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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

INSTITUTO DE ARTES
DEPARTAMENTO DE ARTES CÊNICAS

ENCENAÇÃO TEATRAL: UM EIXO METODOLÓGICO PARA O


ENSINO DE TEATRO NA EDUCAÇÃO FORMAL

Wellington de Oliveira

Brasília/DF
Abril de 2013
Wellington de Oliveira

ENCENAÇÃO TEATRAL: UM EIXO METODOLÓGICO PARA O


ENSINO DE TEATRO NA EDUCAÇÃO FORMAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Departamento de Artes Cênicas da Universidade de
Brasília, como requisito para obtenção do titulo de
Licenciado em Artes Cênicas, sob orientação do Profº.
Dr. José Mauro Barbosa Ribeiro.

Brasília/DF
Abril de 2013
Wellington de Oliveira

ENCENAÇÃO TEATRAL: UM EIXO METODOLÓGICO PARA O


ENSINO DE TEATRO NA EDUCAÇÃO FORMAL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade de Brasília – UnB


no Instituto de Artes-IdA no Departamento de Artes Cênicas como requisito para
obtenção do título de Licenciado em Artes Cênicas sob a orientação do Profº. Dr. José
Mauro Barbosa Ribeiro.

Brasília, 8 de Abril de 2013.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________
Prof.º Dr. José Mauro Barbosa Ribeiro

__________________________________
Prof.ª Dr. Ana Maria Agra Guimarães

__________________________________
Prof.ª Dr. Clarice Costa
Agradecimentos

Ao Jonathan Andrade,
pelo amor, pelas discussões acaloradas sobre teatro e educação que tanto me inspiram,
pelos melhores finais de semana, pela paciência, por ter me dado mais uma família linda
e por ter me apresentado o Lucke.

À minha mãe, meu avô e meus irmãos,


por terem sempre me incentivado na busca dos meus objetivos, pela admiração que me
conferem, pela liberdade, pela confiança e pelo amor.

À minha avó, por ter duvidado da minha escolha profissional, pelas exigências de
resultados e por não ter me dado tantas facilidades. Obrigado por ter me ensinado a
conseguir as coisas com o meu próprio esforço e tornar-me mais independente.

Ao professor José Mauro, por ter despertado em mim o interesse pela pesquisa
acadêmica, por ter me apresentado outras possibilidades para o exercício da docência,
pela confiança, oportunidades, disponibilidade e orientação.

À professora Sonia Paiva, mestre e inspiradora, responsável por me apresentar o


universo fantástico encenação teatral.

À professora Clarice Costa, pela oportunidade de participar do PIBID, uma das


melhores experiências que tive na Universidade, e pela confiança no meu trabalho.

À Wanuza Marques, pelos diálogos em sala de aula, pelas oportunidades de vivenciar a


experiência da docência, pelo incentivo e confiança em mim.

À professora, Ana Agra, pela poesia e por ter ensinado que o amor é intrínseco à
educação.

A todos os professores e amigos que participaram deste percurso de formação.

A Deus, aos anjos, santos e espíritos de luz.


Escola de Estética
Para desenvolver o gosto nas crianças, é preciso que entrem em uma
escola especial onde possam fazer aquilo que se faz com a química nos
laboratórios.
Elas devem ter máscaras, roupas e objetos para brincar. Elas devem ter
móveis para decorar quartos no cenário. Os móveis devem ser de boa e
má qualidade, as roupas de diferentes qualidades.
Elas precisam ter blocos de construção com peças de épocas diferentes,
entre as quais possam escolher. A partir de pequenos moldes devem
aprender a planejar jardins e a fazer arranjos com flores artificiais.
Para a aula de música elas necessitam de gravadores, com fitas de trechos
de obras musicais. Elas devem aprender a fotografar e a fazer
composições, a moldar e pintar potes de barro. Elas necessitam de
tipografias para compor páginas de livros. De pastas com imagens kitsch.
Precisam ler poemas, e ouvir bons e maus oradores, em discos. Precisam
de caixas com objetos de uso nobre, talheres, cartas de baralho.

Bertolt Brecht
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................................................1

CAPITULO 1. HISTORIA E DEMANDAS CONTEMPORÂNEAS DO ENSINO DE

ARTE.............................................................................................................................................4

1.1 Breve histórico sobre o ensino de Arte/Teatro no Brasil e as novas perspectivas...........4

1.2 Desafios do Ensino de Teatro e da Prática Docente na Contemporaneidade..................8

CAPITULO 2. ENCENAÇÃO TEATRAL COMO EIXO METODOLÓGICO PARA O

ENSINO DE TEATRO..............................................................................................................10

2.1 Encenação teatral e pedagogia do teatro ..........................................................................10

2.2 Encenação teatral e contextualização de conhecimentos..................................................12

CAPITULO 3. AS INSTANCIAS DE CRIAÇÃO...................................................................15

3.1 O espaço teatral da escola....................................................................................................15

3.2 A organização do processo arte educativo.........................................................................18

3.3 O professor encenador e os alunos protagonistas..............................................................22

CAPITULO 4. REGISTRO DE EXPERIÊNCIAS E SISTEMATIZAÇÃO DE

CONHECIMENTOS..................................................................................................................24

4.1 Os registros de experiência na formação do professor.....................................................24

4.2 Materiais de apoio pedagógico: a caixa de suporte..........................................................25.

4.3 Oficina de Orientação: maquiagem de efeitos especiais...................................................27

4.4 A encenação de “Memórias Encaixadas”...........................................................................29

4.5 A encenação de “A pele de Iansã”.......................................................................................32

CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................34

BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................36

ANEXOS
Introdução

A idéia de teatro como uma produção, coletiva, colaborativa e interdisciplinar


sempre foi constante na maioria das experiências com as quais tive contato desde o
inicio da minha trajetória artística e profissional. Inicialmente, como membro do Grupo
de Teatro Carruagem, dirigido por Sarah Salles, depois passando pelo Grupo de Teatro
Carlitos, dirigido por Raquel Lima, e por fim ingressando no curso de Licenciatura em
Artes Cênicas da Universidade de Brasília.
As experiências com o teatro de grupo permitiram uma aproximação com o fazer
teatral articulado sob um viés educacional, possibilitando a oportunidade de vivenciar
todas as esferas da produção, nas quais trabalhávamos desde a concepção do espetáculo
e sua proposta estética, até a divulgação, transporte de materiais, montagem e
desmontagem de cenários. Embasado por estas vivências considero que uma das formas
mais potenciais de formação estética e teatral se da por meio da criação do evento
cênico, pois se trata de permitir o acesso do aluno aos processos de criação, algo que
exigirá um olhar crítico e atitudes dialógicas de forma semelhante ao terreno dos
conflitos sociais. Dessa forma, rompemos com a dicotomia entre ensino e a prática
criativa, visto que o aluno terá a vivência corporal, técnica e teórica de forma
efetivamente integrada.
Na Universidade me aproximei dos estudos relacionados à pedagogia do teatro,
articulando-os com as minhas experiências e viabilizando possíveis metodologias para o
ensino do teatro, pois, também sempre tive um desejo de transformação especificamente
voltado para a educação formal. Encontrei nos princípios estéticos, políticos e
metodológicos de encenadores como Bertolt Brecht, Eugênio Barba, Zé Celso Martinez
e Antonio Araújo, referenciais que dialogam efetivamente com as pedagogias de Paulo
Freire e José Pacheco, idealizador da Escola da Ponte (Portugal), cujas trajetórias se
tornaram objeto de estudo e inspiração para minhas escolhas profissionais.
Durante o percurso da minha graduação participei do Projeto de Extensão e
Ação Continua “Diálogos com Experiências Educacionais Inovadoras”, carinhosamente
chamado de “Projeto Autonomia”, em que buscávamos realizar intervenções em escolas
públicas de Brasília/DF, com vistas a implementar uma pedagogia que valorizava a
autonomia dos alunos. Também tive a oportunidade de participar do “Programa
Institucional de Iniciação à Docência – PIBID”, oportunidades que possibilitaram
viabilizar experiências pedagógicas, em contexto educacional formal, tendo a encenação

1
teatral como eixo metodológico. Dessa forma, vamos nos basear nestas experiências
para levantar possíveis problemáticas enfrentadas pelo professor de teatro, quando
inserido em uma escola formal, além de indicar possibilidades de enfrentamento dessa
realidade. Tendo esta trajetória como motivadora, a presente pesquisa pretende
identificar e sistematizar formas de organização que possibilitem a construção coletiva
do ato teatral no âmbito escolar, entendendo-o como um processo de produção de
conhecimentos.
Consideramos que a encenação teatral é um campo propicio para que os alunos
se aproximem das linguagens e dos códigos da composição cênica, bem com das formas
de produção técnica, estética e conceitual. Dessa forma, o aluno poderá vivenciar a
experiência teatral de forma contextualizada, pois todos os referenciais teóricos e
metodológicos aos quais tiver acesso serão canalizados para uma ação real, em que os
códigos e canais da linguagem teatral estarão organizados e significados em conjunto.
Além disso, o processo de criação coletiva favorece uma dinâmica de trabalho
semelhante às praticas sociais, pois, os alunos compartilham suas divergências e
convergências, de modo a desenvolver sua capacidade crítica, dialógica e reflexiva,
fator que contribui para a ampliação de olhares e mudanças de percepção.
No capitulo I, buscaremos compreender o trabalho do professor de teatro a partir
de um olhar histórico, fazendo uma retrospectiva critica acerca do processo de inserção
da Arte/Teatro no currículo escolar, bem como das tendências metodológicas, mudanças
conceituais e atuais perspectivas. Com essa historiografia propomos uma reflexão
acerca de tendências que ainda hoje refletem nas praticas de muitos professores, em
contraponto aos novos enfoques exigidos pelo atual contexto sociocultural.
No capitulo II, dissertaremos sobre a encenação teatral enquanto eixo
metodológico para o ensino de teatro, focando nos modos de produção e organização
desta, como um objeto artístico e instrumento pedagógico. Pretendemos analisar de que
forma essa prática, essencialmente coletiva, favorece a contextualização dos
conhecimentos do Teatro e se configura em aprendizagem significativa.
No capitulo III, abordaremos as instancias de criação que a encenação teatral
pode abranger, indicando as possibilidades de intervenção em espaços escolares, formas
de organização coletiva e algumas considerações sobre papel do professor enquanto
propositor e organizador dos processos criativos.

