Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jason Dark
Digitalização e revisão : Jo Slavic Genius
Grupos Traduções e Revisões RS & RTS
e
Romances Góticos Fantásticos e
Sobrenaturais
A Deusa da Morte – Jason Dark 2
A DEUSA DA MORTE
Somente havia poucas pessoas que não temiam Kali e os seus servos. Uma
delas era Mandra Korab, meu amigo. E foi ele quem me chamou para a Índia.
Título do original:
"Die Todesgottin"
J
im Marlowe sabia das coisas! Não apenas nos bordéis de Bombaim ou
Calcutá, mas também nos jângales impenetráveis e pantanais
mortíferos do imenso continente indiano.
Trinta anos nesta terra amaldiçoada, mais ainda assim fascinante, tinham
transformado Jim Marlowe num tipo que Jack London certamente teria usado
como personagem principal dos seus romances de aventuras. Este homem natural
da Inglaterra já tinha muita coisa atrás de si.
Guerra, cativeiro, fugas. Ele fora guarda-costas de um marajá, condutor de
elefantes e garimpeiro à procura de ouro. Quando foi moda, ele fora traficante de
tóxicos e contrabandista de bebidas alcoólicas.
Era também um excelente aviador. Que era, aliás, a sua verdadeira
profissão, à qual ele voltara novamente já há alguns anos. O Cessna ele ganhara de
presente, conseguindo chegar outra vez a uma posição representativa, e abrindo a
sua própria firma, na qual era o único empregado e empregador. Nos seus vôos
transportava homens de negócios e turistas. Pulava de cidade em cidade ou
aterrissava em pistas difíceis no meio do jângal Jim Marlowe era realmente um ás
entre os pilotos do jângal.
Todo mundo ficara sabendo que ele não conhecia o medo, além de ser um
excelente aviador, por isso não precisava se queixar de falta de clientes para os
seus vôos. Há muito tempo, as coisas não tinham andado tão bem quanto nestes
últimos dez meses.
No momento ele tinha um novo cliente para um vôo. Um arqueólogo inglês. O
homem viera procurá-lo, pedindo-lhe informações a respeito de um templo que
ficava situado bem no meio da floresta virgem. O templo da deusa Kali.
— Quer visitá-lo? — perguntou o piloto.
— Não diretamente.
O arqueólogo, um tipo magriço de cabelos grisalhos, sorriu. Quero apenas
que o senhor o sobrevoe.
— Aha!
Marlowe na realidade não estava entendendo nada, mas fez de conta.
— E o que é que acontece então?
— Eu fotografo o templo. Minha câmera é excelente. Consegue tirar fotos de
grande altura.
— E não vai mais nada, embutido nisso?
—Não, por quê?
— Porque estou admirado. Não é barato fretar o meu avião. E só para
fotografar um templo, eu acho isso um pouco salgado. O senhor também não acha?
Depois dessa resposta sucinta, Marlowe não fizera mais perguntas,
concordando com o vôo.
Ele sabia, mais ou menos, onde ficava o templo. Eles tinham levantado vôo
em Calcutá, rumando para o oeste. Trezentas milhas aéreas adiante ficava
Jamshedpur. Ali tinham feito escala, tomando combustível. A cidade ficava ao pé
das montanhas e era ponto de partida de inúmeras expedições para as florestas
tropicais. E o jângal agora estava por baixo deles. Uma paisagem verde, ondulante,
que de algum modo lembrava um imenso mar. Sempre que voavam mais baixo, de
vez em quando viam as águas de algum rio, que interrompia aquele verde
exuberante.
A Deusa da Morte – Jason Dark 4
Jim Marlowe conhecia a paisagem. Não era a primeira vez que ele voava neste
trecho e não tinha razões para ficar olhando através da janela. Isto ele deixava ao
seu passageiro, que parecia não se cansar de ficar olhando aquilo, remexendo na
sua câmera, e de vez em quando tirando algumas fotos.
"Cara estranho", pensou Marlowe, umas o principal é que ganhei o seu dinheiro".
Os motores estavam funcionando redondos. Nenhuma indicação de que
alguma coisa pudesse sair errada. Boas condições para um vôo favorável, se no
poente não houvesse aquela frente escura.
Aquilo não agradou absolutamente ao piloto. A mesma erguia-se ali como um
paredão ameaçador. Voar em volta dela ele não podia, uma vez que o destino do seu
passageiro era mais ou menos onde se erguia esta frente. Ele tinha que entrar
diretamente nela.
O compatriota dele estava sentado no assento a seu lado, ocupando-se com a
sua câmera. Era um sujeito silencioso, mal falava uma palavra e só se interessava
em deixar sua câmera pronta para tirar as fotos, quando chegassem ao destino. De
vez em quando ele lançava um rápido olhar para Marlowe, como se quisesse
perguntar-lhe alguma coisa.
A frente de nuvens aproximou-se.
Jim avaliou a distância. Ele era um piloto experimentado e sabia muito bem
que eles alcançariam aquela frente em cerca de dez minutos. Se a grande distância
ela parecera um tanto cinza-claro, agora parecia quase negra, à medida que eles se
aproximavam. Jim Marlowe contava com o fato dela abrigar buracos traiçoeiros.
Aquilo tinha jeito de trovoada.
E foi o que ele disse ao arqueólogo.
O cientista ergueu, interrogativa, uma sobrancelha.
— E pode ficar difícil?
— Sim, muito fácil não é, mister. O senhor já passou por uma trovoada
tropical?
— Sim, na América do Sul.
— E o que achou?
— Eu sobrevivi Marlowe sorriu, irônico.
— Neste caso vamos esperar pelo melhor, meu caro.
O senhor é quem comanda aqui — disse o arqueólogo, que atendia pelo
bonito nome de Archibald Waynright.
Ele já não sabia mais a que altitude estava voando, e na sua nuca começou a
escorrer o primeiro suor.
—Isso pode acabar em droga — murmurou ele. — Maldição, isso vai dar
droga —- mas falou tão baixo que Waynright nada ouviu.
O arqueólogo estava sentado no seu assento como um montinho de miséria.
Jim não podia ver a cor do rosto do outro, mas achou que estava pálida. As mãos,
A Deusa da Morte – Jason Dark 6
tremendo muito, seguravam a câmera tão fortemente como se ela fosse sua última
âncora de salvação, e pudesse ajudá-lo a sair daquele dilema.
O avião cortou uma picada dentro da floresta. O trem de pouso varreu para
longe as copas das árvores, como se fosse uma enorme foice. O Cessna foi sacudido
por vários solavancos violentos. Parou, novamente foi lançado para a frente, perdeu
altura definitivamente, e enfiou-se para dentro do inferno verde.
Depois disso só se ouvia ainda estalos, galhos quebrando, e os gritos dos
homens, que foram abafados pelo barulho ensurdecedor.
Mais um solavanco violento —- e fim.
A Jim Marlowe pareceu um grande milagre o fato dele ainda estar vivo. No
céu certamente ele não estava. Lá não se sentia dores na nuca nem nas costas. E
também não se ouviam palavrões, como estes que lhe
chegavam aos ouvidos.
A Deusa da Morte – Jason Dark 7
Cuidadosamente ele girou a cabeça e abriu os olhos. Primeiro não viu nada,
porque alguma coisa vermelha, úmida, lhe tomava a visão. Ao pensar nisso, chegou
a conclusão que devia ser sangue. Cuidadosamente ergueu o braço direito, limpou
o sangue e recuperou uma visão mais ou menos clara.
Waynright, o arqueólogo, estava praguejando. Tal como Marlowe, também ele
ainda estava amarrado ao seu assento e vivia.
Ambos viviam...
"Pelo menos alguma coisa", pensou o piloto, "mesmo que o Cessna já não
prestasse mais para nada."
Sim, ele estava completamente destruído.
0 jângal crescia para dentro do aparelho, cujo pára-brisa estava partido, as
asas quebradas, com parte delas espetando para os lados como uma dessas
esculturas modernas malucas. De algum modo Marlowe achou que era um milagre
eles ainda estarem vivos. A chance de sobreviver a esse tipo de queda era de um
para cem.
Eles realmente tinham tido esta sorte inacreditável. Só que — teria mesmo
sido sorte?
A chuva caía do céu cinza-chumbo, como se por lá houvesse seres
especialmente para derramarem cântaros. Marlowe e Waynright estavam
totalmente encharcados. As suas roupas colava-lhes no corpo.
— Ei, parceiro! — tossiu Marlowe. — Você ainda vive?
— Mal e porcamente. O piloto riu.
— Alegre-se, não podemos mais cair.
— Como assim?
— Porque agora vamos ter que voltar a pé. E isso vai ser um espetáculo, pode
confiar em mim.
Waynright não respondeu. Ele mexeu-se no seu assento, e fez com que o
Cessna balançasse.
Um mundo estranho os recebeu. Não era apenas o chão, que mais parecia
um pântano, e o mato baixo espesso, também o mundo animal era estranho para
Waynright em sua composição.
Os gritos dos macacos e o barulho dos pássaros. Cobras deslizavam
rapidamente através de pequenas poças de água, ou pendiam preguiçosamente de
galhos de árvores, tão bem camufladas, que mal era possível diferenciá-las do verde
das moitas.
Os homens continuaram lutando para vencer este inferno nevoento, mal
conseguindo atravessá-lo. Agora que a rápida trovoada tropical desaparecera, os
raios solares se infiltravam. De algum modo conseguiam penetrar através daquela
folhagem exuberante até o chão. Ali alcançavam as poças de água que evaporavam.
Às vezes formavam-se imagens das mais bizarras, quando os raios do sol
penetravam nas nuvens de vapor, fazendo a neblina úmida rodopiar.
Jim Marlowe ia na frente. Normalmente eles teriam que abrir caminho com
um facão ou machadinha. Uma machadinha eles não tinham trazido consigo, uma
faca sim. Infelizmente apenas um canivete, e com isto não se conseguia muita coisa
no jângal pantanoso do continente indiano.
E Marlowe portava um revólver. Um Colt de nariz curto, que estava
carregado. Caso a coisa realmente ficasse preta, os homens podiam defender-se.
O seu relógio incluía uma bússola. Nela Marlowe podia verificar que rumo eles
tinham tomado. Estavam indo para o sudoeste. Se com isto iriam topar exatamente
com o templo, ele não sabia. Era possível; entretanto também poderiam não
encontrá-lo.
Era uma luta contra a natureza. O verde luxuriante, as flores coloridas e as
plantas, elas simplesmente envolviam os dois homens num cinturão mortal. Eles já
estavam a caminho há duas horas, entretanto tinham a sensação de mal terem
saído do mesmo lugar, porque tudo parecia igual. Simplesmente não havia
variação. E somente a bússola mostrava que eles não tinham andado em círculos.
Archibald Waynright manteve-se excepcionalmente bem. Ele era um tipo de quem
não se diria o quanto era durão. O arqueólogo não se queixava nem reclamava, ele
simplesmente aceitava ter que lutar muito para poder atravessar aquele jângal.
Em determinado momento Marlowe parou. A água corria-lhe em torrentes por cima
da cara picada por insetos. Ele respirava de boca aberta, Sua roupa estava
molhada completamente e toda suja, mas ele vivia. Waynright não tinha melhor
aspecto, também ele mostrava traços de exaustão e os seus olhos brilhavam como
se estivesse com febre.
— O senhor ainda insiste nesse maldito templo? — perguntou Jim Marlowe.
— Não.
O piloto sorriu, irônico.
— Neste caso, o senhor poderia ter ido sozinho, meu caro.
—- Quantas milhas, na realidade, conseguimos deixar para trás? — quis
saber Waynright.
— Milhas? — o piloto riu. — No máximo uma milha.
— E isso depois de todo esse trabalho.
— Justamente.
— Neste caso, estaríamos dias a caminho, antes de alcançarmos...
— Sir, o senhor sabe calcular muito bem — sorriu o piloto.
— Por aqui não há nativos. Quero dizer, algum tipo de trilho de jângal?
— Por aqui não. Estes todos se transferiram para as cidades, onde vivem na
miséria.
A Deusa da Morte – Jason Dark 10
A verdade destas palavras eles puderam verificar logo adiante, meia hora
depois, quando toparam com os restos de uma aldeia. Eram cabanas simples, que
a floresta virgem, depois de abandonadas pelos homens, simplesmente devorara. O
mundo verde das plantas sufocava as ruínas cobrindo-as como uma enorme cama.
Por ali não se via um único homem.
Waynright interessou-se pela aldeia abandonada. Ele adiantou-se e ficou
andando por entre as cabanas, porque como arqueólogo talvez pudesse descobrir
alguma coisa interessante por ali.
Marlowe ficou para trás. Gemendo, ele sentou-se num tronco de árvore caído
no chão e enterrou o rosto inchado, molhado de suor, em ambas as mãos.
Waynright continuou a sua busca. Aquilo o interessava ardentemente Metade de
sua vida ele andara escarafunchando por entre as velhas ruínas de culturas
esquecidas. Esta cultura aqui naturalmente não estava esquecida, mas mesmo
assim, era possível recolher-se muitos conhecimentos.
Marlowe ficou sentado, ele não queria estragar o divertimento a Waynright. O
piloto estava bastante exausto. Ele fechou os olhos, continuando naturalmente a
perceber os ruídos da floresta tropical, e acreditando encontrar-se sentado num
mundo de sonhos. Só que ao abrir os olhos, viu novamente diante de si aquela
imagem colorida, exuberante.
E então ele ouviu o chamado.
Jim levantou-se, assustado. Ele quase tinha pegado no sono. Agora ele olhou
em torno, e ouviu, pela segunda vez, a voz estridente do arqueólogo.
— Venha até aqui. Aqui — o templo! Templo?
Jim Marlowe acordou definitivamente. O homem falara de um templo Será
que, por acaso, eles teriam realmente topado com as ruínas?
Pouco mais tarde ele estava parado ao lado do cientista, e os seus olhos se
abriram desmesuradamente.
Ali estava realmente o templo, ou melhor, aquilo que sobrara dele.
Paredes e muros de pedras grossas, que tinham ruído num dos lados, mas
que se erguiam do outro como uma pirâmide. Naturalmente não tão pontuda como
as construções dos antigos egípcios, mas achatada, mas ainda assim parecida.
— Lá está ele! É ele! — murmurou Waynright deslumbrado. Todas as
canseiras e estafas estavam esquecidas. — Maldição, este é o templo!
Depois ele silenciou.
E também Marlowe nada disse.
Silenciosamente os homens olharam para a construção, na qual ainda era
possível reconhecer-se a grande entrada. Um buraco quadrado, em parte recoberto
pelo jângal, mas mesmo assim ainda bem visível, pois em diversos lugares, aqui e
ali, cipós e plantas mais grossas tinham sido cortados. Era possível entrar na
construção sem maiores dificuldades.
Aquilo queria dizer que alguém já pusera os pés lá dentro.
Não se viam rastros. Estes não permaneceriam muito tempo. O chão
simplesmente era mole demais, tudo era logo recoberto outra vez.
E mais uma coisa chamou-lhes a atenção.
O silêncio.
Aqui não guinchava nenhum macaco, nenhum pássaro cantava aqui. O
silêncio era quase sinistro. Alguma coisa parecia estar à espreita por aqui. Um mau
agouro, uma quietude perigosa, que envolvia alguma coisa indescritivelmente
cruel, e que não podia ser entendida pela inteligência humana.
