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1.

INTRODUÇÃO

O Direito Canónico surge pela necessidade e com o propósito de organizar e manter a ordem de
acordo com os anseios da vida em comunidade e dos preceitos divinos estabelecidos e
divulgados pela Igreja Católica. Muitos dos institutos existentes no direito ocidental moderno
foram inspirados ou copiados do Direito Canónico, pela funcionalidade que este revela para com
os fins a que foi criado. A Igreja, instituição de grande prestígio em todo o mundo, intitula-se
como soberana dentro do seu âmbito de actuação, assim como o Estado o faz, o que gera uma
preocupação de ambos em manter um ordenamento jurídico eficaz aos seus propósitos e às
necessidades nascidas das relações sociais manifestadas entre seus seguidores (no caso da Igreja)
ou governados (no Estado). Por isso, o direito estatal e o eclesiástico colaboram-se mutuamente,
haja vista que muitas das manifestações sociais reveladas no Estado são de interesse religioso e
vice versa, como exemplo, o casamento e a instituição da família.

2. DIMENSÕES FUNDAMENTAIS DO DIREITO CANÔNICO

Para entender-se e interpretar-se a Igreja, necessário se faz uma observação além das questões
históricas, jurídicas, filosóficas e sociológicas, que podem ser empiricamente analisadas. É
preciso que nos atentemos ao seu “conteúdo interno, eminentemente espiritual e sobrenatural,
que dá sentido a todas as suas manifestações externas” (CIFUENTES, 1989, p. 3).

A existência do direito na Igreja gera críticas, alegando-se que ele atrapalharia a caminhada dos
fieis em direcção ao Reino de Deus. Esse pensamento manifesta uma visão rasa da realidade
eclesiástica, haja vista que a vida em comunidade na Igreja é um fenómeno social, e onde este
último se manifesta, surge também a necessidade da presença do direito. (SAMPEL, 2001, p.
16). Assim, “se tomarmos em consideração o carácter social da Igreja, não podemos suprimir
dela a estrutura jurídica nem a actividade legislativa” (CIFUENTES, 1989, p. 8).

Dessa necessidade jurídico-legislativa dentro da Igreja surgiu o Direito Canónico, que pode ser
definido como “o conjunto de normas jurídicas, de origem divina ou humana, reconhecidas ou
promulgadas pela autoridade competente da Igreja Católica, que determinam a organização e
actuação da própria Igreja e de seus fieis, em relação aos fins que lhe são próprios” (ibid., p. 15).

Pela parte final desta definição, tem-se que o Direito Canónico possui fins próprios, quais sejam:
cuidar da organização e actuação da Igreja e de seus fiéis. Assim, o Código Canónico possui
“muitos cânones que são verdadeiros mecanismos de uma ‘cidadania laical’” (SAMPEL, 2001,
p. 17), mas, “ao contrário do direito estatal, o ordenamento jurídico eclesiástico possui normas
[...] de carácter estritamente divino” (Ibid., p. 18).
3. GENERALIDADES DO DIREITO ESTATAL PRESENTES NO DIREITO
CANÔNICO

3.1 DIREITO POSITIVO

Podemos definir direito positivo como “o conjunto de normas estabelecidas pelo poder político
que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época” (DINIZ, 1999,
p. 243). Ao se falar em poder político e povo, tal definição foi notoriamente elaborada em
relação ao direito estatal. Sem embargo, no direito eclesial as normas também são emanadas de
uma autoridade (eclesiástica) competente e direccionadas a um povo: todos os católicos
(SAMPEL, 2001, p. 37).

Em se tratando de autoridade para legislar, há a teoria do monismo jurídico, pela qual, apenas
considera-se legitimamente jurídico o direito elaborado pelo Estado. Porém, além de
ultrapassada esta teoria, a realidade quotidiana contrasta com tal pensamento, pois, o Direito
Canónico, além de outros ramos de direito paraestatal (direito social do trabalho, direito
esportivo etc.), “mobiliza advogados, juízes eclesiásticos, notários e centenas de pessoas que
recorrem à justiça eclesiástica no afã de solucionar problemas de ordem jurídico-moral”. (Ibid.p.
38).

3.2 DIREITO OBJETIVO

A doutrina define direito objectivo como o “complexo de normas jurídicas que regem o
comportamento humano, prescrevendo uma sanção no caso de sua violação” (DINIZ, 1999, p.
244). A sanção é parte essencial na vida do direito, já que, sem ela, apenas os mais virtuosos
cidadãos cumpririam as leis. Contudo, a não observância de determinada norma estabelecida
pelo Estado gera uma punição. Por exemplo, ao devedor que não paga sua dívida, pode recair o
peso de ser-lhe retirados coercivamente seus bens. (SAMPEL, 2001, p. 38).

