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mental depende até certo ponto de fatores variáveis, tais como as caracterís- Capítulo XX
ticas de certos fatores ambientais, os incidentes aleatórios do parto e o mane-
jo logo após o nascimento etc.
7. É lógico contrapor soma e psique, e portanto contrapor o desenvol-
vimento emocional ao desenvolvimento corporal do indivíduo. Não é lógi-
co, porém, opor o mental ao físico, pois não são da mesma ordeni. Os Retraimento e Regressão
fenômenos mentais são complicações de importância variável na continui- (1954)'
dade do ser do psicossoma, na medida em que contribuam para formar o eu
individual.

NO DECORRER da última década forcei sobre mim mesmo a experiência de


atender a diversos pacientes adultos que fizeram urna regressão dentro da
transferência ao longo da análise.
Gostaria de comunicar wn incidente na análise de um paciente que não
chegou exatamente a regredir, no sentido clírico, mas cujaS regressões loca-
lizavam-se em retraimentos momentâneos dentro das sessões analíticas. O
modo como lidei com esses estados de retraimento foi muitíssimo influen-
ciado pela minha experiência com pacientes regredidos.
(Porretraimento, no presente trabalho, refiro-me a um retirar-se do rela-
cionamento consciente com a realidade externa, sendo essa retirada por Ve·
zes da ordem de wn breve sono. E regressão quer dizer aqui urna regressão à
dependência, não especificamente regressão em termos de zonas erógenas.)
Selecionei uma série de seis episódios significativos a partir de todo o
material pertencente à análise de wn paciente esCjuizóide-depressivo. Opa-
ciente é casado e tem família. No início de sua doença atual sofreu um colap-
so, rio qual se sentiu irreal e perdeu o pouco de espontaneidade que tinha.
Não conseguiu trabalhar até alguns meses após o início da análise. Ele me
procurou inicialmente enquanto estava internado num hospital menta). (Esse
paciente tinha tido um curto período de análise comigo durante a guerra, em
resultado do qual recuperou-se de um grave distúrbio da adolescência, mas
sem alcançar uma compreensão intuitiva profunda (ínsight).

Trabalho apresentado na XVII em e Confêrence des Psychanalystesde Langues Romanes, em Pa-


ris, novembro de 1954, e na British Psycho~Analytical Society, em 29 de junho de 1955. Publica-
do na Révue FrançaiSe de Psychanalyse. tome XIX, nos. 1-2, janeiro-junho de 1955; e em
Psyche, heft X•.1956-7.
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O problema mais importante que o levou a continuar buscando a análise Nesse momento, fiz a prímeira das interpretaçõ~s que com certeza eu
era a sua incapacidade de ser impulsivo e de fazer comentários originais, n~oteria feito vinte anos atrás. Essa interpretação revelou-se muitíssimo sig-
\1t
1 embora fosse capaz de participar muito inteligentemente de uma conversa ruficativa. Ao falar sobre estar encolhido, ele movimentou as mãos para
I' séria iniciada por outra pessoa. Quase não tem amigos, porque seu modo de mostrar que essa posição encolhida se dava um pouco à frente de seu rosto e
relacionar-se é prejudicado por sua total incapacidade de ser original, a pon- ~ue de estava rodando em tomo de si mesmo nessa posição. Eu lhe dis~e
unediatamente: 'Ao dizer que você estava encolhido e movendo-se em vol-
. i
i \\ to de o consi4erarem um chato. (Contou que certa vez riu no cinema, e essa . :·.,~

ta, você está ao mesmo tempo deixando algo implícito, algo que você não
pequena evidência de melhora renovou as suas esperanças de que a sua aná-
' está descrevendo porque não está consciente de sua existência: Você está fa-
lise fosse bem-sucedida.) lando ~a existência de um meio.' Após alguns instantes eu lhe perguntei se
Por um longo período, suas associações livres vinham na forma de um
ele h~via c.ompreendido o que eu disse, e descobri que ele o havia compreen-
discurso pomposo relatando uma conversação que se processava em seu in-
d'.do rmediatamente. Ele disse: 'Como o óleo dentro do qual as engrenagens
teri~r, um ~elato cuidadosamente arrumado de um modo que lhe parecia in- giram'. Tendo percebido agora a idéia de UP1 meio que o sustentava, ele foi
teressante para o analista. em frente e descreveu em palavras o que suas mãos tinham procurado mos-
Como tantos outros pacientes em análise, por vezes ele mergulhava pro- trar: que ele estava.girando para a frente, em contraste com o giro para trás,
fundamente na situação analítica. Em momentos importantes mas raros ele por sobre a cabeceira do divã, que acontecera algumas semanas antes.
