Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS
Wellington de Oliveira
Brasília/DF
Abril de 2013
Wellington de Oliveira
Brasília/DF
Abril de 2013
Wellington de Oliveira
BANCA EXAMINADORA
_________________________________
Prof.º Dr. José Mauro Barbosa Ribeiro
__________________________________
Prof.ª Dr. Ana Maria Agra Guimarães
__________________________________
Prof.ª Dr. Clarice Costa
Agradecimentos
Ao Jonathan Andrade,
pelo amor, pelas discussões acaloradas sobre teatro e educação que tanto me inspiram,
pelos melhores finais de semana, pela paciência, por ter me dado mais uma família linda
e por ter me apresentado o Lucke.
À minha avó, por ter duvidado da minha escolha profissional, pelas exigências de
resultados e por não ter me dado tantas facilidades. Obrigado por ter me ensinado a
conseguir as coisas com o meu próprio esforço e tornar-me mais independente.
Ao professor José Mauro, por ter despertado em mim o interesse pela pesquisa
acadêmica, por ter me apresentado outras possibilidades para o exercício da docência,
pela confiança, oportunidades, disponibilidade e orientação.
À professora, Ana Agra, pela poesia e por ter ensinado que o amor é intrínseco à
educação.
Bertolt Brecht
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................1
ARTE.............................................................................................................................................4
ENSINO DE TEATRO..............................................................................................................10
CONHECIMENTOS..................................................................................................................24
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................34
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................36
ANEXOS
Introdução
1
teatral como eixo metodológico. Dessa forma, vamos nos basear nestas experiências
para levantar possíveis problemáticas enfrentadas pelo professor de teatro, quando
inserido em uma escola formal, além de indicar possibilidades de enfrentamento dessa
realidade. Tendo esta trajetória como motivadora, a presente pesquisa pretende
identificar e sistematizar formas de organização que possibilitem a construção coletiva
do ato teatral no âmbito escolar, entendendo-o como um processo de produção de
conhecimentos.
Consideramos que a encenação teatral é um campo propicio para que os alunos
se aproximem das linguagens e dos códigos da composição cênica, bem com das formas
de produção técnica, estética e conceitual. Dessa forma, o aluno poderá vivenciar a
experiência teatral de forma contextualizada, pois todos os referenciais teóricos e
metodológicos aos quais tiver acesso serão canalizados para uma ação real, em que os
códigos e canais da linguagem teatral estarão organizados e significados em conjunto.
Além disso, o processo de criação coletiva favorece uma dinâmica de trabalho
semelhante às praticas sociais, pois, os alunos compartilham suas divergências e
convergências, de modo a desenvolver sua capacidade crítica, dialógica e reflexiva,
fator que contribui para a ampliação de olhares e mudanças de percepção.
No capitulo I, buscaremos compreender o trabalho do professor de teatro a partir
de um olhar histórico, fazendo uma retrospectiva critica acerca do processo de inserção
da Arte/Teatro no currículo escolar, bem como das tendências metodológicas, mudanças
conceituais e atuais perspectivas. Com essa historiografia propomos uma reflexão
acerca de tendências que ainda hoje refletem nas praticas de muitos professores, em
contraponto aos novos enfoques exigidos pelo atual contexto sociocultural.
No capitulo II, dissertaremos sobre a encenação teatral enquanto eixo
metodológico para o ensino de teatro, focando nos modos de produção e organização
desta, como um objeto artístico e instrumento pedagógico. Pretendemos analisar de que
forma essa prática, essencialmente coletiva, favorece a contextualização dos
conhecimentos do Teatro e se configura em aprendizagem significativa.
No capitulo III, abordaremos as instancias de criação que a encenação teatral
pode abranger, indicando as possibilidades de intervenção em espaços escolares, formas
de organização coletiva e algumas considerações sobre papel do professor enquanto
propositor e organizador dos processos criativos.
2
No capitulo IV, apontaremos possibilidades de atuação do professor, a partir de
algumas experiências realizadas em escolas públicas de Brasília/DF, enfatizando a
importância da realização de registros das práticas como forma de reflexão e
sistematização de metodologias.
Pretendemos nestes quatro capítulos, indicar possíveis caminhos para que o
ensino de teatro, na educação formal, contemple os aspectos da produção, apreciação e
contextualização, de forma integrada. Assim, esta proposta que aqui se apresenta,
compreende o sujeito em suas dimensões afetivas, cognitivas e sociais, de modo que
intenta abranger o ensino de teatro em seus aspectos discursivos, simbólicos e estéticos.
