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FUNDAMENTOS HISTÓRICOS, TEÓRICOS

E METODOLÓGICOS DO SERVIÇO SOCIAL I E II


Faculdade Educacional da Lapa (Org.)

Faculdade Educacional da Lapa (Org.)


DO SERVIÇO SOCIAL I E II
TEÓRICOS E METODOLÓGICOS
FUNDAMENTOS HISTÓRICOS,
Fundamentos
ó
Historicos, Teóricos
e Metodológicos do
Serviço Social I e II
Faculdade Educacional da Lapa (Org.)

Curitiba
2018
Ficha Catalográfica elaborada pela Editora Fael.

F981 Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do serviço


social I e II / organização de Faculdade Educacional da Lapa. –
Curitiba: Fael, 2018
127 p.: il.
ISBN 978-85-5337-042-9

1. Serviço Social 2. Assistência Social I. Faculdade Educacional da


Lapa II. Título
CDD 361.3

Direitos desta edição reservados à Fael.


É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael.

FAEL

Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo


Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz
Projeto Gráfico Sandro Niemicz
Diagramação Editora Coletânea
Imagem da Capa Shutterstock.com/REDPIXEL.PL
Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim
Sumário

Fundamentos Históricos, Teóricos e


Metodológicos do Serviço Social I | 5
1. O Capitalismo Monopolista  |  5

2. O Serviço Social como Profissão Institucionalizada  |  15

3. O Serviço Social e as Questões do Sistema


Capitalista Monopolista  |  23

4. A Atuação do Estado  |  31

5. O Serviço Social como Prática Social  |  37

6. O Papel da Igreja Católica  |  45

7. Qualificação dos Profissionais Leigos  |  53


Fundamentos Históricos, Teóricos e
Metodológicos do Serviço Social II | 61
8. O Serviço Social e sua atuação sob influência
da teoria Neotomista  |  61

9. Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação


profissional do Serviço Social Tradicional  |  69

10. A aproximação do Serviço Social com a fenomenologia  |  81

11. O Serviço Social e o desenvolvimentismo  |  87

12. O Serviço Social e a “Geração 1965”  |  97

13. Serviço Social nos anos 70  |  107

14. O Serviço Social e o Marxismo  |  115

Referências  |  123
1
O Capitalismo
Monopolista

Este é o primeiro tema da nossa disciplina. Diz respeito ao


surgimento do capitalismo na sua terceira fase, a monopolista.
O capitalismo passou por três fases desde seu início, são elas:
Capitalismo ou Pré-capitalismo, Capitalismo Industrial e Capita-
lismo Monopolista-financeiro. Essas fases dizem respeito ao sur-
gimento do capitalismo, respectivamente, a partir do firmamento
do comércio mercantilista, o fim do sistema feudal e firmamento
do sistema industrial e o surgimento do monopólio com as fusões
de empresas, o aumento do investimento na tecnologia, para a
ampliação da produção e consequentemente o aumento nos lucros.
Vamos compreender a origem do modelo monopólico, bem
como suas consequências para a classe trabalhadora. O monopó-
lio é marcado pelo novo direcionamento da atuação do Estado,
no enfrentamento das expressões da questão social.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

As condições socioeconômicas dos trabalhadores, no capitalismo


monopolista, tornaram-se muito difíceis e agravantes. Esse fato exige,
por parte do Estado, respostas por meio de políticas públicas sociais,
visando a minimizar as mazelas que se alastraram pela sociedade como o
desemprego, a falta de moradia, as doenças, entre outras. Essas respostas
são uma forma de conter revoltas ou organização da classe trabalhadora,
para reivindicar melhorias na qualidade de vida: essa população sente
as mudanças provocadas pelo capitalismo de monopólio, que expropria
ainda mais as classes subalternas. Vamos conhecer melhor esse processo
que provoca mudanças nas sociedades, no início do século XX.