se retraía. Durante esses momentos aconteciam coisas inesperadas, que às . D.'.'ssa int_e~reta.ção sobre o meio foi-me possiyel examinar a questão da
vezes éle ·conseguia. comunicar. Dentre esses episódios escolherei alguns s1tuaçao analit1ca, e Juntos elaboramos uma formulação bastante esclarece-
para ilustrar o presente trabalho, deixando de lado uma grande quantidade de dor~ sobre a condição especializada proporcionada pelo analista, e sobre os
material psicanalítico comum que o leitor deve presumir. hm1tes d~ capacidade do analista de adaptar-se às necessidades do paciente.
Em se~~,~~ o paciente teve um sonho muito importante, cuja interpretação
. Episódios 1 e 2 levou a ideia de que ele conseguiu desfazer-se de um escudo que já não era
ma'.s necessário, pelo fato de que .eu me mostrei capaz de proporcionar um
O primeiro desses acontecimentos (cuja fantasia ele mal conseguiu cap-
me10 adequado no momento em qu,e ele se retraiu. Aparentemente, 0 fato de
tare relatar) foi o de que, num estado momentâneo de retraimento, ele enco-
eu ter colocado imediatamente um meio ao redor de seu retraimento trans-
lheu-se e rolou por sobre a cabeceira do divã. Esta foi a primeira evidência formou esse retraimento numa regressão, pennitindo-lhe dtilizar a sua ex-
direta na análíse da existência de um eu espontâneo. O retraimento seguinte períência de modo construtivo. Eu teria perdido essa oportunidade nos
ocorreu algumas semanas depois. Ele havia acabado de fazer uma tentativa primeiros tempos da minha carieira. O paciente descreveu essa sessão'como
de usar-me como se eu fosse o seu pai, que havia morrido quando o paciente 'portentosa'. -
estava com 18 anos, pedindo o meu conselho a respeito de um aspecto de seu Esse momento da análise teve um efeito muito importanto: um entendi-
trabalho. Em primeiro lugar discuti o assunto com ele, mas assinalei em se- m_ent.o bem melhor do meu papel de analista; um reconhecimento da depen-
guida que ele precisava de mim como analist~. e não como um pai-subs- denc1a, que por vezes precisa ser muito intensa, apesar de dificil de suportar;
tituto. Ele disse que seria uma perda de tempo continuar falando como sem- e também uma tomada de consciência totalmente nova de sua situação real
pre, e contou que havia se retraído, sentindo que isto era como fugir de algu- . tanto no tra?alho quanto em casa. Aliás, ele me comunicou que sua esposa
ma coisa. Não conseguia lembràr-se ·de nenhum sonho acontecido nesse estava grávida, e que foi muito fácil para ele vincular o seu encolhimento
rápido sono. Mostrei-lhe que o seu retraimento erà uma fuga à dolorosa ex- dentro do meio à idéia de um feto no interior do útero. De fato, ele se identifi-
periência de estar exatamente no meio entre o estado do sono e da vigília; ou cou com o filho e ao mesmo tempo reconheceu a sua dependência em rela-
entre falar comigo racionalmente e retrair-se. Justamente nesse ponto ele ção à sua mãe.
contou que havia tido novamente a idéia de encolher-se, apesar de continuar Na_ oc~sião seguinte em que se encontrou com a mãe, ele lhe .Perguntou
deitado de costas no divã como sempre, com as mãos sobre o peito. pela pnmerra vez o quanto a análise estava custando para ela, e agora reve-
'i:
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lou-se preocupado com isso. Na sessão s'eguinte ele conseguiu tomar cons- grar-se e tornar-se independente. Aqui estava a interpretação do 'meio' em
ciência de suas críticas a meu respeito, e explicitou a suspeita de que eu fosse sua forma inversa. .
um vigarista.