3
Capítulo 1 – História e demandas contemporâneas do ensino de Arte
Cabe destacar que até então estamos falando de Educação artística como
“atividade educativa”, como instrumento e não área de conhecimento. Foi neste
contexto e sob os ideais escolanovistas2, difundidos pela Escolinha de Arte, que
começaram a se delinear os pressupostos do que chamamos hoje de Pedagogia do
Teatro.
Especificamente em relação ao ensino de Teatro, os princípios da livre expressão
eram preconizados por meio dos jogos3 e do psicodrama. O método de improvisação
teatral aliada à instrução e avaliação, ou até mesmo a criação de uma dramaturgia,
seriam contrários a esta tendências, pois, o aluno deveria ser livre para improvisar. De
acordo com Santana (2009b), “educadores e artistas desfraldaram bandeiras alardeando
a importância do processo educativo em detrimento do produto estético”, aspectos que
já foram superados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, porém, facilmente
identificados nas práticas propostas por uma grande parcela dos professores de Arte, nas
escolas atuais. “Nesse Cenário desenvolveu-se uma pseudoteoria que separava o que era
arte do que poderia ser educação, mapeando em categorias estanques o teatro formal e o
teatro educativo” (SANTANA, 2009b, p. 32). Essa separação afastava a possibilidade
de realização de um processo gerador de resultados estéticos bem elaborados, no
contexto educacional, pois, implica na simplificação dos códigos teatrais, reduzindo
toda a complexidade da linguagem.
2
Escola nova foi um movimento de renovação do ensino, difundido no Brasil na primeira metade do
século XX, após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Foi um movimento
muito criticado, porém, possui aspectos que influenciam diversas concepções de educação na
atualidade.
3
Utilizamos “Jogos” para abarcar diversas abordagens que possuem suas especificidades. De acordo
com Arão Santana, as tendências mais representativas, no contexto que estamos abordando, foram o
Play Way,de Caldwell Cook; Jogo Dramático Infantil, de Peter Slade; Creative Dramatics, de Winifred
Ward e Brian Way.
5
Já a década de 80, apresentou uma grande motivação política, discussões
conceituais, revisões metodológicas, difusão de obras especificas da área teatral,
constituição de associações de professores e ampliação de cursos de qualificação.
Ribeiro (2011) afirma que essa grande articulação deu origem a diversas formas de
organização como a Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes
Cênicas (ABRACE) e a Federação dos Arte Educadores do Brasil (FAEB), fato que
contribuiu para a consolidação do ensino de arte, possibilitando novos direcionamentos
para a formação de professores, bem como a disseminação de práticas como: os jogos
teatrais, a partir da obra de Viola Spolin, o Teatro do oprimido de Augusto Boal e o
Jogo de aprendizagem Brechtiano. Em meio a essa movimentação, as discussões
começam a tomar um direcionamento em que o teatro é reconhecido como linguagem e
a arte área de conhecimento. Santana (2009b) aponta que nomes como Stanislavski,
Brecht, Artaud, Grotowski, Barba e Peter Brook passaram a referenciar as discussões
acerca das metodologias de ensino do teatro.
Apesar dos avanços, foi somente na década de 90 que começaram a se
estabelecer claramente, nas propostas curriculares, as relações entre a educação estética
e a “educação artística” dos alunos, período em que a obrigatoriedade do ensino de Arte,
enquanto área de conhecimento, nas escolas, foi estabelecida pela Lei de Diretrizes e
Bases nº 9.394/96. Podemos afirmar que a Abordagem Triangular sistematizada por
Ana Mae Barbosa em 1991, foi um dos primeiros eixos norteadores da estrutura
curricular das escolas, na década de 90, com conteúdos específicos da área, pois, os
eixos produção, apreciação e reflexão favorecem uma visão de que “arte tem conteúdo,
história, várias gramáticas e múltiplos sistemas de interpretação que devem ser
ensinados” (BRASIL/MEC-SEB, 2008, p. 177 apud BARBOSA, 2003). Dessa forma
surgem questionamentos acerca dos conteúdos a serem ensinados, da ênfase em
aspectos artísticos europeus, bem como uma busca pela valorização do contexto sócio
cultural dos alunos. Termos com interdisciplinaridade, multiculturalidade,
interculturalidade e teatralidade passaram a fazer parte dos estudos do
“Teatro/Educação”, terminologia que posteriormente foi substituída por “Pedagogia do
Teatro”.
