Você está na página 1de 55

,

! r
I ;
,, j
r
, I

! ,. r>

f
0 .) I ; . 1 - . •- '.
' ,'"' "'\
~.t . ............ i I

• •
. ~- ~ i" , 'i j

21
,- V -'I "
i
i I
....,....
.--1 . i
- ---- j
I
r
i

/
/
/
..-- ."- - -"= '==::::~ -- /
.--- r

I!
I
')
. .
, , ~f\.": .-.
í. - : ,
" ,-t. -rzs
!{A "'"

.--, .
'-;'//' "/-::. :.'t
.......,. . ( . ~" / ' J
Tradução e Adapt ão com Nota Introdutória de
illôr Fernandes
-- ' ..
-.
./
/

- - - - f - - - --- -- - '-'
/
,r---- -
-
e -
.'

••
j'

j'
,li
Título do original :
LYSISTRÁTE
.-
.'•••
LIslsTRAT A, FUNDO E FORMA,
••
1.' edição - junho de 1977
COMO E PORQUÊ
••
c Copyright desta edição. 1977.
Uma das definiçôes mais profundas que tive oportun idade
de ler em toda minha vida c que aos 17 anos de idade consolidou
r.ar. IoC:m~ • minha V1W do mundo. está no Dicionário do Dia-
••
Abril S.A. Cultural e Industrial - São Paulo.
Tradução e Nota Introdutória publicadas com a licença de
MiIlôr Fernandes.
..... . . AmhrO'loe 8'C1'cc. e diz :
Preto - \Ubstantivo masculino; branco.
" JdinlÇ.io. é claro. pode ser lida ao contrário. vice-versa,
••
•• c'PC lho. de cabeça para baixo. e dá no mesmo. Porque a reali -
.1. . . do mundo é pelo avesso. sem honrosas exceções. A Ordem
Jo Mérito é dada a quem é bastante calhorda para lutar por ela ••
••
" tempo todo,
Lisístrata é uma peça francamente invertida. Qualquer cen-
"'-'" ficará de imediato escandalizado com a licença da linguagem
c das atitudes decorrentes da ação e, não conseguindo proibir a
pc-ça. tentará ao menos castrá-la, E uma Lisistrata castrada perde.
c"'~temcnte. o que lhe é essencial. já que metade da peça trans-
corre com os homens em estado de exaltada ereção.
Mas o que um censor dificilmente verá (e censor aqu i vai
no sentido mais amplo da palavra) é exatamente a profunda mo-
Esta peça, na presente tradução. só poderá ser representada, ralidade da peça. Pois esta é a glória. a força de Lisistrata, que
ou utilizada. no todo ou em parte. seja por que processo for. conseguiu ser. até certo momento da história, a obra mais licen-
mediante autorização expressa da SBAT - ,:losa de todo o teatro universal e uma das mais morais (no senti-
SOCIEDADE BRASILEIRA DE AUTORES TEATRAIS Jo saudável do termo) jamais escritas. Pois é um libelo contra
- Av. Almirante Barroso. 97. 3.0 andar. Rio de Janeiro. a visível (mas aparentemente infindável) estupidez da guerra.
Todo abuso será considerado violação da Lisístrata, personagem-chave, vendo sua gente dizimada ou
propriedade intelectual. nos termos dos Códigos Civil e Penal. ",felicitada pela luta contínua de Atenas contra outras cidades-es-
_.
~ il

tado da Grécia. e sentindo que todo o país se expõe assim à horda é maior. Não uma paz em detalhe. em que todos se amem cristã-
de bárbaros que vêm do norte (continuam vindo). tenta terminar mente mas. pelo menos. um a paz ecumênica. qu e permita pouco
o conflito concitando as mulheres gregas a não treparem ma is a pouco ir conquistando a outra. as outras.
., com seu s respectivos homens. Estabelecida a Greve do Sexo e Quanto à linguagem d a peça. procurei preservar toda a dig -
I '
.' firmada a premissa do Sexo para a Paz é evidente que a luta nidade do que. presumo. fos se a da época. Já que a da época.
será ganha pelas mulheres. (I ) aqui pra nós . ningu ém sabe mesmo qua l fosse. No mundo int eiro
Na adaptação que fiz procurei livrar o original dos seus ele . deve haver um ou dois paleomologistas semânticos capazes de
:,
mentos datados, ta is como apelos demasiados a deuses que já saberem alguma coisa do que se falava na Grécia há vinte e qua-
não representam para nós senão sons de poética duvidosa (quan - tro séculos. Eu digo alguma coisa porque a verdade é que quando
do. na época. eram apelos vivos e. muitos deles. amed rontadores). se põe dois erud itos frente a frente. as divergências. mesmo entre
I(, ,
corrigir certos defeitos lógicos. ampliar o humor onde o texto ori- detalhes lingüísticos que estão diante de nossos olhos - ou me-
, ginai espontaneamente se oferecia a isso. e. sobretudo. conscienti- lhor , ao alcance de nossos ouvidos-. é tão grande que não con-
za r a ação, no sentido de mostrar que muito do que existia. infe - solida muito a nossa fé no que eles saberão de língua tão distante.
I lizmente. ainda existe.
;i';' No tocante à guerra. assunto básico da peça. a atitude do
Embora eu . como escritor. tenha que agradecer o trabalho ante-
rior desses traças de alfarrábios. como escritor também (aqui
,. seu autor. Aristófanes. era utópica. No ano 411 a .C .. quando foi como em outros trabalhos semelhantes) tenho. o tempo todo, de
escrita a comédia. Atenas não tinha a menor condição para uma tomar cuidado com o apelido de "linguagem poética" e "l ingua-
paz honrosa. Os lacedemônios. aconselhados por Alcibíades. ha - gem teatral". Ao mesmo tempo. tentei evitar também o erro de
viam ocupado e fortificado Dec élia , apenas vinte e quatro quilô- alguns moderninhos que. sentindo o ridículo de uma linguagem
metros d istante de Atenas. Abandonada por todos seus aliados. morta. caem num outro tipo de ridículo . a contrafação. que é
a situação da cidade era desesperadora. Paz. só pela rendição. adaptar para linguagem local. gíria tola e humor construído à
(2) base de anacronismo. que. depois do trocadilho é. sem dúvida.
Ass im. vista do ângulo atual. 1968. nossa Lis istrata é mais a mais baixa forma de espírito. (3)
válida. Ainda que pareça incrível. a possibilidade de paz. hoje. E basta. Se esta peça for levada na íntegra. será um grande
momento no teatro brasileiro . Significará que estamos saindo do
mar nojento da hipocrisia para poder dizer. alto e bom som. o
:. I) Não se entusiasmem . porém . as minhas arntao~ ! LIB. A peça que pensamos. na linguagem em que pensamos. não usando doen -
I
I: nada tem a ver com a realidade . As mulheres gregas . "l'J'"és do encera- tiamente "perífrases impuras. filhas bastardas de um pudor can o
I:
jamento a seus homens. através do sacrifício do s seus filhos, através do ceroso ". (4)
i
que se poderia chamar de passiv idade ativa . sempre deram toda força
à guerra e à beligerãncia em todos os seus aspectos . Para cada deus Millôr Fernandes.
grego bélico e sanguinário há uma deusa grega de igual estofo. Fevereiro 1968.
2) Aristófanes também é um bom exemplo para meditação do que
parece ser mas não é. Como tantos autore s de hoje em dia escreve uma
coisa e pratica outra . O leitor de Lisistrata pensará em Aristófanes como 3) Tanto o trocadilho quanto o anacronismo só valem. e algumas
um poeta libertário, um teatrólogo avant -garde. Mas o homem . a acredi- vezes atingem mesmo um tom brilhante . quando espontâneos. feitos na
tar em alguns historiadores. era chegado aos poderosos : um conservador. velocidade da fala - uma criação repentista.
senão um reacionário . 4) J. Lemaitre, ôlalá!
u
o
o
Cl
o
>
5
(4461-3801 a.C.) oa::
s
'"
~
a::
...ã:
e,

"O poeta percorre todas as nuanças do cômico.


da comicidade rumorosa à mais fina ironia,
atravessa os estados intermediários do jocoso,
do brio. da alegria serena. Em tons
diversos é sempre a mesma alegria que necessita
expandir-se. Sob o véu de um estilo
vigoroso e cristalino. sob a graça harmoniosa
do gênio arislOfanesco. nós sentimos uma
força indomável que sempre procura escapar."
ti . Copyright desta edição. 1977
(Gennaro Perrotta)
Abril S.A. Cultural e Industrial, São Paulo.
Era calvo. escrevia comédias e estreou no teatro ainda muito
jovem. É bem pouco o que se sabe. com absoluta certeza, da vida
de Aristófanes. As fontes de informação - suas próprias peças,
catálogos de concursos dramáticos e anedotas relatadas por seus
contemporâneos - são escassas e nem sempre dignas de crédito.
Referindo-se a si mesmo, é bem possível que Aristófanes falseasse
alguns dados. assim como os outros autores. ao falarem dele . por
amizade ou rancor, podem ter deixado passar inverdades. Quanto
aos catálogos, incompletos. fornecem os nomes de suas peças.
as datas de apresentação e a classificação obtida nos certames
dramáticos.
A dificuldade em reconstituir a biografia de Aristófanes co-
meça j á em situar seu nascimento . Parece que ocorreu por volta
de 44 6 a.C .. talvez em Atenas, talvez na ilha de Egina, onde se
supõe que ele possuía algumas propriedades. Acredita-se também
qu e se lenha dedicado a estudos literários e filosóficos, pois discu -
te esses as suntos com bastante familiaridade. E é possível que
'>C tenha casado - ao menos teve dois filhos . Ararote e Filipe .
que cvcrcver arn algumas comédias.
Aristófanes estreou no concurso dramático de 4 27 a.c.,
apre sentando . sob pseudôn imo , a peça Os Comilões, que recebeu
I' ~ g u nd o premio; no ano seguinte, encenou Os Babilônios. No
\ IHa!. compôs 44 comédias. das quais se conhecem. na integra,
apenas onze : Os Acameus, Os Cavaleiros , As Nuvens, As Ves-
,~ <U. A Paz, Os Pássaros, Lisistrata, As Tesmofôrias , As Rãs ,
i , srmbl éia de Mulheres e Pluto, A par.tir desses textos pode-se
' ~ c " e'lS t i t u i r seu perfil intelectual e político com maior segurança :
. " \Cf' ador e aristocrata. cauteloso quanto às inovações - lite-
. u ' -" . musicais, filosóficas, pedagógicas. políticas - , defendia
" ,1 · ~ , ' '''' m en t e as tradições, abominava a mania ateniense de rea-
. t s: julltamentos e processos, amava a vida bucól ica e via os
• :i r.1"lOC'>CS como gente saudável e honesta.
Pevsoalmente, seus ataques visavam a três vultos proerninen -
:C' Ja época : o filósofo Sócrates (470?·399 a .Cc) - embora seja
aprr scruado como seu amigo, em O Banquete, de Platão - . o
Ir ag ico Eurípides (480-406 a .C .) - cujas peças, no entanto . sa -
ola de cor - e o governante Creonte. Essas personalidades apa -
reccm em suas obras duramente ridicularizadas. Durante certo
per iodo da carreira de Aristófanes. os artistas gozavam de plena
. Para terminar com a guerra do Peloponeso. L ísissrata (Nan Martin } utiliza a hberdade de expressão - apesar dos defeitos da democracia de-
UnlCa arma que tem : a chave do prazer. (Phoenix Theatre , NO"a York, 1959 .) cadente. que ele tanto abominava.

IV V
-
AS RAÍZES DA COMÉDIA

Da mesma forma que a tragédia, a comédia também se origi-


nou nas festas celebradas em louvor a Dioniso, deus do vinho
e da fecundidade. O próprio termo que designa esse gênero teatral
constitui uma fusão das palavras gregas comas (destile) e ode
(canto), evocando. dessa maneira, a procissão que se realizava
nos rituais dionisíacos e os cânticos que nessa ocasião eram
entoados.
Em sua estrutura definitiva, a comédia firmou-se cerca de
cem anos depois da tragédia, ou seja. no século V a.C, Em sua
evolução tiveram grande importância os fliacos e as falofórias.
Os fliacos eram atores ambulantes da Magna Grécia (sul da Itá-
lia), que, em toscos palcos de madeira. representavam pequenos
espetáculos cô-nicos. geralmente mostrando cenas da vida de gen-
te humilde. Usavam máscaras, suas vestes eram sempre as mes-
mas, e possivelmente atuavam apenas com mímica. Segundo So-
sibio de Esparta (século IV a.C,), foram os tliacos que escreveram
os primeiros textos cômicos - e, ao que parece, deram início
à comédia "falada".
As falofórias eram as procissões dionisíacas, nas quais se I I raizes do teatro grego encontram-se nas festas dionisiacas. Das partes mais
transportava o falo, símbolo da procriação. A princípio, os devo- alegres dessas festividades, originou-se a comédia. (Cortejo dionisiaco.)
tos pediam a vários seres divinos a fecundidade da terra, dos re-
banhos e dos homens; com o tempo, essas preces passaram a se nas apenas observa e comenta, os coreu~as c?micos, em. ger~l
endereçar a Dioniso. que, em sua origem, não era um deus fálico. ":l,carados de animais. como no desfile dionisíaco. intervem di-
O destile consistia em três grupos: as caneforas, que iam ct arnente na ação.
à frente levando os objetos necessários para o sacrifício: os faló- Após a ruidosa entrada do coro - que recebe o nome de
foros, que empunhavam lanças como símbolos fâlicos, e os .co- :'.HOUO - , uma personagem. comumente O protagorusta. apre-
mastas, responsáveis pelos cânticos. A procissão seguia até o lo- crua o assunto que será exposto no desenrolar da peça. Em As
cai onde era sacrificado um bode, animal dedicado a Dioniso e \u\'ens é Estrepsíades que introduz o argumento. lamentando as
de cujo couro se fabricavam os odres de vinho. ~:\ idas que contraiu por causa da mania de cavalos que tem seu
Terminado o sacrifício. os cornastas entoavam cânticos ale- ': i ho Fidipedes.
gres e saíam provocando a multidão que assistia ao ritual. Os .-\ exposição do assunto constitui o agon, combate. cerne da
espectadores. que a princípio não reagiam. começaram depois a ,-":I;:J. Tumultuado. descamba para uma gritaria engraçau~ e ab-
responder às zombarias dos cornastas, Nesse desafio verbal, nes- .r da, num verdadeiro duelo onde vence quem falar por ultimo.
ses cânticos, nas falofórias mesmas é que se encontra a origem I '11 dado momento. suspende-se a ação para dar lugar à parába-

da comédia, segundo afirma Aristóteles (384-322 a.C.). c. uma espécie de interlúdio: o autor dirige-se ao público por
A procissão dos comastas é relembrada no palco: o espetá- - tcrrnédio dos coreutas e do corifeu, que. ao se tornarem seu
culo inicia-se com o destile dos coreutas - são os 24 membros .' .rra voz. despem as roupas de cena. Apresentam entào suas jus-
do coro - , que. sob a direção do corifeu, cantam e dançam. Ao :',c:Jlivas, desculpas, lamentações, solicitações.. considerações
contrário do coro trágico, que não participa dos acontecimentos, • -liticas, morais, literárias - em suma, tudo aquilo que o autor

VI VII
decidiu expressar sem rodeios. Em As Nuvens, Aristófanes la-
menta não ter vencido o concurso dramático com essa peça, e
tenta convencer a platéia de seu valor, pois "não ridiculariza os
carecas e não dança o c órdax' (dança obscena da época. proibida
de ser executada fora do recinto teatral).
Reinstaura-se a confusão do agon, que termina às vezes
abruptamente, sem grandes cuidados com a lógica. Personagens
e coro saem de cena: é o êxodo.
Apesar das incoerências e da confusão do agon, a comédia
tem suas regras, seus sistemas de encadeamento, sua simetria. As
reviravoltas mais surpreendentes muitas vezes acabam revelando-
se, ao estudioso, conseqüência de um cálculo do autor , tendo em
vista maior efeito cômico.
O espetáculo cômico também obedecia a certas convenções: A râoroso defensor das
as roupas, por exemplo. indicavam a classe social e o sexo (não tradições , Arislófanes
alocou duramenle
havia atrizes) das personagens. Assim, os cidadãos livres eram
Euripides . Não obstante,
identificados por uma túnica longa; os escravos, por um traje que ele o reconhecia como
tinha apenas a manga esquerda; os muito pobres. por um manto um dos rris grandes
curto: e as mulheres. por uma túnica amarela. rrágicos gregos.
Os atores eram profissionais e possuíam até um sindicato, (BUS10 de Eurípides.)
"Artistas de Dioniso" . Gozavam de um grande prestígio. não ti-
nham obrigação de prestar serviço militar e, mesmo em época ,'lnduta moral, jamais pisou o palco greg o para viver qualquer
de guerra, podiam circular livremente pelas províncias. Percor- ;,<r'\.Onagem, cômica ou trágica.
riam várias cidades, em cujos teatros se exibiam, sonhando sem -
pre com a glória máxima de pisar no palco do teatro de Dioniso,
o mais importante de toda a Grécia, edificado ao pé da Acrópole AS GARGALHADAS CRíTICAS
de Atenas.
Já o sonho dos autores era não só vencer os concursos dra- A paz era uma das obsessões de Aristófanes e o . tema de
máticos. mas reunir o maior número de prêmios. Esses certames, 'U ~ mais antiga peça preservada, Os A carneus (4 25 a C .). Atenas
realizados anualmente nas festas de Dioniso, estendiam-se por rn.:ontra -se envolvida na guerra do Peloponeso . connl~o desenca-
três dias, com representações, do amanhecer ao cair da noite, de -k-.do em 431 a.C. e cuja responsabilidade o comedi ógrafo atri -
uma tetralogia (três tragédias e um drama satírico de um mesmo ........ I Pêricles (499-429 a.Cv) e aos democratas. que. so b o pretex -
autor) e duas comédias diariamente. Ao final. um trágico e dois :.1 de defender a liberdade, lançaram as base s do VIOlento
cômicos recebiam os prêmios. que , no início, eram , respectiva- -n:-<rialismo ateniense. O protagonista. Diccóp oli s. co nsegue fa -
mente. uma cabra, um cesto de figos e uma ãnfora de vinho; com :c/ um acordo de paz. com o inimigo (cuj a va lid ade moral. nem
o tempo. passaram a ser entregues em dinheiro. O prestíaio, po- '"'....TC a Aristófanes pôr em dúvida ) e assim acaba benefiCIando
rém . continuava igual. "'>'\ os camponeses do burgo àtico de Acarno .
Na platéia havia lugares definidos para homens, cortesãs e Embora o tema de Os Acarneus seja a paz. e o momento
autoridades. As mull-rres de família podiam ir livremente aos es - x >.UI -elaboração se situe em plena guerra. A~is~ófanes encontra
petáculos trágicos, mas nunca à encenação de uma comédia. E -r- -.nunidade para ridicular!zar a figura d~ E~npl.des. A cena pas-:
nenhuma representante do sexo feminino, fosse qual fosse sua ~ lC na casa do grande trágico, onde Dlceopohs fora pedir um