Episódio 5
i;'
Episódio 3
. ·O quinto momento tevelugar a partir de um material relatado após um
O trecho importante posterior aconteceu alguns meses depois, após um mtervalo de nove semanas, que incluiu minhas férias de verão.
período de análise muito rico. Ocorreu num momento em que o material que O paciente voltou depois do longo intervalo dízendo que não sabia mui-
estava sendo discutido era de natureza anal, e tinha sido retomado o aspecto to be".' por que voltou, e que achava dificil começar tudo de novo. O proble-
homossexual da transferência, um aspecto da análise que o assustava parti- ma ~nn.c1pal por ele relatado era a contínua dificuldade de fazer observações
cularmente. Ele contou que em criança tinha o constante medo de ser perse- ongma1s tanto em casa quanto com os amigos. Ele conseguia apenas tomar
guido por um homem. Fiz algumas interpretações e ele contou que enquanto p~e numa conversa~ e isso se torn~va mais fácil quando havia duas pessoas
eu falava, ele estivera muito longe dali, numa fábrica. Popularmente, diría- presentes que assumiam a responsabilidade e conversavam uma com a ou- ·
mos que 'ele estava longe'. Esse 'estar longe' era muito real para ele, pois ele tra. Se ele ~z~s~e um comentário, estaria usurpando 0 lugar de um dos pais
havia sentido como se estivesse realmente trabalhando na fábrica, para onde (na ~ena pnmana), e o que ele realmente precisava era que os pais reconhe-
ele tinha ido quando a fase anterior da análise comigo foi encerrada (por cau- cessem que ele era um bebê. Depois contou-me o suficiente para me manter
sa da guerra). Eu interpretei imediatamente que ele havia ido para longe do a par dos assuntos correntes.
meu colo. A palavra 'colo' Ora apropriada, porque em seu estado de retrai- O quinto episódio ocorreu quando examinávamos um sonhu comum.
mento e em tennos do desenvolvimento emocional ele recuou para wn está- Na noite posterior a essa primeira sessão, ele teve um sonho e 0 contou
gio da primeira infância, de modo que o divã era automaticamente o colo do no dia s~guinte. Era um sonho surpreendentemente vívido. Ele tinha viajado
analista. Logo se verá que há uma relação entre o colo que eu lhe fornecia e ªº. extenor no frrn de semana, partindo no sábado e voltando na segunda-
para o qual ele podia voltar, e o meio que eu lhe proporcionei e do qual de- f~zra. O eleme~t~ principal da viagem era o de que ele iria encontrar um pa-
pendia a sua possibilidade de rodar no espaço na sua posição encolhida. ciente qu~ h~v1a ido para o exterior para fazer um tratamento.' (O paciente
em questao tinha amputado uma perna. Havia outros detalhes importantes
Episódio 4 no sonho que não são relevantes_ no momento.)
Minha primeira interpretação foi a de que no sonho ele vai e volta. É so-
O quarto episódio que eu gostaria de apresentar não é tão claro. Aconte- bre este comentário que desejo fàlar, pois ele se vincula às minhas observa-
ceu numa sessão na qual ele disse que não estava conseguindo fazer amor. O ções nos dois primeiros episódios, em que eu proporcionava um colo e um .
contexto pennitia que eu interpretasse a dissociação em seu relacionamento meio ambiente, e com aquela no quarto episódio em que eu ~olocava um in-
com o mundo: de um lado, a espontaneidade de um verdadeiro eu que não ti- ~ivíduo n°'._° am?iente ruim que havia sido alucinado. Em seguida fiz uma
nha qualquer esperança de encontrar um objeto a nfo ser na imaginação. De mterpretaçao rn.a1s completa, dizendo que o sonho expressava os dois aspec-
outro, a resposta aos estímulos dada por um eu um tanto falso ou irreal. Na tos de seu relac10namento com a análise: num deles ele ia embora e voltava
interpretação,assinalei que ele espera"Va resolver essa cisão dentro de seu re- e no outro ele sai do pais, sendo que o paciente do ho_spital representava ess~
lacionamento comigo. Nesse ponto ele afundou num estado de retraimento P'."1e d~le ':'esmo. Ele então vai ao exterior para manter contato com esse pa-
por alguns instantes, e em seguida contou-me o que aconteceu enquanto ele ciente, md1cando que ele estava tentando romper a dissociação entre os as-
pern_ianecera retraído: Estava escuro, as nuvens se juntaram e começou a pectos de si mesmo. Meu paciente deu seqüência a essa idéia dizendo que no
chover. A chuva batia em seu corpo nu. Nesse momento coloquei dentro sonho ele estava muito contente ·em fazer contato com 0 paciente, ficando
desse ambiente cruel, impiedoso, um bebê recém-nascido, a fim de mos-
trar-lhe que tipo de ambiente ele poderia esperar, caso conseguisse _inte- 1 Opaciente de Winnicott era médico e trabalhava num hospital. (Nota da tradutora para 0 francês.)
