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"O que você faz?

" e Outras Perguntas: Compartilhando as


2nd January 2019
responsabilidades narrativas

Tradicionalmente os Donjonmasters apresentam uma proposta de campanha ou aventura, muitas vezes de material oficial, e a
partir daí os jogadores criam seus personagens adequadamente. Isso pode causar um desconforto na mesa quando há
disparidade entre a proposta da aventura e a pretensão do jogador com determinado personagem. 

Mas esse não é o único paradigma de jogo, diversos sistemas trouxeram com sucesso princípios gerais que afastam o
problema que narrei acima. E ainda, lança ao jogador parte da responsabilidade sobre o jogo, conduzindo elementos que
considera essenciais para o que ele quer jogar.

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Na narrativa compartilhada o jogador possui a capacidade de introduzir elementos no cenário. Inclusive elementos de trama,
NPC’s, locais, etc. O que faz com que ele faça com que coisas que ele tem interesse em ver durante o jogo tomem forma. Isso
aplicado à mesa como um todo faz com que os jogadores contem uma história em conjunto, com elementos de interesse
geral.

Ora, mas os sistemas compartilhados são montados para ser assim. Essa afirmativa é verdadeira, mas isso não impede que
você aplique certos princípios desses sistemas em sua mesa de jogo, de Storyteller ou Dungeons& Dragons.

O próprio sistema de Kult: Divinity Lost, que é um sistema Powered by the Apocalypse, possui uma lógica tradicional de
fazer com que o Donjonmaster prepare a aventura, mas lança na métrica da narrativa compartilhada parte da
responsabilidade para os jogadores, que guiam o narrador na sua preparação da aventura.

Hoje vou explorar um pouco dessa lógica e como viabilizá-la de forma natural em sua mesa de jogo.

FAÇA PERGUNTAS E USE AS RESPOSTAS

Blades in the Dark ensina que "Fazer perguntas é a alma e coração do trabalho do mestre de RPG".

Costumeiramente o narrador explora o cenário de forma descritiva: apresenta a geografia, arquitetura, o povo, aponta a
percepção dos sentidos e sentimentos dos personagens diante da situação. Com isso impõe um conflito ou desafio a ser
batido, logo em seguida ele pergunta ao personagem: o que você faz?

Essa é a dinâmica básica de qualquer jogo de RPG. A pergunta “O que você faz?” é essencial. Porém não é a única que pode e
deve ser feita, e pode ser realizada de formas diferentes.
Não apenas descreva a cena, mas faça perguntas aos personagens sobre aquilo que foi descrito para forçar a imersão de jogo.
Quando se diz narra uma cena onde estamos em uma casa abandonada você pode perguntar ao personagem: Você já esteve
em uma casa abandonada antes? E a partir da resposta explorar perguntas satélites que irão fazer o jogador vestir as calças
do personagem, criar conteúdo para sua persona, e se sentir dentro do mundo e da história que está sendo contada.

Lembre-se de endereçar as perguntas sempre aos personagens, e não aos jogadores. Pergunte a Marduk, e não a Rodrigo.
Isso ajuda a imersão dos jogadores. 

A construção de contextos fará com que o jogador dê destaque aos personagens e seus sentimentos, irá incluir sua própria
história e motivações nas respostas. Perguntar sobre experiências do passado e utilizar a informação fornecida pelo jogador
irá fazer com que ele se sinta parte na história que está sendo contada.

Legacy: Life Amongs the Ruins ensina que: As respostas constroem vínculos com o mundo, dão a você fundamentos para
construir suas próprias idéias.

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Você pode ficar impressionado com quão boas idéias um jogador maduro pode acrescer ao jogo, e a própria trama, quando
uma resposta é dada de maneira criativa. Uma simples resposta pode desencadear todo um arco de história opcional.

Com as perguntas você pode ir além do próprio personagem e permitir que o jogador implemente o cenário. A casa está
abandonada. Mas o que te faz sentir que apesar de abandonada há algo que vive nela?

As repostas podem ser de pestes a assombrações, ou até mesmo um jogador mais pra frente pode negar o fato (se a ficção
permitir) e dizer que ele sente-se desolado no lugar, pois nada vive ali. Respostas fora da caixa podem implementar toda uma
trama ao redor da própria pergunta. Imagine-se que o personagem responde que há algo na casa que impede que a vida possa
prosperar ali. Que rumo os personagens vão tomar a partir dessa informação que era desconhecida até então?

Não fique preso a perguntas apenas sobre situações, pergunte sobre pessoas, locais ou objetos de interesse. Você pode criar
todo um novo contexto a partir daí e permitir que os personagens sintam-se parte da mente criativa do jogo, e deixem de
apenas reagir às situações. 

Donjonmaster: Vocês chegam à taverna que fica no porão do armazém do porto. Ela é escura, mas
movimentada, um local afastado das autoridades e onde vocês podem encontrar informações. (Dirijo a palavra a
um dos jogadores) Marduk, o bárbaro, já esteve aqui antes?