4
Os estágios foram realizados no 1° e 2° Semestres de 2012, respectivamente. Tive acesso a cinco
relatórios.
5
Importante salientar que esta afirmação é baseada nos relatórios aos quais acessei e em nenhuma
hipótese abrange a totalidade dos professores do Distrito Federal.
6
É importante salientar que apesar dos avanços, existem ressalvas, principalmente em relação aos
PCN’s do Ensino fundamental (1998). “As considerações introdutórias da parte de teatro, no documento
para as séries iniciais, são muito vagas, podendo servir para qualquer outra área de conhecimento.”
(PEREGRINO; SANTANA, 2001, p 99 apud HARTMANN, 2009, p. 12)
7
1.2 Desafios do Ensino de Teatro e da Prática Docente na Contemporaneidade
Discursos afirmando que uma das funções escola e ampliar a consciência cidadã
e promover novas visões de mundo são bastante conhecidos e sem dúvidas configuram
um dos maiores objetivos da educação como um todo. Fazem parte das demandas
educacionais temáticas como a influência das tecnologias e dos meios de comunicação
na vida das pessoas e conseqüentemente a questão da reprodução de comportamentos e
padrões sociais que impedem a ampliação do olhar e das atitudes autônomas. Em
relação ao ensino do teatro, não pode ser diferente. Sem dúvidas o fazer teatral abrange
essa dimensão formativa e gera diversos tipos de conhecimento, porém, é importante
entender como se dá esse processo, em arte, pois, este discurso muitas vezes se encerra
nele mesmo.
Para elucidar, trataremos da tão falada “experiência estética”, pela ótica de
Dewey que nos apresenta o conceito de arte como experiência. Ele ressalta a infinidade
de significados inerentes à ação artística e os considera como pré-requisitos para que se
dê o conhecimento. De acordo com Dewey, para que tenhamos uma experiência estética
significativa em arte, devemos articular as dimensões do fazer e do apreciar para que
possamos produzir significados.
9
Capítulo 2 – Encenação teatral como eixo metodológico para ensino do teatro.
Essa nova postura reflete, inclusive, na relação dos encenadores com os atores e
demais membros que trabalham na composição do ato teatral. Meyerhold, por exemplo,
ao propor uma atitude produtiva do espectador, passou a se preocupar com tendência
ilusionista do teatro, que se ocupava em camuflar os mecanismos e instrumentos de
produção da teatralidade. Desse modo passou a assumir a cena como fato estritamente
artístico. Essa postura passou a conferir aos elementos da linguagem uma expressão
particular, tornando a escritura cênica polifônica e não mais submetida ao texto
(DESGRANGES, 2010). Conseqüentemente os atores, os cenógrafos, figurinistas e
demais atuantes, passaram a ser compreendidos como criadores, exigindo dos
encenadores uma ampliação de suas perspectivas pedagógicas.
10
Stanislavski em 1905, quando criou o Teatro- Estúdio, deu inicio a essa nova
etapa da pedagogia do teatro, pois, em sua sistematização propunha aos atores a busca
pelas respostas em vez da transmissão de saberes acumulados. Já “Meyerhold foi um
dos primeiros a escrever sobre a competência pedagógica de um encenador de teatro,
logo após assistir os ensaios de Stanislavski, referindo-se ao diretor como um metteur-
en-scène-professeur” (MARTINS, 2006, p. 4). Além disso, Meyerhold, foi um dos
responsáveis por essa ampliação da perspectiva pedagógica do encenador, quando em
1918 criou cursos para encenadores e posteriormente, em 1921, inaugurou as oficinas de
encenação (MARTINS, 2006).
Como falamos, estas renovações que provocaram transformações no âmbito da
criação ocorreram, principalmente, em decorrência das novas perspectivas de relação
com o espectador, proposta que se consolidou com Bertolt Brecht. Ele propõe uma arte
do espectador, compreendendo-o como um sujeito criativo capaz de elaborar uma
interpretação do que vê no palco. O espectador não mais deve buscar um entendimento
dos significados e sim construir esses significados, fazendo com que a obra só se
complete em sua significação a partir do olhar de quem assiste. Brecht, ao propor a
revelação dos mecanismos da ilusão teatral e o distanciamento emotivo do espectador
em relação à cena, altera inclusive a forma de abordagem dos atores em relação aos seus
personagens e ao ato teatral. O ator não se transforma em um personagem, ele mostra
esse personagem e transmite para a audiência um modo pensar e agir, ou seja, um gesto
social, como o próprio Brecht chama. Dessa forma, a encenação se associa à pedagogia
do teatro, tanto na esfera da criação e dos modos de produção, quanto na esfera da
recepção. Os ideais de Brecht requisitavam modos de organização coletiva, apropriação
do discurso e dos mecanismos de produção por parte dos atuantes, tornando o teatro um
campo de aprendizagem e de exercício das potencialidades criticas.
