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Profossor da Unlyorsldade de Sáo Paulo
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( Sumário
DlrBqáo
( BBnlamln Abdsla Junlor
( Samlra Youssef Campedelll 1. Trés ternpos para um texto 5
Propsrrgáo d€ lcxlo
( lvany Plcasso Batlsta - 2. Quando o ¡mperador entrou em foledo 1

(
Coo¡doná9áo do composle¡o
(Produc¡olP6glnaglo om vf d6o) A história - 1
Nel¿e HlromlToyota A caminho do roma¡cc 9
I . capa O na¡rador 10
Ary Normanha O anti-herói 11
Anlon¡o Ublralara DomlBnclo Uma estrutura 12
A sátira social t4 (
A história de uma co¡rupgáo 16
( (
lttilllillll'llfillffi il]lfiil 3. Remándo na galé t7
( 1flfl tca
039330
» O pfJro Mateo Alemán t1
( O plcaro Guzmán de Alfa¡achc 18 (
Uma nova modalidade na¡rativa z0
( A estrutura 22 (
( ConversAo? t3
UNIC€NTR9 O sentido do Guzmdn u 1
( (
Foc, de Educ. Ci0nc 4. O cavalelro que calu do cavalo 27
( o Lctrcs d€ l¡oti Uma editáo pirata (
( Eibl¡oteco Quevedo (
. ."ei'. .§ A históriá de-Pablos 29
"
(
-\§ 05. ,_qa A originalidade
A ficaáo na fic4áo
3l
33
(
(
A sátira social 35 (
ISBN 85 08 03043 0
O acerto de Quevedo 36
( (
( 5. O que é um romance plcaresco 38
(
( 1988
Definir é que neo é fácil 38
Alguns pressupostos 40 (
Todos os d¡reltos les€rvados
( Edltora Atlca S.A- - Rua BEráo de louape, 110 Vamos por partes 41 (
(
Tel.: (PABx) 278'9922 - Calxa Poslal 8656 Talvez assim - a
End- Telegrállco "Bomllvro'' Sáo Paulo
- E os corolá¡ios 43 (
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6, Quando os pícaros salram da Espanha +s (
( - 45
(
A Europa toda é uma Picardia
No México, anos mai§ tarde 4',1 1 (
A bistória deste pfcaro 48 (
( Uma liÉo de burguesia 49
( O que mudou 50 Trés tempos, para um texto (
No tempo do rei 51
( As armas do malandro 52 f
O discurso da malandragem 53 (
( A sociedade de malanüos 54
I

As diferenf¿s com o pfca¡o 54 (


( I
A caminio da neoPicaresca 56 i (
(
7. A retomada antroPofág ica
I
58
(
(
Alguns leitores e uma teoria 5El
60! Durante a segunda met¿de do século XVI e a primeira (
( Numa história, duas paród.ias I
62i do XVII, a Esparha, ocupada com a conquistá e colonizaÉo
Macunaímo e a picaresca (
( A transgressáo picaresca 66 da América que dcscobrira e com a preservagáo do imenso irn-
1 I
Bm sfntesc 70 I pério que encabegava" vé sutgir uma foiqa narraüra diferen- (
( te Nelá, ao contrário dos costumeiros relátos das aventuras d€
( 8. Apenas sobe quem PUla 12
fa¡ústicos c¡vale!¡os a¡da¡tes ou dc inveiossÍmeis p&stores po-
(
A epopéia do plcaro 13 lidarnenre apaixon¿dos, os próprios protagonjstas Da ma¡oria (
( O pícaro imperador 14 dos caJos
-
contam suas vidas de nrarginalizados em luta pe-
( De tio para sobrinho 75 -
la sobrevivencia. Com o tempo, os lcitores chamariam fais pro-
(
Numa .rua do sul 76
76
(agonistas dc "plcaros" e os crfiicos bátizariam de "lomances (
( O pfcafo nas Gerais picarescos" ou simplesñente "pica¡escal tais obres.
(
Os amos picaros ' Tres desses romances gaD¡ariam especial relevencia pe-
(
Veio de Portugal 78
Um cabra da peste EO la sua qualidade literána: O Lazarilho de Tormes, o Auzmón (
( 81 de Affarache e.O Buscdo. O primeiro deles'é cleramente o
Conclúndo (
( germe da picaresca; o scgundo cosLuma ser ent€ndido como
9. Vocabu lário crftlco E4
o protótipo dessa modalidade narativa. E o lerceiro é uma (
(
10. Blbllograf Ia comentada 88 espécie de distorg¿o paródisa dar suas possibilidades. Os trfu
(
( Advcrlencia: o prcsen¡c tcxto é uma condensaceo de Lf¡bdho r¡aior cm
estáo cscritos em tempos diferentes e, especialmente¡ a par-
an(hñctrro, quc cs(á sendo rcali:¡do com bolsa de p¿squha do CNPq. A8r¡' tir das tres diferenl.es persp€ctilas sociais em que podemos (
( drccmos lsmbÉm á FapcsP, á Libr¡ry of ConSrcss c ü Asoci¡ción [nt"na_ situar os seus autores: a refo¡ma interior ao sistema, a sáti¡a
ciond d¿ Hispr¡jrtss-gu. ¡8ualm.n!c nos fBcilh¡lrm as vi¿8eDs oo cxler¡or (
( c a obtcnc¡o do úa(crial bibliográfico indispcnsávcl
do margi-nalizado e a autodefesa do dominador.
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( Sob o ponto de visra da história que nos é narrada, ca- (
da um dos lrés tcxlos é um passo no caminho da evolucao
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do seu protagonista do simples papel dc vÍtima, passando pela
integra9áo e pcla menüa dessa integragáo, até se mostrar co-
mo apenes um delinqüente irrecuperável.
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Quando o Imperador
(
As t¡es nafrativas podem ser lidas também como a pro- f (
I gfessáo em tr& tcmpos dc uma rlnica maneira de narrar: A i (
simplicidadc da carta ou confissao de Lázaro segue-se a com-
plexidade do Orzmdn onde se superp6em diversas categorias
entrou ern Toledo I
I (
de digressóes ao longo de uma história bem mais lonSa e o (
rebuscamento ba¡roco de O Buscaot em que o autor retoma
(
conscientemente os textos anteriores para construir uma rea-
lidede purünentc verbal e paródica. \ I (
O que nos importa aqui náo é apenas o volor dcsses tex- lt I
(
tos em si mesmos. Interessa também quc essc complcxo in.
I
(
No a¡o de 1554 um mesmo e pequeno üwo fói editado :
( tertexto queeles constituem se prolongará depois. E neo ape- quase que simultane¿mente em tr$ cidades naqucla époc¿ sob I (
nas na Europa do século XVIU, Mas, media¡do o sécu.lo XIX o domfnio da coroa espanhola: Burgos, Antuérpia e Atcalá.
l (
século de heróis posit.ivos onde, salvo erceqóes, náo há es- Talvcz o fato possa ser expücado pelo hipotéüca exisrencja
-
paqo púa os anti-heróis picarescos no século XX p¡oli- (
-,
fe¡a¡áo os textos em que é posslvel sentir G eco do modelo
de uma edigáo aaterior que, em todo caso, náo chegou até ;

nós. O misterioso aparecimento de A yidq de Lozarilho de (


narrativo espanhol originfuio; e o fen6meno náo apena-s pa- l orzes complica-se pelo fato de que nenluma dessas edigóes
¡ece freqüente ¡a América Laüna mas ofcrece amostras de rcgistra o nome do autor. Podcmos pensa¡ que o anonimato (
gra¡de interesse no Brasil dos nossos dias. Um longo cami- qeúa sido voluntário, face As conseqü€ncias que a publica-
(
n¡o, sem dúvida, cujas balias nos propomos a assindal. 9Áo do üvro poderie ter tido para o seu aulor. De fato, cinco
anos depois o Za¿arllho foi parar nó Index dos livros proibi- (
-5 ,-1".-.!o )'t ,.; c -c.. 6.,,.-r- dos. Mas, talvez pcla sra popularidade, em l5?3 foi reedira- I
(
J l,- ti.:-.r.-. ..\-,- 1,^ do, cmbora consideravelmente mudlado pela censura,
(
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LL -cr-'"L (
t- A história
-§r (
I A história contada io Lazorilho nada, tem a ver com a
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(
) fantasia dominante Da narrativa da época. Pelo contrário,
-t_ o próprio protagonista conta a fiajetória da sua vida, caren-
(
{r te de qualquer traqo de excepcionalidadc: nasce á beira do (
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8 I (

rio Tormes, perto de Salamanca, fdho de um moleiro ¡adráo mo diz, se v€ "em traje de homem de bem" devolve o burro
que mor¡e sem glória numa expedigáo milita¡; sua r¡áe, já ao capeláo, pois dccide náo mais trabElbar naquilo. Passa (
viúva, juntase a um moreno que rouba para sustentá-los; am- a servir a um aguazil, oficio que abandona por achá-lo peri- (
bos sáo punidos e ela acabará po¡ entfegar o filho a um cego goso demais. Pensando, no enlanto, em assegurar-se um fu-
para que lhe sirva de guia. Com o cego, Lázato passa fome turo uanqúilo, procura um ofício real. Mediairte favorcs de (
(
e deve recorrer á própria astúcia, único recurso com que conta Lerceiros consegue ser pregoelo, com o que, assim como (
( para sobreviver, face á. avareza do cego, As felacoes termi- anuncia vinhos A veuda, também dev€ p¡eceder os condens-
nanl com a brutal vingansá de Lázaro que, a seguir, fogc até dos anulciando seus delitos c sentcngas. Tern sucesso no ofí- (
(
chegar a um luga: chamado Maqueda, onde se emprega co- cio, e aele conhece um arcipreste cujos vinhos apregoa e que (
mo criado de um clérigo. Mas este acaba sendo n¡ais avaro acaba por casá-lo cofu uma criada sua. No entanto, hca cla-
ainda do que o cego e Lázaro é forgado a se valer de novos l'o para o leitor que o casamento nlo é senáo a mareira de (
( I
recursos para ma¿ar a fome; descoberto.nas suas pilhagcns, cncobrir as relagóes clandestinas do arcipreste com sua cria- (
dg, embora Lázaro jure sob¡e a inocencis desta. O relato te¡-
I
leva uma surra c é despedido. Segue depois até Toledo, on- l
de, deslumbrado pela apar¿ncia tidalga de um escgdeiro, pas, i rnina em seguida, com Lázaro cxplic¡tando que isto sucedeu I (
sa a set criado deste, No entaoto, aos poucos {cscobre que no ano em que o Imperador (CaJlos 9
cotrou cm Tol€do,
I
(
o novo amo nada tcm além da roupa que veste- Passa fome lcz ncla Cortes havendo assim grandes festas. E diz por últi-
I
flovamente, pede eJmola para Sobrevivc¡ e acaba alimertafI- . ¡no: "Pois a este tempo estava cu em minha prosperidadc c
I
do com els o próprio amo cujo orgulho o imdede de traba-l 1)O Cume dc toda boa ventura".
Ihar. Láz¡¡o Ecaba¡á sozinho quando o escudejro fugir acua.
I (
do pelos seus credorcs. I
O seguinte eoo de Lázaro será um frade da MercC, cu- A caminho do romance i (
( ja couduta pouco exemptar parece ter [uangas que 6 narra- I

(
( dor neo explicita claramente e quc leva¡n o criado a se afas-
O Lazar¡lho de To¡¡n¿s é inovador náo epenas por dife-
ta¡ delc. O quinto amo é um buleiro que, a fim de vender (
( rir tematicamente da narrative ide¿lista da época, que sc ocu.
a bula que prega, é capaz das maiotes trapagas, as quaÍs Lá-
pava preFerentemente dc aventu¡as de cavalei¡os andantes
zá¡o descobre e nos co[ta. Após quat¡o mescs, mesmo que
I alheios á realidade histórica imediata oü de pastores cuja fal. I
com olcjÁ náo passe forne, Lázaro procura óutro amo. Ser.,
sidade encobria-se de apaixonadas histórias. nar¡sgáo em
vc 8s§im a um mestre de pintar pandeiros. Nesta altura, já
primeira pessoa el¡mina o usual ¡ntermediário^que era entáo i (
mo9o, Lázaro conhcce um iapelao, que lhe cede um bu¡ro
o narrado¡ onisciente, E nos coloca no interio¡ da experien-
e quatro cantsros para que com eles distribua água pe¡a ci- (
ciat do próprio proratonista. Dessa Jnancira, já náo estamos j
dade. Todo dia Lázaro deve ent¡egar ao capelao t¡inta ma- I
perante a reite¡asáo de um estereótipo na¡¡ativo que neo
ravedis; o que passasse dos r.rinta ficava paJa Lázaro, como
pode sofrer maiores variagóes, como era o caso do hcrói das
também o que ele conseguisse r¡abalhando aos sábados. Com
o que consegue poupar ao longo dc quatro anos, Lázro com-
pra uma roupa velha e uma espada; assim que, como ele mcs- t Cf. crsrno, A. Ho¿¡o Cedontes- Msdrid, Taurus, 19J7. p, 107

(
(

10 11

noyelas de cavala(ia, O rexto neo mais será a expressáo do cepseo será sempre fixo e central. No entaJrto, há falas que
que a-contece a alguém, mas do homem existindo no que acon- : Dodcm ser isoladas como pertencenfes ivisdo a poslerio do
tece.'E a série de acontecimentos nao fica abcrta como narrador e que esteo neo,iro tempo do cnunciado, mas, da
nas oovelas mas se fecha na conclusáo de um orocesso ex- I
-
( - cnunciagao, Elas servem para definir melhor o que separa,
plicado no universo cxistencial do protagonisra. Ou seja, ro I
cm cada momento, o narrador da personagem. I§to impo¡ta
( nosso entender, estsmos ás pOnas do ¡omance. i por duas razoes: primeiro. porqúe nesse dislanciamento se
A caminho do romance nos coloca também um out¡o i
npóia a ambigüdade do tcxto; e, segundo, porque a última
aspeclo do Lazorilho. O autor deixaclaro que há mais de uma
lcitura possívcl da obra, quando afirma no "Prólogo" oCáo de Lázaro é na¡ra¡ e nestc ato o julgamos, para conhe-
-
que alguns poderáo concordar c¡m o ter(to, que deleitará apc- - cer ñelhor a sua evolugáo como personagem. As vezes, tais
nas aos que náo se aprofundarem nele. Tal necess¡dade de I
lnterferencias do narrador sao irfelevantes, como nos casos
se aprofundar para cheSar ao vcrdadeiro sentido da narrari- ,' cm que selimila ao verbo "digo". Mas ás vezes servem para
va implica que o lcitor deve assumi¡ um papel ativo, diicren- \ comproYar alé que ponto o narrador é o Lpzarilho jÁ eor'
te do de simples rcceptor da narrativa quc até cntáo lhe cra I rompido ou se é posslvel se ver no autor implícito um crftico
reservado; cabeJhe agora "ler", isto é, optar por um sen- Í da personagem. Assim, quando no episódio do cscudeiro o (
( üdo do texto dentro daqueles possfveis a parfir dessa am- l narrador reproduz a reflexáo da personagem criticando aque- I

( bigüidade. Poder-se.á le¡ ¡o Lozarilho apenas uma série lcs que vivem de apa¡entaf o que nao seo, está ignorando que
de hisrórias engragadas; mas também poder-se-á pensar que . i
ole também finge ser horuado. Mais ainda, quando a propó'
a obra é porladora de uma denúncia neo explfcita. A paJ- '
tir do "Prólogo" pode-se deduzir ciue essa dcnúncia está cen- i sito dos delitos do padrasto de Lázaro o narrador cfitica a
trada nos meiós que fazem possfvel subir na soc.icdade da épo- : corrupcáo de clérigos e frades, fica clara a hipocrisia do pró- I

ca. Nela o autor divide os que triunfaram em aqucles que I prio que, p'or sua vez, vive com a aiuda indigaa de um cclc- ¡

"herdarün flobres estados" e aqueles que "com forga e ma- | sifuaico corrompido,
nha remando chegaram a bom porto". Forga e msnha sao i
os caminhos de ascensáo social válidos na éDoca face ao ca- |
rátcr estamcntal que a socicdadc espanhola tcima entAo em I O anli-herói
conseruar. E sáo os caminhos que o pÍcafo parodia já nesta 1 I

sua primeira e, mcsmo que lnfima, significativa existEncia.' O protagonista do Lozorilho podc se¡ definido a pajti¡
aventureira. i do fato de apoiar-se na subversáo dos valorcs normativos da
I

época (cavalheiro, naúorado, mlstico ou conquistador) pa- I


(
O narrador ra chega¡ ao "cumc de loda boa ventura, quando para o lei'
tor se e ncontra na maior de$adagao moral. Cu.lrnina, assim, i
(
( Já Do texto, nos defrontamos com o tlpico narrador- o propósito de sc de¡ruba¡ os mitos da heroicidade (iá insi' I

( protagonista; tudo aparece como fala deste e o angu.lo de pe¡- uuado no "Prólogo") qu€ comeqa a ser executado de§de o
início do romancc: ¿s pretensóes Benealógicas da nobreza se
(
CÍ. C¡sr¡o, A, Apud Rooxrcuez Pre¡Lrot-rj. Lilaroturo, ttisto¡io, olie- opóe a antigenealoEia de Lá2arc, filho de pais elónimos e
'
r'ocióD- BEt..lonB, Labor, 1976. p. l?r. desonrados. Nesse scnlido anti-heróico se apóia, Para A.
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( CastroJ o infclo cla picaresca, A palir da "desonra" pessoal, Ilnt¡e elas cabem duas séries complotas de seqüenciag: o lpl¿ñ- (
Lázaro se langa a desmit¡ficar uma sociedadc baseada no con- dizado, com os tres primeiros amos, e a Prúgreisdo, com o bu-
( (
l ceito de honra. A própria obra estaria justificada segur- lci¡o e o capeleo. scpar¿das por um fato-chave: o fim da fome
do o "Prólogo"
-
po¡ ter nascido do desejo de obter a hon- (Deixamos de lado os episódios do frade da Merce, do pintor e (
(
{ -
¡a devida aos escritores. Mas isto é contraditório, já que a do aguazjl, já qug náo esbndo mds desenvolvidos no livro,
( (
I
narragáo desvenda um passado nada honroso para o prota- náo é posslvel outorgarJhes o mesrno peso do que aos ouuos.)
( goniste-"auto¡" que, na verdade, aparece muito mais co- A primeira série comploa, o Aprcndizado, ca¡acte¡iza-se po¡ (
mo alguém levado a confessar as suls culpas,a Que a pre- uma evolutáo no "passár fomd' que é, iqesperÉdamente, cada
( I (
tensáo de hoffa é fictfcia fica mais clúo e torna-se ítoru- vez maio¡ e uma cYolugáo na cápacidade para rcmediar a fo-
{
,t) ca até
-
quando advertimos que o autor reaj do Lazailho rne, ao ponto de que o plcaro acaba remediando támbém a do (
( -
preferiu um seguro anonimato, A alusáo á hoDra no "Pró- [mo. Há também u.Ea evolugáo na rclagáo fi¡al amo-criado; do
( logo" é, pois, satírica. O quc sc evidencia na imediata refe-
(
nbandoriar em fuge o crgo passa-se A ruplurá verbal do aco[do
( ñ r€ocia a tr€s categorias soci¿is movidas pelo impulso de se- com o clérigo e ao ser aba¡rdo¡ado sem mais pelo escudeio, Na (
t(r rem hon¡adas: o soldado, o cl.érigo e o senhor, exatamenfe scgunda série complo<4 t-ázarq já livre do fantasma da fomg (
( aquelas em que poderiam se inscrever a toElidade dos amos Dassa da passividade do ser enganado pelo buleiro d aüvidadc
( de Lázaro, com exceq¿o do cego. A "honra" fica, assim, de (lo oiicio, Dc outr¿ partg é lázaro quem agom opta pelo ñm da (
it
,.]ü a¡temáo reduzida a um discurso vazio, do qual o pfcaro se rclagáo: impücitamente com o buleiro, o(plicitarn€nte com o
( apodera para defendeÍ a sua comprometedora situagáo final
Iti capeláo. No todq bá uma progressáo dB fome á capacidadc
( e que agóra uüliza como razAo maiot da na¡rativa dc uma de subsistj¡ de ser uma e(tsnsáo do s,mo (guia do cego) á relati- (
It trajetória pessoal de corrupgáo. O que temos neo é pois a va autonomie do e8uazil e da fuga ao diálogo, 'Ibdos estes tra-
(
( história de um he¡ói personagem cujas agóes se dcsenvol- gos sdo marcas do caminho paJa a integasáo gue 5e processa-
(
-
yem no senlido do bcm comum mas da sua antftese que rá na seqüencia final. Bta sc inicia no ponto final da série pre- (
{r -
protagoniza uma série de aventutas em qu9 aprende a procu- cedente, quando L¿lza¡o sente gue pode se confundir no uni.
( (
it) rar, antes de mais nada, scrr prÓprio provcito e apcnas isso. verso dos seus antiSos amos: após comprar uma roupa velha
( c umE espada, sente-se "em traje de'homem de bem" e decide (
lr
j atuar de acordo com o Dovo nivel obtido mediaue a apa¡en-
( (
Uma estrutura cia. Agora, Lázaro se incorpora ao universo dos seus antigos
( amos e nele enffenta a soc¡edade de igual para igual para por (
ii
fim ao falatório com relasáo I sua mulher Desse modo, a se- (
( O Lqzarilho de Tormes eslí estruturado cntre uma se- qütncia final fecha o üvro sem que caiba pensar na possibili-
lli:
qüencia inicial (,¡¡¡lárcr'a) e uma següéncia filal (lntegraFdo). (
( dade de uma verdadeira conlinuageo do mesmo. O único jeito
lr
de sg lwar adiante a história de l-{zaro seria fazendo-o tomar-se (
(
¡ Op. cit. p. 65 agora o amo de um criado que fosse um oütrc plcafo.
l:'l (
( No nfvel das agóes, o esquema é simples e confirma o
' Cf. OóME¿ M9RIA}rA, AnroDio. I¡ subvcrsión dcl dkcurso ritual. U:ra )é§-
tú^ dcl La2oi o de Tomes. Iirp¡évrre, , : ór.69.. 2 : 37.6?,'1980. di(o antcr.iormcritc.. Lázaro, ao Ioogo do Iivro, eDfrenta seus (
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I 15

amos.cJ Ea medida em que cstes p¡ogr¡dem


progride na integrafáo, até na ¡fapaga, ele I ll)Isurá. E tal sentido crltico viria a ser depols um dos tragos
I
i
fazer sua a frapaga do ajc¡p¡esrc. rirlnluns a todos os romaacss chamados picarescos. A do.La-
A^ p_rocura inicial da comida que
lhe é ,.e1"¿;"i;f"ir?-r"; Lltl'llho náo é ainda a crftica pessimista dos seüs suc€ssores, I
na. procura da roupa que lhe
dg a apa¡encia necessária e do n Guzmón e o Susra'o. Como Américo Castro já advertira,
ofíc.io real quc o in¡egre no univcrso
do, d"mir"d;;;;; rll) funsáo do meio século que separa um e outros, a crí¡ica
a figwa do amo é subsrituída pela
do senior. tl] Luot¡lho tem lons diferentes, já quc o livro nascc sob con-
Em luncáo destas consideracdes, Iogicamentg
mos que o Lozs¡ilfio de Tormes enrendc. rllgóes muito dive¡sas. Nele se conde¡sam e afinam elcmen-
neo é arf¡n;les:Aü:nJa;ü_
ta de episódios coñ que mütos llrs que vinham da Idade Média, dentre os quais sé destaca i
crlricos ¡r crftica aos costumes dos eclesiásticos, quc no século XVI
va pieres*. Estamos perante uma "r;il;;;;-#;i:
eStrutura fcchada, oDde Du. luvnria á rcvisEo das üo'Jtrioas.s O Lozarilho acresc¿nta A crl- i
mcro_sos motiyos szo recuperados.
vulno com que o cego cura llza¡o
Dente cles, ;ñ;;;r;; i ,luo tradicioEal um senüdo mais complexo, ao incorporáJa
!
i
e quc será a base da sua I
)ttlm quadro de rebcldia conüa uma ordem social e econ6- l
prosperidade final; o das
cordes e dos ciJf^
que seráo. retomados quando,
;; ;;.";;.* Itlc¿ num momento de crise religiosa. Os p¡otagonislas des- ¡