2
No capitulo IV, apontaremos possibilidades de atuação do professor, a partir de
algumas experiências realizadas em escolas públicas de Brasília/DF, enfatizando a
importância da realização de registros das práticas como forma de reflexão e
sistematização de metodologias.
Pretendemos nestes quatro capítulos, indicar possíveis caminhos para que o
ensino de teatro, na educação formal, contemple os aspectos da produção, apreciação e
contextualização, de forma integrada. Assim, esta proposta que aqui se apresenta,
compreende o sujeito em suas dimensões afetivas, cognitivas e sociais, de modo que
intenta abranger o ensino de teatro em seus aspectos discursivos, simbólicos e estéticos.

3
Capítulo 1 – História e demandas contemporâneas do ensino de Arte

1.1 Breve histórico sobre o ensino de Arte/Teatro no Brasil e as novas perspectivas

Conhecer o histórico do ensino de arte, suas perspectivas e tendências


pedagógicas, é requisito básico para qualquer professor de teatro interessado em refletir
sobre as suas práticas em sala de aula. A compreensão acerca da inserção do teatro na
educação formal, bem como, do processo de afirmação da Arte1 enquanto área de
conhecimento favorece a identificação de um conjunto de fatores que, ainda hoje,
influenciam as metodologias de ensino, perpetuam descompassos conceituais no ensino
de teatro, bem como a manutenção de modelos estereotipados e a reprodução de
técnicas teatrais aleatórias, que não configuram espaços significativos de produção de
conhecimentos. No intuito de compreender as mudanças que implicam a transição da
denominação “Educação Artística” para “Arte”, as mudanças conceituais e objetivos da
prática artística, articulada sob o viés educacional, constituiremos um breve panorama
acerca da historia do ensino de arte no Brasil. Faremos um recorte, se atentando
especificamente ao ensino de arte na educação escolarizada, processo iniciado a partir
da primeira metade do século XX.
Foi sob as influencias do movimento “escolanovista”- 1948 - contexto em que
surgiu a Escolinha de Arte do Brasil, no Rio de Janeiro, uma espécie de ateliê em que as
crianças desenhavam e pintavam livremente, que começou a se consolidar o processo de
inserção da arte na educação formal. Aos poucos a proposta da Escolinha de Arte se
disseminou pelo país e diante à demanda de profissionais na área, configurou-se
posteriormente, em 1961, por meio de convênios com as secretarias de educação, no
único curso de especialização para professores de educação através da arte. Dessa
forma, seus princípios pedagógicos foram os primeiros norteadores das práticas
desenvolvidas nas escolas (SANTANA, 2009a). Todas as referências apontam que o
foco desses cursos era nas artes plásticas, porém, inferem que a Escolinha de Arte foi
um espaço propicio para que artistas da área teatral desenvolvessem suas práticas, fato
que pode ser constatado após a promulgação da lei 5692/71 que inclui a arte no
currículo escolar. Neste ano foram criados os primeiros cursos de Educação Artística,
ainda influenciados pelos princípios da Escolinha de Arte.
1
A palavra Arte aparece com letra maiúscula por ser uma área de conhecimento que engloba as
seguintes linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro.
4
“As idéias propagadas pelos membros das escolinhas de Arte do Brasil
colaboraram para a disseminação da livre expressão, a qual se configurou
num dos pilares do movimento mundial da educação pela arte. Contudo,
talvez devido à inexistência de professores preparados para a docência
em arte nas escolas, o ideário pautado na livre-expressão teve
repercussões negativas, vigorando uma abordagem espontaneista, com
conteúdos pautados na dramatização de fundo psicológico, quando não o
papel do teatro como coadjuvante das matérias do currículo consideradas
sérias.” (SANTANA, 2009ª, p.20)

Cabe destacar que até então estamos falando de Educação artística como
“atividade educativa”, como instrumento e não área de conhecimento. Foi neste
contexto e sob os ideais escolanovistas2, difundidos pela Escolinha de Arte, que
começaram a se delinear os pressupostos do que chamamos hoje de Pedagogia do
Teatro.
Especificamente em relação ao ensino de Teatro, os princípios da livre expressão
eram preconizados por meio dos jogos3 e do psicodrama. O método de improvisação
teatral aliada à instrução e avaliação, ou até mesmo a criação de uma dramaturgia,
seriam contrários a esta tendências, pois, o aluno deveria ser livre para improvisar. De
acordo com Santana (2009b), “educadores e artistas desfraldaram bandeiras alardeando
a importância do processo educativo em detrimento do produto estético”, aspectos que
já foram superados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, porém, facilmente
identificados nas práticas propostas por uma grande parcela dos professores de Arte, nas
escolas atuais. “Nesse Cenário desenvolveu-se uma pseudoteoria que separava o que era
arte do que poderia ser educação, mapeando em categorias estanques o teatro formal e o
teatro educativo” (SANTANA, 2009b, p. 32). Essa separação afastava a possibilidade
de realização de um processo gerador de resultados estéticos bem elaborados, no
contexto educacional, pois, implica na simplificação dos códigos teatrais, reduzindo
toda a complexidade da linguagem.

2
Escola nova foi um movimento de renovação do ensino, difundido no Brasil na primeira metade do
século XX, após a divulgação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932. Foi um movimento
muito criticado, porém, possui aspectos que influenciam diversas concepções de educação na
atualidade.
3
Utilizamos “Jogos” para abarcar diversas abordagens que possuem suas especificidades. De acordo
com Arão Santana, as tendências mais representativas, no contexto que estamos abordando, foram o
Play Way,de Caldwell Cook; Jogo Dramático Infantil, de Peter Slade; Creative Dramatics, de Winifred
Ward e Brian Way.
5
Já a década de 80, apresentou uma grande motivação política, discussões
conceituais, revisões metodológicas, difusão de obras especificas da área teatral,
constituição de associações de professores e ampliação de cursos de qualificação.
Ribeiro (2011) afirma que essa grande articulação deu origem a diversas formas de
organização como a Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes
Cênicas (ABRACE) e a Federação dos Arte Educadores do Brasil (FAEB), fato que
contribuiu para a consolidação do ensino de arte, possibilitando novos direcionamentos
para a formação de professores, bem como a disseminação de práticas como: os jogos
teatrais, a partir da obra de Viola Spolin, o Teatro do oprimido de Augusto Boal e o
Jogo de aprendizagem Brechtiano. Em meio a essa movimentação, as discussões
começam a tomar um direcionamento em que o teatro é reconhecido como linguagem e
a arte área de conhecimento. Santana (2009b) aponta que nomes como Stanislavski,
Brecht, Artaud, Grotowski, Barba e Peter Brook passaram a referenciar as discussões
acerca das metodologias de ensino do teatro.
Apesar dos avanços, foi somente na década de 90 que começaram a se
estabelecer claramente, nas propostas curriculares, as relações entre a educação estética
e a “educação artística” dos alunos, período em que a obrigatoriedade do ensino de Arte,
enquanto área de conhecimento, nas escolas, foi estabelecida pela Lei de Diretrizes e
Bases nº 9.394/96. Podemos afirmar que a Abordagem Triangular sistematizada por
Ana Mae Barbosa em 1991, foi um dos primeiros eixos norteadores da estrutura
curricular das escolas, na década de 90, com conteúdos específicos da área, pois, os
eixos produção, apreciação e reflexão favorecem uma visão de que “arte tem conteúdo,
história, várias gramáticas e múltiplos sistemas de interpretação que devem ser
ensinados” (BRASIL/MEC-SEB, 2008, p. 177 apud BARBOSA, 2003). Dessa forma
surgem questionamentos acerca dos conteúdos a serem ensinados, da ênfase em
aspectos artísticos europeus, bem como uma busca pela valorização do contexto sócio
cultural dos alunos. Termos com interdisciplinaridade, multiculturalidade,
interculturalidade e teatralidade passaram a fazer parte dos estudos do
“Teatro/Educação”, terminologia que posteriormente foi substituída por “Pedagogia do
Teatro”.

“O intuito de incorporar reflexões e indagações sobre a Pedagogia do


Teatro visou não apenas ampliar o espectro da pesquisa na área, trazendo
para a discussão os Mestres do Teatro – dramaturgos, teóricos e
6
encenadores, como também fundamentar a epistemologia e o processos
de trabalho do teatro, inserindo-os na história da cultura. Acredito que
essa dimensão nos permite escapar do risco de reducionismos e camisas
de força didáticas, entendendo o ensino de teatro na sua complexidade”
(KOUDELA, 2009 p. 17).

No âmbito acadêmico essas discussões se fazem presentes e são amplamente


compartilhadas, principalmente por meio de congressos e/ou publicações, porém, não há
muitas evidências de transformações em sala de aula, pois, durante a realização dos
Estágios Supervisionados4, como já esperado, constatou-se que as práticas das salas de
aula observadas, em Brasília/DF, não possuíam muita proximidade com os ideais
preconizados pelo PCNs – Arte5, fato constatado pelos relatórios da maioria dos alunos
da disciplina e que como sabemos se estende à realidade brasileira.
Cabe ressaltar que os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs Arte -
principalmente o do Ensino Médio (2000), estão consideravelmente afinados com o
atual discurso da Pedagogia do Teatro6, no que diz respeito às relações com outros
campos de conhecimento e com a realidade, ao mesmo tempo em que possui uma
“identidade como forma de conhecimento, mediação e construção de sentido”
(BRASIL/MEC-SEB, 2008).
Estas explanações em relação ao processo histórico e as constantes revisões
conceituais estão presentes nesta pesquisa por serem consideradas essenciais para o
entendimento do papel do professor de teatro em sala de aula, pois, conforme a citação
de Koudela, anteriormente, evita o didatismo que torna o ensino de teatro meramente
instrumental. Essa consciência viabiliza o foco de atuação para as dimensões formativas
intrínsecas a linguagem teatral e suas especificidades.