Entre outros nomes que nos indicam que à pedagogia é inerente a pratica cênica,
podemos citar: Eugênio Barba, com sua abordagem antropológica; Peter Brook, que
aproxima o teatro a um acontecimento de cultura; Viola Spolin, com a sistematização
dos jogos teatrais; Jerzy Grotowski, Artaud, Ariane Mnouchkine, Jacques Copeau, entre
outros. Todos esses referenciais, com suas especificidades, nos orientam para uma
prática que procura conferir sentidos aos seus atuantes. Buscam estabelecer relações
democráticas em suas instancias de criação e possuem pedagogias próprias,
11
características que nos possibilita concluir que o processo de encenação é entre outras
coisas, um processo pedagógico.
7
Podemos abarcar no conjunto de componentes os elementos de composição cênica, dos quais
podemos citar o espaço teatral, a cenografia, figurinos, sonoplastia, música, acessórios, o trabalho de
direção teatral, o trabalho do ator, entre outros.
8
Importante pautar que consideramos sujeitos em “ação” os envolvidos em qualquer esfera do trabalho
de encenação.
12
“Do ponto de vista do processo de ensino/aprendizagem, o ato de se fazer
presente em todas as instâncias (concepção/atuação/recepção) é um dado
positivo, na medida em que permite emergir um estado singular. A
possibilidade de transitar por entre os interstícios, pelas lacunas da cena,
convoca o aluno/espectador a preencher os vazios configurados pelo
acontecimento, bem como a elaborar um sentido a partir de seu próprio
ponto de vista; propõe uma saída criativa para o interlocutor mais
próximo ou para o coletivo circundante” (RIBEIRO, 2011, p. 6)
CONTEXTO
9
CABRAL (2012) entende habitus como um “sistema de disposições pessoais, estruturadas socialmente,
as quais têm uma função estruturante em nossa mente, e dirigem nossas ações e atitudes cotidianas”,
ou seja, os discursos e ações que reproduzimos socialmente e culturalmente.
14
Capítulo 3 – As instancias de criação
“O espaço vazio permite que surja um fenômeno novo, porque tudo que
diz respeito ao conteúdo, significado, expressão, linguagem e música só
pode existir se a experiência for nova e original. Mas nenhuma
experiência nova e original é possível se não houver um espaço puro,
virgem, pronto para recebê-la” (BROOK, 1995, p. 4)
Como vemos não se trata apenas de ocupar o espaço, pois, todos os elementos da
encenação convergem para a exploração dos recursos que o local pode oferecer. O
espaço passa a ser um elemento propositor de sentidos e dialoga com as formas de ação
e recepção artística, podendo viabilizar outras instancias relacionais com os sujeitos que
o compõem.
A forma de relação com os espaços é um assunto bastante estudado
principalmente pelas ciências humanas, na atualidade, dados os deslocamentos
provocados pela globalização e pela explosão tecnológica. No livro Espaço e Lugar,
Kátia Canton (2009), afirma que diante às necessidades de adaptação à vida
contemporânea, os lugares de pertencimento e aconchego, são constantemente
substituídos por “não lugares, lugares de passagem, lugares virtuais e lugares que nos
impõem outros tipos de troca”. No intuito de melhor compreendermos as definições de
lugar e não lugar se faz necessário apontar as características que ambos comportam.
10
Entendemos por atuantes todos os envolvidos na encenação (ARAUJO José 2005).
16
“O „lugar‟ se realiza enquanto espaços de encontro, de troca, de
descobertas, de heterogeneidade, de história conquistada e realizada,
próprio de uma sociedade orgânica, integrada, enquanto que o „não
lugar‟, característico da supermodernidade, é a expressão de um espaço
de solidão individual, de similitude, homogeneidade, existe apenas em
função de sua finalidade e necessita cada vez menos da medição humana”
(AUGÉ, 2001 apud SOARES, 2010 p. 125).