_o-ceg_o, no f_, o prigo.,io"# tu, os clérigos, setao o alvo principal contra quem sc dirige
i
za¡o prcceda condenados á forca
pe ridade no concubinaro
e apói" u." p*i aáiru ,fii r:tlc[ primeira sátira picaresca. {
da propr¡o mrlrlerlio; ;;T#I
( o l-azarilho. de Tbrmes est¿ íture al¡lOa Os clérigos, ¡o Lazo¡ilho, aparecem todos eles desvalo- 1

d* *do;;;;;i i l'lz¡dos. Constituem a maioria dos amos cinco sobrc nove !


za¡Ies quc invadiráo a picaresca a par
Li, d. Gr;d; ;;';i;-_ -
l) slo quat¡o dos scis melhor desenvolvidos. O primeiro de-
I

racác e q-ue scráo elcmcntos indispens¿re¡s !


ao tipo pác.-ríJs l lr:s, o clé¡igo de Maqueda é definido como advertc A. Cas-
crlticos,.lázáro, como alor ou ,utor, reflete scmprE den- I
tro6
-
por comparaqeo com o avaro cego gue o precede;
l

P_9".lógif
"o-o c brevementq
imposta pela narragao
s;ñ;;ie. I
-
c cste, perto do clérigo pareceJbc a Lézaro üm Alcxand¡e
I
ressartc sá.lien¿eJ que, na medida
em que o protagonisla
se in_ Magno. O frade que se setue ao episódio do cscudeiro é vio- I

l:T.rl:o.i.d.d: que denuncia, ,eflár"


caoa vez menos criticamente _ ao ponro "aaa "d;;;,
_; lcn¡amentc erilicado num curto capftulo, Porém, a crftica I

de nao perceuii quJ l lunis mordaz cscá dirigida ao buleiro corrupto e ignora¡le e I
quardo ele se define como homem
de b"*;;r";;;;;r:; j [o clero que o recebe. Sob a aparOncia de debate religioso
I

veste,.Dao. faz senáo reproduzir


:"_: 1C9* cari"rtrá..nt" u lrflo ironizadas as bulas que o mesmo vende. E fecha-se o ci-
í
rrgura oo c§cudciro de cuja auto.estima apo¡ada 1

na apaÉnc¡a clo com o arcipreste do último capftulo usando Lázato para


pouco antes o plcsro so compadcoa. (
U[cobrir suas relaqoes com a mulher do próprio. Neste desfi- I

I
lc de amos-clérigos e náo scm segundas lntengóes te-
ao mesmo uma
- ascensáo na da hierarquia
- f

A sátlra soc¡o¡ lltOs tempo escala i


cclesiástlca e um crsscendo no Brau de corrúpgáo de cada um
tlcles. A denúncia tem müito a ver com a cr[tica que o eras-
I
(
.Um dos tlasos t¡t0r.c0u[cs do LctZurttho é, scm dúvida,
a-crlrrca da soqlodo(lc contcnpor0ncn r.rt.
pcib I C^srRo, A. Op. cil-, p- 9¡.
ca qüc, como (lissc¡»os, vnlcl,l0 "rLr,
l)tun 0 (rt:,,,r srin ¡»,oit icáo"r-nll
p.i. ñ
ldcm, ibidcr¡, p, 94.
(
(
{
(
I
l6 (
I
(
m¡smo levantava por essa época ern relasáo 80 clero, o que
a
faz pensar que o anónimo autor do ¿a¿ariráo pudesse s€r um
pa¡tidá¡io das doutrinas de Brasmo. I J i
(
(
I
A histórle de uma corrupqeo Remando na galé I

t I
( Mas o clero neo é seneo o
seSmento apontado como I (
domir¡ante numa sociedade de plcaros. Nessa sociedade tem
(
ügencia uma inversao de yalores explicitada por Lázaro.nu-
I
( rador quando, dirigindose ao destinatá¡io expllcito da obra, (
( üz: "Apraz-me cont¡.r a Vossa Merc¡ estas ninharias para (
mostrar quenta virtude há em s¿berem os homens subir serij
( do baixos e quanto vfcio em se deixaJem baixar sendo altos". (
A reflex¡o, introduzida quando sc está nafiando o inlcío do XVI, em 1599' um escrito¡ sevilha- I
Já no fim do século
descendente de iudeus con-
aprendizado de f.ázaro, tem cor¡espondéncia com o conselho ." at-""í"'üii." Áe-a" -
dado pelo arcipreste a IAwo já, no irm do livro e que Lá- Madri Primeiru P0 e de Guzmdn (
('náo i -'",iri.""a em cnamado
^ no texto da aprovacáo
( zaro segue ao pé da letra: olhes para o que oulros pos- ;;";ir;;;;.4\i;J"'a
"iI'.}-. -
de o Pbaro ouzmdn al- (
sam dizer senao ao que tc toca, isto é, ao teu proveito". Es- I !"r*'ie"[" "",L.brigatória -
conheceu um su.esso
-d-e
excepcro- (
( ta inve¡sáo de valo¡es slgtrifica mostrar o vazio dos mitos vi- ;;ñ.lt;bt,á o P'karo' nesse mesmo aoo c um total
( gcnres na época e alertar para o materialismo que ñasc¿uam,
I '.:iil:;; ü;;'-tás eaiEo"'
r^ ''< ;rÁ rán§ o Fxito ¡cvou alguém a publicar' em 1602 e
(
Lázaro, que iaicia scu rclato por um pomposo "eu", é a pro-
( va dos efeitos dese sislema sobre o indivlduo que, na rea. I h' ¿ ;:"#áil"'i' lüii* r'¡ r" de avavedra' um a'se'
s (
AIe-
üdade, já náo existe, a náo ser como apoio para a socieda- eundd Parre frulldtllenta com base no projeto que Mateo (
(
de scu rivro Q roubo revou
de aliemnte e pala o Estado todo-poderoso. Os ve¡dadei¡os iííi'iri,i, ,l;l;;oiiinu'§'ep
a sua Segunds Pd e'
que foi edi- (
( valores dessa sociedade e desse Estado estáo implícitos na apro. ilii;'Áieá*. oublicar
ximagáo que o n:urador faz quando, no flm da sua histó- tada em Lisboa em 1604' (
ria de corrupto, menciona a sua boa situas¿o e a localiza tem-
poralmcnte relaciona¡do.a com a entrada do lmperador em I (
Toledo, a¡ Cortcs e as grandes festas haüdas, Náo se trata O pícaro Mateo Alemán (
de querer localizar sua história ¡a cronologia, mas de iden-
nascido em Sevilha em 154? (
üficá'la com o contexto.? A vida de Mateo Alemán -
picuesca' Ma¡sinali?¡do como des-
ú ñt,;;;;;iória
-..J"nia seus Ürtepas'
(
' cf. Bu¡¡co Aour¡¡o^, C¡rtos c( alii. IúJto tio social de lo l¡teratu¡d es-
ár:ua"ut conversos rnorto um dos
-
:ffi;;;;;;;Ja e§creve o Guzmdn' que (
pañola (eñ lentuo casle año). Mz¿rid, Castal¡tr, l9?8. p. 234.12, v. L lnquisicao -
(
( (
üi
( (
( (
( (
( (
(
(

(
t8
( ;
19
mu¡¿as ve?-es foi lido como
( uma slDtese da id€ologia da
rra-Xetorma, mas que pode Con_ tloze anos, seu pai morre e a família acába arruinada. En-
(
l |,j1,cria9io,
nunas
i;;; il ;;i:Íil',ii,?',1#,llli
escr

económic¿s, apesar do sucesso l i,j_


t
i
I
tilo, Cuzmán decide partir para a ltália, onde pensa encon.
crar parentes ricos dos quais espera ajuda. De Sevilha patte
(

(
rotado cm negócios pouco orlilr."í¡""!i-
do i para Madri, No cami¡io sof¡e cruéis experi€ncias por conta
(
claro, o, ¡^"..rupüo-ü
( que se desempenh, uo dos donos das pousadas. Quando seu dilheLo acaba, deve
(
I^"_-,:Tt" ol
como juiz ^li_
i"i"r¿rf.,I".
I

j lrabalhar numa delas, e mais tarde vende a própria roupa.

(
;trffili
casou-se com ,_;;¡;;."#
:r'* náo
X,n'"T&'#.0f;;#' pa¡a :ezes
es,eia
pagar ";;;;";;
uma divida
Chegando a Madri, trabalha como ajuda¡te dc cozinha ou
I
"pícaro" e comega a joga¡ a dinheiroi rouba para jogar e
p¡111ir"r','.","a.*il#:il'rl[rJ"1l",,ill",jli,,;?,i- é despedido; trabalha como carregador e foge com um di
I
nhciro que lhe confiam. Fogc para Toledo, compra roupas
íi. jñ,;-
rha, vr¡á com ele á América
lao urexico¡
nca estava proibido aos criitaos e, i608. I
e pcrde parce do dinhei¡o. Vai aré Almagro, onde encont¡a
r¡ac¿ssaranoseui;,;;;;.ñ;r1"J."I j,Y,ili?#.iTÍ1"13 uma companhia dc soldados que viaja para a Itália. Decide (
roma-r¡¡r o cuidado dc prcsencear i i¡ com cles e enquaDto tem dinheifo maDlém amizade
qy. porrrt. em
previamente com uf¡ras
ca-
- -
com o capitáo. Depois ú criado deste c rouba pa-ra lhe dar (
Mad¡i o secret¿¡io ao Ri¡,
(
lT
üagem, o mesmo a quem clc
;i,"ii"
q,].t I dg comer. Chegam assim a Cénova, onde os parentes se ne- (
::,:iirl " ucedido
auroriza pa.rq im- gam a reconhec6Jo A vista de sua apa¡éncia pouco recomen- L

( l^r,T-,1-?."u !.r:: Guzmán. afrnrl, U",*L*rriil_ I


dável e lhe dáo uma surra. Guzmán vai para Roma, onde sc
(
( y*:"""sti,"'{.¿}il"Jf,?t.i,;:l:t[lfi:*a
nem na ficcáo
faz mendigo, e aprendc a fingi¡-se de doente e a subornar os
médicos encarregados de examináJo. E admitido a servigo
(
.que alguém toO. I (
completa nada sabemOs dele.r"rni"r-rr'ulrar;;;;;r::; de um cardeáli que lhe ofercc4 a possibil¡dade de cstudar. Mas
- Guzmán continua viciado no jogo; é expulso temporariamen- (
te, mas ele decide neo mais voll.ar. Entra a servigo do embai-
(
O pícaro Guzmán de Atfarache xador frances, com o que termina a P¡imeíra Parte. A Se-
grada se inicia com Guzmán se¡vindo ao embaüado¡ corno (
Lozor¡lho, no Guzmáné o próphio mensageiro em assuntos de amor, tarefa em que termina pas-
(
-,..^!:T.'"
rusta quem.sc cocarreSa de
nos contar
protago-
Iri,ioril a. iürr:ii.
sando o maior vexame. Faz amizade com um tal de Sayaye-
L'omcca pela bjosrafia dos pais. dra (alusáo exllfcita de Mateo Atemán ao autor da Segr¿da (
o pri "é ,^;;il;...ir" ,;; Parte apícliífa) efesolve sair de Roma; manda pa¡a Siena os
esffupulos que seduz a mEe de
Guamán _ *;;;;;;;;; scus baris que lhe sáo ¡oubados por Sayavedra. Sayavedra
(
( J;li:,:::*,,"i:frxT,;*utr*.¿gi,*:ii':*i é p¡eso, mas os baús náo aDarecem. Ao sai¡ de Siena encon- (
tra Sayavedra, o perdoa e scgucm jurtos, Em Floreoga, Ouz- (
mán csbanja o que lhe resta e vai parar na cadeia quando

il*:nr;i jj;i#:1;hl*ff i/'?'#'xriá:,!-"ii,;:


denuncia um rapaz que encontra yestido com as roupas quc (
foram suas, já que o moCo é filho do prefeito da cidade. Ao (
sair da cadeia ganha dinheiro jogando t¡apaceiramente com
(
(
(
(
(
(
(

(
z0
71

a cumplicidade de Sayavedra. Váo para Miláo onde ¡oubarn tável, além da maior extenseo do relato e do iünerário do pro-
magistÉ]mente um c¡mcrciante Chegando a Oenova, engana tagonista, consiste na itrtrodugao de g¡ande quantidade de
os seus piuentes, rouba,os q cheio de dinheiro e jóias,
embar- narra96es secundárias (nárrativas curtas, contos, fábulas ou
ca para a Bpanha, Na viagem, Sayavedra cnlouquece
e se jo- exemplos) e di8fessócs de rodo üpo: principais (aurocrftica
ga ao mar Cuzmán chega a Ba¡celona e segué para
Sara. ou críüca social) ou secundá¡iar (ensinan§[to§, senten§ast co- I
g09A Alcalá e Madri, Nerta, envolve-se com uma prbstitura mentários ou definigóes).2 As digressóes, em geral, apontam (
e perde dinheiro. TFafica, enriquecc, comp¡a uma para um tom moralizante que pareceria ser a realizasáo do
casa. casa_se
com uma muJher que o deixa na ruína. Separam_se e ela (
mor- objetivo propósto para o livro em dois dos quatro prólo8os
ra Q.uzmán decide ser padre, vai par¿ Alc¿.lá estudar e já no que precedem á Primeira Pdrle, bem corío significañ o apa-
lim dos estudos con¡ece Cncia, Apaixonr _r" a *ru¡n-r" Ea I
recimertto da autocrítica c o ¡ecrudescimento da c¡ltica so-
Maúj, Cuzmán nada faz senáo comer, beber e do¡mü. Na rui (
bial introduzida pelo Lozarilhoi esta última ago¡a náo ape-
úa outi¿ vei, Guzmán cedc a outros sua mulher por
Váo para Sevilha, o¡de Grzm¿í¡ encont¡a sua máe Gr¿cia
dinheiro-
fo.
nas abrange todas as categorias sociais
clero
- deixando fora o
mas também se carrega dc um enorme pessimismo
(

Ee par¿ a Itá¡ia com um capitáo.. Guzrnáo volta a roubar, ago. -


com relaseo á condigEo natural do se¡ humano.
(
I
ra com a máe como criunplica E preso c vai para a
cadcial É Também a noqáo de plcaro pode ser considcrada uña
surpreendido quando tente fugü c é condenádo a ¡emar ras ¡ovidade do Guzmdn. No Lazorilho o termo náo apareciá
gale.ras pelo resto davida. Na galeE tem em Soto, seu compe. i e passaria a stlr
apticado a Láza¡o em funq¿o das suas seme-
nheiro de banco, o pior inimigo. Guzmán sene ao capitáo lhangas com a personaSem de Mateo A-lemán. Tais semelhan-
da
galerá, com quem faz amizade Uma noite se diz arrependido gas sáo relativas, na medida em que Guzmán envereda pelos (
de.seus c¡i¡nes. soto p¡ocul-¿.o p¡ra que particjpe de uma
rc- caminhos da delirqüencia que Lázaro náo rrilhara. Isro Ie-
beLiáo para se apodera-rem da galera. Mas Guzr¡án o denun_ vou a que alguns críticos (
no Dosso ver, erloneamente
( cia..Soto c os seus companheiros sAo esquartejados e
Guzmán i -
optassem por excluir o Lazatilho da picaresca. Na verdade.
-
obtém como prEmio a libcrdade Lázaro já realiza, cm germe, os dois delitos básicos dc Guz.
( ¡
mán: rouba¡ e consentir no adultério d¿ mulber. Guzmán
multiplicará quantiELivamente os delitos de Lázaro e os di-
Uma nova modalidade narrativa I

vcrsificará, sendo pródigo cm var¡antes do roubo, como o


estelionato. a falsa mendicancia c o jogo kspacei¡o, e (
.. Q Gua,n¿n, na hora da sua publicagáo, lembrou
dlalamente
ime. tornando-se um verdadeiro ru[iño da mulher. Por outra par-
os seus Ieitores da exist€ncia do Lazarilho, ao pon- I
te. vemos agora que o pfcaro náo é apcnas o scr isolado que
to de que houve quem se aptessasse a reeditqr este últimó pa_ pfota8oniza um romance picaresco, mas constatamos que res-
ra ap¡oveita¡: o succsso do üvro dc Mareo Alcmán, Nascia, ponde ¿ exisrcncia dc uma classe de seres históricos que apa-
assim, a nofEo de .,¡omance picaresco,, como modalidadó recem também como tais no romance de Alemán.
nar¡ativa. E o Guzmán passari.a a ser o protótipo de ral mo_
dalidade. O GuZmdn, porém, significava a introclugáo de sen. r Para csta classificaseo vidc S^N M¡oull, A, Sentido esarüclutu del
sÍveís acréscimos ao modelo inicial do ¿ ozorl!ho. ó mais no- t
"ouzntdñ de Alforoche" dc Maleo Alemán. Madrjd, Orcdos, l9?1.

