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PRIMEIRO ATO Meu sistema é o bem viver.

Que não seja constrangido


o prazer, nem abolido.
(Cena do martírio de São Lourenço) Cantam:
Quero as tabas acender
com meu fogo preferido
Por Jesus, meu salvador,
Que morre por meus pecados,
Boa medida é beber
Nestas brasas morro assado
cauim até vomitar.
Com fogo do meu amor
Isto é jeito de gozar
a vida, e se recomenda
Bom Jesus, quando te vejo
a quem queira aproveitar.
Na cruz, por mim flagelado,
Eu por ti vivo e queimado
A moçada beberrona
Mil vezes morrer desejo
trago bem conceituada.
Valente é quem se embriaga
Pois teu sangue redentor
e todo o cauim entorna,
Lavou minha culpa humana,
e à luta então se consagra.
Arda eu pois nesta chama
Com fogo do teu amor.
Quem bom costume é bailar!
Adornar-se, andar pintado,
O fogo do forte amor,
tingir pernas, empenado
Ah, meu Deus!, com que me amas
fumar e curandeirar,
Mais me consome que as chamas
andar de negro pintado.
E brasas, com seu calor.
Andar matando de fúria,
Pois teu amor, pelo meu
amancebar-se, comer
Tais prodígios consumou,
um ao outro, e ainda ser
Que eu, nas brasas onde estou,
espião, prender Tapuia,
Morro de amor pelo teu.
desonesto a honra perder.
SEGUNDO ATO
Para isso
com os índios convivi.
GUAIXARÁ
Vêm os tais padres agora
Esta virtude estrangeira
com regras fora de hora
Me irrita sobremaneira.
prá que duvidem de mim.
Quem a teria trazido,
Lei de Deus que não vigora.
com seus hábitos polidos
estragando a terra inteira?

Só eu
permaneço nesta aldeia
como chefe guardião.
Minha lei é a inspiração
que lhe dou, daqui vou longe
visitar outro torrão.

Quem é forte como eu?


