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MÓDULO XII Lei de Sociedade e Lei de Trabalho

Quadragésima Sexta Aula: Necessidade do trabalho

Objetivos específicos: Justificar a necessidade do trabalho para o ser humano. Explicar como
solucionar o problema da miséria social.

Conteúdo básico:

■ A necessidade do trabalho é lei da Natureza? O trabalho é lei da Natureza, por isso mesmo
que constitui uma necessidade, e a civilização obriga o homem a trabalhar mais, porque lhe
aumenta as necessidades e os gozos. Allan Kardec: O livro dos espíritos, questão 674.

■ O trabalho se impõe ao ser humano como uma necessidade porque é um [...] meio de
aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o homem permaneceria sempre na
infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento, sua segurança e seu bem-estar
dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente fraco do corpo outorgou Deus
a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho. Allan Kardec: O livro dos espíritos,
questão 676.

■ O trabalho do homem [...] visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da


faculdade de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si mesmo [...]. Allan
Kardec: O livro dos espíritos, questão 677.

■ Não basta se diga ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem
de prover à sua existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre
acontece. Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo,
qual a miséria. Allan Kardec: O livro dos espíritos, questão 685 – comentário.

■ Liberdade, igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem, por si sós, o programa de
toda uma ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se os princípios
que elas exprimem pudessem receber integral aplicação [...]. Allan Kardec. Obras póstumas.
Primeira parte, item: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.

Subsídios:

