O conto descreve Fernando e Marcos encontrando seu vizinho Fábio ouvindo atrás da porta de um apartamento, alegando ouvir um casal brigando dentro. Quando questionado, Fábio começa a inventar detalhes da discussão, contando histórias inconsistentes e mentirosas. Marcos desconfia que Fábio está mentindo e não há ninguém no apartamento, enquanto Fernando fica cada vez mais irritado com as respostas evasivas e sem sentido de Fábio.
O conto descreve Fernando e Marcos encontrando seu vizinho Fábio ouvindo atrás da porta de um apartamento, alegando ouvir um casal brigando dentro. Quando questionado, Fábio começa a inventar detalhes da discussão, contando histórias inconsistentes e mentirosas. Marcos desconfia que Fábio está mentindo e não há ninguém no apartamento, enquanto Fernando fica cada vez mais irritado com as respostas evasivas e sem sentido de Fábio.
O conto descreve Fernando e Marcos encontrando seu vizinho Fábio ouvindo atrás da porta de um apartamento, alegando ouvir um casal brigando dentro. Quando questionado, Fábio começa a inventar detalhes da discussão, contando histórias inconsistentes e mentirosas. Marcos desconfia que Fábio está mentindo e não há ninguém no apartamento, enquanto Fernando fica cada vez mais irritado com as respostas evasivas e sem sentido de Fábio.
Fernando e Marcos entraram no prédio de volta de uma feira de comida estrangeira
e encontraram seu vizinho, Fábio, com o ouvido colado à porta de um dos apartamentos do primeiro andar. Estranhando o comportamento do outro, Fernando resolve perguntar: —O que você está xeretando aí? Fábio se assustou com a voz no corredor e arregalou os olhos ao ver os dois homens. —Vocês voltaram cedo. – ele murmurou, frustrado e constrangido. —E pegamos você com a boca na botija... quero dizer, com o ouvido na porta. – Marcos riu, malicioso. —O que você está ouvindo aí, curioso? – Fernando inquiriu, sorrindo também. —Não sou curioso. – Fábio retrucou na defensiva. – É que eu escutei uns barulhos... —Barulhos? – Marcos ecoou. —Sim. De gente brigando. Tem...tem um casal aí dentro. Eles estão discutindo. “O bocó não sabe nem inventar uma mentira crível”, Marcos pensou, debochado. Fernando, por sua vez, ficou preocupado e se encheu de empatia pela situação. Ele mesmo havia brigado com a esposa duas noites atrás e ainda tinha as marcas dos arranhões e beliscões pelos braços. A mulher arremessou várias peças de decoração da casa contra ele e esteve a ponto de atingi-lo com uma faca. Fernando só estava vivo porque desertou antes da derrota iminente. Uma briga sempre deixa um rastro de destruição, seja físico ou mental. —Está tudo bem? O que eles estão dizendo? – Fernando quis saber e deu um passo à frente na intenção de se juntar a Fábio e grudar o próprio ouvido à porta. Fábio sacudiu as mãos freneticamente no ar. —Fica aí! – ele disse. – Se eles abrirem a porta de repente é melhor que encontrem apenas eu de ouvido na porta. O cara tá bem nervoso. Ele vai bater em nós dois! —Que herói. – Marcos revira os olhos, entediado. Fernando olha feio para Marcos e então se volta para Fábio que estava concentrado no que ouvia, e perguntou: —O que eles estão falando, Fábio? —Cesári? —Ein? —Do que você está falando? —Do que você está falando? – Fernando rebate, exasperado. Como o outro não respondeu, ele continuou apontando o polegar para o próprio peito. – Eu estou falando do casal no apartamento. O que eles estão falando? —Eles estão discutindo, uai. —Essa parte eu entendi. Quero saber por quê estão discutindo. —Eles que discutem e eu que tenho que saber o porquê? – Fábio retruca. Fernando grunhiu, nervoso, e armou o punho. Marcos achou melhor intervir, segurando o companheiro pelo braço e dizendo a Fábio: —É você que está escutando a merda toda! Se não quer relatar o papo para o nosso amigo, o “Sr. Estressadinho” aqui, então abre