4
Os estágios foram realizados no 1° e 2° Semestres de 2012, respectivamente. Tive acesso a cinco
relatórios.
5
Importante salientar que esta afirmação é baseada nos relatórios aos quais acessei e em nenhuma
hipótese abrange a totalidade dos professores do Distrito Federal.
6
É importante salientar que apesar dos avanços, existem ressalvas, principalmente em relação aos
PCN’s do Ensino fundamental (1998). “As considerações introdutórias da parte de teatro, no documento
para as séries iniciais, são muito vagas, podendo servir para qualquer outra área de conhecimento.”
(PEREGRINO; SANTANA, 2001, p 99 apud HARTMANN, 2009, p. 12)
7
1.2 Desafios do Ensino de Teatro e da Prática Docente na Contemporaneidade

Discursos afirmando que uma das funções escola e ampliar a consciência cidadã
e promover novas visões de mundo são bastante conhecidos e sem dúvidas configuram
um dos maiores objetivos da educação como um todo. Fazem parte das demandas
educacionais temáticas como a influência das tecnologias e dos meios de comunicação
na vida das pessoas e conseqüentemente a questão da reprodução de comportamentos e
padrões sociais que impedem a ampliação do olhar e das atitudes autônomas. Em
relação ao ensino do teatro, não pode ser diferente. Sem dúvidas o fazer teatral abrange
essa dimensão formativa e gera diversos tipos de conhecimento, porém, é importante
entender como se dá esse processo, em arte, pois, este discurso muitas vezes se encerra
nele mesmo.
Para elucidar, trataremos da tão falada “experiência estética”, pela ótica de
Dewey que nos apresenta o conceito de arte como experiência. Ele ressalta a infinidade
de significados inerentes à ação artística e os considera como pré-requisitos para que se
dê o conhecimento. De acordo com Dewey, para que tenhamos uma experiência estética
significativa em arte, devemos articular as dimensões do fazer e do apreciar para que
possamos produzir significados.

“O conhecimento entra na produção de arte, mas, tanto na produção


quanto na apreciação de trabalhos de arte, o conhecimento é
transformado; ele se torna mais do que conhecimento porque se funde
com elementos não intelectuais para tornar válida uma experiência –
enquanto experiência” (DEWEY, apud BARBOSA, 2001, p.149)

Podemos articular esse pensamento com os PCN‟s, no que diz respeito à


Abordagem Triangular, pois, apesar de destacar os apenas os eixos produção e
apreciação, inferimos que ao falar na transformação do conhecimento Dewey contempla
o aspecto da contextualização. Consideramos, neste caso, que essa transformação do
conhecimento somente é possível na medida em que o sujeito se apropria, ou seja,
quando este conhecimento se articula com as suas experiências de vida e com o seu
contexto sociocultural, configurando dessa forma uma experiência estética efetiva.
É nesta linha de pensamento que se apresentam conceitos como
Multiculturalismo e Etnocenologia. O multiculturalismo situa “a arte-educação, no
8
respeito às tradições culturais, artísticas e estéticas dos estudantes, ou seja, na
contextualização de suas origens e de seus grupos sociais” (HARTMANN, 2009, p. 9).
Já a Etnocenologia, de acordo com Pavis (2011), amplia o estudo do teatro para as
práticas espetaculares, em particular as que se origina do rito, do cerimonial e das
práticas culturais. Nas duas abordagens percebemos a possibilidade de contextualização
dos conhecimentos de Teatro sem que percamos as suas especificidades ao dialogar com
outros referenciais e fazer associações com outras áreas de conhecimento.
Ainda indicando possibilidades para o enfrentamento dessa nova realidade
escolar, a idéia de Ação Cultural, pelo âmbito do ensino, também pode ser um
parâmetro norteador para que o professor de Teatro oriente sua prática docente. A Ação
Cultural propõe uma mobilização do professor no sentido de quebrar a reprodução de
comportamentos instauradores de condicionamentos culturais que refletem nas nossas
atitudes cotidianas. Dessa forma, todas as possibilidades, das quais elencamos, nos
direcionam para atos estéticos. Mais uma vez:

“A experiência estética situacionista e contextualizada, com ênfase no


sujeito coletivo, expressivo e emancipado, se faz urgente, tanto pela
pressão inimaginável exercida sobre as pessoas nesse processo
irreversível de reorganização do mundo, como, num sentido mais
extremo, na necessidade de contrapor-se ao perverso processo de
fabricação do indivíduo “pasteurizado”, acrítico e seguidor obediente das
armadilhas consumistas, elaboradas competentemente pela indústria
cultural” (RIBEIRO, 2011, p. 62)

Portanto, é importante que saibamos os princípios em que a Pedagogia do Teatro


está centrada, pois estes princípios implicam na premissa de que somente a partir da
dimensão artística do teatro é que se vincula a estética e conseqüentemente as mudanças
de percepção do mundo.

9
Capítulo 2 – Encenação teatral como eixo metodológico para ensino do teatro.

2.1 Encenação teatral e pedagogia do teatro

As grandes renovações da encenação teatral, no século XX, são conseqüências


das experiências de investigação dos encenadores modernos, quando passaram a
questionar a função do teatro na sociedade e a pensar as possibilidades de comunicação
com os espectadores. Muito mais que propor mudanças na forma de comunicar, estes
encenadores estavam unindo a investigação artística com o desejo de que os
espectadores refletissem sobre o que estava sedo visto no palco. Neste sentido,
passaram a buscar outras formas de trabalho e viabilizar metodologias que pudessem
favorecer estas novas proposições estéticas, fator que dificulta a dissociação de
encenação e pedagogia do teatro.

“(...) é impossível distinguir o encenador do pedagogo. O pedagogo que


dirige a aprendizagem técnica e o encenador que elabora com o grupo um
espetáculo são a mesma pessoa. A osmose é total entre os processos de
criação”(..) Não existe um vai e vem ou tensão entre duas funções, de
circulação entre dois papeis. A encenação na sua essência é fundada
sobre a relação pedagógica. Mas, esta relação pedagógica define de
algum modo o próprio ato de fazer teatro, tanto quanto a preparação para
esse ato” (BORIE 1988, p.128 apud MARTINS, 2006 p.5).

Essa nova postura reflete, inclusive, na relação dos encenadores com os atores e
demais membros que trabalham na composição do ato teatral. Meyerhold, por exemplo,
ao propor uma atitude produtiva do espectador, passou a se preocupar com tendência
ilusionista do teatro, que se ocupava em camuflar os mecanismos e instrumentos de
produção da teatralidade. Desse modo passou a assumir a cena como fato estritamente
artístico. Essa postura passou a conferir aos elementos da linguagem uma expressão
particular, tornando a escritura cênica polifônica e não mais submetida ao texto
(DESGRANGES, 2010). Conseqüentemente os atores, os cenógrafos, figurinistas e
demais atuantes, passaram a ser compreendidos como criadores, exigindo dos
encenadores uma ampliação de suas perspectivas pedagógicas.

10
Stanislavski em 1905, quando criou o Teatro- Estúdio, deu inicio a essa nova
etapa da pedagogia do teatro, pois, em sua sistematização propunha aos atores a busca
pelas respostas em vez da transmissão de saberes acumulados. Já “Meyerhold foi um
dos primeiros a escrever sobre a competência pedagógica de um encenador de teatro,
logo após assistir os ensaios de Stanislavski, referindo-se ao diretor como um metteur-
en-scène-professeur” (MARTINS, 2006, p. 4). Além disso, Meyerhold, foi um dos
responsáveis por essa ampliação da perspectiva pedagógica do encenador, quando em
1918 criou cursos para encenadores e posteriormente, em 1921, inaugurou as oficinas de
encenação (MARTINS, 2006).
Como falamos, estas renovações que provocaram transformações no âmbito da
criação ocorreram, principalmente, em decorrência das novas perspectivas de relação
com o espectador, proposta que se consolidou com Bertolt Brecht. Ele propõe uma arte
do espectador, compreendendo-o como um sujeito criativo capaz de elaborar uma
interpretação do que vê no palco. O espectador não mais deve buscar um entendimento
dos significados e sim construir esses significados, fazendo com que a obra só se
complete em sua significação a partir do olhar de quem assiste. Brecht, ao propor a
revelação dos mecanismos da ilusão teatral e o distanciamento emotivo do espectador
em relação à cena, altera inclusive a forma de abordagem dos atores em relação aos seus
personagens e ao ato teatral. O ator não se transforma em um personagem, ele mostra
esse personagem e transmite para a audiência um modo pensar e agir, ou seja, um gesto
social, como o próprio Brecht chama. Dessa forma, a encenação se associa à pedagogia
do teatro, tanto na esfera da criação e dos modos de produção, quanto na esfera da
recepção. Os ideais de Brecht requisitavam modos de organização coletiva, apropriação
do discurso e dos mecanismos de produção por parte dos atuantes, tornando o teatro um
campo de aprendizagem e de exercício das potencialidades criticas.
Entre outros nomes que nos indicam que à pedagogia é inerente a pratica cênica,
podemos citar: Eugênio Barba, com sua abordagem antropológica; Peter Brook, que
aproxima o teatro a um acontecimento de cultura; Viola Spolin, com a sistematização
dos jogos teatrais; Jerzy Grotowski, Artaud, Ariane Mnouchkine, Jacques Copeau, entre
outros. Todos esses referenciais, com suas especificidades, nos orientam para uma
prática que procura conferir sentidos aos seus atuantes. Buscam estabelecer relações
democráticas em suas instancias de criação e possuem pedagogias próprias,

11
características que nos possibilita concluir que o processo de encenação é entre outras
coisas, um processo pedagógico.