1.1 A Origem do Capitalismo Monopolista


O sistema capitalista é gerado a partir da decadência do modo de pro-
dução feudal, provocada, entre outros fatores, pela ampliação do comércio
externo e interno na Europa (mercantilismo), desenvolvimento das ciên-
cias experimentais, descoberta de novas formas de produção, a partir de
alternativas energéticas (água, carvão e, no final do século XIX, petróleo)
e o consequente crescimento das cidades. Nesse novo contexto, começam
a organizar-se novos segmentos sociais, entre outros, a burguesia comer-
cial e trabalhadores assalariados.

Saiba mais

Burguesia: classe social detentora dos meios de produção, constituída


pelos mercadores e burgos medievais. É a camada social que se desen-
volveu com a R
­ evolução Industrial, tendo se tornado a classe domi-
nante no capitalismo.

O modelo capitalista europeu consolida-se com o crescimento das


fábricas e, posteriormente, das indústrias, sendo também desenvolvido nos
Estados Unidos da América. Na primeira fase do chamado Capitalismo
Industrial, a Inglaterra, locus da Revolução Industrial, lidera a economia
mundial (século XIX). A partir dos século XX, a hegemonia econômica
mundial pertence aos EUA.

– 6 –
O Capitalismo Monopolista

O quadro social nessa nova sociedade sofre grandes transformações:


formam-se as classes sociais, grosso modo, médias e proletárias urbanas,
e, no topo da pirâmide social, a burguesia, proprietários dos meios de pro-
dução, com o objetivo fundamental do lucro com a venda de seus produtos.
Recrudesce a exclusão social de grande parte da população sem emprego
e, consequentemente, miseráveis que constituem o quarto estrato dessa
pirâmide. A questão social torna-se cada vez mais grave, pelas condições
de vida dos trabalhadores, sem garantias trabalhistas, com moradias sem
saneamento, saúde precária e quase nenhuma escolarização.

Saiba mais

Classe Social é um grupo de indivíduos que ocupam uma mesma posi-


ção nas relações de produção, em determinada sociedade.

Sobre a sociedade de classe fundada sob a compra e venda da força


de trabalho no sistema capitalista, Martinelli (1993, p. 54) afirma que
[...] o capitalismo fez de tal processo de expansão uma das páginas
mais violentas na história da relação capital-trabalho. Instaurando-
-se como uma forma peculiar de sociedades de classes fundadas
sob a compra e venda da força de trabalho, revelou desde logo sua
força opressora em relação ao proletariado. Com o capitalismo se
institui a sociedade de classe e se plasma um novo modo de rela-
ções sociais, mediatizadas pela posse privada de bens. O capita-
lismo gera o mundo da cisão, da ruptura, da exploração da maioria
pela minoria, o mundo em que a luta de classes se transforma na
luta pela vida, na luta pela superação da sociedade burguesa.

A exploração da força de trabalho é uma das estratégias utilizada


pelos donos do capital para obter lucros e, consequentemente, aumen-
tar suas riquezas. Um dos mecanismos utilizados para facilitar a explo-
ração da mão-de-obra operária, pelos capitalistas, prende-se ao aumento
progressivo de trabalhadores no mercado, que constitui um exército de
reserva dos capitalistas, para substituição da força de trabalho, quando
julgarem conveniente.
Além desse exército de reserva favorecer à concorrência entre os traba-
lhadores, Martinelli (1993, p. 79) aponta outros benefícios para os capitalistas.

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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Circulando perifericamente pelo mercado e aguardando a oportuni-


dade de nele adentrar, essa população excedente era ardilosamente
utilizada pelo capitalista como um fator de contenção de salários,
um freio aos movimentos e reivindicação trabalhistas. Para o capi-
talista, essa superpopulação trazia sempre a possibilidade de man-
ter uma alta rotatividade de sua mão-de-obra, substituindo os que
questionavam, afastando os que reivindicavam.

As contradições geradas, nesse modo de produção, entre trabalhado-


res e proprietários dos meios de produção, provocam a organização dos
trabalhadores para lutar por seus direitos. A luta de classes emerge com
força e organizada contra os arbítrios da classe empresarial.