VIII IX
traje adequado para se apresentar ao povo de Acarno. O criado
informa que se,u amo "está e não está em casa", pois "seu esp íri-
t'?' que :.:ld~ ai fora recolhendo versinhos, não está em casa, po-
rem ele esta em casa, suspenso do teto e compondo uma tragé-
dia". Eurípides surge então na mekanê, engenho que utilizou
larg~~ente e~ suas obras para trazer ao palco uma personagem
ou divindade mesperada que, como um passe de mágica, resolvia
as situações mais complicadas e para as quais seriam inverossí-
meis as soluções lógicas. Ao vê-lo assim suspenso, Diceópolis
comenta, irônico: "Ah, você compõe suas tragédias no ar , poden -
do-as fazer em terra. Já não me espanta que suas personagens
sejam todas coxas " . Em seguida, pede-lhe umas fo lhas de verdu-
ra, alud indo à origem humilde de Eurípides, que, segundo consta,
era filho de urna verdureira.
Os Cavaleiros, primeiro prêmio no concurso das festas Le-
neanas de 424 a.C., mostra o povo como um velho, Demos. servi -
do por dois escravos que, embora honestos, não lhe agradam. Ar-
ranja então um terceiro servo, P aflagônio, que o adula
descaradamente. Os dois outros, desgostosos, resolvem consultar
o oráculo. numa passagem que parodia a tragédia, onde são far-
tos os exemplos de consultas oraculares. Paflagônio será substi- Fstabelecida a greve do sexo e firmada a premissa do Sexo para a Paz.
tuído por um salsicheiro, que aparece em seguida e, pasmado com quem ganhará a luta afinal ? (Phoenix Theatre, Nova York , 1959 .)
sua repent ina so rte, conversa com um dos servos a respeito. O
outro .lhe mostra que , na verdade, ele reúne todas as qualidades · f .. nte (inimigo de Creonte) encerr a-o num quarto. com a espe-
para serv ir a Demos: é estúpido. provém da mais baixa canalha l.".;a de convencê-lo a abandonar essa profissão, que só atrai
da cidade. é suficientemente desonesto. Tem apenas um defeito : ' . '~ I )( ll S e nào rende lucros. O velho acaba cedendo a seus conse-
sabe ler e esc rever. mas, como o faz muito mal , essa pequena ' .. \ c entrega-se aos prazeres da carne.
falha é perfe itamente desculpável. () tema da guerra vo lta à cena em A paz (42 1 a.C i). uma
Tivesse mostrado o povo apenas como um velho obtuso , 1\ .nais belas comédias de Ar istófanes. onde o alegórico dom ina
Aristófanes provavelmente não teria ganho o concurso das festas .. . 1.IMasia lírica se desata. T rigeu reso lve pedir a Zeus contas
Leneanas (a vontade popular exercia grande influência sobre o .iuc pretende fazer com a Grécia. mas os deuses já não moram
júri) e talvez até tivesse visto naufragar sua incipiente carreira. (lllrnpo : desgostosos com os gregos. que insistem em s~a guer-
Percebendo isso. faz várias concessões ao público; por exemplo, • ' ·~ l li. os imortais partiram para uma morada inacess ível. de-
ca mufla de esperteza a im becilid ade de Demos nesta declaração: · , . ~ c encerrar a Paz numa cavern a. Com a ajuda dos lavr ado-
"Faço-me de louco porque me convém ". ·\ r: '!,cu consegue libertar a Paz. porém nà<:, chega até Zeus,
Uma verdadeira loucura dos atenienses era a mania de jul- ' . " ' ~ r do estranho meio de tran sporte que utiliza : um escarave-
gar. menc ionada de passagem em As Nuvens - quando o prota- -, ' :~ :l n t c. que ele mesmo criara. Quando se prepara par~ mon -
gonista. informado da localização de Atenas no mapa, duvida: I ' . - , • . mima i. sua filha adverte-o : "T ome cu idado para nao tro-

" Não ac redito, pois não vejo os juízes sentados no tribunal . . . " .' . ' : c cair. Se ficar coxo, dará as sunto a Eurípides pa ra mais
- e focal izada em As Vespas (422 a.C.). O velho juiz Filocreonte - • .· Il:cd ia. d a qual será protagonista". ,,
(ami go de C reonte) fica louco de tanto julgar, e seu filho Bdeli- ( ) t Pássaros (4 14 a.C .) é considerada por alguns cnticos a

. 1, x XI
,r- I,

"'ra mais perfeita de Aristófanes. Cansados da violência de sua


. -Jade. dois atenienses . Pistétero e Evélpido, vão procurar os Pás-
,.uos. seres anteriores a Zeus, e oferecem-lhes culto divino em
: ' ><:1 de uma cidade . Os Pássaros aceitam o acordo. e os dois
"'rllgos passam a viver felizes em Nefelococígia. Mas logo come-
• am a aparecer os indesejáveis. os tipos que constituem as piores
'~!tas de Atenas: o mau poeta. o adivinho, o astrônomo. o menti-
' \ 0 . mostrando que a solução não é a fuga dos bons cidadãos,

-1\ li banimento dos maus.


É isso que as mulheres resolvem fazer com Eurípides numa
: 1\ mais fracas composições de Aristófanes, As Tesmofôrias, ou

J n/as de Deméter e Perséfone (411 a.C.) . As mulheres já não


. portam as críticas que o tragediógrafo vem-lhes fazendo; por
' '' '. reúnem-se em assembléia para decidir sua sane. Sabendo
'r \0,( julgamento, que decerto acabará com sua condenação à
'. -rtc. Euripides pede a seu sogro que se disfarce de mulher e
· • ~ reunião defendê-lo. As mulheres, porém. descobrem o irnpos-
• c estão a ponto de trucidá-lo, quando o próprio réu intervém
;.,..mete não mais atacá-Ias desde que soltem o velho.
Até esse momento, Euripides foi apenas vergastado, mas não
·.ucado realmente . A crítica literária é feita em As Rãs (405
• ( I Mortos Êsquilo, Sófocles e Eurípides - que Aristófanes
I .t'oClgado a reconhecer como um dos três grandes trágicos gre-
I " -. o teatro já não tem rei, e Dioniso, seu divino protetor,
.1 "C ao Hades, morada das sombras. para trazer Eurípides de
· i u . Encontra-o disputando com Ésquilo o trono de maior dra -
.. 'turgo mono; Sófocles delicadamente se recusara ao debate,
' .~mdo o lugara Êsquilo. Este é criticado por seus longos silên-
" 1 . .. uas personagens selvagens, sua linguagem retumbante e por

• : c \ \ -ca, suas repetições. Ésquilo censura a seu adversário a


," ,~m humilde. a impiedade, os incestos de suas personagens,
I ~rljos dern~gicos de que revestiu nobres e reis. Convenci-

I ' Ja ~uperioridade de Êsquilo , Dioniso leva-o para o mundo


I • "\<lS. deixando Sófocles no trono dos trágicos do Hades.
.\ paz volta à discussão em Assembléia de Mulheres (392
• I I ..ob a liderança de Praxàgora, as atenienses vestem-se de

' . --cm c vão à Assembléia votar uma constituição que lhes entre-
I . . . . . direção dos negócios de Estado - sábia direção. pois a
Essencialrne~teum artista gráfico. AuMry Beardsleyfoi Unul das fíguras .....Ir Jo momento em que assumem o governo, tudo passa a ir
. . mais brilhames do fin de siecle inglis. Beardsley realizou uma • _ em Atenas. Elas são extremamente conservadoras, mas nem
sene de sele desenhos para iiustrar Unul edição particular da Lisistraia. ,. \00 virtuosas : na enumeração das coisas que voltarão a ser

XII XIII
feitas "como antes", está, por exemplo, a infidelidade conjugal.
Quando Assembléia de Mulheres foi apresentada, os autores
já não gozavam da antiga liberdade. Uma lei proibia agora as
críticas pessoais, que só eram feitas através de alusões. Parece
que, nessa comédia, o verdadeiro alvo de Aristófanes era o filóso-
fo Platão (427?·347 a.C.), discípulo de Sócrates e preconizador
da república perfeita.
Três anos antes de morrer, Aristófanes apresentou sua últi-
ma obra, PIUlo (388 a.Ci), que mostra o deus das riquezas distri-
buindo seus bens a todos e gerando, assim, a desordem social:
se todos forem ricos, pergunta o autor, quem irá se dedicar aos
trabalhos?

A DERROTA DO RACIOcíNIO INJUSTO

O furor de Aristófanes contra Sócrates, cujas idéias inova-


doras lhe parecem ímpias, imorais e perigosas, era tal que contra
o filósofo ele escreveu uma peça inteira, As Nuvens. Embora ba-
seada em um forte preconceito, e por isso mesmo injusta em sua
crítica mordaz, essa comédia, que obteve um modesto terceiro
lugar no concurso de 423 a.C., constitui uma de suas mais geniais
realizações.
O velho Estrepsíades está enterrado em dívidas e, não supor-
tando mais a perseguição dos credores, resolve tomar-se discípu-
lo de Sócrates, em cuja escola ("pensatório") espera aprender a
arte de argumentar: assim persuadirá os credores de que nada
lhes deve.
Na verdade, a habilidade de argumentar era uma atribuição
dos sofistas, professores itinerantes de larga influência na Grécia
do século V a.Ci, e com os quais Aristófanes, de certo proposita-
damente, confunde Sócrates. , ""C",.,.J...teniense (Patrick Hines) implora trégua a Lisiurata [Nan
lJ,;r .,,' .q .lt""'t'nJ de Atenas -não suportam mais a abstinência forçada.
O mestre inicia Estrepsíades em seus ensinamentos conven-
cendo-o de que Zeus, o pai dos deuses, não existe, e o faz jurar
fidelidade às Nuvens. "deusas grandiosas dos homens ociosos. , "o,. .nu l lU'.I" , paladino da antiga pedagogia. da disciplina rígida,
São elas que nos proporcionam pensamento, argumentação e en- : 0' <aud aveis exerc ícios físicos. e o Raciocínio Injusto, defensor
tendimento. narrativas mirabolantes e circunlóquios e a arte de ~ " :1,\q, tendências prejudiciais à juventude. É este quem vence
impressionar e de fascinar" , • • 'Ilp<: l iç ào . tra vada na presença do discípulo e de seu pai. Fidi-
Entretanto, o velho nada aprende em sua escola e é expulso. ;-<'o';C' c. pois . confiado a seus cuidados, sentindo que ficará "páli-
As Nuvens aconselham-no então a colocar no pensatório seu fi- ~" ~ .ntcliz" no final do curso.
lho Fidipedes, cuja educação é d isputada por dois mestres: o Ra- Corn efeito. os acontecimentos acabam mostrando que Es-

XIV xv
trepsíades fez muito mal em entregar seu filho ao pensatório ,
Chega até a ser surrado por Fidipedes, por discordar de sua opi -
nião sobre Eurípides, que o rapaz considera "o mais sáb io" e
o velho acha apenas um abominável narrador de incestos. Para
defender sua posição. F idípedes utiliza todas as técnicas aprendi-
das com os sofistas - mestres de retórica e de eloqüência. Enfu-
recido. Estrepsíades volta-se contra as Nuvens: "Eis o que eu es-
tou sofrendo por vo ssa cu lpa. porque vo s confiei todo s o s meus
problema s".
Ma s a s Nuvens retrucam que toda responsabilidade cabe ao
próprio Estrepsíades. que se entregou a práticas perversas. e ex- Ofuror de Aristófanes
plicam o motivo de seu comportamento : "É assim que fazemos contra Sócrates (ao
quando reconhecemos que alguém é amante das má s ações. até lado), cujas idéias
que o atiramos na desg raça para que aprenda a temer os deuses". lhe pareciam im orais e
perigosas, era tal que
O velho dá-lhes toda a razão e lamenta-se: "Como estava louco
contra o filósofo ele
quando quis jogar fora os deuses por causa de Sócrates". Procu- escreveu uma peça
ra. entã o. o divin o conselh o de Hermes e em seguida. com seu inteira: As Nu vens.
servo. incende ia a escola. Ao ouvi r o s grito s do s filósofos. incita A bai.ro, cena de Lisistrata,
o companheiro: ..Ataque. atire , bata. bata. por muita s razões, e montagem do Phoenix
principalmente porque você sabe que ele s ofendiam aos deuses" . Theture de Nova York.
Afastar-se da s crenças trad icionais - parece ser essa a lição da
peça - redunda sem pre em malefícios.

A QUE DISSOLVE OS EXÉRCITOS

Representada pela primeira vez em 411 a.C .; Lisistrata abor -


da novamente um dos temas favoritos de Aristófanes : a paz. A
guerra do Peloponeso continua ceifando vidas , fazendo viúvas.
órfãs. mães desc onsoladas. Percebendo que não se pode esperar
so lução ~I~um a da escassa inteligência masculina, Lisístrata
(nome que em greg o significa " a que dissolve os exércitos") per -
suade a s mulheres de todas as cidades envolvidas no conflito a
lutarem pacificamente para terminar com a guerra absurda. Sua
arma é a única que têm : a chave do prazer. É essa chave que
devem negar a seu s belicosos maridos. É a greve das obrigações
conjugais que Lisístrata propõe : se os homens embrutecidos não
querem ouvir a voz da razão. terão de ceder aos reclamos da
carne.
O passo seguinte é apoderar-se do tesouro ateniense, guarda-
do na Acrópole. Aos homens que tentam fazê-Ias desistir. Lisís-

XVI X VII
"' ,

A vitoria das mulheres depende de sua união e da continu idade da greve . A peç a lerm ina com um banquete e uma solene exortoç âo de L isistrata ISan
Elas se manter âo firm es até a chegada da paz . (Phoenix Theatre , 195 9.1 vtorun) para que as mulheres e os homens permanecam j unto s.

trata expl ica: " Q uando temo s um fio em ba ra ç ado . pegamo-lo as. ram tem pestades e tir itaram de frio . Venced o ra . Lisistr ata o rde na :
si m. levantamo- lo co m os fus o s para lá e para cá: d a mesma " F aç a m ' seus j ur amentos. Depo is. c ad a um to m ará sua espo sa
for m a. se no s de ixarem. acabaremos com es sa guerra. desem ba r a - e irá e mb o r a ".
ça re m os o no ve lo 11 0 meio de embaixa das env iad as da qui e da li" . A peça ter mi na co m u ma festa e uma so lene cxo r tac âo :
Os ho men s se espa nta m : " C o mo? É co m lã s. com fio e fuso s "Qu e o mar ido fique j unto da mu lhe r. e a mulh er co m seu mari -
q ue pretendem pôr term o a esse flage lo ? Que tol ice '". As rnulhc do : de poi s. tendo co mem o r ado es se fel iz sucesso C: LJ m da nç as ern
res não se dei xam des an im a r : " S im. e se voc ês ti vessem um pin go lou vor d o s deus es. guardem -no s de . no futur o . reca ir na s mesma s
de bo m se nso . tir ar inrn exem p lo de no ssas lãs pa ra co nd uzi r todos Ia ltu s" .
o s neg ócios" . Li xistr ara expl ícita o co nse lho : .; prec iso limpar a Sem pegar em armas. uma hon esta atenien se o rganiza uma
lã da cidade. tirar o s pelos duros. cardar os tufos. reunir as boas cidade de mulheres e reergue a pátria arruinada pela guerra. O
vontades. misturand o c id ad ãos . rnetecos (cstr nnzeiros e colonos :í exemplo que dá aos homens é a feminina arte de tec er. obra de
por fi m . juntar () tud o em um gr a ndc no velo e tecer u.na túnica paci ência e em penho. de raciocíni o c se ren id ade. Nenhu m valor
para o povo . tê m a fo r ça e as estére is co n ver sa çóes de paz - duelos verbais.
Um orácul o pred iz a vitó r ia das mu lheres. desde q ue perma- co m ba tes se m sa ngue apenas. A boa vo nt ade e a pacífi ca firmeza
neçam unidas e m a nten ha m a gr eve . Ela s n ão te rão de es per a r é q ue lev a rão a resta belece r a o rd e m e a harmoni a .
:1 muito . Log o a te n ie nses e esp artan os pedem -lhe s trégua : não s u- O Fascí nio de Lisistrata não se lim ita aos estudi o so s e leito -
portam ma is a ah si incncia força da - eles . q ue d urante anos m a - res áv idos de emoções hu m a n a s e esté tic as. A tores e d iretor es
:1 tar am e vira m morrer . passa ra m fo me e so trer arn do r. atr avess a - q u ase an ua lment e repre sentam a co m édi a de Ari stó fan es no s tea-
,
II XVIII XIX

.,--------
I'

.-. '
,•
~ '"
~
~

ao
<
E
'"
ç,
~
~
~

Cena do espetécuk: apresentado pelo Phoenix Theatre de Novo York em 1959.


com Nan Martin, Gerry Redd, Sasha Von Scherler e Donald Madden .

tros gregos . revivendo os tempos de seu auto r. A peça também


é apresentada com freqüência nos palco s do mund o inteiro. mar-
cando o trabalho de atores , diretores e cenógrafos.
A primeira apresentação moderna de Lisistrata foi realizada
em Par is. em 1892. e contou com a interpretação de Réjane e
Lucien Gu itry. Seguiram -se a montagem apresentada pelo Th~ã·
tre de s Po êtes de Paris , com adaptação de R. de Villeherv é
( 1895). a representação do Studio d'Art Musical do Th éâtre d'Art
de Moscou (1923 ). a levada em Atenas. com direção de L. Carzis
( 195 1). e a adaptação de H. Thuriat, apre sentada pela Corn édie
de Pa ris em 1953.
No Brasil. a peça foi apresentad a no Teatro Ruth Escobar
em 1968 e contou com direção de Maurice Vaneau, cenários de
Wlad imir Pereira Cardoso, música de Júl io Medaglia, e interpreta-
Ltsistraia (Nan Marl ln) propõe o greve das obrigações conjugais:
ção de Ruth Escobar. Kleber Macedo. Patrícia Maio. Elizabeth
se os homens embnuecidos noo querem ouvir o voz do rtUoo, lerão que
Hartrnann, Arabela Bloch, Bruna Fernandes e Cláudio Mamberti, ceder aos reclamos da carne. (P/toenLr Theatre, Novo York, 1959.)

xx XXI
OS MALES DE ATENAS

Na verdade, a grande personagem de todas as comédias de


Aristófanes é Atenas, acometida de terrível enfermidade, que se
revela de várias formas: guerra, miséria, corrupção, inflação jurí-
dica, impiedade. Os vírus dessa doença chamam-se Eurípides,
Sócrates, Creonte. O remédio seria uma bem dosada mistura de
sensatez e civismo, que deveria existir nos governantes mas que,
na democracia, sobrevive apenas no povo, nutrido nas tradições
morais e infelizmente alijado do mando.
Essa cidade doente, embora fosse uma potência, era peque-
na: cerca de 30 000 habitantes, contando mulheres, crianças e
escravos. Rodeada de áreas e populações agrícolas, tinha no cen-
tro e no porto do Pireu um fervilhar constante de artesãos e mer-
cadores. Havia uma certa tensão entre cidadãos e campesinos.
Quando os espartanos tomaram a Ãtica, a população rural teve
de abandonar seus rebanhos e plantações para se colocar, contra
a vontade, sob a proteção dos muros de Atenas. Segundo Aristó-
fanes, alguns se acomodaram à nova situação, porém outros se
revoltaram, com razão, contra o governo, ao qual atribuíam toda
a culpa. Na verdade, a situação era mais complexa: aqueles cujo
patriotismo estava de acordo com os interesses da guerra aceita-
vam melhor a idéia de prosseguir a luta.
Depois de Pêricles, Creonte assume o poder. Em seu gover-
no, o partido democrata já não representa paz nem liberdade, mas
autoritarismo e imperialismo. A oposição consiste no partido
aristocrata, composto das grandes famílias e que por duas vezes
assume o mando de Atenas - em 411 e 404, ano do término
da guerra do Peloponeso - , mostrando bastante simpatia pelo
regime disciplinado e militar de Esparta. Entre os dois partidos
situam-se os moderados, dos quais faz parte Sócrates.
Hostil aos democratas, Aristófanes apóia seus opositores,
como os ricos cavaleiros ou suas vítimas, como os aliados pres-
sionados e os camponeses que os imperativos da política belicista
tiram de seu honesto trabalho. Mas não se arvora em defensor
de nenhuma classe social, pois tanto entre ricos como no seio
dos pobres há inimigos - os partidários de Creonte e seus suces-
sores - e vítimas - os que não têm outra alternativa senão
se submeter ao regime. São estes os prediletos de Aristófanes,
que prega, acima de tudo, a fraternidade. Fraternidade constante- s'm pegar em armas, Lisistrata (Nan Mar/in), uma honesta ateniense, organiza
mente ameaçada pelos males que atormentam Atenas. uma cidade de mulheres e reergue a pátria arruinada pt!laguerra.

