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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE ARAGUAÍNA

CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS

MARCOS DIONE DA SILVA

TRADIÇÃO ORAL, ANCESTRALIDADE E O BLUES NA


LITERATURA DE LANGSTON HUGHES

ARAGUAÍNA-TO

2020
MARCOS DIONE DA SILVA

TRADIÇÃO ORAL, ANCESTRALIDADE E O BLUES NA


LITERATURA DE LANGSTON HUGHES

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso Licenciatura
em Letras Língua Inglesa e suas
respectivas Literaturas da
Universidade Federal do Tocantins,
como requisito parcial para a
obtenção de grau de licenciado em
Letras.

Orientadora: Profa. Ma. Naiana


Siqueira Galvão.
Coorientadora: Profa. Dra. Miliane
Moreira Cardoso Vieira

ARAGUAÍNA-TO

2020
Dedico este trabalho à minha mãe,
Maria Ana: mulher negra e
analfabeta. Que mesmo não tendo
sido educada com as letras, sempre
soube que os estudos abrem
caminhos e fez o impossível pra que
eu pudesse chegar onde estou.
Também dedico ao meu pai, João
Francisco: homem negro e
trabalhador braçal, que sempre me
mostrou e me ensinou lições que
levarei para toda minha vida.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus por sempre estar comigo nos momentos mais
difíceis onde quase perdi a fé em continuar, mas Ele sendo sempre Deus me
mostrou o caminho da perseverança.
Agradeço à minha mãe, Maria Ana, e ao meu pai, João Francisco, por sempre
me apoiarem nessa minha luta por um diploma de ensino superior e por nunca
deixarem de acreditar em minha capacidade. Agradeço aos meus irmãos que
mesmo nas brigas, se mostraram prestativos em me ajudar quando precisei.
Agradeço à minha orientadora Naiana Siqueira Galvão por aceitar o desafio de
me orientar e me fortificar sempre que precisei de ajuda. A senhora sempre vai
ser minha inspiração de vida e resistência negra.
Agradeço à minha segunda família: Taine, Elton, Tio Nô, Tia Ciene e Leo.
Vocês foram e são responsáveis por essa conquista também. Obrigado por
acreditarem no meu potencial.
Agradeço aos amigos que o curso de Português me deu: Mariana Sampaio,
Sarah Regia, Carol Alves Malveste, Deusilene Florinda. Obrigado, de coração,
por me ajudarem a permanecer no curso quando eu pensei em desistir.
Agradeço aos amigos que o Inglês me deu: Morgana Vasconcelos, Samantha
Leite, Weslane Oliveira (meu primeiro amor não correspondido) e Marcela
Assis. Obrigado por fazerem as aulas de inglês serem mais divertidas e
significativas.
Agradeço ao Manoel, Cassio, Quênia e Anna Cristina por deixarem, sempre
que precisei, usufruir da casa de vocês para estudar. Vocês são uma família
incrível.
Agradeço à família Teixeira, em especial a Amanda Teixeira. Obrigado por me
proporcionar as melhores viagens para eventos acadêmicos. E obrigado
também por me mostrar que eu posso conseguir ‗o mundo‘, basta eu querer!
Agradeço também a todos os meus professores da faculdade. Vocês são
pessoas excepcionais. Obrigado por todo ensinamento e puxão de orelha.
Agradeço a turma do LALI/UFT: Professor Edviges, Tatiane, John, Paty, Danilo
e a todos os indígenas da Escola Indígena 19 de Abril.
Agradeço, com o coração cheio de alegria, aos meus dois amigos e irmãos que
a vida me deu: Ryan Chaves e Bruno Samuel. Obrigado por alegrarem minha
vidinha com o jeito extrovertido de vocês serem.
Agradeço também a UFT por todos os momentos de aprendizado que ela me
proporcionou. VIVA A UNIVERSIDADE PÚBLICA E DE QUALIDADE.
Por fim, agradeço às irmãs Pri Almeida e Marilia Almeida por me ajudarem na
minha trajetória inicial na universidade. Espero um dia retribuir tudo o que
vocês fizeram por mim.
Pessoas oprimidas não podem
permanecer oprimidas para sempre. O
anseio pela liberdade eventualmente se
manifesta. (Martin Luther King Jr.)
RESUMO

Com essa pesquisa pretendemos discorrer, de modo singelo, mas significativo,


a importância das marcas de resistência oral na literatura de Hughes. O
percurso do estudo inicia-se pelo Harlem Renaissance e ao longo estende-se
pelas performances que a literatura negra envereda pelos poemas e Blues
Poems de Langston Hughes, um dos principais ativistas e idealizadores do
movimento negro. Além disso, buscamos compreender como Langston
Hughes transforma seus escritos em uma literatura de resistência voltada para
um povo escravizado por sua cor e cultura. A fundamentação teórica tem como
embasamento CONE (1979); MINAYO (2001); TOMÉ (2020) e GALVÃO
(2016). No primeiro momento, foram realizadas varias pesquisas bibliográficas
sobre temas que os autores supracitados defendem, logo depois fizemos as
análises de alguns poemas feitos por negros antes e depois do período da
escravidão nos EUA, dando ênfase, no último capítulo, aos poemas de L.
Hughes. A nossa pesquisa se faz necessária para um entendimento e crítica a
respeito da literatura negra que mesmo fazendo parte da literatura mundial,
ainda não é bem difundida e valorizada, por se tratar de uma literatura feita por
pessoas negras.

Palavras-chave: Blues Poems, Langston Hughes, Literatura Negra,


Resistência.
ABSTRACT

With this research we intend to discuss, in a simple but significant way, the
importance of the marks of oral resistance in the literature of Hughes. The
course of the study begins in the Harlem Renaissance and along extends to the
performances that the black literature embraced by the poems and Blues
Poems of Langston Hughes, one of the leading activists and idealizers of the
black movement. In addition, we seek to understand how Langston Hughes
transforms his writings into a resistance literature aimed at a people enslaved
by their color and culture. The theoretical foundation is based on CONE (1979);
MINAYO (2001); TOMÉ (2020) and GALVÃO (2016). At first, we conducted
several bibliographic researches on themes that the aforementioned authors
defend, soon after, we analyzed some poems made by blacks before and after
the period of slavery in the USA, emphasizing, in the last chapter, to the poems
of L. Hughes. Our research is necessary for an understanding and criticism
about the black literature that, even being part of the world literature, is not yet
well disseminated and valued because it is a literature made by black people.

Keywords: Blues Poems, Langston Hughes, Black Literature, Resistance.


LISTA DE ILUSTRAÇÃO

Figura 1 - O RENASCIMENTO DO HARLEM: UMA NOVA IDENTIDADE


AFRO-AMERICANA .....................................................................................19

Figura 2 - LANGSTON HUGHES (1902-1967) .............................................20

Figura 3 - VOTADA PELO CONGRESSO EM 18 DE JANEIRO DE 1865.


RATIFICADA EM 6 DE DEZEMBRO DE 1865 .............................................22
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – ON BEING BROUGHT FROM AFRICA TO AMERICA …………16

Quadro 2 – WADE IN THE WATER ………………………………………….....33

Quadro 3 – SONG OF THE FREE ………………………………………………35

Quadro 4 – SWING LOW, SWEET CHARIOT …………………………………39

Quadro 5 – OLD DAN TUCKER …………………………………………………42

Quadro 6 – IT´S A LONG JOHN ………………………………………………...46

Quadro 7 – SONG FOR A DARK GIRL ………………………………………....52

Quadro 8 – THE WEARY BLUES ……………………………………………….56

Quadro 9 – THE NEGRO SPEAKS OF RIVER ………………………………..59

Quadro 10 – I´M A NEGRO ............................................................................61

Quadro 11 – I, TOO, SING AMERICA ............................................................64

Quadro 12 – I HEAR AMERICA SINGING ......................................................65


LISTA DE SIGLAS

EUA Estados Unidos da América

L.H. Langston Hughes

NAACP Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................. 13

2 O RENASCER DE UMA LITERATURA: O NEGRO E SUA VOZ ............... 15


2.1 HARLEM, PARA ALÉM DE UM BAIRRO, UM MOVIMENTO! .................. 17
2.2 UMA EMENDA QUE REMENDA O NEGRO NOS EUA ........................... 22

3 OS POEMAS E SUAS METODOLOGIAS ................................................... 26


3.1 OS POEMAS E SUAS REPRESENTAÇÕES............................................ 27

4 A LITERATURA NEGRA E SUAS INTERFACES ....................................... 29


4.1 SPIRITUALS OU NEGRO SPIRITURALS? ............................................... 29
4.2 WORK SONGS .......................................................................................... 41
4.3 O BLUES ................................................................................................... 51

5 OS BLUES E OS POEMAS DE LANGSTON HUGHES: UM OLHAR PARA


A TRADIÇÃO ORAL DO NEGRO .................................................................. 54
5.1 O POEMA DE LANGSTON HUGHES: ANCESTRALIDADE, VOZES E A
AMÉRICA ........................................................................................................ 59

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 70


13

1 INTRODUÇÃO

O fim da escravidão norte americana desencadeou a grande imigração


nos Estados Unidos. Os ex-escravizados, em grande maioria, tinham seus
trabalhos árduos nas lavouras, logo, em condições desumanas, muitos negros
migraram para a direção norte dos EUA que estava com a zona urbana e
industrial mais avançada. Antes da libertação legal instituída pela constituição
da emenda de número 13, os negros habitavam a região sul do país, local que
detinha muitas plantações e foram eles os responsáveis pelo desenvolvimento
e crescimento dos estados sulistas americano.

Através da 13° Emenda, também conhecida como a Lei Jim Crow, havia
a premissa que os escravos libertos deveriam ser considerados cidadãos
americanos, exceto aqueles que fossem presos e condenados por qualquer
tipo de crime contra um cidadão branco americano. Essa massa migratória se
destinou para inúmeros estados norte - americanos, mas, principalmente, para
o Harlem, localizado em Nova York, pois já existia uma expressiva quantidade
de negros residindo e constituindo seus espaços nesse bairro.

Esse processo de expansão migratória gerou o movimento do Harlem,


antes conhecido como The New Negro Movement. Sendo assim, The Harlem
Renaissance foi o movimento responsável pelo importantíssimo
reconhecimento e valorização da cultura negra. O negro pode, então, com o
apoio desse movimento, realizar descobertas e valorização de sua cultura
afrodescendente.

É nesse cenário que o instrumento para a criação da literatura negra


toma forma e contornos acadêmicos, contudo é categorizada como uma
literatura ‗menor‘, no sentido dado por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1977):
―uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que a minoria
faz em uma língua maior‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1977, p. 28).

Diante dessas circunstâncias, surgiu a necessidade de problematizar


certas questões que acabaram colocando a produção artística do negro como
algo ‗menor‘, passível de depreciação e preterimento pelo olhar que o outro – o
14

euro-americano - realiza sobre essa. Sob essa ótica, indagamos a seguinte


questão:

 De que maneira as produções da literatura de Langston Hughes, em


especial seus poemas musicais conhecidos como Blues, poderiam se tornar
uma via de resistência e resiliência ancestral diante de uma sociedade
fundada pelo processo da escravidão do povo negro?

É diante dessa questão que nosso trabalho é pensado e, portanto,


buscamos envolver a temática principal da pesquisa, que é a literatura negra,
ou seja, feita por sujeitos negros e seus descendentes africanos a fim de
compreendermos como os blues poems de Huges passam a integrar o resgate
da tradição oral desse povo.

Com essa pesquisa pretendemos discorrer, de modo singelo, mas


significativo, o percurso do surgimento do Harlem e sua importância para a
literatura negra nos EUA, tendo como pressuposto a análise de poemas e
Blues Poems produzidos por L. Hughes, um dos principais ativistas e
idealizadores do movimento negro.

O trabalho é composto por quatro capítulos que envolvem a temática


afrodescendente, a saber: o capítulo 1 retrata o tempo da escravidão e o
surgimento de uma literatura que dá voz ao negro; No segundo temos a
metodologia e a escolha dos poemas abordados na pesquisa, no terceiro
capitulo temos a literatura e suas ramificações no âmbito da música – Blues
Poems e o último capítulo retrata algumas análises dos Blues Poems de
Langston Hughes e suas contribuições para o fortalecimento e a resistência da
literatura negra.
15

2 O RENASCER DE UMA LITERATURA: O NEGRO E SUA VOZ

O marco de início da trajetória da literatura negra1 norte americana, que


se entende a literatura produzida pelos negros, ocorre por meio da Guerra Civil
(1861-1865). Este conflito representa o percurso inicial dessa literatura com um
grande anexo: a escravidão e seus efeitos mortíferos.

A Guerra Civil abalou a estrutura da escravidão americana, na qual os


ex-escravos deixaram os campos de trabalho para os subúrbios urbanos no
norte, processo que foi entendido de inserção social. É com essa migração que
o negro busca reafirmar em suas relações e transformações entre o homem
negro norte americano e o âmbito cultural em que está inserido.

Nesse contexto, podemos dividir o surgimento da literatura negra nos


EUA da seguinte forma: o primeiro momento seria aquele em que o negro foi
inserido no regime da escravidão, chamado de plantation2, e o segundo
instante é o de realocamento do negro no gueto, onde ele deixa a condição de
escravo e começa a adquirir novos conhecimentos, que os impulsionaram no
enfrentamento para adquirir a estabilidade no âmbito social e econômico.

É durante esse período que surgem às primeiras manifestações


artísticas negras. Embora os temas das produções artísticas fossem voltados
para literatura clássica, ainda não se pode falar em estilística que seja
estritamente criada pelos afro-americanos. Como explica Alvaro Hattnher
(1990) ―não podemos falar em uma "estética afro-americana" propriamente
dita, uma vez que, do ponto de vista formal, todas as manifestações literárias
do período pautam-se pelos cânones estéticos europeus‖ (HATTNHER, grifo
do autor, 1990, p. 3).