18
significativa, posto que o estudante terá a oportunidade de conhecer os códigos da
escrita teatral pela manipulação direta dos signos e conteúdos, de forma
contextualizada.
Os modos de produção de conhecimento, tendo a encenação como metodologia,
podem ser os mais diversos. Trabalhos como criação de figurinos, iluminação,
cenografia, atuação, performances, entre outros, podem – e devem – ser explorados
coletivamente em seus aspectos teóricos, metodológicos, técnicos e estéticos. As formas
e propostas de organização do trabalho devem seguir o ritmo do grupo e as condições de
tempo e espaço. Afinal, “o método não precede a experiência, o método emerge durante
a experiência e se apresenta ao final, talvez para uma nova viagem” (MORIN, 2003
p.20). O que temos como referencial são apenas pressupostos de uma organização de
trabalho que valorize os sujeitos envolvidos e promova uma conquista autônoma do
conhecimento, com vistas à emancipação e conseqüentemente uma formação para a
cidadania.
O ato teatral, neste caso, deve estar essencialmente preenchido pelos sentidos e
visões dos sujeitos que compõem o coletivo, pois, dessa forma as instancias de
produção desse ato serão reconhecidas e compreendidas como linguagem e
conhecimento organizado.
No intuito de indicar possíveis caminhos para que a experiência de encenar e
ensinar teatro na escola dê ao aluno um status de protagonista do processo de
aprendizagem, utilizaremos duas denominações de sistemática, bastante conhecidas:
Criação Coletiva e Processo Colaborativo. A primeira sob a ótica da Tribo de
Atuadores Ói Nóis Aqui Travéiz, de Porto Alegre, e a segunda de acordo com as práticas
do Teatro da Vertigem, ambos os grupos reconhecidos nacionalmente.
A Tribo de Atuadores Ói nóis aqui Travéiz, foi criada em 1978 com o ímpeto de
levar o teatro para as ruas e subverter a estrutura cênica convencional. Surge
influenciada pelos preceitos de Antonin Artaud e do teatro revolucionário, no intuito de
19
manifestar as “inquietações sociais, políticas e culturais de um Brasil da anistia e diretas
já” (FISCHER, 2010, p.85). Os preceitos ideológicos do grupo propõem uma
participação de todos os integrantes do processo de criação, em todas as etapas. O
próprio nome do grupo ao se intitular “Tribo de Atuadores”, sugere seu modo de
organização. Uma tribo pressupõe uma comunidade e o termo atuadores, indica que o
processo de criação é composto por todos os envolvidos na elaboração do ato teatral,
sem estabelecer hierarquias. Fischer (2010), afirma que o grupo não busca determinar
uma metodologia fixa de trabalho, pois, defende que cada processo de criação apresenta
diferentes formas de resolução e métodos de desenvolvimento, prevalecendo, no
entanto, a ideologia coletivista. Esse entendimento nos remete ao que falamos
anteriormente, em relação ao fato de que o método emerge da experiência. Assim, a
divisão das tarefas não é determinada por especializações de funções, nem hierarquias.
Os atuadores devem se articular de forma solidária em prol do grupo e do processo de
criação, partilhando as tarefas conforme o interesse, a disponibilidade e as habilidades
individuais. Não há somente a função de ator, pois, todos devem ser atuadores e
transitarem em todos os níveis de organização. Já o Teatro da Vertigem e a terminologia
“processo colaborativo”, são bem mais atuais. O grupo surgiu em 1991, como objetivo
de investigar processos de criação cênica, firmando-se mais tarde como um referencial
de organização do trabalho artístico pela via do processo colaborativo. De acordo com
Antônio Araújo (2002), o processo colaborativo constitui uma metodologia em que
todos os integrantes da criação possuem funções artísticas específicas e tem o mesmo
espaço de proposição. A criação é compartilhada, podendo ocorrer “hierarquias móveis”
de acordo com o momento do processo de criação.
No intuito de compreendermos como cada um dessas modalidades interfere no
percurso de criação, planejamento e produção da encenação teatral em sala de aula,
faremos um quadro comparando as duas dinâmicas de trabalho. Utilizamos como ponto
de partida outro quadro, elaborado por Rosyane Trotta (2006, p. 161), no qual ela
compara as dinâmicas de trabalho do Teatro da Vertigem e da Tribo de Atuadores.
CRIAÇÃO COLETIVA PROCESSO COLABORATIVO
O texto, a cena ou ação não existe antes do O texto, a cena ou ação não existe antes do
processo. processo.
