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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.719.939 - MG (2018/0009857-2)

RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA


RECORRENTE : HELTON ARAUJO ANDRADE
ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL.


DOSIMETRIA. PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL
AFASTADA PELO TRIBUNAL EM RECURSO DA DEFESA.
MANUTENÇÃO DA REPRIMENDA. AUSÊNCIA DE
REFORMATIO IN PEJUS. EFEITO DEVOLUTIVO DA
APELAÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.

DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto por Helton Araújo Andrade com


fundamento na alínea "a" do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal, contra acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, assim ementado:

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 121, § 2°, IV, CP. TRIBUNAL DO


JÚRI. DECISÃO DOS JURADOS SUPOSTAMENTE CONTRÁRIA À
PROVA DOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. VEREDICTO MANTIDO.
DOSIMETRIA DA PENA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
PROPORCIONALIDADE ATENDIDA. REINCIDÊNCIA. CONFISSÃO
ESPONTÂNEA. ATENUANTE NÃO CARACTERIZADA.
- Em sede de apelação contra a decisão dos jurados, não cabe à
instância revisora substituir os membros do Conselho de Sentença e afirmar
se a tese defensiva é ou não melhor que a tese acusatória, mas, apenas,
aferir se a versão acolhida pelo júri tem plausibilidade nos autos.
-A presença de circunstâncias judiciais autoriza a fixação da pena-base
acima do mínimo legal, em quantum compatível com os parâmetros da
razoabilidade e da proporcionalidade.
- Não tendo o acusado, em momento algum, sequer assumido a autoria
das facadas, inviável o reconhecimento da atenuante da confissão
espontânea.

Sustenta o recorrente violação dos artigos 121 e 59 do Código Penal ao


argumento, em suma, de que o Tribunal de Justiça deixou de reduzir a pena-base a despeito da
nova valoração do vetor motivos, incorrendo em violação ao princípio do non reformatio in
pejus.
Apresentadas as contrarrazões e admitido o recurso especial, opina o
Ministério Público Federal pelo seu improvimento.
É o relatório.
No presente caso, consta do acórdão recorrido o seguinte acerca da
pena-base:

Nada a reparar na dosimetria da pena, data venia.


Documento: 82474567 - Despacho / Decisão - Site certificado - DJe: 20/04/2018 Página 1 de 5
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Tal como a Magistrada, entendo que a culpabilidade é elevada, já que o
delito foi cometido enquanto o acusado encontrava-se em livramento
condicional.
Os antecedentes do acusado lhes são desfavoráveis, pois, de acordo
com a certidão de antecedentes criminais de fls. 81/82, 84/85 e 92/97, ele
possuía, à época, duas condenações definitivas, por fatos anteriores, ainda
não atingidas pelo lapso depurador do artigo 64 do Código Penal, sendo
possível que uma delas
Do mesmo modo, as consequências ultrapassam àquelas previstas para
o delito, pois a vítima deixou três filhos, todos menores (fls. 08, 41/43 e
135).
A personalidade do acusado também não o beneficia, pois, segundo a
esposa dele, tratava-se de pessoa ciumenta, agressiva e usuária de
entorpecentes (fls. 52/54 e 135).
Todavia, incorreu em ligeiro equívoco a nobre Sentenciante ao
negativar os motivos, já que o fundamento ali apontado para qualificar a
futilidade foram rejeitados pelos jurados, não podendo ser reconhecido
coma agravante, sob pena de se violar a competência do Tribunal do Júri.
Em que pese a tal constatação, a exasperação de 01 (um) ano na
pena-base, em razão da referidas circunstâncias judiciais negativas, não se
mostrou desarrazoada ou desproporcional, especialmente se considerarmos
os parâmetros da pena cabível aos homicídios qualificados (06 a 20 anos
de reclusão). Aliás, diante desse conjunto de operadoras desfavoráveis,
caberia a fixação em patamar bem mais elevado, o que se mantém apenas
para não se incorrerem repudiável reformatio in pejus.