Saiba mais

O exército de reserva é constituído pelos trabalhadores que estão à mar-


gem do mercado, esperando uma oportunidade de trabalho.

A classe dominante, para manter a ordem e seus interesses, utilizava


de estratégias, conforme exigências do mercado, como a prolongada jor-
nada de trabalho, visando diminuir custos com mão-de-obra, bem como
substituir trabalhadores contestadores por outros disponíveis no mer-
cado (exército de reservas) para desmobilizar a classe operária na luta
por melhores condições de trabalho. Paulatinamente, com muitas lutas,
os operários conquistam algumas melhorias, como a regulamentação do
trabalho, a redução da jornada de trabalho, o teto mínimo salarial, condi-
ções melhores no ambiente de trabalho, etc. O que não significa, evidente-
mente, a erradicação da exploração de seu trabalho, em função dos lucros
dos empresários.
No início do século XX, cresce o monopólio de empresas que se agru-
pam e controlam a produção e o mercado para venda de seus produtos,
com fortes leis protecionistas, aumento da produtividade pelo desenvol-
vimento de novas técnicas de produção e novas alternativas energéticas.
Segundo Netto (2005), o modelo monopólico foi criado pela burgue-
sia, como estratégia para atender seu objetivo principal: aumentar o lucro.
Com essa finalidade, a burguesia passa a exercer o controle do mercado,

– 8 –
O Capitalismo Monopolista

por meio das grandes corporações financeiras, dentre elas o sistema ban-
cário e as grandes empresas (multinacionais). Esse controle é realizado
pela apropriação privada da produção de mercadorias.

Saiba mais

Podemos afirmar que o Mercado é a relação estabelecida entre a oferta


e a procura de bens e/ou serviços e/ou capitais.

Com a implantação do modelo monopólico, ocorre a fusão de


indústrias, o que propicia o surgimento de grandes empresas avançadas
em tecnologia. As empresas defendem a internacionalização das merca-
dorias e a centralização de sua comercialização. Essa fusão de empresas
é chamada de truste – união de várias empresas que controlarão todas as
etapas de produção de determinada mercadoria. Foram criados, ainda,
pelo capitalismo monopolista, os cartéis, que são acordos feitos entre
as empresas para estabelecerem os preços de suas mercadorias, a quan-
tidade da produção e, ainda, para dividirem o mercado consumidor, isto
é, os lucros devem ser iguais para todas as empresas que fazem parte
do cartel.
Netto (2005) retrata dois elementos próprios do capitalismo mono-
polista: a supercapitalização e o parasitismo. O primeiro elemento refere-
-se à acumulação de capital, que encontra dificuldade de valorização; o
segundo elemento se instaura na vida social e favorece, por um lado, a
natureza parasitária da burguesia e, por outro, uma generalizada burocrati-
zação da vida social das pessoas. Esta burocratização tem como finalidade
legitimar o monopólio.
Ao se legitimar, o monopólio gera uma grande luta entre grupos
monopolistas e aqueles que ainda não são monopolizados. Agindo assim,
o modelo monopólico coloca no auge a contradição entre a socialização
da produção de mercadorias e a apropriação privada desses bens. A partir
dessa contradição, a produção de mercadorias passa a ser internaciona-
lizada, favorecendo aos grupos monopolistas (grandes empresas) com o
controle decisivo da produção.

– 9 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Nessa nova etapa, capitalismo monopolista, a luta de classe se agrava


e ganha maior dimensão pelo alto grau de exploração dos trabalhadores.
O capitalismo monopolista, com sua lógica de acúmulo de lucros,
causou graves consequências para a classe trabalhadora na sociedade.
Essas consequências favoreceram o fortalecimento da luta de classe entre
burguesia (dona dos meios de produção) e classe trabalhadora (dona da
força de trabalho).