espaço para ele ouvir com os próprios ouvidos. Em desespero diante da perspectiva do outro se juntar a ele, Fábio resolveu falar: —A mulher acusa o homem de ser fraco. —Fraco em relação a quê? – Fernando indaga. – Ele a traiu, é isso? —Talvez ele tenha um fraco por bebida. – Marcos sugeriu. —Ou por jogos. – Fábio murmurou para si. —Você não pode fazer suposições, Fábio. – Marcos disse. —Por que não? —Porque você sabe a real, oras! Você ouviu a conversa. Ela deve ter dito qual fraqueza é. Na hora da briga as mulheres sempre dizem. E com frequência dizem não só uma, mas uma lista! —É algo assim. – Fábio deu de ombros e se concentrou nas vozes dentro do quarto. —Algo assim?! O que quer dizer com “é algo assim”? – Fernando exigiu. Fábio ergueu a mão e ficou um tempo em silêncio durante o qual Fernando ficava mais nervoso e Marcos se divertia com a situação. —FÁBIO! —Fica calmo, Fera. —Calmo o caramba, Marcos! Se ele não abrir a boca nesse minuto, eu arranco ele dali e assumo a posição. Os dois podem estar se matando ali dentro, sabia?! —...e ele fez o movimento. Que tensão. – Fábio murmurou, o olhar impressionado, coçando o queixo. —Que movimento, Fábio? O quê que tá pegando? Ele hesita e por fim diz: —Err...Ela jogou um grampeador nele. —Ela? Mas você disse que ele... – Marcos confronta. —Eu falei errado! —Um grampeador! – Fernando exclamou. —Eu devo estar com um puta problema de audição porque não ouço barulho algum de dentro desse apartamento. Nem voz ou ruído...Nada! – Marcos reclama. Fernando pensa e fala para Fábio: —Eu também não ouço nada. Se ela jogou mesmo algo nele, devia ter feito barulho. —Ainda mais um grampeador! Faz barulho quando cai no chão. —Mas não caiu. – Fábio rebate. – Ele segurou o objeto. —E como você sabe disso? —Porque não fez barulho de que caiu. —Ei! Pra início de conversa, como você sabe que ela jogou um grampeador? – Marcos questiona, encucado. – Desde quando grampeador faz um barulho específico ao ser arremessado? —Shiiiiiuu! – Fábio sopra os dentes. —Não vem com essa de “shiu”! Você vai ter que explicar isso direito... —Fica quieto, Marcos! Não vê que ele está concentrado. – Fernando interrompe. Marcos cruza os braços e comprime os lábios. “Você está sendo enganado, Fera. O cara é um mentiroso diplomado”, ele pensou. Depois de anos morando no prédio, tendo Fábio com um dos vizinhos, Marcos testemunhou uma porção de mentiras. Uma vez, por volta das cinco horas da manhã, o som continuado do interfone de um dos apartamentos acordou a todos no prédio. Levou uma hora para que o problema fosse resolvido e isso não deixou os moradores felizes visto que não conseguiram voltar a dormir e a maioria teve que se arrumar e sair às pressas para o trabalho. Fábio contou que um gato de rua saltou para fora da lixeira e apertou sem querer o botão do interfone, que por coincidência, era justo o botão do apartamento da mulher bonita por quem Fábio era apaixonado e gaguejava sempre que tentava conversar com ela. Num dia desses, Fábio contou todo orgulhoso que um ator famoso da Globo passou mal de alergia na rua e, por sorte ele passava por ali naquele exato instante e levava consigo o remédio de que o homem precisava, o mesmo remédio que ele havia se comprometido a comprar para uma das vizinhas. Portanto, o gesto altruísta de salvar a vida do ator foi a razão pelo qual ele chegou ao prédio sem o remédio e sem o dinheiro. Em outra ocasião, um ladrão roubou um dos tapetes de entrada da porta de um dos apartamentos, tapete este que, Marcos sabia, estava agora no banheiro do apartamento de Fábio e ele conta que o ladrão espertalhão roubou o tapete para vender numa banca no centro da cidade. O único que faltava para Fábio virar história era ser engolido por uma baleia e ter um grilo como consciência. Um minuto se passou. E então dois. Três. Cinco. Dez. Silêncio total. Ouvia-se