(
(
(
(
(
( 2L
7X

( A estrutura Gonversáo?
(
( O Guzmtín obedece a uma clu.a simclria dc Pa¡ece-nos, entao, que a leitura do Guzmdn depende
seqüen_
cias que pefmitem supor que se t¡ata de
( sado para se fechar na conclusáo a"
,.
,orun."!.n_ do papel que seja aribuldo nele á "convcrsáo". A gran-

que o eutor a¡uncie a futura publicagáo


,, ,ai.o
paor.rro, de maioria dos criticos entendeu sempre que a mesma sig-
( de uma tcrcei¡a n¡fica a culrninagáo do proc¿sso de excmplaridade em que
pane- que, como veremos, no no§so se apoiaria o "didatismo" do romance e que foi fundamen-
( entender neo te¡ie
sentido- tal para a ap¡ovagáo ec¡esifutic¿ que permitiu sua impres-
( . O Guzmdn pode ser lido iomo sendo o ¡clato sáo. Isto tcm sidb táo frisado, que alguns autorcs chegafi¡
de uma
(
viagem com dutu etapas: a primeira _d. idr;;;
a I;;:
a ve¡ nele apetras um sermáo e, assim, a exclulJo da lite-
¡ia e a segunda ^ Nelc i" a.a...ra
a volta para Scvilha. ratura ou a chamá-lo de anti-¡omance. No eDknto, leitu-
(
- -
. um processo de procura de ascensáo socioeconomj*, ras mais rccentes apontam para o caráter circurstcncial do
qr. no
primcira etapa deve ir se afas!ando mais arrependimento de Guzmán. Especialmente Benito Bran-
( e mais Oos práceÁi_
menlos que a sociedade permife e consagra. caforte, no estudo lá citado, deixa claro que nada muda
A¡ingido ;m pon_
( to de neo-retorno moral _
explicitado ," ,"¡.üao á-o-pl- substancialmcnte na conduta picaresca de Guzmán depois
tunidadc oferecida pelo cardeal romano _ de seu "a¡rependimento". O roma¡ce náo conclui com o
( Gúzmán eicra que seria uru reencontro com a virtude, mas siguq, e na
num segundo-proccsso de corrupgáo que culmina
( com a pu-
nigáo: a condcnagáo perpétua a remar nas galeras. seqüéncia fica claro que Guzmán a.tneja a liberdade ma"
Mas aí teria.l e apeDas isso. Essa libe¡dade é obtida mediantc a ines-
( sc produziria a regeneragáo do pfcaró pelo
a¡rependimento crupulosa dclagáo de seus companheüos. Mais ainda, só
(

- como se tem costumado chamáJo _ a ,,conversáo,,
de Guzmán. No entanto, é pcissível eltendcr que assim, com Guzmán picarescameDte reintegrado á socieda-
tat arrepcn. de, leria sentido quc o autor prometesse uma le¡ceira parte
( dimcolo nao passe de uma farsa dentro da fárrr, o qu"-"o,
permite ler a obra de outro modo: a prjmeira de sua obra, já que náo caberia pensar em continuar o ro-
( etapu autrina mance com a nüfaüva dos ato§virtuosos de um ex-plcaro,4
com o "desengano', de Guzmáa que, a segui¡,
reioma o ca- Que a "conversáo" náo tcm o papel transccndente que lhe
( Einbo de ida num rerorno de vinganga
[u. ,".ujuá **. tem sido at¡ibuJdo f¡ca claro, fina.lñente, quando vemos que
( se.sentido as pessoas, as insütuig6es e os cspagos.
Esle cul_ náo apenas neo é mencionada quando o autor traga o plano
ñrDa ndo no arrependimento mas na vintanga brutal
( contra de sua ob¡a (na "Declaragáo para o entendimento destc li-
Soto e scus companheiros de Sale¡a me¿L"te a aetageo
que
( valc para Guzmán a liberdade e a buscada integrag¡á
na so_ quc urD6 tcrccira ps(c
ciedade.¡ ' Contudo, n¡o nos parcc. - como.jÁ d¡§5cmos
-
( pudcsse scr peúáda com Crrzmán coútinuá¡do E sua vida picarasc.!; gsrec.-
nos quc o protoSo¡istÁ acinSc srus objativos qua[do obtén a libc¡dadc e
( ! Esla l.ltur¡
é próxim¡ c ncla tc spóia cñ algum sCnt¡dO _ da Ouc fa2
se intcBra nq socicdadc; isto fccha a obrB e b&sta c.rño dcnúncja pr¡t Ma-
(
-
Blntro BÍdn."fore em o rzn¿n ¿, ¡úr,ociii ¿-áZ-r;r;;;;;;
tco Alcmán quc, no cnlo¡to, munciB 1]mB (Fccira pa¡tc talYc-¿ para sc pre_
( Á;;;"d'"i;- cavcr quanto I porslbilicladcdc usurpeg¡o do dircilo de conlinlrat r sua obra
Rtodación? de lanto sucesso.
(
( (
(
(
(
(
I
(
(
25
vro" ¡I'g_p¡g6.¿.d. primei¡a pq e) o,r no ,,prólogo,,
seEundo pdrte; rambém rada da ou como dcssasralizadoras quando náo sáo no mínimo am- (
se diz sob¡e au
capltulo corrcspondentc, nem é * rjir-ro aT J
bÍguas. E o pícaro narrador quc aparecc fustigando o mun-
antesipua, n" *rru','üaii
mo c.ostuna¡n sé_lo, no üvro, do é mmbém quem se perdoa a si mesmo com suspcita gcne-
o, frto, mai. imp;;;;:;
rosidade.T Em síntese, o Guzmtin tem muito mais de zom-
baria do cristianismo na boca de quem, dize!.do-se ar¡epen.
,i=.tli"+i,*'#1:1t¿:1.,:'ffi*:u*:l*il*
r¡m plngo d€ espera¡9a possa dido, vira delator, pratica a vinganga, ignora na sua na-rrati-
luz do cristianismo-
ser cntendida
"o_o
o.ii,ü va os do8ries cristáos da redeÉ9áo e da providencia, plrsiste I
numa relaÉo homossexual que a Igreja condenaJia e, espe-
I

I
cialmentc, escr€ve su¿ui memórias com urna enorme dose de
O sentido do Guzmán pessimismo, de falta de esperenqa e de nogáo mais profunda I
I

( I
da relatividade que o cristianismo outorga á vida tempora.l (
I ,.id.o, com relaqlo A ete¡nidade. Nesse contexto, a alusáo ao dog-
I ,,_ .f:iTde crltjc¿ neo hó tugar para s e ve¡ o Guzmdn como
um-texto ma do pecado original nos pdmeiros capitulos do ¡omarr-
(
I morÁlizarte u parfi, au, ,"n"iOJr'a-."u,i
plca-ro arrependido; nem cc
-
podc ser cotcndida, como quer Brancaforte,¡ como a
ia* os"o,i,
como r -
(
r
GL-o;ili;
',".
rno a vistó i¡onica da sua socjedade
¿T;, ;:ñ'j*i:: Ji:"JX
alusáo a um outro tipo de mancha original, que condena o
individuo á insuperável marginalizagáo social: o sanguc do
o plc¿ro se integta através dos
cor,;;;;.á"";, ;;"0;; converso. E assim como náo há na obra nada que possa ser
{ (

( .iia,a. *iooÉo-u
"converso,', aponta
:H
o caminho

li#?lh'ff ,*jff ::ff :" ,]I
entendido como autendco c¡istianismo, achamos que pode-
se falar nela de um predomfnio do que chamarlamos a "ideo-
(
,lri.o o" .n,.rj"'"'or-u
"tI."l i
{ ciedade: a acelracáó formal
dos princlpt;;;;;ilfi;"#_ logia do converso", que se contagia em muitos detalhes, in- (
mento dominante. E mais ¿inda. f I clüsivc em tlasos estilfstjcos do texto, Detrás dela está, sem
( (
;;;j;,;il..ffi";,i#:Iyr:H
':derara,',
;:Xlfiil::, dúvida, o crjstáo-novo que escrevc a parür da ambigüidade
( para_colaborarra prxervagáo a quc foi proscrito: Mateo Alemán conheceu a experiéncia (
do imp+r" 0."*
ol,r"roiJll l
é mais lógico tet o Guzmdn;_" ,,;;; de "saber subir" ao pre9o corrupto que a sociedade "cr¡s.
( Íll-Ti._*i*.,
oanga cána_va¡cscá em votta
i
tÁ" Ihe cobrava. E muito diffci!, senáo imgossivel, separar, (
( 1
como que¡ Branc¿forte.ó
da é¿ica e dá i.iioi"'*¡ra.;: ns obra, Mateo A.lemán do autor implfcito e cste do narra- (
Guzmá
t
.ra,am*rari,ñ;;;;:#Ll.l-"Tii:fi :ilff ...":x1l:
dor; e este ütimo nAo passa de um pfcaro que chegou a'¡a-
(.
Ambos denuncíam quais sáo os dráo, foi condcnado A galcra, dclatoü e ficou livre e agora
caminh",
cender socialmente. As farnosas ,.reflexóes
,;[;;;';;;"
*,;r. cscreve suas memórias com um sentido que parece morali- (
{ _;;i;;;::,
lidas com_cúdado e nesse contexao, zantc; mas que acaba nüma critica social impregnada de pes-
o"aa te_ ¿e sermao. éol (
mo quer Braacafonc, é posslvel ie-lr, simismo e resser¡timento. Estaftlos perante a paródia dos me-
*rn"'oi.i¡r,n" i,,jl, canismos de ascensáo social dessa época na Espanha, onde (
I

i fri;'B§ff"}§;ffi op' cir'' P E2-eo' (


I'cf.
idrm, ibldem, p. l4-22.
( Ibideñ, p. t63-?6. (
( (
( (
( (
( (
( (
( I
( (
( (
( I
( (
( (
(
jL;5tüEil,liffi :f .f*[:,*,,.,,:;r (
if--
(
4
I

i' (
( i (
I
( i (
):
( O cavaleiro que caiu do cavalo ¡ll (
I
( ; (
( (
t;i
r, I
( (
lr
( l: (
( tl (
( Uma edigáo p¡rata l'
i. (
( 1626: é impresso ern Saragoga, sem a autorizagÁo do seu (
i

(
autor, Francisco de Quevedo, um livro que ¿ste escrcvere e
(
comecos do século. A primeira rodageo, de 1603 ou 1604, re- I

( ria sido re¿ocada entre 1609 e I614 e até entáo circula¡a em l;'
i'
(
( manuscritos dos quais tr€s chegaram até nós. O seu lílulo em I
(
espan]¡ol (I*.s¿o¡ra de lo t¡do del Buscén) tem sido reduzido i
( para El Buscén qre, na mais recente trsdugeo ao portuguas, I
aparece como O Goluno, Da nossa parte preferiremos fazer i
{ i (
I ¡efer0ncia a ele como O Bltstdot consciegtes do acologismo
( que, no entánto, achanos traduz melhor o seirtido do origi- I (
( ia1. Cofi O Buscdo, fecha-sc o t¡ipé das obras que compoem (
o que chamamos dc "núcteo" originário da plcaresca clássi-
( ca espanhola. (
( I
(
( I
Ouev€do (
( (
F¡áncisco de Quevedo y Villegas nascera de familia no.
( brc, em Madri, no ano de 1580. Foi educado no padreó da I
( (
( (
( (
( (
( (
I I
ft¡f, trrt r;r'iirrl¡ '¡¡'¡1¡¡, Iltrfl.flfir¡(
t
l1
30

tc, Pablos consegue havcr do scu tio 300 dos 400 ducados gas dos quais Pablos lcva a rneior das surras'
Vende entao
:i
deüados por seu paí e,decide partir para a Corte, isto é, ".1* Á",
irtJ faz-se mcndigo prorrssions'l e ganha o ba§-
:l I

Pane pars Toledo


para Madri, ,*ür".".otpa"r roupa e uma espada'atores' Tem muito su'
A caminho dessa cidáde, Pablos encontra o que, pe- i;;il;-;;tá. ,ma companhiaque de I

la elegante aparéncia, julga ser um distinto fidalgo. Logo a*ro, plr" u ararever as pcgas fePresenta¡n e a ganhar
quem rou-
,l
descobre que o companheiro nada tem, a náo ser os seg- áio-u.irá ¡ro. cofeja depois uma freira' de :t,l
"o, itii, (
mentos da roupa necessários para parecer vestido. Assim ürl p*üp*" stvilha.'Pelo caminho, vive graqas üs rra¡a' lr:
jó: de A-lca- t,.,
flagrado, dom Torfbio confessa pertencer a uma comuni- üi "iá Ao chegat, encontra um artiso colega (
pfcaros e rufióe§ Beba'
dade de fidalgos quc, em Madri, fingem ter para assim so- lá oue o apreseRta a outros amlgos
dois g-uardas' viro rufiáo e decide
iii (
b¡eviverem as custss dos amigos que fazem, Já em Madri, :i";, ;#;;;;ioando sotte Mas'aca'
( Pablos se integra ao grupo até que sao descobertos e veo nassar-se A América para ver se mudava sua tll (
quen:
(
todos para¡ na cadeia. Pablos suborna o carcereiro e o es- ;;áL;;, "foi pioi, pois nunca melhora seu estado
o
(
1
criváo e, ao costrário dos seus colegas, ve-sc livre. lnstala- rn"¿rl.iátü a'" Iuiar e nao de vide e costümes"' ilii
( ,t
se nums i'ousada e aparcnta se¡ um rico senhor, tentsndo (
( aisim conqústar a filha dos pousadciros. Mas uma noite, i|l
I
tentúdo ch€gar onde ela estava,. ca¡ fi9 telhado da casa dc A originalidade ril
( um escriváo viziuho e acaba levando uma violents sufia e
vista da d¿ma. Depois, J]¡ge ser práo pcla lnquisigáo e, a partir dos dois textos an' rl
O BuJcAo é uma obra esclita
na sfntese
assim, consegue deixar a pousada sem nada pagar e levan- ,*. Mas Quevedo conscgue ser original
do os seus peñences. Decide entáo irivcstir na procura de i. "n-rlir"a*.
,-bos. Do Lazarilho ¡oma a fo¡ma condensada'
o oesrl- iii (
digressóes e certos tipor co-
um casa¡¡ento proyei¿oso. Arrums roupas e a.luga um ca- i"t¿rio tlorr.¡*, auscncia de
(
" de Maqueda e os tloar-
valo. Finge ser rico, conhece dois cavaleiros e depois duas mo Cabra - inspirado no clérigo - i

( mogas mais a máe e a üa destes, e convida todos para me- ;;. ;;á* - ;"IüplicaÉo e pa¡ódia do fídalso toledano' .l
renda¡em no dia seguinte na Casa de Campo, nos arredores ";; á;;;;
'r.áánárt poáe'seientii o peso no internato de cabra - i
I ds surras'
de Madri. Nisso estando, aparece dom Diego, seu artigo ui, a. alcalá -'as pousadas'! 8§ cena¡ :l
muitos
( i arnot que é primo das mocas e que'o julga parecido com ;;;;;; ;;'.;;anta, os ralsos pobres'. bem como
nobre' Jaz'
o sem-vergonha colega da infálcia. Voltando para casa com ."iiot ¿.,rri.r.t O próprio Pablos' fingindo'se
os dois aEigos,'joga trapacciramente c gan¡a deJtes coisa ;.1il;;;;;;{Ñ'o a" Guzmán' o caráter autobio-
é possjvel
de 3Q0 reales, Mais tafde, na casa de um vizinho, finge ser oot textos auteriores persiste' Mes agora (
um fradc c depena outros no jogo. No dia seguinte, náo ".¿i,"i.ttii"iaiar¿c expl(cin do rcct[so' na medida em que
i"t'u
achando cayalo para alugaJ, toma uñ emprestado para se á-ni*J"ita" .. de contar fetos que o protagonista
exibir peante uma das damas, doua Ana, mas é derruba- "uida (
do pelo.animal diante desta e de dom Diego. Para pior,
logo descobre ter sido ¡oubado de tudo o que ganha¡a. E ñIfiliIn*o o.r,a h.rsnca dc o r¿ic¿o DodE 5r v'r 'm ctos' E Ir- (
acaba descoberto po¡ dom Diego que contrata uns capan- H+Hn.jI:"#ffi :r"l',i"f;:u'J,'"u,1fl ;§!:í'Y;":'u^' (
(

I (

( (

{ I

(
(
I
I
I

I
]') (
37
I (
obra construida apc- !
isto, pode-sedizer que O B!ócrioé.uma I
náo conheceu ou p¡esenciou. A maior identidade dos tr& tcx. onde ela própria elabora os refe- (
tos cstá, sem dúvida, na figura do picaro e, particularmente,
n^ Ll, .iru ¿u li"á'agem, I
I
rentes neccssários para sua leitura' I
em que ¿s tres estabelecem um mome[to pata a conscienti- I
I

zasáo da personagem: Lázaro go se ver duramente golpeado


pelo cegoi Guzmán quando, cm Madri, se faz pfcero; e Pa-
blos após o t¡ote cm Alcalá.
A ficAáo na ficgáo
1..

A originüdade de O Buscdo talvez parta da pcrspec. que pÜece' (


A estrutu¡a de O Buxdo é mais complexa do i
( tiva social dc Quevcdo. Já nAo se Eata de um cscritor ideo-
n^ ..^;;";.; ;Ñi, *t¿ est¿uereci¿a denuo dc um claro (
IoBicamente merginalizado como os autores antcriorcs, mas
;i"L; il;il;;:Joque'Quaedo
plcaro' Após o preámbuto dos dois
dc um a¡istocrata. Assim sendo, náo apenas náo precisa destjna a estabelecer'o con-
I
(
fingir nenhuma confissáo nem cncobrir sua obra de pre- ;l"#ñ;riil: dó picaro em conllito com as aspiragoes
I
\L
ü.u".ai*á'*á, li (
textos didáticorinoralizentes. No.prólogo destinado "ao em que Pablos desempenha
do mesmo - temos o segÍlento il (
leitor" Quevedo diz que se propóe a divcrtir o mes¡rio, co*o criado' fungáo que vat il,,
mostrando-lhe ¡ vida de um pícaro. Fa.ha toda motiva9áo
I"r,i"ü. irá.r* J" pfca'oi servit a fome' Esta sc-
realista. A Quevedo interessa t¡agar o pa¡edigma das pre-
;rJ;; ;;ir" tridicional 'da picaresca
está marcada
-pclo "náo..ter" ña'
(
( tensóes de a¡ceisao social de um desclassif¡cado, nas quaÍs
lie"^.üii'r.ir;; ; ao servigo 11,, (
( ele está condena¡do qualquer alreracüo na sociedade es-
::1';;;;;;;"*l::i:.'"1'Í,Hl;l3,l'i*','.""[
fome e á .1.. (
de galos). A Pass:vtaaoe
tamentá¡ia em cujo cume ele próprio está instalado. E, pÁ- llil
cientiz¡cáo de Pablos' (
Ta tanto, uúliza¡á a constante caricatura que faz do seu '""'-*f"",,'üoiJátvlaXl)'assisdmot',1't:']i1"-::': [,
liv¡o uma esDécie dc paródia das paródias picarescas an- rl
(
ir
teriores. Daí que Qucvedo. náo apenas náo moralize, mas
generalize. Da sua caricatura apcnas se salva a única pon-
"u,.ñ.""i[i",¡.'":üT'-::-141":,!llitffil"1"i'i.
cáo definitiva d¿s suas origens
pelo rl

ffi ,";;il:,,r."-.*rñ..,-".:rfi I
rinha dc aristocracia presente na figua de dom Diego. O
Euma co¡sa (o dinhciro
gsnro em ü1i".:ffi"'.:",$"; I
através dos "tipos" --
resto é uma imensa canalha cujo p¡otótipo é Pablos. E da' trc' ;t
:;'i,#;i;, é i;i"*'i'i'u ,

cste náo tem salvsgeo nem integrasáo pos¡fvel: termina o -


sociedadc do Parecer em
que ele pretende i,: I
seu relato sendo um plcaro e deixa cla¡o que depois na-
#J."oñil;; ü ll
tl
da mudou. O componente ideolótico c o destinatário dc
gAg", alg!* coosideráveis-de8raus'
m o conhecimento de um
A seqüencia seguinte se mcla .

tanta sádra flcám claros quaudo vemos a preocupagáo de que o introduz na comunidade
mcstre dessa fic§áo, o tidal8o
Quevcdo em caractériza.r Pablos como um descendente de
cristeos-novos que tem prcten§des de cavalei¡o.
:i:fi l"i** il*i,*e' Á:
$:^1:l?óIXIB:H.""tJtr
outra maneira: tcndo alguma cots (
O rccurso satl¡ico de QueVedo é basicamente a cari-
catura- A mesma deriva da hcorporagáo dos recursos es- ;;i'ri##;1.;;;;¿ry*:::TIIi:?á^*T:J,':':1"1
al (
rlllsficos do conccptismo A sátira pica¡esca. Destes recur-
A esla sc.segue
falsi ficcdo. - finge ser nobre;
verdadeira qua¡do Pablos
I
( ¡ tuen"i" da r.goo (
sos, o mais notável e freqüente talvez seja a hipérbole, que tc' mu'ro pa'a obler mais' Paralelamcnte
cria a desmesura ea despropo¡9áo básicas do grotesco: Com
;#;;"*á'-l;;t (
(
(
( (
(
I I
(

l
34 ti I (
l5 ¡l
i I
a anbas, pablos passa de
ter reálmente alguma coisa lr I
cessivamenre tanhando e perdendo.aré a ir su- nesta obra de Quevedo um dos seus pootos culminantes. Ne-
#;;;;*-", (
sJgru_Ica, em oukos tcrmos, passar
de u, a.rto poOr, ,á "pui-j
,* la, um universo de falsificag6es se superpóe permaoentemente
il,
oe v¡fJm8 maior. á realidade. (
Talvczé nestc anticlÍnax (
_.-
rram ser jogados
que euevedo acharja que
dcvc-
¿odos os que indeyiOu..ot, pr*"]iiJr"- A sátira soc¡al li (
subir._¡vlas parece fazer questáo
caírnho
de
ascensional posslvel para
mos;;;"i*j#iliJ; li (
um efcffo;;;;;;;u:j;
'. nao aponta para os pe,s:rmentos O texto de Quevedo prescinde das reflexóes do Guz-
(
de cavajeiro üri.ilrl;:; mdn, Mss, ao reduzir-se A fórmula lazarilhesca, náo fica
para a concreüzeÉo ti
do propósito dc s€r
orriT, seqüencia seguinre _ " il;; d* ;*.i,.h..*
a.
em tipos sociais. Assim, a sátira náo tendc e abstragáo mas (
..,_. o final ao ¡iuro _lo]r_ decorre dos fatos nerrados e dos seus pfotagonistas, sem
rem a evolugáo da personagem
( a¡ravés de rr".rri"* ¡l,l_ formulaqoes explÍcims, a náo se¡ pelo toque da caric¿tura {
l¡cado prcjíssional aié o estágio d.fi;;;tr"'l;
1as -d.e que 'em
-tcaao, é, úlüma
*_r_ onipresente. E ao leito¡ a qucm se encomenda agora expli- (
instár citarnente a tarefa de avaliar o universo de Pablos pelo co-
!¡.o1arque,ir;';;';,#iXl"'f;.""T',#'j,0,,"",'ff :",.: Dhecimento das suas picardias. Este universo abrangc uma {
! rra tcr Dretendiao sair, Neta
l vcmos o plcaro
O;" ,;;;;;, enorme quantidadc e variedade de personagens, algumas
s_e,. baseando.se na sua própria
ra:so mendigo,. depois como
re¿Lia'ade. l
das quais ganham especial relevo, talvez devido for¡e ca-
"l*"ji".i"ril'
ator (ou seja, fiü;;ri,-:;:
p:.,? (auroi de ficgdes), como
ricatura que em si mesmas constitucm. Nessa gale¡ia no-
tarnos mals uma vez a ¡elativa auséncia dos clérigos, co- (
l :1to
ra). até chetar bandido, -nao 8ará!i;;;,f;.
fingiao ,;;- mo no Guzmdn, Neo há
+
g]r: é, agora, pára
qua-nao ¡á il,.;;; - como havia no Lazo¡ilho -
personagens quc encarnem a classe daqueles em si mesma; I
euevedo, o que sempre [oi. Ao mesnro
tempo, passa dp nada ter a ncm a formageo de Quevedo nem a ideologia dominante (
a.sirr¿u, ¿i-uhu'i;;;ü.6e;:
já, nada precisa da Cont¡a-Reforma permiririam isso agora. Mas a classc
:1.j,.-" l.fiág fazer para sob¡eyivc¡; e aso-
(
[ ?rjfl'#ii:o;l j""j ;,il ;; ; il ;i*#;: dos fidalgos e as suas preténsóes ascensionais já
- sati-
I ll ?i.í. ¡lzadas no Lozarilho
- sáo agora um dos alvos melhor atin- (
fi.9Aq denrro da ficgá-o, que permire gidos mediante a multiplic¡9áo
,^-_:1:
oesmascar& em sua pe¡-sonagem a euevedo
dos scus membros
- inte- (
os indevidos ,,il.;;.;: grados nurna comunidade
- e meüánte a sua ba¡¡oca re-
f.os de cavaleiro,,, é um
mecinisn dugAo a serem apenas a apar?ncia da aparéncia, quando (
rexto rircrário . i;;;;;..á;;ilfi J:' ;:11',rJX: :::: j nao ap€oas fingem, mas fingem ter com que fingir. Mais
t
ainda, o próprio pfcaro que nada tem de frttalgo po-
;:l,H:ü'ff :1'Í?t11"::1lT:'J:i:i#,*lt*iyi-'f* -
de sc confundi¡ com eles.
-
{
Neste unive¡so de plcaros a que Quevedo reduz a ¡ea-
-lidade inferior á ajistocrecia podemos assinalar dois aspec. (
de Dosto¡evski, Rio dc r.rciro,
i,::{;l';.'ar:i{: Forcns. univc¡sirá. tos dorninantes nas personagens e que sáo o alvo funda- (
mental da sátira quevedesca. Tais sáo o poder do dinhei-
{
(
( (
( (
(
(
I i
(
(
( ,,