1.2 Consequências à implantação


do capitalismo monopolista
Com a implantação do sistema capitalista monopolista, a sociedade
passa a enfrentar graves problemas sociais, haja vista que o modelo mono-
pólico utiliza-se de estratégias, como a economia do trabalho humano com
a introdução da tecnologia, provocando o aumento progressivo do índice
de desemprego, para alcançar seu objetivo primordial de acumular lucros.
Essas estratégias permeiam as áreas econômica, política, social e
cultural da sociedade, influenciando, decisivamente, a dinâmica da vida
social e dos indivíduos.
Para alcançar o acréscimo de lucros, o capital dos monopólios desen-
volveu uma política econômica entre as grandes empresas, visando à res-
trição da concorrência para, assim, conseguir elevar e controlar os preços
das mercadorias. Segundo Netto (2005), essa política gerou consequên-
cias para a sociedade como:
22 aumento progressivo dos preços das mercadorias;
22 aumento das taxas de lucros;
22 concentração de investimentos nos setores de maior concorrência;
22 introdução da tecnologia;
22 economia do trabalho humano;
22 elevação dos custos de vendas;
22 aumento do contingente de consumidores improdutivos (desem-
pregados).

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O Capitalismo Monopolista

Segundo Iamamoto (2002), todos esses fatos provocados pelos donos


do capital foram condições propícias ao desenvolvimento do modelo
monopólico de sociedade.
Os maiores prejudicados com o sistema monopolista foram os tra-
balhadores: passaram a vivenciar inúmeros problemas sociais como o
desemprego e, consequentemente, a falta de moradia e de condições bási-
cas de sobrevivência, expressões da questão social. Essas condições de
vida impostas às classes subalternizadas, que viviam do trabalho, foram
instituídas em nome do lucro e geravam toda sorte de mazelas na vida des-
sas classes. Os trabalhadores não contavam com legislações pertinentes às
causas trabalhistas e os salários pagos não eram suficientes para sanar nem
mesmo as necessidades básicas dessa população.
Esse modelo econômico implementado pelos capitalistas gerou a
mobilização e organização da classe operária na luta por resolução de suas
demandas. O Estado, por sua vez, começa a elaboração de estratégias que
objetivam o contorno das situações de confronto e conflito das classes
sociais (burguesia x trabalhadores). Essa intervenção estatal, que desem-
boca em intervenções sistemáticas nos problemas sociais apresentados,
são, na verdade, um posicionamento unilateral em favor do controle dos
operários: o Estado tem seu posicionamento político e social voltado para
o beneficio do capital monopolista.
Diante de tantas dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, foiram
necessárias a organização dos movimentos e a criação dos sindicatos com
o intuito de defender a classe trabalhadora que ampliava a sua luta coletiva.
Segundo Martinelli (2006, p. 59), “[...] o direito de associação con-
quistado pelos trabalhadores ingleses, no início da terceira década do século
XIX, ampliou muito sua base associativa e fortaleceu seus movimentos rei-
vindicatórios”. A aprovação desse direito foi o impulso dos movimentos que
desencadearam a adesão dos trabalhadores em toda a Europa: o movimento
Luddita e o Cartismo, movimentos de expressão, responsáveis por estraté-
gias que garantiram vitórias trabalhistas. Os movimentos foram repudiados
com forte repressão e violência pelo estado capitalista, com o intuito de
garantir a exploração e o lucro, mas os trabalhadores, após sofrerem derro-
tas consecutivas, amadureceram seu posicionamento político e prolongaram
sua luta, em busca de melhorias na qualidade de vida e de trabalho.

– 11 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Saiba mais

O movimento Luddita tem seu nome em alusão ao seu líder William


Ludd, que realizou movimentos de forma anárquica, quebrando as
máquinas das indústrias, atribuindo aos maquinários a revolta pela
exploração do operário, o que desencadeou a ira dos proprietários dos
meios de produção. O Cartismo foi um documento de uma comissão
liderada por William Lovett, que redigiu um documento denominado
de carta do povo, no qual descrevia oposições contra a burguesia e
continha, em seu teor, reivindicações trabalhistas.