Na verdade, a estilística daquela época seguia o modelo de valores


ligados ao público que era branco, na qual os negros eram dependentes, o que

1
BERND (1998) Considera que a literatura negra se diferencia daquela literatura que apenas
tematiza o negro, por um eu que se assume negro e com isso assume as responsabilidades de
pensamentos/posicionamentos políticos e ideais.
2
Plantation era considerada a região sul do país onde a concentração de plantações era maior,
logo de grandes agricultores que não queriam o fim da escravidão.
16

explica o maciço uso de estereótipos racistas utilizados pelos próprios


escritores negros em suas publicações, de acordo com Hattnher (1990):

A introjeção desses estereótipos pode ser percebida na obra de


Phillis Wheatley (1754-1784), provavelmente a primeira poetisa negra
norte - americana. Vendida com sete anos de idade a John Wheatley,
recebeu educação religiosa, aprendeu a ler e, além da Bíblia, teve
contato com a literatura inglesa e a mitologia clássica, tendo
conseguido publicar em 1770 o livro Poems on Various Subjects,
Religious and Moral. (HATTNHER, grifo do autor, 1990, p. 04).

Nos poemas de Wheatley percebemos a total submissão aos


estereótipos da época. No poema On Being Brought from Africa to America,
1773, o texto é considerado por muitos, incomum, pois foi publicado por uma
mulher negra, escrava, que vivia na época onde escravos poderiam ser
comprados e vendidos a qualquer momento. Observamos o referido poema:

Quadro 1: ON BEING BROUGHT FROM AFRICA TO AMERICA

On Being Brought from Africa to America

'Twas mercy brought me from my Pagan land,


Taught my benighted soul to understand
That there's a God, that there's a Saviour too:
Once I redemption neither sought nor knew.
Some view our sable race with scornful eye,
"Their colour is a diabolic die."
Remember, Christians, Negros, black as Cain,
May be refin'd, and join th' angelic train.

Sobre ser trazido da África para a América


Foi piedade que me trouxe da minha terra pagã,
Ensinou minha alma envergonhada a entender
Que existe um Deus, que também há um Salvador:
Uma vez que a redenção não procurou nem soube.
Alguns veem nossa raça zibelina com olhos desdenhosos,
"A cor deles é um dado diabólico."
Lembre-se, cristãos, Negros, negros como Caim,
Pode ser refinado e juntar-se ao trem angelical.

Fonte: https://www.poetryfoundation.org/poems/45465/on-being-brought-from-africa-to-
3
america. Acesso em: 03-05-2020. (tradução nossa )

O texto acima nos faz perceber que a poesia da autora supracitada,


ainda está ligada ao conservadorismo e puritanismo exacerbado, levando em

3
Durante a composição do trabalho, todos os poemas utilizados foram traduzidos pelo
respectivo pesquisador.
17

consideração a exaltação do cristianismo e a submissão expressiva do eu lírico


a uma terra abençoada, no caso, a América, e a expurgação de sua terra-mãe.

Se Wheatley não pode ser lembrada como poetisa de formas


próprias, e muito menos como porta-voz de um protesto negro, a
qualidade de seus versos destrói a falsa e absurda ideia de uma
relação entre cor da pele e excelência da criação literária.
(HATTNHER, 1990, p.05)

Com o poema de Wheatley podemos entender que a construção de uma


identidade negra a partir da literatura se manifesta através de um processo e
das relações do eu com o outro e suas culturas. Em outras palavras, a
literatura negra é entendida como um processo de (des)construção social,
histórica, cultural e do sujeito negro contra argumentando os discursos, ações e
atitudes racistas.

2.1 Harlem, para além de um bairro, um Movimento!

Como elencado anteriormente, o que marca o início da mudança da


história dos Estados Unidos é o fim da Guerra Civil (1861-1865). Desta forma,
com o fim da escravidão, o homem negro teria outra imensa batalha: a
transferência da plantation para os subúrbios.

Com todo esse processo imigratório que ocorreu durante o século 19, o
sujeito negro irá procurar nos centros urbanos, em específico no Harlem, uma
grande necessidade de autorreconhecimento de identidade cultural e o mais
importante, um processo de autoexpressão.

O Harlem é um bairro situado na cidade de Manhattan que fica no


estado de Nova York, e que por sua vez era habitado em sua maioria por
pessoas brancas, e como o índice de negros foi aumentando na região, a rua
acabou se tornando uma referência para os negros que por muito tempo ficou
conhecido como o maior bairro de pessoas negras do mundo.

Antes desse movimento de valorização e reconhecimento da cultura


negra, já existiam artistas negros que atuavam nessa causa, todavia tendo
18

como referência as concepções da cultura, hábitos das pessoas brancas, ou


seja, não poderia existir naquela época uma poesia, um poema ou livros que
tivessem como centro o negro protagonista ou herói, quanto mais sendo
autor(a) conhecido(a) por seus dotes artísticos e literários. Uma situação que
exemplifica essa discussão é com base no artigo da escritora Alice Walker,
intitulado In search of our mother‘s Garden. Nas palavras de Walker (1972) o
que ocorre é o seguinte:

O poeta falando a uma prostituta que cai no sono enquanto ele está
falando—Quando o poeta Jean Toomer caminhou pelo Sul no início
dos anos 20 ele descobriu uma coisa curiosa: mulheres negras cuja
espiritualidade era tão intensa, tão profunda, tão inconsciente, que
eram elas mesmas desconhecedoras da riqueza que carregavam.
Tropeçavam cegamente por suas vidas: criaturas tão abusadas e
mutiladas em seus corpos, tão esmaecidas e confusas pela dor, que
se consideravam indignas até de esperança. Nas abstrações
altruístas que seus corpos se tornavam para os homens que os
usavam, elas se tornaram mais que "objetos sexuais", mais até que
meras mulheres: se tornaram "Santas". Ao invés de serem percebidas
como pessoas completas, seus corpos se tornaram relicários: o que
era imaginado como suas mentes tornaram-se templos dignos de
adoração. Estas Santas loucas encaravam o mundo, selvagemente,
como lunáticas – ou silenciosamente, como suicidas; e o "Deus" que
estava em seus olhares era tão mudo quanto uma grande rocha.
(WALKER, grifos do autor, 1972, p. 01)

Podemos perceber na citação acima a autora fazendo uma exaltação a


mulher negra, que mesmo sendo vitimas das mazelas do homem, ainda sim,
carregam dentro sim uma total espiritualidade, podendo então, serem
conhecidas e retratadas como santas.

Durante o processo de abolição nos EUA surgiu o movimento do


Harlem, antes conhecido como The New Negro Movement, esse movimento foi
um divisor entre os ‗tipos‘ de pessoas (brancos e negros) na década de 1920.
O movimento buscava meios para que os artistas se expressassem de maneira
mais autêntica, deixando de lado a estilística padrão dos escritores ocidentais.

Originalmente chamado de Novo Movimento Negro,


o Renascimento do Harlem foi um florescimento literário e intelectual
que promoveu uma nova identidade cultural negra nas décadas de
1920 e 1930. O crítico e professor Alain Locke a descreveu como
uma "maioridade espiritual", na qual a comunidade negra pôde
aproveitar suas "primeiras chances de expressão em grupo e
19

autodeterminação. (BRUNNER; ROWEN, grifo do autor, 2017 p.01,


4
tradução nossa)

Por séculos o negro foi descrito e interpretado pela literatura canônica


como um escravo, um empregado, um ladrão, um assassino, um sujeito que
deveria ser condenado à servidão e à obediência em decorrência de sua cor de
pele. Mas esse cenário foi sofrendo sutis mudanças com o aumento da
demanda de artistas que surgiram e constituíram o movimento de luta e
resistência do Harlem como podemos perceber na figura a seguir.

Figura 1- O RENASCIMENTO DO HARLEM: UMA NOVA IDENTIDADE AFRO-AMERICANA

Fonte: https://midia4p.cartacapital.com.br/o-renascimento-do-harlem-uma-nova-identidade-
afro-americana/

4
―Originally called the New Negro Movement, the Harlem Renaissance was a literary and
intellectual flowering that fostered a new black cultural identity in the 1920s and 1930s. Critic
and teacher Alain Locke described it as a "spiritual coming of age" in which the black
community was able to seize upon its "first chances for group expression and self-
determination.‖ Disponível em: https://www.infoplease.com/history/black-history/great-days-in-
harlem, acesso em 05 de maio de 2020.
20

O negro que antes era visto como um sujeito racionalizado,


menosprezado e estigmatizado pela sociedade branca, agora assegurava a
sua ascensão diante da sociedade branca. A partir de agora, s negros não
precisavam ser representados por obras criadas pelos brancos, na projeção do
movimento ativista harleano, as obras eram escritas e pensadas pelos próprios
negros, para os negros e sobre os negros.

Buscando uma visão totalmente diferente da que o negro estava


condicionada no passado, não tão longínquo, o movimento do Harlem
incorporou a oralidade africana e o resgate ancestral das vozes silenciadas
durante tantos anos, causando a libertação da expressão e da escrita
afrodescendente, aflorando o despertar por reivindicação e fortalecimento da
africanidade.

FIGURA 2 - LANGSTON HUGHES (1902-1967)

Fonte: https://www.britannica.com/biography/Langston-Hughes. Acesso em 06 de maio de


2020.
21

Podemos destacar alguns autores que precedem essa construção do


Harlem, tais como: William Wells Brown (1816-1864), David Walker (1785-
1830), Samuel Ward (1817-1864), Langston Hughes (1902-1967) entre outros.
James Mercer Langston Hughes foi o primeiro e provavelmente o único escritor
negro nos EUA que sobreviveu apenas com o que ganhava mediante suas
obras. Nascido em 01 de fevereiro de 1902 em Joplin, Missouri, Hughes foi
romancista, escritor de contos, peças de teatro e poeta. Ele também ficou
conhecido por seu envolvimento com o estilo musical popularmente chamado
de jazz, mais é o consagrado Blues Poems que norteia seu apogeu na
capacidade de performances das poesias.

Dentro das inúmeras obras de Hughes, podemos perceber diversas


temáticas, essas são: o orgulho racial, a amargura coletiva do povo africano, a
vergonha de ser negro e a miséria, que pode ser interpretada por uma miséria
social ou humana.

A poesia da literatura negra, em seu mais alto índice de aceitação, ainda


foca na perspectiva da denúncia contra tudo o que o negro vinha sofrendo, em
específico o racismo. E alguns desses temas estão diretamente ligados com
algum fator histórico vivido pelos seus autores.

A literatura negra norte-americana, enquanto afirmação de identidade


cultural é exemplo perfeito de uma literatura de resistência.
Resistência aqui significando a luta pela inversão do valor de signos
marcados pelo preconceito. Significando também a sobrevivência no
ambiente hostil de uma estética autoritária e racista. A existência
dessa literatura é a prova inquestionável de que resistência, em
qualquer acepção ou contexto, é sinônimo de criação.
(HATTNHER, 1990 p.13)

Dessa forma, entende-se que a busca por uma identidade própria, pode
ser caracterizada pela tentativa de reinvenção de uma identidade construída
durante o período de sobrevivência, no qual o negro ainda se encontra em um
processo de desconstrução e construção da sua própria identidade, tentando
assim, reverter os tempos onde o negro era esquecido, julgado e
estereotipado, fatos esses que ainda assolam a literatura e a sociedade atual.
22

2.2 UMA EMENDA QUE REMENDA O NEGRO NOS EUA

A 13° Emenda dos Estados Unidos da América, também conhecida


como a Lei Jim Crow, como podemos ver na figura posterior, foi um documento
assinado em 1865 por Abraham Lincoln, até então, presidente dos Estados
Unidos da América.

Figura 3 - VOTADA PELO CONGRESSO EM 31 DE JANEIRO DE 1865. RATIFICADA EM 6


DE DEZEMBRO DE 1865.

Fonte: https://www.esquerda.net/dossier/emenda-que-aboliu-escravatura/26838. Acesso em


08 de maio de 2020.
23

Em alguns estados do norte dos EUA, como por exemplo, Pensilvânia,


Nova Iorque, Nova Hampshire e Massachusetts, não consideravam certo o
ato de uma pessoa possuir direito sobre outra pessoa, especificamente sobre
pessoas negras. Na região Sul do país, a escravidão não era considerada um
crime, criando assim um cenário de total posse sobre os negros, e em muitas
ocasiões, os negros eram obrigados a servirem seus donos de diversas
maneiras desumanas.

Lincoln não afirmou em momento algum que interferiria para o fim da


escravidão nos estados do sul, mas mesmo assim, alguns deles
começaram a secessão e aboliram a escravidão em seus territórios. A
decisão desses estados causou diversos conflitos, incluindo a Guerra
Civil Americana (1861-1865). Tudo aconteceu logo no início do
mandato de Lincoln. (CANTARINO, 2018, p.03)

Diante de tal cenário, o atual presidente dos Estados Unidos, Lincoln, se


viu obrigado a reagir contra a situação em que se encontravam os negros, em
relação à escravidão, em alguns estados do país. Lincoln, em 1863, assinou a
Proclamação da Emancipação que considerava livre todo negro que
conseguisse chegar ao norte do país. A 13° Emenda serviu de base para umas
das maiores segregações já vistas dentro dos EUA (1876-1965). Essa emenda
ficou conhecida como a lei Jim Crow, onde os negros não poderiam estar nos
mesmos locais onde pessoas brancas (escolas, trem, praças publicas).