Ao que se tem, conquanto tenha afastado o vetor relativo à motivação, o


Tribunal de Justiça manteve a pena-base à consideração de que a presença de várias
circunstâncias judiciais desfavoráveis justificam a manutenção da exasperação da pena-base
em apenas um ano, especialmente diante dos parâmetros mínimo e máximo (6 a 20 anos)
previstos para o crime praticado.
E, mantido o quantum da pena fixado anteriormente pelo Magistrado singular,
não há falar em reformatio in pejus.
Com efeito, é pacífico neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de
que o efeito devolutivo da apelação autoriza o Tribunal de origem a rever a dosimetria da
pena, adotando novos fundamentos para justificar a exasperação da pena-base, mesmo em
recurso exclusivo da defesa, desde que o quantum da pena não ultrapasse aquele fixado
anteriormente pelo Magistrado singular.
Nesse sentido, colhem-se reiterados precedentes das duas Turmas com
competência de matéria penal, dos quais extraio os seguintes:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA


DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO
IMPUGNADA. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. VALORAÇÃO
NEGATIVA DAS CONSEQUÊNCIAS DO CRIME MANTIDA.
PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. RECURSO EXCLUSIVO DA
DEFESA. INOVAÇÃO DE FUNDAMENTO. CIRCUNSTÂNCIA
JUDICIAL DESABONADA PELO TRIBUNAL. MANUTENÇÃO DA
PENA-BASE. AUSÊNCIA DE REFORMATIO IN PEJUS. EFEITO
DEVOLUTIVO DA APELAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
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(...)
III - Mesmo se tratando de recurso exclusivo da defesa, é possível
nova ponderação das circunstâncias que conduza à revaloração sem que se
incorra em reformatio in pejus, desde que a situação final do réu não seja
agravada. Precedentes.
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 427.418/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA
TURMA, julgado em 03/04/2018, DJe 06/04/2018)

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO


INDEFERIDO LIMINARMENTE. ART. 213, CAPUT, C/C OS ARTS.
224, C, 226, I, E 14, II, TODOS DO CP. DOSIMETRIA. PENA-BASE.
JULGAMENTO DA APELAÇÃO DA DEFESA. REFORMATIO IN
PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. REGIME DE CUMPRIMENTO DA
REPRIMENDA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
INEVIDÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. A ilegalidade passível de justificar o ajuizamento do habeas corpus
após o trânsito em julgado da condenação deve ser manifesta, de
constatação evidente. Sem contar que questões relativas ao cálculo da pena
não são suscetíveis de apreciação na via do writ, pois depende da valoração
de circunstâncias fáticas. Apenas nos casos em que haja infringência
patente aos parâmetros legais ou flagrante arbitrariedade do critério adotado
nas instâncias ordinárias para o estabelecimento da pena, é possível
corrigir-se a dosimetria por meio do remédio heroico.
2. Na espécie, inexiste flagrante coação ilegal a ser reparada nem no
que tange à pena-base, nem quanto ao regime imposto, tampouco há falar
em reformatio in pejus.
3. Diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o efeito
devolutivo da apelação é amplo, permitindo a revisão da dosimetria da pena
e a adoção de novos fundamentos a embasar a exasperação da pena-base,
em recurso exclusivo da defesa, sem que haja violação do disposto no art.
617 do Código de Processo Penal, desde que o quantum da pena não
ultrapasse aquele fixado anteriormente pelo Magistrado singular.
(...)
(AgRg no HC 373.047/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR,
SEXTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 18/12/2017)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.