O trabalho [...] é lei da Natureza, mediante a qual o homem forja o próprio progresso,
desenvolvendo as possibilidades do meio ambiente em que se situa, ampliando os recursos de
preservação da vida, por meio das suas necessidades imediatas na comunidade social onde vive.
Desde as imperiosas necessidades de comer e beber, defender-se dos excessos climatéricos até
os processos de garantia e preservação da espécie, pela reprodução, o homem vê-se coagido à
obediência à lei do trabalho. Sendo assim, o trabalho se impõe ao ser humano como uma
necessidade porque é um [...] meio de aperfeiçoamento da sua inteligência. Sem o trabalho, o
homem permaneceria sempre na infância, quanto à inteligência. Por isso é que seu alimento,
sua segurança e seu bem-estar dependem do seu trabalho e da sua atividade. Ao extremamente
fraco de corpo outorgou Deus a inteligência, em compensação. Mas é sempre um trabalho. O
trabalho, entendido como lei da Natureza, [...] é das maiores bênçãos de Deus no campo das
horas. Em suas dádivas de realização para o bem, o triste se reconforta, o ignorante aprende, o
doente se refaz, o criminoso se regenera. É [...] o guia na descoberta de nossas possibilidades
divinas, no processo evolutivo do aperfeiçoamento universal. Nele [...] a alma edifica a própria
casa, cria valores para a ascensão sublime. Os Espíritos Orientadores nos esclarecem que o
trabalho do homem [...] visa duplo fim: a conservação do corpo e o desenvolvimento da
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faculdade de pensar, o que também é uma necessidade e o eleva acima de si mesmo. O trabalho,
em tese, para o ser em processo de evolução, configura-se sob três aspectos principais: material,
espiritual, moral. Através do trabalho material, propriamente dito, dignifica-se o homem no
cumprimento dos deveres para consigo mesmo, para com a família que Deus lhe confiou, para
com a sociedade de que participa. Pelo trabalho espiritual, exerce a fraternidade com o próximo
e aperfeiçoa-se no conhecimento transcendente da alma imortal. No campo da atividade moral,
lutará, simultaneamente, por adquirir qualidades elevadas, ou, se for o caso, por sublimar
aquelas com que já se sente aquinhoado. Devemos considerar, porém, que não [...] basta se diga
ao homem que lhe corre o dever de trabalhar. É preciso que aquele que tem de prover à sua
existência por meio do trabalho encontre em que se ocupar, o que nem sempre acontece.
Quando se generaliza, a suspensão do trabalho assume as proporções de um flagelo, qual a
miséria. Refletindo a respeito desse assunto, entendemos que os conflitos sociais representam
uma das principais causas de sofrimento do mundo contemporâneo. Na verdade, é [...] bem
sabido que a maior parte das misérias da vida tem origem no egoísmo dos homens. Desde que
cada um pensa em si antes de pensar nos outros e cogita antes de tudo de satisfazer aos seus
desejos, cada um naturalmente cuida de proporcionar a si mesmo essa satisfação, a todo custo,
e sacrifica sem escrúpulo os interesses alheios, assim nas mais insignificantes coisas, como nas
maiores, tanto de ordem moral, quanto de ordem material. Daí todos os antagonismos sociais,
todas as lutas, todos os conflitos e todas as misérias, visto que cada um só trata de despojar o
seu próximo. Os conflitos sociais não resolvidos, ou incorretamente administrados, podem gerar
uma situação de pobreza generalizada, e todas as suas consequências calamitosas. Os espíritas,
sabemos que as desigualdades sociais existentes no Planeta estão vinculadas a dois pontos
fundamentais: a manifestação da lei de causa e efeito e a visão materialista da vida. No primeiro
caso, a pobreza e riqueza devem ser entendidas como instrumento de melhoria espiritual, pois
a [...] pobreza é, para os que a sofrem, a prova da paciência e da resignação; a riqueza é, para
outros, a prova da caridade e da abnegação. A visão materialista da vida, alimentada pelo
orgulho e egoísmo, estimula a permissibilidade moral, causa do relaxamento dos usos e
costumes sociais. As pessoas tornam-se indolentes e omissas, nada fazendo para impedir ou
minimizar o estado de sofrimento material e moral reinante ao seu derredor. As desigualdades
humanas trazem implicações de ordem econômico-social, em geral decorrentes da má
distribuição de rendas, permitindo-se que uma minoria humana viva em abundância, e uma
maioria sofra os rigores da pobreza e da miséria. Uma sociedade estabelecida sob essas bases
está marcada pelos contrastes sociais, estimuladores do desemprego, da violência e da miséria.
A ciência econômica procura remédio para isso no equilíbrio entre a produção e o consumo.
Mas, esse equilíbrio, dado seja possível estabelecer-se, sofrerá sempre intermitências, durante
as quais não deixa o trabalhador de ter que viver. Há um elemento, que se não costuma fazer
pesar na balança e sem o qual a ciência econômica não passa de simples teoria. Esse elemento
é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à
educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute
hábitos, porquanto a educação é o conjunto de hábitos adquiridos. Considerando-se a aluvião
de indivíduos que todos os dias são lançados na torrente da população, sem princípios, sem freio
e entregues a seus próprios instintos, serão de espantar as consequências desastrosas que daí
decorrem? Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no
mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito
a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus
dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem
entendida pode curar. Esse o ponto de partida, o elemento real do bem-estar, o penhor da
segurança de todos. Não podem os homens ser felizes, se não viverem em paz, isto é, se não os
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animar um sentimento de benevolência, de indulgência e de condescendência recíprocas; numa