O Mal...
A Deusa da Morte – Jason Dark 11
mesmo não tinha nenhuma fonte específica, pelo menos ele não podia ver
nenhuma, o brilho simplesmente existia e parecia sair de dentro das paredes do
templo como um veneno insidioso.
Este aqui não era nenhum perigo normal, palpável, que ele tinha à sua
frente, isso devia ter alguma coisa a ver com ocultismo e conjuração de espíritos;
isso, pelo menos, era o que Jim Marlowe raciocinava.
Um mundo estranho, sinistro, o envolveu. Ele realmente não entrava num
templo pela primeira vez, porém este aqui era diferente daqueles que conhecia. Ele
irradiava o Mal, que chegava a ser assustador. Dentro e no meio destas paredes se
manifestava o terror, o espírito malévolo da deusa da morte da morte Kali.
Jim Marlowe sacudiu-se todo, só de pensar nisso. Daqui ele dificilmente
sairia novamente, sem ter tido uma experiência marcante, disso ele tinha certeza.
Talvez um encontro com a Morte?
Ele parou. A palma da mão, que tocava a coronha da arma estava úmida de
suor. A arma quase escorregou-lhe da mão, ele teve dificuldade de segurá-la, e
perguntava-se se ela realmente iria ajudá-lo em alguma coisa.
Os gritos tinham silenciado. Uma calma sinistra espalhara-se no interior do
templo. Um silêncio que fazia mal aos nervos de Jim, e que ele podia descrever
como enganoso.
Nervosamente sua língua passou pelos lábios. Estes estavam secos e
esturricados. Na sua testa brilhava o suor. Ele abaixou um pouco a parte superior
do corpo, enquanto ia em frente, mergulhando mais profundamente no templo, até
chegar a uma parede, pela qual ele teria que passar pela esquerda, para alcançar a
fonte de luz.
Agora Jim pôde vê-la mais nitidamente.
A luz realmente era irradiada pelas paredes internas do templo da floresta.
Ele sacudiu a cabeça. Jamais passara por isso. Isso simplesmente não podia
ser verdade, pois normal a coisa não era, mas um fenômeno inexplicável.
A deusa!
Pela primeira vez ele viu uma estátua da deusa Kali deste tamanho
imponente. Surpreso o piloto parou. Ele estava fascinado e repugnado ao mesmo
tempo, o seu pomo-de-adão movimentava-se para cima e para baixo, enquanto ele
engolia em seco.
Jim Marlowe, aventureiro e piloto, experimentava a visão da deusa da Morte,
Kali, em todo o seu horror. Ele viu a figura com os cabelos pretos, embebidos de
sangue, o rosto cruel, o colar de cabeças humanas, e as suas pernas tremeram,
enquanto ele se aproximou ainda mais.
Quase tropeçou por cima de um objeto escuro, estendido no chão.
Imediatamente parou e abaixou o olhar.
Jim Marlowe pensou que ia enlouquecer. Diante dele estava caída uma
pessoa sem cabeça, somente ainda um torso, em meio a uma poça de sangue
escuro.
A luz avermelhada era suficiente para que ele pudesse ver quem tinha diante
de si.
Archibald Waynright, o arqueólogo. Ele tinha pago sua curiosidade com a
própria vida.
Mas onde estava a sua cabeça?
Só com muito custo o piloto ergueu os olhos. Uma suspeita terrível brotara dentro
dele. Tão terrível e tão cruel, que ele hesitou em deixar que seus olhos a
confirmassem.
A Deusa da Morte – Jason Dark 17
Mas não havia outro jeito. Novamente o seu olhar fixou-se na estátua da
deusa. Como atingido por uma chicotada ele estremeceu violentamente, quando
teve confirmada a crueldade.
O
meu cigarro já estava consumido até a metade, quando o joguei no cinzeiro
de pé. Eu mesmo fiquei sentado na poltrona junto do cinzeiro, deixando que
o barulho do
grande hall do aeroporto me envolvesse.
A mim parecia que a metade de Londres estava saindo em viagem, e a outra
metade estava voltando. Neste dia as coisas estavam realmente terríveis.
Daqui saía-se para todo o mundo. Eu já partira muitas vezes de Heath-row,
só que nesse dia eu não pretendia sair voando, mas sim ficar com ambos os pés no
chão da boa terra-mãe.
Eu tinha marcado um encontro. Suko, novíssimo inspetor, ocupava o lugar
no birô, enquanto me haviam chamado ao aeroporto.
O chamado, neste caso partira de um homem chamado Bill Conolly, que, ao
lado de Suko, era meu melhor amigo.
Bill captara alguma coisa, que ele dizia me interessaria. Quando indaguei,
ele mostrou-se bastante misterioso, fechara-se em copas, prometendo entretanto
aparecer no aeroporto com seu informante, onde eu ficaria sabendo de tudo.
Por isso eu tinha saído ventando e agora esperava perto do guiché da Indian
Air Unes pelo repórter e pelo seu informante. O assento da poltrona de couro era
caído para trás. Eu estava mais dependurado dentro deste móvel do que sentado,
olhando atrás das pessoas que passavam por mim todas com muita pressa.
De algum modo davam-me a impressão de estarem todos chateados. Havia o
rápido olhar ao relógio, os rostos às vezes pensativos ou preocupados dos
managers, cujas mãos se agarravam ferozmente às alças de suas pastas 007.
Mulheres, coloridamente vestidas, aliviavam um pouco a imagem daquela
multidão de gente que se movimentava de um lado para o outro. Vi inúmeras girls
bonitas, às vezes vestidas exageradamente na última moda, lânguidas e com
olhares arrogantes, que só se iluminavam quando descobriam algum homem, que
formalmente cheirava a manager e a dinheiro.
Aquelas garotas chiques nem me deram atenção. Isso não me pareceu
trágico. Aliás, eu não viera ao aeroporto para flertar, eu estava esperando por Bill
Conolly.
E ele já estava atrasado.
Highnoon, fora a hora marcada para o encontro. Doze horas — meio dia declarara o
repórter, um pouco grandiloqüentemente. Agora ele já estava atrasado dez minutos
além da hora marcada, e eu continuava não vendo nada dele, apesar de
A Deusa da Morte – Jason Dark 18
— Suko não será capaz de chegar aqui em tempo, John. — Também receio
que não.
— Se o senhor surpreender os outros, estes não terão nenhuma chance —
declarou Kisulah muito convencido.
Eu também era dessa opinião. Mesmo assim eu ainda quis saber porque ele
nos escolhera, justamente a nós, para contar-nos tudo isso.
Uma grande tristeza apareceu nos seus olhos.
— E que se trata de minha irmã. Ela foi assassinada pelos Tongs, porque o
seu noivo filiou-se ao bando, e ela o queria ter de volta. Ele entretanto colocou-se do
lado da deusa da morte e atraiu minha irmã para uma cilada. O que fizeram com
ela eu não sei. Com toda certeza ela teve uma morte sob torturas.
— O senhor pode provar isso?
— Não! Não me foi possível. Eu não consigo praticamente nenhuma
informação. Que hoje deve chegar aqui esse indiano, eu consegui saber através de
uma mensagem gravada em fita que minha irmã me deixou como herança. Como
eu, ela também trabalhava na embaixada. Eu ali intervi junto aos meus superiores,
porém ninguém quer ter nada a ver com os Tongs. As pessoas têm um medo terrível
deles. Foi então que me lembrei de Bill Conolly. Eu o conhecia de antigamente.
Certa vez ele escreveu um artigo sobre nossa terra, com muita objetividade. Eu
sabia que ele é um homem a quem não é fácil fazer com que dobre seus joelhos, e
além do mais sabia, também, que ele tinha boas relações. Conforme estou vendo,
eu realmente não me enganei.
— Não, o senhor não se enganou — disse eu. — Infelizmente Kisulah não
conhece o nome do mensageiro. Vamos ler que confiar inteiramente no nosso faro e
na nossa sorte, John. Naturalmente — eu olhei o relógio. Ainda tínhamos um
pouco de tempo. — Acha que devíamos informar aos funcionários da alfândega?
Bill Conolly achava que sim.
— Eles têm prática do assunto, e poderão deter alguns suspeitos. Eu
também era dessa opinião.
— Para Kisulah naturalmente é perigoso que ele tenha entrado em contato
conosco — disse o repórter. — Ele terá que contar com o fato de que eles o matarão,
se alguma coisa disso tudo chegar ao público.
— Bill colocou sua mão no ombro do indiano. — Por isso eu agora quero
sugerir que o senhor desapareça. — Bill tratava o homem às vezes por você às vezes
de senhor.
— Isso seria bom.
O repórter pagou a conta. Eu escorreguei de cima da minha banqueta e olhei
em volta. Para Kisulah representava perigo de vida ter se encontrado conosco. O
outro lado tinha assassinado sua irmã, e se os Tongs adicionassem um mais um,
certamente chegariam ao resultado de que o homem representava um perigo para
eles. Isso tinha afiado minha desconfiança.
Infelizmente ainda havia muita gente por ali. Aquela multidão quase não se
conseguia abranger com a vista. Gente de todas as raças e de todas as nações
povoavam o grande hall.
Este aeroporto na realidade era uma pequena cidade em si mesmo. Aqui
havia inúmeros esconderijos e incontáveis possibilidades para chegar perto de
alguém sem ser visto em tempo.
Naturalmente o local era policiado por dentro e por fora. Forças de segurança
patrulhavam a dois, os corredores. Os homens estavam armados com
metralhadoras de cano curto.
Aqui e ali eu pude ver seus uniformes.
A Deusa da Morte – Jason Dark 22
E também os indianos.
Há pouco eles ainda tinham estado juntos, os dois. Eles tinham chamado
minha atenção, porque cada um usava um turbante. Agora eles tinham se
separado. Um deles vinha na direção da lanchonete.
Enquanto Bill esperava pelo troco, Kisulah escorregou de cima do
seu tamborete e virou-se lentamente.
E então arregalou muito os olhos. Ele tinha visto o indiano, que ficara
parado, com ambos os braços pendentes ao lado do corpo.
De repente eu escutei aquele assobio. Ainda no mesmo segundo percebi
aquele golpe surdo, o estertorar, e vi o sangue que brotava da boca do hindu.
Um punhal acertara o homem bem no meio do peito!
***
Não fora o indiano quem o atirara. Isso estava patente. Ele estava parado ali,
de pé, olhando para nós, e um ligeiro sorriso aflorou-lhes aos lábios. Isto eu vi
dentro de um segundo, antes de virar a cabeça inteiramente para a esquerda,
voltando-me para Kisulah.
Ele ainda estava de pé.
Num último reflexo, ele tinha se agarrado no corrimão, as mãos meio
contorcidas, mas ele ainda se mantinha ereto, o que para mim era inverossímil.
E então ele fechou os olhos, e foi para o chão.
Agora as primeiras pessoas começaram a gritar. Os fregueses que estavam
sentados junto ao balcão da lanchonete deram-se conta do que acontecera. Em
fuga eles abandonaram os seus lugares, precipitando-se para dentro do turbilhão
de gente, que povoava o grande hall.
O que eu queria era pegar o assassino traiçoeiro. E se eu não conseguisse
agarrá-lo, então, pelo menos, o seu cumpincha, pois aquele indiano que sorria
ironicamente certamente estivera acumpliciado com o outro. Também este homem
mergulhara na multidão, além do mais algumas pessoas ainda me atrapalharam a
passagem, de modo que ficou difícil encontrar uma saída.
Por sorte o homem usava um turbante. O tecido branco brilhava, de modo
que eu o descobri. O indiano corria exatamente para o lugar onde cintilantes
escadas rolantes levavam ao andar superior. E dali ele teria também as melhores
possibilidades de fuga.
Com um salto formidável eu voei literalmente por cima de duas crianças,
fazendo com que a mãe quase desmaiasse, rodeando em ziguezague um grupo de
adolescentes barulhentos, e logo cheguei à escada. O indiano já estava
praticamente lá em cima.
Ele lançou um olhar por cima do ombro, e sorriu friamente. E não dava
absolutamente a impressão de estar com medo, mas sentia-se até muito seguro.
Eu poderia ter puxado a Beretta, porém queria evitar chamar aten ção deste modo,
de qualquer jeito. Neste caso, eu teria gerado um enorme pânico.
Por isso saltei os degraus acima e já tinha a metade da escada rolante atrás de
mim, quando o indiano desapareceu. Eu tomei mais um impulso, e corri adiante.
Finalmente a escada estava atrás de mim.
E diante de mim vi um enorme hall O teto era apoiado por enormes colunas.
As mesmas eram quadradas. Mais para a frente, onde ficava a testada do hall elas
era delimitadas por enormes vidraças. Uma balaustrada escura, à direita da
escada, servia para que as pessoas pudessem olhar para o andar abaixo, sem risco
de caírem.
A Deusa da Morte – Jason Dark 23
Que o homem morrera, eu sentia muito. Por sorte, antes do seu falecimento,
ele ainda pudera prestar-nos algumas informações. Sabíamos quando chegava o
avião e que alguém estava vindo à Londres, de quem não sabíamos absolutamente
nada. Teríamos que descobri-lo entre os que chegariam. E não tínhamos mais
muito tempo até a hora do pouso. Avisei ao agente de segurança onde poderia nos
encontrar. Depois saímos dali.
A caminho expliquei ao repórter o que me acontecera.
Bill sacudiu a cabeça.
— Mas isso não existe — disse ele. — Ele se desfez em um amontoado de
serpentes?
— Sim, e tinha três olhos no peito.
— Você tem alguma explicação?
— Não, ainda não. Mas esses três olhos devem ter algum significado, Conolly
parou de repente, batendo com a mão espalmada na testa.
— Agora eu sei o que está acontecendo.
— Sabe?
— Os três olhos, John, são um sinal. É o sinal de Siva. Se não estou muito
enganado, esse deus tem três olhos, em todas as suas imagens que cu conheço. E
Kali era a esposa de Siva, pelo menos é isso que diz a mitologia.
— Quer dizer que entre Siva, Kali e os seus servos existe uma conexão
provocadora?
Temos que partir desse princípio. Eu parei.
— Bill, alguma coisa está sendo jogada em cima de nós. Tenho a sensação de
que não vamos encontrar a solução para este caso aqui em Londres, mas na índia.
— Se é você quem o diz... Pode ter certeza.
Falamos com o responsável pela alfândega. Ele chamava-se Burns, era um
sujeito de cabelos castanhos, que usava um par de óculos de aros escuros, sobre o
seu nariz bastante adunco. O homem ficou nos escutando, anuindo algumas vezes.
Como minha identificação especial também servia para ele, tínhamos o direito de
dar-lhe ordens.
E isso ele percebeu logo, sem se insurgir.
— E como é que o senhor pensa em agir, neste caso? quis ele saber, curto.
Não sabemos como este homem se chama. Também não conhecemos a sua
aparência. Além do mais, é importante que ele não desconfie de nada. Vai também
depender do senhor e dos seus homens, que este caso seja liquidado, na medida do
possível, de modo limpo e sem chamar muita atenção.
Difícil, muito difícil — respondeu ele.
— Posso imaginar, mas tente-o, assim mesmo, Mr. Burns.
O homem da alfândega assentiu. Ele estava parado diante do grande mapa
detalhado do aeroporto, que ficava dependurado atrás de sua escrivaninha. Tinha
franzido a testa, e parecia refletir.