Marduk: Sim, já estive aqui antes quando o local era menos conhecido e haviam rinhas de luta ilegal no porto,
onde comecei a minha carreira como combatente.

DM: E o que mudou aqui desde aquela época?

Marduk: O local foi dominado pelo crime, é o ninho de uma Guilda de Ladrões e Contrabandistas com grande
atuação nas docas.
DM: (Dirijo a palavra ao ladino) Foster, você já teve algum relacionamento com essa guilda?

Foster: Sim, o líder deles tem uma rusga comigo, pois dei um golpe sem dividir os lucros no passado quando ele
era peixe pequeno.

DM: Você foi notado por esse líder assim que chegou no local, pois ele está ali. Como foi que ele ficou ciente da
sua presença? Se quiser pode dizer também o nome desse líder. 

Foster: Na verdade ele não me notou de cara, mas notou Marduk. Ele era um fã das lutas em rinhas das docas e
sempre apostava nele. Me notar foi consequencia de tentar se aproximar de Marduk. O nome dele eu não sei
dizer, mas na época que tive contato com ele todos o chamavam de Vesgo.

DM: Vesgo segura uma bengala ornamentada em uma das mãos e uma caneca entornando cerveja na outra. Ele
vem abrindo caminho com passos ébrios entre os consumidores do local, acompanhado de dois brutamontes
corpulentos que fazem as vezes de guarda-costas. Com um sorriso nervoso estampando excitação e raiva ao
mesmo ele dá a entender que vai sentar-se no banco vazio ao lado de Marduk. Foster, o que você faz?

Assim uma simples ida à taverna para buscar informações cruciais ao andamento da campanha, que muitas vezes significaria
uma simples rolagem de dados, se torna uma cena interessante e rica, criando novo conteúdo e situações que serão
exploradas pelo Donjonmaster ao longo do jogo, além de contextualizar os personagens, suas história e motivações, no
mundo do jogo.

Pode ser complicado implementar esse sistema em uma mesa que não está acostumada, então comece com perguntas
simples. Se o jogador for simplório na resposta ou não explorar a oportunidade fique a vontade para complementar a
pergunta com outras. Quando? Como? Com quem? Porquê? São sempre questões básicas que forçam a imaginação.

Evite perguntas abertas. Dar responsabilidade e autoridade demais ao jogador pode assustá-lo, ou mesmo fornecer
informações que são prejudiciais à trama e história que estão sendo contadas. Contorne isso com a sua postura de mestre,
vete determinados conteúdos e estabeleça limites. 

Explore aquilo que você narrou como ponto das perguntas.

Sinta o ritmo do jogo para determinar o momento de fazer perguntas. Elementos que fogem à trama e são interessantes
podem ser facilmente explorados: questione sobre a decoração e aparência, símbolos, significados. Ao passo que o jogo e a
história progridem os jogadores estarão mais íntimos às perguntas e elas deles: experiências, memórias, emoções e opiniões
são elementos que se adequam às perguntas.

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Com isso você não só cria conteúdo, mas conhece os anseios de seus jogadores e dos próprios personagens. Com isso você
irá montar tramas e histórias sabendo onde impressionar e agradar o seu grupo de RPG. Além de permitir que o improviso se
torne parte do jogo, afastando a necessidade de preparar todo e qualquer elemento de jogo. Mas se debruçar no que
realmente importa, o coração da história.
Tenha sempre em mente que, a despeito da resposta do personagem o Donjonmaster deve ditar o ritmo do jogo e dar
sequência à história. Você tem obrigação de criar detalhes em cima do que o jogador informou, criar ameaças e desenvolver a
história incorporando a resposta do jogador, ou criando um arco para demonstrar que as coisas não são o que parecem,
criando um sentimento de dúvida nos jogadores.

É importante que as perguntas sejam realizadas na primeira oportunidade, para contextualizar as situações, amas pense
em deixar espaço para novas perguntas no futuro. Se mais a frente o jardim vai ser um local importante, mantenha as
perguntas voltadas à festa que acontece no salão.

Não tenha medo de fazer perguntas triviais, tendenciosas ou provocantes. Nem mesmo de se escorar na opinião dos
jogadores para resolver um dilema para o qual foi pego de surpresa e não sabe a melhor maneira de agir.

Nos sistemas sem preparação a alma do jogo são as perguntas, e o improviso comanda. Mas você pode utilizá-las em qualquer
sistema, inclusive os tradicionais, para otimizar a narrativa e preparação do jogo, deixando o foco naquilo que interessa: o
desfecho da história. Uma ótima ferramenta para imersão e contextualização dos personagens.

Depois que comecei a jogar jogo de narrativa compartilhada nunca mais deixei de usar.
Postado há 2nd January 2019 por Arthur Pinto de Andrade
Marcadores: Dicas, Dungeonmaster, Geral, Inspiração, Narrativa Compartilhada

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