2.2 Encenação teatral e contextualização de conhecimentos

A encenação teatral apresenta uma possibilidade de abordagem do ensino de


teatro na educação formal quando vista como um amplo espaço de investigação artística
em todas as suas dimensões metodológicas, técnicas, estéticas, pedagógicas e
experimentais. Partindo desta afirmação, o termo encenação teatral é entendido, nesta
pesquisa, como “manifestação cênica de um discurso utilizando elementos visuais e
sonoros”, configurada por um “conjunto de componentes7 com diferentes linguagens” e
especificidades. (FERNANDES, 2006) Dessa forma, vislumbramos contemplar dois
aspectos essenciais para uma prática teatral significativa: a apropriação dos elementos
de composição cênica, com suas respectivas linguagens, e a articulação destes
elementos dentro de um discurso teatral que envolve sujeitos em ação8. É importante
ressaltar que quando falamos em discurso teatral não necessariamente estamos falando
em um espetáculo teatral a ser apresentado para uma platéia de convidados externos à
escola. Montagem de espetáculos é uma das possibilidades, porém, uma proposta de
encenação pode ser viabilizada entre os próprios alunos por meio de pequenos atos,
como performances, intervenções, cenas curtas, etc. Neste sentido, entendemos que a
encenação teatral é um produto teatral resultante do processo e aprendizagem.
Consideramos que encenar um texto, uma cena ou dramaturgia criada com os
próprios alunos é uma atividade que naturalmente implica em uma Abordagem
Triangular como propõe Ana Mae e dispõe os PCNs – Arte. Se pensarmos no aspecto
da contextualização, esta já começa durante a própria produção da encenação. A partir
do momento em que determinado aluno ou grupo produz um figurino, por exemplo, ele
precisa dialogar com uma totalidade e se deparar com os “problemas” que a criação
artística exige que sejam solucionados.

7
Podemos abarcar no conjunto de componentes os elementos de composição cênica, dos quais
podemos citar o espaço teatral, a cenografia, figurinos, sonoplastia, música, acessórios, o trabalho de
direção teatral, o trabalho do ator, entre outros.
8
Importante pautar que consideramos sujeitos em “ação” os envolvidos em qualquer esfera do trabalho
de encenação.
12
“Do ponto de vista do processo de ensino/aprendizagem, o ato de se fazer
presente em todas as instâncias (concepção/atuação/recepção) é um dado
positivo, na medida em que permite emergir um estado singular. A
possibilidade de transitar por entre os interstícios, pelas lacunas da cena,
convoca o aluno/espectador a preencher os vazios configurados pelo
acontecimento, bem como a elaborar um sentido a partir de seu próprio
ponto de vista; propõe uma saída criativa para o interlocutor mais
próximo ou para o coletivo circundante” (RIBEIRO, 2011, p. 6)

Diante aos expostos, podemos afirmar que o processo de aprendizagem no


âmbito da encenação teatral se dá tal como no terreno dos conflitos sociais, em que
somos desafiados a “preencher vazios” e enfrentar as singularidades. Aproxima-se ainda
de um lugar semelhante ao das relações de poder as quais somos submetidos na vida
social, pois em uma encenação o aluno faz parte de um coletivo e precisa dialogar com
os demais enquanto sujeito e produtor de um objeto artístico/estético.
Considerando estes aspectos, estamos caminhando para a superação de um dos
maiores desafios da educação formal na atualidade, que é a busca pelo significado das
coisas. Para melhor compreendermos as possibilidades de ocorrência da aprendizagem
significativa, utilizaremos como referencia um esboço, presente nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio.

CONTEXTO

BRASIL/MEC-SEB. [Contexto]. 2008. Figura 1

A figura nos apresenta dois círculos que representam um sujeito ou grupo de


sujeitos, com seus respectivos ideais. O processo de ação (produz o texto) e reflexão
(interpreta o texto) ocorre a partir do contexto desses sujeitos, que diante ao “conflito”
poderão identificar as convergências e/ou divergências de pensamento, criando uma
espécie de zona de interesse. “Quanto mais o aluno e o professor, conhecem, vivenciam,
experiênciam e compreendem seu contexto e o dos outros, as possibilidades dos
13
códigos, as possibilidades das mídias e dos materiais, maior se torna a zona de
interesse” (BRASIL/MEC-SEB, 2008). Sendo assim, a partir do momento em que os
interesses são compartilhados e comuns a todos, a aprendizagem se torna significativa.
Em nosso caso, durante o processo de articulação coletiva em torno do arranjo do
“objeto” encenação teatral, é que surgem as fricções de idéias, valores, crenças, saberes
e princípios, estágio em que os sujeitos envolvidos estão contextualizando o
conhecimento e conhecendo outros contextos.
Durante o percurso de produção, o sujeito está constantemente apreciando os
materiais que são produzidos, sejam eles tangíveis ou não, e contextualizando a partir de
seu olhar e dos olhares do coletivo. Portanto, é a partir da contextualização que ocorrem
às mudanças de percepção e o desenvolvimento da capacidade crítica, fato que
inevitavelmente nos leva ao conceito de Ação Cultural. Como mencionado no capitulo
anterior, “a ação cultural, pelo âmbito do ensino, pode ser vista como a ação do
professor que busca quebrar a reprodução de comportamentos (habitus) 9 que impedem
a ampliação do olhar” (CABRAL, 2012). A perspectiva desse tipo de ação se baseia no
argumento de que as formas artísticas pressupõem uma partilha do sensível, atingindo
as esferas emocionais e racionais, possibilitando novas subjetividades.
Ao expormos todas essas dimensões que o estudo da encenação pode
contemplar, podemos compreender melhor as instancias que pedagogia do teatro
propõe, pois, abarcamos conhecimentos acerca dos códigos, canais e contextos da
linguagem teatral, além das vinculações estéticas, políticas e emocionais. Essa noção
reforça nosso entendimento de encenação como algo sistematizado que possui
metodologias, conceitos e técnicas, sendo, portanto, uma forma conhecimento, que ao
ser apropriado configurará uma experiência estética.

9
CABRAL (2012) entende habitus como um “sistema de disposições pessoais, estruturadas socialmente,
as quais têm uma função estruturante em nossa mente, e dirigem nossas ações e atitudes cotidianas”,
ou seja, os discursos e ações que reproduzimos socialmente e culturalmente.
14
Capítulo 3 – As instancias de criação

3.1 O espaço teatral da escola

Em seu Dicionário de Teatro, Pavis(2011) afirma que o termo “espaço teatral”,


atualmente substitui a palavra teatro quando a relacionamos com uma arquitetura teatral,
em especial com o palco italiano. Ele afirma que isso se deve ao surgimento de espaços
não convencionais, como escolas, fábricas, mercados, etc. Logo, a palavra teatro não se
restringe mais a um edifício teatral e conseqüentemente não nos permite o reducionismo
presente na maioria dos livros didáticos de dizer que é preciso um “palco” para que
ocorra o fenômeno teatral. Além disso, a noção de espaço, no teatro, não é algo tão
simples de se definir. “Separar e definir cada um desses espaços é uma empreitada tão
vã quanto desesperada” (PAVIS, 2011, p. 132.). Ao tratar dos espaços do teatro o autor
apresenta três possíveis definições, a saber: Espaço Dramático é o espaço
ficcionalizado, construído pela imaginação do espectador, a partir da dramaturgia;
Espaço Cênico é o espaço real onde evoluem os atores, independente deles se
restringirem ao espaço da área cênica, propriamente dita, ou circularem no meio do
público; Espaço Cenográfico é o espaço cênico, ou espaço teatral, caracterizado pela
relação entre atuantes e espectadores, durante o fenômeno teatral (PAVIS, 2011).
Se observarmos, nenhuma das noções de espaço pressupõe uma arquitetura
específica, fato que nos remete a Peter Brook, quando fala em espaço vazio.

“O espaço vazio permite que surja um fenômeno novo, porque tudo que
diz respeito ao conteúdo, significado, expressão, linguagem e música só
pode existir se a experiência for nova e original. Mas nenhuma
experiência nova e original é possível se não houver um espaço puro,
virgem, pronto para recebê-la” (BROOK, 1995, p. 4)

Neste sentido, podemos escolher qualquer espaço de uma escola e considerá-lo


um palco limpo (espaço vazio), pronto para receber experiências originais, ser
significado e/ou ressignificado pelos alunos. É importante ressaltar que não estamos
defendendo o fato de que o professor tenha que ser um “super herói” em meio à falta de
mínimas condições de trabalho. Mais que isso, nosso intuito é promover uma discussão
acerca da exigência de que uma escola ofereça espaços teatrais nos moldes
15
convencionais, bem como problematizar proposições estéticas que não dialogam com o
espaço que a escola dispõe. Trata-se de pensar as relações que o teatro propõe com as
diferentes espacialidades, pois, a forma de ocupação de um espaço pode reforçar
discursos, atmosferas e ser determinante para a potência de um ato cênico. Esse
entendimento nos apresenta a compreensão de que o espaço cênico pode ser
compreendido, sinteticamente, como o espaço de encontro entre atuantes10 e platéia,
podendo se constituir em qualquer lugar, desde que se estabeleça uma relação com as
potencialidades estéticas que este pode viabilizar.
Experimentos como os do grupo brasileiro Teatro da Vertigem, reconhecido
principalmente pela investigação de processos de criação cênica em espaços não
convencionais, podem servir como inspiração para uma abordagem do espaço em
encenações escolares.

“O inédito e surpreendente nas encenações do Teatro da Vertigem é que


os espaços urbanos escolhidos como palco vêm imbuídos de fortes
conteúdos semânticos, em comunhão com a temática tratada pela
encenação. O espaço não é apenas ocupado, mas preenchido pela destreza
da direção, qualidade de atuação, iluminação e cenografia, que exploram
as possibilidades e recursos do local” (FISCHER, 2010, p.161)

Como vemos não se trata apenas de ocupar o espaço, pois, todos os elementos da
encenação convergem para a exploração dos recursos que o local pode oferecer. O
espaço passa a ser um elemento propositor de sentidos e dialoga com as formas de ação
e recepção artística, podendo viabilizar outras instancias relacionais com os sujeitos que
o compõem.
A forma de relação com os espaços é um assunto bastante estudado
principalmente pelas ciências humanas, na atualidade, dados os deslocamentos
provocados pela globalização e pela explosão tecnológica. No livro Espaço e Lugar,
Kátia Canton (2009), afirma que diante às necessidades de adaptação à vida
contemporânea, os lugares de pertencimento e aconchego, são constantemente
substituídos por “não lugares, lugares de passagem, lugares virtuais e lugares que nos
impõem outros tipos de troca”. No intuito de melhor compreendermos as definições de
lugar e não lugar se faz necessário apontar as características que ambos comportam.