Sobre esse processo de luta citamos a obra literária Uncle´s Tom Cabin
(A Cabana do Pai Tomás), cuja autora branca Harriet B. Stowe escreveu sobre
os negros e suas relações com os senhoris e a religião puritana. A escritora
elabora o personagem Pai Tomás, um velho escravo, considerado o mártir da
narrativa, uma vez que ele é morto pelo capataz por não delatar o paradeiro de
suas irmãs de cor. O personagem é sacrificado, assim como muitos negros
morrem nas lavouras devido ao árduo trabalho e dos castigos infindáveis. Além
disso, na perspectiva de poder ter uma vida libertada desse sistema de
opressão, o processo de travessia para outras regiões que cruzavam as linhas
de fuga para o Canadá também foi cenário de mortes e assassinatos.
24

A obra de Harriet Beecher Stowe (1811-1896) foi publicada pela primeira


vez em 1852. O livro conta a história do Pai Tomás, um escravo cristão,
posteriormente vendido pelo seu dono que estava passando por dificuldades
financeiras. Tomás foi imposto aos mais sórdidos tipos de escravidão até que o
senhor Simon Legree causou a sua morte, na fazenda de algodão, em
Louisiana.

O enredo mostra as diversas formas de violências cometidas contra o


sujeito negro, motivo esse que resulta na morte do protagonista, o Pai Tomás.
Mas sua morte posteriormente seria revelada como um sacrifício, onde George
Shelby, descrito como um bom homem liberta todos os escravos que estavam
em seu poder. Nesse processo de libertação e fuga em direção ao norte do
país, outros personagens surgem que é o caso da família de escravos da Eliza,
George, seu marido, e seu filho Harry. George, marido de Eliza, mais tarde
será obrigado a usar a força bruta para conquistar sua liberdade, mostrando
que a libertação requer força, vigor e persistência. De acordo com Danilo
Ferretti (2017):

A recepção desse romance foi marcada por reações extremas e de


amplitude internacional. Entre o público dos estados escravistas do
Sul dos EUA, ele gerou uma reação predominantemente negativa,
suscitando nada menos que um ciclo de 29 romances críticos, os
chamados romances ―Anti Tom‖ (Jordan-Lake, 2005; Meer, 2005,
p.73-103). Mas A Cabana do Pai Tomás foi, acima de tudo, um
incomparável catalisador do entusiasmo antiescravista, dentro e fora
dos EUA. O livro se tornou um dos maiores sucessos editoriais de
todo o séc. XIX chegando, nos primeiros meses após a sua
publicação, a um número de vendas, no Norte dos EUA, de cerca de
310 mil cópias. Somente em 1853, atingiu mais de um milhão e meio
de exemplares vendidos na Inglaterra, cifras então somente
ultrapassadas pela venda de Bíblias (...) (FERRETTI, grifo do autor,
2017, p. 190).

A premissa desta pesquisa parte de que a literatura negra sendo uma


produção com escritos pouco esparsos ainda não é bem difundida e valorizada
mundialmente, por se tratar de uma literatura feita por pessoas negras que
enfrentam o preconceito social literário canônico. A questão da branquitude
enobrece os círculos sociais, científicos e literários. O estigma racial atinge
25

negros e ameríndios ou todo sujeito que não é branco. Nesta questão, a


literatura afrodescendente é pormenorizada pela clássica produção, é
categorizada como menor e periférica por marcos histórico que ditam desde a
colonização. Sendo assim, partimos da evidência de que a superação e a
permanência da resistência dos autores e autoras negras/os é a utilização da
língua e da escrita como ferramentas de estratégias de ascensão desse grupo
minoritário face ao sistema moderno.

Diante disto, pensamos em permear pela necessidade de refletir como a


literatura produzida no Harlem, em especial os poemas e canções de Hughes,
aborda o embate social do povo negro nos EUA? Desde então, com essa
pesquisa pretendemos discorrer sobre o surgimento do Harlem e sua
importância para a literatura negra nos EUA, tendo como pressuposto a análise
breve de alguns poemas produzidos em períodos anteriores e posteriores ao
Movimento Negro.
26

3 OS POEMAS E SUAS METODOLOGIAS

A nossa pesquisa é de cunho qualitativo e caracteriza-se como uma


pesquisa bibliográfica com um objetivo principal de analisar e entender como
os poemas de Hughes podem ajudar na contribuição da criação de uma
literatura de resistência, pois essa literatura é silenciada e marginalizada por se
tratar de uma literatura produzida por negros.

Podemos dizer que a pesquisa qualitativa é aquela que busca entender


um fenômeno específico em profundidade. A pesquisa qualitativa não se
preocupa em comprovar um fato com números e estatísticas, mas ela se faz a
partir do pressuposto de uma análise detalhada, abrangente e coerente, assim
como na argumentação lógica de ideias.

A pesquisa qualitativa é criticada por seu empirismo, pela subjetividade e


pelo envolvimento emocional do pesquisador (MINAYO, 2001, p. 14). Ainda
conforme a autora, a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que
corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Segundo Antônio Carlos Gil (2008) uma pesquisa é bibliográfica quando


esta passa a ser desenvolvida com base em material já elaborado, constituído,
principalmente, de livros e artigos científicos, como sugere João José S. da
Fonseca (2002):

A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de


referências teóricas já analisadas, e publicadas por meios escritos e
eletrônicos, como livros, artigos científicos, páginas de web sites.
Qualquer trabalho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica,
que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o
assunto. Existem, porém, pesquisas científicas que se baseiam
unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências teóricas
publicadas com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos
prévios sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta
(FONSECA, 2002, p. 32).
27

O interesse por este tema surgiu a partir do contato que tive com
algumas poesias negras, em especial do autor Langston Hughes. Observei que
a maioria dos poemas abordavam temas como valorização e ascensão do
negro dentro da sociedade branca. Dessa maneira, estes poemas foram
eficazes na desconstrução de padrões e estereótipos referentes à literatura
negra que eu tinha, em mente, anteriormente.

3.1 Os Poemas e suas representações

A escolha dos poemas analisados se deu em relação aos mesmos


serem escritos por negros durante e depois do período da escravidão, além
disso, buscamos realizar uma análise de cunho histórico social em cada um
desses poemas. Buscamos poemas que retratavam os negros e seus
sentimentos saudosos de sua terra mãe. Portanto, temos autores e autoras
negras que desencadeiam a composição de nossos quadros de análises,
iniciando por On Being Brought from Africa to America, de Phillis Wheatley
(1773); em sequencia dos capítulos as músicas/ poems usadas como
instrumentos de alivio da alma e ao mesmo tempo um manual para fugas com
Wade In The Water, escrita por Fisk Jubilee Singers (1901) e em Song Of the
Free (1860); a morte também é vista como uma forma de libertação no Spiritual
em Swing Low, Sweet Chariot de Wallace Willis (1862).

Outras Work Songs surgem na esteira do racismo estrutural em que o


negro era visto e descrito pela sociedade branca da época em Old Dan
Tcucker, escrito por Daniel Decatur Emmett (1843); O negro, sua vida e
resistência estão presente em It´s a long John de Lightning (1934); o Blues
como forma de afirmação e resistência em The Weary Blues produzido por
Langston Hughes (1925); Os relatos, em formas de memorias, de como o
negro era brutalmente tratado em solo americano estão expressos em I´m a
Negro de Langston Hughes (1922); e por fim, um dos mais aclamados
poemas de Hughes traz como o negro resistiu à escravidão e as duras penas
da servidão até os dias de hoje, numa demonstração que a resiliência e a
resistência estão vivas e atuantes na autoafirmação do sujeito negro em
28

declarar sua história de vida e de construção nos Estados Unidos, em I, Too,


Sing America de Langston Hughes (1926).

Sendo assim, o presente trabalho é composto por quatro capítulos que


delineiam, brevemente, a linha de evolução no povo negro na Literatura Negra
ou, para outros, Literatura Afrodescendente. Uma tentativa de evidenciar como
o Harlem foi imprescindível para o desenvolvimento das expressões artísticas,
por isso, os blues poems trazem cargas enunciativas de construção e
fortalecimento da literatura negra de Hughes. A presença da ancestralidade e
da oralidade marca com ênfase seus trabalhos e percebe-se que as forças
multifacetadas de elaboração dos blues poems somente indicam que essas
produções são culturalmente valiosas para a compreensão da formação dos
EUA.
29

4 A LITERATURA NEGRA E SUAS INTERFACES

A música e a literatura negra possuem uma relação especial. Essas


duas formas de expressão estão interligadas pela história do povo africano,
seus descendentes e a diáspora regida pelo ideal da colonização. Durante a
escravidão, os negros procuravam maneiras de se expressar, buscavam
estratégias que se, por um lado se tratavam de resistência, por outro,
elevavam, de alguma forma, suas emoções e teriam o conforto às
adversidades que eram acometidos, injustificadamente. Por isso, eles tinham o
hábito de cantar letras espirituais que rememoravam suas origens e
ancestralidade negra como é reportado por HATTNHER (1990):

É essa experiência que vai determinar as primeiras manifestações de


uma criação artística negra nos Estados Unidos. Isso se comprova,
por exemplo, com as primeiras formas musicais afro-americanas, tais
como as worksongs e os spirituals. (HATTNHER, grifo do autor, 1990
p.03)

Podemos dizer que a música afro-americana possui uma presença


africana que não se pode negar. Como dito anteriormente, a música africana se
torna um maquinário importante no que se diz respeito a trajetória do povo
negro. Os Spirituals, que podem ser conhecidas como negro spiritual (canções
espirituais) e os Work Songs (canções de trabalho) são consideradas o marco
inicial da trajetória histórica da música afro-americana, logo passaremos a
conhecer cada uma dessas tendências musicais e seus sentidos de formação.

4.1 Spirituals ou Negro Spiriturals?

A religião judaico-cristã foi uma das principais forças da colonização


usadas pelos brancos para fins de opressão dos africanos. Dessa maneira, os
brancos subjugaram os escravos oriundos da África e os forçaram a aceitar as
doutrinas impostas por essa crença conservadora que é o cristianismo. Assim,
a estratégia era convencer e certificar que a figura do homem branco deveria
ser vista como um ―deus‖, e ser servido e reverenciado, como tal divindade
mereceriam. Com isso, os negros acabaram ‗aceitando‘ as condições
desumanas, subumanas e degradantes que o colonizador, o branco, o senhoril
30

impunha-os, caso quisessem (sobre)viver em uma terra sagrada e pura


destinada, desde os século 16, aos puritanos e nobres, a fim de que os
descendentes dos ingleses prosperassem conforme o esforço do empenho no
labor e na vivência ilibada de sua convicta religião.

Parece haver poucas dúvidas de que o cristianismo contribuiu em


grande medida para um espírito de paciência, que militava contra a
rebelião aberta entre os homens de confiança. No entanto,
superestimar este ponto leva a obscurecer uma realidade não menos
importante: o cristianismo, depois de ser reinterpretado e reformulado
por bardos escravos, também contribuiu para aquele espírito de
resistência que impulsionou gerações de escravos, levando-os àquele
momento decisivo quando pela primeira vez uma escolha real estava
5
disponível para dezenas de milhares deles. (STUCKEY 1969, p.429
tradução nossa)

O cristianismo acabou por ser a religião usada na doutrinação dos


africanos, e que mais tarde, essa mesma religião, tornou-se a cruz da
separação e da segregação entre brancos e negros, a desolação e a solidão
para os africanos e seus descendentes. A partir da imposição do cristianismo,
surge um dos gêneros musicais que os negros utilizaram como instrumento de
libertação, os Spirituals.
Negro Spiritual pode ser considerado um estilo de canção religiosa
relacionada à escravidão do povo africano nos EUA, especificamente no sul do
país. Devemos salientar que os primeiros Negro Spirituals foram frutos da livre
interpretação das Escrituras Sagradas por parte dos escravos, dessa maneira,
acabaram por conhecer, de forma remota, os livros de Salmos e os hinos. A
canção Spiritual, ou Negro Spiritual, é considerada uma das formas de canção
mais significativa e popular americana.

Antes extemporâneos, agora tradicionais, os Spitiruals são artefatos


culturais que carregam dentro deles a voz dos que não têm voz, uma
rebelião clandestina dos profundamente oprimidos, o gênio de uma
comunidade artística, uma esperança para os psicológica e
fisicamente subjugados, uma comunhão do espírito, uma linguagem
codificada, uma reivindicação de dignidade em meio a um ambiente

5
There seems to be small doubt that Christianity contributed in large measure to a spirit of
patience which militated against open rebellion among the bondsmen. Yet to overemphasize
this point leads one to obscure a no less important reality: Christianity, after being reinterpreted
and recast by slave bards, also contributed to that spirit of endurance which powered
generations of bondsmen, bringing them to that decisive moment when for the first time a real
choice was available to scores of thousands of them. (STUCKEY 1969, p.429)
31

profundamente degradante, um roteiro para escapar (ferrovias


subterrâneas auxiliadas pelos abolicionistas), um mecanismo de
enfrentamento, um bálsamo de cura para os campeões da luta contra
as probabilidades de estatura colossal, lições de valores, o ritmo dos
tambores da África Ocidental, um chamado à justiça, transformação e
6
inspiração. (CONE, grifos do autor, 1979, p. 59, tradução nossa)

Em 1619, na cidade de Jamestown, atualmente Virgínia, chegaram os


primeiros africanos destinados ao mercado escravocrata. E a partir de então,
os africanos e seus descendentes tiveram que suportar o que a escravidão lhes
causou, mas sem esquecer a música ancestral, um dos berços da
expressividade de sua cultura. O ritmo era praticamente oral. Ele era composto
não somente com os tambores, mas também, através do corpo, utilizando as
palmas e suas batidas dos pés entoavam a harmonia do balanço da canção.
Devemos salientar que como os africanos foram trazidos como escravos, eles
eram proibidos de usarem qualquer tipo de instrumento musical como o tambor
que era bastante usado na África, mas não lhes era proibido cantar, e é a partir
desse cantar, juntamente com os shouts (danças sagradas) e os hollers (um
grito musical longo) que surgiram os Spirituals e as Work Songs.
Desde que chegaram como escravos, os africanos mantiveram a música
presente no seu cotidiano como uma forma de sonhar o indizível naquela
época: a liberdade. Mesmo sendo-lhes tirado tudo de forma tão brutal, os
opressores não conseguiram tirar deles a música, que de certa maneira,
podemos dizer, era um caminho que a alma encontrava para se expressar em
meio a tanta barbárie.
Como dito anteriormente, a música era constante, era o ‗presente‘ que
abrandava o trabalho árduo nas lavouras, na casa grande, da opressão dos
seus corpos. Suas mentes eram distraídas pelos poucos momentos em que se
reuniam para suas comemorações individuais sob o luar que iluminava o
terreiro e seus passos sincronizados com a dança. O poder da música africana,

6
―Once extemporaneous, now traditional, spirituals are cultural artefacts that carry within them
the voice of the voiceless, a clandestine rebellion of the deeply oppressed, the genius of an
artistic community, a hope for the psychologically and physically subjugated, a communion of
the spirit, a coded language, a claim to dignity amidst a deep demeaning environment, a
roadmap to escape (Abolisitionists‗ aided Underground Railroads), a coping mechanism, a
healing balm to the champions of struggle against odds of colossal stature, lessons of values,
the rhythm of the West African drums, a call to justice, transformation, and inspiration‖. (CONE
1979, p. 59)
32

especificamente o Negro Spiritual, teve grande impacto e influência sobre


outros estilos musicais que surgiriam mais tarde, como o jazz, ragtime, blues e
entre outros gêneros que escutamos atualmente. De acordo com MIRA (2020,
p. 01), esse encantamento é na verdade:

O poder desta música da Diáspora africana aparece como elemento


condutor da grande herança ancestral e cultural da Mãe África. Por
onde passou esta música influenciou e deu novas formas às que já
existia, quer seja na América do sul especialmente o Brasil, na
América central e na América do Norte especialmente os Estados
unidos, onde pela forte cultura de massa essa influencia se espalhou
por todo mundo, Na forma primeiramente do Negro Spirituals e dos
demais estilos dele derivados (...).