Todos elaboram em conjunto a concepção, a Todos participam da construção do ato
20
construção e a produção do ato teatral. teatral.
21
3.3 O professor encenador e os alunos protagonistas
12
Cenografia, figurino, sonoplastia, iluminação, etc.
23
Capítulo 4 – Registro de experiências e sistematização de conhecimento
O registro de uma experiência pode ser uma atitude formativa para o professor,
na medida em que ele reflete sobre a sua ação. Quando compartilhado, pode gerar
discussões, aprendizagens, mobilizações e transformações no saber docente. Além
disso, o registro é um caminho para a sistematização de procedimentos e integração da
teoria com a prática.
Abaixo faremos uma breve exposição dos materiais da caixa, bem como suas
utilidades, no momento em que os alunos estão realizando projetos de iluminação,
figurinos, cenografias, entre outros:
25
- Caderno de Produção: Um caderno em que constam os registros do percurso de
criação de um figurino, servindo como suporte para os alunos aprenderem a registrar as
informações de seus projetos.
- Demonstrativos de tecidos: Um pequeno bloco com vários recortes de tecido, dos
mais diversos, contendo as especificações técnicas, valores e nome da loja. Serve como
modelo para que os alunos façam a catalogação dos materiais que irão utilizar em seus
projetos, bem como um referencial de organização de amostras.
- Bonecos para exercícios de criação: São bonecos feitos a partir de fotografias e
servem como protótipo para a criação de figurinos. Os alunos podem tirar a foto deles
próprios, recortar e utilizar como base para o desenho dos figurinos de seus projetos.
- Catálogo de filtros para refletor: São catálogos com várias demonstrações de filtros,
em que os alunos podem ver as especificações técnicas e testar as cores de luz com o
auxilio de uma lanterna.
- Palheta de cores: É uma palheta que contem várias amostras de cores, indicando
misturas, cores complementares e diferenciando cor luz de cor pigmento. Ela auxilia os
alunos a escolherem as cores mais adequadas para a execução de cenários e figurinos,
dialogando com a interferência da cor luz, etc.
- Livros: A caixa possui diversos livros que servem como auxilio para a criação dos
projetos dos alunos, bem como para a definição conceitual dos projetos. Os livros não
são materiais permanentes da caixa, pois, são colocados conforme os projetos vão
solicitando.
- Filmes: A caixa possui dois DVD`s, sendo um documentário de 15 minutos, sobre
processo colaborativo, exibido sempre que algum processo é iniciado, e outro sobre
construção de figurinos, destinado aos grupos que se interessam por este aspecto da
encenação. Dependendo das demandas, outros filmes podem entrar na caixa.
26
4.3 Oficina de Orientação: maquiagem de efeitos especiais
Essa oficina foi a primeira atividade realizada em todos os projetos e tinha como
objetivo apresentar aos alunos os elementos de composição cênica, suas linguagens e
possíveis formas de produção, além de familiarizá-los com os modos de organização e
composição do trabalho teatral. Iniciávamos a discussão apresentando imagens de
diversas expressões artísticas, a fim de que os alunos identificassem os elementos de
linguagem que cada expressão artística utilizava, dos quais constavam expressões de
linguagens visuais, plásticas, sonoras e estéticas. Sendo o teatro um fenômeno que
abarca todas essas linguagens, partíamos dessa compreensão para mapear as categorias
do figurino, cenografia, sonoplastia, maquiagens, atuação, etc.
Depois desse mapeamento, buscávamos enfatizar todas essas produções como
algo planejado, elaborado e conceitual. No intuito de demonstrar aos alunos como
ocorre o processo de produção é instrumentalizá-los para a realização dos projetos de
encenação, realizávamos uma oficina de maquiagem de efeitos especiais. Essa atividade
chama bastante a atenção dos alunos e desperta o interesse para os aspectos da produção
e do planejamento. A oficina de orientação era dividida em três etapas, as quais são
explicitadas abaixo:
1ª etapa: Planejamento
Apresentamos o caderno de produção, que faz parte da caixa de suporte cênico,
identificando as perguntas básicas para a elaboração de um projeto de encenação. De
acordo com Sônia PAIVA (2011), devemos ter em mente cinco perguntas chave sobre
tudo o que se cria: “O que é? Onde é? Como é? Quanto é? Quando é?”. Essas perguntas
nos remetem a grande parte das necessidades de um projeto de criação e facilitam o
planejamento de qualquer projeto. Sabendo dessas perguntas elaborávamos o
planejamento em conjunto. Abaixo temos um exemplo de planejamento, realizado com
os alunos da Escola Classe 209 Sul, na Oficina de Teatração, oferecida pelo Projeto
Autonomia13 em 2012:
13
Projeto de Extensão e Ação Continua da Faculdade de Educação e do Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília – UnB.