palavra: enquanto procurarem esmagar-se uns aos outros. A caridade e a fraternidade resumem
todas as condições e todos os deveres sociais; uma e outra, porém, pressupõem a abnegação.
Ora, a abnegação é incompatível com o egoísmo e o orgulho; logo, com esses vícios, não é
possível a verdadeira fraternidade, nem, por conseguinte, igualdade, nem liberdade, dado que
o egoísta e o orgulhoso querem tudo para si. Eles serão sempre os vermes roedores de todas as
instituições progressistas; enquanto dominarem, ruirão aos seus golpes os mais generosos
sistemas sociais, os mais sabiamente combinados. É belo, sem dúvida, proclamar-se o reinado
da fraternidade, mas, para que fazê-lo, se uma causa destrutiva existe? É edificar em terreno
movediço; o mesmo fora decretar a saúde numa região malsã. Em tal região, para que os
homens passem bem, não bastará se mandem médicos, pois que estes morrerão como os
outros; insta destruir as causas da insalubridade. Para que os homens vivam na Terra como
irmãos, não basta se lhes deem lições de moral; importa destruir as causas de antagonismo,
atacar a raiz do mal: o orgulho e o egoísmo. O Espiritismo nos apresenta uma solução para o
problema da miséria social, expressa nas seguintes palavras de Allan Kardec: Liberdade,
igualdade, fraternidade. Estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma
ordem social que realizaria o mais absoluto progresso da Humanidade, se os princípios que elas
exprimem pudessem receber integral aplicação [...]. A fraternidade, na rigorosa acepção do
termo, resume os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa: devotamento,
abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. É, por excelência, a caridade evangélica e a
aplicação da máxima: Proceder para com os outros, como quereríamos que os outros
procedessem para conosco. O oposto do egoísmo [...]. Considerada do ponto de vista da sua
importância para a realização da felicidade social, a fraternidade está na primeira linha: é a base.
Sem ela, não poderiam existir a igualdade, nem a liberdade séria. A igualdade decorre da
fraternidade e a liberdade é consequência das duas outras. Com efeito, suponhamos uma
sociedade de homens bastante desinteressados, bastante bons e benévolos para viverem
fraternalmente [...]. Num povo de irmãos, a igualdade será consequência de seus sentimentos,
da maneira de procederem, e se estabelecerá pela força mesma das coisas. Qual, porém, o
inimigo da igualdade? O orgulho, que faz queira o homem ter em toda parte a primazia e o
domínio [...]. A liberdade [...] é filha da fraternidade e da igualdade [...]. Os homens que vivam
como irmãos, com direitos iguais, animados do sentimento de benevolência recíproca,
praticarão entre si a justiça, não procurarão causar danos uns aos outros e nada, por
conseguinte, terão que temer uns dos outros. A liberdade nenhum perigo oferecerá, porque
ninguém pensará abusar dela em prejuízo de seus semelhantes. [...]. Esses [...] três princípios
são [...] solidários entre si e se prestam mútuo apoio; sem a reunião deles o edifício social não
estaria completo. O da fraternidade não pode ser praticado em toda a pureza, com exclusão dos
dois outros, porquanto, sem a igualdade e a liberdade, não há verdadeira fraternidade. A
liberdade sem a fraternidade é rédea solta a todas as más paixões, que desde então ficam sem
freio; com a fraternidade, o homem nenhum mau uso faz da sua liberdade: é a ordem; sem a
fraternidade, usa da liberdade para dar curso a todas as suas torpezas: é a anarquia, a licença.
Por isso é que as nações mais livres se veem obrigadas a criar restrições à liberdade. A igualdade,
sem a fraternidade, conduz aos mesmos resultados, visto que a igualdade reclama a liberdade;
sob o pretexto de igualdade, o pequeno rebaixa o grande, para lhe tomar o lugar, e se torna
tirano por sua vez; tudo se reduz a um deslocamento de despotismo.
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Anexo 1

Texto para leitura e resumo

O VALOR DO TRABALHO

* Humberto de Campos

Ninguém contestava os nobres sentimentos de Cecília Montalvão; entretanto, era de


todos sabida sua aversão ao trabalho. No fundo, excelente criatura cheia de conceitos
filosóficos, por indicar ao próximo os melhores caminhos. Palestra fácil e encantadora, gestos
espontâneos e afetuosos, seduzia quem lhe escutasse o verbo carinhoso. Se a família adotasse
outros princípios que não fossem os do Espiritismo cristão, Cecília propenderia talvez à vida
conventual. Assim, não ocultava sua admiração pelas moças que, até hoje, de quando em
quando se recolhem voluntariamente à sombra do claustro. Mais por ociosidade que por
espírito de adoração a Deus, entrevia nos véus freiráticos o refúgio ideal.