l 31
j (
( lú
obras
(
( o seu cllmax. A§ :l
ro e a vaidade. Pelo primeiro, a, maioria das personagens o lomance pica-resco tr6s nar- (
E com cste atin8e su perá -las, as
( podem ser catalogadas como ¡adróes, avaros! cor¡uptosr as imitariam, sem
posteriofes esPan hol de tr& Perspec tivas
diferen-
(
c onta,
{
trapacei¡os, estelionatários, falsilicadores, inescrupulosos tivas eú que o plcaro que qucr subir a
ou gananciosos; pelo segundo, temos falsos, mentirosos, his iória de marginai (
tes , a srla anti-heróica
hipócritas etc, E !evc-se em conra que os üpos mais freqüen- qualquer Preco (
tes sáo aqu€les vinculados jusLiga, do carrasco ao escriváo,
A
I
passando pelos guardas, carce¡eiros e oficiais de justiga, to- (
(
dos corruptos, (
( Em síntese, para Qucvedo, fóra a aristocracja, o mun- I

do se divide em:,'1) os que fingem ser decentes sem s¿.lo; (


I
2) os que vivem d margem de toda lei; 3) os que seo na- (
turalmEate rnaus, isto é, judeus c mouÍiscos. Pablos, que I
pertence á úJtima catego¡ia, passa da primeira para a segunda. (
(
(
O acerlo de iouevedo (
(
(
( Como já dissemos, Quevedo juntou a caricatu¡a á pica. I

rcsca. E com issd acertou ent cheio ao pretender moslrar o I (


{ ridfculo da knitagáo das classes ditas altas pelas chamadas (
¡
baixas, especialminte quanto á sua ideologia antiburguesa ba- t,
seada na "hoDra". Embora possufsse um ag!do espírito cri-
!lco, ele náo podia denunciar a injustiga social fundamental I
l,],;
em que se apoiava a desigualdade, sem contrariar a sua pró-
pria classe que se apoiava ncla. Mas, embo¡a sua denúncia I
deva, assim, [icar apenas nos sintomas, scm atintir as cau. i (
sas, ele espelha no seu romance a ideologia dominante assu-
mida pelo povo. Es¿e sabe que "ser" na Esparnha desses anos
I (
é fundamentalmente e talvez apenas parecer. O "mal (
- -
da fidalguia" que afeta Pablos de¡de o berqo atinge toda a
sociedade, Á procura da aparéncia necessó¡ia para subir, o
(
pícáro rcnega suas origens e parte para a Corte, onde um uni- (
I verso de ficgóes alheias á realidade histórica parece dominar.
(
( Assim, talvcz sem querer, Quevedo nos permite ler uma de-
núncia maior que a que cle próprio pretendia com O Buscdo. (
(
(
(
(
(
(
(
(
(
I
(
(
(
( i:
il (
(
( panho¡a e, talvez, dentro dela, ás trés obras aqui releren.
39
ii'

rl

ciada-s
- a enorme qu¿ntidade e dispersáo das obras que po- t: {
( -,
( 5 dem ser aproximadas desse modelo dificulta reuniJas sob o
mesmo ¡ótulo. Mesmo que nos limitássemos aos dez€ssete rex-
I
fi:

tr
I
t,
( tos clássicos espanhóis, as sensí\'eis diferengas ex¡stentes en.

(
O
que eum tre eles provocariam diverg€ncix.
Em segundo lugar, náo é fácil estabelecer os critérios a
II
I

t,'
(

( romance ptcaresco se¡em levados em conta para se cstabelecer um conceito váli. lr


I
do de picaresca. Até hoje, houve críticos que acharatn lógico
f,
(
( estabelece-lo a partir do Guzmán, por ser ele o protótipo; ou-
tros falam da picaresca como áe um todo homog€neo e abs. l;t (
(
(
rrato; há casos em que se exige do pfcaro literário uma "con- l:ll {
duta" anáoga ¿ dos pfcaros históricos (a semideünqü€ncia)
( para a cetaloSasáo da história das suas aventuras; em outros
(
Com base nos tfes texto s acima
analisados , Parece-nos casos, conlunde-se a picaresca com os cfeitos de algum ou (
( possfvel tentar ¡esponde¡
ao tltulo d€ste capftul o de alguns dos elemefltos do contexto histórico em quc aparecem
liii
ncira que a nossa definigeo irva tal ma- (
( s neo apenas pa¡a estcs t rcs cstes romancEs; outros reduzem o romance picar€sco a um
loI¡l8nCc§, mas quc pcrmita lti
de¿errninar o grau de rel a9ao po§- detefminado conteúdo, com quase que total ab§tragao da for-
( sfvel ent¡e os mei mos e os que
mais adian tc consideraremos, ma que o yeiculai em oposigáo, outros exigem rlgida e prio. ill'
( Devemos deixar claro, de ritariamente o respeito de uma determinada fórmula narra- lrl I
arrem¿o , que nossa tentativa
significa deixar de lado o sentido que
( buld o ao termo ..p¡caresco, 'nalf habitualmente é err¡- tiva; ou simplesmcnte exigem a presensa de uma série de tó- I
ngua po¡Luguesa n uma D¡i- picos sem atcnder ao processo cvolutivo dcsta modalidade it
mel¡a tal como Iegtstra o Novo Au¡élio _
(
(
( autore§ - e que tem levado mais @+
de uma vez
na¡rativa, E deixamos de lado os conceitos formalisus, pré-
estruturalisLas ou dos crí!icos ingleses tradicionais que Iimi-
ill
(
ssim catalOgarem cenos
lextos alheios tam a pícaresca a uma forma hovelesca de seriado de aven- tlr'
(
( á modalid¿de na¡ra¿i va que turas anterior ao romanc¿.
nos interessa. iiri
(
Mas nenhum c¡ftico a¡¡isca uma definigáo, Há alguns I' (
anos, um a¡tigo de Clsudio Cuiltént permiriu uma ap¡oxi- (
( Defini¡ é que náo é fác¡t I magao mais confiável ao conceito de pica¡esc¿ e scrviu de base
I

para posteriores cata¡oga9óes, Nesse artigo, bem como em I (


( É significativo quc, mais de, outros estudos, é possivel, sim, achar €lementos para aceitar
( que a nogáo dc romance picaresco possa se¡ estendida á tex-
1
{
1i1L"7miJÁi^;;;'ü:",il.:,",*1,1,";:;,b?:3:ffi::::
prcaresco c muito.menos (
uma,,a.finiCao,,.'Diu.r"sas"raiá:;
( para isso. Em primeiro
:"::,:::. ¡*su,., o ru,;;;;;::: I To\,ard tr dcfiri¡ion o[ picaresquc. ln'. L|TERaTUFE oS Ststett: eitols lO. (
( menos que nos limiremos
á manifesrogáo i"¡c¡nt ci;;s;;;s- vord o theoty of ircrury hbrory. p. 1l,106.
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
( {
I

40

I tos alhejos á Espanha


do s éculo XVII.
pon¿o pacífico, já Me§ mo que isto ¡eo (
se.Ja
que alguns crIücos
se ncganl a aceita¡
Vamos por partes
cssa extensáo, §eja po
rque se prendem rigo
¡osafiente ao mo_ (
delo clássico n ao ac
e¡tando a sua c volu geo, Assim sendo, propomos pensar na picaresca por meio
der que a picaresca produto seja por enten_
é de u m momento de sua expansáo bistórica. No nosso ve¡, os trfu textos acima
panhol irrepetfvet, histórico es- ana.lisados cot].stituem o núcleo damoda.lidade clássica da pi-
caresca, onde há um Eetme (Lazqrilho), nm proúripo (Guz-
mdn, e lrna d¡slorgAo (A Buscdo) do que se¡ia o modelo bá-
Alguns pressupostos sico. Mas é da leiru¡a dos trts textos como intertexto gue po- (
de surgir a definiqeo da picaresca clássica, definigáo que
( Da nossa parte,
entend 0mos que, para se enunciada com a devida Rmplitude
-
se¡á possfvel esten-
mancc picarescb, é
necessár io levar
se lala¡ cm ¡o- -
der á picaresca conlo um todo, abrangendo inclusivc as ma- (
( p nme¡ro, o aspeoo ém conta duas coisas:
histó nifestagOes contemporeneas, i (
( que devanos eiltend€Ja nco da rnodaJidade, que leva a i
c omo um p¡ocesso, Dc outra pale;.se temos um núcleo, de imediato pef-
( zct Is to quer di-
cebehos o que podemos chamar de expansdo cldssico es- I (
il
a)a prca¡esca náo pode ponholo desse núcleo, q|e abrangeria os restantes roman- (
I melmo q ue se ¿¡ate de ser con fundida com
um protótjpo ner[
uma obra,
com uma simples
ces espanhóis da moda.lidade publicados no século XVII e
f,

¡ (
soma de ob¡es , [las algunaJ obras iublicadas oesse século e no seguinte na Amé-
deve ser v¡sta c omo
b) é imprescind fvel esfabelecer um intertcxto (
p erJodos pa¡a rica espanhola. Em fins do século XVII e durante o XVIII, ,1

ce prcaresco, pcdod o ro man. temos o gue chamarfamos de picoraca européia. A parl¡r


os que podem yincular-se I (
Cóes hisrórico -geográficas, e que a dife ¡etrcia- dai, e com a dcfinitivn transformagao do contcxto soclal
m a¡cao fases dc uma I
(
1
Do caso, se apóia
em suc essivas traasgress6es
e vo. onde se originou a picaresca, já náo podemos continuar a
anterio¡(es); d (s)
a falar numa verdadeira continuidade da modalidade em ques-
c) ó Ío¡nance teo. Assim scndo, propomos o termo neopicarescq iá
Plcaresco é um re flexo
re)idade e náo p ode ser mediado de uma
util¡zado por outros crfricos
-
para a narrativa produzi- (
confundido com a -
I se¡ integrado De Ia e mejma; deve, sim,
náo pode ser ¡edu zido da nos séculos XIX e XX e que pode ser üda á luz do mo- (
única causa. a efei to de uma
delo clássico espanhol, mesmo sem guardar uma relagáo di
(
{ f
fe(a com o fnesmo.
Duas ressalvas sáo necessáfias: uma é a de que haverá (
(
textos mais fiéis A definigáo que proporemos. Para eles re- (
(
(
i,;1¿gt*fii'rffi,"i*li,i,"iffi
ca" há dc a¡en¿e¡ j'in¿ücaTi"tLT"]*utro de "picares-
:ti i servamos a designaqáo de romances prcarascos o\ neopica-
rescos. E havetá outros cuja inclusáo seria forgada, mas que
de algum modo evocam o modelo clfusico. Para estes pode.
1

I
(
( num cefro ,ipo a. air.rr-rr]'w uE um ce¡lo tipo de hisrória
i (
rá se reservar a designacáo de pora-picarescos o\i pora- -

neopicarescos, dcpendendo do caso, (


(
(
(
(
(
(

(
( {2 :

(
Por out¡o lado, deixamos fora, conscientememe, duas E os corolário
( áreas nas quais caberia estudar a presenga do pic¿resco. Por
(
em relaqao 8o ¡¡¿¿'
( um Iado, a picaresca populaJ que, na verdade, é o preceden- Convém que amplitT::,:'1:ifttt'o
le da picaresca culta que aqui nos ocupa, e que continua a
( I
prolongar-se no folclore. E, por outro lado, as fo¡mas ¡ela- ::::j-JxixiÍr::;,t'j'#ñ:i:iiTlilLx":H""'l'"":"
( cionadas com e picaresca e detectáveis em outras artes, co- ',,#JLfu
(
mo o teatro, o cinema, a pintu¡a etc. ',',.üli"l""*'ü:.:llilHtilr:fl?t t
J
(

( :"";":r,?# (
( Talvez assim (
ililx,1l*"ii$ü,1¡- tq"H::*.i"i*"
( Como defi¡ir o núcleo lmerleitual originário? Nós o ü"ü"ü1i"3i[: (
( enLeudemos como scndo a pseudo-outobiogrqfia de um an- :ft i,lit;-"'#i:i'*g:*:";f (
ti-herói que aparece deJinido comb morginat'á soc¡edode; 1".::"".1:X"j,"Ti{ff"Titi,lT.',;;!i,l,Ti.'.'iig::I,ü
( o narragdo das suas aventuras é o slntue crílic,o do pro- (
( cesso'de lenlali\a de ascensdo sociol péla tropdla; e nessq (

(
nsrrugño é tragada uml sdlira dd sociedade conteüpord- ll,'trí?.tJtiii'Joa"iu'u'ooo,"'n!'ui:l"J#:JT; (
nea do plcero,
( Tome-se isto, se asaim se áuiscr, como uma l.entativa de "''?'o,uoo r"'"1Ti':,i.?::::'"^?,""X ÍiXiX iHil"i: (
definislo, apl¡cável e totalididc dos romances pi'carescos e
( neopicarescos. A. principal observagao a ser feila será a de
(
(
(
que a evolutáo de lioguagcm nar¡ativa levafá a que nem sem-
pre seja mantida:a forma autobiográf¡ca que, muitas vezes,
poderá ser substituida por out¡os lecurcos naffadyos, sem que
r*$triiqss:*l¡#*iH; (
(
( islo leve a rejcitar o caráter picaresco ou neopicaresco do 1,.
(
(
texto.2 1

f"J"':{'3:i;:#l"x]r,,'i¿t:fuff
:h{lit*'""'u"; (
(
i
rut*:*kiü:li*::::"::",::',:ri*',.r"'[ i (
: Lcvc.sc cm conta quc dan¡ra os qu¡aor¿e ¡omancas quc cosrumañ sc! in.
( a¡uld03 no quc chsmaño, erpcñ¡do cldsslcd eJpor,ro,lo oads manos do quc
jl
(
c¡nco .sldo !¡n tlrcc¡ra ptr!os; ou¡ros (rés apra!htanr a priñlirÁ pcssoa
( no mErco dc umq (arcaira: c um dc)cs utiliz.o a forfnE dialogada. Assirn srn, (
(
do. c para rÁo cxcluir da picerarc¿ o quc scñprc foi cntcndido cornb parre
in¿gdvcl da ¡nrt¡¡B, podar-sc-is ai¡da sc pcns¡r r¡a rr¡bdivis¡lo cm piÉr.sca
:l§ii""=ffi üü:llil'i{}ll;;iig3¡':";i"'r"i (
(
dc primlira c dc tarc.ira p6so¡, scndo qú! cabüia cat8log¡r como de p¡i-
mcira plJsoa rqucl$ rerto3 cm qlc é r$an¡ido o Donlo dc visr¿ do picaro j"*I:mn"u : s; (
(
n¡ nar¡aliva. **t'r***hxlx';J# (
( (
( (
( (
( (
( (

I
I

I
41

( acontec.ia nas novelas de cavala¡ia. A autobiografia foi. por

(
outra parte, no século XVI, a maneira de se ttansgredir a fó¡-
mula do na¡rador onisciente. Mais tarde, quando o romance
vier a dcscob¡ir outras maneiras de se apresentar o testemu-
6
n]Io da realidade, a própria forma auLobiográfica será trans-
grcdida. De fato, dentro do próp¡io núclco n¿o há um trata-
mento homogeseo da forma autobiográfica: enqua-nto no La-
Quand o os pícaros saÍram
za lho a molivaiáo final do texl.o (o prolagonista nara a sua da Espanha (
vida para explicar a sua situagáo presente) faz com que haja
um pe¡manen¿e e unico ponto de vista para uma única fábu- (
la, em O Buscdo há vários momrntos em que o protagon¡sla (
narrá o que neo podcria saber. No meio, temos o Guunán
com váriás histórias intercoladas, que integram na¡rado¡es (
de terceirá pessba. (
Outros aspectos da história na¡rada no n tícleo incidem A Europa loda ó uma Picardia
( no discurso utilizado. Assim, a aven¡ura impóe a tend€ncia
O fenOmcno do romance picafqsco náo se liñiul ia
á Es-
( ao folhetirn e faci)ita a conexáo com o rapsódico. Por suR (
panha, onde suns ñanifcstag6cs clássisas tqrminam com 0
vez, a trapasa atinge o leitor ua med;da em quc a motivaseo
* auter'
real¡sta da ficaáo prc¡cndc lcvá-lo a ler o texto como um do- Ip"r..lt."a á. Eboniuo Aonzdlez talvez uma
- me-
cumcnto verld¡co. De outra parte, o fecho das avenlufas ¿ tica autobiografia, em ) 646. Fora algurnas manifesta§ócs
col6nias e§panho'as na
tarnbém uma trapaqa: Lázaro, no fim, neo é menos picaro nos significátivas na literatura das
e que náo podem §er catdogadas como roman-
do quc quando furtava pees; agora é um "homem de bem" arn¿tiLu
-
durante os séculos XVII e XVIII, vários paise§
euro-
- ou seja, parccc se{o - mas é teo desoncsto quaDto os seus
imtigos amos. Quanto a Cuzmán, bem pouco sério parece
ces
-
oeus veráo su¡gir alguns textos que significam claraflente
a

ser o scu arrepcndimonto final como já vimos. Se¡á Pa- imitacáo da fórmulá narrativa o¡iginá¡ia da Espanha'
-
blos o único sincero; ele conúnua sendo pÍcaroi os outros dois ó primeiro dcstes texlos aparece na Alcmanha' Trata-
estendem sua picardia até essa menti¡a final. t ," ¿"b[, iuiii"r"rliche simPticissimtls (o aventureiro
Sint',
Christo.llel
Quanto i sátira social - permalente nas trfu obras -
publicsdo pelo seu Eutor, Hans
Dl¡ciss¡rn ns),
(ló21?-¡6?6) cm 'acob
Nurembcrg' em roo>'
cabe insistir em que o pícaró é a paródia do pfocesso de as- von Grimmeishausen
censáo dentro de uma sociedade que rejeita os valores da bur- ü; ;;;;;;.;";c"ie c'im-eishausen, Publicado em r670
guesia e onde o parecer tinha prevalencia sobrc o ser, Assim
( sendo, o picaro finge do comego ao [im scr o que neo é; e I A rcspsito do sirrPlic¡§itnxJ, b.m como da5 restanles obrar Quq inclulmos
denuncia com isto uma sociedade cujo comurn (lenominador no ouc chamBrnos Plt¿¡escd ¿x ád¡¿. ¡odc+<
consultar o livro d' Parxt'-¡'
( dit¡nqne,¡t Edt¡bul2h, Xd inbu¡ 8lr Uruvc¡5tL)'
é a hipocrisia. AJeta¡dc¡ A Lteraure o¡d thc
( Pr€ss, 196?-

(
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( ,tl
(
Á6 (
a burguesia já apar:c: (
( com o tflulo d€ ¿,¿ Londslórtzer¡n Courosche (A viyandeira senrada como contexto do Plcaro'
' ;;;;; entre o p11t--'
Courasche), é também um ¡omance que deve ser catalogado classe social que ocupa o espa§o (
( um mlr-
como picaresco; com a particulsridade de que, ao ser uma o pt*ro aparece'¡ normalmente' como
mulher a protagonista, inscreve-se na l.inha iniciada por ou- "iiiiorru.la. l¡" orerece caminhos de integra- (
( ;il";ü;ilu-ü;'úó' ascensionais por'ela
(
lro romance picaresco clássico espanhol contcmporaneo do cáo social próprios dos mecanismos plcaros selam
(
Guzmdn: La plcara Justind, de Francisco Lópcz de IJbeda, ffi";#t:^;';:;ideta'ucm norma quc os
( que inicia uma conside¡ável gerageo de pícaras. i."rp"ruo*sua marginalidade' Com
isto''parece- (
em re'
Como na Alemqnh4 a influ€ncia das radug6es de roman- "iri* rrü-",auelecida uña diferenca substancial (
( c€s picarescos espanhóis provocaria na lnglatcrra o aparecimen- ;;1r' ;
"a"'ir" ;i;,;;. clássica esparhol4
" #fi Í"rl;: ;"ji J ::; (
( to de obras do mesmo ginero. Assirn, eDtrq 1665 e 16?1, Ri- gável o Parentesco que, em mat I

( cha¡d Hc¿d e F¡ancis Ki¡kmao escrevem fl¡e Englísh rogue cstabelecido. (


que, apcsar do seu limitado valo¡ literário, está apoiado na pi
( (
caresca espanho)a e p6e de moda as biografias de criminosos,