XXII
I;;

!!'\
.,
.,

i
I
I'
!

II
J
,.
li
--------------

.. PERSONAGENS

LISfSTRATA-~
CLEONICE _ .."p~ •.•:
"flRRINA-~
LAMPITO-~
CORO DE VELHOS ••
CORODE MULHERES
••
UM COMISSÁRIO-~
..-
ALGUMAS MULHERES

~~
••
CINÉSIAS -

FILHO DE CINÉSIAS ••
PROSTíBULOS

ARAUTOESPARTANO-j~~
••
••

c4~
' -------------

CIDADÃO ATENIENSE

SOLDADOS .~
• \ () f- )
I' . 1/ .
MARIDO DE LIslsTRATA i

I v-Lr;
~?'
. . _ . . ..-...

......... - ..
, _ .-.'
No primeiro plano . de um lado a casa de
Lislstrata, do outro a de Cleonice . Ao fundo. a
-
-' --.....r.

- -- --' /{cróp(jle. Um caminho estreito e cheio de cur -


vas conduz até lá. No meio dos rochedos. em
r li ' ~". - "'-
..i-/. - . segundo plano. a gruta de Pão Lisistrata anda
pra lá e pra cá. diante da cas;:-
1 - U /'-J[ ?~~ ,
-' L/S/STRATA ( ) · ~.0:~-u.."IJ'
._ . ·-_ r·.. . . Pois é. Se tivessem sido convidadas para uma festãde Sacá .

- .- isso daqui estava intransitável de mulheres e tamborins. Mas ,


como eu disse que a coisa era séria , nenhuma apareceu até
agora. Só pensam em bacanais. Hei, Cleonice ! Bom dia , Cleo -
nice!

CLEONICE
,- Bom dia, Lisistrata, Magnífico dia para uma bacanal.

L/SISTRATA
Cleonice, pelo amor de Zeu s! Baco já deve andar cansado.

...,).... . CLEONICE
Que aconteceu . boa vizinha? Tens a expressão sombria, um
.........; -, f
I,.
~-
i; ""t' ...

'.~_
.......
'.:
1
-, .-; .,.,)
\ ....... . ... . _ '
olhar cheio de repreensão, a testa franzida. Pareces o avesso
, -.' ..." .1
de uma máscara de beleza.

II
LfslsTRATA não compreendo que não tenham vindo logo correndo, todas!
Oh, Cleonice, meu coração está cheio de despeito. Me envergo-
nho de ser mulher. Sou obrigada a dar razão aos homens, LIsIsTRATA
quando nos tratam como objetos bons apenas para os prazeres Ah, Cleonice, que cansaço! Do que é que você está falando?
do leito. É claro que se fosse o que você pensa ninguém teria deixado
r. ,_o. ,'~ r-. ...-o ,fi"
(2'
de comparecer imediatamente. Mas o negócio é muito diferen-
CLEONICE i {--1'- r-"OrO'x \..in Pp.) te. Tenho passado noites em claro, me virando na cama prum
E às vezes nem isso. Cibele, por exemplo ... Dizem" que ... lado e pro outro sem encontrar uma posição correta diante
'1'1I dele. A todo instante cresce e diminui de importãncia diante
'li
LIslsTRA TA (repreensiva) de meus olhos. Não sei o que fazer. Preciso de auxílio.
Por favor, Cleonice. (Pausa.) Não é hora para maledicências.
(Pausa.) No momento em que foram convocadas para uma de- CLEONICE (ainda incapaz de levar a coisa a sério)
cisão definitiva na vida do país, preferem ficar na cama em Será que nós duas sozinhas não podemos reduzir o negócio
I'
:il vez de atender aos interesses da comunidade. . a proporções menos alarmantes?

i~ I CLEONICE LIslsTRATA
1'1
[ Calma, Lizinha! Você sabe como é difícil para as donas de Nós duas sozinhas como, Cleonice? Estou falando da salvação
da Grécia.
casa se livrarem dos compromissos domésticos. Uma tem que ~----~---- -
I: ir ao mercado, outra leva o filho à Academia, uma terceira
I luta com a escrava preguiçosa que às seis da manhã ainda não CLEONICE J

levantou. Sem falar no tempo que se perde limpando o traseiro Ah, é isso, enfim, a coisa que te preocupa. Pobre Lisístrata,
irresponsável das crianças. se você pensa que pode salvar a pátria, reunindo as mulheres
numa praça. .. Sagrada ingenuidade! Muitos já o tentaram
LfslsTRATA antes _.. Muitos o tentarão sempre através dos séculos.
I'
Mas eu avisei que deixassem tudo. O assunto aqui é muito mais
II urgente. Muito maior. LIslsTRATA
i Não com meu plano. Reuniremos todas as mulheres da Grécia,
incluindo as beócias e as peloponesas, E acabaremos de vez
CLEONICE
com as lutas fraticidas, que nos deixam à mercê dos bárbaros
Tão grande assim?
que descem lá do norte.

LIslsTRATA CLEONICE
Acho que nenhuma de nós jamais enfrentou coisa tão grande. E se não é impertinência da minha parte, me responde: como
Ou nos reunimos e a enfrentamos juntas ou ela nos devora. é que nós, mulheres, vamos derrotar os homens? Batendo neles
com as nossas sandálias douradas, arranhando eles com as
CLEONICE nossas unhas polidas, sujando eles com nossos cosméticos ou
Mas, então, se você mostrou a elas a exata dimensão da coisa, sufocando eles com nossas túnicas transparentes?

12 13
L/S/STRATA CLEON/CE
Serão essas, exatamente, as nossas armas. mas usadas normal- Correndo vou eu mudar o lençol da cama.
mente. As túnicas provocantes, os perfumes tentadores, os cos-
L/S/STRATA
méticos enganadores, o corpo todo, assim tratado e entremos-
trado, o corpo todo assim tornado irresistível. Me diz agora, não era pra elas já estarem aqui reunidas?

CLEONICE
CLEONICE
Mas se ! Deviam vir voando.
Irresistível mesmo? Você acha?

L/SíSTRATA L/S/STRATA
Você vê, como verdadeiras atenienses só irão agir quando for
Se fizerem o que eu digo, e como eu digo, nenhum guerreiro
demasiado tarde. Não apareceu nem uma. Nem daqui, nem do
mais levantará sua lança ...
porto, nem de Salamina. Ninguém.
CLEONICE
CLEON/CE
... Ah, não!
As do porto, vai ser difícil. Vivem lá atracadas. Mas, oh, vêm
umas aí. E atrás vêm mais. Estão chegando. De onde virão?
LIS/STRA TA (olhar de simpática censura)
... contra outro guerreiro. L/SfSTRATA
De Anagiro.
CLEONICE
Ah,sim! CLEONICE
Pelo jeito a cidade inteira veio verificar a extensão do negócio
L/S/STRATA que você propôs.
Todos imediatamente largarão os escudos ...
. (Mirrina entra, seguida por outras mulheres.)
CLEONICE ) ( ..j \ ~·..-l>2 -:t> J2.L/ ~~ __q~_//-'
Ah, é? Vou depressa ao tintureiro buscar minha túnica amare- MIRRINA
la. Chegamos muito tarde, Lisístrata? Que foi, perdeu a fala?

L/S/STRATA L/S/STRATA
... abandonarão espadas ... Que é que você quer que eu diga? Parece que não se apressou
muito, aJ>:esar da urgência que pedi.
CLEONICE / - - ' - " - - - - · , . - . - - - - - - - · · _.. P , . ._ " .•. ~_.~ .... _./ .. _ - - . • •_ _ ' ....,~_. •

Nesse caso, então, talvez seja melhor a camisola transparente. MIRRINA


É que estava escuro, não encontrei minha cinta ... essas coi-
L/S/STRATA sas. Mas se o assunto é urgente convém não perder mais tempo
... e voltarão correndo. do que já perdemos. Aqui estamos. Fala!

14 15
CLEONICE LiSÍSTRATA (apontando a coríntia)
Bem, demora por demora, acho que podemos esperar mais um A outra aí, de onde vem?
pouco pelas mulheres da Beócia e do Peloponeso.
LA MPITO
LiSÍSTRATA De uma família proeminente de Corinto. (Olhando a bunda da
Eu também acho ... Mas não é preciso. Lá vem Lampito. moça, de perfil. Trata-se de uma calipígia.)
(Entra Lampito, uma jovem espartana grande
e forte. com duas outras moças, um;, ~a e CLEONICE
. o~tra F-aríntia.) ~J.{).f);:a/V1i;.J!~ \..o ~~ Proeminentíssima. 7. -
Bom dia, Lampito, cara arruga espartana. Voce esta uma bele..-
za, menina. Pele maravilhosa. Resplandente! E forte. puxa! E
c ~\ ~

LA MPITO
.. ,n
F\ L" j. ~ J ~I
>J3 -> ~p(}~fl"-..::>71"K.~
capaz de estrangular um touro. Mas, afinal, quem foi que convocou esta assembléia de mulhe-
res?
LA MPITO
O touro que se cuide, que eu posso mesmo. (Vira-se de costas.) LiSÍSTRATA
E isso aqui, que tal? Agora, em Esparta. nós todas estamos Eu.
praticando uma ginástica formidável para as nádegas.
LA MPITO
CLEONICE Pois bem, diz o motivo. Que deseja de nós?
É difícil? (Enquanto isso. abre a roupa de Lampito e lhe desco-
bre os seios.) Hum, que peitos maravilhosos. CLEONICE
Sim, cara Lizinha, já é tempo de você revelar a todas a dimen-
LA MPITO são do negócio para que elas possam pegá-lo ou largá-lo. Por-
Pára, menina. Você me apalpa como se eu fosse uma galinha! que a gente não pode se enfiar nisso assim no escuro.
Có - Có - Có - CÓ !
LiSÍSTRATA
LiSÍSTRATA De acordo. Antes porém preciso fazer uma pergunta. Uma per-
E essa outra mocinha. de onde ela é?
guntinha só.
LA MPITO
É uma jovem nobre. da Beócia. CLEONICE
Pergunta o que quiser.
LiSÍSTRATA
Ah, encantadora amiga. eu te saúdo. fértil jardim em flor. LlSÍSTRATA
Vocês não sentem falta dos pais de seus filhos, que as guerras
CLEONICE (fazendo outra inspeção) afastaram por tanto tempo do convívio familiar? Aposto como
Em flor, sim. por Zeus. E cheio de orvalho. Rasparam o capin- todas vocês estão temporariamente viúvas. Nào há uma só que
zinho todo do canteiro principal. tenha o marido presente aqui em Atenas.

16 17
CLEONICE MIRRINA
o meu eu não vejo há mais de cinco meses. Faz parte do grupo Por mim. também concordo. mesmo que tenha que cortar um
que vigia Eucrates. braço pra me alimentar.

LA MPITO LAMPlTO
Soldados vigiando o próprio general : eis uma nov idade! Eu também . é claro . Pra conseguir a paz subirei de joelhos
ao pico do Taigeto.
CLEONICE
Eucrates é um genera l competente e o comando não pode pres - L/SISTRATA
cindir dele. Mas se não o vigiam é capaz de vender ao inimigo Bem. então vou revelar o meu grande segredo. Oh , irmãs de
até a própria farda. solidão e sofrimento. para obrigar nosso s maridos a fazerem
a paz , devemos toda s nos abster ...

(Todas riem.) CLEONICE


Abster de qu ê?
MIRR INA
Meu marido partiu para Da los, sete meses atrás. LAMPlTO
Diz !
LA MPITO
E o meu, a última vez que esteve em casa só teve tempo de MIRRINA
pegar um escudo e partir de novo. Nem vi a cor de sua masculi - Fala!
nidade .
L/SfSTRATA
Mas vocês cumprirão o prometido: Se absterão completamen -
L/SíSTRATA
te do que eu disser:
É assim com todas. Há meses não recebem a paga natural do
casamento. Eu. desde que a guerra começou. não encontro em
MIRRINA
casa nem mesmo a bainha de uma adaga. aquele palmo de cou -
Prometemos ! Nem que essa abstenção nos cau se a morte.
ro curtido e envernizado que poderia me consolar nos dia s
mais intensos. Me digam pois, se eu explicar a vocês uma ma -
LlS/STRATA
neira perfeita de pór fim à guerra. vocês me ajudam. se unem
Pois bem. vocês terão que se abster daquela pequena parte do
r:
a mim. enfrentam as naturais dificuldades da luta :
homem que mais o classifica como ~ . por que viram as
costas? Onde é que vocês vão ? Você aí, por que morde os lá-
CLEONICE bios? E você, por que balança a cabeça desse jeito? Estão to-
Claro que sim. Lizis. Nós. de Atenas. todas nós concordamos. das pálidas! Não , há algumas amarelas. Mudaram todas de
mesmo que tenhamos que passar uma semana inteira sem uma cor. Estão chorando? Respondam , ao menos ! Vão ou não vão
gota de vinho. cumprir o que prometeram? Qual é a dificuldade?

18 /9
- - -'lIL-


CLEONICE se agarrar se lhe acontece um pesadelo. Mas , ai . . . (Pausa.
Pra mim, total. Eu não resisto . Que a guerra cont inue. Suspense.) a paz deve vir primeiro.

MIRRINA LfslsTRATA
Eu também não . Que continue a guerra! Minha querida, minha idolatrada amiga. entre todas você é a
única que merece o nome de mulher.
LlsíSTRATA (para Mirrina)
Mas não era você que estava disposta a comer o próprio bra - CLEONICE
ço ? E se - digamos só pra argumentar - nós tomássemos a me-
dida que você recomenda - abandonando por algum tempo
MIRRINA a medida que mais apreciamos - a paz seria certa ? Você ga-
Estou disposta a sacrificar esse membro , mas não a me privar rante ?
do o utro. T udo , tudo que você quiser, amada Lisístrata . Menos
isso. LfslsTRATA
Juro que sim. pelas duas deidades. Devemos apenas ficar em
CLEONICE casa, vestidas e arrumadas o melhor que soubermos, de prefe-
Lizinha, me pede para atravessar uma fogueira com os pés nus , rênc ia usando uma túnica transparente que nos deixe quase
eu o farei sem hesitação. Mas não nos pri ve da coisa que faz nuas, mostrando nosso delta irresistivelmente depilado. Mas
a vida , da coisa melhor da vida, da coisa que é a própria vida ! quando os maridos apontarem pra nós a agressiva insolência
dos seus desejos, nós nos retiraremos deixando -os sozinhos no
LlslsTRATA campo de batalha, de armas na mão. sem saber o que fazer
Tua opinião também é essa ? com elas.

MIRRINA CLEONICE
Creio que é a de todas. Preferimos a fogueira proposta por Nunca ouvi falar de tortura semelhante. Nós resistiremo s?
Cleonice.
LlSÍSTRATA
LfsíSTRATA Deveremos pensar firmemente em qualquer outra coisa.
Ó sexo dissoluto, ao qual me envergonho de pertencer! Não
é à toa que nos fazem personagens centrais de tudo que é comé - CLEONICE
dia sem-vergonha, Só prestamos para o leito e suas variações. Como pensar em outra coisa diante das armas deles?
(A Lampito.) Mas você. querida, eu sei que posso contar com
você. criada na dureza da vida espartana. Se você me apoiar. USíSTRATA
tudo ainda poderá acabar bem. Me ajuda, me segue . . . eu im- Aí está nossa dificuldade. Mas nosso dever é esse. Se resistir-
ploro. mos eles não resistirão. E teremos a paz .

LA MPITO LA MPITO
É penoso. ó Zeus , uma mulher dormir sozinha sem algo a que Dizem que isso aconteceu a Menelau. Quando viu os seios de

20 21
Helena percebeu que tinha que escolher entre duas espadas. LISÍSTRATA
Largou a da guerra e empunhou a da paz. Não lenha mede : faremos nosso povo ouvir nossas razões.
CLEONICE
LA MPlTO
Mas, suponhamos que nosso s maridos resistam ma is do que
nós. nos abandonem? Você acredita? Acho impossível. Enquanto estiverem em poder
da frot a e dom inarem os imensos tesour os da Acrópo le. acho
LlsfsTRATA impossí vel. Poderão até comprar mulhere s estra ngeira s.
O risco de qualquer batalha é perder a batalha. De qualquer
forma deveremo s tentá -los até o ponto em que esqueçam qual- LISÍSTRATA
quer estratégia. Nó s j á cuidamos disso. A primeira missão de paz será uma
ação de guer ra . Ainda hoje o tesour o aten iense estará em nos-
CLEONICE sa s mão s. Encarregamos disso as mulheres mais velhas. En-
Uma última hipótese . Se nos pegarem à força? quanto discutimos aqui o nosso acordo, elas invadem a Acró-
pole a pretexto de oferecer sacrifício, e expulsam de lá os
LlSÍSTRATA poucos guardas.
Segurem-se nas portas, agarrem-se nas camas, encolham o cor-
po em posição fetal. LAMPlTO
Muito bem pensado, sábia Lisístrata. Você é um general ; co-
CLEONICE mande.
E se nos baterem?
VI Urrl/l>frOf:
LISÍSTkXTA
LlSÍSTRATA
Cedam então , mas não se mexam. não colaborem , sejam cadá- Ante s de tud o. Lampito , um ju ram ento de sangue. para que
veres frios diante da potência e da prepotência. Eles têm pouco no sso pacto sej a inviolável.
prazer quando sentem que não correspondemos. Sobretudo se
nossas mãos permanecerem inertes, eles logo se cansarão da LAMPlTO
brincadeira. No amor as mãos são preciosas. Você diz os lermo s: nós os repetimos.

CLEONICE LlSÍSTRATA
Bem, amigas, acho que devemos , pelo menos, tentar. Se Lampi- O prazer é todo meu. Onde é Que est á nosso sargento? (Uma
to e Lisístrata concordam. eu concordo também . À luta ! mulher se apresenta , devidamente militarizada.) Que é que
o 11 .

' v V -
r v . 9-P-fX;
LAMPITO ("'
"
--v'\....-o
, 'v} ""T\1.C'-..'>
9.0""
'v

i"" L E {I\ /". 'Ix:...·
I r"-'J .J ./
você está olhando, assim , aparvalhada ? Põe o escudo virado
aí no chão , pro s votos e pro sacrifício. Que alguém me traga
Nós, espartanas, estou certa, conseguiremos levar nossos ho- as entranhas de um animal.
mens a uma paz justa e sábia. Mas essa populaça ateniense.
esses ignorantes, ê possível curá-los da sua terrível tendência CLEONICE
belicosa? Espera, Lis ístrata. que juramento é esse ?

22 23

•. "
.'••
.~

Q
~
,
I
LlSÍSTRATA
Um juramento sagrado que eu vi numa peça de Sófocles. Se
mata um carneiro, põe-se o sangue num escudo, e ali se jura
como .. .

CLEONICE
CLEONICE
Ah, que ridas , q ue peça tão mar avilhosa. Lembra, no todo,
aquilo que perdemos. A forma, a mac iez, a consistência e, in-
clus ive, o extr aordi nário prazer que nos oferece o co nteúdo . . .