10
Entendemos por atuantes todos os envolvidos na encenação (ARAUJO José 2005).
16
“O „lugar‟ se realiza enquanto espaços de encontro, de troca, de
descobertas, de heterogeneidade, de história conquistada e realizada,
próprio de uma sociedade orgânica, integrada, enquanto que o „não
lugar‟, característico da supermodernidade, é a expressão de um espaço
de solidão individual, de similitude, homogeneidade, existe apenas em
função de sua finalidade e necessita cada vez menos da medição humana”
(AUGÉ, 2001 apud SOARES, 2010 p. 125).

Sabemos que os nossos modelos de educação calcados, sobretudo, na


competitividade e na tendência homogeneizante, têm afastado cada vez mais o espaço
escolar de qualquer vinculação afetiva. Dessa forma, a escola se torna apenas um espaço
de transito ou “não lugar”, em que os indivíduos passam somente para cumprir um
requisito e obter uma formação de cartilha11. Considerando o desafio da escola se
afirmar como um lugar de pertencimento e identidade, direcionaremos a nossa
discussão acerca do espaço para uma questão ainda maior, suscitando as seguintes
perguntas: como a aproximação com os espaços da escola podem viabilizar novos
olhares? Como a experiência de ressignificação do espaço escolar pode torná-lo um
lugar de afetividade? Como podemos gerar memórias a partir deste espaço? Como
transformar a escola em um espaço lúdico, poético? Muito além da aprendizagem dos
códigos da linguagem teatral e da descoberta de uma teatralidade, estamos buscando
uma experiência estética que desperte no aluno um olhar não banalizado para o espaço
escolar, pois, a escola pode nos apresentar algo muito maior que carteiras deterioradas,
paredes pichadas, portas e janelas quebradas. Provavelmente a falta de sentido deste
espaço é um fator que amplia os atos de vandalismo dos alunos.
MARTINS (2004,), afirma que “uma investigação do espaço deve iniciar-se por
estimular a consciência dos condicionamentos individuais e culturais, driblando as
expectativas da mente”, fato que nos remete ao entendimento de que a forma de
percepção de um espaço tem haver com as memórias que guardamos dele, ou seja,
nossa relação com os lugares são condicionadas pelas experiências que estes nos
possibilitaram. Podemos afirmar, portanto, que a Encenação Teatral no espaço escolar
pode promover o que Brecht chamava de estranhamento, pois, o „lugar‟ passará a ter
outros referenciais simbólicos, deslocando as visões e expectativas já condicionadas.
11
Entende-se por uma formação com vistas ao ensino meramente instrumental, evidenciando
exclusivamente o aspecto do letramento, que por si só não possibilita uma formação crítica e cidadã,
além de não conferir nenhum significado à vida do sujeito.
17
É importante pautarmos que essa experiência não precisa se restringir somente
aos alunos que produzem e interferem neste espaço. A própria história da encenação
moderna, ao propor novas formatações, nos aponta que essas transformações tinham um
caráter de democratização do teatro. Diante disso, porque não democratizarmos essa
experiência de significação do espaço escolar, por meio da encenação, com o restante da
comunidade escolar? Podemos ampliar essa espécie de ação cultural, também, para as
famílias dos nossos alunos, mostrando que o teatro não é uma caixa fechada acessível a
poucos.
Essas provocações acerca do espaço se delineiam no sentido de não
perpetuarmos um discurso de insuficiência de estruturas, que muitas vezes aparece para
mascarar o comodismo, a falta de competência artística e pedagógica de alguns
professores. Nenhuma atitude criativa surge em meio à apatia e à acomodação, desse
modo, ficar sentado idealizando uma realidade não vai gerar nenhum tipo de
transformação. Sabemos que existem muitos professores que trabalham em meio a
péssimas condições, não dispõem de material e nem por isso perdem o desejo de fazer
algo melhor. Podemos chegar em “lugares pouco convidativos e torná-los
resplandecentes de vida”, ou seja, devemos “agarrar a feiúra com ambas as mãos”
(BROOK, 2000, p. 39). Pensar a partir das possibilidades que o meio oferece pode
suscitar muitas experiências interessantes e ampliar os limites da criação. Como fez
Brook, basta pegarmos um tapete, abri-lo em um lugar qualquer e preenchermos o
espaço vazio com centelhas de vida.

3.2 A organização do processo arte educativo

Propor um projeto de encenação teatral no âmbito escolar implica pensar


criteriosamente nos aspectos da condução do processo de ensino-aprendizagem, bem
como no lugar do professor perante o coletivo de alunos. É preciso buscar formas de
organização do trabalho teatral que valorizem o contexto sócio-cultural dos alunos, seus
saberes, bem como possibilitem atitudes dialógicas e autônomas. Considerando que a
Encenação Teatral comporta diversas linguagens, cada uma com suas especificidades,
precisamos viabilizar formas de trabalho que permitam ao aluno uma apropriação de
todos esses elementos constituintes, mesmo que ele não esteja diretamente envolvido
em todas essas esferas. Nesta perspectiva, propiciaremos uma aprendizagem

18
significativa, posto que o estudante terá a oportunidade de conhecer os códigos da
escrita teatral pela manipulação direta dos signos e conteúdos, de forma
contextualizada.
Os modos de produção de conhecimento, tendo a encenação como metodologia,
podem ser os mais diversos. Trabalhos como criação de figurinos, iluminação,
cenografia, atuação, performances, entre outros, podem – e devem – ser explorados
coletivamente em seus aspectos teóricos, metodológicos, técnicos e estéticos. As formas
e propostas de organização do trabalho devem seguir o ritmo do grupo e as condições de
tempo e espaço. Afinal, “o método não precede a experiência, o método emerge durante
a experiência e se apresenta ao final, talvez para uma nova viagem” (MORIN, 2003
p.20). O que temos como referencial são apenas pressupostos de uma organização de
trabalho que valorize os sujeitos envolvidos e promova uma conquista autônoma do
conhecimento, com vistas à emancipação e conseqüentemente uma formação para a
cidadania.

“É preciso considerar que o ambiente ou a visão de mundo irá mediar as


relações dos sujeitos na construção de uma encenação teatral e, enquanto
desenvolvimento de uma aprendizagem, possibilitar que o ensino de
teatro se processe como um ato de construção e não apenas de
assimilação”(ARAÚJO, J, 2005, p. 90).

O ato teatral, neste caso, deve estar essencialmente preenchido pelos sentidos e
visões dos sujeitos que compõem o coletivo, pois, dessa forma as instancias de
produção desse ato serão reconhecidas e compreendidas como linguagem e
conhecimento organizado.
No intuito de indicar possíveis caminhos para que a experiência de encenar e
ensinar teatro na escola dê ao aluno um status de protagonista do processo de
aprendizagem, utilizaremos duas denominações de sistemática, bastante conhecidas:
Criação Coletiva e Processo Colaborativo. A primeira sob a ótica da Tribo de
Atuadores Ói Nóis Aqui Travéiz, de Porto Alegre, e a segunda de acordo com as práticas
do Teatro da Vertigem, ambos os grupos reconhecidos nacionalmente.
A Tribo de Atuadores Ói nóis aqui Travéiz, foi criada em 1978 com o ímpeto de
levar o teatro para as ruas e subverter a estrutura cênica convencional. Surge
influenciada pelos preceitos de Antonin Artaud e do teatro revolucionário, no intuito de
19
manifestar as “inquietações sociais, políticas e culturais de um Brasil da anistia e diretas
já” (FISCHER, 2010, p.85). Os preceitos ideológicos do grupo propõem uma
participação de todos os integrantes do processo de criação, em todas as etapas. O
próprio nome do grupo ao se intitular “Tribo de Atuadores”, sugere seu modo de
organização. Uma tribo pressupõe uma comunidade e o termo atuadores, indica que o
processo de criação é composto por todos os envolvidos na elaboração do ato teatral,
sem estabelecer hierarquias. Fischer (2010), afirma que o grupo não busca determinar
uma metodologia fixa de trabalho, pois, defende que cada processo de criação apresenta
diferentes formas de resolução e métodos de desenvolvimento, prevalecendo, no
entanto, a ideologia coletivista. Esse entendimento nos remete ao que falamos
anteriormente, em relação ao fato de que o método emerge da experiência. Assim, a
divisão das tarefas não é determinada por especializações de funções, nem hierarquias.
Os atuadores devem se articular de forma solidária em prol do grupo e do processo de
criação, partilhando as tarefas conforme o interesse, a disponibilidade e as habilidades
individuais. Não há somente a função de ator, pois, todos devem ser atuadores e
transitarem em todos os níveis de organização. Já o Teatro da Vertigem e a terminologia
“processo colaborativo”, são bem mais atuais. O grupo surgiu em 1991, como objetivo
de investigar processos de criação cênica, firmando-se mais tarde como um referencial
de organização do trabalho artístico pela via do processo colaborativo. De acordo com
Antônio Araújo (2002), o processo colaborativo constitui uma metodologia em que
todos os integrantes da criação possuem funções artísticas específicas e tem o mesmo
espaço de proposição. A criação é compartilhada, podendo ocorrer “hierarquias móveis”
de acordo com o momento do processo de criação.
No intuito de compreendermos como cada um dessas modalidades interfere no
percurso de criação, planejamento e produção da encenação teatral em sala de aula,
faremos um quadro comparando as duas dinâmicas de trabalho. Utilizamos como ponto
de partida outro quadro, elaborado por Rosyane Trotta (2006, p. 161), no qual ela
compara as dinâmicas de trabalho do Teatro da Vertigem e da Tribo de Atuadores.
CRIAÇÃO COLETIVA PROCESSO COLABORATIVO

O texto, a cena ou ação não existe antes do O texto, a cena ou ação não existe antes do
processo. processo.
Todos elaboram em conjunto a concepção, a Todos participam da construção do ato

20
construção e a produção do ato teatral. teatral.

Elimina-se o autor ou responsável pela Insere-se uma figura responsável pela


escrita da cena, como uma função função especifica e especializada pra
específica. elaborar a escrita da cena.
O ponto de partida para a experimentação O ponto de partida para a experimentação
cênica é a proposta criada pelo grupo. cênica e para a criação do texto é
apresentado pelo professor.
O texto/ação/ato emergem durante o O texto/ação/ato é construído em diálogo
processo de experimentação. com as experimentações cênicas.
As escolhas ligadas ao texto cabem a todos. As escolhas ligadas ao texto cabem a um
responsável.
As funções se estabelecem durante o As funções são determinadas antes do
processo. processo.
Campo autoral coletivo, unidade. Campo autoral plural, hibridismo.