Martinelli (2006, p. 59) afirma que os trabalhadores


em plena vigência do surto expansionista da industrialização capi-
talista, já mais amadurecidos em suas estratégias, conseguiram
vitórias trabalhistas, que além de reduzir as violências do cotidiano
ajudavam a recompor as forças para sua luta.

Essas conquistas dos trabalhadores, mediante a luta de classes, foram


estrategicamente aceitas pelo Estado e pela burguesia. Com intenção de
instituir o controle das reivindicações dos operários, foi necessário esva-
ziar o sentido político da luta de classes, pois se as conquistas fossem
instituídas, a identidade coletiva de união por uma causa dos trabalhadores
ficaria sem sentido. O Estado burguês, cada vez mais aliado do capital
monopolista de fusões, utiliza-se do aparato institucional para criar estra-
tégias com ênfase na direção de atenção aos problemas que advinham da
industrialização e do monopólio capitalista e de seu fluxo expansionista.
O Estado então cria mecanismos de respostas aos trabalhadores,
visando a criar uma debilidade no movimento de luta da classe subalterna,
e subordinar os trabalhadores aos ardis do capital monopolista.

Conclusão
Neste capítulo, apontamos os modelos capitalistas, detendo-nos no
capitalismo monopolista. No início do século XX cresce o monopólio de
empresas que se agrupam e controlam a produção e o mercado para venda

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O Capitalismo Monopolista

de seus produtos, com fortes leis protecionistas, aumento da produtividade


pelo desenvolvimento de novas técnicas de produção e novas alternativas
energéticas. Essa nova forma de produção afeta principalmente as con-
dições de vida dos operários e apresenta sequelas que desembocam em
expressões da questão social, tais como desemprego, moradia insalubre,
inexistência de direitos sociais. Apontamos, ainda, o posicionamento do
Estado perante esse quadro conjuntural, que, para legitimar o capitalismo
monopolista, implementa estratégias para sanar os problemas sociais.
Essas resoluções são enquadradas na ótica de correção dos conflitos exis-
tentes entre a burguesia capitalista e os trabalhadores.

– 13 –
2
O Serviço Social
como Profissão
Institucionalizada

Neste capítulo, vamos conhecer o processo de institucio-


nalização do Serviço Social. Esse processo está intrisecamente
relacionado às estratégias criadas pelo Estado e pelo capital, para
criar mecanismos de controle da classe trabalhista e refreamento
dos conflitos entre trabalhadores e donos do capital.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

2.1 A Intrínseca Relação do Serviço


Social com o Sistema Capitalista
Apontamos a você, aluno de serviço social, no capítulo um, os pro-
blemas sociais que afetaram a classe trabalhadora, no processo de insti-
tuição do modelo econômico de monopólio, por parte da classe burguesa
capitalista detentora dos modos de produção.
O processo de exploração acelerado, implantado pela expansão do
capitalismo de monopólio, com o objetivo de aumento nos lucros, afetou,
de forma recrudescida, a classe operária, que sofrem, como consequên-
cia desse processo, o desemprego, a redução dos salários em virtude do
aumento do exército de reserva cultivado pelo capitalismo monopolista,
o que fez surgir movimentos de organização por parte dos trabalhadores.
Esses movimentos fizeram a burguesia ficar apreensiva e, como medida
de autopreservação, com o apoio do Estado, implementa estratégias palia-
tivas de proposição para sanar os problemas sociais das classes operárias.
Martinelli (1993, p. 61) assevera que
tal expansão deixava a burguesia muito apreensiva, pois era um
retrato vivo daquilo que, até mesmo como estratégia de autopre-
servação do capitalismo, pretendia ocultar: a face da exploração,
da opressão, da dominação, da acumulação da pobreza e da gene-
ralização da miséria.