Nós ainda poderíamos desviar o avião — murmurou ele.
— Como assim?
Neste caso ele iria parar numa região menos movimentada do aeroporto —
retrucou ele.
— Isso não seria mau.
— É uma coisa dessas não chama a atenção? perguntou Bill. Não aos
passageiros do avião, e para o piloto tanto faz onde ele
pousa. Preciso falar primeiro com a segurança do vôo. Um momento,
gentlemen.
A Deusa da Morte – Jason Dark 26
Burns ligou, pedindo para falar com o chefe. A conversa não demorou muito.
Apenas trocaram informações, e Burns pareceu satisfeito.
— O controle de vôo não vê nenhum problema — declarou-nos ele. —
Podemos tomar todas as medidas necessárias.
— E onde o avião vai pousar agora? Burns sorriu, e colocou o seu boné.
- Venham comigo, gentlemen, e logo saberão de tudo.
Naturalmente poderíamos ter feito esse caminho a pé, mas isso demoraria
demais. Tomamos o ônibus interno, de pista, que circulava entre as diversas partes
deste aeroporto gigantesco. Enquanto este nos levava por uma das pistas de
rolamento, fiquei olhando um Jumbo descendo. Era uma imagem fascinante ver
aquele pássaro gigante lentamente fazer a aproximação da cabeceira da pista.
Depois de mais sete minutos, também o nosso avião pousaria. Teríamos
ainda exatamente o tempo necessário para alcançá-lo.
O plano já fora explicado. Todos os passageiros foram encaminhados através
de um corredor estreito. Isso acontecia freqüentemente, e dificilmente despertaria
desconfiança. Bill e eu pretendíamos ficar em segundo plano, tal como três agentes
armados da polícia de segurança. Deste modo era quase certo conseguirmos
encontrar o nosso homem.
Quando já estávamos todos prontos, à espera, as rodas do aparelho tiveram o
seu primeiro contato com o solo. Depois rolou lentamente, desligando as turbinas.
O seu destino era o grande tubo articulado, através do qual os passageiros podiam
abandonar o avião, entrando diretamente nos grandes halls do aeroporto.
Eu estava um pouco nervoso. Bill não menos. Também ele mudava de
posição constantemente, de um pé para o outro. Nós pudemos sentir na própria
pele a brutalidade de nossos adversários. Eu agora estava curioso por saber como
eles reagiriam. Se o mensageiro da índia distante notasse alguma coisa, ele
certamente perderia as estribeiras, disso eu tinha quase certeza absoluta. E quem
é que podia imaginar, a força de sua ligação com a deusa Kali?
Os primeiros passageiros apareceram na boca do tubo de desembarque. Era
uma família inglesa, cujas malas rapidamente seriam liberadas. Primeiro,
entretanto as peças de bagagem eram sondadas eletronicamente em busca de
armas e outros objetos metálicos, depois as três malas tiveram que ser abertas.
O seu conteúdo não era suspeito.
A pessoa seguinte mostrava o rosto magro de um indiano. Ele continuou
impassível, enquanto o funcionário da alfândega revistou a sua mala, liberando-a.
O que as pessoas traziam consigo! Com um japonês baixinho, os
funcionários encontraram peças de roupa feminina, cor-de-rosa, rendada. Que
cobria um bom número de revistas pornográficas.
Normalmente eu teria dado uma boa risada. Infelizmente o caso era sério
demais, para fazer alguma piada.
Mais da metade dos passageiros já haviam passado pelo controle quando
chegou a vez de um indiano, que chamou minha atenção pelo seu tamanho. Ele era
exatamente o contrário do homem que eu perseguira. De baixa altura, muito largo
nos ombros. Seus olhos lembravam-me de pedras negras. Tão frios e escuros eles
fitavam em torno.
Na primeira verificação nada aconteceu. Depois exigiram que o homem
abrisse a mala.
Ele hesitou, e os seus olhos pareciam ainda mais sombrios.
— Por favor, Sir, abra a mala — exigiu-lhe o funcionário do controle pela
segunda vez, cortesmente.
— Por quê?
A Deusa da Morte – Jason Dark 27
mas pude imaginar que ele hovesse sido atingido pela nuvem.
Tiros chicotearam.
Duas balas passaram a milímetros de minha pele, para irem penetrar no
crânio pairante. O mesmo foi jogado para trás. Ficou com dois buracos,
sacudindo-se, como se alguém tivesse despejado água sobre ele.
Um dos olhos foi destruído. Da abertura jorrou uma massa vermelha, e no
instante seguinte o crânio bateu no chão.
Estava liquidado?
Não, os ferimentos fecharam-se novamente. Renovadamente ele tentou
erguer-se.
Atrás de mim ouvi as vozes agitadas dos funcionários da alfândega. Em voz
alta, gritei:
— Não atirem! — em contrapartida peguei minha cruz. Ela ajudara ainda há
pouco, talvez também desta vez ela destruísse este crânio maldito.
Quando ele me atacou, eu já estava segurando o crucifixo na mão direita.
Desta vez ele não teve chance nenhuma.
Crânio e cruz se chocaram violentamente.
O Bem e o Mal, a eterna luta, e o Bem desta vez venceu. O perigoso crânio
arrebentou, como se alguém o tivesse golpeado com um martelo. Em inúmeros
pedaços ele voou para todos os lados, que nem chegaram a cair no chão,
diluindo-se ainda em pleno ar, como fumaça.
Liquidado!
E o indiano?
Ele estava parado ali, olhando para nós. Duro como uma estátua, como se
não tivesse vida alguma.
Eu girei sobre mim mesmo e toquei o homem.
Duro como uma tábua ele tombou, batendo violentamente com as costas no
chão, onde ficou estirado.
Morto...
Do que ele morrera, nenhum de nós soube dizer. Vimos apenas um fio
vermelho, muito fino, que brotou de sua boca ligeiramente aberta, escorrendo pelo
queixo.
Eu respirei fundo. Virei-me para olhar para os funcionários da alfândega e
também para Bill Conolly.
Todos estavam pálidos.
Também o repórter. O pessoal da alfândega ainda estava segurando suas
armas nas mãos. Um deles, inclusive, atirara, porém o crânio não fora liquidado
pelas suas balas, somente a cruz o tinha conseguido.
Naturalmente os tiros não tinham ecoado sem serem ouvidos. Havia
testemunhas, que não tinham apenas medo, mas também eram curiosos. Eles se
mantinham a uma distância segura do local do crime, vendo-me ajoelhar ao lado do
morto. Eu queria ver do que ele morrera.
Mas isso não podia ver-se. Infelizmente não. Ele devia ter tido alguma coisa
escondida dentro de sua boca.
Quando me levantei novamente, Burns estava junto de mim. Ele tirara o seu
boné, e estava limpando o suor da testa com as costas da mão. Nunca passei por
nada igual — murmurou ele. — E o senhor? Eu ergui os ombros. Não fazia sentido
perder tempo com uma longa explicação, disso eu estava certo.
O que é que o senhor sugere, Inspetor? Mande remover o homem para
fazerem a autópsia. Os médicos poderão encarregar-se disso.
—E o senhor acha que vamos descobrir alguma coisa?
A Deusa da Morte – Jason Dark 29
— Claro.
Eu dei mais uma olhada no livro. Quando cheguei à página quatro, vi a
imagem de um outro deus pagão. Era Siva, esposo de Kali.
Se a deusa da morte tinha um aspecto horrendo, Siva na realidade nada lhe
ficava a dever nesse sentido. Tal como Kali ele possuía também quatro braços. Só
que nele pude contar três olhos. Também do seu pescoço pendia um colar. Não de
cabeças humanas, mas de caveiras. Acima do colar e também no pescoço do ídolo,
enrolara-se uma serpente da grossura de um braço. Cobras também lhe serviam de
pulseiras, e em torno dos seus ombros usava uma pele de tigre.
— Se tivermos que enfrentar estes dois, vamos nos divertir muito disse Bill,
no seu péssimo humor negro.
Mas ele tinha razão.
E
les encontraram Tom Marlowe quando ele já estava mais morto que
vivo. Até um rio ele conseguira chegar. Junto da água ele fora para o
chão, e não mexera mais dali. Enquanto as ondinhas cobriam suas
mãos estendidas, e Marlowe não conseguiu mais se levantar de tão fraco, um
pequeno barco a motor vinha descendo o rio, com o seu tuque-tuque característico.
O mesmo vinha com dois homens, que vestiam apenas calças compridas, mas
tinham a parte superior do corpo totalmente nua. Os homens estavam armados
com armas modernas de fogo rápido. Que eles precisavam muito, porque tinham
partido à caça de um tigre. O animal naturalmente não devia ser morto, mas
apenas dopado. O mesmo já fora avistado algumas vezes, e havia o perigo de que,
em sua busca por alimento, ele se aproximasse de algum povoado, onde poderia
fazer grandes estragos.
O tigre devia ser apanhado, para ser solto depois novamente, mais para o
oeste, onde o jângal ainda era muito espesso, e onde sobretudo havia pouca gente.
A Deusa da Morte – Jason Dark 31
Sabu olhou para aquele homem exausto totalmente. Não deu qualquer
resposta, mas ajoelhou-se, batendo levemente no rosto do homem. O estranho
devia finalmente acordar, para que lhe pudessem dar alguma coisa de comer e
beber. Provisões eles traziam a bordo.
0 indiano teve êxito. Pouco mais tarde, Jim Marlowe abriu os olhos. O seu
olhor ainda incerto. Podia ver-se claramente que o homem estava se lembrando de
alguma coisa, ou que pelo menos tentava recordar-se de algo.
Sabu sorriu.
O senhor está em segurança disse ele para Marlowe, no seu parco inglês.
— Como assim? Eu só sei que atravessei o jângal e...
Tome isso entregaram uma garrafa a Jim, cujo gargalo ele levou à boca, para
cuidadosamente tomar alguns goles. Aquilo era forte, e queimou-lhe a garganta.
Marlowe achou que o homem lhe dera aguardente, feita domesticamente, para
beber. Uma bebida do diabo, que era capaz de até botar mortos novamente de pé.
Também ele já se sentia melhor.
Sabu pegou a garrafa novamente.
Gostaria de comer alguma coisa? perguntou ele então.
Não, não tenho fome, obrigado — Marlowe sentou-se, ereto. Mas tremia
muito ainda. Havia suor na sua testa. O olhar ainda incerto, quando Marlowe virou
a cabeça, olhando por cima de bordo para as águas que fluíam preguiçosamente rio
abaixo. Os capturadores de animais não o importunaram. Ele devia encontrar-se
primeiro consigo mesmo, talvez depois ele falasse.
O barco era embalado levemente, e Jim Marlowe fechou os olhos. Depois
começou o seu relato. Ele o fez em voz baixa, como se tivesse medo de que suas
palavras pudessem chegar a ouvidos para os quais não se destinavam.
Falou do charter do arqueólogo, depois do vôo, que começara bem, até terem
encontrado uma frente de trovoada, pela qual tiveram que entrar, sem poderem se
desviar mais. Também a queda do avião ele não ocultou, nem a longa caminhada
através do jângal, até terem encontrado o templo da deusa da morte.
Eu a vi — murmurou ele. — Eu a vi nitidamente. Ela tem um colar em volta
do pescoço. Um colar feito de cabeças humanas, e uma cabeça foi acrescentada ao
mesmo. A do arqueólogo, ela estava dependurado do colar. Eu fugi, corri. Tive
medo. A deusa é horrenda.
Com isto não dizia nada de novo aos dois capturadores de animais.
Eles já tinham tomado a sua decisão. Não queriam penetrar mais
profundamente no jângal. Se Kali tinha acordado para uma vida horrenda, isto
devia ter acontecido bem perto dali, pois aquele homem não podia ter corrido muito
longe.
Vamos voltar — ordenou Sabu.
Para onde? perguntou Marlowe. Sabu era o mais velho. Além disso, era um
homem que já andara muito por aqui. Ele conhecia algumas pessoas, pessoas
importantes e inclusive um homem que não temia a deusa da morte, um homem
que certamente lhe declararia luta.
Vamos levá-lo até Mandra Korab — explicou Sabu. Ele certamente o
ajudará em tudo que for possível.
Quem é ele? — perguntou o inglês. Sabu sorriu.
Um homem que conhecemos muito bem e que não conhece nenhum tipo de
medo. Nem mesmo de Kali.
E existe alguém que não tem medo dela? — Sim, Mandra Korab.
Mandra Korab sabia que nós vínhamos. Ele infelizmente mal entendera
alguma coisa, porque a ligação estava mais que ruim, mas ele voltou a chamar e
A Deusa da Morte – Jason Dark 33
confirmou meu telefonema, sendo que a sua voz também quase foi sufocada pelos
ruídos estranhos da ligação.
A três, nos pusemos a caminho.
Bill Conolly, Suko e eu.
O repórter ainda telefonara para a redação de uma grande revista ilustrada,
prometendo-lhes uma reportagem sobre Calcutá. Esta não era a primeira vez que
ele ia para a Índia. Eu precisava apenas lembrar-me do caso com os vampiros
voadores, quando Bill viveu uma aventura terrível na índia, podendo entretanto
chamar minha atenção para ele, através de algo semelhante a telepatia.
Mas isso já fazia muito tempo.
Eu já voara muitas vezes em minha vida. Cada vez aproveitava a
oportunidade para uma sonequinha. No tempo restante eu comia ou então via
alguns filmes.
Até mesmo um filme de terror estavam apresentando. Chamava-se Terror
Eyes" (Olhos do Terror), e tratava-se de um decapitador de mulheres que tomava
insegura a cidade de Boston.
O filme era bem feito, um elogio ao diretor, que quase possuía as qualidades
do infelizmente falecido Alfred Hitchcok.
O segundo filme tinha uma história meio boba para o meu gosto. Era urna
historinha de amor, que acabou me fazendo dormir.
Em Bahrain nós fizemos escala, uma parada, mas não pudemos deixar o
aparelho, e através das janelas podíamos ver as altas torres de per-
furacão, que bombeavam do fundo do solo, o ouro do deserto, o petróleo. O
Emirado de Bahrain enriquecera com o seu petróleo. O pequeno estado não sabia o
que eram dívidas.
Depois de uma hora prosseguimos no nosso vôo. Rumo ao oriente.
Nosso curso dirigido ao imenso subcontinente indiano, uma terra na qual
contos de fadas ainda podiam tornar-se realidade.
Na índia havia um luxo imenso, ao lado de uma pobreza inimaginável. O
progresso e a tradição se emparelhavam ali, no que o progresso poderia ser visto
como precário pelo menos em alguns pontos, já que até agora não conseguira
arrancar o país de sua miséria.
A índia era a terra dos saltimbancos, dos gurus e dos contadores de lendas
fantásticas. Além do mais, dividida em muitas províncias, nas quais eram faladas
inúmeras línguas e dialetos. As pessoas do norte não entendiam os seus
compatriotas do sul, do mesmo modo era o caso entre o leste-oeste. Nós
dificilmente conheceríamos alguma coisa da terra, e também não podíamos nos
preocupar com os problemas da população. Nossa tarefa era outra.
A destruição da deusa da morte, Kali!
Se conseguiríamos isto, realmente ainda estava escrito nas estrelas.