~··
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implícito que ele estava tomando consciência da dissociação óu cisão dentro Era uma dor constante que o fez sentir-se doente, e se ele pudesse receber al-
dele, e queria que a integração acontecesse. guma simpatia de sua mulher, ter-se-ia metido na cama em vez de vir para a
Esse episódio poderia ocorrer na forma de um sonho sonhado fora da análise. Ele estava chateado, pois, como médico, podia ver que se tratava de
análise, pois continha os dois elementos ao mesmo tempo, o eu retraído e o um problema funcional, mas não conseguia explicá-lo em termos fisiológi-
ambiente. O aspecto 'ambiente' do analista havia sido introjetado. cos (portanto, era como se fosse uma coisa 'louca'),
Eu continuei a intel'.Pretar: O sonho mostrava como o paciente· lidou No decorrer da sessão consegui perceber qual a interpretação adequada,
com as férias. Foi-lhe possível aproveitar a experiência de escapulir do tra- e disse: 'O fato de a dor estar situada do lado de fora da cabeça representa a
tamento, m'as ao Iµesmo ele sabia que apesar de ter se afastado, e_le.iria vol- sua necessidade de que algu,érn segure a sua cabeça como naturalmente .
tar. Desta maneira o intervalo tão longo, que poderia ser bastante probleniá- aconteceria se você fosse uma criança que estivesse muito angustiada'. De
.tice para esse tipo de paciente., não acarretou uma perturbação muito gran- início isto não lhe fez muito sentido, mas gradualmente a idéia foi se esclare-
de. Ele então ·comentou que isso de viajar para longe estava fortemente as- cendo. A pessoa que provavelmente iria segurar a sua cabeça na hora certa e
sociado em sua mente à idéia de fazer um comentário original ou uma outra do modo certo em momentos de aflição na infãncia não era a sua mãe, mas o
coisa espontânea. Contou então que no mesmo dia do sonho tinha voltado à seu pai. Dito de outro modo, depois gue seu pai morreu não havia_ mais quem
sua mente um dos seus medos especiais, o de descobrir que ele havia beija- segurasse a sua cabeça no caso de ele vir a sofrer intensamente por alguma
do alguém de repente. Poderia ser qualquer pessoa que por acaso estivesse razão.
perto. dele. Poderia inclusive ser um homem. Caso fosse uma mulher, ele Vinculei esta interpretação com aquela a respeito do meio ambiente, e
não se sentiria tão ridículo. . . ele aos poucos foi percebendo que a minha idéia sobre as mãos segurando a
i
;~ . Dali emdiante ele mergulhou ainda mais na situação analítica. Sentia-se cabeça era correta. Contou que teve um retraimento momentâneo, no qual
! urna criança pequena em casa, e não seria correto e1e falar, pois assim seco- sentiu que eu tinha uma máquina capaz de agir como se proporcioiiasse um
' ~·-
locaria no lugar dos pais. Havia um sentimento de desesperança quanto a ter acolhimento afetuoso. Ist.o significou pa"ra ele que era importante que eu não
um gesto espontâneo acolhido (e isto combina com o que sabemos sobre o segurasse realmente a sua cabeça, pois i~tà seria o mesmo que aplicar meca-
ambiente doméstico). Começou a surgir um material bem mais profundo, e nicamente princípios técnicos. O importante era que eu compreendesse
ele contou que sentia haver gente entrando e saindo pelas portas. Minha in- imediatamente do que ele necessitava.
terpretação de que isto estava ligado à respiração foi confirmada por suas as- . ,,· .
Ao final da sessão ele ficou surpreso ao lembrar-se de ter passado a tarde
sociações seguintes. AS idéias são c~mo a respiração; são também como [~
segurando a cabeça de uma criança. A criança estava sofrendo uma pequena
crianças, e se eu não faço nada por elas ele sente que estão abandonadas. Seu intervenção cirúrgica com anestesia local, e isto durou mais de uma hora. Ele
~ ..•' medo maior é pela criança desamparada, ou pela idéia ou observação aban- fez tudo o que pôde para ajudar a criança, mas sem muito sucesso. O que ele
donadas, ou pelo gesto de uma criança que fica sem resposta. achou que a criança precisava era que lhe segurassem a cabeça.