L/S/STRA TA
.'••
."
~
I
/:9~ "
Não, Lisístrata , isso é um juramento de guerra. Nós buscamos
a paz.
Cleoni ce, por favor, p ára com as tuas anal ogias. Põe essa taça
no ch ão . Ju remos j untas. Soberana deusa da conv icçã o, e tu,
hum ilde taça da amizade e da comunhão, companheira ocasio-
••
/ .J
. (}; .-<\
\ '0
\J
LIsfsTRATA
Então, sugere .
nal da alegria e do prazer de nossos votos, recebe o nosso sa-
crifi cio, ampara os nossos pacíficos intuitos.
••
CLEONICE
Para a paz, devemos pegar um cavalo branco, sacrificá-lo e
j urar sobre as vísceras dele.
CLEONICE (enquanto Lisistrata derrama vinho dentro da taça)
Que bela cor tem o sangue dos deuses! Que transpar ência de
luz, que 'odor de sol, som de casca tas. ••
LlSÍSTRATA
Mas onde é que nós vamos arranjar um cavalo branco a essa
LA MPITO
Por C astor, é toda uma tentação. ••
hora da manhã?iE depois, quem o mataria? Eu sou incapaz
de matar uma galinha .
CLEONICE
Bem, ao j uramento, companheiras! Se nào têm o bjeç ão quero
ser a primeira . ..
••

.'
CLEONICE
Que juramento então? L/SfSTRATA
Não, por Afrod ite, j uremos todas junto. P~!!;1 todas a mào

F'V""0q{)~jl U m
\;i .

I
LlSÍSTRATA
juramento jôn io. ,Colocamos no ~h ão uma taç~ .de a:g ila
negra, a enchemos ate a borda com vinho da Tess ália e Jura -
mos beber apenas água até o grande di a da paz.
em cima da taça. E~leof}iceSe~te...em..nom~ as
palavras solenes que eu profiro. Todas devem apro var o meu
serm ão e ficam advertidas de que a jura é inviolável. " Eu não
deixarei que nenhum homem do mundo, mar ido, amante, ou

.~~~
.~:.:
I
mesmo am igo . .. "
, ItÁ~- --------"

•..'
" -------
, ~eu quero saborear bem o vinho do juramento já que o CLEON ICE (a voz bem fraca)
"Eu não deixarei que nenhum homem do mundo, marido,
. "::
j uramento me proíbe o vinho.
"

~
/ amante . . . "
• , t_ ~ ..

, """ LlSÍSTRA TA j

'b,. Alguém de dentro - traga uma taça grande e uma bota de / / LlSÍSTRATA
vinho! (A ordem é cumprida .) .,.~ / Você esqueceu de dizer ou mesmo amigo . . .
.~
24 ~ 25
~
"'\

.",'
:lI
CLEO NICE (a co ntragosto) LIS/STRATA
"Ou mesmo am igo . .. " E se, abusando da minha fra q ueza de mulher. quiser me violen-
ta r . . .
LlsfsTRATA / r . r

Se aproxime de mim de membro em riste. (A Cleonice, que vira CLEONICE I. ', - GJv,~"
o rOSIO , distraída , assobiando alguma co isa ) Repele. vam os. Ai ! "E se. abusando da minha fraqueza de mulhe r. qui ser me
violentar . . ...
CLEONICE ( ,-"'"v'l.,-v,Y\O--- .'
Ah. sim. (Voz fraca e hesitante .) Ai. min ha s pern as trem em. LlS/STRATA
Lisistrat a. Meu s joelhos dobram . Serei fria corno o gelo , não moverei um múscul o do corpo . ..

LlS/STRA TA (ignorando a reação dela)


/ .
CLEONICE -. C-e '\,;.:. .·/ \.. 'D~ .-
. \ ""
Se for tentada. reagirei me tr an sformando na pr ópria tent a- "Sere i fria co mo o gelo. nã o moverei um múscul o do cor-
ção . . . po . ..
' r, ~ ,.. \
CLEONICE \. ~'r, , I] 'J"'VY' V\. ; LlS/STRATA
"Se for tentada, reagire i me tr ansformando na própria lenta- Nem mostrarei ao teto a so la da s sandálias . . .
cão . . . / -.. " ;' .

CLEON1CE :, ~ '-..P-:.J
LlS/STRATA "Nem mostrarei ao teto a sola das sand ália s . . . ,.
Me far ei pro vocante. usand o minha túni ca mai s leve . ..
LIS/STRATA
CLEONlCE ( i.ú"Yv\ }X~ ,') Nem o ajudarei me bo tando de quatro corn o a s leoas do s rele-
" Me far ei provocante. usando minha túnica mai s leve . . . .. vos assí rios .. .
· 1 - - - '1
LlS/STRATA CLEONICE " :..o.,·V'·'V,Y'.. . . ..
Para que meu homem se queime no fogo do desej o . . . " Nem o ajudarei me botando de quatro corno as leo as do s rele-
vos ass írios .. . "
CLEONICE ( :~:;..L Y'I~ '>À.~)3.cé "-'--0... :'
"Para que meu homem se queime no fogo do desejo . . . ,. LlS/STRATA
E, porque manterei meu juramento, me seja permitido pro var
LlS/STRATA desta bebida.
\
Ma s jamais me entregarei a ele vo lunta riamente . \

CLEONICE (mais animada) .\. yY~I~.'''-l/'''V,- ·I''í.c...-.)


CLEONICE ( ~\ IJ..0-CV"Y"C'--' ·;: &"",..:v'-~\ "E, porque manterei meu j uramento, me seja permitido provar
"Mas jamais me entregarei a ele voluntariam ente . . . .. desta bebida. "

26 27
r

LlSÍSTRATA
Mas, se eu romper minha promessa, que este vinho se transfor- à Cidadela. Só se aceitarem a paz sem restrições. Aí, sim. ale-
me em água. gremente lhes abriremos as nossas ... portas.

CLEON/CE CLEON/CE
E tudo que quiserem.
"Mas, se eu romper minha promessa. que este vinho se trans-
forme em água."
LISÍSTRATA
LlSÍSTRATA De outra forma mereceríamos o destino de escravas que a
Juram todas? maioria dos homens quer nos dar.

TODAS (Saem. A cena muda para a entrada da Acrópo-


Juramos. le. Pela direita entra lentamente o coro composto
de velhos, carregam lenha nas costas e trazem/o-
LlSÍSTRATA gareiros.)
Então eu beberei o que me cabe. (Bebe algum tempo.)
CORIFEU VELHO
CLEONICE (avançando para a taça) Devagar, Drácias, devagar. Aponta-nos o caminho como guia
Basta. amiga. basta: acreditamos na tua convicção. Agora be- seguro, muito embora teu ombro sangre com o peso desse tron-
beremos todas. consolidando assim nossa amizade. (A taça co de oliveira. Mas o dever nos manda para a frente. Avança
passa de mão em mão. Todas bebem. Ouve-se gritos à distân- que nós te seguimos.
cia.)

LAMPlTO
l---:-~~_
Que é isso? Que gritos sào esses t"> -
--------------------
/.J_
-:
v Í'",' /1;'~4;: ?1./. /J
/'Ó-/Y'rO
PRIMEIRO SEMICORO DE VELHOS
Ah, que a vida é uma surpresa atrás de outra surpresa. Levan-
tamos de uma perplexidade para cair em espanto maior. Quem
havia de dizer que as mulheres. que nôs cuidamos. vestimos
LlSÍSTRATA
e alimentamos, teriam a ousadia de se apossar da imagem sa-
Isto significa que está vitoriosa a primeira parte do plano: as grada de Atena Polias. fechando a Acrópole com trancas e fer-
mulheres acabam de ocupar a Acrópole. Vai logo, Lampito, rolhos?
volta pra organizar a subversào em Esparta, Tuas companhei-
ras ficarão aq ui. como reféns. Quanto a nós, vamos nos reun ir CORO DE VELHOS
às outras. lá na Cidadela. para ajudá-Ias a defender o tesouro. Vamos. Filurgos, mais depressa! Cercaremos de toras a Cida-
dela inteira e assaremos no espeto todas as vis conspiradoras.
CLEON/CE
Você acha que os homens vão contra-atacar?
começando com a mulher desse sórdido w.o, que até hoje
ainda nào pagou pelo crime de ter denunciado Sócrat~
LISÍSTRATA
SEGUNDO SEMICORO DE VELHOS
Me rio deles. Não cederemos. mesmo que ameacem pôr fogo
Não, por Demétrio, eu prometo. de mim elas nào rirào enquan-
/ "v/_-
28
29
to me restar um sopro de vida na carcassa. Çleómen~s. rei de depressa ! Força. fuLc;n.te.S. vamos. a Deusa espera por socor-
Esparta, ele próprio. em pessoa, com suas próprias mãos e seu ro! É agora ou nunca! Fuuuu! Fuuuu! (Sopram o fo go.) Hum.
próprio medo rendeu -se a mim. entregou-me armas e bagagens. que fumaceira horrenda!
Tinha dominado a Acrópole por um tempo, pensou que a tinha
conquistado para sempre. Palavra de ~é palavra minha' CORO DE VELHOS
Quando saiu escorraçado pela ladeira abaixo cheirava ma l, es- Ah, bem. pronto ! Aí est á nosso fogo quente e brilhante. graças
tava quase nu , vestido num trapo já sem cor , que mal lhe enco - aos bons deuses ! Agora. primeiro descarregamos o peso desses
bria . o membro decadente . Encurralado ali, estava imundo. ti- tronco s e logo acendemos um de vinha. que é mais inflamável.
nha uma barba imensa cheia de detrito, pois há seis anos não e o lançamo s contra a porta, como aríete . Se ela s não cederem
tomava banho. Vamos lembrar a essas mulheres que assim pa s- à ameaça. levantando as trancas e abrindo os ferrolho s. que i-
sa a glória do mundo e só os deuses ficam. no tempo que flui maremo s portas e janelas sufocando-as com a fuma ça . Tiuu.
eternamente. Tiuu , (Tosse de sufocamento.) Se aqui fora é tão desagrad ável,
lá dentro deve estar insuportável. Hei, não há um irmão aí,
CORO DE VELHOS que ajude a aliviar um outro irmão? (Todos depositam as toras
Oh, Filurgos, aquilo sim foi um sítio feito com decisão . cor a- no chão se ajudando mutuamente. num ritmo de balé .) Ah, que
gem e ciência de guerra sem igual. Eu estava lá. num subco- alívio' Os ossos estalam , lembrando que somos esqueleto. Va-
mando, terceiro capitão na ala norte. Os esquadrões tinham mos, braseiro , cumpre o teu dever do fogo, dá uma chama ar-
dezessete homens de profundidade! Quando a metade dorm ia dente para que eu possa acender a tocha vingadora. Quero ser
a outra metade continuava o cerco do inimigo e mesm o aos o primeiro a queimar a primeira. Vem em minha ajuda, sobera-
que dormiam o general l&ontis ordenava que mantivessem na Vitória, dá-nos a força, a habilidade e a oportunidade de
sempre um olho aberto . E nós, heróis de um passado tão recen - punir a insolência sem par das mulheres que invadiram a nossa
te, vamos deixar essas mulheres peçonhentas, inimigas dos deu - Cidadela. e nós levantaremos a ti um monumento. (Gesto fá/i-
ses e dos trágicos. conseguirem o que não conseguiram inimi- co.)
gos tão potentes ? Por mim . se não conseguir esmagar essa
insolência, jogarei na fogueira todos os meus troféus da Mara -
UM VELHO
tona !
Ao triunfo!
PRIMEIRO SEMICORO DE VELHOS
Mas , olha, é tarefa ingrata subir esse último pedaço sem a aju- OUTRO VELHO
da de um animal de carga. Quase não agüento mais ; os troncos À fortuna! Ao êxito !
arrancam a pele do meu ombro. Porém. vamos continuar : um
derradeiro esforço . Cuidado! Cuidado para que o fogo não se
OUTRO VELHO
apague , agora que chegamos ao destino. (Sopram todos.)
Ao sucesso, ao prêmio, à boa estrela!
Fuuuu! (Sopram o fogo.) Hum, que fumaceira horrenda!

SEGUNDO SEMICORO DE VELHOS (canto) OUTRO VELHO


Ai, este fogo é um cão. morde meus olhos. Vamos. Lagne s. Aos louros , às palmas. à conquista. à glória!

30 3I
....

OUTRO VELHO eu perd ia era um ha usto da liberdade deles que fugia! Contudo,
Ao vento em popa. ao fim co limado , à meta. aos frutos. aos para aq ui vim . e aqui estou. a fim de apagar o fo go com que
ap lau sos! esses velhos seni s tentam queimar minhas camaradas"

OUTRO VELHO SEGUNDO SEMICORO DE MULHERES


Ao alvo. à expectativa. à sorte. à ovação, à coroa de rosa s. No tícias nos chegaram de q ue um bando de velhos fedorentos
avança va para a C idadela. carregan do toras pesando mai s de
OUTRO VELHO três talento s. E que, depois. cada um segur ando o pau em fogo.
Ao tro féu. à medalha, à grinalda. à insígnia. ao penacho. ao faziam di an te da Ac rópole uma ridícula pantomima fá lica. pre -
arco triunfal, à Vitória. tendendo tal vez ressuscitar uma potência que já caiu no ol vido .
Mas lá estão. dominando a parte exterior do templo. vomitan-
••
•.
TODOS JUNTOS do terr íveis ameaças. gritando que vão reduzir a cinzas todas
À Vitória! as mulheres. Oh. Deusa. eles não merecem teu perdão nem tua
- - ~_ . .
(frA.dac16 -'cq;p
~ ~hJ . . . n v
~- \..

(Os velhos começam a acender o jogo. Entra o


Coro de Mulheres carregando vasos cheios d a-
miser icórdia. Deixa ca ir sobre nós a rue graça. para que possa-
mos livrar a Hélade inteira da loucura d a guerra. da ferocidade
dos ho mens. Foi com esse desígnio que minhas irmãs ocupa- • -

0\.(.,' ' ~ gua.) ram a tu a res id ência. . fec ha ram aos homens as portas de teu
Santuário. Desce como aliada. Atena Tritog ênia: ajuda-nos a
••
\CORIFÉIA
Oh. prezadas companheiras. será fumaça e fogo o que estou
vendo o u meus olhos me enganam? Será um incêndio ou uma
transportar água para apagar o fogo com que o inimigo preteri- .
de destruir-nos.

-~~iilff~~s:;~~,2?;;2~L~
. ... ..:=--- - -.. . -_.
••
conflagração? Depressa. vamos. mais depressa!

PRIMEIRO SEMICORO DE MULHERES


Andando mais depressa. vamos. correndo mais depressa. va-
De retór ica bas ta. ah ! . . . (Percebendo de súbito o Coro de
Velhos.) Mas que p~ende com isso . cana lha das canalha s?
Só homens sem deu s. sem fé e sem di gnid ade pensariam em
•e "
mos vo an do. vo an d o . vamos todas voando antes que nossas agir de mane ira tão vil.
irmãs torrem no fogo maldito. ou sejam sufocadas pela maldita
fumaça soprada por esses malditos velhos caducos. que pen-
CORlFEU
sa m poder matar os cidadàos utilizando Suas leis também ca-
Ah, Ah ! Por essa eu não esperav a : um rebanho de vacas aqui
ducas. Grandes Deuses do Olimpo. todo meu medo é chegar
de fora pretendendo sa lvar as outr as lá ele dentro. Vamos assá-
demasiado tarde. po is o vento so pra a fa vo r deles. Não é minha
las tod as nu ma fogueira só .
a culpa. pois me la van tei antes da aurora. mas tive que lutar
com a multidão no chafa riz para encher minha moringa. Oh.
que patuléia tonta havia ali. sem noção do destino que a amea- CORIFÉIA
ça. Que barulho fazia na semi-escuridão da noite. no sernicla- Mas por que tanta ofensa ? É pra fingir coragem ? Por que tanta
rear do dia. Escravos e escravas mais escravos que nunca, me ameaça? É pra esconder o medo? Acha que somos muitas?
empurrando e batendo. sem saber que cada gota de água que Pois vê aqui apenas a décima milionésima parte do que so mo s.

32 33
CORIFEU VELHO
C ORIFÉIA
F édria s, temo s que suportar isso ? Ou vamos interromper de
Peguem as mo ringa s de no vo . camara das. É tudo um a co nver
uma vez por todas com o cacarejar dessas galinhas ? Uma bo a
sa.
vara no lombo, hein ?, um bom pau nas co stas, para que não
se esqueçam nun ca mai s de qu e há uma grande diferenç a ent re C O R IF EU VELHO
os ovo s da fêmea e os do macho . Mulh ere s sem en tran ha s. inimigas do s deu ses. o que é q ue \"0 -
cê s pretendem faze r co m essa ág ua ')
CORIFÉIA
Botem as moringas no chão. para q ue não no s atrapalhem . se C OR IFÉIA
eles quiserem mesmo violén cia. Pode até acontecer qu e estejam E você. p é-na-cova. qu e é qu e você pretende faze r com esse
fa land o séri o. leu fogo? Po r q ue nã o o ap ro veita ra ra o leu fo rno cre ma tóri o .
já q ue você não dura mu ito ? Ou esse fogo é só pr a d ilata r
CORIFEU VELHO
o teu _.. (gesto indecente) ent usiasmo ?
Que alguém arranque doi s os trê s dentes dessa cabra tonta pra
que nã o berre tanto. C O RIF EU VEL H O
Vou prepara r um a pira pr a as sa r no espeto a s tua s a miguinhas .
CORIFÉIA
Pois vem . ent ão : não arred o um pé daqu i. Olh a ! (Cospe no CORIFÉIA
chão. ) Se passar da í te arrancarei com os dentes um pedaço A minha água va i apagar teu fogo.
do corpo que você só poderá reclamar com voz bem fina .
CORIFE U VELHO
CORIFEU VELHO Vai apagar meu fogo? Ah !
Silêncio. ou minha vara encu rtará teu s dias.
COR IF ÉIA
CORIFÉIA O fogo não é muito . Um a go ta só ch ega.
Ou sa tocar num ded o meu! Ou de qualquer uma !
CORIFEU VELHO
CORIFEU VELHO Sabe que eu não sei o que me impede de que ima r teu rabo
Por que. o que é que você vai fazer ? O qu e é qu e você vai com esta toch a ?
fazer depoi s d'eu arrebentá-Ia a por retadas?
CORIFÉIA
CORIFÉIA Pr a te limpar . nojen to com o és. é qu e não há água qu e ba ste.
Fica tranqüilo ; outra qualquer te arrancará a dentadas os pul -
CORIFE U VELHO
mõe s e as vísce ra s.
Você o uviu essa insolente ?
CORIFEU
CORIFÉIA
Ah. quem tem razão é Men ander. Bem qu e ele mo st ra. nas co -
Insolente po r quê ? Só porque dig o o q ue penso? Só porque
méd ia s dele . a falta de ~gonhadas mulheres.
so u um a mu lher livre ?
34
35
.-
••
.'••
eii
.'•
CORIFEU VELHO tentando com palavras. teimaram em" nos dar um banho que
Livre, é? Pois eu te ensino a liberdade! (Ã tocha) Chama do não pretendíamos tomar mais nesta vida. E aqui estamos nós,
Olimpo, queima os cabelos dela. torcendo as roupas. pra que o povo não pense que voltamos

CORIFÉIA (falando à vasilha)


Água imortal, afoga o fogo, teu inimigo eterno. (As mulheres
à infância e urinamos nas fraldas.