( Methor consideragáo merece The liJe snd death of Mr Bod- No Méxieo, anos rna¡s tarde (
ñan (1680), de John Bunyan 0628-1688). Porém, o [e\ro qug
náo se escreveriam (
( na liter¿tura inglesa desses anos, melhor se aproxima dos mo- Na Amé¡ic¿ de lingua espanhola no
( delos espanhóis .da picaresca é Motl Flanders, publicado em ,r*"*.t áiJ'o.eculo ilx' o primeiro deles aParcceu por
em I8l6' (
1722 por Danicl Defoe (16601731). O mesmo auto¡ publica no ü;;;;:;;t*.s trés primeiros volumes -
( de Lizardi c lcva o tílu- (
mesmo ano um segundo romance que deve cilar-se no rol da iil?'0". :"ii1""Áuin fernánd-cz volumc só vcria a
(
picaresca inglesa: Colonel Jock. Ma.is tarde, um outro aütor ii'i. ói"rin",tti ss iento' o quano
lsto rez com que o
(
de todos picarescos na Inglalerra é'Ibbias SmoUett (l?21.1?71) i;r';r" lE;rl;* runs¿o da censura notas (
( s.aot de Roder¡ck Rdndom 11148) e dc The ldyentures oJ Fer- .á,.t, st in'o'po'ust" ao texto mediante
dinond Count Fathom (1751). Coutemporánco scu é Henry *" "*r"'¿t",
de rodaPé. (
(
Flefding (1707-¡754) auto! de The lde oJ Mr. lonathan W¡ld
'-ilrir.tru .trtcza quesc tem na leitüa
de o Periquillo
( modelo
q" ób'u se filia claramente ao diferen- (
the Oreot (1743) e de Tbñ Jones (1749). srrn'¡"i,i' i-i'Ái " mcsmo que com-as (
( Já na Franga, o impacto das muiaas tradugóes dos tex. iílrt*táá .llirü espar¡hola' desde o apogeL:
tos espa[hóis, bem como o fato de a.lguns deles terem sido Il.ffit;;t;;1f,¡f!¿gv¡s5 tra"scorridos
tanto é possÍvelsentir aimi- (
( editados originalmente nesse pafs faráo com que, apesar da :::#ffi;;;.Ñisse senti¿o'
do-Guzm rÍn (
rejeigáo do romance como genero ütcrário próp¡ia do reo. ii¡o,-.* *ui,o,
(
classicismo, surja um lexro bastánte próximo dos modelos "specros'
oerceber que o universo do roma
1!r{í{{"t:;;:\Z
( se aproxima daquele ex- (
espanhóis. Trsta-se de Histoire de Gil Blqs de Sontillone, pu- íilrr" ]iv'lli J' ,n¡s concrelamente'
blicado por Alain René Lesage cm tr¿s par¿es nos anos 1715, oosro no Gi/ B/¿s de Lesage
uma outra obra de Lizardi' Doz (
( alguns' as'
1724 e 1735. ii"
'áiir,, rrii"n¿a (íat», rccupera também uma tmt- (
( que haja nela
O que talvez mais impor¿e advertir sobre os romances ;#; ;; p]á,ttt"
"t¿,,it"'
mcsmo
(
( acima rcferidos é o fato de que, na sociedadc por eles apre- iagao ctará do Auixote de Ccrvantes'

(
(

( (
( (
( (
(
(
I
( (
( (
( (
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( (
49
( I
,]l
(
( A história deste pícaro moíc do Aguilucho *chefe do bando e antigo contecido (
( seu num assalfo, leva-o á reflexáo. Depois encontra Ja-
Pedro.Sa_rmienro - (
(
, _
de Periqui.llo Sarnienro-_que na escola iria receber o apelido
é o filho de uma famíliu;;'"-1";
nuário
- que anos atrás o iniciara na picardia - enforcado
por ladrá0. Entáo, Periquillo dccide confessar-se. AJrepen- (
média.mexicana, que teria nascido po, voltá áe i;;;i;;";
( dido, consegue trabalho como administrador de uma pousa-
que.iria- morrer em l8l3. Narra sua (
vida numas .emOr¡as da e comega a tentar rcparar os prcjulzos ocasionados ao lon-
( desünadas ¿ educaqeo dos seus filhos. N"l;,
;;;:;;; go da sua vida. Casa e tem dois filhos, Adoece e entrega os (
Periquillo- vai scndo desviado da condute qr.'lf,i"¿
( pela sua classe, gragas á influ8ncia
..ii"ál cadernos das suai memórias ao "Pensador"
- personagem (
de amigós j¿ ma¡giJizal que idcntificamos com Lizardi, o autor do liv¡o, Este narra
( dos e que, nesse senrido, sáo autanticos
cs¡uda e acaba ingrcssando num convento para
;i*'.;;:;;;; a morte e o enterro de Periquillo e publica as suas memórias. (
( náo traba_
lha¡ uem ser sotdado. Mas, á morte do pai,;ai (
ao .onr.ot
( e csbanja¿ hcranca. Após a moñe
da sua mae, c¡ em ct eio Uma ligáo de .burguesia (
t=icaraia até dar na cadeia, da qual é liberaáo por um
( ]l
cnvao cor¡upto. periquillo passa a servi.lo.
es-
(
Depois, é criado O autor de O Periquillo leva ás últimas conseqüéncias
( 0c um barbel¡o, de um boticár¡o e de um
médico, aginOo 5s¡¡- a sua intencionalidadc didática. \4ermo que af ¡esidam algu- (
( l:,llTi*il^.""fe. euando fica na maiór mtseiia, ganha mas das maiores contradigócs do livro. Asslm, por mais que
no Jogo e cala-se. Sua mulhe¡ mo¡re periquillo (
e virá ipren. o autor se esforcc cm mostrar a maldade do Pe¡iquillo, este,
( diz de sacristeo. Expulso, integra_se ouma
companhia de fal- na verdade, Suarda escnipulos e sentimentos quc sao do nar- (
sos pedn¿es, E descoberto como falso
( cego; mas ganha um rador, ou seja, do plcaro arrependido. Vemos que o autor
emprego público c age corruptamente até (
ser co¡üenado a diz como sáo as coisas, mas náo as mostra sendo dessa ma-
( scrvrr como s-oldado nas Filipinas. Após (
as Feripécias da via_ neira; ou as mosúa sendo o oposto.
( 8em, passa oito anos em Manila a se¡vigo d" um coronel que
Estc didaüsmo a qua.lqucr preco vem do enciclopedis- (
o ret€nera, ao mcnos tempotariamente. periquillo
(
enrique- mo que informa a ideologia de Lizardi e da idéia de utiliza¡
cc no comércio e, tendo herdado parte da foriuna (
do céro- o modelo picarcsco basicamentc ó O,rz¡n lz lido como texto
( n€I, in¡cia a viagem de volta para o ¡ul¿¡co. f"la,
i*iraá -
moralizanle. Desse modelo, Lizardi toma algüns aspectos bá-
e chega a uma das ilhas das Velas ou dos (
( faarOes, on¿il sicos, como: a auaobiotral¡a¡ o anti.herói; as reflcxóes críti-
proteSido pelo irmáo do vicc_¡ei. Na
c*tr;;;;;
ith", o,
coT os curopeus. Den(e estes, a re¡eigao ao traUa-
cas; a inscrgáo dc histórias
- quanto ao diseurso. B
-
quanto (
( llast_am A históda o papel de criado: a rejeiqao do trabalho; o mi' (
lho é especialmlnte criticada peto vice.rei, É".i;;ill".;;; -
to da apar0ncia c o arrepcndimento do picaro, que, em Li-
( passar por conde e volra ao México (
com o seu protetor. Este zardi, náo apresenta contradicóes. O modeto gue se oferece
( fica ¡ico no México e descob¡e a menrira Oe pcriquillo.
dele o adminisuador dos seus bens. que periquilio
iaz ao picaro como a sua antltcse é também o do "homem de (
( esbanja bem". Periquillo quer ser um "homem de bem" sem traba-
até acabar roubado e surrado na rua. Tenta
o suicídio sem lhar. E o romance está escrito para provar que isso é impo§'
(
( consegui-lo e termina r¡nindo_sc a um bando
de ladrócs. A sÍvel. Esse "homem de bcm", contudo, aparece agora vilt' (
( (
( (
( (
( (
I I
(
(
( i

( 5l
I I
50
I
(
culado já nao á robreza, mas é o cixo da burguesia oposta ¡ ra este venha a sef um corolário do liberalismo - a ponto I
(
i. a¡istoc¡acia que é menosprezada *
e á pobreza "píca- de rejeitar a guerra da independéncia por set uma guerra - I

(
-
ra", Periquillo atinBe, após seu arrcpendimenlo, o que cha- I ou talvez por medo da repressáo. Lizardi, como seja' lern as
raizes na Éspanha, e assim, ao escrever o primeiro romance
I
ma de "mediania honrada", na qual náo deseja a sorte dos
hispano-amJricano imita claramenle uma das mais tipicas for'
(
senhores ricos e poderosos, O "homem de bem" tem agora, I

mas do romance espanhol' Por oulro lado, Periquillo - e l


( além da necessária aparencia, um papcl a ser cumprido a par-
fazem paflc da sociedads que é gerada já antes
ti¡ da sua capacidadc de aproveitar as opo¡tuDidadcs. Lizardi
-
(
da lura pcla "isdependencia": aquela gue substituiria os es- l
( panhóis na opressáo dos indlgenas e dos negros, e no poder I
O que mudou apoiado no privilégio econÓmico.
( l (

( Nesse horizonte socia¡ do pícaro é possivel definir as t,;


I
(

(
maiores rnudangas em relasáo ao modelo clássico. O Peri- No tempo do rei l
(
quillo náo é tanto u¡n ñafginal á sociedade quanto um mar- it;
Alguns anos dePois d o mexicaro Periquillo, uma ourra
I
( ¡iinal á burguesia cujos mcios de ascensáo social elc rcjcita.
pcfsonagem se prestaria a ser lida como parte da galeria dos
lr
Essá burguesia que aparesá se apropriendo de mui-
( -.mesmo o Lco-
tos dos valores da aristoc¡acia propóe um modelo antia- pícaros que povoam a liter atura Referi
(
-
rislo$ático, no qual o rrabalho seria recurso fundameDtal e nardo, o protagonista d
lir

(
válido, Talvez, como mDito bem aponta Nóel Salomon,2 I ciar, de Manusl Antonio de AI meida, obra publicada como
a maior originalidade de O Periquillo esteja na crftica náo folhetim no "Pacotilha", o su plemento dominical do Co¡-
( já das class€s de indivfduos, mas do sistema; sistema €ste vi- reio Mercanril, do Rio de Janeiro, entre 1852 e 1853' (
gente no México a partir da extcüsao á América do modelo A catalogaqdo de Leonardo como picaro vem de Mário (
(
espanhol antiburgués. de Andrade e seria ¡etomada por divetsos críticos até ser con-
( Talvez ai esteja o sentido ma¡s independentista do livro, iestada pelo mestr" Antonio candido no seu rnagist¡al arti' (
sentido que nao apa¡'cce, no entanto! expllcito, quigá cm ra- qo "Dialética da malandragem (Caracterizacáo das Memó'
(
I záo da ame:ga que a censura significava. O Periquillo, co- ;ios de um sarcento de milíciai)" . Nele' com toda razáo' An'
( mo texro, está si[uado num México que ajnda é Espanha, nas tonio Candido aponta que nem o Lazarilho de Tormes \em (

(
suas instituigócs e como col6nia, O protagonista se vé a si o Estebonillo Gónútez influlram diretame^Le cm Meñórias rl
(
mesmo como espanhol, E o romance é ponador da ideolo- e aceila corno posslvcis as "sugestóe§ marginais
de algum ou'
rro romance espanhol ou feito a maneira dos cspanhóis, co-
I
( gia liberal que, na época, info¡mava a oposigáo ao rci Fcr- I
(
ao o.orrau poi toda Europa no século l? e parte do 18"'
I

( nando VII. Mas a história do México fica fora do livro de


Após o confionto de Memórlas com a picafesca espanhola
I
Lizardi, que náo assume o id€ário indepcndenlish embo-
- I

particularmente com o Lazar¡lho Anconio Candido (


(
- -,
(
) l-a cllica dcl sisac¡ne colon¡al dc lá Nucva E5paia cn .E¿ P¿r¡qu¡llo Sar qu. "Lconardo náo é um pícaro saldo da radigáo (
ñíento. Cuodeftos i l6?-r9, anc..fab, 1965. "on.lri
espaDhola" e que ele é "o primeiro grande malandro
que en'
( ^ñericohos,24(l)

(
(

(
I
I

53

tla Da novelísrica brasüeira", "malandro que seria levado A


nele; e leva essa rejeigeo ao máximo, pois nem subemprcga-
c¿tegoria de sÍmbolo por Mário dc Andtade eñ MacaÍq(mq" ,
do chega a ser, comó as vezes, o pfcaro clfusico.
No rosso entender, onde Antonio CaDdido diz "maland¡o"
A astúcia e a rejeigáo do trabalho levam Leonardo a scr
pode se ler "neopÍcaro", mesmo que náo haja felagÓes ex.
um lrapaceiro como o pícaro, mesmo que as suas trapaqas
puc¡tas de intetextualidade uni¡do Memdrrls A picaresca clás-
sejam de menores conssqüencias que as do pfcaro, já que em i
sica espanhola, pois estamos noyamente perante o anti-herói
Lconardo faltá o conflito socioexistencial que Icva o pÍcaro
margina.lizado e trapacciro que protagoniza uma sé¡ie de aven-
a engalos e simulagóes cada vez maiorcs' Escapar As conse-
turas nas quais parodia a sociedadc contemporanea, special. qü¿ncias da trapa9a signifrca fugir; e dal deriva o caráter iti-
mentc no que diz respeito aos mecanisrnos ascensionais. Sem
nerante do pícaro e dc Lconardo; este, porém, reduz seu iti-
dúvida, Leonardo é ainda o germe disso que, retomado por i nerário ao labirinto de uma única cidade, o Rio de Janeiro,
Má¡io de Andrade em Macunalma,.i¡ia eclodir nos nossos já quc a mcsma lho basta para se ocullar' Leonardo é assim,
dias numa série de ¡omances que cha$amos de neopicarescos.
I (
I
minimarnente prótéico e apenas esbarra na ficaÁo dentro da
Mais uma.vez, o quc muda radicálmcDte na diferencia- i
f icÉo; basu-lhe sumir € reaparece¡ no momento e Iuga¡ ade'
(
9áo da picaEsca para a neopicaresca é a sociedade e¡frenhda quados, cm vez dc lingir ser outro. O fingimonlo era básico
pelo pícaro. A sociedade diferente e o tipo de rclacioname[to I (
na soc¡edade de apalencias do plcato clássico; [.*onardo, no
que o malandro l¡onardo guarda com cla o condicionam pa- (
(
I
entanto, n¿o tem raróes para ocultar sua idcntidade, Por ou'
m. quc nao scja uma simplcs ¡ep¡oduqáo do picaro clássico.
tra parte, Leonardo náó abándona sua cidade.porque pcr- (
( Leonardo é margiaal tr pequena burguesia. Seu probtema será
rnaneccr nela sigílifica a manei¡a mais lóBica de náo sair de I

afi¡¡na¡-se sela ao menor custo posslvel, já que ele nasceu va- (


I
onde já está siluádo, embora ele se negue ao esforgo que a
dio e semp¡e será vadio. Fstáo ausentqs, assim, da sua visáo I
sociedadc Ihe cobra por isso. (
da rEalidade,lanto o universo do trabalho quanto o da nobre-
za; estes foram fundamenta.is para o pfcaro que.aspirava a pres.
cindir do prirneüo para aüngir a segunda. Lronado, porém,
O discurso da malandragem (
náo parsa de um parasiu da burguesia que jamais plnsa em
(
chegar a ser algurna coisa; e boiará folgadamente instalado na
Toda esta história dc Leonardo lutaldo para ficar so' (
slntese dialética de uma sociedade sem ares¿as, I
cialmentc onde já está (sua ascensáo economica lhe virá de
graga) sem fazer esforgo algum chega ao Ieitor num discurso
(
I
também análo8o em alguns a§peclos ao do romance picares-
As armas do malandrb I co. Fundamentalmente, temos a co¡ncidencia bási§a do ca- (
ráte¡ fo)heünesco do texto, imp¡lóto nos romances picares-
Mesmo assim, é impossfvel náo perceber que as armas l (
cos a partir da scria§ao de aventuras. Po¡ outro lado, tal qual
dc Leonardo seo análogas ás do plcaro clássico- Leonardo I
o ¡ornance picaresco, Memó¡ias siguifica a lotal transgres- (
é, basicanente, um ser que enfrenta a sociedade apoiado ape-
I sáó dos modelos vigent€s na época; ele quebra o idealismo
( nas Da sua astúcia; e§se enffeDtemento se dá a partir da sua t (
romertico dominante na apariqáo do genero roma¡ce no Bra-
rejeigáo do trabalho, pois ráo vg a neccssidade de investi¡ I
sil, da mesma maneiú que o Lazarilho se opóe ¿s novelas (
( i

( (
(
(
( (

( (
(
(
(

g ss
If
dc ca.¡alaria, E Me¡nórias se inscreve numa tendencia que,
disgregando-se do romantismo, aponta para o reslismo, isLo
é, o romance de costumes; da mesma forma qoe o Lo4rilho
em comum que plcaro e ma.landro
aventuras
-
e a narragáo de suas
-
possuem; e elas, em geral, se explicam em fun-
qáo do diverso momento histórico em que ambos apareeem.
il
li,l
inaugurava uma nova manei¡a de na¡rar. Assim, a primcira difcrenga claramente visÍvel é a narra-
gÁo d,e Memó¡¡ds em terceira pessoa. Além de que esta forma
jáaparec€ denüo da própria picaresca clássica, parece-nos que
il (

A sociedade do malandros em Memó os de¡.iva de condiÉo b¡isic¿ do protagonista; se (

esle esú defiDido como seado incapaz de refletir sobre seus til (
Tal discu¡so é ponador náo apcnas da biografia do ma- próprios atos, seria ilógico sup6Jo capaz de poduzir o dis-
landro- Este aparecc situado num universo de personagens curso a.linhavador de suas aventums. O pícaro chega aqui a va- [if (
igualmente halandfas e quc, sem dúvida, superam LcoDar- dio absoluto e c¡¡cnte de toda conscitncia discursive. Antonio (
do nesse sentido. Toda a sociedade aparecc apoiada na astri- Cándido vC csta inconsci€ncia da persoDagem como sendo fa'
cia e na trapaca, ao pon(o de sü posslvel uma sjntese da or- (
ciliiada pclo n¿rrador dc ¡erceira pessoa, precisamcnte
dem e da desordem, como n¡agistralmente demons¿rou An- Dessa mesma incapacidade crftica da personagem, que (
tonio Candído. Nesse sentido, quigá nenhurna petsonagem a impede de se narra¡ a si mcsma, derivaria a sua náo rcjei-
dc Memór¡as se sat'lc de poder ser visla como um pÍcaro, Cria. 9áo da sociedade. Por sua vcz, a incapacidade crític¿ de l.eo-
se assim náo apenas um ambiente picaresco. mas uma socie- nardo de¡iva do fato d€ náo ser como malandro pro-
dade picaresca onde, ao lado de Leonardo, outros aparccem duto dc um conflito social como
-
o pícaro', ele nascc
-n¡alau-
melhor definidos como malandros; assim TeotOnio, o Toma- dro numa sociedade onde a malandragem produz a sintese
:
Largura, o Caboclo etc. em qüe os confljtos sAo diluldos face á auséncie de va]orcs (
;
Nessa redugáo da sociedade a um universo picaresco cs. absolutos que possam levat a colocaqóe§ maniqueístas; daÍ
ú a melhor sátira social quc nos permite estabelecer mais uma i que também náo haja a ficAáo dencro da ficcáo como ¡la llil (
coincidéncia de Memór¡os com a picarcsca. Náo há uma re- picarcsca mas apenas a ficaáo da ficsao
-
a transcriqáo lliil (
jeig5o crftica dessa sociedade porque o malandro neo a en- I - -
do que um out¡o narrou; neste caso náo é possivel fingir den- lltl (
frenta de fora; apenas procu¡a se manter nela o melhor pos, tro da ficaáo porque nela a o¡dem e a desordem se encon-
sfvel, ao menor prego. Mas há um desnudamento da reladvi- tram e anulami na picaresca clássica, no enhlto, a ñcaáo é (
dade dos valo¡es tidos como consagrados e da esperteza co- a maneira de sc salvar o que separa o mal do bem. lliI
ilil) (
mo o denominador comum da pequena burguesia. A aproximas¿o entre Leonardo e certos plcaros (como llrl
( Láza¡o ou Pablos) é possível como quer fultonio Candi-
do
-
pelo cornum caráter amável, risonho e esponlan€o dc-
As diferengas com o píüaro -
rivado da causalidade externa que os impulsiona a todos; en-
li!r,
rilr
tretanto, deve-se ressalvar que, se essE caráter é real em Leo-
Mas, sem dúvida, é possivel apontar difcrencas enrre a naJdo, náo passa de aparenc¡a nos p(cáros; enquaDto essa cau-
picaresca clássica e Memórias. Contudo, tais difcrengas po. salidade extcrna é ci¡cunstancial em Leonardo e produz um
dem ser estabclecidas graqas a que elgs sc opóiam nos pontos riso limpo, nos pícaros há um determinlsmo social e até sócio-
(

(
(
(
(

(
(
(
( 51
56 I (
I
(
( religioso -¡acial que-os lcva a serem máscá¡as apcnas; o leitor Talyez Memórios lomado isoladamente Iembrasse me'
mais agüdo descobre por baixo do riso a traSédia de toda uma
I
nos a pica¡csca clá§sica. Mas scu papel de primciro malan- I
(
sociedade condicionada por mitos. áiá titerário uratueiro coloca'o no rumo náo apenas do he- i (
Náo sendo l¿onardo um ser essencielmeDte confliüvo rói sem nenhum caráter de Mário de Andrade, mas dos mui-
(elc só quer ñcar ondc está) define-se pela ausencia do p¡oje- tos que, no século XX, constituem o que denominamos '¡¿o- I (
to que subjaz ao pfcaro; assim sendo, seus projetos sáo ml picaiesca. Leoila¡do, mesmo na sua simples vadiagem e no (
scu conflito mínimo -- o de preservar-se - é o
preccdente
nimos e imediatos como a fuga pela fuga ou sentimen-
-
tais. Pela mesma razáo -
c porque o pfcaro se fee e o ma. áos anti-heróis que üráo depois c dos quols pode scr aprod' (
la¡dro nasc¿ feito
-
náo há a nccessidade do aprendizado mado'por um t;aQo c¡mum também ao picaro clássico: o (
-
próprio do píero, e a aventura possui uma dimensEo me- amor jela Iiberdade. Mesmo gue esse añor náo telha conse-
nor, prop¡rcíonal ao risco mfnimo a que o malerdro qügncias além do plano pessoal' tanto nos plcaros como cm (
- -
se expÓc. E sintomáüco que Leonardo náo seja o jogador pro. ieona.do. Porque depois viráo aqueles que, de uma ou ou- i
(
I
fissional qrre o pfcaro chega a ser e que possa pe¡der o auto. lra forma, perfiitiráo que nesse amo¡ pcla liberdadc encon-
I

ii".-upolo'o, projetosiociais aJternativos que nem os píca- '1 (


(
controle, como cvidenciam seus engasgos na ho¡a de se de.
clarar a Luizinha. Deve-se tcr presente nisso que, por baixo ros cláisicos nem Leonardo podiam formutar' (
( do ¡omancc malandro de Memór¡as co¡re o roma¡ce de amor, I
(
( "a história do seu amor cheio dc obstáculos pela sonsa Lui- li

zinha", como diz Aútonio Candido. Nessa história está de. (


( gradada em sentinenÉlismo a insensibil.idade senaimcntal do
(
pfcaro caractefizado pela misoginia, deslea.ldade, traigáo e pe.
lo prcdominio de intercsses económicos imediatos. (
I
(
A carninho da neopicaiesca I
(
I
(
Em slntese: se mesmo que inslalado no universo da
burguesia
-
nos foi claramente pgsslvel frliar o p¡imeiro ro- (
-
mance hispano-americano O Periquillo, de Lizardi
-
picarcsca clássie, já náo podemos dizer a mesma coisa de
- I (
um dos primeiros romances brasileiros, o Memórios, dc (
A]meida, (
No entanto, a certcza de quc no último caso
(
mos pera¡te a retomada de um
-
modelo
- c§ta-
narativo baséado no (
(
anti-herói como paródia crltica da sua sociedade contempo- (
( ránea é inegável,
(
(
(
(
(
(
(
(
(
l
s9

a esse sjsce¡na se sobrepóe um outro, "oslensivo e contesra.