Como eu, conceituado?
Sou diabo bem assado.
A fama me precedeu;
Guaixará sou chamado.
SEGUNDO ATO
(...)
AIMBIRÊ AIMBIRÊ
Usarei de igual destreza E os rapazes cobiçosos,
para arrastar outras presas perseguindo o mulherio
nesta guerra pouco santa. para escravas do gentio...
Assim invadem fogosos...
O povo Tupinambá dos brancos o casario.
que em Paraguaçu morava, (...)
e que de Deus se afastava,
deles hoje um só não há, SÃO LOURENÇO
todos a nós se entregaram. Mas existe a confissão,
(...) Bom remédio para cura
Na comunhão se depura
Todos os tamoios foram Da mais funda perdição
Jazer queimando no inferno. A alma que o bem procura.
Mas há alguns que ao Padre Eterno
fiéis, nesta aldeia moram, Se depois de arrependidos
livres do nosso caderno. os índios vão confessar
Estes maus Temiminós dizendo: "Quero trilhar
nosso trabalho destroem. o caminho dos remédios"
o padre os vai abençoar
GUAIXARÁ
Vem tentá-los que se moem GUAIXARÁ
a blasfemar contra nós. Como se nenhum pecado
Que bebam, roubem e esfolem. Tivessem, fazem a falsa
Confissão, e se disfarçam
Que provoquem muitas lutas, Dos vícios abençoados,
muitos pecados cometam, a assim viciados passam.
por outro lado se metam
longe desta aldeia, à escuta AIMBIRÊ
dos que as nossas leis prometam. Absolvidos Dizem:
"na hora da morte
AIMBIRÊ Meus vícios renegarei".
É bem difícil tentá-los. E entregam-se a sua sorte.
Seu valente guardião
me amedronta. GUAIXARÁ
Ouviste que enumerei
GUAIXARÁ os males são seu forte.
E quais são?
SÃO LOURENÇO
AIMBIRÊ Se com ódio procurais
É São Lourenço a guiá-los, tanto assim prejudicá-los,
de Deus fiel Capitão. não vou eu abandoná-los.
E a Deus erguerei meus ais
GUAIXARÁ para no transe ampará-los.
Qual? Lourenço o consumado
nas chamas qual somos nós? (...)
ANJO
AIMBIRÊ Esse. Prendei-os donos da luz!
(Os santos prendem os dois diabos.)
TERCEIRO ATO guardastes, sendo juízes.
Sou mandado
ANJO por São Lourenço queimado,
Aimbirê! levá-los à minha casa,
Estou chamando você. onde seja confirmado
Apressa-te ! Corre! Já! vosso imperial estado
em fogo, que sempre abrasa.
AIMBIRÊ
Aqui estou! Pronto! O que há! VALERIANO
Será que vai me pender Ai de mim!
de novo este passarão?
DÉCIO
ANJO Ó miserável de mim,
Reservei-te uma surpresa: que nem basta ser tirano,
tenho dois imperadores nem falar em castelhano!
para dar-te como presa. Que é do mando em que me vi,
De Lourenço, em chama acesa, e o meu poder soberano?
foram ele os matadores.
AIMBIRÊ
AIMBIRÊ Jesus, Deus grande e potente,
Boa! Me fazes contente! que tu, traidor, perseguiste,
À força os castigarei, te dará sorte mais triste
e no fogo os queimarei entregando-te em meu dente,
como diabo eficiente. a que, malvado, serviste.
Meu ódio satisfarei.
Pois me honraste,
(...) e sempre me contentaste
(Vão todos agachados em direção a ofendendo ao Deus eterno.
Décio e Valeriano que conversam) É justo pois que no inferno,
palácio que tanto amaste,
VALERIANO não sintas o mal do inverno.
O Décio, cruel tirano!
Já pagas, e pagará (...)
Contigo Valeriano, DÉCIO
porque Lourenço cristão Essa é a pena redobrada
assado, nos assará. que me causa maior dor:
que eu, universal senhor,
AIMBERÊ morra morte desonrada
(...) na forca como traidor.
Vou fingir-me castelhano
e usar de diplomacia Ainda se fosse lutando,
com Décio e Valeriano, dando golpes e reveses,
porque o espanhol ufano pernas e braços cortando,
sempre guarda a cortesia. como fiz com os franceses,
acabaria triunfando.
Oh, mais alta majestade!
Beijo-vos a mão mil vezes,
por vossa grã-crueldade
pois justiça nem verdade
QUARTO ATO porque eu, que sou seu Amor,
seja em ti bem imprimido
TEMOR DE DEUS
voz grave e
(Dá seu recado.) irônica QUINTO ATO
Pecador, Dança de doze meninos, que se fez na
sorves com grande sabor procissão de São Lourenço.
o pecado, 1o) Aqui estamos jubilosos
e não ficas afogado tua festa celebrando.
com teus males! Por teus rogos desejando
Deus nos faça venturosos
E tuas chagas mortais nosso coração guardando.
não sentes, desventurado!
2o) Nós confiamos em ti
O inferno Lourenço santificado,
como seu fogo sempiterno, que nos guardes preservados
Já te espera, dos inimigos aqui
se não segues a bandeira Pedir que alguém cante comigo

da cruz, Dos vícios já desligados


sobre a qual morreu Jesus nos pajés não crendo mais,
para que tua morte morra. em suas danças rituais,
nem seus mágicos cuidados.
Deus te envia esta mensagem
com amor, 3o) Como tu, que a confiança
a mim que sou seu Temor voz fininha e delicada em Deus tão bem resguardaste,
me convém que o dom de Jesus nos baste,
declarar o que contém pai da suprema esperança.
para que temas ao Senhor.
(…)
Espantado estou de ver, 7o) Fiel a Nosso Senhor
pecador, teu vão sossego. a morte tu suportaste.
Com tais males a fazer, Que a força disto nos baste
como vives sem temer, para suportar a dor
aquele espantoso fogo? pelo mesmo Deus que amaste.
(...)
8o) Pelo terrível que és,
AMOR DE DEUS Já que os demônios te temem,
(Dá seu recado) nas ocas onde se escondem
vem calcá-los sob os pés,
Ama a Deus, que te criou, pra que as almas não nos queimem.
homem, de Deus muito amado!
Ama com todo cuidado, (...)
a quem primeiro te amou. 12o) Em tuas mãos depositamos
nosso destino também.
Seu próprio Filho entregou Em teu amor confiamos
à morte, por te salvar. e uns aos outros nos amamos
Que mais te podia dar, para todo o sempre. Amém.
se tudo o que tem te dou?
Por mandado do Senhor,
te disse o que tens ouvido.
Abre todo teu sentido,

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