27
• Onde é? Será no pátio da escola, em que o público fica bem próximo aos
atores e não há iluminação artificial, nem possibilidade de Blackout.
• Como é? Será realizado por três pessoas, temos apenas sombras e lápis
de olho.
Precisamos providenciar o restante dos materiais e aprender a fazer o verniz
teatral.
• Quanto é? A groselha para fazermos o sangue artificial custa R$ 8,99 e
não temos esse dinheiro. É preciso fazer uma caixinha de arrecadação entre o
grupo.
• Quando é? Será realizado na próxima aula, portanto temos que
providenciar todos os materiais até o dia.
3ª Etapa - Execução
Depois de planejarem, pesquisarem conceitos e imagens, os alunos executam o
projeto. No caso da maquiagem de ferimentos, o primeiro passo é fabricar o verniz
teatral, co breu branco diluído em Álcool. Depois os alunos fabricam o sangue artificial
feito com groselha, glucose de milho, achocolatado e anilina vermelha, sempre
pensando no que o conceito pede, pois, como vimos, há uma diferença de cor e textura
no sangue, dependendo se ele for venoso ou arterial. Por fim, é começar a aplicar a
maquiagem no ator/aluno. Como base, utilizamos algodão colado com o verniz
diretamente na pele, que depois de seco receberá um acabamento com corretivo facial,
pó compacto, sombras e lápis de olho, conforme pede a pesquisa. (ver fotos no anexo I)
28
Depois que os alunos passavam por essas etapas da oficina de orientação,
começávamos os projetos de encenação. Era perceptível que os alunos já sabiam os
caminhos a serem percorridos e isso garantiu maior autonomia para os grupos de
trabalho. Serão relatadas duas experiências em que os alunos planejaram e executaram
projetos de encenação de maneira colaborativa.
29
nós?”. Definidas as formas de organização, dividimos o processo em três etapas,
conforme abaixo:
30
aproveitar essa oportunidade rara de conceber um projeto de iluminação teatral em uma
escola?
Devido ao fato de a turma possuir somente dez alunos, conseguir compor apenas
dois grupos para criação dos projetos. O figurino e a sonoplastia ficaram sob a
responsabilidade de todos. O tempo das aulas era dividido, de modo que os alunos
trabalhavam no planejamento dos projetos e na criação das cenas do espetáculo.
Durante o processo de criação foram surgindo perguntas importantes para
qualquer professor de teatro, que possui um compromisso ético/estético: Qual a noção
de personagem que adotaremos? Como utilizaremos o espaço que possuímos? Essas
perguntas foram sendo respondidas na medida em que realizamos os jogos teatrais, que
permearam todo o processo de composição.
Em relação ao entendimento de personagem, buscamos nos apoiar na noção de
ator rapsodo, desenvolvida pela pesquisadora Nara Keiserman, principalmente pelo fato
de estarmos trabalhando com narrativas pessoais. Esse entendimento coloca o trabalho
do ator/aluno no transito entre narrativa e ficcionalização (personagem). Conforme as
cenas eram compostas, buscávamos gestualidades e ações físicas adequadas a cada
cena. O parâmetro de avaliação era sempre o da fisicalização, na concepção de Viola
Spolin. Perguntávamos sempre se o aluno havia mostrado ou contado as sua ações, pois,
para nós importava mostrar, comunicar. Já em relação ao espaço, a escola possuía dois
auditórios, sendo um de palco italiano e outro menor de semi-arena. Como estávamos
trabalhando com memórias pessoais, queríamos uma relação mais intimista com os
espectadores. Essa proposta nos fez optar pelo palco de semi-arena. Apesar de não
propormos uma interação física com o público, a idéia era que eles fizessem parte
daquele momento de partilha de memórias. Depois de três meses produzindo, nos
preparamos para a apresentação que ocorreu durante uma mostra anual de trabalhos da
escola. Propomos a um aluno novo, que não participou do processo desde o inicio, que
fizesse os cartazes é um programa para entregarmos aos espectadores. Apresentamos
alguns cartazes de espetáculos e propomos fazer um ensaio fotográfico para o mesmo
selecionar a foto do cartaz. O resultado se encontra no anexo V. A apresentação reuniu
cerca de 60 pessoas, principalmente familiares, que ficaram muito comovidos. Foi um
resultado que surpreendeu a maioria dos professores da escola que ficaram curiosos para
saber como conseguimos realizar um trabalho tão contundente (ver anexo VI).