Entrementes eu lera bastante sobre Kali. Ela era temida, as pessoas tinham medo
dela, e ao mesmo tempo, entretanto, adoravam a deusa. Esperavam receber dela o
poder e o dinheiro, para que pudessem ser arrancados do poço da pobreza
absoluta.
A deusa dos quatro braços. Quem se aproximasse demais dela estava
perdido, não tinha salvação. A não ser que tivesse consigo uma arma, com a qual
pudesse se defender.
E uma arma dessas eu trouxera.
Era a espada, que eu tomara do carrasco de demônios Destero. A mesma
estava bem acondicionada numa caixa. Caso nós realmente nos defrontássemos
A Deusa da Morte – Jason Dark 34
com a deusa, eu esperava poder fazer alguma coisa contra este demônio feminino
de quatro braços, com esta arma de magia negra.
Com a sua lâmina eu pretendia cortar-lhe os braços!
O aparelho estava lotado somente pela metade. Eu pudera conseguir um
lugar junto de uma janela, e olhava para fora. Nós estávamos voando acima das
nuvens. A vista era belíssima e nós tínhamos um maravilhoso céu azul. Ele se
estendia como um pano infinito sobre nós, a sua imensidão de algum modo parecia
gigantesca. Quando se pensava nisso, inquestionavelmente chegava-se ao
resultado de que, como ser humano, se era realmente pequeno e insignificante.
Suko dormia.
Bill estava fazendo algumas anotações. Eu também não queria incomodá-lo,
por isso caminhei para a parte traseira do avião, onde havia um pequeno bar. Era
possível sentar-se ali, e tomar um drinque. Além de mim, ainda havia um casal ali,
tomando chá.
A aeromoça morena sorriu, charmosa, quando tomei lugar. Perguntou logo o
que eu queria.
Eu preferi um whisky. Scotch ou bourbon?
Eu pedi Scotch. Recusei gelo, levantei o copo e fiquei girando o mesmo na
mão. Tomei aquele líquido dourado, saboreando-o lentamente, e o mesmo logo
depois esquentou-me o estômago. Fazia bem, poder se livrar um pouco da tensão, e
não precisar pensar em mais nada.
Tudo o que eu queria era descansar por uns cinco minutos e fechei os olhos.
O calor agradável do álcool logo tomou posse de todo o meu corpo, e eu não
me sentia propriamente dentro de um avião, mas como se estivesse em minha
própria casa, na sala de estar. Mas não valia a pena sonhar, eu tive que me
contentar novamente com a realidade, e pensei outra vez na tarefa que tinha diante
de mim. Íamos contra Kali, e isso não seria nada fácil.
O livrinho que tínhamos encontrado com os dois indianos, no aeroporto de
Londres, estava no bolso interno do meu paletó. Eu o tirei e o abri. Queria dar mais
uma olhada na deusa da morte, para gravar bem a sua imagem.
Quando abri a página onde podia encontrar o desenho, arregalei os olhos.
A página estava vazia. Kali não existia mais!
***
Esta realmente foi uma surpresa inesperada. E não uma boa, pelo que eu
achei. Uma figura não desaparece de um livro, assim sem mais ntm menos, atrás
disso havia magia. Com isso estavam perseguindo um plano. E eu me perguntei
qual. Quase deixei cair o livro, com o susto. De repente me senti observado, e me
lembrei que, até mesmo aqui, dentro do avião, não estava seguro contra meus
adversários. Estes estavam enfiados em toda parte. Cada um dos passageiros
poderia estar colocado do outro lado.
Eu folheei ainda mais aquele misterioso livrinho. Depois de algumas páginas
encontrava-se o desenho do deus Siva. Este ainda estava ali. Quando depois folheei
de volta novamente, olhando para a página que antes tinha sido decorada com a
deusa da morte, uma coisa chamou minha atenção.
Esta página não estava mais em branco. Quando eu segurava o livrinho um
pouco enviezado e contra luz, ali se cristalizavam algumas letras. Infelizmente
numa escrita que eu não sabia ler. A mesma era usada na Índia.
Fiquei pensando.
Meu olhar caiu na aeromoça, parada atrás do bar. Talvez ela pudesse ler a
escrita, afinal era uma indiana. Será que eu poderia arriscar-me, colocando-lhe
aquele livro nas mãos?
A Deusa da Morte – Jason Dark 35
A maldição da deusa!
As palavras me acertaram em cheio. Eu não entendi o seu significado
separadamente, porém o que eu ouvia parecia cruel e perigoso. Palavras terríveis,
palavras que um ser humano jamais proferiria, a não ser que estivesse possuído,
como agora a comissária.
Alguma coisa se modificara. Era a atmosfera. Ainda há pouco o ar dentro da
pantry me parecera bastante quente, agora ele se refrescara, e nuvens invisíveis,
geladas, pareciam fluir ao meu encontro. Ao mesmo tempo mudou a aparência da
comissária.
Os seus cabelos tomaram um brilho fosco. Eles se levantaram, formando
sobre a cabeça uma confusão incrível de madeixas pretas. O rosto ficou mais largo,
tomando uma expressão indizivelmente má e fria. Por baixo das axilas, de repente
arrebentou o uniforme. Cotos de carne apareceram, que imediatamente cresceram,
formando ali dois novos braços.
O espírito de Kali metera-se na comissária. E era tão forte e poderoso, que a
indiana se transformara, numa caricatura da deusa.
Uma caricatura perigosa...
Uma suspeita terrível tomou forma dentro de mim. A figura do livrinho
desaparecera, e não sei por que estranhos caminhos, devia ter se apossado do
espírito da comissária. Sim, uma outra possibilidade eu não conseguia imaginar.
Ela escancarou a boca.
Tal como com o servo no aeroporto, saiu da mesma uma nuvem vermelha,
uma neblina sangrenta, cujo alvo era a minha pessoa.
Eu peguei de minha cruz. Antes da neblina poder me tocar, ela teve contato
com a cruz.
Sibilou como se água tivesse caído em cima da chapa incandescente de um
fogão. Mal as duas correntes opostas se tinham tocado, a névoa sangrenta se
desmanchou e desapareceu.
Eu entretando peguei o livrinho, coloquei-o sobre uma mesinha e toquei-o
com o meu crucifixo. Meu cálculo estava certo. Novamente um sibilar, a prata
consagrada queimou um buraco na capa, penetrou nas páginas, devorando tudo, e
então o livro se dissolveu.
Para trás ficou apenas uma fumaça azul-preta, que fedia bestialmente, sendo
sugado pelo exaustor. Eu deveria ter destruído este livro maldito já muito antes,
pois neste caso, teria poupado muita coisa à comissária. Assim, entretanto, ela
cambaleou para um lado, bateu contra a parede, e antes que eu pudesse segurá-la,
já fora ao chão.
No primeiro instante temi que ela estivesse morta, curvando-me rapidamente
para verificar.
Não, ela vivia.
Estava pálida, e eu já estava novamente olhando para o seu rosto normal. O
espírito da deusa da morte não apenas saíra da garota, com a destruição do
livrinho, mas a mesma também se normalizara, e já não estava mais possuída.
Eu respirei aliviado, olhei em torno e encontrei uma cadeira desocupada,
onde a sentei. Depois umedeci uma toalha e limpei-lhe o rosto com a mesma.
A água fria ajudou. A comissária abriu os olhos, mostrando-se totalmente
confusa.
— Onde... onde estou? foi sua primeira pergunta. Em segurança —
retruquei.
Só agora ela parecia me notar, e arregalou muito os olhos.
— Quem é o senhor?
A Deusa da Morte – Jason Dark 38
M
andra Korab não era apenas uma pessoa muito rica, mas também
um homem de muitas relações. Nós tínhamos certeza de que, no
aeroporto de Calcutá, não teríamos que nos submeter a longos
controles alfandegários. Eu poderia apostar nisso, e teria ganho a aposta.
Naturalmente desembarcamos junto com os outros passageiros, porém
imediatamente nos pediram para nos separarmos dos outros muitos passageiros.
A comissária ainda me lançou um último olhar. Eu pude vê-la, quando mais
uma vez me voltei rapidamente.
Já de saída, o clima da Índia me afetava seriamente. O mesmo não era
apenas quente, mas também abafado, sufocante. Um clima que, como europeu, era
difícil suportar. E nós, ainda por cima, teríamos que sair à caça de demônios.
No aeroporto reinava uma confusão tremenda. Um turbilhão de gente de
todas as cores. Apesar deste formigueiro humano nós o vimos imediatamente.
Lá estava Mandra Korab.
Muito alto, musculoso. Uma figura de homem. Ele faria boa figura em
qualquer filme de aventuras. E estava sorrindo. A sua boca se alargara, os dentes
rebrilhavam, os braços estendidos, para nos saudar.
Bem-vindos à India! — gritou ele.
Nós nos sacudimos as mãos. Eu não precisei apresentar meus amigos,
Mandra Korab conhecia os dois. O nosso último caso juntos fora em Londres.
Eu o olhei mais detidamente.
— O que foi que você fez com a sua barba? — quis saber.
— Tirei.
— Por quê?
— Simplesmente porque me incomodava. Nós rimos.
A Deusa da Morte – Jason Dark 39
Não.
A Deusa da Morte – Jason Dark 40
Ele tinha razão. Mandra Korab era um homem sem medo. Ele não desistia,
mas enfrentava os problemas. Sempre que pudesse ajudar, ele estava presente. Ele
aproveitava o seu poder e sua influência, para lutar contra as forças das trevas.
Mandra Korab era originário de uma antiga estirpe de marajás. Ainda agora
ele possuía extensas glebas de terra, inúmeras casas e palácios. Mas não era
dessas pessoas que usam o seu dinheiro e a sua influência com fins egoístas. Não,
Mandra Korab colocava-se, a si mesmo e a sua fortuna, a serviço de todos.
Cautelosamente, pois de outro modo era impossível, ele tentava introduzir
reformas. Ele era de opinião que também os pobres tinham direito a uma vida digna
do ser humano. Em crasso contraste a isso, estava o modo de pensar de seus
compatriotas, divididos num sistema de castas, e por isso muitas vezes era
impossível para Mandra executar aquilo que desejaria.
Isso eu não posso dizer. Os Tongs e sociedades secretas, que adoram Kali,
existem sempre, e nunca será possível exterminá-los. Temos que aceitar isso. A isto
junta-se uma coisa, que a maioria das pessoas nem imagina. Kali não existe
apenas uma vez, isso deve ser tido como pressuposto. Esta deusa tem o poder de
apresentar-se em inúmeras figuras. Por todo o país existem templos misteriosos,
nos quais Kali é adorada. Do jeito que você a viu, John, ela se mostra em sua
imagem primitiva. Entretanto também pode aparecer de outro modo. Por exemplo,
como mulher bela com quatro braços ou como monstro. Além do mais ela está sob
a proteção de Siva, e Siva também faz parte dos grandes e poderosos deuses
indianos. Eu esvaziei minha xícara.
Se continuo escutando você desse jeito, parece que você está querendo nos
desencorajar...
O indiano riu.
O que é que eu posso fazer? Vocês querem saber da verdade, e esta eu lhes
comuniquei.
Mas deve haver algum jeito de detê-la — disse Suko. Você
— É isso.
— Uma coisa, entretanto, eu não entendo — disse eu, ao hindu. Como é que
o meu crucifixo conseguiu destruir essa cabeça? E que já passamos por casos, em
que lutávamos contra mitologia estranhas, quando este não foi o caso. Minha cruz
então de nada adiantou. Basta lembrar-me do Junco do Diabo, no qual eu poderia
ter jogado fora a minha cruz, pois de nada valia ali.
— Também eu, neste assunto, só posso adivinhar. Então tente, pelo menos
isso.
— De uma cabeça.
— Isso, naturalmente, era uma explicação. Porém não me era o bastante e foi
o que eu disse.
Mandra ergueu os ombros.
— Antes de mais nada vamos até minha casa. Ali vocês poderão refrescar-se
e descansar um pouco.
Eu sorri.
— Mas preste atenção, para que não nos aconteça a mesma coisa que da
última vez — com estas palavras eu aludia à minha primeira visita a esta terra,
quando, em casa de Madra, fomos atacados por criaturas da magia negra, e eu
pude ver o indiano verdadeiramente em ação.
— Conforme já lhes disse ainda há pouco, é difícil lutar contra a deusa Kali e
seus fiéis. Mas difícil ainda é conseguir informações a seu respeito. Depois do seu
telefonema, eu imediatamente passei a investigar. Eu conheço a cidade e o país, de
modo que sei onde preciso procurar. Eu pude trabalhar, não apenas com as
informações do piloto, mas também consegui encontrar um servo da deusa da
morte, que sabia ainda mais.
— É que existem certos meios de ajuda, com os quais é possível fazer uma
pessoa falar. E foi estes que eu empreguei. Hipnose profunda.
— De modo algum.
O indiano anuiu.
— Isto é uma boa coisa. Com ela você poderia causar danos à deusa.
— Danos? Não, meu caro, eu quero destruí-la. Ela deverá morrer sob golpes
de espada; é isso que pretendo fazer.
A Deusa da Morte – Jason Dark 43
— Em minha casa.
Era o inferno.
Nós rolamos até um estacionamento, que ficava ao lado da casa, branca como a
neve. A mesma tinha diversos andares, na parte traseira um grande terraço, e
diante da casa um passeio de arcadas, e aberturas que serviam de portas, e que na
sua parte superior tinham o formato tipicamente em ogiva.
— Minha casa pertence a vocês — depois ele sorriu, deu-nos mais uma vez as
boas-vindas e acompanhou-nos aos quartos, que ficavam no primeiro andar.
Bill sorriu.
Uma imagem cheia de paz, porém eu sabia o quanto esta paz podia ser
enganosa.
Também pude colocar minhas armas. A Beretta, o punhal, o cama- feu, o giz
mágico, a cruz já no pescoço. Somente a espada eu deixei no quarto. Seria um
estorvo, nestas circunstâncias.
—Vocês querem tomar mais alguma coisa, ou acham que devemos primeiro
preocupar-nos com o informante, para que possam ter uma idéia a seu respeito?
— Com qual dos dois? perguntei.
— Não com Markowe, John. Este dificilmente poderá contar-nos alguma coisa,
porque está acamado, curando a sua febre. O outro agora é mais importante.
Talvez ele possa dar-nos alguns indícios, que possam ser de ajuda mais tarde.
Num quarto vago, o informante fora alojado. Mandra fechara à chave. Trazia a
chave consigo, abriu a porta e empurrou-a para dentro.
Ele estava deitado em cima da cama, e mal era possível reconhecer- se que se
tratava de uma criatura humana.
...
Eu me colocara exatamente por trás de Mandra Korab e pude olhar por cima do seu
ombro. Jamais em minha vida eu esquecerei o que vi, tão horrível era aquilo.
O homem ainda vivia, apesar de realmente dever estar morto, pois as cobrinhas
tinham tomado posse da parte superior do seu corpo, de modo que apenas sua
cabeça ainda sobressaía. O que começava abaixo do pescoço era uma massa de
cobras que se movia e remexia, cobrindo todo o seu corpo.
Não era mais possível ajudar aquele homem. Provavelmente estava cheio de
veneno injetado, só que ainda vivia. Ele inclusive mexeu a boca, rolou os olhos, e o
branco ocular brilhou atrás de suas pupilas escuras.