Ora, diante disto, também o Código Canónico constitui-se em direito objectivo. Apesar de o
Direito Canónico não ser possuidor de eficazes mecanismos sancionadores como o estatal, ele
também prevê punições em caso do descumprimento de seus cânones. A mais pesada sanção
imposta pela Igreja em certo é a excomunhão. A maioria das pessoas encara esta com presunção
anedótica. Deveras, para o crente, esta punição é algo formidável (Ibid., p. 38-39).

3.3 DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO

A clássica divisão entre direito público e direito privado tem seu berço no direito romano.
Enquanto o direito público tratava das questões do Estado, o privado cuidava dos problemas
particulares. Esta divisão, explicam os especialistas, também presente está no direito canónico:
ao passo que o direito administrativo canónico e o direito processual canónico são ramos do
direito público eclesial (Ibid., p. 40-41), e o direito privado canónico é “o sistema de leis
mediante as quais se determinam os direitos e deveres dos membros da Igreja, para com o seu
governo e santificação” (CIFUENTES, 1989, p.26).

4 AS SOBERANIAS DA IGREJA E DO ESTADO

4.1 A IGREJA COMO SOCIEDADE AUTÔNOMA E SOBERANA

A Igreja atribui para si mesma uma série de características, como: a) ser uma sociedade
originária e independente do Estado, em razão de seu fundador ser o próprio Deus; b) ser capaz
de autogovernar-se, coordenando e ordenando suas actividades da maneira mais adequada à
consecução de seus fins; c) ter plenitude jurisdicional nas matérias vinculadas sob o âmbito de
seu fim, sendo soberana nestes assuntos. Com isso, A Igreja “sempre proclamou seu carácter de
sociedade independente do poder estatal [...]. Como tal, procurou-se dar um ordenamento
jurídico adequado à sua natureza” (CIFUENTES, 1989, p. 29-30).

4.2 O ESTADO COMO SOCIEDADE AUTÔNOMA E SOBERANA

O homem tende sempre a viver em sociedade e esta reclama a presença de um direito, que por
sua vez gera a instituição do Estado. Dentre os elementos constituintes deste, temos: a)
elementos materiais: povo e território, ou seja, a existência de um espaço físico e uma população
a ser governada; b) elementos formais: a soberania, que, em um contexto interno, é a autoridade
estatal plena dentro de um território e, externamente, pressupõe a independência do Estado em
relação a outras sociedades; c) elementos teleológicos: dizem respeito à essência da finalidade
estatal, que pode ser definida como o bem comum social (ibid., 44-48).

Desse modo, vê-se o poder estatal como algo necessário à convivência em comunidade e isto
justificaria sua autonomia e soberania para o bom convívio entre os cidadãos. Paulo Bonavides
(1999, p. 155-157) destaca a problemática que gera esta concepção de autoridade necessária e
inquestionável, porém, apontando que vários estudiosos confirmam a existência daquelas duas
prerrogativas no Estado moderno.

CONCLUSÃO

O Direito apresenta-se onde existe vida em sociedade e, sendo a Igreja uma organização onde as
relações sociais entre seus seguidores são manifestadas veementemente das mais variadas
maneiras, necessário fez-se o nascimento de um ordenamento jurídico específico para atender
aos anseios humanos e divinos, nos moldes essenciais da própria criação daquela instituição.
Observa-se que várias são as heranças fornecidas pelo Direito Canónico ao direito ocidental
moderno. Desde a Idade Média, aquele vem criando institutos jurídicos e cuidando de
manifestações sociais e comunitárias de seu interesse, de tal forma, que, em casos, expressa
excelência em organização, formalidade e funcionamento. Por isso, o Estado em não raras
matérias jurídicas implanta institutos análogos ou integralmente iguais aos que funcionam no
ordenamento jurídico eclesiástico.

Referencias

CIFUENTES, Rafael Llano. Relações entre a Igreja e o Estado: a Igreja e o Estado à luz do


Vaticano II, do Código de Direito Canônico de 1983 e da Constituição Brasileira de 1988. 2. ed.
atual. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 11. ed. São Paulo:


Saraiva, 1999.

NAVARRO, Luiz George. A defesa do réu na história do processo. São Paulo, 1994. Tese de
Mestrado – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo.

SAMPEL, Edson Luiz. Introdução ao Direito Canônico. São Paulo: LTR, 2001.

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