Ele sentia agora que a minha interpretação era justamente o motivo pelo
Episódio 6 qual ele tinha vindo à análise naquele dia, e quase sentiu gratidão pelo fato de
sua mulher não lhe oferecer qualquer simpatia e não segurar sua cabeça, coi-
Uma semana depois (repentinamente, do seu ponto de vista), o paciente sa que ela poderia ter feito.
..,' deparou-se com o fato de jamais ter aceito a morte do pai. Isto aconteceu de-
pois de um sonho no qual o pai estava presente e conversava com ele de modo
sensível e não reprimido sobre questões.sexuais correntes. Dois dias depois Resumo
ele veio e contou ter ficado seriamente perturbado por uma dor de cabeça,
muito diferente de qualquer outra, e que tinha acontecido em algum momen- A idéia central deste comunicado é a de que quando sabemos a respeito
to próximo da sessão anterior. Esta dor de cabeça era temporal e às vezes da regres~ão dentro da sessão analítica, podemos acolhê-la imediatamente, e
frontal, e era como se ela estivesse situada bem do lado de fora da cabeça.
'),' deste modo permitir que os pacientes não doentes demais façam uma regres-
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Capítulo XXI
são ne"cessária em fases de curta duração, tálvez até momentaneamente. Eu
diria que no estado de retraimento o paciente está dando uma susteYi.taçãó
para o eu, e que se no momento em que o retraimento aparece o analista
conseguejàrnecer uma sustentação para o paciente, então aquilo que teria
sido um retraimento transforma-se em regressão. Avàntagem da regressão A Posição Depressiva no
é a de que ela traz consigo a possibilidade de corrigir uma adaptação inade-
quada à necessidade do paciente na sua infância precoce. Ao .contrário, o Desenvolvimento Emocional Normal
estado de retraimento não apresenta utilidade alguma, e quando o paciente re- (1954-5)'
cupera-se dele, nada mudou.. ·
Toda vez que compreendemos profundamente um paciente, e o mostra-
mos através de uma interpretação correta e feita no momento certo,_estamos
de fato sustentando o paciente, e participando de um relacionamento no qual
ele se encontra até certo ponto regredido ou dependente.
Acredita-se geralmente que existe um certo perigo na regressão dopa- ESTA É UMA TENTATIVA de apresentar o conceito de Posição Depressiva, de
ciente durante o tratamento psicanalítico. o perigo não tem origem na pró- Melanie Klein, de um modo pessoal. A fim de manter-me leal a ela, devo es-
pria regressão, mas no fato de o analista não estar pronto para acolhê-ia, bem clarecer que não estive em análise com ela, nem com qualquer pessoa anali-
como à dependência que dela faz parte. Quando o analista passa por expe-
sada por ela. Decidi estudar a sua contribuição por seu valor para mim e para
riências que lhe permitem confiar no manejo da regressão, é possível dizer
que quanto mais rápida e completamente ele vier a acolhê-la, menos prova- o meu trabalho com crianças, e estudei com ela entre 1935 e i 940 sob a for-
velmente o paciente precisará desenvolver uma doença com características ma de supervisão para os meus casos clínicos. A apresentação feita por ela
mesma pode ser encontrada em seus escritos (1935, 1940). -' ·
regressivas.
A palavra 'normal' no título é importante. O complexo de Édipo carac-
teriza o desenvolvimento normal ou saudável das crianças, e a posição de-
pressiva é um·estágio normal no desenvolvi,;,ento de bebês saudáveis (tanto
quanto a dependência absoluta, ou narcisismo primário, um estágio normal
do bebê saudável no início ou logo depois.)
O que gostaria de enfatizar é a posição depressiva no desenvolvimento
normal enquanto uma conquista.
Um dos aspectos da posição depressiva é o de que o termo se aplica a
uma área de psiquiatria clínica situada a meio caminho entre os lugares de
origem da psiconeurose e da psicose, respectivamente. '
A criança (ou pessoa adulta) que alcançou a capacidade.para relacio-
nar-se com outras pessoas, c_aracterfstica do bebê saudável na época em
que aprende a andar, para a qual é viável a análise normal com suas infini-
tas variações de relações humanas triangulares, ultrapassou e foi além da
posição depressiva. Por outro lado, a criança (ou pessoa adulta) que está

Trabalho apresentado à Seção Médica da British Psychological Society em fevereiro de 1954.


Publicado no Brit. J. Med. Psychol. vol. XXVIII, 1955.

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