COMISSÁRIO ••
•.:
inundam os homens com os vasilhames cheios d'água.) Por Posêidon, o marinheiro. é bem feito pra nós todos. Quem
perm~as chegassem a tal ponto? Fizemo-Ias cúmplices
CORIFEU VELHO das nossas perversidades. E com nossas libertinagens, tantas
vezes sugerimos e até incrementamos as delas. A isso teríamos

••
Ai. desgraçadas!
que chegar. Uma sociedade dissoluta. Um marido entra numa
CORIFÉIA loja e diz ao joalheiro: "Parto hoje mesmo pra Tessália. Minha
Está muito quente? mulher quebrou o fecho. Se você tiver tempo ~em casa

CORIFEU
Quente, suas pestes! Está gelada! Chega! Chega! !
e vê se coloca uma cabecinha maior no fecho dela". Outro en-
tra no sapateiro. jovem bem conhecido pela habilidade com
que usa a sua ferramenta e lhe diz: "A fivela da cinta dourada
••
CORIFÉIA
Deixa eu regar mais um pouco, quem sabe ainda te nasce um
que minha mulher te comprou está machucando a pele delicada
de seu ventre. Passa lá ao entardecer e dá um jeito no furinho
dela. Se for preciso faz um furo novo pra que ela fique mais ••
•;
broto? folgada". E é por tudo isso que eu estou aqui, Comissário do
0.0'
.-
povo. sem poder pagar meus comandados. As mulheres fecha-
CORIFEU
ram as portas do tesouro bem na minha cara. Vamos. que é
Não. já estou seco demais. Corro o perigo de rachar ao meio,
que vocês fazem aí de braços cruzados? Tragam-me uma ala-
Chega que estou gelado!
,-----_ ..... -- ..
"
vanca qualquer. Eu castigarei essa insolência. (A um dos citas)
íJ '"V"À.d;::t..~ li;:> (Entra um Comissário. seguido de quatro sol- Hei. hei. você aí, meu amiguinho. está surdo do ouvido? Ou .:~


nunca viu mulher? Vamos. todos Juntos, arrombaremos essas
~~ mY1S~ ~itas.) portas para mostrar a elas que, ' "

•."
COMISSARIO .• '~<
Ouvi dizer que havia aqui umas mulheres gritando, ameaçan- LlSÍSTRA TA (abrindo a porta e aparecendo)
do, se desmandando. enfim. de toda forma. Ouvi dizer que Não há necessidade de arrombar as portas. Larguem essas ala-
agrediam os passantes com impropérios, versos maliciosos e vancas. essas barras. esses pés-de-cabras. Não precisamos dis-
cantos profanos acompanhados por uns tamborins. Como Co- so. Nem de trancas, ferrolhos e cadeados. Precisamos apenas
:'de um pouco de bom senso.

."~
missário do povo e da Comarca, vim imediatamente para resta-
belecer a ordem, se há desordem. Fala!
COMISSÁR Ia (saltando para Irás. nervoso. e recobrando a cus-
CORIFEU VELHO to sua dignidade masculina)
Abusaram de nós. nos insultaram, Comissário. E. não se con- Realmente. minha cara senhora? Acha mesmo que devo con-

36 37
co rdar co m isso : Arqueiro. prenda essa mulhe r! Amarre as (Ao soldado ) Vai . te apro xim a que eu te arr anco os cabelo s
mã o s dela na s cos tas. qu e te resta m. nã o lodos de uma vez . mas um a um. até dei xa r
em san gue teu co uro cabeludo. (O quarto soldado se borra de
LlSÍSTRATA med o.)
Po r Ár ternis. a Virgem Sag rada. que se ele me toc ar com a
C O M ISSÁ R IO
ponta d os dedos. por mai s soldado do pov o q ue seja. va i se
Ah. miser ável qu e eu sou ! Meus própri o s so lda dos me abando-
ar repe nder a marg a mente de ter vindo ao mund o . (O soldad o
na m. se borrando de med o. Escu tem , tenham vergo nha . rea-
se borra de medo.)
j am ! Devem o s nos considerar batidos po r um bando de infeli-
C O M ISSÁ R IO zes desor gan izad as. sem a menor ins tru çã o mil ita r? Além de
Como? Qu e é isso ') Está com medo ? Depois te mostr o le u lu- mulhe res. civi s. É vergo nh a de mai s. Va mos. j untos. em form a-
ga r no regulamento. (Para outro soldado ) Agar ra ela . eu te ção de co m bate. ava ncem!
ordeno. Pela cintu ra. que é ma is fácil. Vai você também . ajuda LlsíS TR A TA
ele. Ah, qu erem açào co njunta? Pois terão que se defront ar co m
qua tro batal hões de mulheres belicosas e muito bem armadas.
CLEONfCE
Estam o s prepa rad as.
Olh a. se você co locar a mão em cima del a. eu o a gredi rei co m
ta l viol ência q ue você . de med o. vomitará o que -co meu toda COMISSÁRIO
a seman a . E ai nda por á pr a fora a comida do in testin o . pelo Con ver sa tudo, so ldados . nào tenham o men o r rece io . As ar -
lugar devido. (O segundo soldado se borra de medo.) mas dela s são o dedal e a agulh a. Avancem ! e amarrem as
mão s dela s na s co stas. (Os soldados avançam , ma s hesitantes.)
COMISSÁRIO
Mas olhem só a sujeira qu e fizeram. Onde est á o outro solda - LlSÍSTR ATA
do ? (Ao terceiro soldado) Vem cá. segura primeiro essa aí. Ava nte também . gala ntes companheiras! Sa iam pa ra o cam po
que me parece a mais audaci o sa . de luta vendedor as de hortaliças. brandind o nabos contra o ini -
migo . Venha m também as taverneiras. de vasso uras em punho.
MIRRI N A as pad eiras j á que estão com a mão na massa. as costureiras.
Por ~ . se você o usar tocar num fio de cab elo dela. pode com tesour a e agul ha. as cozinheiras com mol ho s picantes.
chamar um sacerdo te pra encomendar ao s verme s do infern o Ataquem . ag ridam . varram . queimem. piquem. batam . enfiem.
a sua a lma indign a. (O terceiro soldado se borra de medo.) fu rem. invecrivem, mordam e matem . Não tenha m med o, pena.
nem vergo nha ! Agarrem nele s por onde puderem. (A s mulhe-
C O M ISSÁ R IO res põem os citas em fuga .) Agora chega. Podem retirar-se.
Mas como ? Qu e est á acont ecendo ? Vou fica r sem um so lda do ? Não q ueremos nada do inimig o. (Todas saem , exceto Lisistrata
(Ao quarto soldado ) Não a deixe escapar. Mo st ra se é o ho - e as duas outras .)
mem o u a mulher quem man d a aq ui nesta cidad e.
C O M ISSÁ R IO
LlSÍSTRATA Que hum ilhaçào pro s meu s soldados! Que diminuição para os
Se esse te u so ldado se apr o xima r del a você ter á a respo sta. meu s homen s !

38 39
••
~ckoLL i~.~~j
.'
••
L/SiSTRATA
Ah, Ah! Você pensou que ia enfrentar apenas um bando de
escravas desorganizadas. Agora, ao menos, já aprendeu com
.~
COMISSARIO (á, mulheres)
Primeiro eu lhes pergunto: por que resolveram trancar as por-
.~",
.::'
que ardor lutam as mulheres dignas desse nome. tas da Acrópole? .;Jé
COMISSÁRIO
Ardor, ardor, não nego. Mas seria melhor que o aplicassem
LlsisTRATA
Para dominar o tesouro. Onde está o tesouro está o poder. Sem ••

no ato devido. Vai ver que ao chegar a hora ...

.'
dinheiro, não há guerra. Se entende que queremos a paz?
CORIFEU VELHO
COMISSÁRIO
Senhor, senhor! Por que perder palavras com essas feras? Ain-

•••
da há pouco se atiravam sobre nós como selvagens e fomos Com que então, o dinheiro é a causa da guerra?
felizes de escapar tendo tomado um banho, apenas. O fogo é
o que merecem. LlsisTRATA

CORIFÉfA
O que é que você buscava? Recebeu o prêmio de quem mete
E, usado na guerra, falta na paz. Por isso a guerra é opulenta
e a paz é miserável. Pisandres, o oligarca, vive pregando mil
rebeliões; e a cada uma aparece mais rico e mais potente. Pois ••
a mão onde não deve. E se tiver a ousadia de começar de novo,
bem pode ser que perca os próprios olhos. Meu prazer e meu
resolvemos acabar com isso. Nem mais uma dracma do povo
será gasta na guerra. --,-
••
desejo era ficar em casa, quieta e delicada, tímida e recatada,
como convém a uma donzela, sem incomodar ninguém, nem COMISSÁRIO
••
pedir senão aquilo que mereço. Em troca ofertaria ao mundo
um pouco de graça e de beleza, um sorriso de amor e um gesto
de paz. Ah, a abelha também dá mel, só até que alguém queira
arrancá-lo pela violência.

CORO DE VELHOS
E, se não me intrometo em demasia, que pretende fazer com
o tesouro?

LlSÍSTRATA
Ainda não ficou claro? Vamos administrá-lo de maneira do-
méstica, feminina.
.'•.c,.
Ah, grande Zeus! Como poderemos vencer ou contentar essas
feras ferozes? É mais, muito mais do que podemos suportar.
Temos que descobrir como" e por que motivo, dominaram a
COMISSÁRIO
Ah, é? Comprando cebolas e batatas para os pobres?
.\".
.~. , ..
Acrópole. Com que fim ocuparam a Cidadela de Cr ánaos, logo t,~,

o altar sagrado colocado na rocha inacessível da morada dos


L/SiSTRATA e:7'

deuses.

CORIFEU VELHO (ao Comissário)


Vamos, interrogue-as. Mas com cautela e sem credulidade. Se.
ria negligência criminosa não procurar sabermos mais do que
sabemos ou ficarmos sabendo menos do que poderíamos.

-;w_---------'Í".-._________---~--""""::_____,
Senti no que me disse uma ironia? Só a pretensão masculina
julga que administrar um estado é mais difícil do que adminis-
trar um lar.

COMISSÁRIO (irônico)
Um pouco diferente.
.

.i
,1.>'
.~.
;;;,~

, ,; ;:

'~;,

41
-I
e! .~
~;C,
LISÍSTRATA LlSÍSTRATA
Ah, não ! Estou surpreendida. Vamos tentar. porém. quem Salva r vocês não é uma tarefa muito ag radá vel , pode crer. Ma s
sabe? é nosso deve r.

COMISSÁRIO COMISSÁRIO
Esse tesouro é fundamental para a manutenção da guerra. Com qu e nom e agora eu chamo isso ? É mais que uma impu-
dênc ia. É uma iniqüidade. Ficaram loucas?
LISÍSTRATA
Pois é. Não entendeu ! É no sso princípio básico : nã o gostam o s LlsíSTR ATA
de guerra.
Sabem os bem com o é doloroso pra vocês o sentimento da im-
potência. Porém. repito. queiram o u não queiram. vão ser sal-
COMISSÁRIO vos I
E a segurança da cidade? Como sustentar nos sos serviços de
informações sem o tesouro ? Como, sem d inheiro. descobrir os COMISSÁRIO
inim igos que vivem aqu i dentro subvertendo a ordem? Com o ,
Mas. donde veio essa idéia de se meterem na guerra e na políti-
sem dinheiro, pagar lá fora os amigos que subvertem a ordem ca ?
dos outros em nosso benefíc io?

LIsIsTRATA L/SISTRA TA (sentando-se)


É fácil de explicar. Escuta.
Nó s cuidaremos disso, na med ida em que acharmos necessário.

COMISSÁRIO COMISSÁRIO
Vocês ? Mas. como ? Sentada assim ? Acha que ainda no s resta paciên -
cia para ouvi r uma dissertação ? Depressa, vamos, antes que
LlSÍSTRATA (imitando o ar de superioridade dele) eu . . . (Gesto ameaçador.)
Nó s mesmas.
LIsIsTRATA (force)
COMISSÁRIO Escuta. eu disse! (O comissário se refreia.) E as mãos parada s !
Que ousad ia! E nem um movimento.

LIsIsTRATA COMISSÁRIO (raiva impotente)


Nós vamos salvar a cidade e a vocês também. mesmo que não Oh. até onde terei de suportar o atrevimento a que chegaram "!
o queiram.
CLEON/CE
COMISSÁRIO Até onde qu iser. O risco é de vocês. Têm muito mai s a perder
Que ousadia ! Atinge mesmo as raias da impudência! do que nós outras, se a guerra continua.

42 43

••
••
••
. ~)
COMISSÁRIO
Quer parar de cacarejar. você também? Não basta uma co-
ruja velha? (A Lisístrata) Fala você. mas seja breve.
LlsíSTRATA
Pois eu. não dizia mais nada. Só noutra oportunidade, diante
de uma decisão ainda mais grave e mais estúpida, eu não me
••
L/SíSTRATA
Se pudesse ser tão breve quanto o desejaria, diante de ouvidos
continha: "Mas meu marido. como é que você participou de
semelhante cegueira, que pode até ser fatal. mas pelo menos
vai ser um desastre?" Ele apenas me olhava com infinito des- ••
••
tão grosseiros, eu ficaria muda. Mas serei tão breve quanto
possa. O fato é que. desde o início desta última guerra _ e prezo e respondia: "Volta pro teu bordado. cuida do teu lençol
nunca vi uma paz completa em toda a minha vida _. vimos ou terá muito de que se arrepender. Guerra é pra homem".
suportando normalmente, isto é, em silê~ncio e humildade, COMISSÁRIO
como vocês inventaram que é próprio das mulheres, a trernen-
da estupidez das ações masculinas. As regras patriarcais im-
põem que mulher não deve abrir a boca, ou melhor, só deve
E tinha toda razão. Ou vai dizer que não?
LlsíSTRATA ••
fazer isso silenciosamente, boquiabrindo-se de admiração dian-
te da inteligência, da beleza ou dos atos de valor do amante.
pai, marido, irmão. Qualquer macho que esteja a seu lado, por
Eu respondo que não, pobre infeliz. Não manter um diálogo
conosco. não deixar que criticássemos resoluções suicidas para
todo o país. jáera demasiado grave! Mas chegamos ao ponto ••
mais estúpido, torto, vesgo ou covarde que ele seja. E como
obedecíamos ao jogo social, a canalha masculina, cuja superio-
ridade se define toda num pênis eriçado, acreditava que éramos
em que não havia mais nenhum homem válido na cidade. Re-
crutadores perguntavam pelas ruas: "Mas não ficou nenhum
homem em toda Atenas?" e recebiam a resposta trágica: "Ne- ••
••
felizes. Que aplaudíamos a maneira como conduziam os acon- nhum. Nem um digno do nome". Foi aí que decidimos que
tecimentos. Ah, quanta insensatez, quanta cegueira! Muitas ve- era chegada a hora, que a salvação da Grécia dependia agora
zes ouvíamos vocês discutindo, decidindo a vida e a morte do das mulheres. Abram os ouvidos à nossa sensatez, fechem as
povo, a SOrte e a felicidade dos nossos compatriotas. E os argu- bocas que já usaram tanto e tão inutilmente. Chegou a nossa
mentos nos pareciam vistos pelo avesso e de cabeça para bai-
xo. Arriscávamos então uma pergunta temerosa. Com o cora-
ção pesado. mas mantendo um sorriso, indagávamos:
vez de apontar o caminho.
COMISSÁRIO ••
"Querido, na Assembléia, hoje, você falou alguma coisa pela
paz?" "Pra quê?". a resposta vinha como um trovão, pois vo-
cês sabem tudo. "Que é que você tem com isso? Isso é da sua
Vocês, apontarem o caminho? Mas é uma audácia que ultra-
passa todas as audácias.

LlSÍSTRATA
•.-i
.
:~:--..

.•;
conta? Onde é que se viu mulher se imiscuir em interesses pú- Quieto aí ! Quieto e calado!
blicos? Cala a boca!" E 'adivinha o que fazíamos nós? (O Co-
missáriofaz gesto de quem não sabe.) Calávamos a boca. COMISSÁRIO
CLEONICE O quê? Acredita mesmo que eu vá obedecer ordens de um ser
inferior. desonrando minhas roupas de homem? Antes mil mor-
Eu não calava. não. Falava sempre tudo que me vinha. tes. ~.~.
COMISSÁRIO
E o teu marido. não te dava as bofetadas que você pedia?
L/SíSTRATA .:2
.~
Se é só às roupas que voce teme desonrar. nào se incomode.
44
45
Troca comigo. Eu te prom eto que mante rei a dignid ad e delas. C O MISSÁ RIO
(A /LO .) Mas cala !
Vocês persi stem. entã o ?

CLEO NICE L/Sí S TRA TA


E pega aqu i esta cesta de compras. esta s agulhas ,de bordar. Eles não acreditam . Têm raz ão. Atu ram o s ta nto. tanto s anos.
e descasca esta s vagens . A guerra agora é assunt o feminino . pensam que ainda brincamo s. Poi s va mo s acabar com esses
Vocês vão ver como é bom fica r em casa submi ssos. militares fanfarrõ es . tantas vezes até emb riagado s. correndo no
merca do . lança em riste. usa ndo contra o povo as ar mas do
CORIFÉIA estado .
E com isso. basta ! Ponham de lado todas as vasilh as. e vamos
ajudar as nossas companheir as. CLE ON ICE
É uma medida sanitária.
CORO DE MULHERES
Por mim , nunca me cansare i de dançar em louvo r de minhas LISÍSTRATA
camaradas. Meus joelhos jamais se curvarão ao peso da fadiga. Poi s que, no s dias de hoje. é uma vergonh a. Comem e bebem
E eu enfrentarei a tudo e todo s. j unto a minha s irmãs sobre sem pagar. levam consi go pratos e panelas. e and am pelas ruas
quem a natureza generosa derramou a virtude que emociona. cheios de arrogância. humilhando quem nã o o usa baixar a vis-
a graça que encanta. a inteli gência que convence. E o patrioti s- ta diante deles .
mo unido à prudência.
COMISS ÁRIO
CORIFÉIA Pois têm todo o dire ito. Se não fossem eles. onde esta ria a P á-
Oh , boa Lisistrata, a mais ga lante da s mulheres de At enas, oh . tria ? Não se impõe limites a um so ldado. Ao s bravos. tudo !
corajosas am igas sem medo e sem mácu la. avant e ! Que não Não se confere as cont as do s heróis.
nos guie nenhum ressentimento do passado, não nos impeça
nenhum temo r do futuro . Vamos. que o vento da fortuna agora LlSÍSTR ATA
sopr a em nossa direção. Ao s bra vos também o ridículo ? Os mai s graduados andam por
aí, esco lhend o peixe no entreposto sem tirar da cabeça o glor io-
LlsIsTRATA so capacete do leão dourado. Ah !
E se o doce amor . o incompa rável Ero s. sopr ar também o fogo
do desejo em nossas coxas. com ele at içaremos o ardor dos CLEONICE
homens até que não consigam mais esconder a rigidez das pr ó- No outro dia . na feira , eu vi um capitão de ca valaria de cabelos
prias ânsias. Poi s até nisso Afrodite nos fez mai s de licadas: cacheados tomando sopa dentro d o própr io capacete. e sem
nosso desejo é oculto e imperC;p'rívei:""O deles é públ ico e not ó- desce r do cavalo. Outro, também montado, assustava todo
rio. Essa pequena diferenç a. que não chega a um palm o. nós mundo, dando galopes rápidos. lança em riste, furand o as fru-
usaremos par a a paz da 'G récia. ta s expo sta s nas barraca s.

46 47
··w--
••
......... .:

••
COMISSÁRIO
••
E como vocês se propõem a restaurar a ordem e a paz em
toda a Grécia?
e os classificamos como parasitas do tecido social - que deve
ser trançado apenas com cidadãos úteis e prestantes. Usare-
mos, sim, mas apenas para confecções inferiores, os relapsos, ••
••
os devedores do tesouro, os bêbados contumazes, e todos os
LISÍSTRATA
outros cidadãos não de todo estragados mas já parcialmente
Não há nada mais simples.
deteriorados. Isso feito em todas as cidades, nos restaria consi-
derar cada núcleo social como um novelo à parte, puxar cada
COMISSÁRIO
Ah, é? Não diz! (Percebendo que Lisistrata se desinteressou
de explicar) Vamos, explica.
fio daqui pra Atenas, dando assim ao povo, daqui e das colô-
nias, o meio d'e'""teCer o gigantesco manto da proteção geral. ••
LIsíSTRATA
Quando estamos tecendo e os fios se embaraçam, nós os cruza-
COMISSÁRIO
Mas nào! Vocês não têm mesmo vergonha de traçar paralelos ••
••
mos pra lá e pra cá, mil vezes, pacientemente, até que os fios imbecis, comparando cidadãos com novelos de lã, e pretenden-
fiquem soltos. Faremos o mesmo com a guerra. Mandaremos do resolver as complicações do estado com linhas e agulhas?
embaixadas cruzar o país em todas as direções, com mensa- Bem se vê que nunca sofreram na pele as responsabilidades
gens de paz. de uma guerra!