Ele abriu a boca, depois fechou-a novamente, parecendo que estava querendo
dizer alguma coisa.
Mandra mal tinha dois passos atrás de si, quando o homem começou a falar.
Eu não o entendi, por por umas duas vezes ouvi a palavra Kali, e isto, na
realidade me bastava.
Mesmo aqui, na casa de Mandra Korab, ele não estivera em segurança. A deusa
da morte o alcançara, tendo se vingado terrivelmente do seu servo traidor.
Eu tinha pegado de minha cruz. Bill segurava sua Beretta de balas de prata, na
mão, pronta para atirar; Suko o chicote de demônios.
Nós também tínhamos penetrado mais dois passos no recinto, parando numa
posição de espreita.
A Deusa da Morte – Jason Dark 47
Mandra estava parado ao lado da cama. O homem olhou para ele e nem sequer
estremeceu quando o indiano colocou-lhe a mão direita na testa.
Até mesmo Mandra Korab ficou horrorizado. Rapidamente ele deu um passo
atrás. Um seu olhar nos acertou. No seu rosto espelhava-se todo o seu espanto.
O homem abriu a boca como se mais uma vez quisesse tomar ar. Depois um
grito estridente saiu-lhe dos lábios, o último sinal de vida, que ouvimos dele.
Enquanto o grito ainda tremia ricocheteando pelas paredes do quarto, ecoando
pelo corredor, de sua boca, olhos e narinas saíam diminutas serpentes, que me
lembravam enormes minhocas. Elas se con-torciam para fora, descendo por cima
do rosto estarrecido do homem.
Ele bateu naquela massa que se contorcia e estremecia, combatendo magia com
magia, e conseguiu destruir aquela ninhada. As cobras se desfizeram. A sua
tonalidade colorida desapareceu, elas ficaram cinzentas, repugnantes, e
finalmente tomaram-se negras como piche. Depois elas se dissolveram
completamente.
A assombração passara.
Nós silenciamos e olhamos para a fumaça, que formara uma nuvem por cima do
leito. Ela permanecia ali como uma bola de algodão, sem parecer querer sair dali
levada pela corrente de ar.
Isso significava alguma coisa. E logo vimos o que era, pois no meio da quela
fumaça amarelo-esverdeada formou-se uma cara, que espelhava todo o horror e a
crueldade que representava a deusa da morte.
Ela parecia sorrir, pois conseguira uma vitória. Pegue o chicote — disse Mandra
Korab.
E agora ele golpeou. Nós ouvimos o sibilar das três correias, enquanto
penetravam na nuvem, transformando-a num turbilhão. O rosto desapareceu,
para trás ficou apenas fumaça normal, que também foi levada, quando Mandra
Korab abriu uma janela, de modo a provocar uma ligeira corrente de ar.
Agora sabemos o que vamos ter que enfrentar — disse o indiano, em voz baixa.
...
Tínhamos que rodar devagar. Crianças tinham descoberto nosso carro. Ficaram
correndo, de ambos os lados do Ford, olhando-nos com seus grandes olhos
famintos, através das vidraças corridas. Eram figuras macilentas, envolvidas em
trapos, que provavelmente nunca em sua vida tinham comido o bastante para
saciar sua fome.
Bill e Suko sentiram a mesma coisa. As vezes o repórter mexia os lábios como se
quisesse dizer alguma coisa.
A Deusa da Morte – Jason Dark 49
Desembarcamos.
Imediatamente o calor nos colheu. Nas proximidades do rio era ainda mais
úmido, quase como na floresta tropical. O sol brilhava avermelhado. Descia na
direção da linha do horizonte, para pôr-se pouco mais tarde. Uma escuridão
compadecida então cobriria a terra como um imenso véu.
Ele apontou para a frente. Olhando melhor pude ver o muro, que formava uma
barreira na direção do rio.
Mandra fez que sim, mas logo em seguida sacudiu a cabeça. Uma explicação
logo se seguiu.
Acho que ainda está claro demais. Eu prefiriria esperar até que o sol se tenha
posto totalmente. Então podemos tentá-lo.
Mandra sorriu.
— Tem razão. Vocês vão ficar surpresos, em ver como aqui escurece depressa.
Eu nada tinha para acrescentar. Mandra Korab era que comandava aqui, não
nós.
As crianças não tinham mais nos seguido. Fiquei espantado com isso e
perguntei a Mandra Korab por que.
Não somente os adultos estão por dentro, e sabem que lugares e locais devem
evitar, na medida do possível, mas também as crianças foram vacinadas contra
isso. O lugar ao qual queremos ir é maldito. Daquele lugar, anteriormente sagrado,
fez-se um lugar de assombração. Nem mesmo a polícia aparece por aqui. Os
homens têm medo da maldição da deusa da morte.
pudemos ver um grande terreno vazio, sem utilização. Havia uma espécie de
círculo em volta do local de cremação.
Também Mandra Korab se armara. Ele não trazia apenas uma adaga curva e
curta, mas também alguns punhais, que distribuíra num cinturão especial. Eu
jamais vira este tipo de facas, pois as mesmas tinham lâminas estreitas, pretas,
enquanto os cabos brilhavam num vermelho misterioso. O vermelho não era
pintado, mas brilhava como uma nuvem que vogava de um lado para o outro
dentro do cabo transparente.
— E de onde vieram?
— Garuda? — murmurei.
Garuda e Vishnu.
— Isso vai ser difícil — retrucou o hindu. — E:u, no seu lugar, não teria muita
esperança nesse sentido. Não se pode simplesmente trazer Garuda para cá. Ou ele
aparece, e está repentinamente entre nós, ou permanece no seu reino.
Mandra Korab parou no lugar no qual o terreno subia um pouco, e nós tivemos
que descer um talude lamacento, para alcançar o local de cremação.
O mesmo ficava bem perto da margem do largo rio. Só agora eu vi que os locais
de cremação tinham um telheiro. Minicrematórios, de algum modo. Tinham sido
erguidos com tijolos escuros, eram retangulares e possuíam nas suas testadas
uma entrada aberta, não muito mais larga que uma porta normal. De onde nos
encontrávamos podíamos olhar através das mesmas, vendo do outro lado as águas
amarelas e barrentas do Ganges.
Somente a metade do sol ainda estava visível. Ele parecia metade de uma
laranja avermelhada. Mandava seus raios vermelhos-dourados por cima daquele
tapete de água suja, assim sublimando um pouco a miséria
Suko e Bill tinham parado do nosso lado. Mandra Korab apontou para a frente.
— Na realidade, não — murmurou ele. — Cedo demais, não creio. Tenho certeza
absoluta que os servos se encontram aqui. Normalmente eles já deviam estar por
aqui. O sol já quase desapareceu. Ê estranho, mas não consigo encontrar uma
explicação.
Com isso, aliás, nós inclusive, contávamos. Eu dera a minha espada para Bill.
Depois da suspeita de Suko, ele puxou a arma da sua bainha. O aço um tanto
escuro da lâmina foi atingido pela luz do sol se pondo e rebrilhou, vermelha.
O talude era bastante íngreme. Dois a dois, escorregamos para bai xo. Uma
poeira marrom-amarelada foi lançada para o ar pelos nossos pés, envolvendo-nos,
como uma nuvem, as cabeças.
Por acaso fiquei olhando atrás de duas moscas, que voavam na direção da
construção maior, voltando, entretanto, ainda antes de alcançá-la. Elas nem se
agarraram naquelas paredes ásperas, de tijolos aparentes.
O sol se pôs. E isto foi muito rápido, quase repentinamente escureceu. Era
assim nos trópicos.
Mandra Korab segurava a sua espada pronta para golpear, quando pôs os pés
no primeiro local de cremação. Ele o fez o mais silenciosamente possível, mais
parecendo pairar em pleno ar.
No interior desta grande câmara de incineração ainda estava mais escuro que
do lado de fora. Apesar disso não precisamos de luz, para reconhecermos os objetos
que estavam colocados ali.
Eu senti um calafrio, pensando nisso. Tudo isto pode soar brutal, mas nós nos
encontrávamos numa outra terra, num continente distante, e ali os costumes e
usos são diferentes dos da Europa.
Será que Mandra Korab não teria mesmo se enganado? Ele certamente devia ter
lido meu pensamento, pois quando olhei para ele, sacudiu a cabeça.
— Talvez não devesse mesmo ser uma cilada — achou Bill Conolly.
Isso naturalmente também era possível. Nós só podíamos esperar pelo melhor.
— Vamos dar uma olhada nos outros crematórios — sugeriu Suko. Ele ainda não
terminara a frase, quando ouvimos um leve ruído, vindo de fora.
Passos!
Maldição, gente, olhem só isso! Suko correu para Bill, eu coloquei-me do lado
de Mandra Korab. E todos pudemos ver aquele mesmo quadro.
vermelhos, como brasas acesas. Também estavam armados. Cada adversário trazia
uma espada na mão, formada de um osso branco, muito pontudo...
...
— Estes são os espíritos macabros de Kali. Seus servos mais terríveis e mais
brutais. Podemos esperar algo de muito sério, vindo por aí.
Passos!
Maldição, gente, olhem só isso! Suko correu para Bill, eu coloquei-me do lado
de Mandra Korab. E todos pudemos ver aquele mesmo quadro.
A Deusa da Morte – Jason Dark 55
...
— Estes são os espíritos macabros de Kali. Seus servos mais terríveise mais
brutais. Podemos esperar algo de muito sério, vindo por aí.
— E de onde vêm eles?
Provavelmente eles estavam à espreita nas duas outras câmaras
crematórias.
Não é isso que quero saber. Interessa-me saber a quem eles devem a sua
existência.
Não podemos ficar aqui esperando por muito mais tempo ou vi Suko dizendo.
A mesma me parecia calma como sempre. Entretanto, eu estava certo que também
o meu parceiro tremia interiormente.
— Quer que lhe traga alguma coisa, senhor? Talvez um chá frio vá ajudá-lo.
— Traga-o.
— Não, obrigado.
O criado desapareceu.
Jim Marlowe ficou para trás, sozinho. Ele sentia-se extenuado quando
deitou-se novamente, apoiando a cabeça no travesseiro claro.
A Deusa da Morte – Jason Dark 57
E novamente viu diante do seu espírito aquele vulto que surgira de dentro da
escuridão do templo.
O decapitador!
Ele segurava a sua espada na mão, e no seu peito rebrilhavam três olhos.
Os olhos de Siva!
Jim Marlowe já vivia bastante tempo nesta terra estranha, para saber que
cometera um erro. Jamais devia ter posto os pés no templo da deusa. Até o fim de
sua vida ele nunca mais encontraria paz.
Assim calculava ele, imaginando até que nunca mais escaparia dos seus
pesadelos. Eles voltariam sempre. Noite após noite. Eles certamente...
O decapitador viera!
Ele estava parado na janela. Ou seja, ele devia ter subido pela fachada, pois,
pelo que Jim Marlowe sabia, este quarto ficava no segundo andar.
Mas ele havia chegado, e só isso contava. Estava ali para buscá-lo?
Jim Marlowe acreditava firmemente que aquela fera em forma de gente, com
os três olhos no peito nu, viera para terminar a sua obra.
Como é que ele podia ter acreditado ter chance de escapar do círculo de ferro
da deusa? Não, ela alcançava todos.
Sem piedade...
Depois de já ter metade da distância atrás de si, Marlowe não agüentou mais.
Todo o seu medo descarregou-se num grito horripilante, que ricocheteou pelas
paredes do quarto, espalhando-se para fora do mesmo.
Esse grito também foi ouvido pelo criado, que fora destacado por Mandra
Korab para cuidar da vida do piloto. O seu senhor imaginara que nem tudo
transcorreria normalmente, e tomara medidas de segurança. O cria-do engatilhou
a sua pistola-metralhadora automática, deixou para trás a curta distância até o
quarto com rápidas passadas e abriu a porta violentamente.
Ele viu o hóspede sentado na cama. Com o rosto transfigurado pelo medo, e
as mãos fechadas em punho, olhando para o sinistro decapita-dor parado no meio
do quarto.
Quando quis apertar o gatilho, ouviu o assobio. Ainda fechou os olhos, como
se não quisesse ver aquela coisa horrível, que veio voando na sua direção, depois
não sentiu mais nada.
O piloto sabia disso. Ficou sentado, duro e ereto, respirando apenas pelo
nariz.
A sua vida está em suas mãos falou Sabra, com uma voz oca, arranhada, que
ficaria muito bem no fundo de um sepulcro. Se eu, apesar de tudo, poupar você,
isso tem o seu motivo, Jim Marlowe.
A Deusa da Morte – Jason Dark 59
Os outros. Mas não sou eu quem os quero, é a deusa da morte, Kali. Eles
atrapalharam, pelo menos por enquanto, o seu grande plano, para pôr um pé
também numa outra terra, e tiveram ainda o descaramento de vir até aqui. Através
dos servos de Kali eu sei onde eles se encontram. Eu enviei-lhes os vigilantes da
morte, e vou ficar como espectador dessa luta. Caso esses homens vençam, será a
sua vez de entrar para o plano. Você me entendeu?
Sabra sorriu.
— Isso é bom. E agora ouça-me com muita atenção, pois se você esquecer
uma só palavra, daquilo que vou lhe dizer, a sua vida estará perdida...
U
ma vez que os cruéis servos da deusa da morte nos tinham cercado,
nós nos separamos.
Imediatamente o repórter girou sobre si mesmo. Ele viu Suko, que estava
sendo atacado logo por três adversários, tendo que recuar bastante.
golpes lembravam-me os lutadores de Kendo japonês. Bill via apenas sombras que
giravam, entre elas listras vermelhas e o chinês Suko, que fazia uso de todos os
seus conhecimentos de caratê.
Somente uma vez o chinês conseguiu enfiar a sua mão fechada entre aqueles
olhos de fogo. Imediatamente ele puxou o braço novamente para trás, pois uma dor
violenta atravessou-lhe a mão.
Bill veio em seu auxílio.
Suko cambaleou para o lado.
O que houve? — perguntou o repórter.
— Não toque neles, Bill!
O repórter já vira isso. E viu que uma outra criatura ia se precipitar sobre
Suko.
Bill ergueu a espada.
E então Suko reagiu. Provavelmente a dor tinha atiçado a sua raiva, pois ele
veio como um tufão. E trazendo a sua chibata de demônios.
— Saia do caminho, Bill! berrou Suko, abaixou-se para escapar de um qolpe
rápido com uma seta, e golpeou lateralmente com aquele chicote perigoso.
Acertou dois adversários. As correias abriram grandes buracos nos hábitos
negros. De repente as sombras entraram num turbilhão. Elas não conseguiram
mais manter-se sobre suas pernas, e acabaram indo para o chão, quando brotou
uma fumaça negra de suas roupagens em farrapos, que era levada pelo ar na
direção das margens do rio.
Mais um adversário!
Uma metade foi catapultada por cima do corpo do vulto. Ela ainda não tocara
o solo quando o repórter já saltava para a frente. Desta vez, a espada formava o
prolongamento do seu braço direito. E Bill acertou em cheio.
Bill anuiu para o chinês. Ambos olharam em volta, porém não havia mais
nenhum adversário à vista.
A Deusa da Morte – Jason Dark 61
Oito, exatamente.
Mandra liquidou um, que chegara muito próximo dele, ao alcance de sua
espada. Eu tentei atrair o meu adversário, girei sobre mim mesmo e saí correndo,
na direção da margem do rio, esperando que o sujeito sinistro me seguisse.