Analisando o quadro, percebemos que a criação coletiva, propõe que o ato


teatral seja uma unidade, em que todas as opiniões são sintetizadas pelo grupo. Já o
processo colaborativo, converge em um resultado plural e híbrido, em que o ato teatral
será uma totalidade composta por diversos olhares e individualidades. Ambas as
dinâmicas de trabalho apresentam posicionamentos ideológicos consolidados, valorizam
o desenvolvimento da liberdade individual e dialogam na medida em que propõem uma
divisão de trabalho que estimula atitudes solidárias entre os sujeitos criadores. No
entanto, cada um desses modos depende da natureza do trabalho realizado.
Pensar essas dinâmicas de trabalho lembrando que o professor de teatro, em
grade parte das escolas brasileiras, possui duas aulas de 50 minutos, por semana, não é
muito simples. Esses são apenas exemplos que podem favorecer a identificação de
elementos facilitadores para uma boa condução dos processos de encenação em sala de
aula. São aqui apresentados como possibilidades em que o professor de teatro pode
transitar, compreendendo o aluno como um criador potencial e o espaço escolar como
um lugar de multiplicidades.

21
3.3 O professor encenador e os alunos protagonistas

Em um projeto de encenação, é necessário que o professor tenha consciência de


seu papel como mediador e colaborador do processo de ensino-aprendizagem. Isto
implica que o referido faz parte da criação da encenação, pois, não consideramos o
professor/encenador como um olhar de fora, ou apenas um facilitador do processo. Ele
também “deve colaborar efetivamente nas decisões relativas à dramaturgia”, se
preocupando em “articular seu posicionamento artístico com os desejos estéticos” dos
alunos (MARTINS, 2003, p. 43). Essa abordagem orienta o professor na condução do
processo de encenação, de forma a não centralizar as decisões nem se aproximar de uma
tendência que valorize somente a auto- expressão dos alunos e os deixe improvisando à
vontade. Para corresponder a estes requisitos é necessário o domínio de competências
artísticas e pedagógicas. Não basta saber encenar e gerar resultados aparentemente
consistentes, pois, se o aluno não tiver sido o protagonista do processo de construção do
conhecimento o professor não cumpriu com o seu papel.

“Além de estimular o aprendizado do fazer teatral em iniciantes,


dominando abordagem metodológica que permita a socialização dessa
linguagem, o professor necessita praticar e refletir procedimentos de
elaboração do discurso cênico que permitam a participação criativa e
critica de seus alunos” (MARTINS, 2003, p. 42).

Essa compreensão requisita que o professor tenha domínio dos conhecimentos


da linguagem teatral, além de saber organizar pedagogicamente um processo de
encenação . Ao elaborar um discurso cênico, na sala de aula, este deve saber organizar e
sistematizar as experiências, a fim de garantir a apropriação do discurso por parte dos
alunos, respeitando seus universos e apresentando-lhes novos referenciais.
O exercício da docência, assim como o do artista, exige comprometimento,
atualização constante, interesse pela pesquisa, atitudes proativas e desejo de
transformação. Sendo um professor de arte então, esta exigência é duplicada, pois, o
professor além de se manter atualizado das instancias teóricas, precisa acompanhar as
práticas da cena. A formação em arte ocorre principalmente pela experiência, fator que
exige um contato permanente com o teatro e suas formas de produção. Algumas atitudes
podem caracterizar uma formação continuada, das quais podemos citar: assistir
22
espetáculos teatrais, manter uma rotina de leituras, participar de oficinas, propor novas
experimentações em sala de aula, ler programas e/ou roteiros de espetáculos, buscar
referencias e sentidos para as suas práticas, etc. Entre as competências que um professor
encenador deve buscar desenvolver, Marcos Bulhões Martins cita:

“saber expressar seu posicionamento artístico com relação ao teatro


contemporâneo; reconhecer as principais referências históricas e teóricas
da sua prática; saber elaborar projetos de intervenção cultural e pedagogia
do teatro; coordenar o aprendizado da leitura do espetáculo
contemporâneo; conduzir o grupo de iniciantes e/ou atores desde a
escolha do tema, até a efetivação do acontecimento cênico, sem perder o
aspecto lúdico do processo; saber avaliar e redigir textos que
sistematizem sua prática.” (MARTINS 2003, p. 45).

Percebemos que a posse dessas competências, afasta a possibilidade de práticas


que se limitam à reprodução de técnicas e a centralidade da cena no papel do ator ou do
diretor, pois, compreender as formas espetaculares contemporâneas significa saber que
as novas proposições valorizam os sujeitos como criadores e as antes chamadas “partes
técnicas12” cada vez mais se afirmam como linguagens específicas. Neste entendimento,
todos os atuantes envolvidos na elaboração cênica, são criadores e protagonistas das
suas criações.

12
Cenografia, figurino, sonoplastia, iluminação, etc.
23
Capítulo 4 – Registro de experiências e sistematização de conhecimento

4.1 Os registros de experiência na formação do professor

O registro de uma experiência pode ser uma atitude formativa para o professor,
na medida em que ele reflete sobre a sua ação. Quando compartilhado, pode gerar
discussões, aprendizagens, mobilizações e transformações no saber docente. Além
disso, o registro é um caminho para a sistematização de procedimentos e integração da
teoria com a prática.

“Ação sem reflexão é ativismo e a reflexão sem ação é verbalismo. A


formação de professores, como a educação em geral, é uma atividade
prática. Releva-se a necessidade de integração do nível teórico com o
nível prático” (PACHECO, 2010, p. 109).

Dessa forma, o registro pode possibilitar que o professor articule os


conhecimentos acadêmicos com a prática cotidiana. Em nosso caso, essa é uma ação
que deve ser cotidiana, considerando que a aprendizagem da encenação ocorre por meio
de práticas complementadas por referenciais teóricos.
Ao registrar as experiências da sala de aula e dialogar com princípios estéticos e
metodológicos de grandes encenadores, o professor viabiliza o surgimento de novas
abordagens e a compreensão de metodologias na prática. O ato de socializar esses
registros de experiência, mesmo que de forma narrativa, pode ser mais proveitoso que
participar de um curso de formação em que o professor receberá mais teorias
descontextualizadas. José PACHECO (2010 p. 11) acredita que a formação acontece
quando o professor é capaz de se decifrar “por meio de um diálogo entre o eu que age e
o eu que se interroga”, quando ele identifica suas fragilidades. Dessa forma, uma
estratégia de formação continuada pode ser bastante eficaz se pautada a partir da
partilha de experiências em círculos de estudo.
Este exercício de registrar experiências e buscar uma sistematização das ações
realizadas em sala de aula permeou todo o meu percurso de formação acadêmica. Neste
capitulo, constarão relatos de algumas atividades realizadas em escolas públicas de
Brasília/DF, todas com eixo temático centrado na encenação teatral. Foram atividades
que abordaram aspectos muito parecidos, porém, com desdobramentos diferentes. Com
24
estes registros pretendemos organizar didaticamente as informações as quais temos
acesso em livros, muitas vezes muito técnicos, além de produzir materiais de suporte
para as aulas.

4.2 Materiais de apoio pedagógico: a caixa de suporte

Desde a realização do primeiro projeto de encenação, em 2011, tínhamos uma


caixa com diversos materiais de apoio para as aulas. Inicialmente eram materiais como
canetinhas, papeis tesouras e tintas, porém, durante os percursos esses materiais foram
se transformando de acordo com as demandas dos processos de criação. Hoje, a caixa
que passou a se chamar “caixa de suporte cênico”, comporta somente materiais
pedagógicos que dão suporte à criação e planejamento dos projetos de figurino,
iluminação, cenografia e visualidades. Grande parte dos materiais foram produzidos
inspirados nas aulas da artista plástica, figurinista e professora do Departamento de
Artes Cênicas da UnB, Sônia Paiva.

OLIVEIRA, Wellington. Caixa de Suporte Cênico. 2013. Fotografia

Abaixo faremos uma breve exposição dos materiais da caixa, bem como suas
utilidades, no momento em que os alunos estão realizando projetos de iluminação,
figurinos, cenografias, entre outros:
25
- Caderno de Produção: Um caderno em que constam os registros do percurso de
criação de um figurino, servindo como suporte para os alunos aprenderem a registrar as
informações de seus projetos.
- Demonstrativos de tecidos: Um pequeno bloco com vários recortes de tecido, dos
mais diversos, contendo as especificações técnicas, valores e nome da loja. Serve como
modelo para que os alunos façam a catalogação dos materiais que irão utilizar em seus
projetos, bem como um referencial de organização de amostras.
- Bonecos para exercícios de criação: São bonecos feitos a partir de fotografias e
servem como protótipo para a criação de figurinos. Os alunos podem tirar a foto deles
próprios, recortar e utilizar como base para o desenho dos figurinos de seus projetos.
- Catálogo de filtros para refletor: São catálogos com várias demonstrações de filtros,
em que os alunos podem ver as especificações técnicas e testar as cores de luz com o
auxilio de uma lanterna.
- Palheta de cores: É uma palheta que contem várias amostras de cores, indicando
misturas, cores complementares e diferenciando cor luz de cor pigmento. Ela auxilia os
alunos a escolherem as cores mais adequadas para a execução de cenários e figurinos,
dialogando com a interferência da cor luz, etc.
- Livros: A caixa possui diversos livros que servem como auxilio para a criação dos
projetos dos alunos, bem como para a definição conceitual dos projetos. Os livros não
são materiais permanentes da caixa, pois, são colocados conforme os projetos vão
solicitando.
- Filmes: A caixa possui dois DVD`s, sendo um documentário de 15 minutos, sobre
processo colaborativo, exibido sempre que algum processo é iniciado, e outro sobre
construção de figurinos, destinado aos grupos que se interessam por este aspecto da
encenação. Dependendo das demandas, outros filmes podem entrar na caixa.

Esses materiais fazem parte da caixa e são sempre necessários em todos os


projetos de encenação, porém, a escola apresenta diversas possibilidades e demandas,
sendo necessário que a caixa esteja sempre se renovando e se adequando de acordo com
a necessidade das propostas em curso. As experiências anteriores mostraram que os
alunos se interessam muito pelos materiais da caixa, primeiro pela curiosidade de saber
o que tem dentro, depois por descobrirem inúmeras possibilidades para a produção de
seus trabalhos.