O grande e significativo acervo da música negra, por ser estritamente


oral, foi modificada com o passar do tempo, mas devido a sua acentuada
influência, a sua essência se manteve e serviu de inspiração para diversos
outros artistas ao longo dos tempos.
A criação do coral Fisk Jubilee Singers (1871) (o grupo composto por
afro americanos), da Fisk University (Neshville-Tennessee), iniciou uma turnê
para espalharem os Spirituals pelos Estados Unidos, principalmente por onde
raramente se havia ouvido falar sobre as canções negras. O grande sucesso
do coral movimentou outras universidades a formarem grupos de cantores de
músicas populares negras.
Artistas como Harry Thacker Burleigh (1866-1949), que foi filho de
escravos; os irmãos John Wesley Work II (1871-1925) e John Wesley Work III
(1901- 1999), James Weldon Johnson (1871-1938) e os cantores do coral da
Fisk University, deram grande contribuição para a disseminação dos Spirituals
dentro e fora dos EUA.
Muitos Spirituals ficaram bastante conhecidos no âmbito musical.
Dentre eles podemos citar: Wade in the Water (1901), Get On Board (1872),
Song Of The Free (1860), Go Down Moses (1872), Were You There (When
They Crucified My Lord) publicado em 1899, Amazing Grace, que foi escrito
em 1772 por John Newton (1725-1807), e a canção mais famosa entre os
Spirituals: Swing Low, Sweet Chariot (escrito antes de 1862).
A canção Wade in the Water foi publicada pela primeira vez em 1901
pelo coral Fisk Jubilee Singers (John Wesley Work II e John Wesley Work III).
33

Analisada pelas lentes da religiosidade pode ser retratada como uma


interpretação bíblica do Antigo e Novo Testamento. Podemos perceber que
alguns versos retratam a fuga dos israelitas pelo Egito, conferida no livro de
Êxodo, capítulo 14.

Quadro 2 – WADE IN THE WATER


Wade In The Water

Wade in the water


Wade in the water, children
Wade in the water
God's a-gonna trouble the water
God's a-gonna trouble the water.

Well, who are these children all dressed in red?


God's a-gonna trouble the water
Must-a-be the children that Moses lead
God's a-gonna trouble the water.

Wade in the water


Wade in the water, children
Wade in the water
God's a-gonna trouble the water
God's a-gonna trouble the water.

Well out of the mountain come fire an' smoke


God's a-gonna trouble the water
Jehovah nobody be he could've spoke
God's a-gonna trouble the water.

Wade in the water


Wade in the water, children
Wade in the water
God's a-gonna trouble the water
God's a-gonna trouble the water.

Well, I'm walkin' down the highway an' the water's gettin' low
God's a-gonna trouble the water.
Walkin' down the highway, nowhere to go
God's a-gonna trouble the water.

But it's wade in the water


Wade in the water, children
Wade in the water
God's a-gonna trouble the water
God's a-gonna trouble the water.
God's a-gonna trouble the water.

Caminhe na água

Caminhem na água
Caminhem na água, as crianças
Caminhem na água
Deus vai agitar a água
Deus vai agitar a água
34

Bem, quem são essas crianças todas vestidas de vermelho?


Deus vai agitar a água
Devem ser as crianças que Moisés conduziu
Deus vai agitar a água

Caminhem na água
Caminhem na água, as crianças
Caminhem na água
Deus vai agitar a água
Deus vai agitar a água

Saindo da montanha veio o fogo e a fumaça


Deus vai agitar a água
Ninguém além do Senhor poderia ter falado Deus vai agitar a água
Ninguém além do Senhor poderia ter falado
Deus vai agitar a água

Caminhem na água
Caminhem na água, as crianças
Caminhem na água
Deus vai agitar a água
Deus vai agitar a água

Bem, eu estou descendo a estrada e a água está abaixando


Deus vai agitar a água
Descendo a estrada sem ter para onde ir
Deus vai agitar a água

Mas é caminhar na água


Caminhem na água, as crianças
Caminhem na água

Deus vai agitar a água


Deus vai agitar a água
Deus vai agitar a água

Fonte: https://genius.com/Ella-jenkins-wade-in-the-water-lyrics. Acesso em: 21-07-2020

Entretanto, se Wade in the Water for analisada por um viés histórico-


cultural, a canção pode ser interpretada como um ‗manual‘ que continha
instruções implícitas para que os negros fugitivos soubessem como evitar suas
recapturas e, dessa maneira, tornar real o seu caminho para a liberdade.

Um grande exemplo dessa canção sendo usada como manual de fuga é


relatado no site Pathways to Freedom: Maryland & the Underground Railroad7.
O site faz referencia a uma mulher chamada Harriet Tubman, onde a mesma
acaba dando instruções para os escravos através da canção, fazendo com que
os escravos fugitivos, acabassem saindo das trilhas e entrando nos rios para

7
Disponível em: https://pathways.thinkport.org/about/. Acesso em: 16-12-2020.
35

que os cães usados pelos donos de escravos acabassem perdendo o faro dos
fugitivos.

Wade in the Water foi usada como uma canção de liberdade, pois a
letra dava dicas geográficas para uma viagem mais segura. Para os
escravos fugitivos, a canção dizia-lhes que abandonassem o caminho
e entrassem na água. Ao viajar ao longo da borda da água ou através
de um corpo de água, os escravos jogariam os cães perseguidores e
8
seus tratadores para longe do cheiro. (FRADIN, grifo do autor, 2000,
p.186, tradução nossa)

Song Of the Free é uma canção Underground Railroad, que são


canções espirituais utilizadas em meados do século 19 nos EUA, onde o intuito
delas era de incentivar os escravos a fugirem através de mensagens
codificadas. A canção foi escrita entre 1860 e retrata a fuga de um homem do
Tennessee para o Canadá, através de uma estrada de ferro que era
subterrânea. Na época da escravidão, na maioria dos estados escravagistas,
era proibido ensinar os escravos a ler e escrever, então canções foram
utilizadas como uma fonte de informação sobre alertas de perigos e obstáculos
durante a fuga.

Quadro 3 – SONG OF THE FREE

Song Of The Free.

I'm on my way to Canada,


That cold and dreary land,
The dire effects of slavery
I can no longer stand,
My soul is vexed within me sore
To think that I'm a slave,
I'm now resolved to strike the blow
For freedom or the grave.
Oh, righteous father, wilt thou not pity me,
And aid me on to Canada, where colored men are free.

I heard the Queen of England say


If we would all forsake
Our native land of slavery
And come across the lake,
That she was standing on the shore
With arms extended wide,
To give us all a peaceful home

8
"Wade in the Water" was used as a freedom song as the lyrics gave geographical hints for a
safer travel. ―To escaping slaves, the song told them to abandon the path and move into the
water. By traveling along the water‘s edge or across a body of water, the slaves would throw
chasing dogs and their keepers off the scent‖ (Wade in the Water). (FRADIN, grifos do autor,
2000, p.186)
36

Beyond the rolling side.


Farewell old master, that's enough for me,
I'm going straight to Canada where colored men are free.

Grieve not my wife,


Grieve not for me,
Oh, do not break my heart;
For nought but cruel slavery
Would cause me to depart,
If I should stay to quell your grief,
Your grief I would augment,
For no one knows the day that we
Asunder may be rent.
Oh, Susannah don't cry after me,
I'm going up to Canada where colored men are free.

I served my master all my days


Without a dime's reward,
But now I'm forced to run away
To flee the lash abhored,
The hounds are baying on my track
The master just behind,
Resolved that he will bring me back
Before I cross the line.
Oh, old master don't come after me
I'm going up to Canada where colored men are free.

I heard old master pray last night,


I heard him pray for me,
That God would come and in his might
From Satan set me free,
So I from Satan would escape
And flee the wrath to come,
If there's a fiend in human shape
Old Master must be one.
Oh, old master while you pray for me
I'm doing all I can to reach the land of liberty.

Ohio's not the place for me,


For I was much surprised,
So many of her sons to see
In garments of disguise;
Her name has gone throughtout the world
Free labor, soil and men,
But slaves had better far be hurled
Into a lion's den.
Farewell Ohio, I'm not safe in thee,
I'll travel on to Canada where colored men are free.

I've now embarked for yonder's shore,


Where man's a man by law,
The vessel soon will bear me o'er
To shake the Lion's paw;
I no more dread the auctioneer,
Nor fear the master's frown,
I no more tremble when I hear
The baying negro hound.
Oh, old master, don't come after me,
I'm just in sight of Canada, where colored men are free.
37

I've landed safe in Canada,


Both soul and body free,
My blood and brains and tears no more
Shall drench old Tennessee;
Yet I behold the scalding tears
Now streaming from my eye,
To think my wife, my only dear,
A slave must live and die.
Oh, Susannah, don't grieve after me,
Forever at the throne of God, I will remember thee.

CANÇÃO DO LIVRE

Estou a caminho do Canadá,


Aquela terra fria e sombria,
Os terríveis efeitos da escravidão
não posso mais suportar,
Minha alma está atormentada dentro de mim dolorida por
pensar que sou um escravo,
agora estou decidido a atacar o golpe
Para a liberdade ou o túmulo.
Oh, pai justo, não queira ter pena de mim,
E me ajude no Canadá, onde os homens de cor são livres.

Eu ouvi a Rainha da Inglaterra dizer


Se todos nós abandonássemos
Nossa terra natal da escravidão
E cruzássemos o lago,
Que ela estava parada na praia
Com os braços abertos,
Para dar a todos nós um lar tranquilo
Além do lado ondulante.
Adeus velho mestre, chega para mim,
vou direto para o Canadá onde os negros são livres.

Não sofra por minha esposa,


Não sofra por mim,
Oh, não quebre meu coração;
Pois nada além da escravidão cruel
faria com que eu partisse,
Se eu ficasse para reprimir sua dor,
Sua dor eu aumentaria,
Pois ninguém sabe o dia em que nós
em pedaços poderemos ser dilacerados.
Oh, Susannah, não chore atrás de mim,
vou para o Canadá, onde os negros são livres.

Eu servi ao meu mestre todos os meus dias


Sem uma recompensa de um centavo,
Mas agora sou forçado a fugir
Para fugir do chicote abominável,
Os cães estão latindo em minha trilha
O mestre logo atrás,
Resolveu que ele me trará de volta
Antes que eu cruze a linha.
Oh, velho mestre, não venha atrás de mim
. Vou para o Canadá, onde os negros são livres.

Eu ouvi orar velho mestre na noite passada,


eu o ouvi orar por mim,
38

que Deus viria e na sua força


do demônio me libertar,
Então eu do Satanás iria escapar
e fugir da ira vindoura,
Se há um demônio em forma humana
Velho O mestre deve ser um.
Oh, velho mestre, enquanto você ora por mim
, estou fazendo tudo o que posso para alcançar a terra da liberdade.

Ohio não é o lugar para mim,


pois fiquei muito surpreso,
tantos de seus filhos para ver
Em trajes de disfarce;
Seu nome foi espalhado por todo o mundo
. Trabalho, solo e homens livres,
Mas é melhor que os escravos sejam lançados
na cova dos leões.
Adeus Ohio, não estou seguro em ti,
vou viajar para o Canadá, onde os negros são livres.

Eu agora embarquei para a praia lá longe,


Onde o homem é um homem por lei,
O navio logo me levará
para sacudir a pata do Leão;
Não temo mais o leiloeiro,
Nem temo a carranca do mestre,
Não tremo mais quando ouço
O cão negro latindo.
Oh, velho mestre, não venha atrás de mim,
estou apenas à vista do Canadá, onde os homens de cor são livres.

