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O rio, o rio
O rio tem histórias para te contar
As memórias dessas águas
Belas, instigantes e obscuras
A sereia assassina, o peixe sedutor
Essas águas são as testemunhas
O rio tem histórias para te contar
O rio, o rio
As cortinas são abertas e Iara está sentada na beira do rio, mexendo em seus cabelos e
distraída.
ATO 2 - IARA
Narrador: Iara, a sereia sedutora. Cruel e implacável, arrastando com suas
correntes de belos cantos os homens ingênuos para o fundo do rio. A ditadora cruel de
um destino miserável e agonizante. Há línguas perigosas que se perguntam o porquê
desta mulher-peixe agir de tal modo: “o que diabos amargurou aquela alma?”.
Tambores ressoam, Iara tira sua cauda de sereia e sai da água (por baixo está o saiote).
Ela veste o seu cocar e coloca um xale em seus ombros. Vai até o meio do palco e se
ajoelha em posição de guerreira (com um dos joelhos levantados e o outro no chão).
Narrador: Antes de ser amante dos peixes e da lua, Iara era filha do pajé de sua tribo,
uma guerreira muito habilidosa, adorada e admirada por todos. Seu ostensivo cocar
era um símbolo de sua bravura e nobreza, com cores únicas e vibrantes.
Iara: Eu trouxe glória para a minha aldeia. Sou responsável por muitos sorrisos e
barrigas cheias, agraciada com o carinho e respeito de meu povo.
Duas batidas nos tambores ressoam e Iara abaixa a cabeça. O narrador continua:
1
A música em questão é “Canto da sereia” – disponível em: https://www.youtube.com/watch?
v=XgJFXfDh7q0 .
ATO 3 - BOTO
Narrador: As mesmas águas testemunhas da insurreição de Iara, também guardam o
segredo do Boto-cor-de-rosa. Um ser sapeca e traiçoeiro.
As cortinas se abrem, o boto está com um xale rosa e o tira, revelando que está sem a
camiseta, de costas para a plateia. Enquanto o narrador fala, ele vai vestindo suas roupas
(camiseta, paletó e chapéu).
O boto ajeita seu chapéu, olha para a plateia por cima do ombro e levanta-se, ajeitando
seu paletó. Uma índia aproxima-se timidamente. Há troca de olhares.
Narrador: Pobres moças são aquelas que caem em seus encantos. São enganadas por
sua língua perigosa e sua fala mansa, com palavras falsas que prometem amor. O amor
quente de uma noite e a condição de um amanhecer solitário.
O boto vai até a índia, eles conversam próximos por um instante. Trocam carícias: boto
acaricia seus cabelos, e sussurra em seu ouvido. Boto tenta arrastá-la para a água, mas
logo outro índio chega para chamar a moça. Antes que ela vá, avisa ao boto sobre a
festa que terá naquela noite:
Índia: Apareça em minha aldeia essa noite, o festival das águas terá início. Serão três
dias. Ansiarei por seu encontro a cada segundo.
Boto olha para as índias reunidas e dá um sorriso e um aceno. Elas riem para ele. O
índio fica irritado e então, parte para cima do Boto, segurando-o pela gola da camiseta.
Índio: Olhe, sei bem quem tu és! Dizem que tu és Jacinira, aquele homem que seduz as
mulheres decentes! Pois saiba que aqui não é lugar pra você, seu cafajeste!
Boto ri e debocha, mesmo em frente ao perigo.
Boto: Jacinira, é?
Índio: Achas engraçado isto?
O índio dá um soco no Boto. Boto cambaleia, ainda rindo e com a mão no queixo (onde
o soco pegou).
Boto: Já vi que nem confiar em si mesmo, confia. Tenho pena de você, mas também te
entendo. Qualquer homem se sentiria ameaçado de perder sua mulher para mim, ora.
Comigo é muito mais gostoso e elas sabem.
O índio se enfurece e tenta partir para cima do boto, porém, outros índios interveem e o
Pajé chega no local.
Pajé: vá embora, rapaz! Pegue a sua maldade e suma daqui, não és bem-vindo!
Boto, sem dizer nada, apenas dá uma risada e cospe no chão. Dá meia volta e sai do
lugar.
ATO 5 – ENCONTRO IARA E BOTO
As cortinas se fecham e o narrador toma a fala:
Narrador: Encrenqueiro, safado, cretino... O Boto já foi dono de muitos adjetivos
antes. Já foi surrado, amaldiçoado... Mas por que será que ele nunca aprende? Torna
a iludir as garotas, a seduzí-las e desgraçá-las... Por que? Diversão? Pura maldade
encarnada? Bom, sabemos que a verdadeira questão é: será que o Boto seria capaz de
se apaixonar algum dia? Imaginem só que loucura, parece quase impossível. Será que
ele tem mesmo um coração?