26
4.3 Oficina de Orientação: maquiagem de efeitos especiais

Essa oficina foi a primeira atividade realizada em todos os projetos e tinha como
objetivo apresentar aos alunos os elementos de composição cênica, suas linguagens e
possíveis formas de produção, além de familiarizá-los com os modos de organização e
composição do trabalho teatral. Iniciávamos a discussão apresentando imagens de
diversas expressões artísticas, a fim de que os alunos identificassem os elementos de
linguagem que cada expressão artística utilizava, dos quais constavam expressões de
linguagens visuais, plásticas, sonoras e estéticas. Sendo o teatro um fenômeno que
abarca todas essas linguagens, partíamos dessa compreensão para mapear as categorias
do figurino, cenografia, sonoplastia, maquiagens, atuação, etc.
Depois desse mapeamento, buscávamos enfatizar todas essas produções como
algo planejado, elaborado e conceitual. No intuito de demonstrar aos alunos como
ocorre o processo de produção é instrumentalizá-los para a realização dos projetos de
encenação, realizávamos uma oficina de maquiagem de efeitos especiais. Essa atividade
chama bastante a atenção dos alunos e desperta o interesse para os aspectos da produção
e do planejamento. A oficina de orientação era dividida em três etapas, as quais são
explicitadas abaixo:

1ª etapa: Planejamento
Apresentamos o caderno de produção, que faz parte da caixa de suporte cênico,
identificando as perguntas básicas para a elaboração de um projeto de encenação. De
acordo com Sônia PAIVA (2011), devemos ter em mente cinco perguntas chave sobre
tudo o que se cria: “O que é? Onde é? Como é? Quanto é? Quando é?”. Essas perguntas
nos remetem a grande parte das necessidades de um projeto de criação e facilitam o
planejamento de qualquer projeto. Sabendo dessas perguntas elaborávamos o
planejamento em conjunto. Abaixo temos um exemplo de planejamento, realizado com
os alunos da Escola Classe 209 Sul, na Oficina de Teatração, oferecida pelo Projeto
Autonomia13 em 2012:

• O que é? Maquiagem de ferimentos para um espetáculo teatral.

13
Projeto de Extensão e Ação Continua da Faculdade de Educação e do Instituto de Psicologia da
Universidade de Brasília – UnB.
27
• Onde é? Será no pátio da escola, em que o público fica bem próximo aos
atores e não há iluminação artificial, nem possibilidade de Blackout.
• Como é? Será realizado por três pessoas, temos apenas sombras e lápis
de olho.
Precisamos providenciar o restante dos materiais e aprender a fazer o verniz
teatral.
• Quanto é? A groselha para fazermos o sangue artificial custa R$ 8,99 e
não temos esse dinheiro. É preciso fazer uma caixinha de arrecadação entre o
grupo.
• Quando é? Será realizado na próxima aula, portanto temos que
providenciar todos os materiais até o dia.

2ª etapa – Pesquisa conceitual e imagética


Nesta etapa os alunos pesquisam os conceitos do trabalho que realizarão, fazem
o estudo do personagem que está ferido, as circunstancias em que ocorreram aquele
ferimento e outras informações possam ser úteis. Isso é muito importante ao projeto,
pois, sabendo as circunstancias em que o personagem se feriu o aluno buscará, durante a
pesquisa imagética, imagens específicas. Essa etapa é muito importante para uma boa
execução, posto que se o aluno sabe que o corte daquele personagem é mais profundo o
sangue provavelmente será arterial e mais fino que o de um corte superficial. Quanto
maior a quantidade de informações, mais verossímil será o resultado. Diante às
informações o aluno realiza a pesquisa imagética e elabora o seu croqui.

3ª Etapa - Execução
Depois de planejarem, pesquisarem conceitos e imagens, os alunos executam o
projeto. No caso da maquiagem de ferimentos, o primeiro passo é fabricar o verniz
teatral, co breu branco diluído em Álcool. Depois os alunos fabricam o sangue artificial
feito com groselha, glucose de milho, achocolatado e anilina vermelha, sempre
pensando no que o conceito pede, pois, como vimos, há uma diferença de cor e textura
no sangue, dependendo se ele for venoso ou arterial. Por fim, é começar a aplicar a
maquiagem no ator/aluno. Como base, utilizamos algodão colado com o verniz
diretamente na pele, que depois de seco receberá um acabamento com corretivo facial,
pó compacto, sombras e lápis de olho, conforme pede a pesquisa. (ver fotos no anexo I)

28
Depois que os alunos passavam por essas etapas da oficina de orientação,
começávamos os projetos de encenação. Era perceptível que os alunos já sabiam os
caminhos a serem percorridos e isso garantiu maior autonomia para os grupos de
trabalho. Serão relatadas duas experiências em que os alunos planejaram e executaram
projetos de encenação de maneira colaborativa.

4.4 A encenação de “Memórias Encaixadas”

O processo de criação foi desenvolvido com alunos do 8º ano da Escola Parque


304/305 sul, todos com idades entre 12 e 15 anos. Desde o inicio, definimos que o
objetivo da proposta era Conceber um projeto de encenação teatral em que todos os
participantes tivessem a oportunidade de vivenciar o processo de elaboração do discurso
cênico acessando todos os mecanismos da produção teatral, se apropriando criticamente
e criativamente, a fim de promover a ampliação de olhares e mudanças de percepção. O
primeiro passo foi buscar referenciais que apoiassem a atuação do professor de teatro,
dentro do contexto escolar, pois, a experiência de montar um espetáculo em sala de aula
era inédita. Uma das primeiras referencias foi a noção de “mestre-encenador”, proposta
por Marcos Bulhões Martins. Nesta abordagem, o encenador é compreendido enquanto
articulador do processo, cuja postura deve pautar-se em uma didática não depositária
que busca o respeito ao universo do grupo, estimulando a apreensão de novos enfoques
e práticas. Já a encenação, entendida como produto cênico resultante da aprendizagem
de teatro, abrange diversas modalidades de eventos cênicos como fragmentos de cenas,
a performance e atos artísticos coletivos, bem como jogos teatrais que envolvam atores
e platéia (MARTINS, 2002).
Definidos esses princípios básicos, iniciamos as atividades apresentando uma
carta de instrução para os alunos. Essa carta informava que estávamos entrando em um
barco para realizar uma a viagem, situando cada aluno como parte da tripulação e como
peça chave para que o barco não afundasse (ver anexo II). Nesta mesma ocasião
definimos que trabalharíamos de forma coletiva, sendo que cada um poderia assumir as
funções que fossem interessantes ao longo do processo. Depois de uma breve discussão
mediada os alunos combinaram que a pergunta geradora do processo seria “quem somos

29
nós?”. Definidas as formas de organização, dividimos o processo em três etapas,
conforme abaixo:

 1ª etapa - Quem sou eu?


Entendida como primeiro passo para criação da realidade colocada diante do
aluno-ator, previa jogos de preparação para a elaboração cênica e reflexões para a
escolha da temática norteadora do espetáculo. A partir da pergunta geradora, líamos
poemas de diversos autores, sendo que as “Memórias Inventadas” de Manuel de Barros
movimentaram muitas discussões. Inspirados por ele, definimos a temática do
espetáculo.
 2ª etapa – Quem sou eu e o que ele tem de mim?
Já com a definição da temática “Memórias”, buscamos procedimentos atoriais e
princípios adequados ao processo criativo. Foram propostos jogos teatrais e
improvisações em que os alunos-atores compartilhavam suas memórias pessoais e
selecionavam “materiais” para a elaboração de possíveis cenas. Nesta etapa, propomos
um exercício em que os alunos escreviam como, se tivessem vivido, algumas
“memórias do que não foram e gostariam de ser”, memórias estas que estruturaram a
construção de toda a dramaturgia da encenação. Além disso, tínhamos bastantes
registros escritos de depoimentos pessoais que surgiram durante o processo. A
dramaturgia, com os depoimentos de alguns alunos está no anexo III.
 3ª etapa – Quem somos nós?
Consistia na elaboração dos “quadros cênicos” que compunham a encenação,
vislumbrando a percepção do grupo enquanto unidade. Nesta etapa, histórias pessoais e
desejos estéticos particulares dos alunos-atores foram apropriados pelo coletivo,
potencializando o discurso teatral e constituindo uma tessitura de múltiplas identidades.
Nesta etapa, estruturamos toda a dramaturgia do espetáculo e realizamos jogos em que o
grupo fazia a leitura de imagens e depois buscava uma releitura corporal. Duas cenas do
espetáculo foram elaboradas a partir deste exercício (ver anexo IV).

Todos os atuantes desempenhavam o papel de ator e paralelamente participavam


de um dos grupos responsáveis por elaborar os projetos de iluminação e cenografia. A
razão da escolha de fazer um projeto de iluminação se devia a boa estrutura da escola,
que possuía dois auditórios equipados com mesa de luz e refletores. Porque não

30
aproveitar essa oportunidade rara de conceber um projeto de iluminação teatral em uma
escola?
Devido ao fato de a turma possuir somente dez alunos, conseguir compor apenas
dois grupos para criação dos projetos. O figurino e a sonoplastia ficaram sob a
responsabilidade de todos. O tempo das aulas era dividido, de modo que os alunos
trabalhavam no planejamento dos projetos e na criação das cenas do espetáculo.
Durante o processo de criação foram surgindo perguntas importantes para
qualquer professor de teatro, que possui um compromisso ético/estético: Qual a noção
de personagem que adotaremos? Como utilizaremos o espaço que possuímos? Essas
perguntas foram sendo respondidas na medida em que realizamos os jogos teatrais, que
permearam todo o processo de composição.
Em relação ao entendimento de personagem, buscamos nos apoiar na noção de
ator rapsodo, desenvolvida pela pesquisadora Nara Keiserman, principalmente pelo fato
de estarmos trabalhando com narrativas pessoais. Esse entendimento coloca o trabalho
do ator/aluno no transito entre narrativa e ficcionalização (personagem). Conforme as
cenas eram compostas, buscávamos gestualidades e ações físicas adequadas a cada
cena. O parâmetro de avaliação era sempre o da fisicalização, na concepção de Viola
Spolin. Perguntávamos sempre se o aluno havia mostrado ou contado as sua ações, pois,
para nós importava mostrar, comunicar. Já em relação ao espaço, a escola possuía dois
auditórios, sendo um de palco italiano e outro menor de semi-arena. Como estávamos
trabalhando com memórias pessoais, queríamos uma relação mais intimista com os
espectadores. Essa proposta nos fez optar pelo palco de semi-arena. Apesar de não
propormos uma interação física com o público, a idéia era que eles fizessem parte
daquele momento de partilha de memórias. Depois de três meses produzindo, nos
preparamos para a apresentação que ocorreu durante uma mostra anual de trabalhos da
escola. Propomos a um aluno novo, que não participou do processo desde o inicio, que
fizesse os cartazes é um programa para entregarmos aos espectadores. Apresentamos
alguns cartazes de espetáculos e propomos fazer um ensaio fotográfico para o mesmo
selecionar a foto do cartaz. O resultado se encontra no anexo V. A apresentação reuniu
cerca de 60 pessoas, principalmente familiares, que ficaram muito comovidos. Foi um
resultado que surpreendeu a maioria dos professores da escola que ficaram curiosos para
saber como conseguimos realizar um trabalho tão contundente (ver anexo VI).