7 dor" que "aponta para a realidadc nacional". Com isto


conclui a autora
- "Macunqíma rcprcsc¡ta em muilos as-
pectos (...) uma retomada satírica do romance de cav¡larja',.1
.-

A retomada antropofágca Depois, ela analisa como se processa, da ldade Méd¡a


para a Renascenga, a dererioragáo dos mitos da lenda ar¡u-
(

( riana no compasso da incorporaqáo da c¡hura popular, apon,


( rada por Bakhtin. E, nessa carnavalizagáo diz a autgra
- _
é "que devemos insüever Mqcunaíma", E ve a lapsódia bra- (
(
sileira como "a última metamorfose do miro".¿
(
( A aurora estuda depois, com ¡uita pertin€ncia, os ele-
mcntos paródicos do romance a¡Luriano presentcs em Mqcr{_ (
noímo. Mas podemos notar que grande número dos rragos
(
Alguns leitores e uma teoria ancicávaleirescos que ela aponta sáo outros tantos trasos pró-
prios dos plcaros clássicos, Assim, a fuga, o itinerário difÍcil
e o labirinto, a faka de lugar e de lempo estáveis. a carnava-
Anos depois de Memórias, será possÍve.l ler á luz da pi_
caresca uma das obfas_primas da Literatura ljzagáo da nobleza c o carárcr do protatonisla: medroso, des.
brasiteira: Ma_
cunolmo, o herói sem nenhum cardtcr, de Mário de Andra- ¡eal, mentiroso, injusto, opressor dos fracos e gaoancioso,J
Diz depois a autora:
de, Macunafma pode ssr yislo ser a isso reduzido _ (
como um malandro literário, ou - sem
seja, como um neopicaro Em resumo, Macuno¡ma é, sob mullos asp€ctos, a carhavall. (
bras¡lejro, na nossa pe¡spectiva. Divirsos c¡íticos j; a;o"i;_ ¿a9áo do heról do roDance ds cavalBrla. No entanto, ao con.
rarn para o fato. Dentre eles, salientarernos Joaquim lrár¡o do quo se poderia supor, lslo náo perrñile ld€nt¡,icá.to (
óardo.
zo, em 1945i FloresEn Fernandes, em 1946; Antonio á llgura mals porlelta do cavalglro andante carnavatizado oue
Candi- (
do, no scu a¡rigo já citado sobrc Memórios, em ,l970; e Al- é DOm Oulxot€. Em C€rvant€s, a carnavallzacáo se efetua no
frcdo Bosi, ia e)a His!ório concka da literotura Orai¡1"¡io. sentldo da hlperlrofla dB9 quelldades do cayat6iro, porlañlo,
do exagero e da carlcatura: mas o t16§o dlsl¡ntlvo da pergona.
M:s jo.-tex-to que mais nos encoraja á aproximagáo é o capí. gsm cOnllnua sendo a coraoem. que só se loroa rldlqula d€vl. (
tulo uI de O tupi e o olaúde, de Gilda de Meilo e Souza. do ao desacordo Orotssco que se sstaboloco enlre o h€rqls.
l

Com efeito, a autora diz nele, a respeito d.e Mocunsi mo dlspendldo e a lnslgnlflcáncla dos obsláoulos tr¡terDostos I (
(
r¡a, que pretende demons¡far que .,independentcmente dos Em Már¡o d6 Andrade. ao conlrárlo, a calnaval¡zacáo der¡va da i

mascÉramcntos sucessivos que cmprcstam á narrativa


I
atrofla do proleto cavalelresco, da sua negagáo, da paródta: I (
um as_ l
pecto selvagem, o seu núcleo permaneceu lirmemcorc I
(
euro-
peu'.'. E levanta, a segut, a hipótcse de que .,Macunalma I MEtLo E SauzÁ, Gjld n dc. O tulti e o alaúde: uño inte¡prchlAo de ,,Ma
po.
de filiar+q sob certos au,cctos, a uma remota tradisáo cunoima", p,14.6.
nar. I ldcm, ibidcm, p. 79.
rativa do Ocideme, o romance ar!uriano,,, Mas consiaLa que ¡ ldcm, ibid.m, rr.30-8.

(
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( :

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60 6l li I

( I

ftlacunalma á domlnado pelo mBdo e as suas fuOas conslan. a paródia do cavalei¡o através do Quixole, mas uma forma I
( tss esláo em d6spropor0áo com a r6altd8d6 dos pe¿Oos; ele de paródia de romance arturiano muito semelhante daquela
é, por congegulnt€, o av€sso do Cavalolro da Trlste Flgura, re- que os picaro¡ tragam antes mesmo de se escrever o plifole, I

prosanlando a carnavallzagáo de uma catoavallzágáo..


De fató,.a própria autora citada deline Macunaíma
como I

( I

Numa hfstória, duas paródias urir von cldo.!oncedoa, quo lsz da fraqu62a a sua lofga, do m€.
I

( do a sua arma, da aslúsla o seu €3cudo; qu6 vlvondo num mun.


Vemos aqui, na última frasc da cltaqao, o que, a nos_ do hostil, p'srssgufdo, escorracado, ¿s Yoltas com a.ádvefsl.
dad6, acaba sempro dr¡b16ndo o lnlortúnlo.5
so ver, constil.ui um descüdo da autora de outra partc
-
muito feliz na sua tcoriat a colocagáo de MacunaÍya como Caberia perguntamo-nos melhor deñni9áo de Lá-
paródia de segundo grau. Faltou lcvar em conta lue a no-
- -
zaro de To¡m¿s? A autora sabe dlsso quando por fim
yela de cavalaria deu lugar a duas formas de paródia: uma,
-
inscreve Macr¡naíma "na longa linhagem dos perseguidos vi-
-
a obra-prima de Cervaltes; a outra se inicia a¡tes do Ou¡- roriosos da ficsao de todos os tempos liter¿¡ia ou cinema-
xote com o Lozarilho de Tomes e se conti¡ua nos démais tográfica
-
que abrange desde os personagens do romancc
romances picarescos, Se em Ce¡vantes .,a carnavalizasáo se
-
picaresco aré as figuras cOruicas do cincma",ó
( efetua no sontido da hipenrofia das quatidades do cavale¡- Sem nada tcr a contestar, acharnos, porém, que á vizi-
ro", na picaresca a carnavalizagáo decorre da atrofia das re- nhanqa de Moanoima com a picaresca é maior do que com
feridas qualidades. outras formas de cxpresseo da caricatura do herói clássico.
Tais mecanismos paródicos Deveúos, contudo, fazer urDa importantc observaqáo: a de (
bipertrofia, atrofia
-
atingem também os demais constitutjvos da novela de cava- - que, apesar dessa vizinhanga com o plca¡o, Macunaíma náo
laria: o projcto cavaleiresso sc faz grotesco em Do¡ñ Au¡xo- é alheio a uma forma de qur¡otismo que sublaz s.o longo da
t¿ ao ser coloc¿do eñ conlato com a dimensáo histór.ica, au- rapsódia. Macunafma, ao igua.l que Dom Quixote, é porta" (
seqtc das novelas de cavalaria, o que faz reluzk o seu ana- dor dc uñ projeto social baseado na lib€rdqdc, quc se chocá (
cronismo; no plcaro, o projeto é rcduzido á nccessidade pri. com á socicdadc e cujo sfmbolo-síntese é a muiraquitá com-
mária de matar a fóme do dia. Os dois, plcaro e euixote, prada pelo regatáo pcruano Venceslau Pielro Pierra. Quan- (
coDscrvam o coratem; só que, sc no cavalci¡o cenandno apa- do o colonizador sc apodera da chave dcssa socicd¿dc dita (
fece como a coragem pela coragem Qembre.se o episódio dos "primitiva" que Macunalma Iidera como imperador das ica- (
le6es, por exemplo), no pfcaro á coragem náo mais é do que miabar, o projeao i¡dfgena é incorporado aoi mecanismos
( a conseqüéncia do medo. Bm slnteso: sc Dom Quixote é o da sociedade de consumo. Na luta por recuperáJo, Macu- i (
ultra-herói cujas aq6es estáo.voltadas irreflexivamente para nalma perde sua identidade e volta ao Uraricoera fa¡tasiado
( (
além do sujeito, no pícaro temos o anti-he¡ói que age exclu- com os objetos comprados em Sáo Paulo. E possuidor ma- I
( sivamente em beneficio próprio. O! süa, Macundlñq Íáo é |:
l,
( s ldem. ibid!íi, p. 89, ti
ó ld!m, ibidcñ, p.89,90.
( ' Idcm, ib¡d.m, p.89.

(
(
(
(
( 6) 6l

(
te¡jal, entáo, da mu¡raqu¡É, mas já neo mais do scu signifi- gundo a teoria de Bakhtin,: pata quem essa carnavalizagáo
( cado, o que fica explícito na frase final do capitülo XIV: passa cJaramcnte pelo romance picaresco:
( "Muiraquitá, muiraquitá da minha bela, vejo voc€ mas náo
vejo ela !,.. ". Ou seja, Macuna{ma é agora apenas unr herói O romance plcalesco relratava a v¡da desviada dg seu curso
iil
comum e, pof agsim dlzer, ¡egltlmado, de§tlonava as pessoas
( sem caráter, despojado que foi daquilo que o definia: a subs- de tadas as suag poslgóe9 hierá.qu¡ca3, jo§ava com €ssas po_
( táncja de um projcto, agora dcvorado psla colonizagao. Náo s19Óes, era lmgregnado de bluscBs mudangas, tlan§lofmagoes
há mais império no Uraricoera porque nao há mais impera. e mistrflcag6es, inlsrpretava todo ó ¡nundo .eprBsentável no (
( dor. Macunaíma rerá a sua última balalha, como Dom Qüi- camPo do conlBlo lanl¡l¡8r,8
(
( xote, e nela será, como Donr Quixote, dcspojado do seu so- A carnavalizagao dircta da litcraturs, isto é, devida á iiil
nho; e só lhe festará ser consrelaC¿o, brilho que guia, exist6ncia do carnaval como ''uma forma da própria vida" (
( O quc quer dizer quc, cmbora ráo scja paródia mas pa. duraria, segundo Bakhtin, "até a §egunda mctadc do século (
( ralelo do Quixót¿, Macunaíma supera nisso o p(caro clássico XVlI",'ou seja, o fim do fen6meno coincidiria com o fim lli;
que se opóe diametralmenté ao herói cervanlino. Nos pÍca- da picaresca cláss¡ca cspanhola. A p¡rtir daf, diz Bakhtin' t!t (
( ros clássicos, embora alguma vcz haja consci€ncia de se apoia- "o carnaval deixa quase totalmente de ser fonte imediata de (
( rem na libe¡dade, náo há um projeto social. O pícaro que¡ carnavalizagáo, cedendo lugar á influéncia da )iteral.ura an-
t0 Na picalcsca temos que, a p3r- (
se integrar na sociedade cuja corrupgao dcnuncia, mesmo em teriofmente carnavalizada".
( troca de se coromper. Macunaima é, pelo contrário, porta- tir dessa data, surge o quc nó§ ch amamos dc ptcarcsco euro' illir (

( do¡ dc uma utopia, E essa dose de quixolismo, ao conv¡ver péia, es$ila sob a influÉncia dos modelos espanbóis; nela,
(
corn o anti.herolsmo picaresco o faz ser uma sfntcsc complc. a carnavalizagáo já é apenas lradi§áo literária.
( xa própria dos nossos dias e precursora dos pfcaros-quixotes Mas, parcce-nos sintomático que, quando vcnha a po- (
( que sintomaticamente vem sufgindo na Iiteratura b¡asileira der ser apontado o rcna§cer de uma modalidade tipicalnente
(
dos últimos anos. carnavalizada, como a picaresca, is!o ocorra peculiarmente
( num contexto social o Brasil onde o carnaval é par(c (
da
-
organizagáo
-social; ao ponto dc que ca-
( ¡mportanlfssima
Macunaíma e a picafesca beiia aplicar á nossa so¿iedade o que Bakhtin diz sobre a lda-
(
( de Média, quando, §egundo elc, o hom€m levava duas vidas' (
( Após esta longa ressalva, convém que analiscmos as uma oficial e outra público-carnavalesca. (
várias coincidencias de Macunalmd com a picaresca clás- A picaresca tessurge em Macunoímo náo por tradigáo
( sica, assim como a transgrsssao de outras caracterlsticas lilerária, mas por identico proce§so dc carnaYaliza§eo' E, eñ (
da modalidade
( - além da incorporagáo da ulopia quixotes-
ca, O que nos permitirá ver na rapsódia um claro exem- Sáo
(
' Vcja*c: C,rvarco, Maria Su?¡no, Macuñohno: ¡uPturu e
( plo de neopicarcsca, ao menos numa das leiruras possfveis Pa¡Jto. Massao Ohno/Joáo Farkas. 1977.
'¡odildo (
( do [exto. iÁeiitia.U. p¡obtenosdd po¿tico de DottolevJtri. Rio
s¿ Univcrsitária. 198!-
d. JEnciro, For'n' Iti (
Em primeiro lugar, deve.se considerar o laro de r/ac[- o ld.m, ibidcm, p. I l!-
( ¿a¡iza se insc¡ever no embito da literarura carnavalizada, sc. ¡o ibidrm,
ld.r¡, P. ! )1. (
lill
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( I
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61
65

fungáo disso, a rapsódia repel.e certos tragos tipicos do ro- em comum com o pícaro o lato de que,
a maioria das vezcs,
mance picaresco clássico, que analisaremos a seguir. estecaráter lhe advém da necessidadi d. frgi, pa."
s.
Em primeiro lugar, o subltulo genérico cscolbido por
Pf tatveida "jüi.
paródia, do carárer piotiico e fugirivo
M¡i¡io dc Andrade para sua ob¡a já -,-
- "rapsódia" - é
um ponto de partida para o estabelecimento de anelogias
cda ajtúcia, em síntese, Macunaíma é, como os pí"aroi,
grandc fingidor dent¡o da ficcao,
um
Ao ponto que d-essa sua re_
cafc Mocuna(ñd c o romauce picaresco, especialmcnre em duqáo possível ¿ pura representag¡o lh" nas"",
no nosso ,er,
relagEo ao Lazarilho de To¡mes. O sentido em que o tcr. a "falra de caráter', com que o autor o dennodosa.
( o ,r¡il_
mo pode ser aElicado á obra de Má¡io de A¡drade foi es- tulo da obra,
tudado por Gilda de Mello c Souz¡ no scu livro já cita- Há também analogias ao nível da fábula descnvolvida:
do. Nos cabe apenas fazer consta¡ que jÁ ¡o Lazorilho te- na origem do '.herói,,, na sua partida, no projeto que
o ani-
mos dois elementos básicos da rapsódia: um estrutural, ou ma c no scu choque com a sociedade u¡bana.
seja, a composiqáo por um proccdimento de suite musical; I
Assinr, temos que, se o pfcro degrada suas próDrias ori_ (
c outro cultr¡ral, ou scja, a origem popular das narrativas in- gens desqualificando os próprios pais,
Macunaíma nasce de (
tegradas no texto maior. uma clara paródia do processo mítico da partenog6nese.
E (
( Em segundo lugar, lemos.que a rapsóüa. Macunalmo é se, após isto, o pícaro renega a famllia e parte
em-bus"a dc I
paródica como o romalce picaresco: E DA,o apenas da lon- outros ho¡izonres, muito disso está simb;üzado no fato (
( Je I
gínqua novela de cavalariai mas também do mais próximo Macu^¡aíma matar á viada parida que é sua própria
mle, (
indis¡ismo romantico. Por outro lado, se o pfcaro é o con- Os plcaros c!ássicos partem com um projeto de ascen-
traponto paródico do "homem de bcm"; Macunaíma, espe- -
sao social como único rotciro. Como já disscmos, a procura
I
(
cialmente na cidade gralde, é a caricaturá da bu¡guesia emer- da muiraquitá por Macunalma simboliza um pró¡.t"
,".i¿ (
Betrte, possívcl equivalente atual daquele tipo social. l¡tellativo, que, no cntanto, confundc_sc cambém com o pro-
Nsste DJvel, temos que, oa picarcsca clássica, o "he¡ói" jcto indiyidual do ..herói,,. (
devia mudar ffeqüentemente de aparCricia como meio para Ao longo do iüoerário em que ambos realizam sua aven_
(
se liv¡a¡ das conseqf¡éncias da trapaga ou para perpcrar ou- tura rDúltipla, tanto Macunaíma como o pícaro sáo perma. I

t¡as novas. Semelhante cáráter protéico é pcrmanente em Ma- ncntes violadores de códigos. Isto levará ao.choque
com a (
cutraJma, cujas constantes mudang¿s o levam de crianga in- sociedade, que se inlensifica quando o plcaro _ ou
Macu_ I (
dígena a constelacáo celeste. naima
Po¡ outro lado, Macunalma parece te¡ já na etimo- - chegam á cidade grande. Daf derivará a mais in_
tensa sátira social qúe, em MaannoÍma, se inicia
l (
-
logia do seu nome, "o grande mau", no sentido de "astu-
com a atitu_
de do protagonista de se dirigir á toz ao rio fVegro para
I
áti- I (
to" a esprrteze como seu principal atributo, trago facil-
- xar sua consciéncia na iJha de Marapatá antes di paitir para
I
( menre comprovável no§ pfcaros. Essa astúcia, porém, náo o Sáo Paulo. (
como náo salvava os pfcaros de acabar preferen- E será tendo Sáo peulo como centro _ ao longo de dez
i
salva
( -
temente como vÍtima das situacdcs.
- dos dezessere capÍfulos da obra que as agóes de Macunal_
(
Uma outra característicá do pícaro o seu caráter iti- -
ma mais nos lembraráo o romancc picaresco. possivelmen!€ (
(
nerante
-
é permaaentc cm Macunal¡¡a. Mais ainda, tem pelo fato de ve-lo se chocar a¡mado apenas da sua astúcl.a
!