Eu o vi, quando lancei um olhar por cima do ombro. Ele tinha esticado o seu
corpo, deslizando como uma sombra por cima do solo, e correu para dentro de
minha cilada.
A Deusa da Morte – Jason Dark 62
Eu corri de volta.
Ainda estávamos com quatro adversários. E estes Mandra Korab tomou para
si. Pela primeira vez vi-o fazendo uso daqueles seus punhais. o indiano estava de
pé, meio inclinado no barranco, tirou um punhal depois de outro do cinturão e
atirou-os contra seus adversários.
E acertava.
O primeiro ele acertou em pleno vôo. Onde o punhal bateu no hábito, mal
podia ser visto, de qualquer modo a criatura foi destruída. Naturalmente não como
com minha cruz. O hábito de repente pegou fogo. Labaredas verdes saíram do
mesmo, e de repente ouvimos gritos. Eram gritos queixosos, baixinhos, que se
desfaziam, como se viessem de algum mundo.
Mandra parecia nem ouvi-los. Ele já estava se ocupando dos outros três. Eu
pude ver o hindu em plena ação, e não podia deixar de reconhecer-lhe o valor. O
que ele conseguia era fenomenal. Nunca parava no mesmo lugar, mostrando-se
sempre em movimento, e atirando os seus punhais mágicos com uma precisão
mortal.
Quando um dos servos quis rachar a cabeça de Mandra com a sua espada, o
indiano jogou-se ao solo, rápido como o raio, rolou sobre si mesmo e logo estava
novamente de pé.
Eu apenas precisei ficar olhando, pois também o resto foi liquidado por
Mandra Korab. O penúltimo ele acertou, quando este quis se virar. O punhal
mágico o destruiu.
Da altura dos quadris, o punhal saiu voando. Atirado com precisão, uma
coisa giratória, que destruiu o servo da deusa da morte impiedosa-mente.
Fim.
Bill e Suko riram, enquanto Mandra apenas anuiu, para logo começar a
recolher os punhais. Ele os fez desaparecer no seu cinturão especial.
Mas não mais que isso, pois Mandra Korab preveniu-nos imediatamente.
— Estas criaturas, em princípio, não são fortes — falou ele. — Kali apenas os
mandou na frente para testar-nos. Eles, sozinhos, não estavam em situação de
produzir qualquer tipo de magia, e podemos tranqüilamente descrevê-los como
subordinados, executores de ordens. Se naturalmente eles encontram alguém
desarmado, este não tem qualquer chance, mas nós simplesmente fomos melhores.
Era uma afirmação, que realmente estava certa — Okay, nós tinhamos
liquidado os servos, mas na realidade isso não nos aproximara em nada de nossa
meta. Podia-se olhar aquelas criaturas como uma espécie de entulho, apenas, pois
Kali vivia como antes.
Mas nós temos que chegar a ela — murmurou Bill, olhando-nos um depois
do outro. Alguém tem alguma idéia?
Mandra olhou em volta. Ele não parecia ter ouvido a pergunta de Bill.
Mandra sorriu.
— Bill, esta sua suposição é um erro. Você parece não conhecer muito bem
os demônios hindus. Nenhum deles jamais perde tempo com amuos. Pense bem.
Eles nos enviaram diversos avisos. Especialmente a vocês. Isso ja começou em
A Deusa da Morte – Jason Dark 64
Londres, continuou durante o vôo e agora aqui. Não, meu amigo, ainda vamos ter
combates muito duros, pode contar com isso. Da próxima vez, eles serão mais
cuidadosos, Bill.
mos o macabro local das cremações, que quase se tornara uma armadilha
mortal para nós.
— Exatamente.
Diacho! Nele nós nem tínhamos pensado. Aliás, ele também não tomara
parte na luta.
— Não, para falar a verdade, não. Porém existe uma antiga lenda. A deusa
Kali costuma rodear-se de inúmeras criaturas, entre as quais estes seres de
sombra, que acabamos de liquidar. De acordo com a lenda ela deve ter um
guarda-costas. Este homem ou demônio, seja lá o que for, diz chamar-se Sabra.
— Correto, John. Simplesmente tem que ser ele. Turbante branco, torso nu,
os três olhos no peito, não vejo outra possibilidade, sinto muito.
— Uma cilada? — Bill deu de ombros. — Eu não sei muito bem, se isto ainda
valeria a pena. Pois ele deve ter visto o que fizemos com os servos. Eu acredito
mesmo que ele deve ter se recolhido em algum lugar, amuado.
simplesmente um fogo aceso. Em volta do mesmo podiam ver-se as pessoas
sentadas, à claridade bruxuleante. Eles mais pareciam seres fantasmagóricos, que
tinham se perdido por aqui.
O mais difícil ainda tínhamos pela frente. Com quase cem por cento de
certeza, teríamos que penetrar na floresta tropical, no jângal indiano. Por sorte
havia um piloto de nome Jim Marlowe. Ele poderia indicar-nos o caminho, pois já o
voara uma vez.
Dentro de casa tudo estava quieto. Atrás de algumas janelas havia luz acesa.
Certa vez vimos a sombra de um criado deslizar sobre o retângulo iluminado.
Algum perigo, por aqui realmente não parecia nos espreitar. Pelo menos era
isso que pensávamos.
Jim Marlowe assentiu com a cabeça. Cada um de nós pôde ver o suor na sua
testa, e também no seu rosto muito pálido.
— Fale!
Ele... ele matou um dos seus criados. Com uma espada, ele cortou-lhe a
cabeça.
Agora aquilo fora dito. Por um momento ficamos parados ali, estarrecidos,
horrorizados. A crueldade dessa criatura nos chocou profundamente. Ele matara
um homem totalmente inofensivo, apesar de não ter nenhum motivo para isso.
Eu não tinha muita certeza disso. Em noventa e nove por cento dos casos,
demônios e criminosos tinham algo em comum. Eles nunca faziam alguma coisa
sem motivo, mesmo que estes motivos pudessem ser diferentes entre si, eles
sempre existiam.
caso.
Quando Suko alcançou a saída, não viu mais nem um fio de cabelo de Jim
Marlowe.
O chinês não cometeu o erro de parar na porta aberta. Flexível, ele virou-se
para o lado, para não ser atingido pelo clarão das luzes externas.
Ele queria pegar Marlowe.
Diante dele, o jardim escuro. Havia naturalmente algumas lanternas acesas,
mas ficavam tão distanciadas entre si, que suas fontes de luz mal eram
reconhecíveis. Somente um clarão aparecia de vez em quando por entre as flores,
ou pairava fantasmagoricamente sobre o gramado muito verde. Dentro de casa
ainda estava a criadagem. Suko não queria intrometer esta gente no caso. Ele
realmente não sabia de que lado eles estavam.
O chinês movimentou-se para a frente, abaixada Os animais noturnos, que
também existiam neste jardim, tinham acordado para a vida. Ruídos estranhos
envolviam o chinês. Havia grasnados e chiados, um retum-bar e coaxar, mas tudo
só abafado, como se a escuridão atuasse como
Suko era um homem que sabia integrar-se a natureza. Ele chamava isso de
adaptação. Concentrou-se muito, e conseguiu praticamente eliminar os ruídos da
noite. Deste modo, ele podia concentrar-se inteiramente no seu adversário, que
infelizmente não sabia onde estava escondido.
Que Jim Marlowe estava com a consciência suja, não havia mais dü-vida.
Caso contrário ele não teria fugido. Na opinião de Suko, o piloto devia ter recebido
uma visita na ausência de Mandra. E esta visita conseguira fazer com que ele
bandeasse para o seu lado.
Esse tipo de coisa era muito fácil para os demônios. Certamente esse tal
Sabra dera-lhe uma sangrenta demonstração de sua força. Suko acreditava que
Marlowe não inventara a história do decapitador. Sabra realmente devia ter-lhe
aparecido.
O gramado macio podia ser uma vantagem, mas também uma desvantagem.
Ele abafava os passos demais. Suko mal poderia ouvir o seu amigo muito especial
O chinês tomara cobertura atrás das plantas do canteiro. Ele gostaria agora
de ter os olhos de um gato, pois com seus olhos normais a escuridão não se deixava
penetrar.
De sua posição agachada, Suko deixou-se cair ao chão, rolou sobre o seu
próprio eixo, e de repente segurava a Beretta pronta para atirar, esperando para
disparar.
A Deusa da Morte – Jason Dark 69
Fora apenas um pequeno animal que passara. Tal rápido que o chinês nem
conseguira identificá-lo.
Com toda a certeza o piloto o escutara. Só que não respondeu. Em vez disso,
na casa, abriu-se uma janela, e a cabeça de um criado apare ceu. Ele trazia,
inclusive, uma arma na mão, que agitava ao ritmo dos mo
Suko não estava com vontade de levar um balaço pelas costas, por isso gritou
para o homem: — Não faça confusão, e fique dentro de casa.
Imediatamente o cano da arma foi levado na direção de Suko. O homem
respondeu alguma coisa em hindi, que Suko não entendeu, depois bateu a janela.
"Espero que tenha entendido", pensou Suko. Novamente ele fez uma
tentativa.
- Ei, Marlowe, não faça besteiras. O senhor não vai conseguir sair daqui ileso.
Eu quero apenas uma informação sua. Todo o resto não me interessa. Vamos
esquecer o que aconteceu ainda há pouco. Se quiser ainda salvar alguma coisa,
trabalhe em cooperação conosco. Isso realmente é melhor!
Mas Suko então já ia em pleno ar. Uma perna esticada para a frente e
também o braço direito.
Como o saudoso Bruce Lee, na sua melhor época, Suko atacou o garoto com
a arma. O pé de Suko acertou o pescoço do homem lateralmente, atirando o criado
ao chão. Este perdeu a arma, girou sobre si mesmo e ficou esticado.
Inconsciente...
Suko anuiu e apanhou a arma. Não queria destruí-la, por isso atirou-a num
matagal, onde certamente seria encontrada mais tarde.
Suko teve que rodear o grande canteiro, correu alguns passos, viu uma
árvore muito frondosa e abaixou-se para passar sob os seus galhos cheios de
folhas.
Algumas folhas, nisto, bateram no seu rosto. Na sua parte inferior havia um
líquido xaroposo, de modo que duas destas folhas se colaram no rosto de Suko.
De algum modo ele conseguiu frear a sua corrida, antes das cobras o
tocarem. Ele girou sobre si mesmo, e começou a gritar estridentemente. Durante a
fuga ele tropeçara em um declive, artificialmente construído, acima. Quando se
virou, sentiu dificuldade de manter o equilíbrio. Ele sentiu a perna direita falhar, e
A Deusa da Morte – Jason Dark 71
acabou caindo. Dando voltas sobre si mesmo, rolou novamente declive abaixo. E
ele também sabia que aqueles dois terríveis demônios não mais o deixariam
levantar-se. Ele devia ter dado ouvido a pessoa que o chamara. Agora era tarde
demais, para ficar pensando nisso. Os demônios seriam mais rápidos.
Marlowe parecia tão fascinado com o que estava acontecendo, que nem
chegou a ver quando o chinês atacou a segunda criatura.
Com esta o jogo não foi tão fácil. A mesma era rápida como um dervixe,
sempre conseguindo desviar-se dos golpes do chicote. Depois subiu bastante, deu
um grito estridente e de repente estava por cima do chinês. Este não era menos
hábil na luta, abaixou-se, girando o braço ao mesmo tempo em que golpeou com a
chibata, fazendo girar as correias sobre a sua cabeça. Deste modo pretendia atingir
o demônio.
Jim Marlowe, que já passara por muita coisa e que dificilmente podia se
espantar com alguma coisa, gemeu alto. O chinês conseguira eliminar um
adversário, porém no segundo ele teria que fracassar, pois agora ele estava
desarmado, enquanto aquele perigoso ser com seus braços em forma de serpentes
se lançava sobre ele.
E então Jim Marlowe pôde ver em ação um homem, como até agora só vira no
cinema. Um lutador de caratê, fantasticamente rápido e ao mesmo tempo frio como
gelo, que encolheu o corpo, formando um alvo o menor possível, e como se tivesse
sido atirado por uma catapulta, voou para cima.
A Deusa da Morte – Jason Dark 72
O movimento do seu braço direito mal pôde ser seguido pelos olhos, porém o
golpe recebido pelo demônio, não era de desprezar. Com este golpe, Suko
certamente teria destruído um monte de telhas, umas sobre as outras, não
podendo destruir o demônio com o mesmo, mas pelo menos mantê-lo tão longe de
si, que este nem pensou em logo atacá-lo novamente.
Ele foi levantado e atirado alguns metros para o lado, para sair rolando em
cima do gramado.
Suko trincou os dentes. Novamente a sua mão doeu, como se ele a tivesse
colocado sobre uma chapa de fogão incandescente. Os corpos dessas criaturas
realmente eram quentes. Ao serem tocadas, queimava-se a carne das mãos.
O chinês não podia permitir-se uma pausa, pois o seu adversário pusera-se
novamente de pé.
Desta vez, entretanto, ele não atacou Suko, mas Jim Marlowe. Ele fazia
questão de executar a sua tarefa.
Corra, saia daqui! — berrou Suko.
Marlowe não o ouviu ou não quis ouvi-lo. Como pregado ali, ele estava de
cócoras sobre o gramado, vendo aquela criatura sinistra aproximar-se cada vez
mais dele.
Dentro de um segundo, Suko teve que tomar uma decisão. Ele naturalmente
poderia pegar o seu bastão, e com o mesmo parar o tempo. De pois disso, porém
sempre demorava um pouco, até que o bastão se regenerasse. E como Suko não
sabia o que ainda tinha pela frente, resolveu-se pela segunda possibilidade.
Arrancou a chibata de demônios dos galhos da árvore, levou o seu braço por
cima do ombro, para trás, fez mira e atirou o chicote exatamente em cima da
criatura em fuga.
E Suko acertou.
As três correias bateram lateralmente contra o demônio. Ele parou, no meio
da corrida, gritou como um animal, e jogou ambos os braços — serpentes para
cima. Depois caiu ao chão, com estrondo.
Ele morreu como o seu comparsa, depois que o corpo tinha segre-gado
aquele líquido vermelho.
Suko respirou fundo. Conseguira sobreviver àquela luta. E não fora nada
fácil.
— Tudo isto poderia ter sido bem mais fácil para o senhor, disse ele.
Jim concordou com a cabeça. Estava pálido e tremia muito. Suko estendeu o
braço e ajudou o piloto a levantar-se. O mesmo ficou parado, ainda meio
cambaleante, precisando ser apoiado.
— Foi terrível disse ele, chegando a soluçar nervosamente. Eu... eu não podia
fazê-lo diferente, creia-me...
A Deusa da Morte – Jason Dark 73
Logo vamos determinar isso — Suko apontou para a casa. — Mas não aqui.
— Okay.
— Dá para o gasto.
— Para onde?
O piloto empalideceu.
— Logo veremos.
Naturalmente, essa era a solução. Suko parou bem no meio do recinto. Ele
teve presente mais uma vez a situação, que encontrara com os outros, quando
pretendiam entrar naquele quarto. De repente aparecera aquela sucção perigosa,
que tinha agarrado três deles, arrastando-os consigo. Arrastados para onde?
