer
uma forte ruptura com os padrões sociais pagãos tão em voga na maioria não cristã.

Busca-se o ascetismo.

O domínio da sexualidade é comparável ao enfrentamento com as feras nas arenas


romanas.

Surge, neste momento, no entanto, um grande problema: como enfrentariam os


pregadores da nova fé a necessidade de manter um dos princípios básicos do
cristianismo aceitos na forma do "crescei e multiplicai-vos" sem considerar a atração ou
o prazer sexual?

Passam-se cerca de quatro séculos, onde a pregação era mantida, de louvação à pureza
do corpo, como reflexo da alvinescença da alma. Todavia as discussões prosseguiam,
sempre.

Tentando resolver esse conflito S. Agostinho, bispo de Hipona, no norte da África,


terminou por gerar sua doutrina sobre o casamento, o sexo e a privação carnal. Donde
viria, indagava ele, essa miséria que nos cerca, essa corrupção, essas heresias e a crassa
maldade? Existia na sociedade, concluiu ele, uma mancha inapagável motivada pelo
pecado original, advindo do impulso sexual, que atormentava o homem até a morte.
Essa era a maldição que acompanhava Adão e Eva e seus descendentes desde a queda
do Paraíso.

Santo Agostinho afirmava que deveríamos tentar voltar à situação paradisíaca, onde não
havia tensão entre o impulso e o ato sexual. Foi a partir da danação dos nossos pais
primevos que essa desgraça começou. Aqui me permito pontuar que a Doutrina Espírita
não concebe Adão e Eva como os primeiros seres humanos, mas como uma raça que
veio para este Planeta Terra, pois não estava conseguindo acompanhar a evolução do
seu próprio mundo.

Se após Caim ter matado Abel, só ficaram Adão, Eva e Caim, que mulher é aquela com
quem teve um filho e que população é aquela para quem fundou uma cidade, já que a
Bíblia diz que o primeiro casal foi Adão e Eva, e não há relato de mais outras pessoas
nessa época? (Gênesis 4-5)

Voltemos a Santo Agostinho, parecia-lhe que o casamento, a relação sexual e o Paraíso


eram incompatíveis. Desse modo, a sexualidade permanecia como o indicador da queda
do homem, do seu triste declínio da anterior situação angelical, fazendo com que
deslizasse para baixo, para a natureza física, e desta para a sepultura. Está certo que os
casais deveriam se preocupar em gestar filhos, mas que o fizessem conscientes de que
estavam cometendo um ato de rebaixamento. Era algo necessário, porém degradante,
que deveria ser praticado sob os acordes de uma intensa melancolia.
Santo Agostinho é considerado um dos maiores teólogos da Igreja Católica, logo os
seus princípios e fundamentações estão ecoando até hoje, influenciando os menos
avisados a uma postura meramente passiva, na absorção de conhecimento que vai até ao
famigerado “mistérios da fé”. Ou seja o que não se entende, aceita-se e pronto. Não.

Parte III

Vimos no artigo anterior que Santo Agostinho foi fator decisivo para se associar a idéia
de pecado ao sexo. Ele próprio sofreu frustrações amorosas; talvez tenha sido isto.
Somos produtos das nossas vivências e experiências. "Assim, Agostinho introduziu
entre os cristãos uma definitiva nódoa de consciência culpada quando faziam sexo ou
tinham sentimentos e impulsos prazerosos. Trouxe para dentro dos lares e para os leitos
conjugais uma sombra de coisa maligna, de impureza, perversão e vÃcio, que arruinou
a vida de incontáveis casais, para quem o sexo passou a ser associado a um "presente do
demônio", ou um discordium malum, um princípio de discórdia alojado no interior de
cada um desde a Queda. Opôs definitivamente a Carne a Deus!" como bem afirmou
Schilling.

Talvez uma das maneiras de se entender essa verdadeira perseguição ao sexo por Santo
Agostinho, seja o seu pessoal trauma na vivência da sexualidade, isto porque ele foi um
renegado do erotismo, como disse acima. Foi abjurado das suas paixões sensuais
pregressas, votou intenso ódio ao que, no passado, o atraiu, lamentando ter
desperdiçado nele tanta energia. Ele mesmo não negou ter sido dominado na sua
juventude por uma intensa voluptuosidade, pela lascívia, a ponto de que, em
determinado momento, quando pediu a Deus que o fizesse casto, acrescentou... "mas
não ainda". E foi mais longe: "A presença do impulso sexual nos seres humanos era a
marca da corrupção da nossa natureza. Tratava-se de uma perversidade intrínseca que,
tal uma erva daninha espalhada numa pradaria, jamais poderia ser removida de todo.