EU'
Ambos alma e corpo livres,
Meu sangue e cérebros e lágrimas não mais
Encharcarão o velho Tennessee;
Ainda assim, eu vejo as lágrimas escaldantes
Agora escorrendo de meus olhos,
Para pensar que minha esposa, minha única querida,
Um escravo deve viver e morrer.
Oh, Susannah, não sofra por mim,
Para sempre no trono de Deus, eu me lembrarei de ti.

Fonte: https://en.wikisource.org/wiki/Song_of_the_Free. Acesso em: 22 de julho de 2020.

Podemos perceber, de forma bem explícita, a alusão que a canção faz


em relação à falta de liberdade que o afro-americano vivenciou durante a
escravidão. A canção, em algumas estrofes, destaca os perigos que eles
teriam que enfrentar, e que a morte seria um desses desafios. Por fim, se
observa uma referência ao Canadá, onde as pessoas de cor eram
consideradas livres, logo, felizes e esperançosas.

A canção mais conhecida entre os Spirituals, Swing Low, Sweet


Chariot, é uma canção Negro Spiritual americana bastante conhecida e
39

interpretada por diversos artistas. A interpretação mais antiga da música está


datada em 1909, pelo coral Fisk Jubilee Singers, mas estima-se que a canção
tenha sido criada antes de 1862 por Wallace Willis (1820 - 1880).

Quadro 4 – SWING LOW, SWEET CHARIOT

Swing Low, Sweet Chariot

Swing low, sweet chariot


Comin' for to carry me home
Swing low, sweet chariot
Comin' for to carry me home

I looked over Jordan


And what did I see
Comin' for to carry me home
A band of angels comin' after me
Comin' for to carry me home

Swing low, sweet chariot


Comin' for to carry me home
Swing low, sweet chariot
Comin' for to carry me home

If you get there before I do


Comin' for to carry me home
Tell all my friends I'm comin' too
Comin' for to carry me home

Swing low, sweet chariot


Comin' for to carry me home
Swing low, sweet chariot
Comin' for to carry me home

The brightest day that I can say


Coming for to carry me home
When Jesus washed my sins away
Coming for to carry me home

Swing low, sweet chariot


Comin' for to carry me home
Swing low, sweet chariot
Comin' for to carry me home

Balance Devagar, Doce Carruagem

Balance devagar, doce carruagem


Vindo para me levar para casa
Balance devagar, doce carruagem
Vindo para me levar para casa
40

Eu olhei sobre o Jordão


E o que eu vi
Vindo me levar pra casa
Uma banda de anjos vindo atrás de mim
Vindo me levar pra casa

Balance devagar, doce carruagem


Vindo para me levar para casa
Balance devagar, doce carruagem
Vindo para me levar para casa

Se você chegar lá antes de mim


Vindo me levar pra casa
Diga a todos os meus amigos que estou vindo também
Vindo me levar pra casa

Balance devagar, doce carruagem


Vindo para me levar para casa
Balance devagar, doce carruagem
Vindo para me levar para casa

O dia mais claro que posso lembrar


Vindo me levar pra casa
Quando Jesus me purificou de meus pecados
Vindo me levar pra casa

Balance devagar, doce carruagem


Vindo para me levar para casa
Balance devagar, doce carruagem
Vindo para me levar para casa

Fonte: https://www.thesun.co.uk/sport/3048185/swing-low-sweet-chariot-meaning-lyrics-
history/. Acesso em: 22 de julho de 2020.

A canção pode ter sido inspirada na história do profeta Elias que é


levado ao céu como consta no livro 2 de Reis, capítulo 2 da Bíblia Sagrada.
Em outro panorama da canção, percebe-se que a canção também se refere a
uma Underground Railroad, que foi uma estrada utilizada pelos escravos
fugitivos que pretendiam seguir rumo ao Canadá. De todo modo, é visto um
sinal de esperança que circunda na letra de quem canta e para quem a ouve. A
esperança de chegar em segurança, de ter a liberdade e a vida digna, ter uma
casa, um verdadeiro lar.
Também poderíamos relacionar a música com a morte, já que para
muitos, a morte acaba sendo uma libertação. Podemos citar os grandes navios
negreiros, onde vários africanos que posteriormente virariam escravos
acabaram se sujeitando a morte do que a escravidão.
41

4.2 WORK SONGS

Durante o período da plantation, as Canções de Trabalho, ou Work


Songs (como são mais conhecidas), ajudaram os negros a suportarem os
castigos das lavouras diante de uma grande situação que os castigava: as
infindáveis horas de trabalho sob o sol ardente e sem ter a alimentação e os
cuidados básicos para realizá-las.

Em geral, espera-se que os escravos cantem e trabalhem. Um


escravo silencioso não é apreciado por mestres ou feitores (...).
Isso pode ser responsável pelo canto quase constante ouvido
nos estados do sul (...). Muitas vezes tenho ficado totalmente
surpreso, desde que vim para o norte, para encontrar pessoas
que poderiam falar do canto entre os escravos como prova de
seu contentamento e felicidade. É impossível conceber um erro
maior. Os escravos cantam mais quando estão mais
infelizes. As canções dos escravos representam as tristezas de
sua vida; e ele é aliviado por eles apenas como um coração
dolorido é aliviado por suas lágrimas.9 (BARLOW, 1989 p. 14
tradução nossa)

De maneira geral, como a maioria das canções populares negras, a


criação de Work Songs era feita de forma espontânea e em grupo e, como dito
anteriormente, expressava geralmente, a lida dos escravos. De acordo com
Alan Lomax (1934, p.19, tradução nossa), ―as letras dessas canções não foram
projetadas para os ouvidos do Senhor, nem para os ouvidos do chefe branco.
Nelas era provável que o negro falasse abertamente e livremente o que vinha
em mente10‖.

O negro, em sua grande maioria, não está acostumado a cantar sem se


mexer no ritmo da música. Mesmo se estiver sentado, o cantor faz seu corpo
balançar de um lado para o outro, onde os pés e as mãos tomam a liberdade
9
Slaves are generally expected to sing as well as to work. A silent slave is not liked by masters
or overseers. . . .This may account for the almost constant singing heard in the southern states.
. . .I have often been utterly astonished, since I came north, to find persons who could speak of
the singing among slaves as evidence of their contentment and happiness. It is impossible to
conceive of a greater mistake. Slaves sing most when they are most unhappy. The songs of
the slaves represent the sorrows of his life; and he is relieved by them only as an aching heart
is relieved by its tears. (BARLOW, 1989 p. 14)
10
―The words of these songs were not designed for the ear of the Lord, nor for the ear of the
white boss. In them the Negro was likely to speak his free and open mind.‖ LOMAX (1934, p.19)
42

de viver seus próprios anseios fazendo com que os brancos ficassem


admirados com o que viam: o amor que o negro tinha pela dança, sua
facilidade em dançá-la e o embalo harmônico do som da canção e o corpo,
numa única linguagem habitava o negro.

Foi a partir dessa ―admiração‖ do branco em relação à cultura negra, que


os brancos tiveram a ideia de promover as imitações no que se diz respeito à
certas parcelas da cultura negra como: a dança e a música. Essas imitações
ficaram conhecidas como Menestréis das Faces Negras, o termo original é
Blackface Minstrel. Tratam-se de sátiras da cultura afro-americana que se
tornaram a principal diversão nos teatros dos EUA por quase um século. Pintar
o rosto com tinta negra e subir aos palcos para interpretar o/a negro/a era uma
das paródias mais bem quistas pela sociedade branca da época que apreciava
o teatro, exibições literárias musicais.

Ao longo do século XIX se consolidaram nos Estados Unidos os


populares minstrels shows, que visavam agradar as plateias com a
comicidade dos menestréis muitas vezes representados por
blackfaces e por personagens negros, como Jim Crow, Uncle Tom e
Sambo (Boskin, 1986). Pintados com graxa preta e com lábios
exagerados, os blackfaces ridicularizavam nos palcos, pelas
vestimentas (luvas e fraque, por exemplo) e pela performance de
certos gestos e falas, a pretensa ingenuidade e alegria musical dos
escravos nas velhas fazendas do sul. Levavam para os palcos
―estudadas imitações dos estilos dos escravos de cantar, dançar e
celebrar‖ (Abrahams, 1992, p.133). No olhar dos brancos,
especialmente antes da guerra civil, os negros eram naturalmente
engraçados, risonhos e propensos à música, o que ajudava a
comprovar a sua pretensa infantilidade e inferioridade. (ABREU,
grifos do autor, 2015, p. 190)

Em corroboração com a autora supracitada, os menestréis eram


produzidos para satirizar e ridicularizar as grandes produções afro-americanas,
e entre essas ―grandes produções‖ de menestréis, podemos citar, Old Dan
Tucker, que foi criado por Daniel Decatur Emmett em 1843.

Quadro 5 – OLD DAN TUCKER

Old Dan Tucker

chorus:
So get out the way!
Get out the way!
Get out the way Old Dan Tucker
You‘re too late to come to supper
43

verses:
I came to town the other night
I heard the noise and saw the fight
The watchman was a-runnin‘ round
Cryin‘ Old Dan Tucker‘s come to town

Tucker is a nice old man


He used to ride our darby ram
He sent him whizzin‘ down the hill
If he hadn‘t got up he‘d lay there still

Here‘s my razor in good order


Magnum bonum – I just bought her
Sheep shell oats, Tucker shell corn
I‘ll shave you soon as the water gets warm

Old Dan Tucker and I got drunk


He fell in the fire and kicked up a chunk
The charcoal got inside his shoe
Lord bless you honey how the ashes flew

Down the road foremost the stump


Master made me work the pump
I pumped so hard I broke the sucker
There was work for Old Dan Tucker

I went to town to buy some goods


I lost myself in a piece of woods
The night was dark I had to suffer
It froze the heel of Daniel Tucker

Tucker was a hardened sinner


He never said his grace at dinner
The old sow squealed, the pigs did squall
He hole hog with the tail and all

Velho Dan Tucker

refrão:

Então sai da frente!

Sai da minha frente!

Sai da frente, velho Dan Tucker

Você está muito atrasado para vir para o jantar

versículos:

Eu vim para a cidade na outra noite

Ouvi o barulho e vi a luta

O vigia estava correndo

O velho Dan Tucker chegou à cidade

Tucker é um velho simpático


44

Ele costumava montar o nosso carneiro

Mandou-o descer a colina

Se ele não tivesse se levantado ele ficaria parado lá

Aqui está minha navalha em boa ordem

Magnum bonum - Acabei de comprá-la

Aveia com casca de ovelha, milho com casca de Tucker

Vou barbear-te assim que a água aquecer

O velho Dan Tucker e eu ficamos bêbados

Ele caiu no fogo e chutou um pedaço

O carvão entrou no sapato

Deus te abençoe, querida, como as cinzas voaram

Descendo a estrada acima do toco

Mestre me fez trabalhar a bomba

Eu bombeei tão forte Eu quebrei o otário

Havia trabalho para o velho Dan Tucker

Fui à cidade comprar algumas coisas

Eu me perdi em um pedaço de floresta

A noite estava escura Eu tinha que sofrer

Congelou o calcanhar de Daniel Tucker

Tucker era um pecador endurecido

Ele nunca disse sua graça no jantar

A velha porca gritou, os porcos fizeram squall

Ele fura o porco com a cauda e tudo.

Fonte: https://www.balladofamerica.org/old-dan-tucker/. Acesso em 22 de setembro de 2020.

A letra desse menestrel retrata as histórias e façanhas de Dan Tucker


em uma cidade onde o personagem acaba exagerando em suas ações: fica
45

bêbado, come demais, arruma confusão e entre outras gabarolices. A canção


faz apropriação de palavras abreviadas para retratar Dan Tucker como um
homem negro bárbaro dentro dos padrões estabelecidos na época do Jim
Crow11. O personagem é descrito como violento, alcoólatra, viciado em sexo,
desprovido de inteligência e incapaz de se adaptar e integrar aos costumes
locais dos brancos.

Mas diferentemente dos menestréis, onde o branco parodiava a cultura


negra, as canções de trabalho podem ser consideradas como um costume
criado pelo povo negro a fim de exortar dores e reprimendas. O acervo de
Work Songs criadas pelos negros pode ser comparado em relação às canções
espirituais.

Um exemplo muito significativo foram as gravações realizadas pelo


etnomusicólogo norte americano Alan Lomax entre 1933 e 1985 pelo
interior dos Estados Unidos. Entre seus registros, constam cantos de
12
trabalho na roça, as chamadas farm work-songs , e também as
13
prison songs , de clara influência da musicalidade negro-africana.
Seu trabalho foi o de ―garimpar‖ e registrar práticas musicais ligadas
àquelas porções sistematicamente esquecidas da sociedade norte
americana. O resultado foi um monumental e valioso acervo em
14
áudio que revela a múltipla e complexa realidade do ambiente
sonoro-musical norte-americano naquele período. (FONSECA, grifos
do autor, 2015 p.13)

Lomax (1915 - 2002) foi um etnógrafo e folclorista que dedicou quase 70


anos de sua vida fazendo coleções das canções populares na América. Ele
deu início as suas gravações em 1928, quando seu pai, John Lomax, ganhou o
cargo de chefe do Arquivo da Canção Popular Americana, que fica localizada
na Biblioteca do Congresso. Foi a partir desse momento que pai e filho
começaram a expandir as coletâneas músicas populares por meio de
gravações até 1942. Lomax se tornou Assistente Responsável em 1937, e

11
Termo já abordado no capitulo 1.
12
Ouça em:
https://www.youtube.com/watch?v=zuHurBhxW4E&list=UUInpAOuv6nqdf6EheU4Wfjg. Acesso
em 22 de setembro de 2020.
13
Ouça em:
https://www.youtube.com/watch?v=3O3vEOwFuOo&list=UUInpAOuv6nqdf6EheU4Wfjg. Acesso
em 22 de setembro de 2020.
14
Disponível em: https://www.loc.gov/folklife/. Acesso em 22 de setembro de 2020.
46

juntamente com seu pai, passou anos viajando pelos EUA gravando canções
populares com um gravador de disco.