apenas a respiração ansiosa dos três homens. —O cavalo! – Fábio exclama. —Que cavalo? – Fernando pergunta. —Cavalo? —É, o cavalo. —Mas que cavalo? —Foi você que falou do cavalo! —E a conversa vai longe. – Marcos bocejou, entediado. —Ela chamou o marido de cavalo, foi isso? —Quem chamou quem de cavalo? —Eu vou matar ele, Marcos! Ou eu mato ele ou arrombo essa droga de porta. —Relaxa, Fernando. – Marcos aperta o ombro do amigo. – Esqueça isso. Ele está mentindo. Aposto que não tem ninguém no apartamento. —Tem sim! – Fábio disse com tamanha convicção que qualquer um se sentiria culpado por desconfiar de sua palavra. —Então explica melhor o que está acontecendo. —Ela chamou ele de cavalo. E de outras coisas também. Palavras muito feias para que eu repita. —E o que mais? – Fernando perguntou. —Mais? – Fábio franze o cenho, angustiado. —Sim, mais. – Marcos responde em desafio. “Vamos ver até que ponto você vai levar essa mentira, my friend. ” A expressão de Fábio relaxa e ele pressiona o ouvido contra a porta: —Ah não! —“Ah não”? – Fernando indaga. —Anão de pequeno ou “Ah não” de “Ah não” ? – Fábio rebate. —Não sei, foi você que falou! —Mas você falou também. —Parem como isso! – Marcos exclama, nervoso. – Por que você disse “Ah não”, Fábio? —Porque ele vai levar o bispo. —Bispo? – os outros dois no corredor exclamam ao mesmo tempo. —Bispo é o cachorro. – Fábio explica, impaciente. Marcos ficou comovido. Crianças e cachorros são a parte mais frágil em um divórcio. Ele tinha experiência com isso. Ao se separar de sua ex-mulher, os dois decidiram a guarda do cãozinho em uma disputa de palitos. Para sua desgraça, a mulher tirou o pedaço maior. E por sorte, os dois não tinham filhos. Caso contrário, certamente tentariam decidir a guarda no osso de galinha. —Pobre cãozinho. – ele diz. —A dama contra-ataca. – Fábio pronuncia, admirado. —De novo? —O que ela jogou dessa vez? Me diz que não acertou o cãozinho! O cãozinho não! —Estou mais preocupado é que eles se matem! —Xeque mate! – Fábio exclama contente e se afasta da porta. —Como assim, xeque mate? – Fernando indagou. —Ele foi encurralado. —E aí? —Bem – ele pigarreia. – A mulher descobriu a verdade. Eles vão se resolver agora. —Então é isso? Fim de história? Fernando gruda o ouvido na porta e Fábio o puxa para longe. —Não é legal ficar ouvindo a conversa dos outros pela porta, Fernando. – Fábio o repreende e antes de entrar para o seu apartamento, justo em frente, ele soca o ar e exclama – Cascata é o melhor! Fernando e Marcos não entendem coisa alguma. Inconformado, Fernando torce a maçaneta da porta para entrar no apartamento, mas novamente é puxado para longe, dessa vez por Marcos. —Pare com isso, cara! Deixa o casal se entender. —Mas e se... —Não tem “e se”. Não é problema seu. Esquece isso. —Você não se sente mal por ter duvidado do Fábio? – Fernando diz enquanto sobem a escada para o andar superior. —Tenho minhas razões para duvidar dele. Fábio sempre foi um Pinóquio. Vivia contando mentiras. Mas dessa vez eu tenho que dar o crédito a ele. Devia estar escutando pela porta pra...sei lá, intervir se a coisa saísse do controle. Fábio parece estar mais sensato hoje em dia. No apartamento onde o dito casal discutia, o verdadeiro morador, um homem de quarenta anos e torcedor apaixonado desligou a televisão e expressou em resmungos sua decepção com a derrota do ídolo na partida final do campeonato nacional de xadrez. Enquanto isso, no apartamento em frente, Fábio cantarolava, sentado sobre o móvel onde antes ficava a sua televisão, alegre com a vitória do melhor no xadrez, Cascata Cesári, e com a sua própria conquista. Havia apostado duzentos reais que Cesári ganharia o campeonato e agora Fernando e Marcos teriam que pagar, justo os dois homens que só aceitaram a aposta porque sabiam que Fábio não tinha meios de assistir ao jogo.