No entanto, porque o Espiritismo não lhe possibilitava ensejo de ausentar-se do


ambiente doméstico, a pretexto de fé religiosa, cobrava-se em longas conversações sobre os
mundos felizes. Dedicava-se, fervorosa, a toda expressão literária referente às esferas de paz
reservadas aos que muito sofreram nos serviços humanos. As mensagens do Além, que
descrevessem tais lugares de repouso, eram conservadas com especial dedicação. As descrições
dos planetas superiores causavam-lhe arroubos indefiníveis. Cecília não cuidava de outra coisa
que não fosse a antevisão das glórias celestiais. Embalde a velha mãezinha a convocava à
lavandaria ou à copa. Nem mesmo nas ocasiões em que o genitor se recolhia ao leito, tomado
de tenaz enxaqueca, a jovem abandonava semelhantes atitudes de alheamento às tarefas
necessárias. Não raro discutia sobre as festividades magnificentes a que teria direito, após a
morte do corpo. Ao seu pensar, o círculo evolutivo que a esperava devia ser imenso jardim de
Espíritos redimidos, povoado de perfumes e zéfiros harmoniosos.

No grupo íntimo de preces da família, costumava cooperar certa entidade generosa e


evolvida, que se dava a conhecer pelo nome de Eliezer. Cecília interpretava as advertências de
modo puramente individual. Se o amigo exortava ao trabalho, não admitia que a indicação se
referisse a serviços na Terra.

— Este planeta – dizia enfaticamente – é lugar indigno, escura paragem de almas


criminosas e enfermas. Seria irrespirável o ar terrestre se não fora o antegozo dos mundos
felizes. Oh! Como deve ser sublime a vida em Júpiter, a beleza dos dias em Saturno, seguidos de
noites iluminadas de anéis resplandecentes! O pântano terrestre envenena as almas bem
formadas e não poderemos fugir à repugnância e ao tédio doloroso!...

— Mas, minha filha – objetava a genitora complacente –, não devemos adotar opiniões
tão extremistas. Não é o planeta inútil e mau assim. Não será justo interpretar nossa existência
terrena como fase de preparação educativa? Sempre notei que qualquer trabalho, desde que
honesto, é título de glória para a criatura...

Todavia, antes que a velha completasse os conceitos, voltava a filha intempestivamente,


olvidando carinhosas observações de Eliezer:

— Nada disso! A senhora, mamãe, cristalizada como se encontra, entre pratos e


caçarolas, não me poderá compreender. Suas observações resultam na rotina cruel que se
esforça por não quebrar. Este mundo é cárcere sombrio, onde tudo é miséria angustiosa e creio
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mesmo que o maior esforço, por extinguir sofrimentos, seria igual ao de alguém que desejasse
apagar um vulcão com algumas gotas d’água. Tudo inútil. Estou convencida de que a Terra foi
criada para triste destinação. Só a morte física pode restituir-nos a liberdade. Transportar-nos-
emos a esferas ditosas, conheceremos paraísos iluminados e sem-fim.

A senhora Montalvão contemplava a filha, lamentando-se da atitude mental, e,


espanando os móveis, por não perder tempo, respondia tranquila, encerrando a conversa:

— Prefiro crer, minha filha, que tanto a vela de sebo como a estrela luminosa,
representam dádivas de Deus às criaturas. E, se não sabemos valorizar ainda a vela pequenina
que está neste mundo, como nos atreveremos a invadir a grandeza dos astros?

E antes que a moça voltasse a considerações novas, a bondosa genitora corria à cozinha,
a cuidar do jantar.

Qualquer tentativa, tendente a esclarecer a jovem, redundava infrutífera. Solicitações


enérgicas dos pais, pareceres criteriosos dos amigos, advertências do plano espiritual, eram
relegados a completo esquecimento.

Fervorosa admiradora da vida e obras de Teresa de Jesus, a notável religiosa da Espanha


do século XVI, Cecília endereçava-lhe ardentes rogativas, idealizando a missionária do Carmelo
num jardim de delícias, diariamente visitada por Jesus e seus anjos. Não queria saber se a grande
mística trabalhava, ignorava-lhe as privações e sofrimentos, para só recordá-la em genuflexão
ao pé dos altares.

Acentuando-se a preguiça mental, vivia segregada, longe de tudo e de todos.