COMISSÁRIO
E cada embaixatriz vai levar uma agulha, um novelo de lã
LISÍSTRATA
O que, homem infeliz, incapaz, como qualquer homem, de ver
••
e uma roca para ajudar a trançar numa só teia inimigos mor-
tais? Que mulheres ridículas!
além do seu pequeno círculo de giz?! Não conhecemos a guer-
ra? E os filhos que criamos para enviar a guerras que vocês
começam sem saber, e não sabem como acabar?
••
LIsíSTRATA
Se vocês tivessem um pouco mais de bom senso iriam, como
nós, buscar as grandes soluções, nas coisas simples. A tecela-
COMISSÁRIO
Cala a boca, mulher. Não vem agora com lamúrias e recorda-
••
gem é uma lição política.

COMISSÁRIO
Me explica direitinho, pode ser?
ções dolorosas.

LISÍSTRATA
E, além disso, ao invés de cumprir aquilo a que a natureza
••
.-~

nos destinou, em nossa idade e força, em vez de gozar os praze-
LlSÍSTRATA
res do amor, aproveitando ao máximo nossa juventude e nossa
Quando pegamos a lã bruta, o que fazemos primeiro e tirar
beleza fugidia, ficamos aqui, na solidão, num leito angustiado,
dela todas as impurezas. Pois faremos o mesmo com os cida-
porque nossos maridos foram todos pra guerra. Mas nào falo
dãos, separando os maus dos bons a bastonadas, eliminando
por mim, pelas casadas, falo mais pelas meninas que brotam,
assim o refugo humano que há em qualquer coletividade. Aí.
se abrem em flor, e murcham sozinhas sem um amor que as
pegamos os que vivem correndo atrás de cargos e proventos.
colha.
48
49
rando com a barca da morte pr a te levar pra s profundas da
COMISSÁR IO
terra.
Ué. e os homens la. que defendem a Pátria. também não enve-
Ihecem ?
{A s mulheres se afastam. )
LlsíSTRATA
Não é. nunca foi. nun ca será igua l. Quando o guerreiro volta . COMISSÁRIO (se limpa)
embora alquebrado e com os cabelos brancos. sempre lhe é Por Zeu s, qu e nunca fui tratado de mod o tão hum ilhante . É
pos sível arranjar alguma bela jovem. Mas para a mulher . a pri- um insulto que não posso tolerar ! Vou imed iatamente me ap re-
mavera é c urta. E quando o outono chega. já ninguém ma is senta r ao Tribunal para qu e meu s companheiros veja m o esta-
a olha e ela se recolhe na sem i-escu rid ão da alco va a consultar do a que as mulhere s de Atenas pretendem reduz ir toda a ma-
oráculos cruéis. gistratura.

COMISSÁRIO LlSÍSTRATA
Ma s também. você tem que entender que um homem. quand o E diga que venha m todos. se querem tratamento igual. Diga-
ai nda é capaz de uma ereção . não va i ga stá-la num a mux iba lhes qu e a lei. agora. também é feminina. Se isso não é melhor .
velh a. pelo men os será mais gracioso. (Entra na Acrópole, com Cleo
4e:. ---... nice e M irrina.)
LlsíSTRA TA4-----.--.~----- - - _____
Me di z uma coisa . po r qu e é que você não ca i morto aí. hein ? CORIFEU
Nã o já passou da tua hora? Você é rico , pode comprar um Despertem para a luta todos os homens vá lidos de Atenas. Nã o
k >/ bom ca ixão . Vai. mo rr e ! Eu te preparo um lind o bolo funerá- podemos mai s dorm ir um só instante. {Com relação à sujeira
1" Ox.~ rio . Camaradas. ajudem -me a enterrá-l o ! feita pelos soldados.} Isto realmente nã o está me cheira ndo

~tK~
bem . Temos que preparar-nos.
(Começam a atirar sobre ele tud o que têm ao
i~~l alcance da mão. ) CORO DE VELHOS
O cheiro que eu sinto por aqu i é de coi sa bem mais desagradá-
CLEONICE vel. Está no ar um terr ível fedor de tirania. como se Hípias
Morre logo. q ue eu te prometo também uma mortalha. (Atira de novo nos trepasse às costas. Suspeito que esses espartanos,
coisas sobre ele.) reunidos em casa de Clistênio, vieram especialmente para aci r-
rar o ânimo das inimigas do s deuses. instigando-as a tomar
o tesouro e não pagar minh a pensão . no fim do mês .
MIRRINA
E eu te trag o uma coroa. Toma por conta. (Cobre-o de poeira.)
CORIFEU
Porque. atentem bem . É um crime e uma vergonha deixar mu -
LlSÍSTRATA
lheres fazerem arengas aos cidadãos. ensinando-lhes que isto
O que é que te falta ainda? Vai. cadáver ! ç arente está te espe -

50 5I
.-

é patriótico e aquilo é ilegal, isto cívico, aquilo imoral. Elas contribuição ao Estado, eu a dou em filhos" que alimento e
chegaram à ousadia de pregar união com os espartanos nos crio. Mas vocês, velhotes miseráveis, não contribuem com coi-
quais devemos confiar menos do que numa alcatéia de lobos sa alguma para a comunidade. Pelo contrário, malbarataram
esfaimados. Repito, minha gente, que tudo isso não é mais do todo o tesouro que nossos antepassados conquistaram com
que uma tentativa de restabelecer a tirania. Mas eu: eu não suor. E, como compensação, continuam a arriscar a vida de
me submeterei! Pra começar a reação vou me coloca~ todos os cidadãos e a segurança do Estado com os erros de
mesmo na praça, como estátua, no monumento de ~atéia) vocês. Têm, como defesa, uma palavra que seja? Pois se têm,
(Imita estátua grega, com punho direito erguido. A mão es- não a digam. Será na certa uma mentira que vai me irritar
querda. à altura do ombro, segurando a toga.) E quando essa ainda mais. E ao primeiro que disser mais uma mentira nós
estúpida passar vou lhe mijar em cima. quebramos o queixo com as nossas sandálias. Para isso calça-
mos as mais pesadas.
CORIFÉIA
Pode ser. Mas eu não te aconselharia a fazer isso, porque, de- CORO DE VELHOS
pois, nem tua própria mãe vai te reconhecer. Antes, porém. Ultraje sobre ultraje! A insolência, incontida, aumenta de inso-
amigas e aliadas, vamos aliviar um pouco nossas costas. lência. Mas vamos acabar com isso, camaradas, vamos mos-
trar a essas cadelinhas que ainda somos homens, que nossos
(Tiram os casacos mais pesados. depositam-nos bagos ainda estão inteiros! Fiquem nus da cabeça aos pés, ar-
no chão.) ranquem as roupas, sacudam do peito a velhice e o cansaço,
mostrem que somos de novo jovens, como no tempo em que
CORO DE MULHERES o inimigo nos cercava e m ~
E agora, todos os que são cidadãos, escutem o que tenho a
dizer. Mulher que sou, fraca embora no conceito geral dos ho- CORIFEU VELHO
mens, venho aqui dar meus conselhos à cidade que de mim Perfeito. Se cedermos, a audácia delas não terá limites! Até
merece tudo pelo carinho e calor com que me tratou no berço. se resolverem formar cavalaria montarão muito melhor do que
pelas distinções e pelo luxo com que me acompanhou até a nós, pois têm o traseiro mais firme e nenhum apêndice na fren-
juventude. Aos sete anos de idade eu carregava as ânforas sa- te incomodando na hora do galope. É agora, antes que seja
gradas, aos dez botava incenso no altar de Atenas: depois, ves- tarde, que devemos botar a coleira no pescoço delas.
tindo a túnica amarela, fui virgem de Afrodite nas festas de
~a. E enfim, feita donzela, alta e formosa, meu corpo CORlFÉIA
já pronto para ser mulher, pedi à Deusa que me libertasse de Não temerei as ameaças masculinas enquanto tiver Lampito
meus votos de virgindade e passei a usar um colar de figos aqui ao meu lado; e também esta jovem tebana, minha querida
secos. Ismênia, Podem fazer decretos e mais decretos condenando as
mulheres, ó criaturas abomináveis. que nós não cederemos.
CORIFÉIA Inda ontem. para uma festa em honra de ~ pedi a uns
Por tudo isso, vim aqui trazer a Atenas o meu melhor conselho. vizinhos da Beócia que possuem uma filha de extraordinária
Não é um crime ter nascido mulher, e minhas palavras devem beleza, que a deixassem vir a minha casa. Tiveram que recusar,
ser seguidas se puderem curar os nossos infortúnios. A minha segundo me disseram, porque há um novo decreto proibindo
52 53
--
"

--- ..
.~: .

~,~

que as mulheres muito jovens visitem outras cidades sem auto- LISÍSTRATA
rizaçã o especial. Que abominação! Não deixaremos de sofrer Que adianta apelar para os deuse s? Elas sentem uma atração
vexames, vocês não pararão de nós tolher cada vez mais com mais forte aqui na terra. Não posso mai s impedir que elas pro-
decretos sem fim. enquanto não reagirmos com a violência ne- curem os homens. Estão che ias de luxúrias. dispostas a toda
cessária. (Para Lisístrata que sai da A crÓDoJe) Rainha de nos- humilhaçào. ansiosas por serem esmagadas novamente. Come-
~ sa causa. tu qtte1io guia de nossa empresa gloriosa. por que çam a desertar. Peguei a primeira alargand o a pequen a abertu -

~
vens assim com ar tão sombrio? ra junto à gruta de Pâ. Outra estava descend o o monte por
urna corda que tinha. não sei como . amarrado a uma polia .
. .' LISÍSTRATA Uma outra. num canto. já hav ia entrado em contato com o
O que me traz melancolia é o comportamento dessas mulheres inimigo e. através dela. o inimigo penetrava a nossa Cidadela.
sem força e sem caráter. Não sei o que fazer diante de tal falta Cheguei a tempo de arrancá-la chorando e esperneando do en-
de brio. revero em que ia se perdendo. E o inimigo lá ficou. sozinho.
de arma na mão. sem saber o que fazer com ela. Outra ainda.
trepada nas costas de um ganso. tentava. pura e simplesmente.
CORIFÉIA
voar pra casa. quando eu a segurei pelos cabelos. Cada uma .
O que é que você está dizendo?
e todas. estão inventando pretextos para debandar. (Apontando
para a porta) Olha! Lá está uma tentando dar o fora . Olá.
LIsfsTRATA você aí. Onde é que vai com tanta pressa?
A verdade. Estou dizendo apenas a verdade .

CORIFÉIA PRIMEIRA MULHER


Mas que aconteceu de tão grave, que mudou tua face tão de- Preciso voltar pra casa. Me lembre i que deixei lá toda minha
pressa? Conta a tuas amigas. lã milesiana. A essa altura deve estar sendo comida pelas tra -,
ças .
LISÍSTRATA
Ah, é vergonhoso contar! Mais vergonhoso calar. LIsfsTRATA
Eu sei! Conheço bem o tamanho da traça de que você fala .
CORIFÉIA Volta pra lá, correndo!
Não oculte nada de mal que tenha atingido a nossa causa. Pre-
cisamos saber.
PRIMEIRA MULHER
Juro pelas duas deusas que eu vou correndo ! Só o tempo de
LISÍSTRATA espalhar a minha lã na cama,
Para dizer tudo o mais breve possível : elas não agüentam vi-
ver sem fornicar.
LfsfsTRATA
CORIFÉIA Você não vai espalhar nada na cama! Já disse e basta : nin-
Oh, Zeus! Oh, Zeus ! guém sai daqui.

54 55
.-

PRIMEIRA MULHER TERCEIRA MULHER


Mas então devo perder toda minha lã? Mas hoje estou. Ah, me deixa ir em busca da parteira. Lisistra-
ta. é urgente. Senão eu dou à luz neste lugar sagrado.
L/SÍSTRATA
Você não acha que é muito pouco para o bem da causa? L/SíSTRA TA
Que fábula você está me contando'? (Apalpa o estômago dela.)
SEGUNDA MULHER Que filho tão duro é esse?
Ah, infeliz que eu sou! Triste fim para as minhas túnicas de
linho! Deixei-as todas esquecidas na umidade. TERCEIRA MULHER
É um menino.
L/SíSTRATA
L/SíSTRATA
Está aí outra. querendo aquecer o linho dela na cama. na qual.
Menino!? Só se tem a cabeça oca. (Bate na barriga dela. oUl'e-
naturalmente. nunca deu mofo. de tanto que a usa.
se som metálico. A bre-lhe a roupa.) Criatura ridícula! E ainda
tem a coragem de usar o sagrado capacete de Palas. para tal
SEGUNDA MULHER
mentira.
Oh. eu juro pela deusa da luz do alvorecer. que no instante
em que tiver protegido o meu linho. volto como um raio. TERCEIRA MULHER
Não é mentira. Estou realmente grávida.
L/SíSTRATA
O que você quer é proteger teu lenho. Volta! Se eu deixar que L/SÍSTRATA
uma saia. nossa revolução está perdida. Então para que esse elmo. desgraçada'?

TERCEIRA MULHER TERCEIRA MULHER


Oh. Ilína, protetora divina das gestantes. detém meu parto. até Se as dores me chegassem lá na Acrópole. eu pretendia ter meu
que eu chegue a um lugar profano onde os deuses me permitam filho nesse elmo. como as galinhas fazem com os ovos.
dar à luz.
L/SÍSTRATA
L/SíSTRATA Acho melhor você desistir dessa gravidez imediatamente antes
Mas que bobagem você está rezando aí'.' que eu obrigue esse teu filho a nascer mesmo. embaixo de pau-
ladas.
TERCEIRA MULHER
TERCEIRA MULHER
É que eu sinto as terríveis dores do parto. Vou ter um filho
agora. aqui. agora mesmo! Eu não consigo mais dormir na Acrópole depois que a serpente
que guarda o templo me apareceu. uma noite dessas.
L/SíSTRA TA QUARTA MULHER
Como'? Ontem você não estava grávida. E eu? Infeliz. não consigo dormir com o pio alucinante das
56
57
-

corujas. Há noite s e noite s que não prego um olho : vou morrer


pelas força s brutas.
de can saço.
Congregadas.
serão respeitadas.
L/SISTRATA
Di ssolvidas.
Vocês. mulheres sem fé e sem coragem! Eu sei bem o que signi-
serão di ssolutas."
ficam esses pios e essas serpentes noite adentro . Significam so-
mente que vocês desejam a volta de seus homens. Ma s nào
TERCEIRA MULHER
lhes pa ssa pela mente' que eles estào vivendo noites igualmente
A profecia é clara.
negras ?
LlsfsTRATA
TERCEIRA MULHER
Portanto. companheiras, não convém fraquejar diante do pr i-
Sei lá. bem poderão se arranjar doutra maneira.
meir o sátiro tentador que nos penetra em sonhos. Seria vergo
nhoso. irmãs. desconfiarmos do oráculo a est a altura da carn-
L/SISTRATA
panha.
Ah, tua imaginação não pára. excitada ao máxim o . Um pouc o \
mai s de pac iência e a vitória é nossa. O oráculo no s prometeu gtitJ(fJPAé (Todas voltam ~idadela.)
o sucesso. se ficarmo s unidas. Querem que eu repita as pala-
vra s dele? V~ 70Lfrv~
CORO DE VELHOS
Agora. aos que têm ouvidos. eu canto a fábula que me foi co~ta­
TERCEIRA MULHER da por meu pai. que a ouviu de seu pai. que a ouviu tarnbern
Fala. Que declarou o oráculo?
de seu pai. e que chegou aqui assim . de pai em pai em pa i
em pa i em pai . Ouvidos prontos? Era uma vez um m~ncebo
L/SfSTRATA
chamado Mel ànio, que odiava a idéia do ca samento tao pro -
Ouçam em silêncio. então 1 (Lê.) fundamente que foi vi ver sozinho em lugar selvagem. Morava
"Se as pombinhas
numa montanha. tecia as própria s redes. e com ela s pegav a
Ficarem todas juntas
coelhos com que se alimentava. Mas se pegava uma c.oelh_a.
Fugindo a pombos
soltava logo . talo horror que tinha de mulheres. POIS no:, ta o
E a empombados falos.
castos quanto Melànio, como ele nos comportare~os ate q~e
Os seus males ficarão logo essas mulheres estrebuchem e morram em contorçoes de lux ú-
Menores
ria insatisfeita.
E os arru lhos de amor. depois.
Serão ma iores . UM VELHO (começando um pequeno dueto com uma das mu-
Mas se a dissenção
lheres)
dividir as pombas
Sabe. minha velha. que eu gostaria muito de te possuir?
e elas voarem sozinhas
do templo sagrado.
serão devoradas
MULHER
Pois é. E eu gostaria que você o tentasse pra te arrancar uma
58
59

de cada coisa que você tem duas: um olho. uma orelha e MULHER
um ... sabe. não sabe? O que é que você pode ver? Que eu me depilo bem com a
lamparina?
VELHO
LlsíSTRA TA (sai correndo da Acrópole)
Pensando bem. prefiro te dar um pontapé.
Olá! Olá! Venham todasJ:.Q.rI:enda-Aqui. Q@press a ! " _

MULHER (apontando)
.....::~o--\i>P\2..".U-M~=Á-lll:~fiifJa~ ~ ~----
Que matagal fechado você tem aí! O que foi? Por que esses gritos?

VELHO LlSÍSTRATA
Só Mironides tem um bosque mais denso do que o meu, na Um homem! Um homem! Um guerreiro se aproxima. Parece
frente. Mas atrás é que ele tem realmente uma floresta negra. a proa de um barco apontando para cá. Vem aceso, afogueado
Tão negra que. nas lutas. ele se punha nu. de costas. e os inimi- pelas chamas de Eros bendito.
gos fugiam de pavor temendo ver sair dali feras terríveis.
MULHER
CORO DE MULHERES Quem é ele? Um estranho? Um inimigo?
Eu também quero contar um conto para rebater esse do teu
Melânio. Havia. há muito tempo, um homem chamado Tímon, LISÍSTRATA
um esquisitão. insaciável, um verdadeiro filho das Fúrias. cujos Está lá. junto do templo de Demétrio.
pelos do rosto pareciam herdados de um porco-da-mato. Por-
que não agüentando mais.conviver com outros homens. achan- MULHER
do todos torpes e sebosos, retirou-se do mundo depois de vomi- Ah, é. estou vendo. Quem será?
tar sobre eles mais de um milhão de pragas variadas. Mas.
como era um hornemde verdade. adorava as mulheres. LlsíSTRATA
Ninguém conhece?
MULHER (começando outro dueto)
Que é que você faria se eu te desse um soco na cara? MIRRINA (cheia de alegria)
Eu conheço! É Cinésias, meu marido! Ê o pai de meu filho.

VELHO (recuando vivamente) LlSÍSTRATA


Vamos ver. Medo eu não tenho. Ao trabalho entào! Tua tarefa é inflamá-lo, torturá-lo. ator-
mentá-Ia. Seduções, carícias, provocações de toda espécie. tudo
MULHER e. no fim, a total negaçào. Faça tudo com ele - exceto o que
E se eu te der um pontapé? está proibido pelo nosso juramento.

VELHO MIRRINA
Eu aproveito para olhar tua coisa. Não tenha medo. Eu sei como tratá-lo.