Dentro da diversidade de canções do acervo de Lomax, temos: The


House Carpenter (Texas Gladden, 1941), The Gypsy Davy (Woody Guthrie of
Okemah, 1940), Pretty Polly (E. C. Ball, 1941), Old Kimball (Texas Gladden,
1941),The Sioux Indians (Alex Moore, 1940), e entre outras.

Quadro 6 – IT'S A LONG JOHN

It's a long John

LEADER:

l. It‘s a long John,

He‘s a long gone,

Like a turkey through the corn,

Through the long corn.

2. Well, my John said,

In the ten chap ten,

"If a man die,

He will live again."

Well, they crucified Jesus

And they nailed him to the cross;

Sister Mary cried,

―My child is lost!‖

Chorus:

Well, long John,

He‘s long gone,

He‘s long gone.

Mister John, John,

Old Big-eye John,

Oh, John, John,

It‘s a long John.

3. Says-uh: "Come on, gal,

And-uh shut that do',"

Says, "The dogs is comin'


47

And I‘ve got to go."

Chorus:

It‘s a long John,

He‘s long gone,

It‘s a long John,

He‘s a long gone.

4. "Well-a two, three minutes,

Let me catch my win';

In-a two, three minutes,

I‘m gone again."

Chorus:

He‘s long John,

He‘s long gone,

He‘s long gone,

He‘s long gone.

5. Well, my John said

Just before he did,

"Well, I‘m goin' home,

See Mary Lid."

Chorus:

He‘s John, John,

Old John, John,

With his long clothes on,

Just a-skippin' through the corn.

6. Well, my John said

On the fourth day,

Well, to "tell my rider

That I‘m on my way."

Chorus:

He‘s long gone,

He‘s long gone,

He‘s long gone,


48

It‘s a long John.

7. "Gonna call this summer,

Ain‘t gon‗ call no mo‘,

If I call next summer,

Be in Baltimore."

He‘s long gone.

É um longo John

LÍDER:

eu. É um longo John,

Ele já se foi,

Como um peru no milho,

Através do milho comprido.

2. Bem, meu John disse,

No décimo capítulo dez,

"Se um homem morrer,

Ele vai viver novamente. "

Bem, eles crucificaram Jesus

E eles o pregaram na cruz;

Irmã Mary chorou,

―Meu filho está perdido!‖

Refrão:

Bem, longo John,

Ele se foi há muito tempo,

Ele já se foi.

Senhor John, John,

O velho John,

Oh, John, John,

É um longo John.

3. Diz-uh: "Vamos, garota,

E-uh cale isso ', "

Diz: "Os cachorros estão chegando


49

E eu tenho que ir. "

Refrão:

É um longo John,

Ele se foi há muito tempo,

É um longo John,

Ele já se foi.

4. "Bem, uns dois, três minutos,

Deixe-me pegar minha vitória ';

Em dois, três minutos,

Eu fui embora de novo. "

Refrão:

Ele é longo John,

Ele se foi há muito tempo,

Ele se foi há muito tempo,

Ele já se foi.

5. Bem, meu John disse

Pouco antes de ele fazer,

"Bem, estou indo para casa,

Veja Mary Lid. "

Refrão:

Ele é John, John,

Velho John, John,

Com suas roupas compridas,

Apenas pulando pelo milho.

6. Bem, meu John disse

No quarto dia,

Bem, para "dizer ao meu cavaleiro

Que estou a caminho.

Refrão:

Ele se foi há muito tempo,

Ele se foi há muito tempo,

Ele se foi há muito tempo,


50

É um longo John.

7. "Vou ligar neste verão,

Não vou 'chamar ninguém',

Se eu ligar no próximo verão,

Esteja em Baltimore. "

Ele já se foi.

Fonte: http://historymatters.gmu.edu/d/5758/. Acesso em: 22 de setembro de 2020.

A canção It's a long John, que é interpretada por um negro identificado


por Lightning e um grupo de escravos condenados na Prisão Estadual de
Darrington, no Texas, em 1934. Foi uma forma que os prisioneiros encontraram
de se divertir, uma forma de dar sentido à vida e à história que ali estava sendo
construída. A canção, que é uma expressão poética cantada, descreve as
preocupações religiosas e seculares que os escravos estavam vivenciando
naquele nebuloso período. A canção também retrata um plano de fuga que
daria certo, seria uma prova viva de sua poesia de vida e resistência embalada
na letra dessa música.

As Work Songs têm uma característica bastante comum em suas


interpretações: o call and answer, que funcionava da seguinte forma: uma
pessoa, geralmente um líder, cantava um verso e o restante do grupo cantava/
respondia com um verso enfaticamente repetitivo. Esse tipo de técnica se dá
devido as canções de trabalho africanas, onde se sucedeu para os Spitiruals,
possuírem um teor mais religioso do judaísmo cristão, até chegar nos
conhecidos Blues.

Dessa forma, o Blues evolui passando de letras espirituais ou work


songs para uma forma essencialmente instrutiva, onde as letras poéticas das
músicas acabaram revelando o cotidiano do negro e suas emoções. Desde
então, podemos dizer que muitos artistas foram surgindo e assumiram papéis
importantes e impactantes no que se diz respeito ao avanço da cultura literária
negra e seus desdobramentos artísticos, influenciando assim a evolução da
criação e fortalecimento da Literatura Negra Americana.
51

4.3 O BLUES

Foi sentenciado aqui, anteriormente, que a forma inicial do Blues se dá


através das Work Songs e Spirituals. Uma Work Song é um estilo de música
cantada nos campos de trabalhos e é caracterizada pelo uso da voz, visto que
na época da escravidão os escravos não eram permitidos usarem instrumentos
musicais. As Work Songs eram cantadas como forma de aliviar os trabalhos
nas lavouras. Os Spirituals, por sua vez, se configuram como um estilo
religioso da interpretação dos escravos a respeito da bíblia. Muitos Spirituals
tem em suas composições temas como a salvação, a terra prometida, de ser
levado ao paraíso (céu).

Posteriormente, o termo Blues passaria a ser utilizado pela primeira vez


no diário de Charlotte Forten, entre 1862 - 1865. Segundo Amanda Palomo
Alves (2011, p. 52):

O termo blues apareceu pela primeira vez no diário de Charlotte


Forten, uma professora negra nascida livre no norte dos Estados
Unidos, durante o século XIX. No período em que morou e lecionou
em Edito Island (Carolina do Sul), entre 1862 e 1865, Forten elaborou
um diário repleto de informações onde narra suas angústias e
descreve os gritos dos escravos que vinham dos alojamentos: ―Voltei
da igreja com o blues. Joguei-me sobre meu leito e pela primeira vez,
desde que aqui cheguei, me senti muito triste e muito miserável‖.
Apesar de o blues (enquanto gênero musical) provavelmente não
existir em Edito Island na época em que a professora escreveu, é
interessante destacar que o espírito ―blues‖, com suas conotações
lamuriosas, já era difundido entre os negros. (ALVES, grifos do autor,
2011, p. 52)

Dessa maneira, se torna quase impossível exemplificar uma definição


exata a respeito do que seria o gênero musical Blues, mas em suas
composições sempre existem marcas de melancolia e tristeza, já que foi
durante a chegada dos escravos negros vindos da África para os EUA durante
o século XVII, que nasce o Blues. Segundo Paul Oliver, grande pesquisador do
Blues:

O blues é um estado de espírito e a música que dá voz a ele. O blues


é o lamento dos oprimidos, o grito de independência, a paixão dos
lascivos, a raiva dos frustrados e a gargalhada do fatalista. É a agonia
52

da indecisão, o desespero dos desempregados, a angústia dos


destituídos e o humor seco do cínico. O blues é a emoção pessoal do
indivíduo que encontra na música um veículo para se expressar (...)
(OLIVER, 1995, p. 27)

O Blues, se associado na condição histórico-social do negro, de certa


forma, é considerado uma forma de afirmação e resistência da cultura negra
vista por tantos anos como inferior colocada como passível de refutação diante
do rol dos clássicos artísticos hegemônicos. Sendo assim, esse estilo musical
torna-se o responsável pela inclusão do negro no mundo moderno e manifesta
a sua cultura e história. Infelizmente, nem sempre essa maneira de
identificação foi bem vista ou recebida pela sociedade racista da época, como
podemos evidenciar pelas palavras de Borges (2007, p. 15).

Mas esta linguagem musical com registo racial tendenciosamente


associado à marginalidade não era bem acolhida pela
intelectualidade negra nem pela crítica branca. Críticos brancos que
escreveram sobre o Blues entre 1910 e 1920, quando este género
começou a ser ouvido e divulgado, designaram-no por vezes como
algo abominável, uma violação das sensibilidades refinadas, um
fenómeno antiartístico que só podia apelar ao mau gosto, ao gosto
bestial, à impudência. Por sua vez, neste período, os intelectuais
negros contemporâneos de Hughes depreciavam o Blues de outro
modo, subestimando a sua importância estética e excluindo-o
literalmente do projeto de promoção social em que estavam
envolvidos. (BORGES, 2007, p. 115)

Podemos perceber que a música não era a única obra de Hughes, mas
ela pode representar um grande marco da inovação artística. O poeta busca
não apenas representar sua poesia em forma de texto escrito, mas mediante
palavras cantadas. E é dentro dessa mesma perspectiva de dar musicalidade
aos poemas através do Blues que citamos o poema, Song For a Dark Girl
(1927).

Quadro 7: SONG FOR A DARK GIRL

Way Down South in Dixie No Sul Profundo de Dixie


(Break the heart of me) (Meu coração partiu-se)
They hung my black young lover Enforcaram minha jovem amada negra
To a cross roads tree. Sob uma árvore numa encruzilhada.
Way Down South in Dixie No Sul Profundo de Dixie
(Bruised body high in air) (Corpo ferido alto no ar)
I asked the white Lord Jesus Eu perguntei ao Senhor Jesus branco
What was the use of prayer. Para que serve a reza.
53

Way Down South in Dixie No Sul Profundo de Dixie


(Break the heart of me) (Meu coração partiu-se)
Love is a naked shadow O amor é uma sombra nua
On a gnarled and naked tree. Numa áspera e nua árvore.

Fonte: https://genius.com/Langston-hughes-song-for-a-dark-girl-annotated.

Vemos aqui que essa música está fortemente marcada pelo ritmo
melancólico da época, uma característica bastante comum desse gênero
musical. A música, por exemplo, retrata o linchamento/enforcamento de uma
jovem negra, linchamento esse que era considerado uma forma de castigo
bastante comum no sul dos EUA durante e após o período da escravidão.

O sofrimento do eu lírico do poema é transmitido de forma bem


realística, sugerindo dessa maneira que a igualdade racial no país estava longe
de ser alcançada.

Diante de tais fatos, podemos perceber que o Blues está relacionado a


temas como político-social, já que ele não é escrito apenas como uma forma de
relato de condenação a respeito das violências que os negros eram
submetidos, mas como uma forma pura de cantar a dor, uma forma com a qual
o negro se identifique.
54

5 OS BLUES E OS POEMAS DE LANGSTON HUGHES: UM OLHAR


PARA A TRADIÇÃO ORAL DO NEGRO

Podemos evidenciar que o Blues era considerado, de certa forma, uma


poesia em forma de música - blues poems - inspirada na rotina vivenciada
pelos negros. Esses fatos são as mesclas dos sentimentos que envolvem as
memórias de sua terra-mãe, da diáspora e da amarga escravidão em solo
americano.

A poesia de Langston Hughes (1902-67) foi bastante contundente no


cenário literário dos EUA na primeira metade do século XX, e sua
influencia se faz sentir até os dias de hoje. Integrante do movimento
cultural conhecido como Harlem Renaissance, Hughes foi pioneiro na
autoafirmação literária da cultura negra, mesclando, em sua obra,
uma denúncia contra a opressão racista (seu lado mais engajado)
com uma celebração da cultura negra (seu lado mais musical,
composto pelos poemas de blues e jazz: blues poems e jazz poems)
(TOMÉ, grifo do autor, 2020, p. 75)

Essa musicalidade poética é composta com palavras simples que


desencadeiam expressivas formas da oralidade sustentada por uma linguagem
metafórica. Neste caso, tendo como fonte principal a rotina de vida dos
escravizados, as mensagens dos versos indicam um cuidado em manter a
tradição e a ancestralidade dos africanos e sua descendência como é
exemplificado por Pedro Tomé (2020, p. 75):

No que tange à estrutura, a musicalidade de Hughes nos blues


poems se manifesta, sobretudo através da repetição de palavras e
bordões, características estilística fortemente arraigada no
cancioneiro dos negros norte americanos. De acordo com Élio
Ferreira de Souza (2006, p. 258), em Hughes, ―[a] linguagem simples,
a repetição do mesmo verso no inicio e no interior do poema, os
paralelismos, anáforas, a memória coletiva e autobiográfica indicam a
herança oral da poesia negra‖ (TOMÉ, grifo do autor, 2020, p.75).

O receptor que não fosse pertencente ao lugar da subjugação - o sujeito


menosprezado e inviabilizado – ocupado devido à dominação de seu corpo
pelo método da colonização, certamente era desprovido da compreensão dos
códigos existentes nas letras das canções, sendo dessa maneira incapaz de
interpretar, de decodificar os signos e as metáforas que dão complemento e
sentido para a elaboração e a performance da canção. Portanto, como é
55

postulado por Naiana Galvão (2016), a literatura afrodescendente é um


‗espelho‘ que reflete toda uma história de perseverança e resistência de um
povo assujeitado pelo sistema de colonização. Nas palavras da autora:

Primeiramente, a literatura afrodescendente deve ser vista e


compreendida como uma forma de resistência, luta, manifesto,
denúncia de um povo que durante quatro séculos vem sendo
segregado, excluído e sujeitado a estar, sempre, em busca de sua
afirmação. A presença do estereótipo para o negro, mulato ou
afrodescendente é ainda muito marcante. O negro (neste grupo
étnico-racial, incluímos os mestiços, pardos) anseia pela literatura
negra, uma maneira de expor os sofrimentos e as condições que
essa raça, mesmo na era contemporânea, vivencia: a discriminação,
preconceito e racismo. (GALVÃO, 2016 p. 27).