E as cortinas se fecham. Os índios com a lua e o sol passa na frente das cortinas, com
giros leves, para indicar a mudança do tempo.
ATO 7 – CLÍMAX
Após o fim da pequena dança, as cortinas se abrem novamente e Iara surge:
Iara: Eu estou tão, tão feliz. Eu nunca achei que sentiria esse sentimento novamente.
Me sinto grata. Não vejo a hora do Boto chegar e partimos rumo à nossa jornada...
Juntos! Oh...
Iara seca uma lágrima e começa a cantar3 (índios podem entrar junto, a decidir):
Iara: I can't imagine how it is
To be forbidden from loving (ah, ah)
'Cause when you walked into my life
I could feel my life begin
Like I was torn apart the minute I was only born
And you're the other half
The only thing that makes me whole
I know it sounds like a lot
But you really need to know
We are leaning out for love
And we will lean for love forever, I know
I love you so
And then I learned the truth
How everything good in life seems to lead back to you
And every single time I run into your arms
I feel like I exist for love
Only for love
And when you say my name
Like white horses on the waves
I think it feels the same
As an ocean in my veins
And you'll be diving in
Like nothing is out of place
And we exist for love
Only for love
3
A música é a continuação do trecho anterior, com a música “Exist For Love” da Aurora, partindo do
momento 1:53 até 3:54. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7YDkrJaiCrw .
Quando termina de cantar, Iara olha para todos os lados e começa a se desesperar. Ela
caminha de um lado para o outro e depois para no centro do palco. Os índios do sol e da
lua giram novamente em torno dela, enquanto ela lentamente se ajoelha no chão e
chora.
Após alguns giros, o sol para na frente do corpo de Iara e a lua se posiciona atrás. Eles
se curvam e colocam os símbolos na frente de seu rosto enquanto Iara se levanta. Neste
mesmo momento, os pescadores estão surgindo pelo canto do palco com o Boto nos
braços.
Quando Iara se dá conta, ela se levanta furiosa e vai lutar com eles.
Após um momento lutando, os pescadores cedem e caem no chão. Iara pega o corpo do
Boto e o arrasta para longe deles, para o meio do palco.
Iara: Meu amor, acorde. Você está a salvo agora, eu te esperei e fiquei preocupada
porque você não aparecia e...
Iara se dá conta que Boto nem sequer está se movendo e fica muito, muito desesperada:
Iara: Boto, fala comigo. Você me prometeu! BOTO! Acorde amor, por favor! Não faça
isso comigo...
Ela o balança com força e Boto não responde. Então, Iara se curva ao lado de seu corpo,
abraçando-o e chora, cantando4 baixinho (acapella agora):
“And then I learned the truth
How everything good in life seems to lead back to you
And every single time I run into your arms
I feel like I exist for love
Like I exist for love
Only for love
And I love you, I love you, I love you
And I love you, I love you, I love you”
Então ela adormece ao lado de Boto e ali permanece.
Devagar, todos os índios que encenaram na peça vão saindo de trás das cortinas e
jogando pétalas de flores no Boto e na Iara, e se ajoelham ao lado deles. Enquanto isso,
o narrador fala:
4
Esse trecho refere-se à junção dos momentos 1:15 até 1:51 e 3:57 até 4:09 da música “Exist for Love”
da Aurora. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7YDkrJaiCrw .
Narrador: Essa é a parte mais difícil, quando o nó da garganta se aperta e quase não
conseguimos respirar. Certamente, o adeus a um romance que sequer começou é a
parte mais dolorosa. Tão dolorosa quanto saber que as lágrimas que caíram pelo rosto
de Iara, a partir do momento em que ela viu o seu amor e a sua liberdade definhando,
despencaram sem cessar até que ela teve o mesmo fim. As lágrimas de ódio, de dor e,
principalmente, luto. Luto não só pela morte de sua paixão, mas por uma história em
branco, pelo aprisionamento de sua felicidade e pelo assassinato de sua fé.
A fé, que é o verdadeiro pilar dessa trama. A fé, que é um dos conceitos mais belos
criados pela mente humana: a habilidade de acreditar sem ver, sem tocar. Aquele
famoso tiro no escuro em que você cruza os dedos e fecha os olhos, rezando para
acertar o alvo. A fé, que é o berço e o ápice da pureza e a maior virtude. A fé, que foi a
melhor amiga do Boto e da Iara. E assim como a sereia linda e cruel morreu
aquecendo o gélido corpo de seu amante, a fé terminou abraçando-os e ao último
suspiro dela, ela sussurrou: “Por favor, me desculpe.”
E é assim, sem testemunhas da tentativa de fuga das amarras do destino e com um
sussurro de desculpas, que a trágica história não contada da Iara e do Boto se
encerra.
Muito obrigado.
Lentamente, todos os personagens ali se levantam, dão as mãos e fazem uma reverência
para o público.
FIM