ESTUPRO DE VULNERÁVEL. REGIME FECHADO. POSSIBILIDADE.
REGIME MAIS GRAVOSO FIXADO COM BASE NA GRAVIDADE
CONCRETA DO DELITO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
(...)
4. Nesse diapasão, a jurisprudência desta Corte consolidou
entendimento no sentido de que o Tribunal de origem pode, mantendo a
pena e o regime inicial aplicados ao réu, lastrear-se em fundamentos
diversos dos adotados em primeira instância, ainda que em recurso
exclusivo da defesa, sem configurar ofensa ao princípio do ne reformatio in
pejus, desde que observados os limites da pena estabelecida pelo Juízo
sentenciante, bem como as circunstâncias fáticas delineadas na sentença e
na exordial acusatória. (HC 398.781/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 31/10/2017)
5. Habeas corpus não conhecido.
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(HC 415.160/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA,
QUINTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 04/12/2017)

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS


CORPUS. INTERPOSIÇÃO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU
PEDIDO DE LIMINAR. NÃO CABIMENTO. FLAGRANTE
ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. AGRAVO NÃO CONHECIDO.
(...)
4. Esta Corte já se manifestou no sentido de que "o efeito devolutivo da
apelação autoriza a Corte estadual, quando instada a se manifestar acerca da
dosimetria e do regime inicial de cumprimento de pena, a examinar as
circunstâncias judiciais e rever a individualização da pena, seja para manter
ou reduzir a sanção imposta em primeira instância ou para manter ou
abrandar o regime inicial. É possível nova ponderação dos fatos e
circunstâncias em que se deu a conduta criminosa, mesmo tratando-se de
recurso exclusivamente defensivo, sem que se incorra em reformatio in
pejus, desde que não seja agravada a situação do réu" (HC 398.111/RS, Rel.
Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado
em 12/09/2017, DJe 19/09/2017; HC 417.219/SC, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
07/11/2017, DJe 13/11/2017; HC 357.669/SP, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017).
5. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no HC 421.474/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA
TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 01/12/2017)

(...)
FURTO QUALIFICADO (ARTIGO 155, § 4º, INCISO II, DO
CÓDIGO PENAL). DOSIMETRIA. AUMENTO DA PENA-BASE.
FRAÇÃO DE AUMENTO PELA CONTINUIDADE DELITIVA. ADOÇÃO
DE NOVOS FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.
ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS. INOCORRÊNCIA.
SITUAÇÃO DA AGRAVANTE INALTERADA. PRECEDENTES DO STJ.
FIXAÇÃO DA SANÇÃO INICIAL ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.
QUANTUM DE AUMENTO PELA CONTINUIDADE DELITIVA.
PROPORCIONALIDADE. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE
OU ABUSO DE PODER RECONHECÍVEIS DE PLANO.
1. Não há falar em ofensa ao princípio da vedação da reformatio in
pejus, diante da adoção de novos fundamentos a embasar a exasperação da
pena-base, pois " é consabido que o efeito devolutivo da apelação autoriza,
de forma ampla, a Corte de origem conhecer e rever os fundamentos
contidos na sentença condenatória, desde que não agrave a situação do réu"
(HC 337.686/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA,
julgado em 02/08/2016, DJe 15/08/2016).
2. A ponderação das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal
não é uma operação aritmética, mas sim, um exercício de
discricionariedade vinculada, devendo o magistrado eleger a sanção que
melhor servirá para a prevenção e repressão do fato-crime praticado,
exatamente como realizado na espécie.
3. Nos termos da jurisprudência deste Sodalício, o aumento da pena
pela continuidade delitiva deve ser determinado levando-se em consideração
o número de infrações cometidas, o que afasta a existência de
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constrangimento ilegal na decisão impugnada.
4. Agravo improvido.
(AgRg no HC 346.277/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 24/10/2017)

Do exposto resulta que a pretensão recursal deduzida na insurgência especial é


contrária à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça acerca do tema, cabendo a esta
relatora negar provimento ao recurso nos termos do enunciado nº 568 da Súmula desta Corte,
verbis:

O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá


dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento
dominante acerca do tema.

Ante o exposto, com fundamento no artigo 932, IV, "a", do Código de Processo
Civil em vigor (Lei nº 13.105/2015) c/c artigo 3º do Código de Processo Penal, e no artigo 34,
XVIII, "b", parte final, do RISTJ, nego provimento ao recurso especial.
Publique-se.
Intime-se.
Brasília, 17 de abril de 2018.

Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA


Relatora

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