( - - (

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66
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com a sociedadc hostil; e pela sátira social que desse cn- Já ¡o nivel do discurso, uma outra caracteristica da pi- (
-frentamento se deriva. Neste caso, a denúncia da sociedade carcsca clfusica ora superada é a do autobiografismo. A gran-
(
de maiorja dos c¡Íticos fez da forma autobiográfica o primeiro
dc consumo produz as mclhoreJ páginas, paraicularmcnre
quando o protatoni§ta assume explicitamente a narratáo, traeo definido¡ da modalidade; enlcndemos que isso é váli- (
ria "Carta prás icamiabas". Mas a sáti¡a social está, sem do para o núcleo da picaresca clássica c para umo prirneira (
fasc, quando a autobiografia era a inovaqio contestatária da
dúvida, na totalidade do texto' e para con§ideráJa scrá ne- I
onisci€ncia do nar¡ador de tercei¡a pessoa da novela de ca- (
cessário nos detetmos, mais abaixo, no desenlace da rapsódia
( valaria e dos demais gCneros narrativos da época. O anti- (
heróí, entáo, se rarra a si mcsmo na impossibilidade de se
( atribuir um histo¡iado¡ para as suas inglórias travessias, E (
A transgressáo P¡carescá também porque elc é, antes do que protagonista narrado do (
inverossimil, testemunha nanadora da quotidiancidade, Mas,
( Até aqui teríamos algumas analogiái de Macu naíma com (
I no decorrer do lempo, a forma autobiográfica iria perdendo
a picaresca, Mas é na transgressáo da modalidade onde cn-
consistencia (iá vimos cono cm O Buscdo comega a se ion- (
contramos afirma9áo da raPsódia como texto recriador da
a
tradizer) e ganhando artificialidade. Mais tarde, haveria lu-
fórrnula clássica,'sendo que a própria transgressáo já identi- gar pa¡a outras fórmulas narrativas que a substituem, já quc, (
fica a obra de Mfuio de Andrade com o processo de evolu- em iütima jnstencia, mais importante do que a primeira pes-
cáo próprio da picaresca. soa na¡radora é o ponto de vista da narragáo.
llr f:
A transgressáo sc inicia, como já virnos, com a incor- Macunafma éum exemplo muito intercssante dessa trars- (
pora9eo da utopia quixotesca paralelamente ao projeto Pi- i
ca¡esco. Convém salientar, mais uma vcz, que isso equivalc
formaqáo cvolutiva do discurso picaresco. No capÍLulo Xlr'II
il' (
tenros que o herói narra
- "na fala impura da tribo" - sua.s
a anula¡ na rec¡iagáo da modalidade clássica
-
a barrei¡a
- av€nluras a urn papagaio que depois as repete para o narrador (
Darcada por alguns crltico§ entre o romance cervaDtino ea
picaresca.
da rapsódia, Este, longe de ser autónomq conf€ssa que herda (
o discurso de Macunalma. Ou seja, além de que o Donto de
Mas náo é esta a única sintcse de coorár¡os que se pro- vista é quase permanentemelte o do "hcrói", é a personagem (
cessaem Mqcuna{ma' A picare§ca clássica se apóia na oposi-
9áo do bem e do mal como eotidade¡ ir¡econciliáveis, mes'
quem emprEsta seu djscufso ao namdor e náo ao contrário, (
como vinha acontece¡¡do habitualmente no romance Em con-
mo que a picaresca süva para denuncia¡ que uñ e ou[ro po- seqüencia, temos que o artiflcio da primeira pessoa é substi- (
diam scr ¡cduzidos a meras apar?ncias. MacunaÍma stpcra
esse dualismo mmo reflexo da ioexist€ncia do mesmo nos con-
ruído por um outro cgulvalentq porém renovador e de acordo
corn a transfo¡mecáo da ünguagem narrativa,
lll (
ros indfgenas americanos, segundo aponla Haroldo dc Cam- Outro trago da picaresca clássica que vemos renovado (
pos.¡r Macunaima, por cima do bem e do mal, é o grande cm Macuna/md é a tendencia, naquela, á concatenacáo do iit
já na etimologia do (
Lsluto, seu nome'
discurso como produto da linea¡idade da aventura. Para o !l' (
picaro clássico neo há grandes digressóes ra agáo. Já oa rap-
tr Moúolot¡a do Macuñol:¡r¿ sáo Pdulo, Pcrlpcc¡lva, i 9'3 p' I l3_4' sódia, embora se complctc o clrculo lfpico da p¡caresca clás- 'i (
( (
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t
ÚE
69 I (
( sica, há vri¡ios momentos cm que o "herói", de acordo com (á
na incorporasáo do humor, €sse recurso próprio (
sua falta de caráter, perdc de victa o projeto ñaior e introduz da mo_ I
derDidade, que Schopenhauer,r defin" como
deJloc&nentos laterais sem objetivo cla¡o, ou corn objetivo ape- iroria ao con_ I (
trário, ou seja, a arte dc se ocultaf, por trás da burla,
nas imediatq que geram averuuras maJginais, Isto coincide com algo (
dc profundamente sé o. Macuno(mo e,stá
a relaüüdade que as d¡mcns6cs de tempo c espaqo tém na rap- longe ae ser á ouiu
(
apenas de divertimento que alguns que¡cm
ve¡ cm cer¡os ro.
f (
sódia quc assume o univcrso mágico dos mitos, cortra a rigi-
mances pica¡escos clá.:sicos, como O Buscio.
( dez cronológica e geográfica da picarcsca clásica. e f,lexibiiida- (
do humor decor¡e
Nesse sentido, Macunoímo stpe¡a a na¡ragáo ¡'rcalista" 9e.própria da quebra do maniqueísmo e
é típica do maland¡o lite¡ário, do neoplcaro (
em que a picaresca clássica se insc¡eve. Tan(o as leis tempo-
rais ou espaciais qua¡to a causalidade óbedccem a uma lógi-
b¡asi¡eiro,
Outra inovasao macuoaJmica cncontta-se no terrcno
do
ti (
crotismo. O pfcaro clásgico padece no¡malmcntc
ca mltica. Assim scndo, piua csse universo rnágico Mário de de uma auto.
repressáo se<ual, própría do seu conto(ro histó¡ico, que (
Andrade deve se valer da totalidade da linguagem. De acor. para a misoginia ou para formas implicitas
cvolui
do com Coseriu,12 entendemos que essa dimensáo total da
proxenetismo suscntado¡ do mais tra,diciona_l
ou orpiíciras do f,l (
linguagcm náo é outra coisa do que a poesia. Macuno[mo é, macLismo. Na
(
T

picaresca clássica, ,hrnof', cquivale


pois, um (exto poético no scntido maís amplo do termo, di- ¿ coisificá§l¡o utilitária da
mulher, transfo¡mada em mais um objeto adcquado aos (
( mensao que subjaz em relagáo aos diversos estilos aponta-
pragmáLicos do plcali.,
fins ¡

dos flo texto, euanto a Macunariza, é des¡ecessário


( fazér ¡efcr€ncia ao eroüsmo onipresentc e que (
Macunalma.supera ó pícaro clás§ico naquilo que Anto- se coaduna com I

nio Candido já diz do Leohardo de Methór¡ole do malan. os tracos renovadores do profagonista até aqui (
( apontados. I

dro literáfio brasileiro em tcráI, oü scia, na prática da "as- mesma linha de superaqóes, t€mos, por último, que
.Na I (
nicia pela as¿úcia (mesmo quar:do ela tcm por finalidadc safá- os pícaros clássicos do núcleo evollem do moio de
cego, pas. I

lo dc uma cnrascada), manifestando um amor pelo jogo-cm- sando por dive¡sos subcmpregos o de criado, especiálmente (
-
aLé a relatiya autonomia do delinqücntc. Em
si que o atasta do pragmatismo dos pícaros, cuja malandra- - última ins_
táncia, em rodos cles prcdomina a rejeicio do trabalho, (
gem visa quase sempre ao provejlo ou a um problcma con- haja
creto, lesando freqüentemente tercekos na sua solugáo".r3 visla que o mesmo de nada servc como mEcanismo de ascen- (
Esle tipo de astúcla, scgundo Antonio Candido, parecc mais sdo social. Macuoaima leva isto mais longe e proclama
o ócio
como princfpio. Seu já clássico .,ai que preguigal', longc de
(
próprio de heróis populares do que de modelos crudilos. Nes-
sa linia, Macunalma possü um grau docriaüvidade ner¡ sem- §e¡ apenas um traco negativo significa 8 co.locagáO
daS bases
(
pre atingido pelo plcaro. de um tipo de organizagáo social (uma.,utopi¿,, aos olhos I

de colonizado¡es e colonizados) que rejeita a socieaade


(
Por outra parte, Macunaíma náo sc limita á comicida- in.
de própría da picaresca clássica. A superacáo, neste caso, cs- düstr¡al. MacunaÍma choca¡á com essa sociedade e scrá por l (
ela destruÍdo; mas está claro que se opóe aos seus i
( mecanis. I (
12 Vida CosERú, E. Tcsis sob.c !l rcmn "Lcr¡Buai. y pocsfa". Io: EL floñn
( l'Ap-ud Hnusrn, I
(
ERr y sú lcnguaje. Modrid, GrÉdos, 1977. A. Mo¡eir;sno. Sio p¡uto, p.rspcct¡va/Edüsp, t965
r' "Diálétics da mal¿ndrágcm", p.71.
( p, 109. i (
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l0 't1 il
(
( mos coisifrcadorer ("homeru-máqui{as e máqu¡nas.homens") ae dcnu[ciados, já que a rrapaga cohtinua a se¡ o caminho
edesrespcita a toda hora suas escalas de valores e híerarquias. para cvitar ser aniquilaáo e poder ..subir',.
( Simbolicamente, ao abandonar Sáo Peulo, ele se vinga trans. A grande novidade estará na incorporagáo, em rodos es-
( formando a cidade num bicho."preguica" rodo de pedra. EsLe tcs novos plcaro§, de uma ou de outra maneira, de um proje- (
projeto potltico do "herói", que já vimos como scndo a ba- to social a¡ternativo. Mesmo que estes pÍcaros_quixo¡ei
aia_
( (
se de sua dimensáo quüotesca, inexisre nos plcaros clássicos Dem oerrotados como Macunaíma que. contagiado da
idco.
( qúe s ptíorl aparecem apenas como vfürnas do poder alie- logia da cidade grandc, é incapaz de assumir.se n..ra ái_ (
nante das instituigdes. mensáo dc rejeigáo dos valores do colonizador. Assim,
( une- (
se a uma portuguesa e ofende a Vei, a Sol. E será por
isso
( destruldo quando, ao se jogar sobre uma Uia¡a euiopciza- (
Em síntese da, for reccbido pela realidade nacional das piraabai. (
( Mas deye-sc sublinhar que a posterior transformaqáo de
. ._ (
( Em sÍntcse, a leitura de Mac¿z aina á l¡z da picaresca Macuoaíma em cor¡stelagáo celeste tem um elemento prolon_
náo apenas é possfyel, mas também pcrmite levar a obra,de Sador: cle.vira a Ursa Maior, que inclui a Esrrela iolar, a (
Mário dc And¡ade a dimeDs6es talvez insuspeitadas pcto ari- luz que guia e gue é visivel nurRa boa parte _ a menos lem-
lor, mas legftiLnas como elaboragáo decorrente do nosio pa. brada do B¡asil. Macuna(ma parcce a¡tecipar a atitude f
pel de leitores. E cssa leitu¡a serve, náo paÉ "fiiar" Mdcu-
-
do herói guerrilhei¡o o Che Gueva n
- de Bár Don luan.
,dlj,na á.picaresc¿, mas para sentir que, se a modalidade clás- -
dc Antohio Callado, quando este se apodera da sua própria
sica rcvive na rapsódia. haverá motivos que, no contexro his- mortc para cra¡sformá-la em vida, €m IiCáo, em a.lma. É de (
tórico, expliquem a retomada. E, mais ainda, os tratós neo- sua slntese de pfcaro c quixote nasce o rumo da utopia possf-
.picaiescos de Macunaíma ganham importencia quando ve- vel para todos nós-
{
mos queb terceiro-muodismo da obra ccoa numa série de ro- i
(
manccs cla¡amcntc ncopicarcscos quc surgem nos nossos dias. (
E surgem quando o esvaziamento de um "m¡lagre brasilei-
ro" cria umas condigoes sociais quc intulmos como scndo (
equivalentes áquelas dos séculos XVI e XVII, no mu¡char do (
"milagre'espanhol" da época. Entáo e agora; os marginais
vitimados pelo processo de concentragáo de riquezas náo te- (
riam outra op;áo para sobreviver a neo ser a de subir me- (
I dian!€ o pulo astuto e anti-heróico do pfcaro. Em Macunoí-
mo, como em muitos desses romances, retoma-sc o funda- {
mental da picaresca: um anti-herói, socialmente marginali- (
(
zado, protagoni¿a uma série de ayenLuras dentro de um ccr.
(o projcto pessoal; através delas, a sociedade c particular- (
rnente
-
seus mecanismos de ascensáo social seo satiricamen-
I
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1

(
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( 77 (
( (

I
amostras se¡iafi: ¿¿ canción de f;achel (1970), do cubano Mi-
( guet Barnei; Auío de pecadores (1972), do argentino Oudiño (
Kieffer; Los ovenluras, desventuros y sueños de Adonis Car- (
(
cfo, el vampiro de la Colonio Romo (197 9), do mexicano Luis
( Zapatai e, por úlúmo. a tetralogia do ar8endno Jorge Asfs: (
I Apenas sobe quem pula Flores robadas en los jardines de Qu,i/zes (1980); Carne p¡-
cada (1981)i Lo colle de los cdballos muertos (1982) e Cdn-
(
( (
curos (1983).
Já na Iiteraturs. b¡asileira, o fcn6meno pode ser corsta- (
(
tado com facilidadc a parl¡r dos anos 70 e aprcsenta, ao mes.
( mo tempo, uma heteroge¡leidade qual¡to aos autores, e á pre. (
( senga de alguns tragos que outorgam alguma homogeneida- (
dc ao conjunto.
( (
( . Ao Ioogo do século XX, podemos constatar que uma (
série de romanccs Iatino-amcricanos respondem, em maior A epopéia do pícaro (
( ou menor grau, ao conceito de neopicaresca por nós apre-
{ sentado. O primeiro dos fomances quc chamam nossa atcngeo é (
Neo pretcndemos nos dctcr agui na anáLise de todos eles. A pedro do rei¡¡o, de A¡iano Suassuna, public¿do em t9?l
( e que o próprio autor teria rotülado como "picaresco", O
(
. Apenas teceremos algumas consideragóes em relagáo aos tex-
( tos aparecidos no Brasil, onde o fenómeno é mais lardio (exto constitui a autobiografia ñcciona.l de um anti-herói que (
se deixarmos de lado Macuñoinro
-
e concentrado nos últi- apa¡ece como marginal á socicdade. O protsgonista ñarra-
(
mos vinte anos.
- dor é portador de um projeto picaresco de ascensáo social, (
( Na América de lingua espanhola, no entanto, é fácil ¡e- cmbo¡a ele mesmo prefira transferi-¡o para o campo pura- (
lacionar uma série de romanccs neopicarescos a partir de co- mente ficcional, onde, por sua vez, ele encontraria sua afir-
( mqgdo corno escritor. E este malandro aspi¡ante a autor de
(
megos do século. Assim, tcmos, dentre os mais conhecidos
( ou per¿inentes, náo menos de duas das obras do argentino uma epopéia possui apenas como arrnas para se defroutar conr (
Robeno Payró: .6/ casomienlo de Laucha (1906) e Las d¡ve¡- a sociedade hostil aquelas do pÍcaro: a astúcia e a trapaca. (
(
. lidds dvenluros del nielo de.Iuan Moreira (1910). Dc Rober. Por outra parte, a narrativa incorpora ume abran8entc
( to Arlt sátira da sociedade brasileira da qua.l o protagonista, atra- (
- também argentino e hoje felizmente redescoberto
deve se¡ incluldo o sel,l El juguete rabioso (1926). Do me- vés dos seus sincrctismos,
- sátira es"
acaba sendo a sfntese
( -xicano Juan Rubén Romero, temos ¿a vida inúl¡l de P¡to Pé- -
ta que se processa mediante a paródia das dive¡sas ideolo-
(
( ¡ez (1938). Hijo de ladrón (1951), do chileno Manuel Rojas, gias em pugna dentro dessa sociedade. (
pode também ser rclacionado, bem como ¡lasfo,?o verrc Je- Nos defrontamos, também mesmo que colocados cri-
(
sús mío (1969), dq mexicana Elcna Foniatorvska. Outras ticamentc e de forma implicita
-
com uma série dc tópicos
(
(
- (
( (
( (
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( (
I
I
(
(.
( 1n
l5

( próprios da picaresca clássica, tais como a rejeigao do traba. origens, Nelas, este novo picaro esteve integrado
na classe
qual marginalizado graqas á rui' I
( lho, a determinagáo de um modelo ' 'aristocrático' ' d€finido doÁinante, dá encon!ra-se
(
( "fingidor dentro da Iicqáo"
pelas exrerioridades, o caráter de na econÓmica da familia'
do protagonista e a primazia do parecer sobre o se¡. Tbdo o percurso aventuÉiro de Galvez aparece marcado
( Quanto ao discurso utilizado, além do autobiografismo, peta trapa§a ; dá tugar a uma pelmanente §átira social que cul-
de ope-
( dá-se a transgrcssdo cxpllcita de formas na-rrativas tradicio- mina com a pa.ód¡a da sociedade br¿sileira, no império
nais e contempofáneas, a seriacáo das aventuras que sub- reta que cle monta no Acre c quc ¿ derrubado por um tenente
( jaz á ruptura com a cronologia -
a qual leva á apresenf.agáo que se faz eco dos protestos de grupos conservadores'

(
(
-
folhetincsca, a cooexáo com o rapsódico e a moÉvagáo rea-
lista do relato, aspectos todos que mar. cara¡n o romance pi-
car€sco clássico.
No entanto, nos apressaremos a náo reduÁt A pedro do
-
O p,otugoni,t" de Gah'ez é Pfcaro até na falsif-rcaEáo
-fatos que nalra, o que lcva a que üm narrador de terce¡ra
p"ssoa interfira, em notas de rodapé, para dcsmenti-lo'
Por último, cabe salicntar a presenga de uma contrapar-
dos

lt (
(
(
( a freira (
rein o a umá imilagáo do modelo clfusico. A aprodmaÉo náo : tida quixotesca do pÍcaro, na personagem de Joana'
(
(
significa a rcdugáó. E a eÉroximagáo é váüda a partir do anti-
herói que aqui realiza suas asliiragoEs metall¡gr.üsticamente,
9-

seduzida oor Galvez e que o acompanha
nu, pot¿m, vé no projeto do companheiro
na
a
aventura
possibilidade
Joa-
de til (
já que ao ñesño tempo que narra o seu projeto anti-heróico it intciferir na sociedadc: transforma-se em revolucionária e (
( de escrever a epopéia em que ele ocuparia o luga! central, i B u""t , tombando em defesa dos seus ideais'
( esrá escrevendo o roinance que o rea.liza como escritor.
o¿
Cabe, por úliimo, mencionar q:ua A pedra do reino já -co
(
(,
inclui
-
termina
g¡asas so projeto épico que o malandro ie autode-

- o toque de quixotismo que, invariavelmente con-



:9
á De t¡o pafa sobf¡nho lill
I Ii
(
' U*,.r."iro romanc€ a ser considerado é l¡o Ala-
(

(
tagiará todos os textos que neste capltulo corrsideraremos-
i
'
hudlpd, do sergipano Paulo
ginuii.^"nte Jm espanhol,
de
no
Carvalho
Méúco,
NeLo,
em
^'leu
publicado
1972' A trad!§áo
ori-
tI I
O pícaro imperador i.""il"itu ao texto ápareceria apenas em l9?8 A hisLÓria es'
(
( Em 1976, o a¡nazonense MÁrcio Souza publica o seu mc-
tá ambientada no Equador' Um índio conta a
u.i., ii", que foi um "{ndio sgcana" ou -
vida picaresca
seja' traidor da
latino-
lili
lhor romance; Calve4, imperador do.,4c¡¿. O texto, mais do sua classe e que esteve ao servi9o de um embaixador
{ que roma¡ceaf os fatos históricos que lcvaram á incorpOra-
-
americario. O iclato mostra, além da picardia do tio' a cor-
(
que dominam na embaixada' ApÓs a morte
( 9áo do Acre pelo Brasil, apresenta a fictlcia autobiografia de rupgáo e alienagáo
L[:is Galvez de AJia, espanhol que, em fins do século passa. ao iio, o ,ourint o narrador herda o cargoi mas é capaz de
( se transforma

t
do, cslcvc envo¡vido nesses fatos. Calvcz é basicamente um
anti-herói aventrrreiro que, apesar de certos relances idealis-
se subievar, salva-se
num ¡evolucionário,
dc ser mais um sacana e
lfil (

tas, !ogo aparece voltado para um projeto de motivaQao apei A narraqeo da vida pícara do tio é leita pelo sobrinho'
lil
1
( perma-
nas pccuniária que o levaria, teoricamen[e, a recuperaf suas em tcrceira pessoai mas o ponlo de visla é colocado (
(
(
It
(
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(
¡
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I
( i {
-76 77