Neste sentido, ressaltamos o escritor Langston Hughes (1902-1967) e


suas produções poéticas que formam também o Blues. Em cada um de seus
poemas, por muitas vezes, ele os escreve pensando em seus sons externados
harmonicamente no dedilhar de notas que estruturam o estilo Blues tornando-
os vozeados, quebrando, assim, os silêncios dos invisibilizados por grande
parte dos Estados Unidos da América.

Assim quando Hughes escreve um poema com forma de blues ele


assume deliberadamente essa tendência de inclusão ou, nas
palavras de Steven Tracy, torna-se um ―literary improviser‖. Ele
trabalha o blues – a forma, a técnica associada à música ou ambas
as coisas – tal como faria um músico de jazz e incorpora-as no seu
próprio vocabulário expressivo. Este procedimento vai ser
particularmente evidente no modo como Hughes representa na sua
poesia a oralidade e as técnicas vocais de quem canta blues. Para
traduzir para a escrita o estilo oral do blues ele vai apropriar-se das
estratégias de ritmo e repetição do blues e fará a visualização da
oralidade através de variantes da expressão tipográfica. É o que
podemos passar a observar em ―Gypsy Man‖ e ―My Man‖, dois dos
poemas que fazem parte de Fine Clothes to the Jew, onde as formas
dialectais têm uma ocorrência maior do que em The Weary Blues
correspondendo assim a uma progressiva determinação de Hughes
em identificar-se com a expressão oral do homem comum. (BORGES,
grifos do autor, 2007, p. 135)

Um modelo de Blues poem de Langston é o famoso poema The Weary


Blues (1925), que também dá nome ao primeiro volume de poesias publicado
em 1926.
56

Quadro 8 – THE WEARY BLUES

The Weary Blues

Droning a drowsy syncopated tune,


Rocking back and forth to a mellow croon,
I heard a Negro play.
Down on Lenox Avenue the other night
By the pale dull pallor of an old gas light
He did a lazy sway. . . .
He did a lazy sway. . . .
To the tune o‘ those Weary Blues.
With his ebony hands on each ivory key
He made that poor piano moan with melody.
O Blues!
Swaying to and fro on his rickety stool
He played that sad raggy tune like a musical fool.
Sweet Blues!
Coming from a black man‘s soul.
O Blues!
In a deep song voice with a melancholy tone
I heard that Negro sing, that old piano moan—
―Ain‘t got nobody in all this world,
Ain‘t got nobody but ma self.
I‘s gwine to quit ma frownin‘
And put ma troubles on the shelf.‖

Thump, thump, thump, went his foot on the floor.


He played a few chords then he sang some more—
―I got the Weary Blues
And I can‘t be satisfied.
Got the Weary Blues
And can‘t be satisfied—
I ain‘t happy no mo‘
And I wish that I had died.‖
And far into the night he crooned that tune.
The stars went out and so did the moon.
The singer stopped playing and went to bed
While the Weary Blues echoed through his head.
He slept like a rock or a man that‘s dead.

O Miserável Blues
Tocando uma melodia sonolenta e sincopada,
Balançando para frente e para trás em um sussurro suave,
Eu ouvi um negro tocar.
Na Avenida Lenox outra noite
Pela pálida palidez opaca de uma velha lâmpada a gás
Ele fez um balanço preguiçoso...
Ele fez um balanço preguiçoso...
Ao som daqueles Miseráveis Blues.
Com suas mãos de ébano em cada chave de marfim
Ele fez aquele pobre piano gemer com melodia.
Ó Blues!
Balançando para a frente e para trás em seu banquinho frágil
Ele tocou aquela melodia triste e irregular como um idiota musical.
Doce Blues!
Vindo da alma de um homem negro.
57

Ó Blues!
Em uma voz de canção profunda com um tom melancólico
Eu ouvi aquele negro cantar, aquele velho piano gemer -
―Não tenho ninguém em todo este mundo,
Não tenho ninguém além de mim.
Eu vou parar com a minha carranca
E coloque meus problemas na prateleira.‖

Thump, thump, thump, colocou o pé no chão.


Ele tocou alguns acordes e então cantou um pouco mais -
―Eu tenho o Miserável Blues
E eu não posso estar satisfeito.
Eu tenho o Miserável Blues
E não posso ficar satisfeito -
Eu não estou feliz não
E eu gostaria de ter morrido.‖
E tarde da noite ele entoou aquela melodia.
As estrelas desapareceram e a lua também.
A cantora parou de tocar e foi para a cama
Enquanto o Miserável Blues ecoava em sua cabeça.
Ele dormia como uma pedra ou um homem que está morto.
Fonte: https://www.poetryfoundation.org/poems/47347/the-weary-blues. Acesso em: 01 de dezembro
de 2020.

The Weary Blues pertence à coleção de Blues poems de Hughes. O poema


traz a forma como o estilo musical, o Blues faz a intersecção do negro e de sua
trajetória de luta pela (re)existência na América, tornando essa jornada histórica em
algo ‗suave‘, um refrigério para os ouvidos de quem a escuta e de quem a executa.
Todavia, o clímax demonstra a dualidade social, a dicotomia existencial do homem
branco em detrimento do homem negro, com isso as revelações da dor, da miséria e
da opressão acabam sendo expostas numa melodia melancólica e verdadeira.

Hughes perdurou na resiliência de sua produção e crença ancestral. Manteve-


se expoente às críticas e continuou seu legado intelectual de produzir a estética
sonorosa de seus trabalhos, reverberando temáticas racistas e opressivas da
sociedade americana, conforme (NASCIMENTO; RAMOS, 2011) a oralidade e a
ancestralidade afrodescendente é:

A valorização da tradição oral, na África, longe de significar apenas um meio


de comunicação, reluz uma maneira de preservar a sabedoria da
ancestralidade. Nesse sentido, a palavra transmitida na oralidade conduz a
15
herança ancestral tão valorizada por esta cultura. Os seus griotes relatam
as histórias ouvidas de seus antepassados, que por sua vez, deverão ser

15
“(...) notáveis representantes, guardiões da memória e responsáveis pela transmissão dos
conhecimentos aos mais novos.‖ (NASCIMENTO; RAMOS, 2011, p.457).
58

ouvidas entres as gerações seguintes. (NASCIMENTO; RAMOS, 2011,


p.457).

Na cultura africana, os griotes são considerados indivíduos responsáveis pela


preservação e transmissão de historias, mitos, cultura e conhecimentos para o seu
povo. Na África ocidental existem também os griotes musicais que são responsáveis
por ensinar a perpassar a tradição musical. Os griotes estão fortemente relacionados
a tradição oral do seu povo, já que a transmissão de saberes se dá pela oralidade.

Hughes acreditava e pontuava que o Blues, na sua poesia, fosse essencial


para que as expressões de tradição africana assumissem formas artísticas para
serem percebidas e cantadas por qualquer cidadão residente ou não em solo norte
americano. O Blues precisava ultrapassar as barreiras invisíveis que o racismo cria
entre os seres humanos, os poemas musicalizados necessitavam ter essa
abrangência e função social. Esse era um dos desejos de melhorias humanas que
perpassava por Hughes e os seguidores do movimento do Harlem. A literatura e as
demais produções artísticas afrodescendentes precisavam ser compartilhadas entre
as pessoas e atingir qualquer classe social e étnica. Segundo Tomé (2016, p.122)

Apesar da grande relevância dessa ruptura ideológica levada a cabo por


Hughes e outros poetas negros da época, é preciso reconhecer que, ao
longo das décadas, o uso da oralidade passou a correr o risco de ser visto
como o único modo legítimo de se fazer poesia negra. Trata-se de uma
restritiva expectativa de que a identidade negra, no plano literário, seja
sempre pautada pela oralidade, recusando-se aos autores negros outras
formas de expressão que trabalhem a linguagem sob uma perspectiva mais
textual. (TOMÉ, 2016, p.122)

Dessa maneira, Hughes fez, em pouco tempo, com que a música negra
estivesse presente no cotidiano das pessoas, mesmo que a crítica a associasse a
algo ‗exótico‘, portanto, desvalorizado. E para o escritor, nada se tornaria mais
‗idêntico‘ com o negro e a sua cultura do que o Blues, já que o mesmo está
interligado com toda a trajetória diaspórica e as consequências geradas pela
colonização e escravização.
59

5.1 O POEMA DE LANGSTON HUGHES: ANCESTRALIDADE, VOZES E A


AMÉRICA

As poesias de Langston são marcadas por diversas temáticas voltadas para a


situação do negro em plena sociedade branca, e entre essas temáticas, podemos
destacar o sujeito negro e o American Dream. Em seus poemas, Hughes está
disposto a trazer de volta ao negro sua moral e sua dignidade que foram ceifadas
pela colonização e a escravidão. É dentro desse processo de busca pela moral e a
dignidade que Langston escreveu os poemas: The Negro Speaks of Rivers (1921),
I‘m Negro (1922) e I; Too, Sing America (1926).

The Negro Speaks of Rives foi publicado em junho de 1921, na Crisis,


revista da NAACP (National Organization for the Advancement of Colored People), e
idealizada por Du Bois. O poema foi escrito por Hughes em uma viagem de trem que
fez para visitar seu pai, na Cidade do México. Quando ele, Hughes, se deparou com
o seu trem cruzando o rio Mississippi, começou a pensar sobre o que aquele rio
representava para os negros da época. Talvez fosse como a paisagem pudesse
remeter aos seus olhos os sons necessários para musicalizar as palavras que
transbordavam pela escrita no papel, vejamos:

QUADRO 9 – THE NEGRO SPEAKS OF RIVER

The Negro Speaks of River

I've known rivers:

I've known rivers ancient as the world and older than the

flow of human blood in human veins.

My soul has grown deep like the rivers.

I bathed in the Euphrates when dawns were young.

I built my hut near the Congo and it lulled me to sleep.

I looked upon the Nile and raised the pyramids above it.

I heard the singing of the Mississippi when Abe Lincoln

went down to New Orleans, and I've seen its muddy

bosom turn all golden in the sunset.

I've known rivers:


60

Ancient, dusky rivers.

My soul has grown deep like the rivers.

O negro fala de rios

Conheço rios:

Conheço rios tão antigos quanto o mundo e mais velhos que o fluxo de sangue humano nas
veias humanas.

Minha alma se tornou profunda como os rios.

Banhei-me no Eufrates quando eram jovens as auroras.

Construí minha cabana junto ao Congo e ele me cantou canções de ninar.

Olhei para o Nilo e acima dele levantei as pirâmides.

Ouvi o canto do Mississippi quando Abe Lincoln desceu até New Orleans e vi seu seio
lamacento tornar-se ouro, ao pôr-do-sol.

Conheço rios:

Antigos, cinzentos rios.

Minha alma se tornou profunda como os rios.

Fonte: http://www.algumapoesia.com.br/poesia/poesianet011.htm. Acesso em: 25/08/2020.

Podemos perceber que o texto é escrito em versos livres, não apresenta uma
definida métrica, não segue os padrões dos versos regulares de um soneto, nem a
composição de versos decassílabos. Segundo BORGES (2007) o cenário que é
revelado durante a performance do poema abrange os espaços geográficos e
psíquicos do negro.

No contexto dessa encenação, a alma do poeta, que se assomou


progressivamente, como um rio, vinda do fundo do tempo – ― My soul has
grown deep like the rivers‖– diz-nos como nesse tempo, que repercute
visões edénicas, os grandes rios se encontravam (Eufrates, Congo, Nilo,
Mississipi) e todas as suas águas eram parte de um mesmo caudal. Assim
também, por insinuada extrapolação, o sangue que agora corria nas veias
dos africanos se encontrava com o dos americanos no corpo vivo de uma
mesma nação. (BORGES, grifos do autor, 2007, p.112)

Hughes ao escrever o poema tinha uma visão romantizada e nostálgica a


respeito do que seria a África, e foi graças a uma viagem de navio pela parte
61

ocidental desse continente que ele pode constatar a realidade dos negros que ali
viviam. Quando retornou para Nova York, com cerca de 22 anos de idade, ele tinha
em mente resgatar a voz do negro e, para isso, usaria o que era considerado
desvalorizado pela sociedade branca da época: a tradição oral do negro, o Blues -
como música negra - e a sua ancestralidade.

Hughes via na tradição oral da classe baixa a fonte de seu trabalho, e na


classe média, o público-alvo mais imediato. Tal circunstância refletia sua
convicção de que a classe média negra deveria conhecer seus aspectos
identitários mais profundos, orgulhando-se deles, ao invés de obter a
desejada respeitabilidade de homem branco. Idealmente, o artista deveria,
para Hughes, utilizar a cultura oral, passando-a para o texto escrito – e,
desse modo, como que a ―institucionalizando‖ culturalmente –, mas não
deveria violar seu espírito (...). (TOMÉ, grifos do autor, 2016, p, 122)

É nesse contexto de ser negro e americano que Hughes escreve I´m a Negro
ou Negro, publicado em 1922. Este poema aborda em seus versos singelos a
imensa brutalidade que os negros sofriam em solo americano, a descendência não
seria aliviada por leis, nem por decretos, pois a cor de pele passaria a ser o norte de
categorização e marginalização. O poema passa ao leitor um breve histórico da vida
dos negros, para que assim, esses relatos expostos pelo eu lírico assumam o estado
de chamamento e de rememoração da causa de luta, os ângulos de vidas
escravizadas e segregadas que não podem ser dispersos, nem postos de lado.
Observamos a seguir:

Quadro 10 – I‘M A NEGRO


I’m a Negro

I am a Negro:
Black as the night is black
Black like the depths of my Africa,
I‘ve been a slave:
Caesar told me to keep his door-steps clean.
I brushed the boots of Washington.