31
4.5 A encenação de “A pele de Iansã”

Este processo de criação foi realizado em 2012, com os alunos do 7º ano no


Centro de Ensino Fundamental Ginásio da Asa Norte - GAN, em Brasília/DF. Da
mesma forma que na experiência anterior, um dos maiores objetivos era a apropriação
critica e criativa por parte dos alunos. A proposta inicial era a montagem de um
espetáculo teatral que explorasse o tema transversal da Pluralidade Cultural a partir de
uma lenda africana chamada “A pele de Iansã”. Apresentamos a história para a turma e
começamos a desenvolver jogos teatrais a respeito do tema.
Logo no inicio dos ensaios foram surgindo diversas dificuldades que
demandaram diferentes formas de ação, por parte de nós educadores. Uma das primeiras
se devia a falta de estrutura e espaço para acomodar os 30 alunos. A solução foi
desenvolver as atividades no pátio da escola e se adequar a estrutura que esta poderia
oferecer. Pensamos as soluções cênicas e escolhas estéticas do espetáculo para ser no
próprio pátio da escola. Apesar das constantes intervenções de pessoas passando e do
grande barulho que o espaço concentrava, conseguimos manter o foco nas atividades em
grande parte dos ensaios. Os princípios artístico-pedagógicos que nortearam a
construção da encenação foram surgindo durante o processo e se apresentaram para
solucionar algumas problemáticas que eram identificadas. Entre eles citamos:

Construção coletiva: Todos os alunos-atores contribuíram artisticamente e


conceitualmente na composição da encenação. Todos acessaram e participaram da
elaboração em todas as esferas da criação, mesmo que de forma indireta. Isso favorecia
a apropriação do processo por todos os envolvidos.
Fisicalização de imagens: Para a construção de algumas cenas, utilizamos uma
atividade já experimentada na montagem de “memórias encaixadas”, em que realizamos
leituras de imagens apresentadas pelos alunos, cuja proposta era a composição de cenas
a partir da fisicalização das figuras pelos atuantes, ato que ocorreu com a personagem
Iansã quando entrava em forma de boi e com o coro das mulheres de Ogum (ver anexo
VII).
Diálogo com os espaços: Devido ao fato de a escola não possuir nenhum espaço
especifico para as atividades teatrais, optamos por dialogar com os espaços que a escola
dispunha. Algumas cenas foram criadas a partir de jogos realizados nos grandes jardins

32
da escola. Delimitamos vários espaços simultâneos de apresentação, situando os
espectadores nos intervalos entre esses espaços.
Construção de Personagens: Na construção dos personagens, trabalhos com
matrizes corporais a partir de animais. Com essas matrizes eram propostos alguns jogos
entre os alunos e avaliávamos se os mesmos haviam comunicado algo, ou um
personagem por meio da matriz corporal.

Esses são alguns dos aspectos que merecem ser destacados, pois, se referem às
principais instancias do processo de criação. Durante o percurso, formamos um grupo
de trabalho para a criação dos figurinos e objetos de cena. Como os personagens eram
orixás, os alunos pesquisaram as histórias, cores, elementos e características destes,
realizando posteriormente uma chuva de idéias. Com essa base, desenharam os croquis
dos figurinos (ver anexo VIII). Percebemos que esse processo mudou a visão de alunos
a respeito das tradições afro-brasileiras, pois, no inicio alguns ficaram receosos achando
que se tratava de “macumba”, como falavam. Alguns alunos não queriam nem vestir os
figurinos, porém, o processo de pesquisa e leituras foi essencial para a quebra dessa
visão estereotipada. A aluna que fazia a personagem Iansã, por exemplo, não queria
colocar a roupa devido aos chifres que a personagem tinha pendurados. Segundo ela era
“coisa do diabo”. Depois a aluna compreendeu que os chifres eram elementos de
proteção que Iansã deixou para os filhos ao sair da casa de seu esposo, ela passou
aceitou o figurino. Neste sentido além de estarem compreendendo os códigos da
linguagem teatral, os alunos tiveram oportunidades de quebrar preconceitos e
ampliarem suas visões criticas.
O trabalho resultou na encenação de um ato teatral, o qual intitulamos de “A
pele de Iansã” (fotos no anexo IX). Toda a escola foi convidada a assistir, juntamente
com alguns pais de alunos, fato que reforça uma perspectiva de formação que se estende
para além dos sujeitos envolvidos diretamente na produção da encenação.

33
Considerações Finais

Este trabalho objetivou esclarecer os aspectos que tornam a encenação teatral um


instrumento intrinsecamente pedagógico, bem como evidenciar a importância de o
ensino de teatro contemplar as dimensões teóricas, metodológicas e práticas.
Consideramos a pesquisa relevante, principalmente pelo fato da encenação ser um
aspecto pouco explorado nas escolas e pouco apropriado por uma grande parcela de
professores de teatro. Sabemos que muitos cursos de licenciatura em teatro estão
passando por transformações curriculares e que esta demanda é apresentada nas novas
propostas, pois, a maioria dos cursos não possui disciplinas que exigem dos estudantes o
desenvolvimento de projetos de ensino em escolas formais. As experiências muitas
vezes se resumem a um estágio supervisionado, que em muitos casos não possibilita a
condução de um processo de encenação.
As problemáticas identificadas foram baseadas em experiências de campo deste
autor, quando no âmbito de projetos de extensão e Iniciação à docência, da
Universidade de Brasília, realizou diversos trabalhos de encenação em escolas públicas
de Brasília/DF. Em geral, as escolas não possuíam espaços específicos para as aulas de
teatro e os professores demonstravam pouco senso crítico a respeito dos processos que
desenvolviam. Uma das motivações para o interesse pela temática foi essa falta de
domínio por parte dos professores, além de um desejo pessoal de encontrar soluções que
contornem os discursos comuns de que não tem como trabalhar teatro em escolas
formais. Compreendemos que grande parte das escolas públicas de Brasília/DF
apresentam problemas de diversas naturezas, como a falta de estrutura física, turmas
lotadas, falta de materiais pedagógicos, pouco tempo de aula, desmotivação dos alunos,
etc. Em contraponto a isso, também sabemos que existe muita acomodação de
professores, má formação profissional e desmotivação. Uma série de fatores pode
contribuir para este quadro crítico, porém, esta pesquisa se dirige a professores que
apesar de enfrentarem todas as dificuldades do oficio, ainda não abriram mão do seu
compromisso ético, o que implica propormos não a partir da dificuldade e sim das
possibilidades. À primeira vista, algumas propostas podem parecer impossíveis de se
realizar, porém, as experiências relatadas no capitulo quatro comprovaram que há
viabilidade par tal. O professor que desenvolve um trabalho pensando nas
impossibilidades, provavelmente não conseguirá realizar trabalhos coerentes e com boa

34
elaboração estética. Ele mesmo atesta que o seu trabalho valoriza somente um processo
ensimesmado, que não apresentará nenhum resultado.
A encenação teatral também favorece atitudes em que o professor mantenha uma
continuidade de pesquisa, estudo e prática artística, pois, ao conduzir os processos de
encenação este também exercita seu posicionamento artístico. Defendemos que o teatro
que se faz na escola, não é menor que o teatro que se faz nos palcos, logo, ambos
possuem o mesmo status de arte e o professor também pode ser um artista estando
dentro de uma escola. Nesse entendimento o referido deve ter ciência dos elementos que
formam o conteúdo da arte teatral. Em relação a estes conteúdos, Maria Lúcia Pupo,
defende:

“Não é a questão da família, a questão do desemprego, a questão da


sexualidade juvenil, não é isso. Esses são os temas que podem ser
abordados por meio de qualquer arte. Mas as questões que configuram os
elementos da linguagem teatral, muito provavelmente, vão girar em torno
da noção de ação, da noção de papel e/ou personagem e da noção de
espaço cênico. Esses três eixos, que estão na base, são os pilares de
qualquer conteúdo teatral que se venha formular. Para que possamos
fazer valer o teatro como área de conhecimento plena, necessitamos de
uma formação que nos capacite a dizer com quais conteúdos estamos
lidando” (PUPO, 2010, p. 12).

Dessa forma, reforçamos que o Teatro é uma área de conhecimento com


conteúdos próprios. Assim, podemos concluir que o professor deve se atentar aos
sentidos das práticas que empreende, de forma que ao trabalhar com a noção de espaço,
ou de um personagem, por exemplo, tenha consciência de como esses conteúdos
possibilitam a formação do aluno enquanto sujeito e cidadão. É a partir dos próprios
códigos e símbolos da linguagem teatral que a experiência estética se configura, caso
contrário estamos fazendo qualquer outra coisa, não teatro. Por fim, a encenação teatral
possibilita a exploração de temáticas sugeridas pelos próprios alunos, pesquisas acerca
das mesmas, a instauração de processos de aprendizagem contextualizados, lúdicos e
significativos, com vistas a configurar uma forma de ação cultural, dentro da escola.

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