Essa atitude influía vigorosamente no seu físico, e muito antes de trinta anos Cecília
regressava ao plano espiritual, absolutamente envolvida na atmosfera de ilusões. Por isso
mesmo, dolorosas lhe foram as surpresas da vida real.

Despertou além-túmulo, sem lobrigar vivalma. Depois de longos dias solitários e tristes,
a caminhar sem destino, encontrou uma Colônia espiritual, onde, no entanto, não havia
criaturas em ociosidade. Todos trabalhavam afanosamente. Pediu, receosa, admissão à
presença do respectivo diretor. Recebeu-a generoso ancião, em espaçoso recinto. Observando-
lhe, porém, as lânguidas atitudes, o velhinho amorável sentenciou:

— Minha filha, não posso hoje dispor de muito tempo ao seu lado, pelo que espero
manifeste seus propósitos sem delongas.

Estupefata ante o que ouvia, ela expôs suas mágoas e desilusões, com lágrimas
amargurosas. Supunha que após a morte do corpo não houvesse trabalho. Estava confundida
em angustioso abatimento. Sorriu o ancião benévolo e acrescentou:

— Essas fantasias são neblinas no céu dos pensamentos. Esqueça-as, bondosa menina.
Não se gaste em referências pessoais. E entremostrando preocupação de serviço, concluía:

— Por não termos descanso para hoje, gostaria dissesse em que lhe posso ser útil.

Desapontada, lembrou a jovem a bondade de Eliezer e explicou o desejo de encontrá-


lo.

O velhinho pensou alguns momentos e esclareceu:


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— Não disponho de auxiliares que possam ajudá-la, mas posso orientá-la quanto à
direção que precisa tomar. Colocada a caminho, Cecília Montalvão viu-se perseguida de
elementos inferiores; figuras repugnantes apresentavam-se na estrada, perguntando pelas
regiões de repouso. Depois de emoções amargas, chegou à antiga residência, onde os familiares
não lhe perceberam a nova forma. Ia retirar-se em pranto, quando viu alguém sair da cozinha
num halo de luz. Era o generoso Eliezer que a ela se dirigia com sorriso afetuoso. Cecília caiu-lhe
nos braços fraternais e queixou-se, lacrimosa:

— Ah! meu venerando amigo, estou abandonada de todos. Compadecei-vos de mim!...


Guiai-me, por caridade, aos caminhos da paz!...

— Acalma-te – murmurou o benfeitor plácido e gentil –, hoje estou bastante ocupado;


entretanto, aconselho-te a orar fervorosamente, renovando resoluções.

— Ocupado? – bradou a jovem, desesperada — não sois instrutor na revelação


espiritual?

— Sim, sim, de dias a dias coopero no serviço das verdades divinas, mas tenho outras
responsabilidades a atender.

— E que tereis no dia de hoje, em caráter tão imperativo, abandonando-me também à


maneira dos outros? – interrogou a recém-desencarnada revelando funda revolta.

— Devo auxiliar tua mãezinha nos encargos domésticos – ajuntou Eliezer brandamente
–, logo mais tenho serviço junto a irmãos nossos. Não te recordas do tintureiro da esquina
próxima? Preciso contribuir no tratamento da filha, que se feriu no trabalho, ontem à noite, por
excesso de fadiga no ganha-pão. Lembras-te do nosso Natércio, o pedreiro? O pobrezinho caiu
hoje de grande altura, machucou-se bastante e aguarda-me no hospital.

A interlocutora estava envergonhada. Somente agora se reconhecia vítima de si mesma.

— Não poderíeis localizar-me aqui, auxiliando a mamãe? – perguntou suplicante.

— É impossível, por enquanto – esclareceu o amigo solícito –, só podemos cooperar com


êxito no trabalho para cuja execução nos preparamos devidamente. A preocupação de fugir aos
espanadores e caçarolas tornou-te inapta ao concurso eficiente. Estiveste mais de vinte e cinco
anos terrestres nesta casa e teimaste em não compreender a laboriosa tarefa da genitora. Não
é possível que te habilites a ombrear com ela no trabalho, de um instante para outro.