60 61
--

Lls íSTR ATA L/SfSTRATA


Está bem. eu vou chamar Mirrina. Quem é você?
Eu fico cont igo par a te aj udar a exci tá-l o até a louc ura . Quanto
a vocês . retirem-se.
CI NÉSIA S
(Cinésias entra. segu ido de um escra vo que O mari do dela. C inésia s Peonidas.
carrega um m enino . Cin ésias está em estado de
ex trem a ex citação sex ual.) L1SfSTR ATA
Ah. bom dia. meu prezado amigo . Teu nome é muito conhecido
,.cI NÉSI AS de nós todas. Tua mulher não tira ele dos lábios. está com ele
na boc a o dia inteiro. Nã o toca um figo , favo ou pêra que nã o
Ai ! Ai ! Que infeliz eu sou . Ach o qu e estou com uma doe nça
diga : "Tem go sto de Cin ésias" .
incurável. Dia riamente sinto convulsões terrí veis. espasmos es-
tranhos. e súbito endurecimento de certas partes do corpo. A
esta tortura é preferível a roda. CINÉSIAS
É verdade o que contas?
LlsíSTRATA
Olá! Quem foi que ou so u força r as no ssa s linhas? L/SÍSTRATA
• Sim. por Afrodite. E. quando se fala em outros homens, ela
CI NÉSIAS nos olha com de sdém e exclama que tod os juntos nào valem
Fui eu. um ded o do pé esquerdo do seu homem .

L/SíSTRATA CINÉSIAS
O que . um hom em? Ah , po r favor. por favor. me chama essa mulher.

CI NÉS IAS LIsíSTRATA


Nunca o fui tanto . E o que é que você me dá. se eu fize r isso?

L/SíSTRATA CINÉSIAS
Sai a da qu i. Qua lquer coisa. o que voc ê qu iser. (A po ntando para a evidên -
cia de sua condição ) Isso te agrada ?
CINÉSIAS
Mas quem é voc ê. que assim me expulsa ',' L1SfSTRATA
Bem. eu . eu vou chamá-Ia. (Entra na Acrópole.)
LlsfsTR ATA
A sentinela do dia. CINÉSIAS
Depre ssa. oh, depressa! A vida não tem mais encantos para
CINÉSIAS mim de sde que ela abandonou meu lar. Entro em casa com
o rosto em pranto: tudo me parece tão vazio, até meus alirnen -
Em nome de Deu s. então chama Mirrina .

62 63
w ..
••
••
tos ja não têm sabo r. Tu do isso apenas porque esta maldita
peça do meu corpo teima em apontar semp re para o alt o.
CINÊSIAS
Está ouv indo? Não tem pena do pobre garotinho? Há seis dias

•-,
M I R R INA (para Lisistrata, so bre o ombro dela)
Eu o amo ~ Ah, co mo eu amo! Mas ainda não posso lhe dar
que não se lava. nem come direito.

M IR R INA
••
o meu amor. Te peço. Lisistrata, evita de me co loc ar ao lado
dele.

CI NÊ SIA S
C laro que tenho pena . pobre filho . Um pa i tão negligente.

C INÊSI AS

••
Desce. querida. vem cuid ar dele um pouco.

••
Mirr ina. min ha linda e amada Mirrin inha. o que é que você
está d izendo? Desce aq ui logo.
MIRRI N A
Ah. com o ser mãe é dolo roso! Bem. eu vou descer. Espera!

••
MIRRINA
(Se aproxima .)
Não . eu não posso.

C IN ÊS lA S C l NÉSIAS (quando ela se aproxima)


Mas eu te chamo. te peç o. Sou teu mar ido . Voc ê não me obcde
ce. Mir rinin ha?
Oh. ela ficou mais jo vem e mais bon ita ! E esse olhar de tern ura
sem igual co m que me envo lve! Seu desd ém para comigo, a
crueldade com que ...em me tratan do. só fazem aumentar o meu
••
M IR R INA
Mas por que eu havia de te obe decer? Você não me quer.
desejo e a forma materia l co m que se mostr a.

M IR R INA (ignorando-o. A criança)


••
CINÊSI AS
Mas não te quero. Mirrina ? Estou aqu i. de pé. impaciente . co rn
algo q ue te espera aind a mai s de pé e mais impac iente.
F ilho querido. por que Deus fo i te dar pai tão malvado? Vem.
dá um abraço bem apertado. que a mam ãe te adora.

C INÊSIAS

••
M IR R I NA Por que você se deixa levar pela co nversa est úp ida dessa s mu-
Adeus. eu vo u embo ra . (Ela se volta. saindo .) lheres levianas ? Me faz sofrer uma àn sia insupo rtável. mas não
~-
CI NÊS IAS
creio qu e a sua ânsia seja menor que a minha.

M IRRIN A (quando ele se aproxima para abraçá-Ia)


••
.•.:,
Oh. Mir rina. Mirr ina. pelo amor que você tem a nos so filho.
ouve ! Ou ve a criança. pelo menos ! Queridi nho . chama ma - Tira as mãos de cima de mim. sen ho r !
mãe . chama !
CINÉSIAS (recuando)

.-fi
CRIAN Ç A Nossa casa está irrec onhecível. SUJeira. desarrumação. uma
Mam àe! Mamàe! Mam ãe ! tristeza.

64 65

..
",0 -
-

MIRRINA MIRRINA (fingindo estar escandalizada)


Que me importa ? Mas você está brincando! Na frent e da criança ?

CINÉSIAS CINÉSIAS (para o escravo)


Não te importa ver teus melhores vestidos arrastados na lama Manes. leva o menino para casa. Pronto. viu? O menino sumiu.
do quintal? As galinhas fizeram ninho em cima de tua túnica Deita agora um pouquinho .
da Trácia.

MIRR INA MIRRINA


Mas. homem grosseiro. que não tem a menor delicadeza para
Que que você quer ? Que eu chore?
é

o amor. você acha que eu vou me entregar a você aqui . nesse


ch ão dur o?
CINÉSIAS
E Afrodite. cujos mistérios você j á não celebra? Vem. Mirrina.
volta pra casa. eu peço . CINÉSIAS
Bem se vê voce ja não me ama. Houve um dia em que você
MIRRINA me forçou a possuí-Ia na estrada de Delfos . E era tudo calcário.
De jeito algum . Até que um tratado sen sato ponha fim à guer - (Idéia .) Na caverna de Pã oÉ um lugar excelente.
ra. não.
MIRR INA
CINÉSIAS E depois onde eu vou me purificar para poder voltar à cidade?
Bem. está certo. Se isso para você é tão vital, nós fazemos o
tal tratado. CINÉSIAS
Nada mais fácil. Na fonte Clepsidra.
MIRRINA
Então. quando o assinarmos. depois de o assinarmos, eu vou MIRR INA
pra casa. Antes não posso . Estou presa a um terrível juramen - E meu juramento? Você quer que eu seja apontada como uma
to. perjura?
CINÉSIAS
Mas esse juramento não pode afrouxar nem um pouquinho pra CINÉSIAS
Eu tomo a responsabilidade toda, não tenha medo .
você se deitar meia hora com o próprio marido ?

MIRRINA MIRRINA
Não! Nunca! (Hesita.) Mas seria mentir que eu não te ... Está bem. Vai. então, e me prepara um leito.

CINÉSIAS CINÉSIAS
Me quer! Então por que não deita aqui comigo um minutinho Mas, onde eu vou arranjar um leito aqui em cima? No chão.
só, Mirrina? lá dentro. e basta! Vem!

66 67
.-

MIRRINA CINÉSIAS
Não. nào ! Sei que você é um homem c rue l. mas mesm o assim Oh. Deu s. o h. Deus. ela tra ta meu membro co mo se fosse de
.~
é meu mar ido. Me co rta o co ra ção ver você se deitar na terra.
(Sai.)
fe rro.

.<
••
MIRRI N A (I-alta com um travesseiro)
C 1NÉS IAS (encantado) Pront o . levanta a ca beça. meu a mo r. (Ele não entende. Ela
Ah . como ela me ama! aponta -lhe a cabeça.) Essa dai! (Im aginando com que mais toro

••
tu r á-lo .) Ser á q ue j á tem tud o ?
MIRRINA (voltando com um estrado)
Pronto. te deita que eu vo u tirar a roupa. Ah . não! Temos que
CI i':ÉSIAS
arra nja r uma esteira.

••
Tu do! T udo ! Vem. meu teso uro !
CINÉSIAS
Ass im está bom ! J á chega. MIRRI NA
Estou só desapertando o cinto. Olha ... você não vai esquecer
MIRRI N A o que prometeu so bre a paz ? Palavra?

Não. Assi m é peri goso. Conhe ci um ci da dão q ue. no entusias-
mo do ato. prendeu parte impo rt a nt e de si me sm o nas ripa s
de um estrado e ficou gemen do ma is de um ano .
Cl i\ ÉS IAS
Mas claro. a mo r. por essa luz que desce lá do . . . .:
. :.-
••
C IN ÉS IAS
Tomo c uidado . deixa ! Me dá um beijo.
MIRRI N A
Hi. não tem cobertor. .:
MIRRINA
Um minutinho só . (Sai de novo .)
CI NÉSIAS
Por Zeu s, não ! Eu não q uero me co brir. Mirrina, eu estou é
com ca lo r !
••
.~
.~~
CINÉSIAS
Ah. ai. ai. ah ! Volt a depressa !
MIRRI NA (saindo de novo)
M1RRINA (voltando com uma este ira) Não fica co m medo não . meu amo r. Não vai aca bar. Eu so u ~
Pronto. Uma esteira. Te deita que eu vou tira r a minha roupa. muito moça ainda. E volto logo . ~
Vira pra lá. Ah. o tr avesseir o?
CINÉSIAS • ·is-.
Essa mulher va i me matar com os cobertores dela. E o que
CI NÉSIAS
Nào que ro nào . Dete sto . me interessa é co bri r ela.

MIRRINA MIRRINA (voltando com um cobertor)


Ma s eu q uero . Já volto já . (S ai de no I-O.) Levant a aí .

68 69
-

CI NÉS IAS (apontando)


CI NÉSIAS
Não levanto mais nada. J á levantei tudo que podia. Abaixa
Que a pe ste dev ore por toda a etern id ade o homem qu e primei -
aqu i e vamos.
ro destilou um perfum e.

M1RR1 NA MIRRINA (volta com outrofrasco )


Com o. vo c ê nào quer que eu te perfume ? Você nào era tào Tom a . e xperimenta este.
gros seiro assim . Sempre deixava que eu te perfumasse lod o.
prolongando o amor até .. CINÉSiAS (rilhnndo os dentes)
Chega. Mirrina ! É ou tr o o recipiente qu e me interessa . Te dei ta
CI NÉSlAS aqui . criatura sem entran ha s. e não ou sa pegar em out ro fras co
Ma s prol on ga r o que. mulher? Hoj e. querida. te peço. me de ixa que nã o sej a o meu .
am ar depressa ! O perfume depoi s !
MIRR1NA
MIRRINA Já vou. Já vou. meu bem . Estou só tir ando minhas sandálias.
Ah , não . por Afrod ite. um perfuminho só. Deixa só um pouqu i- Ma s olha. só te peço um a coi sa : antes de dorm ir comigo trat a
nho. (Ela sai de novo .) de votar prime iro pel a pa z. est á bem ? (Sa i correndo.)

CI NÉSIAS CINÉSIAS (quase chorando, numa cena de furor frustração ,e


Alguém já conheceu tortura igual? batendo com os punhos no estrado)
Ah , eu vou morrer de ardor. não tenho em quem me pôr. Fugiu
MIRR1 NA (voltando com umfrasco de perfume) a desgraçada. me de ixando em tormento. depoi s de aumentar
Estende a mào. Agora esfrega. minha vontade a uma medida que jamais pensei vir a atingir.
Desgraçadas mulheres. Bem mais sá bios são aqueles soldados
CINÉSIAS que se e ntendem entre si. sem buscar a perfidia de ssa s criaturas
Hum. em nome de Apolo! Se eu não estivesse acima do desin- fugidias. Que faço agora com meu próprio corpo? (Em estilo
teres se. esse perfume era capaz de acabar com o meu desejo . trágico) Deuses. não sei onde me enfio . . . de vergonha. Ho ,
filho meu. pobre criança. só ela poderia te alimentar com se u
MIRR1 NA carinho. Onde é que está Filostatro, o don o de prostíbu los. o
Ma s que infeliz eu so u. Te de i 'bá lsa mo de rosas. Eu vou .. . mercador de cortesãs? Rápido. homem. arranja uma mulher
qualquer para cuidar do meu menino l (Filostatro sai, dando
CINÉSIAS uma olhada para o membro de Cinésias.)
Não vai nada. Mirrina. É um cheiro esplêndido.
CORIFEU VELHO
Em que estado deplorável venho te encontrar. pobre infeliz .
MIRR1 NA
Decepcionado c entumecido. Só po sso lamentar e me penali -
Ah , não . Cinésias. seria incapaz de te amar com esse cheiro .
zar. Não sei como é que os rins de um homem podem agüentar
Espera. (Sa i.)
tanta pressão. E que dizer da alma? Da glande? Dos testicu -
70 71

••
••
.••- . :

los? Juro que em minha longa vida nunca tinha visto um ani-
mal com rabo desse lado.
ARAUIQ (com esforço para se manter digno)
Não seja grosseiro. Sou um Arauto de Esparta. enviado como ••
CINÉSIAS
E o crescimento dele me trouxe terríveis convulsões.
embaixador aqui a Atenas.

MAGISTRADO
••
CORIFEU VELHO
A que estado ela te reduziu.
Pelo visto é um Embaixador plenipotenciár io.

ARAUTO
••
CINÉSIAS
Diga melhor. me ampliou.
Trago proposta de paz .
••
.;
MAGISTRADO
CORIFEU VELHO
A odienta. A celerada.
Mas. então, por que fica com essa lan çaai apont ando pra mim'?

ARAUTO (embaraçado)
Lança? Oh. o senho r não entendeu nada .
••
CINÉSIAS
A suave. A mais encantadora e terna.