I nentemcnte na personagem narradar o qus Substitui a or¡gi- gralia pa¡eQa dista¡ciar-nos um pouco da picaresca, logo dcs.
nal pseudo-&utobiogra[¡a da pica¡esca clássica. Já o sob¡i cobrimos que o picaro narrador está clararnente presente ao
I I
nfvel do autor implfcilo do romance, que freqüentementc in-
nho narra sua própria avencura em primsira pessoa. E e sua
narrativa significa, rrais uma vez, a superagáo do pícaro pc- terferc na na¡rativa.
( lo quixote quc denuncia a corrupCáo das classes dominaDtes Já o "herói" do texto precnche, nos momentos iniciais
e que se desdobra em Pedro anteriormente "PÍter", o gcn- da sua história, os requisitos básicos do picaro clássico. Num
ro do embaüador
-
que parlc para a luta na guerrilha. segundo mom€nto após a sua cxpulsáo do seminário
- Viramundo aparece-a cami-nho da sua loucura, que nós en- -
(
lendemos como sendo uma automarginalizageo em relacáo
N¡¡nra rua do sul á sociedade de consumo, cujas instituisóes ele rejeita. Num il;
tcÍce¡ro tempo, temos s culminagÁo do processo de quixoti.
Um outro t¿xto recente em que também o esquema Dco- zagáo do protaBonista, que leva i rebeliáo na cidade grande.
O epllogo éo reencont¡o do mcsmo com as suas origcns, que (
picarcsco culmina na transigao ao plano quüotesco é Os vo-
lunld os (1979), do gaúcho Moacyr Scliar. A narragáo au- culmina na sua morte. (
tobiográfica e a evocagáo do mundo infantil e adolcscente Nessa trr,ietória, Vi¡a¡nundo é o anti-herói portadof da
(
( do protagonista *
co¡ocado ü margem da socicdade burgue. sátira que desvenda as convengóes da sociedade que percorre
( sa *
sáo a base da aproximáseo'do texto e picarcscá. Pouco Tbqr tudo do pfcaro tEdiciona.l (a na¡r¿tive rapsódica, seu c¡- (
a pouco sáo incorporadas outras cinco personagens cujas his. ráter enti.heróico, sua origem "baixá', as picardias infafltis, a
{ tórias fazem deles outros tantos pícaros com p¡ojefos p€s- opsao por deixar a famllia, a sátira encóberta pela apa¡ente- I
soais frustrados por neo caberem no pragmatismo da socie- mcnte pura com¡cidadg o ca-rátc. de ayenturcim iünerante que
dade em que cles sc movimcntam. Até quc uma circunslán- tcm inftnitos nomes etc). Mas, ao mesmo tempo, Viramundo
st:pcra o plcaro quando parte a cañinho do heroÍsmo, mesmo (
cia rcúne as scis personagens pícaras num projeto quixotcs-
que inconscientemeDte Assume assim seu parEnte§co com Dom (
co:-chegar de Porlo AleBre a!é Je¡usa.lém (sic.) num reboca-
dor. O violento fracasso da empresa no seu inlcio devolve o Qul\otg num esquema semelhan(e ao de algumas das perso-
protagonista A medlocre realidade onde acaba¡n tanLo as es- nagens do roma¡ce de Paulo de Carvalho Neto acima refcfi- lll (

perangas do pícaro quanto o s'onho do qüixote. do. E, mesmo que fique epcn¡$ na denúnci4 scm nada ter con- (
seguido mudar, a sua morle pelo frat¡icidio faz com que essa
dcnúncia nos aparega como mais vibrante e trágica do quc il[ (

0 pícaro nas Gerais aqucla hipotética do guerrilheiro de Meu tio Alohuolpd. (


(
Em 1979, Fernando Sabino publicou, no fuo de Janei-
( ro, o scu romance O gronde mentecqplo. Trata-se de urn tex- Os amos pícaros It (

( to riquíssimo para mostrar até que ponto a personatem qüi-


Um outro romance a scr considerado, basicamente pot-
(
xotcsca intcrfere na retomada da modalidade picaresca que
ofa analisamos. Mesmo que o abandono da pseudo-autobio- que nele há uma aproximageo explicita do modelo clássico, iii.t (

( ii, (

{ ii t
( (

(
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( I
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18 19

( I
é Truvessios, pubücado por Edward Lopes em 19t0. Temos tutues€s. As suas aveniufas nos sáo contadas por um narra.
( dor de terceira p€ssoa, rnas o ponto de vista predomi¡ante (
nele um narrador-protagonistar c¡iado de sucessivos amos,
que lcm em comum com estes a c¡racterístice básica de se- scrá o dO protagoÚsta: em alguns momentos, a palavra es!a- I
(
(cm itinerantes. No entanto, o Rarrador-protagonista lembra, rA com este, espccificameute oas carhs á amada, nas quais
( (
mais do que nada, o Laza¡ilho na sua etapa de aprendiado, I ele se encarrege de falsifica¡ o yerdadc antcs contada pelo nar.
já que cle aparccc fundamenklmeote como tlm sujeito pas- rqdor o!.iscientc. Náo temos nesLe texto o clássico projeto pes- {
( I

sivo dos acontecimentos, AssiB, os verdadci¡os pfcaros 6c' I soal do pícaro, a nü,o scr a fuga das conseqüéncias das aven-
(
( ¡iam os amos, aven[ureiros e trapaceiros ao nfvel do melhor ruras eróücas do protagonists, fuga que o marginaliza socid-
( dagueles. mente Isngs.ndo-o num unive¡so de ambiente picaresco, qua.l (
A aplicagáo intencional de uma va¡iante da fórmula pi' seja o dos seus companheiros na avenlura colonizadora,
(
( caresca clássica é evidenrc nos primetos capJtulos, quando I Ncssa aventura, aparece a sátira do valor das exteriorida-
( o menino-protagonista é entregue pela sua mae I um cego co' des e a conquisla do Brasil é parodiada numa compedcáo (
. mo criado e este se propóe a educá-lo; e mais ainda a cviden' sexual com os indlgenas, terreno onde o nosso malandro ¿em
( , cia se patentiza quándo a fomc se faz presente Comegam aí tudo pa¡a vencer.
( as andáncas por uma gcografia brasileira indefinida, denlro O Torto. porém, acabará sendo prisionciro dos indlge.
de uma cronologia nada realista. A mstade do ¡omancq o "p! nas e, com isto. passa a correr o risco permanente de ser por
( caro" muda de amq passivamente lambém: o cego o perde estes devorado, a exemplo de ou¡ros cxpedicionfuios. A an.
no jogo par¿ o ltlho mais novo a ovclha negra de urira ' rropofagia, no entanto, se dá em outro ¡¡fvel, quando ele pos. I (
( -beberiao, jogador e
-
muJhc- sui sexualmente Muira-Ubi, filha do chefe da rribo, e é por
família de fazcndei¡os, "famoso
I
( rengo'', a quem o "pícaro" chamará de "amo brabo", em opo- ela possuído. A pa¡tir dBí, há um processo de integrasáo do
( sisao ao anterior, o "amo cego", Ambos os amos se reencon- Torto numa nova realidade que é o produto mais claro dessc (
traráo uo final do livrq quando ficam e beir¿ da morte Nes- rclacionanento, Essa nova realidade se delire no fina¡ do ro- (
( se final, aparece a menCeo expliciu do comego de outra coi- mance, quando Muira-Ubi que, batizada, passa a ser Ma-
sa. Essa oulrs coisa parsce-¡ros podef ser interpretada como
-
parte junlo corn o To¡to e es demais cativos (
( ria
- - menos
a supemcáo do csquema do picaro, csquema que o autor su- o padre, que foi comido p€los na¿ivos, rumo a dois povoa-
I

( (
peraria no seu segundo romance, de dimensáo Plenamenle qui- dos de que tCm noÍcia: Olinds e Rec¡fe.
( xotesca, ¿oDos e cordeiros, publicado em 1983. Entendemos poder fa.laf em neopicaresca em relagEo a I
O le¡ranelo del-rei, na medida em que eslamos perante üm il
(
( anti-herói que sobrevive pela sua astúcia e que pcrmeia uma
( Voio de Portugal sálira da colonizagáo na paródia desse processo histórico. Tu- I
do acon@ce em meio a um submundo de plcaros, onde é da- (
( De l9E2 dataO teironeto det-t;i de Haroldo Ma.ranháo. do ás aparéncias um valor que, acabamos comprovando, náo
(
( Nele temos novaEente um anti.herói de nome Jeronimo possuem. Náo deixa de haver um toque de pica¡dia na falsi-
(t'Albuquerque, apelidado o Torto
-envolvido
na paródia hcagáo dos latos pelo protagonista, bem como uma fone dose
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do processo da conquista e colonizacáo do Brasil pelos por- de erorismo, inovaqáo típica da neopicaresca brasilei¡a. E o t (
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projeto guixote§co, nao apenas pafece-no§ presente nos §o- vira "Exceptional Professor" da ReaJ Academia de Lqtras I
I

nhos do Torto, mas especialmente no projcto de uma nova para éguas "au pajr" de St. Columbia Gaelic.
socicdade colocado no final do romance. O cogitdr¡o é :oma teliz arnostra da neopicaresca que que- I

bra o modelo clássico ao atualizálo sem rcpeti-lo. E eviden.


( te o distanciarDento na ruptura do tempo litrear da picaresca
Um cabra da peste ¡ clássica, dccomposto agora cm trfu tempos (o prescntc da nar-
¡agáo, um passado imediato e um outro mediató). Mas so-
Por r.ll¡imo, devemos fazer refer€ncia ao mais recente ro- mos surprccndidos por mais de um detalhe clássico que so-
ma¡rce malandro brasileiro quc coniecemos: O cog¡tório, dc brevivc, como o do destinatfuio expllcito (guc náo poderia
Napoleáo Sabóia, publicado em 1984. Amphilóphio das Quei- ser jamais o "vossa Merce" Iazarilhesco, mas uma pequena
madas Caaabrava, o Phiphá, seu narrador-protagonista, sem de baby-dory); ou o caráter iline¡&nte e u¡bano do he¡ói, pro-
dúvida accita facilmente a académica garapuea do pfc¿¡o clás- téico no seu apelar a identidades vá¡ias em buscá do seu ob-
sico: harra-se a si'mesmo, anti-herói marginaj i sociedade eu- jeüvo; ou o subemp¡ego dpico s equivaleDte A funcáo de cria-
ropéia, para onde foi tra¡splantado do Nordesae, sem ssca- do dos velhos pfcaros; ou e já náo é detalhe a violagao
(
las; luta para subir (mal consegue sobreviver, porque o ingles
- -
pernra¡ente dos códigos, na qual se apóia a sáti¡a social cons- (
( é a barieira intransponivel para quem "escapou na mandio- tant€. Esta adoge todos os espagos que o neoplcaro invade,
(
ca") e tem que achar como chegar lá na base do eagodo e de mas, principalmente,,most¡a o vazio do "rnilagrc" brasilei-
I
aniscsr o que náo tem. Paródia apoiada nos bloqueios do Ter- ro, simples elo no proiesso colonizador que leva tr malandra- (
cciro Mundo, onde o trabalho assalariado é a garantia da neo gem como única salda. Nela sc ñrma o quc inconscicntc
ascensáo; que leva a serem agiLadas as macunaJmicás bandci- no plcaro clássico
-
comeca a scr explícito nos neopfcaros
ras da preguiga, já que só vale mesmo a espertezá- Esperto
-
como Ca¡ab¡ava: a resisttncia quixqrescado hcrói. Neste ca- (
mcsmo é o co-i¡máo dc Phipha, o Jegue, quc vira logo am'an- so, ela se apóia ¡a leitura, já náo dos alienantcs livros de ca-
(
re da égua da rainha e passa a desfruta¡ das mordomias. Com valaria, mas de dois outros intertextos que inteSram o roman-
ele, nada de pastaf no ccmitério de Highgale, junto ao túmu- ce de Sabóia num universo de profundas ¡essonánciasl o da (
lo de Marx, em cujas üziohangas mora o Phipha. Assim, en- literaura de ma¡ginatizados (timc cujb capiteo tro livró é Cer-
quanto estg laya pratos no Fishloch, apanha ns sintaxe e e§- (
vantes) e o da música popular brasileira.
pera ganhar a bolsa que disputa com um "viet", o Jcgue Pa§- (
seia pela Europa e vira intérprete da "Missao Norte/Sul ao
I Nordcste da Coopera$o Británica Exclusiva", Concluindo
Por outro lado, a obra de Sabóia lembra o luxo verbal (
de O Buscdo, na medida cm que ambos sáo romances coDs- A presen9a desres textos a partir de Macunalmo, pa-
rruÍdos em cima da linguagem, exigindo, neste caso, cons-
-
rece autori?¿r-nos a falar numa ncopicarcsca na li¡eratura b!a.
(

tanre atcngao As peculiaridades semanticas, si¡táticas e léxi- sileira. Eotcndemos que essa neopicaresca é própr.ia de um (
cas nordestinas. A linguagem é a base da permanentc carna- contexto em que a burgues¡a *após se firmar como a cul-
valizagáo da rcalidade, cujo ponl.o alto é o dito Jegue que rninaqáo da cscala socioecon6mica produz uma zona de I
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vazio intermediá¡io nessa escala. Essc vazio equivaleria Aqucle temporeneos e os libera de qualque¡ possibilidadc dc serer.
produzido pela rejeigáo ideológica da burguesia por parte da vistos numa fungáo didática.
aristocracia na Espanha dos séculos XVI e XVII e que tem Nesse contexto de liberacáo, o erotismo - ausentc por
a ver com o eparecimento do romance pictresco clássico. Ho.
je, esse vazio esfá determinado pela reduseo das possibilida.
completo na picüesca clássica
- ganha forga e se faz inÍen-
samente p¡esente nos textos neOpicafescos-
( des de ascensáo social, ¡edugeo que se agrava drasticamente Já no plano do discurso, a ncopicaresca impae claras
( em proporcSo inversa ao grau de desenvolvimento económi- rupturas com a relativamente maio¡ uniforrnidade dos tex-
co de cada pals. Assim, no Tcrceiro Mundo, onde é cada vez tos clássicos; iá ndo é indispensável a autobiografia, que mui'
( mais notório o privilégio do capital sobre o tr8balho quanto tas vez€s será parcial ol] totalílenle substiluida pot outros
á sua remuneragáo, chega-se tr toraI eliminagáo das possibili- recursos nar¡ativos descnvolvidos pelo romance do século
dades ascensionais po¡ meio dcste último, (
XX. Da mesma maneira, o t¡atamento do ternpo deixa mui' I
( Parece-nos que os textos apontados psIodiam os fteios tas vezes de ser [inear, adrnitindo a complexidade própria do (
de ascensáo social eficazes nesse contexto socioecon6mico; seu uso pe.lo romance coDtemporáneo. E há lugar ¡ambém I
nessa paródia, mais uma vcz, a aventura e a trapasa sáo as (
para o fantástico e para o mágico, o que leva a ruPruras no
i
únicas armas do anti.herói rnarginalizado. tratamemo do espago e a uma maior aproximagáo com o ro- !
Contudo, nesscs ¡elatos contcmporáneos aparece, em al- mauesco.
gurna medida, a consci0ncia dc um projeto social oposto ao Quanto ao protagonista, na neopicaresca ele pode apa- I

da burguesia, cujo pofador pode ser o própr¡o plcaro ou ur¡a recer dolado dc uma maior gratuidade nas suas a90es e de
outra pcrsonagem, e que tem como bese e libcrdade. Na fo¡- uma maior capacidade de humo¡ cm relagáo ao §cü prcde' i
mulagáo desse projeto, a.Jguma ou algumas personagens as- cessor clássico, Consc¡va deste, porém, e até acentua, a rc' i
,,

sumem os tragos próprios do herói quixotesco em volta de jeieáo pelo trabalho.


um ideário quc, aos olhos da ideologia bu¡guesa, pode se¡ Em síntcse, o que une picaros c neopícaros é a necessi'
(
chamado de utopia. dadc de sc valerem da astúcia para sobreviverem num meio I
I
Devemos leva¡ em conta, também, um outro elemeoto I hostil, no qual a conccntragao da riqueza c a desvalorizagáo ¡ (
contextu&I, qua.l seja a forte dose de carnavatizaCáo da so- do trabalho impóem a marginalidade Nessa marginalidade,
ciedade em que surge a neopicaresca; isto é, a permaneme a sobrevivencia ou a posslvel ascensdo social dep€ndem dc lr

I vig€ncia de uma vida socia.l paralela onde é possfveL se que- recursos que parodiam aqucles utilizados pela classe domi'
brar as rígidas hierarquias do cotidiano institucional. Essa nante para chegar lá e se marttcr nessa situagáo: apenas sobe
(
estrutura paralela se reflete em textos aJsim carnavatizados. quem pula. A maior novidade dos neopícaros qtrigá esteja
( Repetc-se, deJtc modo, o fenomeno da Europa em fins da em quc eles sáo capazes de formular um projcto social alter' (
Idade Média e da Espanha que,,ness€ contexto, p¡oduz a pri. nativo, em lugar dc como o pícaro clássico simplesmente
(
mcira picaresca.
-
procurarem a integrasáo na classe dominante.
- (

Um outfo aspecto digno de ser levado em contá na neo. (


( p.ica¡esca é a superasáo nela do maniquefsmo próprio do Bar-
(
roco, supe¡agáo que impóe um outro ritmo sos relatos con-
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( 85

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viráo de bloqueio ás doutrinas protesta¡tes. Tcm na Es-
panha sua ponta de lansa, com graves repercuss6es inter- (
nas para a nagEo.

(
9 Díscurso: no nosso estudo assim denominamos o conjuDto
dos recursos narraüvos utilizados na construg¡.o da r¡lstd-
na que nos é oarrada, e cuja alteragÉo sigpificari¿, neces-
Vocabulário crítico sa¡iamente. a narragáo de,¿ma histór¡a diferente.
Füolgo: individuo do estrato infe¡ior da nobreza, Os fidal-
gos, eru gcral, quando náo conscguiram sobreviver na a¡is-
tocracia, integraram-se na bruguesia em ascensáo. Na Es-
panha, durante os séculos XVI e XVII, o gra¡de nú¡nero
de fidalgos, a permanéncia de uma sociedadc estamcntá- (
ria e a rejeiqáo ideológica da burguesia e do trabalho dei- (
xaram muitos delcs em peno.sas situaqóRs satir;zadas fre-
( qüentemente pela Iiteratura. (
Anlíheréii pcrsona8cm que, numa nar¡Btiva, embora
( Folhetim'. narrativa seriada que era publicada com periodi- (
equiparando-se funcionalmente a um hcrói, desenvolve
cidade fixa em jornais e que acolhia nov€las ou formas nar-
suas agóes em funCeo de si mesmo, constituindo.se na an- (
rativas que pcrmitissem a seriagáo pmiódica.
tltese daquelc.
Históúa (ou F.ibula): entcndemos aqui como tal s succsseo (
Autor impl{ciloi imagcm do autor rcal.que se depreende da
de acontccimentos que nos sáo narrados como evocacao (
existencia do texto.
de uma ¡ealidade ficcional, e quc existe em si mesma ape-
Coma»alizacAoi influencia do cáJnave¡ na litcratura, que nas da maneira como nos é contada, sendo, assim, indis- (
tra¡spóe para esta diversos tragos dcssa festa, rais como sociáyel do d¿srurso urilizado. No enta¡to, a dislingáo pode
(
a supressáo das hierarquias, a profanagEo, as misturas de se¡ fcita como no nosso estudo em fungáo da análi-
todo tipo, a relatividade dos valorcs sociais, o sentido pa- -
se do texto.
- (
ródico etc. Scgundo Bakhrin * que descnvolve os aspec:
¡Ior¡a: estima e bom nome que o ind.ividuo merece pelas suas
tos bfuicos dessa teoria em Problemos da poético de Dos-
agócs. O conceito vem da Idadc Média e sobrevive com
toiewki
-, esse cotrtágio se dá ao longo da Idade Média
c até meedos do século XVll, quando a literarura passa
panicular forsa ne Espania, onde, com o tempo, ser hon-
(

rado vincula-sc á manu¿en9ao de meras aparencias, que (


a sofre¡ a influencia da literalu¡a anterior, já carnava-
nos séculos XVI c XVII se vinculam cspecialmente I con-
( lizada, (
dicáo de "c¡istáo-velho " . Ás vezes, como no teatro clás-
Contro.Retorma: movimen[o surgido dcntro da lgreja Ca- sico cspanhol, o coniciro pode reduzir-se á hon¡a ma¡iral' (
tóUca, no século XVI, para se opor á Reforma ProtcsLan-
( tc e que tem seu momento-chave no Concílio dc Trento
I lerlexlo. produto da rrl¿r¡exfualrdade. Conjunto de textos (
que podem ser conside¡ados como inre¡texto-
( 1545 - I 553), o qual definc os dogmas e princlpios que scr-
(

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( Íntertexlualidade: relaqáo que pode ser estabelecida enue do¡s Ropsódia: composisáo que, nos dominios da música conju.
ou mais textos de ourores dife¡entes, de modo a coosiderá" gada com a poesia épica, se apoiava na concatcnagáo dc
(
los como uma entidade literária maior. fragñentos de base popular. O ñodelo original da Crécia
( Msniqueismo. doutrina que se apóia na existcncia de dois clássica foi adolado pe]os músicos eruditos eu¡opcus do
principios irredutfveis: o Mal absoluto e o Bem.absoluto. século XIX e se tra¡sfe¡iu á na¡rativa que acumula hisró- (
(
Naffador: sujeito abshato que narra um tcxlo ficcional, rias folclóricas num texto maior.
( Utop¡a (da obra d€ Thomas Morus, escrito¡ ingles, t480.
Novela de cavslario: primeira manifestagáo do g3nero "no- (
( vela" devida prosiricacáo dos poemas épicos medievais. 1535): lugar ideal em que a organizagáo polftica permiti-
ü.
Apóia-se na série cie aventuras dc um hc¡ói cxemplar ria a harmónica e feliz convivéncia dos indivlduos. Habi- (
(
o cavalelfo dentro de um contcxto idealizado da aris-
- tualmente, usa-se com o sentido de projefo irrealizávet.
( -
tocracia feudal, Tem sua rlltima manifestagáo no ressur-
(

gimento das narragdes relat¡vas a cávaleiros andantes, que (


(
se dá na PcnÍnsula Ibérica em fins do século Xv c dursnte (
( o XVI.
(
( Poród¡a: lexto q\e sc apóia no paralelismo a um outro rexlo
ou realidade, os quais dcgrada, enq[anto modelos, com
( inteng¿o satlrica,
( Pícaro: ptotagonista de um romance picaresco. O termo
de discutida etimologia
-
aparece usado pela primeira vez
( -
enr mcados do século XVI. Serviria, ralvez, inicjalmenle, (
( para designar os rapazcs quc ajudavam nas cozinhas. De-
pois, csrendcu-sc a todo Lipo de desocupado ou subempre- (
(
gado que, sobreüvendo pela sua astúcia, atingia facilmente
(
( a delinqüencia.
( Ponlo de v¡sÍd'. engulo assumido pdo no¡rodor com relacáo
a personagens e acontecimentos da narrativa, Assim, o aar. (
( rador pode ser de 1l pcssoa (e será uma dai personageos)
(
( or¡ de 3: pessoa (ficando de fo¡a da história narrada), Mas
também o na¡rado¡ de 3l pessoa pode assum¡r o ponto (
( de vista de uma das personagens.
(
( Proté¡co'. caúter de uma personagcm qu€
deus mitológico Pro[eu
- a exemplo do
moda constanlemente de apa- (
(
rCncia.
-
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