A jovem compreendeu o alcance da observação e chorou amargamente. Abraçou-a


Eliezer, com ternura fraternal, e falou:

— Procura o conforto da prece. Não eras tão amiga de Teresa? Esquesceste-a? Essa
grande servidora de Jesus tem a seu cargo numerosas tarefas. Se puder, não te deixará sem a
luz do serviço.

Cecília ouviu o conselho e orou como nunca havia feito. Lágrimas quentes lavavam seu
rosto entristecido. Incoercível força de atração requisitou-a a imenso núcleo de atividade
espiritual, região essa, porém, que conseguiu atingir somente após dificuldades e obstáculos
oriundos da influência de seres inferiores, identificados com as sombras que lhe envolviam o
coração.
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Em lugar de maravilhosos encantos naturais, a ex-religiosa de Espanha recebeu-a


generosamente. Ante as angustiosas comoções que paralisavam a voz da recém-chegada, a
servidora do Cristo esclareceu amorável:

— Nossas oficinas de trabalho estão hoje grandemente sobrecarregadas de


compromissos; mas as tuas preces me tocaram o coração. Conforme vês, Cecília, depois de
abandonares a oportunidade de realização divina, que o mundo te oferecia, só encontraste, sem
deveres, as criaturas infernais. Onde haja noção do Bem e da Verdade, há imensas tarefas a
realizar.

Vendo que a jovem soluçava, continuou:

— Estás cansada e abatida, enquanto os que trabalham no bem se envolvem no manto


generoso da paz, mesmo nas esferas mais rudes do globo terrestre. Pedes medicamento para
teus males e recurso contra tentações; no entanto, para ambos os casos eu somente poderia
aconselhar o remédio do trabalho. Não aquele que apenas saiba receitar obrigações para
outrem, ou que objetive remunerações e vantagens isoladas; mas o trabalho sentido e vivido
dentro de ti mesma. Este é o guia na descoberta de nossas possibilidades divinas, no processo
evolutivo do aperfeiçoamento universal. Nele, Cecília, a alma edifica a própria casa, cria valores
para a ascensão sublime. Andaste enganada no mundo quando julgavas que o serviço fosse
obrigação exclusiva dos homens. Ele é apanágio de todas as criaturas, terrestres e celestes. A
verdadeira fé não te poderia ensinar tal fantasia. Sempre te ouvi as orações; no entanto, nunca
abriste o espírito às minhas respostas fraternais. Ninguém vive aqui em beatitude descuidosa,
quando tantas almas heroicas sofrem e lutam nobremente na Terra.

Enquanto a voz da bondosa serva do Evangelho fazia uma pausa, Cecília ajuntou de mãos
postas:

— Benfeitora amada, concedei-me lugar entre aqueles que cooperam convosco!...

Teresa, sinceramente comovida, esclareceu com bondade:

— Os quadros dos meus serviços estão completos, mas tenho uma oportunidade a
oferecer-te. Requisitam minha atenção num velho asilo de loucos, na Espanha. Desejas ajudar-
me ali?

Cecília não cabia em si de gratidão e júbilo. E, naquele mesmo dia, voltava à Terra com
obrigações espirituais, convicta de que, auxiliando os desequilibrados, havia de encontrar o
próprio equilíbrio.

Anexo 2

Honra ao Trabalho

Trabalha e encontrarás o fio diamantino

Que te liga ao Senhor que nos guarda e governa,

Ante cuja grandeza o mundo se prosterna,

Buscando a solução da dor e do destino.


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Desde o fulcro solar ao fundo da caverna,

Da beleza do herói ao verme pequenino,

Tudo se agita e vibra, em cântico divino

Do trabalho imortal, brunindo a vida eterna! . . .

Tudo na imensidão é serviço opulento,

Júbilo de ajudar, luta e contentamento,

Desde a flor da montanha às trevas do granito.

Trabalha e serve sempre, alheio à recompensa,

Que o trabalho, por si, é a glória que condensa

O salário da Terra e a bênção do Infinito.

Múcio Teixeira

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