Santo Agostinho explicava a maldade como resultante desse tumor sensual e dissoluto
existente em todos nós, provocador de uma desordem crônica nas nossas relações, que o
tempo inteiro nos perturba com suas poluções, com seus sonhos inconvenientes,
incestuosos, inconfessáveis. Não havia dieta ou jejum que nos salvasse ou nos libertasse
dele, acompanhando-nos até na velhice e no encarquilhamento, como uma cicatriz não
sarada do nosso passado libidinoso e pecador".

Ora, toda a história antiga dos princípios doutrinários católicos se estribaram


exatamente nesta renegação do sexo, logo nada mais justificável que desassociar a mãe
de Jesus, do Messias, desta "pocilga" de volúpia, de depravação, sob esta ótica
distorcida, de quem, naturalmente, se via enclausurado nos seus próprios desajustes
sexuais.

Santo Agostinho é dos pais e timoneiros do corpo doutrinário da Igreja de Roma,


considerado até hoje um Doutor da Igreja. Quem dentro dela, então, rejeitaria tais
considerações? Surge Juliano, bispo de Eclanum, que considera o trabalho de Agostinho
um desserviço à causa da Igreja, do sexo e do casamento, assentados na busca do
equilíbrio.

Parte IV
Houve chilique de toda natureza, ataques pessoais e ao que faço, incentivos, estímulos...
Ocorreu de tudo, mas o importante é a minha consciência tranqüila, pois exerci,
respaldado no Artigo V, da Constituição Federal, em seu Item IV – “é livre a
manifestação do pensamento, ...”, bem como no seu item VI: “- é inviolável a liberdade
de consciência e de crença, ...”, o meu direito a discordar de um dogma religioso.

Registre-se, por oportuno, a ratificação do caráter democrático e isento da linha editorial


de A TARDE que, em momento algum, me recomendou seja o que for.

Aprendi com a vida e com o tempo que homens com argumentos discutem idéias e
conceitos, mas quem não os tem combate, agride pessoas, deixando à mostra os seus
desencontros íntimos, interiores.

Todavia, reafirmo com todas as letras que a doutrina Kardecista, que é calcada em uma
fé raciocinada, não comunga, não aceita o caráter virginal da concepção de Jesus, pois
fere todo o princípio humano natural da vida na Terra.

Levanto ainda o condicionamento oferecido por Agostinho: “Se com o nascimento de


Jesus se houvesse corrompido a integridade da mãe, não haveria nascido de uma
virgem, e portanto, toda a Igreja professaria falsamente que havia nascido de uma
virgem". Cientificamente, é possível uma concepção virginal, mas e depois do
nascimento?

São sete os textos de Novo Testamento que mencionam irmãos de Jesus: Mc 6,3; Mc 3,
31-35; Jo 2, 12; 7, 2-10; At 1, 14; Gl 1, 19; 1Cr 9,5. Chamavam-se, conforme Mc 6,3;
Mt 13, 55s: Tiago, José, Judas e Simão.

Jesus ainda afirma em Mt, 5, 17-18: “Não penseis que eu tenha vindo destruir a lei ou os
profetas, não os vim destruir, mas cumpri-los.”. Ora, Jesus aí fala em duplo sentido: um
em relação a Moisés, mas o outro, seguramente, em direção à própria vida, com a sua lei
natural. Assim, Jesus se fez homem como qualquer um de nós, logo não desqualificou a
forma natural de vir a este Mundo, pois demonstrou inclusive no local de seu
nascimento que queria ser um simples, um humilde homem.

Absolutamente, não vejo demérito algum em Maria ter concebido Jesus de um ato
sexual natural, com muito amor, com o seu esposo, companheiro. Penso ai estar a sua
magnanimidade, pois mulher comum, destaca-se com tamanha grandeza ao ponto vir a
ser oferecida, por Jesus, como mãe da humanidade.

Caro leitor, guardando as devidas diferenças, mas quem não vai ter em sua doce mãe
desta Terra um símbolo de abnegação, luta, ternura, amor, mesmo tendo ela feito sexo
com os nossos pais? Onde o sujo, o pecaminoso de nossas mães? A minha foi um
exemplo de tudo, meu ídolo.

O que santificou Maria não foi o seu estado físico, mas a sua pureza de alma, a sua
virgindade de maus sentimentos. Fez-se Senhora de todos nós pela essência de sua
alma, grandeza do seu ser espiritual, angelitude de seus ideais.
O ser não se torna especial porque veio de maneira especial. Não. O ser se torna
especial, pois se destaca do comum, arrebatando-se a si mesmo de fulgurante amor, a
ponto de se doar a uma causa, de fazer a diferença com o seu pensar, falar e agir.

Ave Cristo, salve Maria

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