CORIFEU
MAGISTRADO
Que é? Alguma inchaç ão na virilha causada pelo esforço da
viagem ?
••
Encantadora e terna? Essa virago? Zeus, por que o senhor dos
céus não manda um furacão dos mais -terríveis levantar essa
ARAUTO ••
.';\
mulher num remoinho. atirando-a depois de volta à terra para
que caia empalada nesse ferro? Por Castor. que o homem só tem um pensamento. É um manía - .'
co.
(Entra um arauto espartano. Está, visivelmen-
. ~;
_ ___ ~~scondi~,L , MAGISTRADO (arrancando a capa do Arauto)
~~~- ' Ah, patife. estava me escondendo aí essa magnífica ereção . . --.~
1'RA UT Q

•."'. ,.;t-i
1
Por favo r. ond e fica o senado de Atenas'? Trago not ícias imo ARAUTO.
portarues. Não estava escondendo coi sa alg uma. Nem pod ia. Mas chega
de tol ice.
(Entra um magistrado ateniense.)

, ~ '~ MAGISTRADO
MAGISTRADO .~

"
Pois bem . quais são as novidades que trazes de Esparta?
~ ( Quem é você. um homem ou um priapo ?
. i:i
~?
73
72 ~~~
~ . , . · lt
-
- .......-. ai " -"

~ --P =?Z. ~ ~~~


(Saem em direções opostas.) Õ
---'''..
ARAUTO
Reina a desordem tota l. Cada soldado apareceu com uma
CORIFEU VELHO
arma nova . que só não assusta o inimigo porque o inimigo sur -
giu com arma igual. Uma ereção universal. Não há animal selvagem mais selvagem . nem chama mai s ar -
dente . nem fúria mai s feroz e indorninável do que a da fêmea
MAGISTRADO do homem . O leopardo é mais suave e tem as unhas menos
Mas essa epidemia também devasta o s nosso s. Quem a levou perig osas.
a Esparta?
CORIFÉIA
r
ARAl ITQ.. E contudo você teim a em me hostilizar em pura perda. quando
Larnpito. Instigou todas as mulheres a escorraçarem os ho podia ter em mim uma amiga sincera. uma aliada fiel.
mens do leito conjugal depoi s de excitá-los até a loucura. Ago ·
ra há uma ordem geral entre as mulheres. Fechar as pernas CORIFEU
e não abrir a boca . Nã o me interessa. Seja o que for que ocorra. caiam sobre mi-
nha cabeça todas as desgraças, meu ódio contra as mulheres .
MAGISTRADO nunca há de diminuir de intensidade. Oh , nunca, nunca!
E que fazem você s?
CORIFÉIA
ARAUTO
- Sofremos. ora! Todo mundo na cidade anda dobrado para a Como quiser. A escolha é sua. Contudo. não posso te deixar
nu , assim. porque todo mundo que passar irá zombar de li.
frente. curvado ao peso da . . . lanterna. As feras juraram que
Toma: deixa eu botar esta túnica em você. (Ela o veste, ajuda-
não deixarào nem mexermos naquilo que queremos se não con-
da pelas outras mulheres.)
cordarmos com a paz em toda ~
CORIFEU VELHO
MAGISTRADO
Não há que nega r: é uma conspiração abarcando a Grécia in- Está bem, agradeço . Você tem razão. Foi um excesso de raiva
teira. Volta a Esparta e diga-lhes que enviem embaixadores que me fez botar minha túnica fora. Não queria que coisa algu-
com LOdos os poderes para tratar da paz com outros estados. ma atrapalhasse meus gestos de ódio .
Quanto a mim . vou corrend o ao Senado. para comunicar ao s
senadores que a coisa é grave e tende a aumentar. Se não se CORIFÉIA
convencerem . mostrar-lhes-ei o meu próprio instrumento. que Agora. ao menos, você parece um homem de bem. Ninguém
eu não pensava mais voltar a ver em estado semelhante. Nã o vai te ridicularizar.
respeita nem mesmo a minha idade.
CORIFEU VELHO
~AlfIQ Ai. ui! Que dor ! Um inseto no meu olho ! Não agüento! Me
Creio que os senadores ficarão convencidos da urgência da mata.
ação. Vou correndo falar com os de Esparta .
75
74
••
• r

••
..-"
COR/FÉ/A
Está vendo ? Se você não tivess e me ofe nd ido tan to. agor a eu
nios, ódios e ca lamida des . Se alg uém. ho mem ou mulher. prec i-
sa de d inheiro. digamos. de duas ou três minas . que venha sem ••

podia te ajuda r, que para essas coisas serve a am izade . temo r - noss a bols a está cheia. E se. por acaso. a paz for
co ncl uíd a. ninguém terá que paga r mais a ninguém . Tudo será
CORIFEU VE L HO
Está me matando de do r, esse dem õn io ! To ma. pega meu anel.
e vê se tira.
de todos. e nada de ninguém. Tenho ain da uma bela terrina
de so pa quente e um porqu inho tenro e saboroso que ofereço
de pleno co ração. Espe ro todos lá em cas a ainda hoje. Não
••
CORIFÉ/A
Está bem. eu tiro. mas não dev ia . Pra você aprender a não
tenha m receio. porque nossa porta estar á. " " muito bem tran-
cad a.
---------- L--~_:_:__~~..".,_;___;:o~---~-._.
utJ (J}pJ))~ + ..r'V--~

••
ser mal-educado. Puxa , é gr ande o inse to ! Olha . Está mais .-'-J (~
CORIFE U VEL HO '1'0
ali viado ? Hei ! Parece q ue chegam outros em baix ado res. Coitado s. ca mi-
nham co m di ficulda de. como se estivessem ca rregando um em -
CORIFEU VELHO
Mu itíssimo . Obr igado . Ele estava cava ndo um fosso no meu
olho . Eu nem co nseguia ch o rar. Agora pos so e é um alívio.
br ulho pesado ent re as pern as.
(Os homen s se aproximam no mesmo estado
do A rauto anterior.) ••
••
Ah , que prazer deixar correr as lágrimas. Salv e a todo s. am igos forast eiros . De que estado são. se mal
perg unto?
COR/FÉIA
Vo u enxugá-Ias pra você. ma s repito. você não merece. homem
odi oso ! Dá um beijo agora.

CORIFEU VELHO
EMBAIXADOR
Espartan os. Mas que impo rta. amigo. Agor a. como vê. em toda
a Grécia o nosso estado é o mesmo. ••
Um beijo ? Isso não!

COR/FÉIA
CORIFEU VELHO
É, sinto que rea lmente as dificuldades crescem a olhos vistos. ••
••
A situação está ca da vez mais dura.

CORIFEU VELHO
....
Pois vou lhe dar um beijo, você queira ou não queira.
'
EMBAIXADOR

••
Ah , mald itas mulheres ! Razão tem o poeta: " Ruim com elas. Não há como res istir mai s à ausênc ia do inimigo. Para atacá- lo
pior sem elas". Vamos . vamos combinar que não brigamo s como desejam os é preciso que ele próprio nos abra a sua cida-
mai s de ora em diante. E pa r a ce lebrar isso vamos entoar jun- dela . Ao tra ba lho ! Devemos as sina r a paz de qualquer forma.

•...,,":c·
tos nosso louvor à paz. com cond ições. sem condições. mas j á. Nào temos condições.

.
CORO COMBI NADO DE MULHERES E VELHOS CORIFEU VELHO
Aten ienses. dora em dian te. não fa laremos ma l de ma is nin- Pois à tarefa. Noss os home ns todos tamb ém adquiriram essa
guém, tra ta remos a todos com o irmãos. J á chega de infortú- doenç a atlét ica. Vira m. subitamente. dese nvolver-se no corpo
-! ~ ~
.,~
76 77
• "c.
-

midade. Espartanos. amigos na desgraça, teremos que ceder.


um múscul o inteirame nte nov o. Múscul o que . ao contrár io dos
Já mandamos convocar Lisistrata. É a ún ica pessoa co m poder
outros. d iminu i com o exercício.
pa ra fazer voltar tud o ao normal , tirando-nos essa rid ícula apa -
(O magistrado volta. A gora também tem m ot i- rênci a de elefantes de tromba enlouquecida.
vos para querer a p az.)
EMBAIX AD O R ESPARTANO
MAG ISTRADO Acho que se Lisístrata nã o resolve r logo , vamo s ter que apela r
De repente eu também sent i crescer em mim o ape lo da paz. para um Lisistrato.
Onde é que está Lisistrat a? Será que ela não se compadece
da nossa cond ição humana ? (A bre e fech a a túnica rapidamen - MAGISTRADO
te.) Perdão, ma s acho que a paz deve ser feita em toda G récia .
E nós, aten ienses . diferentes de você s, bon s espartanos. não te-
CORIFEU VELHO (apontand o) mos inclinação por substitui çõe s com o essa .
O ma l ataca toda a Gréci a. Os que j á fo ram atacados mais
I tempo dizem que a situ aç ão. de manhã. ao leva ntar do di a. EMBAIXADOR ESPARTANO

I,
!
é que é terríve l.

M AGISTRADO
Na aparência, am igo. Mas o mundo sabe que você s também ,
aten ienses. nã o desdenham de todo certas variações, de sde que
discre.tas . Silêncio,a ívem ela. É e~a? _ / "'V
~ . ":' !),_. "l _ __
!
i
A tort ura é indizível. Se a paz nã o for feit a em vinte e quatro -----:::-; .~ : =':: ~Z 4> rJ ~5Co'O qtv 'Ie.-, · I-r -: .
horas. já há um grup o di spo sto a apelar para C listên io. e ou - (L isistrata sai da Acrópole.)
!I tros belos rapazes. seus ami gos.
I
~ CORIFEU VEL HO
CORIFEU VELHO
Salve, ó mais corajo sa e mais sáb ia da s mulheres da Gr écia .
I, Aceitem o meu conselh o : disfarcem o s instru mentos o mai s Chegou o momento de te mo strares inteira em tua fo rça de
pos sível. escondam -no s na s dobras do s vestidos. Diz em que mulher, irredutível e conciliatória, terr ível ma s sensata. cruel

I
i
J
ontem . um Senador. que se exibia distraidamente. foi atacado
por aquele grupo de loucos que vivem mutilando as estátuas
dos sát iros .
e doce. fria e dura na justiça, mas condescendente com a fra-
que za do homem . Apelamos para a tua per ícia e habi lidade.
Vê, Lisistrata, aqui estão reunidos alguns do s melhores da H é-
lade . Seduzidos pelo teu fascínio , confiantes na tua hegemonia,
MAGISTRADO concordam em botar nas tuas mãos o problema que os mata .
.Por Zeus, que é um conselho sábio. (Tema . sem muito sucesso, Paz, mulher !
esconder a condição em que se encontra.)
L/SISTRATA
EMBAIXADOR ESPARTANO A tarefa é bem fác il - desde que o s homens não procurem
Um infortún io atrai outro infortúnio. resolver o problema entre eles mesmos, sem o natural auxíl io
feminino . Se o fizerem, eu serei infor mada de imed iato e a paz
MAGISTRADO será suspensa para sofrimento do s homens masculinos. Vigiem
Só as mulheres pa recem não se preocupar com a nossa enfer-
79
v -.
I'

r>.
•.-
r .
••

pois e não perm itam nenhum desv io da linha que traçamos.
Tragam a paz. A bela e tranqü ila. a sonhadora paz! (A Deusa,
todo o so lo de Esparta. C imom marchou para lá imediatamen-
te. à frente de quatro mil dos seus homens de elite e derrotou
Messenia . E vo cês pagam isso devastando o país que. na hora
.'
.~•
••
na/arma de uma linda jovem nua, entra trazida pela M áquina.) mais grave . nào hesitou em lhes oferecer seu sangue .
C ompanhe iras. tragam até aqui todos os outros emba ixadores.
Mas. atenção! Não com grosseria ou violência. como costu-
MAGISTRADO

••
mam fazer conosco nossos homens. mais delicadamente. como
Eles erram. Lisistrata, eles falham. não sabem o que fazem.
é tão próprio das mulheres. Se eles recusarem a mão. nào qui-
serem vir por bem. podem arrastá-los à força. puxando-os pe-
los membros. (A ordem é cumprida.) Muito bem; agora. espar-

••
EMBAIXADOR ESPARTANO
tanos. deste lado! E vocês. atenienses. deste! Todos prestem Erramos. Lisistr ata, erramos . Estamos prontos a co rrigir-nos.
atenção ! Sou apenas uma mulher. mas cheia de bom senso. ( Olhando para a paz) Grande Deusa! C om uma paz assim
A natureza me dotou de ótimo discernimento. que eu. felizmen - tão tentado ra tudo que eu quero e me atracar com ela .
te. pude desenvolver. graças aos ensinamentos de meu pai e
aos conselhos dos mais velhos. que semp re ouvi e analisei . Pri-
meiro quero fazer uma censura que serve para ambos os lados
LISÍSTRATA
Antes. porém . uma palavra aos de Atenas. Vocês já se esquece -
••
em disputa. Em Olímpia. em Delfos. nas Termópilas e numa
porção de outros locais. vocês celebram cerimônias. fazem ofe-
rend as aos deuses. As oferendas e as cer imônias são comuns
ram de que. quando usavam a túnica de escravos. foram os
espartanos que vieram de espada em riste e puseram em fuga
as ha stes do s tess álios , mercenários de Hipias, o tirano ? Eles.
•••
a todos os helenos. A terra que pisamos tam bém é posse co-
mum de todos os helenos. E no entanto vocês vivem se mas sa-
crando uns aos outros. cortando as cabeças uns dos outros e
e eles sozinho s. lutaram a nosso lado naqueles dias de amargu-
ra. nos livraram a nós do despot irno e. graças a eles. nossa
naç ão pôde trocar a tún ica servil pela toga de lã do homem •••
••
saqueando as cidades que deveriam proteger dos b árbaros. livre.
Porque. enquanto brigamos. os estrangeiros se organizam. nos
ameaçam. a qualquer momento podem nos destruir. Aqui ter-
EMBAIXADOR ESPARTA NO (olhando para Lisistrata)


mina a pr im~~a parte do que tinha a dizer.
Jamais vi mulher mais nobre nem mais graciosa. Nem tão tran-


MAGISTRADO (dev orando a paz com os olhos) qüila dignidade .
Ainda tem mais? Ai. céus . como demora essa introd u ção !
MAGISTRADO (olhando a paz) .~

•e )
LlsíSTRATA Nem eu jamais pensei que a paz fosse tão promissora.
Espartanos. agora é a vocês que eu me dirijo: j á se esqueceram

.•.
que Periclidas. com patriota de vocês. veio se ajoelhar diante LISÍSTRATA


dos nossos altares : Eu o vi. com estes olhos. Estava p:ílido Ligados assim por tantos serviços mutuamente prestados atra-
como um morto. envolvido na túnica escarlate. Veio pedir um vés dos ano s. por que continuar em guerra? Por que continuar
troço de homens que o ajudasse a sa lvar o seu estado. Era no a pôr lenha na t'ogueira desse ód io sem sentido: Digam. o que '

tempo em que Messénia avançava so bre vocés impiedo samente é que impede isso? J..i
e a fúria dos deuses o ajudava fazendo tremer dias seguidos
81 .~?'
80
~~
...•.
.-
-

EMBAIXADOR ESPARTANO
quer dificuldade. (À parte .) Desde que o cont orn o seja fernini-
Nada. Apenas uma coisa : queremos usar como bem entender -
mos o nosso bastião. (Olha para o traseiro da paz.) no. (Tira o manto.)

L/SfSTRATA EMBAIXADOR ESPARTANO


Eu também não dese jo outra coi sa senão viver no seio da paz..
Que bastião. arrugo?
(Olha para a Paz .)
EMBAIXADOR ESPARTANO
Pilos, que há tant o tempo está em poder de vocês . L/SfSTRATA
Pois calma. então. que a paz chega pra todos. Consultem os
MAGISTRADO outros e vejam o qu e pretendem.
Pile s, ja mais. Se a exigênci a é essa. entã o nà o há paz.
MAGISTRADO
Mas consultar o qu ê ? Você parece que não pegou o pr incipal.
L/SfSTRATA
Estamos todos no cio. A Hélade inteira é uma ereção só. espe-
Calma. calma. camaradas. Sempre é possível um acordo.
rando se deitar toda na acolhedora cama da paz. Você. Lisís-
trata, vai conseguir realizar a maior festa de amor jamais reali-
MAGISTRADO
zada. Este é o dia em que todos amarão todos. com ardor que
Se cedermos Pilos. perderemos uma excelente base de mano-
o mundo jamais viu .
bra s.

L/SfSTRATA L/SÍSTRATA
Muito bem dito, eu digo ! Agora vão e se purifiquem para en -
Pede outra cidade em troca dessa.
trar na Acrópole. onde as mulheres os estão esperando par a
MAGISTRADO a ceia. Trouxemos tudo qu e tínhamos nas de spensas par a a
Está bem! Você s nos entregam Equinos. o golfo de Maliaco. volta dos homens bem -amados, À mesa entoaremos loas ao s
ali pert o. e a bela entrada da ba ia de Méga ra. deuses , e trocaremos voto s e promessas de paz e de ca rinho.
E aí . .. aí cada um pegará sua mulher e irá embora.
EMBAIXADOR ESPARTANO
E nós vamo s aceitar essa troca? Caro senho r. só se esriv ésse- MAGISTRADO
mos completamente loucos. Vamo s então pra essa limpeza. Rápido !

L/SfSTRATA EMBAIXADOR ESPARTANO


Bem. se não há possibilidade de acordo. a paz que se recolh a Você aponta : eu olho . Você dirige : eu sigo. Eu sou seu compa-
e nós mulheres continuamos também a nossa luta. (A Paz vai nheiro. amigo. Vamos em frente: como um cego e seu guia.
se retirando na M âquina.)
MAGISTRADO
MAGISTRADO (retendo a paz) Minha ordem é só essa: Rápido! Rápido!
Não , nào. Espera. Por mim. estou dispo sto a contornar qual -
(Seguem Lisistrata. Entram na Acr ápole.)
82 _-------
......... .---.---•.... _--------------
83
••
••
••
CORO DE MULHERES (canto)
Tapeçarias e brocados, túnicas bordadas e camisolas finas
como o ar, ornamentos de ouro, serviços de prata, tudo que
MAGISTRADO
Jamais na vida vi banquete igual. Os espartanos são encanta-
dores. Então, depois que eles bebem e depois que nós bebemos, ••
••
é meu é de vocês, eu ofereço a todos de todo coração. Levem nós ficamos mais encantados com eles e eles ainda ficam mais
o que precisarem ou desejarem, para o filho, para a esposa encantadores para nós. Que encanto são esses lacedemônios I
e para a filha virgem que espera o prometido. Não há, aqui, É apenas natural da natureza; sóbrios somos todos tolos. Se

••
nada tão bem fechado que não possa ser aberto com facilidade. os senadores aceitassem meus conselhos, Atenas só enviaria
para vocês tirarem de dentro o que entenderem ou botarem lá às outras cidades embaixadores bêbados. Chegamos em Espar-
dentro o que quiserem. Se, por acaso, a algum de vocês falta ta. A ordem é não beber. E o que acontece? Na primeira dis-
cussão entramos em contlito. Não compreendemos o que eles

••
o grão com o que alimentar o escravo, a mulher, o filho, não
esperem, levem os cereais desta despensa. Os mais pobres tra- nos dizem, imaginamos uma porção de coisas que eles não dis-
gam bolsas e sacos, meus escravos encherão uns e outros, do seram, respondemos grosso, sem a boa vontade que a bebida
melhor que haja. Aqui tudo é de vocês. Apenas uma coisa - traz e, pronto! Já lá se vai uma embaixada. Mas olha, vê como
cuidado com o cachorro!

(Outro Magistrado entra e começa a bater na


hoje é diferente! Tudo que acontece é bom, é divertido. Podem
até arrotar na hora de nossos cantos sagrados que não acha-
mos má educação. Um perjúrio ou dois durante uma boa refei- ••
porta da Acrápole.)

SEGillmO MAGISTRAo...Q
ção entre amigos, algum Deus vai lá ligar pra isso? (Os dois
coros voltam.) Mas voltaram de novo? Querem ir embora da-
qui antes que os ponha pra fora da cidade a pontapés? (Os ••
Vocés aí, abram a porta! (À Coriféia) Abre a porta. anda'
Vamos. (Às mulheres que se sentam em frente da porta) E
vocês, que é que pretendem? Ah, já sei. querem ser tostadas
coros saem novamente.)

UM ATENIENSE ••
••
pela minha tocha. Que sem-vergonhice! Não, não queimarei Ah! Ah! Lá vem os nossos camaradas saindo da festança!
nenhuma de vocês a não ser que seja absolutamente necessário.
(Pára, espera.) (Dois coros, um espartano, outro ateniense,

UM ATENIENSE
Precisa de ajuda? (Maneja a tocha que tem na mão e o Coro
entram, dançando à música de flauta. São segui-
dos pelas mulheres. lideradas por Lisistrata.)
••
••
de Mulheres sai.)
UM ESPARTANO (ao flautista}
Maravilhoso flautista. toca como nunca para que eu dance
SEGUNDO MAGISTRADO (qg Coro de Velhos)
uma bela dipodia da Lacedemônia em honra dos amigos de
Fora, fora. vocês também ou eu lhes arranco esses restos de

••
Atenas e cante um belo canto em honra de nós mesmos.
cabelos brancos. Deixem o caminho livre para os espartanos!
Eles vêm vindo da festa da Paz.
UM ATENIENSE
(Os velhos se retiram. Imediatamente saem, Toca, flautista, toca. É um prazer pra nós, atenienses, ver dan-
.;;;
çar e cantar a gente de Esparta.


como já tendo terminado o banquete ateniense.)

84 85
......-
- .~

I
I
\ -

\ UM ESPARTANO (canto)
UM ESPARTA NO (dançando e cantando) De sce. de sce mais uma vez das a ltur as do Taigeio. Ó musa es-
Oh! Mnemósine. deu sa qu e guarda a mem ória do passad o. ins - partana . e vem cantar com igo. nest e carnaval de dan ça e a mor.
pira este s homen s para que não se esqueçam. Para qu e ens i-
I nem. E cantem ao povo e ao s mai s joven s os feitos espartanos.
qu e só pod e ser reali zado na paz. D esce. ir mà . vem nos ajudar
a cantar em lou vor de Apo lo d e Arnicle s e d a Aten as do templ o
a glória ateniense. Diga-lhes da fúr ia guerreira com que . em de bronze. Venham todos depress a qu e a dan ça é bela. a rn úsi -
Artemísi o. os aten iense s de sceram co mo javalis sa ngrentos so - ca co nt agia. no ssas don zel as são lír ios a se r col hido s pela s
bre os navios medo s. Vitória da s vitó ri as foi aquel a I Quanto mã os mai s hábe is. No ss as mulhere s estã o lindas, Nunca fora m
a nós . León ida s nos conduzia co m a fúria de uma manada de tão lindas ! Batem no chão com o s pé s velozes. lançam ao ven -
elefant es lo ucos . Ah. lemb ranç a marci a l da juventude esp arta- to as longas cabeleiras : e as bacantes ondeiam o corpo sens ua l.
na : o suor descend o em ca sca ta s pela s nossas co stas. mol han - em lo uca tentação. estimu ladas pe lo Deu s do vinho . Evo é ~
do nosso s membros. po is eu nã o m into - havi a na praia mai s Evo é I Venh am todos dançar e cantar em ho nra da vitó ri a d a
per sa s do qu e grão s de arei a . Árt emi s. virgem Deu sa da caça. mulher!
proteg e a paz que estamo s combinando : faz co m q ue nosso s
corações se unam para sempre. Qu e este tratad o transform e L1SÍSTRA TA (entrando vestida com uma Ioga maravilhosa)
os inimi gos em am igos e em irmãos os q ue já se estima va m. E agora. ba sta! Partam todos que eu tamb ém tenh o direito ao
Nã o ma is perfídias. emboscadas. es tratagemas de de str uiçã o. meu descanso . (Risos alegres, palmas, concord ància.) A come -
Vem. Teu auxílio. donzela d as florestas. rnoraç ão públi ca term inou. Que cada um. agora. aproveite bem
o seu prazer particular. Cada homem recolhe sua mulher e vol -
MAGISTRADO ta para casa. Mas. a ten ção: os espartanos. as suas . os atenien-
E agora. que respondam com o mesm o ardor os c ântico s at e- ses. a s dele s. Cada um deve se con tentar com o qu e tem . Que
nien ses. ninguém se engane de propósito. trocando sua mulher por ou -
tra melhor. po is isso pode começar uma nova gu.err ~ . _
CORO ATE NIE NSE
Venham juntos. dançarinos. cantores. as graças com voc ês. in-
vocando tod os e cad a um. Ártemis e seu irmão G êmeo . o gr a-
c ioso Apolo . e também Dioniso. Sem esque cer de Baco . para
.«:
:
»>
~

---.,.. ...
.
(R isos, palmas, alegr ia. Todo s saem . Lisis-
trata fica só. Música . Vem entrando seu marido ,
um belo guerreiro. Ele fi ca estático , a certa dis -
tància dela . duas figuras linda s. Quase impercep-
que com eles desç a até o próprio Zeus. dominad or dos rai o s.
tivelmente ela faz um gest o . Ele entende , tira as
Louvemos. juntos. todos os Deuses juntos. para q ue venham
armas, o escudo , toda a parameruação militar.
todos testemunhar a nobre paz que agora mora entre nó s. traz i-
Estende as mãos. Ela avan ça , se ajoelha , beija-
da pela mão d o am or. Louvação! Lou vação ! Caruerne dan -
lhe as mãos em submiss ão.)
cem em hon ra da vitória da mulhe r. Evo é' Evoé l

MAGISTRADO
E voc ês. lacedem ônios . de ixem que ouça mos uma últim a estro- o PANO CAI.
fe da bela voz de Esparta.
87
86

Você também pode gostar