E uma dessas viagens no tempo John, Bill e Mandra Korab deviam ter atrás
de si.
Isto Suko precisava descobrir de qualquer jeito, e Jim Marlowe teria que
ajudá-lo nisso.
— Naturalmente.
— Pois eu explico. Mas não aqui. Venha, vamos sentar-nos em algum lugar
— eles foram sentar-se no grande vestíbulo, cujo teto era amparado por colunas, e
onde grossos tapetes abafavam o som das vozes.
Suko quis saber exatamente o que Jim Marlowe experimentara. Sa-bra viera,
fizera a proposta ao piloto, e Marlowe acabara aceitando-a.
— Não.
— E o senhor não tem a menor idéia para onde meus três amigos podem ter
desaparecido?
O piloto entendeu.
— Exatamente.
— Isso não existe — Jim bateu com a mão espalmada na testa. — Isso, para
mim, é impossível, realmente. Eu ainda acabo maluco aqui. Eles não podem
simplesmente entrar nesse quarto aqui, e depois reaparecer, sem mais nem menos,
num outro lugar, bem diferente.
Suko anuiu.
A Deusa da Morte – Jason Dark 76
— Podem, Mr. Marlowe, eles podem. O senhor já vive tempo suficiente nesta
terra, para poder compreendê-lo. Lembre-se dos magos, gu-rus, dos feiticeiros e
contadores de lendas, bem como dos encantadores de serpentes. Isto, por acaso, é
natural?
Suko falara muito sério e com intensidade. Marlowe baixou a cabeça. Olhava
o bico dos seus sapatos, depois ergueu os ombros.
— Eu tenho outra escolha?
— Pelo que sei, Mandra Korab possui um avião. Com este podemos partir. A
pista de pouso faz parte dos seus terrenos. Não há problema.
— Mas eu não vou reencontrar o lugar. Além do mais, está escuro. Tente voar
no escuro por cima da floresta tropical. E também não posso pousar ali.
— Neste caso vamos em frente retrucou Jim Marlowe, como num anúncio de
tevê, e levantou-se.
Jamais ele temera um vôo. Ele nem conhecia, uma coisa dessas. Mas agora
suas pernas tremiam. Ao contrário do chinês, Jim Marlowe não acreditava que a
excursão acabaria com sucesso. A sepultura de ambos, no jângal, certamente já
fora previamente cavada...
A Deusa da Morte – Jason Dark 77
T
oda viagem entre as dimensões sempre era um tanto diferente. O
princípio era o mesmo, porém nas diferentes viagens, sempre se tinha
impressões novas e diferentes.
Neste caso especial eu não notei absolutamente nada. Não vi vultos, nem
demônios, nada de estrelas, nada de sóis. Somente uma profunda escuridão, que
de algum modo parecia existente, pois repuxava e se agarrava ao meu corpo.
Apesar de tudo, não era possível avaliar alguma velocidade. Eu não sabia se
aquilo era um deslizar ou uma corrida louca, de qualquer modo, notei que a viagem
de repente foi interrompida.
No destino?
Eu abri os olhos.
Nenhuma dor, nada de cabeça inchada, mas eu vi uma luz mortiça, que
brilhava vermelha e dourada ao mesmo tempo.
De onde vinha?
A resposta a esta pergunta foi adiada para mais tarde, pois perto de mim ouvi
um praguejar ranzinza. Pela voz reconheci meu velho amigo e especialista, Bill
Conolly.
Tive que sorrir. Aquilo era típico de Bill Conolly. Era difícil que perdesse o seu
senso de humor. E no céu nós certamente não estávamos. Ali, com toda certeza,
não devia ser como aqui.
mágico. Bill estava com a espada, Mandra Korab tinha seus punhais mágicos, que
já uma vez nos tinham ajudado muito.
Se olhássemos tudo por este lado, podíamos olhar o futuro com certo
otimismo, apesar de nos encontrarmos no quartel-general da parte contrária.
Bill caminhou alguns passos, depois recuou, rápido. Ele virou-se e nós
pudemos ver que ele tinha o rosto espantado.
— Alguma coisa está errada por aqui — a voz de Bill, parecia de quem estava
à espreita.
— E o que é?
Apesar do salto no tempo, ele não parara, porém já se tinham passado horas.
Cinco, exatamente!
Bill novamente caminhou adiante. Ainda não notamos nada, mas vimos que
seus passos se tornavam arrastados, como se tivesse correndo contra algum
obstáculo, que visivelmente tinha sido armado no alto. E havia somente uma única
entrada. Mais adiante, onde a luz reverberava num vermelho dourado. Ali nós
podíamos entrar e sair.
— Maldição — praguejou ele. — Parece que minha cabeça está com o dobro
do seu tamanho. E eu, afinal, não bebi nada, e também não aspirei gás.
Gás!...
A Deusa da Morte – Jason Dark 79
— É isso, Bill! gritei-lhe. Eles estão soprando gás para dentro da caverna, um
gás que deverá nos debilitar.
O teto ficava bastante alto por cima de nós, desaparecendo inclusive dentro
da escuridão. Apesar disso vimos os longos fios, que se destacavam do alto, e
lentamente deslizavam para baixo, para cima de nós.
Com ambas as mãos segurei o cabo. Mordi os dentes tão fortemente que
chegaram a ranger e tentei levantar a espada. Com ela eu queria destruir os vermes
vermelhos, que deslizavam para baixo.
Também Mandra Korab tentou-o, empregando para isso toda a sua força.
Nele aconteceu o mesmo fenômeno que comigo. Também ele não conseguiu mais
erguer os braços.
A ponta de minha espada pairava meio palmo acima do chão, mais que isso
simplesmente eu não conseguia fazer. Eu tossia, reuni todas as minhas forças, e
continuei tentando, pois não queria desistir. Mais uma vez eu me espichei, e vi
novamente aos fios deslizarem para baixo, vindos do teto. Eles me lembravam de
compridos vermes vermelhos ou também serpentes, e de suas bocas diminutas
fluía esse gás vermelho, que se espalhara como uma rede gigantesca e com cada
inspiração penetrava mais profundamente nos nossos pulmões.
Minhas pernas falharam. Logo eu iria cair, e tive que me apoiar na minha
espada. Eu estava parado ali. Cambaleante, como uma criatura humana bem
A Deusa da Morte – Jason Dark 80
De nós três eu ainda era o único que estava de pé, mas também apenas
porque conseguia me apoiar no cabo de minha espada.
Até à tanga de couro, ele estava nu, mas sobre a sua cabeça havia um briho
branco.
Um turbante!
E ele segurava a sua espada na mão, enquanto vinha ao meu encontro. O seu
rosto era uma máscara, na qual o sorriso diabólico parecia congelado.
Novamente uma nuvem vermelha pairou em minha direção. Ela era demais.
O último golpe, que me levou ao chão. Não consegui mais me segurar, nem mesmo
no cabo da espada. Lentamente caí para a frente.
Exatamente na direção do decapitador! Diante dos pés dele fiquei caído, mas
isso eu já não percebi mais...
A Deusa da Morte – Jason Dark 81
O
aparelho está em ordem — verificou Jim Marlowe depois de
um exame do avião. — E é até um Cessna, conforme já disse.
— Então está tudo em ordem — disse Suko Quando podemos
partir?
— Sim, acho que é isso disse ele, apontando para um ponto ao oeste de Calcutá.
— Por que acha isso?
— Muito simples. Eu recalculei. Na minha fuga, acabei ousando na margem do
rio, e também pude ficar sabendo o nome do rio. É aqui — com o indicador ele
seguiu uma linha azul.
— Isso naturalmente é bom disse Suko. — Então vamos.
Com velocidade máxima, eles voaram para o oeste, na direção das montanhas.
Fizeram ainda uma escala, para apanhar combustível.
Suko já estava com o pára-quedas afivelado, Jim Marlowe voava bem Algumas
vezes ele tinha tentado fazer com que o chinês desistisse de sua intenção, porém
Suko não o ouvira. Nisso, ele não conhecia nenhum perdão.
Noite tropical como num livro de gravuras. Normalmente Suko teria dado mais
que uma olhada naquilo, porém a sua tarefa era mais importante. Ele não sabia se
os seus amigos ainda viviam, e também não sabia se eles realmente era
prisioneiros no templo da deusa.
Ao olhar para baixo não via luz alguma. Mas imaginava que lá embaixo ficava o
perigoso paredão do jângal. Jim Marlowe não podia voar por contato visual, ele
tinha que confiar totalmente na sua eletrônica, que tinha sido embutida no
aviãozinho. Mandra Korab não tinha poupado nisto, o que agora era-lhes de
grande vantagem.
— Por favor, avise-me com bastante antecedência quando posso saltar exigiu
Suko.
A Deusa da Morte – Jason Dark 82
— Claro.
Passaram-se outros minutos. Certa vez Suko achou ver uma luz que se movia.
Ele chamou a atenção de Jim para a mesma, porém este também já a tinha
descoberto.
Marlowe sorriu.
— Exatamente.
— Isso tudo não é mais tão difícil como antigamente, onde mal se tinha ajuda
eletrônica. Nós também não tínhamos holofotes de busca, como hoje. Em total
escuridão tínhamos que voar por cima do jângal, procurando nosso destino. Isso
era um verdadeiro show, posso garantir-lhe.
— Mesmo assim, é preciso ser capaz.
Jim sorriu.
— Acha mesmo? — e então o seu rosto ficou sério. — Uma outra pergunta,
mister, como é que o senhor vai voltar novamente, presumindo- se que realmente
consiga alguma coisa?
Nós daremos um jeito de alcançar o rio a pé, como o senhor também já o fez.
Já chegamos?
Isso é bom, e não preciso lhe dizer tudo que aprendemos como
piloto.
Suko examinou seu equipamento. Estava tudo nos lugares certos. O cinto
estava apertado, o páraquedas dobrado, conforme as prescrições. Na realidade
nada poderia dar errado.
Suko girou na sua poltrona. Ainda havia um sorriso nos seus lábios.
— E preste atenção para não aterrissar na copa de alguma árvore muito alta,
ficando dependurado ali. Isso pode ser uma chateação.
A porta estava aberta. Através da abertura, o vento assobiava. Era mais frio que
no solo, e desgrenhou os cabelos de Suko. Ele e Jim tinham combinado um sinal.
Somente quando o mesmo fosse dado, Suko devia saltar.
Suko entendeu.
Por um momento ele olhou para baixo. Aquilo parecia sinistro, exatamente
porque não via coisa alguma. Nenhum caminho, nenhuma estrada, nenhum rio e
nenhuma luz...
Ele caía.
Nos seus ouvidos parecia uma cascata. As roupas esvoaçavam, o vento brincava
com ele, agarrava-o, jogava-o de um lado para outro. Suko esticou pernas e braços.
A argola!
Suko puxou no lugar certo, que ele anotara mentalmente muito bem.
Um solavanco! Um puxão!
De repente e com uma força incrível ele acertou Suko sob as axilas. 0 chinês
quase gritou de júbilo, pois por cima dele alguma coisa branca foi atirada para o
alto, desdobrando-se logo num grande cogumelo branco.
Ele continuava não vendo nada, ao baixar a cabeça, olhando para baixo. Além
do mais, ele se achava bastante indefeso nesta posição, pois mal podia influenciar
no restante de sua viagem. Apenas através de movimentos bruscos, pendulares e
girando o corpo.
Medo ele não sentia. O chinês fazia parte destas pessoas que conseguiam
desligar este sentimento. Ele concentrou-se totalmente no pouso.
Uma sombra ainda mais escura. A terra era cheia de colinas, já quase
montanhosa, e as árvores não cresciam numa altura regular.
Também Suko foi tomado por uma tensão. Onde ele iria aterrissar? Talvez ele
penetrasse no meio de uma horda de macacos dormindo, assustando-os,
acordando-os.
As árvores!
Ele as via mais nitidamente. Elas pareciam um paredão negro, contra o qual ele
teria que se chocar. Instintivamente o chinês encolheu as pernas. Só mais
segundos, depois...
O choque!
Mais macio do que fora esperado, no primeiro momento. Mas então tudo
começou. Ramos quebraram, também galhos menores, outros cediam. Suko
fechou os olhos. Ele encontrava-se dentro de uma confusão de ramos, galhos e
cipós muito lisos. Aquilo batia no seu rosto, chicoteava- lhe o corpo, abria-lhe a
pele, e de repente os arredores se encheram com gritos estridentes, como somente
macacos são capazes de gritar quando estão agitados, e querem avisar seus
semelhantes.
A Deusa da Morte – Jason Dark 85
Por cima dele rasgou-se, com um barulho irritante, a seda do pára- quedas. Muito
ao longe, pareceu-lhe ouvir um ronco. Depois a luz de um holofote branco passou,
pela fração de segundos, por cima dele. Jim havia ligado o holofote de busca, e
Suko pôde ver que estava dependurado dentro de uma confusão de galhos. Ele
precisava tentar ganhar apoio para os pés em algum lugar, caso contrário estaria
condenado, como os pá raquedistas, que ficavam dependurados, batendo com as
pernas, muito acima do solo, sem poder sair dali.
Um último puxão. Mais uma vez o pára-quedas cedeu, e então o chinês ficou
dependurado, sem se mexer.
Tinha conseguido.
Ele deu-se cinco minutos, para livrar-se da tensão. Depois tinha que
prosseguir. Suko ficou admirado de como era simples sair de dentro do
páraquedas. Depois de tê-lo conseguido, ele começou a descida pela árvore.
Lentamente escorregou para baixo. Suko escolhia sempre os galhos mais fortes,
que agüentavam o seu peso. Duas vezes quebraram, e o chinês só conseguiu
segurar-se, porque rapidamente se agarrara a um outro galho por perto.
Levou alguns minutos até finalmente atingir o solo. Suko pulou para baixo. Ele
ainda vestira botas, e isso era bom, pois o chão era úmido e pantanoso.
O chinês tinha uma bússola. Além disso, um mapa. Jim Marlowe realmente
tinha lhe arranjado tudo que era importante. Apesar disso, era um jogo de sorte,
encontrar aquele templo no escuro.
A Deusa da Morte – Jason Dark 86
O jângal mais parecia uma estufa. Isto Suko notou logo depois de ter deixado os
primeiros metros atrás de si. Logo as suas roupas pareciam soltar vapor, e
inúmeros insetos, atraídos pelo claro facho de luz, dançavam à sua volta,
procurando exatamente a sua cara, como lugar de pouso preferido.
Com o facão o chinês abriu uma picada. Era mais uma machadinha curta, mas
tremendamente afiada. Suko adiantava-se bem e parou, quando diante de si ouviu
alguma coisa rumorejar.
Aquilo era o rio, do qual Jim Marlowe falara. Pouco depois, Suko viu confirmada
a sua suspeita. Alguma coisa clara rebrilhava através da confusão do mato baixo. E
agora começou outra fase também difícil. Suko estava parado na margem, olhou
para as águas que rebrilhavam e agora teria que seguir o caminho de volta, que Jim
Marlowe tinha seguido. Aquilo seria um trabalho dos diabos.
O chinês era um otimista. Quem não ousa, não ganha, pensou ele e pôs-se a
caminho.
Talvez Suko jamais tivesse encontrado o templo, sem todos os meios de auxílio
de que dispunha, se não tivesse tido sua atenção chamada para aquele clarão
vermelho.