I‘ve been a worker:


Under my hands the pyramids arose.
I made mortar for the Woolworth Building.

I‘ve been a singer:


All the way from Africa to Georgia
I carried my sorrow songs.
I made ragtime.
62

I‘ve been a victim:


The Belgians cut off my hands in the Congo.
They lynch me still in Mississipi.

I am a Negro:
Black as the night is black,
Black like the depths of my Africa.

Eu sou Negro

Sou Negro:

Negro como a noite é negra,

Negro como as profundezas da minha África.

Fui escravo:

Cesar me disse para manter os degraus da sua porta limpos.

Eu engraxei as botas de Washington.

Fui operário:

Sob minhas mãos ergueram-se as pirâmides.

Eu fiz a argamassa do Woolworth Building.

Fui cantor:

Durante todo o caminho da África até a Geórgia

Carreguei minhas canções de dor.

Criei o ragtime.

Fui vítima:

Os belgas cortaram minhas mãos no Congo

Estão me linchando agora no Mississipi.

Sou Negro

Negro como a noite é negra

Negro como as profundezas da minha África.

Fonte: http://asideiasnotempo.blogspot.com/2019/06/traducao-do-poema-negro-de-langston.html.
Acesso em: 01-12-2020.

O poema, como dito anteriormente, retrata as memórias recortadas em


inúmeros continentes. O passado que o negro obteve, forçadamente, pela imposição
do outro, em destaque o europeu, com o desejo de acumular riquezas e capital. O
autor instiga o leitor a buscar os relatos de experiências para nos mostrar o impacto
que eles, os negros, tiveram numa linha cronológica, que a priori, evidenciamos que
é ainda contínua e, portanto, atemporal. De acordo com Suely Bispo (2011) a
63

resiliência torna-se a grande resistência de autoestima da cultura africana. Em


conformidade com o autor:

Neste poema antológico, o eu lírico afirma orgulhosamente a sua


ancestralidade africana, exaltando a autoestima, além de mencionar, de
forma fragmentada, importantes episódios da história relacionados ao
período escravagista, principalmente ligados à resistência do trabalhador
negro escravizado. (BISPO, 2011, p.9)

I‘m a Negro aborda fatos históricos referentes ao passado do negro, e


podemos evidenciar tais elementos quando o poema menciona a época de Cesar e
dos Belgas. O eu lírico demonstra ser um sujeito afro-americano que faz uso
enfático da palavra negro, a fim de ressalvar não apenas a sua cor de pele, mas sua
dignidade que emana por dentro de si, de suas particularidades e subjetividades.
Ser negro enaltece o mais belo que há num ser humano, assumir sua cor, sua raça,
sua etnia e sentir-se honrado pelos inúmeros feitos de perseverança cultivados por
sua descendência.

O narrador também cita Cesar e George Washington representando homens


poderosos que entendemos como a simbologia do imperialismo ditador e, mesmo
após a abolição, os negros continuaram sendo tratados como escravos, logo,
subalternos à classe ditatorial e senhoril. Langston finaliza o seu poema com a
mesma estrofe inicial, dando ênfase para que o leitor possa perceber que houve um
derramamento intenso de sangue de pessoas inocentemente retiradas de seus laços
familiares, de sua terra-mãe e foram obrigados, sob duras penas, a erguerem
nações para outros povos, para os europeus, para os homens que usavam a religião
judaico-cristã para fins de escravagismos e subterfúgios genocidas.

E por ultimo, conforme a predisposição da pesquisa no referido trabalho,


temos o poema I, Too ou I, Too, Sing America. Este poema foi publicado, pela
primeira vez, em 1926, no The Weary Blues, e foi classificado como o melhor do
ano. O poema é um clássico que demonstra o real desejo do negro por igualdade,
por equidade social, racial e de gênero, a seguir:
64

Quadro 11 – I, TOO, SING AMERICA

I, too, sing America

I, too, sing America

I am the darker brother.

They send me to eat in the kitchen

When company comes,

But I laugh,

And eat well,

And grow strong.

Tomorrow,

I‘ll be at the table

When company comes.

Nobody‘ll dare

Say to me,

―Eat in the kitchen,‖

Then.

Besides,

They‘ll see how beautiful I am

And be ashamed—

I, too, am America.

Eu também canto a América

Eu também canto a América

Eu sou irmão negro

Eles me mandam comer na cozinha

Quando chegam as visitas

Mas eu rio,
65

E como bem,

E cresço forte.

Amanhã

Eu estarei na mesa

Quando as visitas vierem

Ninguém ousará dizer-me

"Vá comer na cozinha".

Então.

Além disso

Eles verão como eu sou bonito

E terão vergonha.

Eu também sou América

Fonte: https://www.poetryfoundation.org/poems/47558/i-too. Acesso em: 05/04/2020.

Langston Hughes pode ter escrito este poema a partir de um relato de uma
pessoa afro-americana. O poema faz alusão à recusa da sociedade branca em
aceitar o negro como parte da América. Além disso, o eu lírico evidencia a
resistência na luta contra o racismo. O narrador, um negro, não se conforma em ser
excluído da sociedade americana, porque a América foi constituída com uma
diversidade de suores e sangues, de inúmeros povos – indígenas, negros, mestiços,
judeus, asiáticos - logo, todos, fazem parte do que é hoje compreendido como ser
americano, sem ignorar seus laços ancestrais.

Podemos relatar com base nas nossas pesquisas que, o poema I, Too, Sing
America, é uma forma de alusão a outro poema de Walt Whitman, I Hear America
Singing (1867).

Quadro 12: I HEAR AMERICA SINGING

I Hear America Singing

I hear America singing, the varied carols I hear,


66

Those of mechanics, each one singing his as it should be blithe and strong,
The carpenter singing his as he measures his plank or beam,
The mason singing his as he makes ready for work, or leaves off work,
The boatman singing what belongs to him in his boat, the deckhand singing on the steamboat deck,
The shoemaker singing as he sits on his bench, the hatter singing as he stands,
The wood-cutter‘s song, the ploughboy‘s on his way in the morning, or at noon intermission or at
sundown,
The delicious singing of the mother, or of the young wife at work, or of the girl sewing or washing,
Each singing what belongs to him or her and to none else,
The day what belongs to the day—at night the party of young fellows, robust, friendly,
Singing with open mouths their strong melodious songs.

EU OUÇO A AMÉRICA CANTANDO

Ouço a América cantando, os variados cânticos eu ouço,


O dos mecânicos, cada qual cantando o seu como devia ser alegre e forte
O carpinteiro cantando enquanto mede a prancha ou a viga
O pedreiro cantando o seu quando vai ao trabalho ou volta dele,
O barqueiro cantando o que é seu em seu barco, o estivador cantando no convés das barcas,
O sapateiro cantando ao sentar-se na banqueta, o chapeleiro ao levantar-se
A canção do lenhador, a do camponês saindo de manhã, ou na pausa da tarde ou quando o sol se põe,
O adorável cantar da mãe, ou da jovem esposa no trabalho, ou da moça lavando roupa ou na costura,
Cada qual cantando o que lhe diz respeito e nada mais.
Ao dia o que pertence ao dia – à noite a algazarra dos jovens, vigorosa e afável
Cantando em viva voz suas fortes canções melodiosas.
Fonte: https://www.poetryfoundation.org/poems/46480/i-hear-america-singing. Acesso em: 18-12-
2020

O autor considera que a América é um palco abrigado por um grande coral


formado por trabalhadores diversos: fazendeiros, homens e mulheres brancos,
exceto o negro. Entende-se que o sujeito negro é excluído do clímax de formação
de uma ‗potência Norte Americana‘, a senzala não entra em cena quando a casa
grande quer discursar seus ‗belos‘ feitos, os cantores nobres devem ser apenas
aqueles que embalam o coro musical uniformemente amparado pela visão
colonizadora, exploradora de povos e terras.

Contudo, o eu lírico, do poema de Hughes, argumenta que os negros


sobreviveram e, portanto, eles lutarão para mostrar ao branco, uma cultura viva,
inspiradora e resistente. Uma cultura tão viva, que fará com que a mesma
sociedade excludente será obrigada a reconhecer as contribuições do negro na
criação da história americana.

Ao longo de todo capítulo, podemos evidenciar que a escrita poética de


Langston Hughes está pautada em diversos seguimentos: resistência e luta. A
67

inclusão do negro no mundo moderno e suas formas de exclusão social criam a


esperança e a emancipação de suas mentes e corpos. Corroborando com nossa
linha de pensamento, podemos citar Nascimento e Ramos (2013 p, 459)

As narrativas que mesclam oralidade com técnicas exclusivas de escrita,


além de informarem ensinamentos próprios daquela cultura, muitas vezes
se encarregaram de denunciar os efeitos dilacerantes do colonialismo,
cuidando para que não se perca o que restou dos costumes e tradições
locais. Na cultura angolana ancestral, sabe-se que narrar é atribuição dos
velhos, os mais especializados na sabedoria de contar histórias, dar
conselhos e partilhar experiências. Assim, textos literários refletirão esse
costume tradicional, configurando narrativas que pontuam a presença do
velho como imprescindível na conservação da memória coletiva. Nessa
sociedade, a autoridade dos griotes e outros elementos integrantes do
mundo angolano que buscam revisitar práticas ancestrais, tais como o
diálogo coletivo, muitas vezes, concretizado em volta da fogueira,
corroboram, no âmbito da literatura, a necessidade de reverenciar os
aspectos identitários que determinam a cultura. (NASCIMENTO e RAMOS,
2013 p, 459)

São nesses traços poéticos que Hughes, com toda sua simplicidade, busca
dar voz a um povo drasticamente subjugado por sua cor, por sua raça, por sua
crença, em fim, por sua cultura afrodescendente.
68

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de dominação dos colonos que tomaram a América do Norte dos


indígenas nativos e impuseram ao africano e seus descendentes à escravidão e
seus resquícios sócio históricos a perpetuar por inúmeros anos, faz nos refletir a
urgente necessidade de entender e respeitar as múltiplas culturas e suas
contribuições para a formação de qualquer sociedade, estabelecendo assim, laços
coletivos e de respeito mútuo, como aponta o antropólogo e marxista martinicano
Frantz Fanon (2008, p. 190-191):

Que jamais o instrumento domine o homem. Que cesse para sempre a


servidão do homem pelo homem. Ou seja, de mim por um outro. [...]
O preto não é. Não mais do que o branco.
Todos os dois têm de se afastar das vozes desumanas de seus ancestrais
respectivos, a fim de que nasça uma autêntica comunicação. Antes de se
engajar na voz positiva, há a ser realizada uma tentativa de desalienação
em prol da liberdade. [...]
Superioridade? Inferioridade?
Por que não simplesmente não tentar sensibilizar o outro, sentir o outro
revelar-me outro?
[...]
Minha última prece:
Ô meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona! (FANON,
2008, p. 190-191)

Peço licença ao leitor, pois preciso, aqui, fazer jus à minha posição e voz
enquanto sujeito, apoio-me em Fanon, mas também na força de minha
ancestralidade, por isso, o intento de realizar tal pesquisa surgiu a partir das
experiências vivenciadas durante a prática de observações e regência de aulas na
disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Inglesa e Literaturas e das aulas de
Literatura Americana (Prosa, Poesia e Drama) que tive enquanto aluno do curso de
Letras Inglês.

A oportunidade de prática docente me ajudou a trabalhar em sala de aula


alguns poemas escritos por negras e negros, já que muitos alunos nem sabiam que
negros no período pré e pós abolicionista americano poderiam ser escritores. Dessa
maneira, assim como pude perceber a grandeza da linguagem, construção estética
e estilística textual da poesia, os alunos se sentiram motivados a entenderem e
terem o prazer de integrarem às produções poéticas. Quando os alunos leram as
69

traduções dos poemas ficaram maravilhados e também assustados com o modo


como foram escritas, creio que se sentiram espantados com a força e a coragem
que esses autores e autoras tiveram em evidenciar suas reais histórias.

Diante desses fatos, tivemos a grande e árdua tarefa de realizar diversos


estudos e pesquisas sobre as grandes e pequenas produções literárias negras no
período que corresponde ao antes, durante e depois da escravidão nos EUA. Tal
pesquisa foi muito relevante e para a ruptura de muitas ideologias e estereótipos
impostos a respeito do povo negro e sua cultura. Particularmente, essa relevante
forma de expor a africanidade passou a ser refletida e incorporada em minhas
práticas de ensino, pois eu sou professor, negro, gay e, portanto, a sociedade
dominante me coloca numa posição de assimetria normativa, de um ser
marginalizado.

Penso que através das leituras teóricas e da prática que é por mim
vivenciada, eu, Marcos Dione, posso auxiliar muitos alunos em suas capacidades
criticas e reflexivas se tornarem agentes problematizadores acerca dessas
temáticas, principalmente, milito na mudança de uma verdade absoluta, de uma
única história contada.

Nesse sentido, a literatura negra e sua importante contribuição como uma


literatura de resistência evidenciada através dos poemas musicais de Hughes pode
revelar a valorização de como os negros são resilientes. Foi através do Blues, neste
enfoque da pesquisa, que a ênfase de específicos termos em seus poemas
deslocou a figura reprimida e preterida do homem negro. O caminho da
emancipação literária do negro coaduna com sua linguagem oral intermediada pela
escrita. Assim, esperamos que esta pesquisa sirva como uma inspiração contínua e
cativante para perpetuar a militância a favor do sujeito marginalizado e
menosprezado pelos padrões hegemônicos, normativos e racistas.
70

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