31
4.5 A encenação de “A pele de Iansã”
32
da escola. Delimitamos vários espaços simultâneos de apresentação, situando os
espectadores nos intervalos entre esses espaços.
Construção de Personagens: Na construção dos personagens, trabalhos com
matrizes corporais a partir de animais. Com essas matrizes eram propostos alguns jogos
entre os alunos e avaliávamos se os mesmos haviam comunicado algo, ou um
personagem por meio da matriz corporal.
Esses são alguns dos aspectos que merecem ser destacados, pois, se referem às
principais instancias do processo de criação. Durante o percurso, formamos um grupo
de trabalho para a criação dos figurinos e objetos de cena. Como os personagens eram
orixás, os alunos pesquisaram as histórias, cores, elementos e características destes,
realizando posteriormente uma chuva de idéias. Com essa base, desenharam os croquis
dos figurinos (ver anexo VIII). Percebemos que esse processo mudou a visão de alunos
a respeito das tradições afro-brasileiras, pois, no inicio alguns ficaram receosos achando
que se tratava de “macumba”, como falavam. Alguns alunos não queriam nem vestir os
figurinos, porém, o processo de pesquisa e leituras foi essencial para a quebra dessa
visão estereotipada. A aluna que fazia a personagem Iansã, por exemplo, não queria
colocar a roupa devido aos chifres que a personagem tinha pendurados. Segundo ela era
“coisa do diabo”. Depois a aluna compreendeu que os chifres eram elementos de
proteção que Iansã deixou para os filhos ao sair da casa de seu esposo, ela passou
aceitou o figurino. Neste sentido além de estarem compreendendo os códigos da
linguagem teatral, os alunos tiveram oportunidades de quebrar preconceitos e
ampliarem suas visões criticas.
O trabalho resultou na encenação de um ato teatral, o qual intitulamos de “A
pele de Iansã” (fotos no anexo IX). Toda a escola foi convidada a assistir, juntamente
com alguns pais de alunos, fato que reforça uma perspectiva de formação que se estende
para além dos sujeitos envolvidos diretamente na produção da encenação.
33
Considerações Finais
34
elaboração estética. Ele mesmo atesta que o seu trabalho valoriza somente um processo
ensimesmado, que não apresentará nenhum resultado.
A encenação teatral também favorece atitudes em que o professor mantenha uma
continuidade de pesquisa, estudo e prática artística, pois, ao conduzir os processos de
encenação este também exercita seu posicionamento artístico. Defendemos que o teatro
que se faz na escola, não é menor que o teatro que se faz nos palcos, logo, ambos
possuem o mesmo status de arte e o professor também pode ser um artista estando
dentro de uma escola. Nesse entendimento o referido deve ter ciência dos elementos que
formam o conteúdo da arte teatral. Em relação a estes conteúdos, Maria Lúcia Pupo,
defende:
35
Referencias bibliográficas
ARAÚJO, José Sávio Oliveira de. A cena ensina: uma proposta pedagógica para a
formação de professores de teatro. Natal: UFRN, 2005.
BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. 7. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.
CABRAL, Beatriz. Ação cultural e teatro como pedagogia. Sala Preta, nº. 12, 2012.
Disponível em
<htpp://www.revistasalapreta.com.br/índex.php/salapreta/article/view/414/404>.
Acesso em: 13/07/2012.
CANTON, Kátia. Espaço e lugar. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.
36
DESGRANGES, F. A pedagogia do teatro: provocação e dialogismo. 2. ed. São Paulo:
Hucitec, 2006.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro pós-dramático. 2. Ed. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
37
PACHECO, José. Escola da Ponte: formação e transformação da educação. 3. Ed.
Petropolis/RJ: Vozes, 2010.
PUPO, Maria Lúcia. Teatro e educação formal. CORADESQUI, Glauber. (org) Teatro
na escola: experiências e olhares. Brasília: Fundação Athos Bulcão.
RIBEIRO, José Mauro Barbosa. Assim no teatro como na vida: experiência estética,
leitura de mundo e consciência cidadã. Salvador: UFBA, 2011.
38