Isso não era normal e deveria significar alguma coisa. O templo se encontraria
ali?
Suko manteve exatamente aquela direção. Agora mais rapidamente que antes,
ele prosseguiu o seu caminho. Com o facão ele abriu a picada, trabalhando
furiosamente, sem tirar os olhos nunca daquele clarão.
Quanto mais ele penetrava na selva, mais intenso ficava aquele clarão. E
depois, praticamente sem transição, ele alcançara o seu destino. De repente
abriu-se, à sua frente, aquele paredão verde. Suko tinha uma visão livre do templo.
Realmente um fenômeno!
Suko não cometeu o erro de sair logo correndo. Antes de mais nada, ele olhou
em torno.
Pelo que podia ver, diante do templo e nas suas laterais não havia nenhum dos
seus adversários à espreita. O chinês estava totalmente sozinho. E dos seus três
amigos ele também não via nenhum rastro. Se eles estavam aqui, então estariam
no interior do templo.
No seu bolso lateral, assim como o bastão herdado de Buda. Estas armas
seriam suficientes para destruir Kali?
Era ocioso ficar pensando nisso durante muito tempo. Experimentar era melhor
que estudar, por isso o chinês decidiu entrar logo no templo.
Mal ele dera um passo além do umbral, quando viu aquela cortina vermelha.
Suko realmente apostara no cavalo certo, pois o seu sucesso deu-lhe razão.
Da lanterna ele não precisou. O clarão que vinha do interior do templo era mais
que suficiente para que ele pudesse orientar-se. Diante de si Suko viu um corredor
bastante comprido, mas também bem largo, que no seu fim terminava numa
parede. De qualquer modo parecia assim, do ponto onde Suko se encontrava.
O chinês lutava há bastante tempo contra os poderes das trevas, paro também
sentir o terror que espreitava neste templo. Não era possível tocá-lo ou vê-lo
simplesmente estava ali, existia. Como espírito invisível acompanhou Suko no seu
caminho para o interior do templo.
Suko viu-o, abruptamente. Ele apareceu ali onde o corredor terminava. Por um
momento o chinês parou e olhou na direção do vulto. Era um homem.
No seu tórax nu viam-se três olhos. Uma tanga, cobrindo-lhe o sexo, o turbante
branco e a espada.
N
ossa situação era ruim.
Não era ruim, era péssima! Pois não tínhamos como nos defender.
Apesar de não estarmos nem amarrados nem algemados, mesmo assim estávamos
dominados pela deusa.
E com três deles nos agarrara. Mãos gigantescas nos seguravam pela cintura.
Conseguíamos nos mexer, encolher e esticar pernas e braços, mas isso não
adiantava muito: a deusa, afinal de contas, era mais forte.
A mim, o braço direito da deusa mantinha agarrado. Era aquele que lhe saía do
ombro. Eu pairava muito alto acima do solo, e se aquela mão me soltasse de
repente, e eu caísse lá embaixo, era muito possível que acabasse quebrando o
pescoço.
Mandra Korab não estava em situação melhor. Ele fora agarrado pela mão da
deusa que lhe saía do ombro esquerdo. Ao erguer a cabeça, eu podia vê-lo. A
expressão do seu rosto me pareceu decidida. O que me mostrava que Mandra
Korab não pretendia desistir de modo algum.
E Bill?
Eu só precisei olhar para baixo para vê-lo. Ele tinha sido envolvido pelo terceiro
braço da deusa, enquanto, por baixo dele, no chão pedregoso, estava caída a
espada de Destero.
E eu também vi a deusa.
Não, entretanto, na cor com que a vira na figura do livro. Não, aqui ela brilhava
dourada, e uma remota semelhança com o Buda Dourado chamou minha atenção.
Também ele era uma figura monumental, que entretanto vivia.
Apertados dentro daquelas grandes mãos douradas, nós éramos seguros com
tanta força, que era praticamente impossível alcançarmos nossas armas. A única
chance provavelmente era a minha cruz, mas ela seria capaz de enfrentar as forças
da deusa da morte?
Era o degolador!
Ele riu, quando nos viu. Seus olhos brilharam, e também a tatuagem no seu
peito rebrilhou num fogo sombrio.
A Deusa da Morte – Jason Dark 90
— Fòi por isso que eu esperei — disse ele. — Eu sabia que vocês viriam, e os
recebi condignamente. Vocês conseguiram matar os servos da morte de Kali, não
foi difícil, concordo, mas agora que a própria deusa os tem em suas mãos, vocês
estão perdidos ele deu uma gargalhada, muito alta e selvagem. O eco reverberou
através da gruta, e no instante seguinte ele caiu de joelhos, diante da deusa.
E Kali obedeceu.
Ela se transformou. Como se retirada por uma mão mágica, desapareceu a cor
dourada do seu corpo. Dando lugar ao seu verdadeiro aspecto horrendo e cruel.
Negra como a noite, agora era a sua pele. Vimos aquele rosto grande, feio,
maldoso, os cabelos escuros, desgrenhados, dentro dos quais se distribuía sangue
mal coagulado, e de repente vi até o sangue escorrendo para cima de mim e dos
corpos dos meus amigos, porque a deusa também mostrava agora mãos
ensangüentadas.
Kali existia e vivia realmente! Não era apenas uma imaginação dos servos, não
era uma lenda, nós a viamos diante de nós, e além do mais estávamos em seu
poder.
Uma fumaça verde e parecendo um vapor espesso, saiu da mesma. Por sorte ela
não nos envolveu, mas subiu para o teto, onde se espalhou.
Sabra levantou-se. Ele puxara a sua espada e a girava de modo selvagem por
cima de sua cabeça. Eu temi por Bill Conolly, pois a ponta da lâmina passava
muito perto do seu rosto.
Kali, deusa da morte, da noite e das trevas! gritou Sabra. Eu lhe trouxe estes
homens, porque eles não acreditam em você. São sacrílegos, pessoas que querem
matar e banir você. Agora eles estão nas suas mãos, em seu poder. E eu, Sabra,
A Deusa da Morte – Jason Dark 91
vou me vingar deles. Eu os decapitarei, para que suas cabeças possam alargar
ainda mais o seu colar. Três novas cabeças a tornarão ainda mais forte, levando-a
bem para o alto na escala dos supremos demônios. Pois estes três são seus
inimigos mortais. Todos lhe agradecerão, seu poder crescerá, e se espalhará pelo
mundo inteiro. As pessoas novamente passarão a pronunciar o seu nome, apenas
em murmúrios, cheios de medo. Estes estranhos mataram servos seus, agora
chegou a sua vez de se vingar. Eu colocarei a cabeça deles aos seus pés. Eu...
Furtivamente Sabra caminhou alguns passos para a frente, até ter alcançado a
entrada do pavilhão do templo, olhou atrás do canto da parede, ao mesmo tempo
em que escutava.
Eles estão recebendo reforços disse ele. O quarto homem está penetrando no
templo!
Céus, isso só podia ser Suko! Enchi-me de esperança, e também Man- dra
Korab e Bill tiveram a mesma sensação. Suko realmente teria conseguido
transformar o impossível em realidade?
Mas para isso ele teria que fazer muita força, pois não era fácil vencer o chinês.
10
Machadinha contra espada!
Era esta a escolha das armas, e Suko tinha esperanças de obter uma vitória,
apesar de não poder subestimar esse Sabra de nenhum modo.
Ambas as armas se chocaram, tinindo. Sabra atirara-se violentamente em cima
de Suko, mas o chinês aparou bem o golpe.
Depois ergueu sua perna direita, acertou Sabra com o joelho e atirou-o para
trás.
O indiano girou sobre si mesmo, fazendo o mesmo com a sua espada,
segurando o braço bem esticado. Se Suko o tivesse perseguido, provavelmente teria
caído sobre a lâmina.
A Deusa da Morte – Jason Dark 92
Deste modo, entretanto, ela escorregou perto dele, e Suko golpeou com a
machadinha. Foi um golpe violento, que deveria verrer a espada das mãos do
indiano, porém Sabra a segurava ferreamente. Ele não desistia tão facilmente.
Pulou para trás e deu uma gargalhada selvagem. Com isso atirava suas forças
interiores, que o ligavam ao poderoso e grande Siva.
Três olhos no peito.
Até agora estes olhos pareciam vazios. Agora as pupilas tomaram uma outra
cor. Um brilho verde, claro, era emitido por eles, que de segundo a segundo ficava
mais forte, para finalmente rebrilhar como se fortes lâmpadas no interior do corpo
espalhassem aquela luz.
Apesar da luz não ser branca nem muito clara, o chinês foi ofuscado. Ele teve
que recuar.
Sabra registrou aquilo com um sorriso maldoso e satisfeito. Era um sinal para o
ataque. Ele queria matar o chinês, que segurava o seu braço livre, diante dos olhos,
para protegê-los.
O grito de Sabra vibrou através do corredor do templo, encontrando nas paredes
um eco de terror.
E ele golpeou.
De cima para baixo veio a pesada espada. Suko conseguiu levantar a sua
machadinha, segurando a sua lâmina curta em posição horizontal, porém ele não
tinha mais nada para opor à terrível violência daquele golpe. A machadinha foi-lhe
arrancada da mão, e bateu tilintando no chão.
E novamente Sabra golpeou na direção de Suko.
O chinês agradeceu apenas aos seus reflexos o fato de escapar com vida. De
repente ele estava caído ao chão, rolou sobre si mesmo, jogou-se para o lado e
ouviu a lâmina bater bem perto dele na pedra dura, abrindo-a em dois pedaços,
pois o indiano realmente batera com uma força descomunal.
O golpe seguinte teria que acertar e acertaria, sobre isso Suko não tinha
nenhuma ilusão.
Deitado de costas, o chinês atirou-se para a frente. Suas pernas esticadas
encontraram o seu alvo.
Ele sentiu uma coisa mole, e ouviu uma praga violenta, quando Sabra foi
atirado para trás. Suko conseguiu pôr-se de pé mais rapidamente que o indiano.
Ele arriscou tudo. Ainda tinha o chicote de demônios. Apesar de ainda ofuscado,
abriu muito seus olhos, e simplesmente golpeou para dentro daquele centro verde.
E ouviu o estalo.
Acertara em cheio!
Um grito. Estridente e horripilante, ele vibrou através do corredor. Chegou a
doer nos ouvidos de Suko. A luz verde tornou-se mais fraca, e no instante seguinte
sumira inteiramente.
O chinês arregalou bem os olhos. Infelizmente ele ainda sentia os efeitos do
ofuscamento, não podia ver nada, só aos poucos os contornos da gruta e do seu
adversário se cristalizaram diante dele.
Sabra estava caído ao chão.
E agora não passava de um amontoado indefeso, que gritava. Segurava ambas
as mãos diante do peito, no lugar onde antes se viam os três olhos do deus Siva.
Que agora não existiam mais.
A chibata de demônios os destruíra, abrindo neste lugar um ferimento enorme,
do qual brotavam estrias de fumaça, finas, vibráteis, que subiam para o teto.
Ao mesmo tempo iniciou-se em Sabra um processo de envelhecimento. Seu
rosto ficou encovado, a pele cinza e quebradiça, os olhos perderam todo o brilho.
A Deusa da Morte – Jason Dark 93
Caíram-lhe as unhas..
Um último gemido choroso saiu da boca do servo do ídolo, depois ele morreu.
E ficou deitado ali, um ancião...
Suko respirou aliviado.
Ele conseguira uma vitória parcial. Aproximara-se mais um pouco de sua tarefa
principal. Mas só isso. Ele ainda não encontrara os seus amigos, e não precisava
ser nenhum vidente, para saber que eles deviam estar numa situação terrível.
O chinês começou a correr...
***
Antes mesmo de bater contra o colar, a cruz consagrada tocou numa cabeça.
Maldição, eu o conseguira!
E acertei em cheio!
A Deusa da Morte – Jason Dark 94
E então golpeei.
Curioso que nestes segundos tive que pensar em minha cruz. Porque a mesma
não demonstrava nenhum efeito? Porque a mesma reagira anteriormente? Cada
vez mais enigmas eram-me apresentados, e eu esperava poder solucioná-los algum
dia.
— John!
Ele não quisera prevenir-me contra a deusa, mas sim devido a sua própria
atividade. Por que motivo a deusa o largara? Ele também não fi cara inconsciente
quando de sua queda, mas agora estava ajoelhado no chão, e com o campo livre
para os seus punhais.
Uma sombra passou bem junto de minha orelha. E então eu vi onde o punhal
penetrou. Bem pouco abaixo do olho destruído ele atingira o seu alvo.
Kali cambaleou.
Ao mesmo tempo os dedos da deusa caíram. Eu caí, mas fui aparado e ouvi a
voz de Suko bem junto do meu ouvido.
Cambaleando, fiquei por um momento de pé, até que tudo começou a girar
diante dos meus olhos, e caí. Ao mesmo tempo estava quase chorando de alegria.
Duramente ela bateu no chão. Todos nós ouvimos o estilhaçar e vimos como ela
quebrou.
Kali estava liquidada e com ela também a macabra corrente. Todas as cabeças
do colar tinham simplesmente evaporado.
Nós nos colocamos numa cobertura segura e ficamos olhando, enquanto ela se
desfazia definitivamente. Para trás ficaram restos, que logo também se
transformariam em poeira.
Pensar assim, teria sido um erro. Esta não era a Kali verdadeira, mas apenas
uma estátua despertada pela magia negra. Mas nós tínhamos infligido à
verdadeira e ao seu culto de morte uma grande derrota. Levaria muito tempo até
A Deusa da Morte – Jason Dark 96
que os seus inümeros servos, que ela tinha entre os homens, se restabelecessem.
Antes de mais nada eles teriam que ser exorcizados novamente, e os seus fiéis
teriam que encontrar um esconderijo onde pudessem adorar a deusa da morte.
Enquanto Mandra Korab ainda recolhia os seus punhais, virei-me para Suko.
...
Diante de nós ainda tínhamos uma noite na selva. Não ficamos no interior do
templo mas do lado de fora. Isso foi bom, porque aquela antiga edificação não
conseguiria suportar a morte da deusa.
Segundos mais tarde o tempo ruiu. Ele estivera recheado com o espírito do Mal.
O mal agora não existia mais, por isso o templo não tinha mais razão para
continuar existindo.
Eu tive que matar duas cobras com a espada, e quando depois de horas
finalmente atingimos o rio, todos caímos sobre a praia, exaustos.
Mas não podíamos nos dar uma pausa muito longa. Apareceu um barco de
busca. Na frente, na popa, estava um homem de pé, a quem conhecíamos muito
bem.
A bordo nos deram de comer e beber. E todos caímos num sono que parecia de
chumbo.
Na cidade seguinte nos esperava o avião de Mandra Korab. Com ele, tendo Jim
como piloto, voamos novamente para Calcutá. Ali nossa primeira providência foi
A Deusa da Morte – Jason Dark 97
E nós não queríamos que eles ficassem muito tempo preocupadas. Eu telefonei
para Sir James, que pediu que embarcássemos no próximo avião, para voltar para
casa.
Porém ao ouvir isso me fiz de surdo. Além disso, havia muitos "ruídos" na
ligação, de modo que nada entendi.
Mandra Korab ficou contente. Ainda ficamos, durante três dias, com ele, como
seus hóspedes, e então sim, vimos o outro lado da índia.
FIM