Para a permanência do capitalismo monopolista era importante a dis-


simulação dessa realidade antagônica e conflitante entre as classes sociais.
Foi, portanto, imprescindível a criação de estratégias que contivessem o
vigor das manifestações operárias e a proliferação da pobreza, bem como
das consequências que normalmente a ela estão associadas.
A estratégia utilizada pela burguesia foi a aproximação desta com
os agentes responsáveis por ações filantrópicas de intervenção junto à
pobreza e às mazelas sociais provocadas pelo capitalismo. Dessa forma,
Martinelli (1993, p. 63) afirma: “a burguesia queria apropriar-se da prá-
tica social para submetê-la aos seus desígnios”, o que nos faz apontar o
surgimento das primeiras estratégias de prática social, como uma forma
de garantir o agradecimento dos trabalhadores, podendo controlar os con-
frontos com o capital.

– 16 –
O Serviço Social como Profissão Institucionalizada

O Estado, a burguesia e a igreja, que atuava em práticas sociais


humanistas, uniram-se para formar um bloco de fusão no resgate da con-
vivência pacífica entre as classes sociais. Temos, nesses fatos, a origem
do serviço social, uma profissão que nasce conservadora, engendrada pelo
projeto hegemônico, com característica de ações assistencialistas e com
caráter acentuado de prática de prestação de serviços.

2.2 O Serviço Social como Profissão


Institucionalizada e o Capitalismo Monopolista
Após entendermos a relação intrínseca entre o capital e o serviço
social conservador, vamos saber mais um pouco acerca da institucionali-
zação da profissão.
Essa discussão será norteada, em especial, pelo livro Capitalismo
Monopolista e Serviço Social, do autor José Paulo Netto (2005).
O referido autor suscita uma nova discussão no âmbito do serviço
social a respeito da institucionalização da profissão, inserida na divisão
social do mercado de trabalho. Sua obra traz reflexões sobre a visão de
outros autores sobre o assunto.
Para Netto (2005), o que favoreceu a institucionalização do serviço
social como profissão foi a necessidade e, consequentemente, a criação de
um espaço ocupacional no mercado de trabalho que demanda o assistente
social como um profissional técnico.
Conforme Netto (2005, p. 70-71), existe uma relação de continuidade
da institucionalização do serviço social com a filantropia, com base na
caridade, instituída pela igreja católica.
Esta relação é inegável e, em realidade, muito complexa; de um
lado, compreende um universo ideo-político e teórico-cultural, que
se apresenta no pensamento conservador; de outro, envolve moda-
lidades de intervenção características do caritativismo – ambos os
veios cobrindo igualmente a assistência “organizada” e o serviço
social. Sobretudo, a relação de continuidade adquire uma visibi-
lidade muito grande porque há uma instituição que desempenha
papel crucial nos dois âmbitos – a igreja católica.

– 17 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Essa relação de continuidade repercute na institucionalização da pro-


fissão; entretanto, ela não é exclusiva no processo de profissionalização
do serviço social. Existe, também, uma relação de ruptura que se constitui
como decisiva nesse processo.
Netto (2005, p. 72) atribui o processo de ruptura à necessidade que
surge dos agentes leigos desenvolverem papéis executores em projetos
sociais, sua função independe de sua vontade profissional. A função exer-
cida pelos profissionais é determinada pelos empregadores. Assim,
[...] a localização dos agentes no topo particular da estrutura
sócio-ocupacional, quase sempre escamoteada pela auto-repre-
sentação dos assistentes sociais, marca a profissionalização:
precisamente quando passam a desempenhar papéis que lhes
são alocados por organismos e instâncias alheias às matrizes
originais das plataformas do serviço social é que os agentes se
profissionalizam.

A plataforma do serviço social está relacionada com a instituição igreja


católica. Essas instituições desenvolvem atividades que são exteriores à
lógica do mercado de trabalho, a partir de ações filantrópicas e voluntárias.
Somente quando os profissionais do serviço social começam a exer-
cer funções que lhes são exigidas pelo mercado é que ocorre sua profis-
sionalização. Isso não significa que não houve a continuidade de práticas
assistencialistas. No entanto, sua ação profissional passa a ter novo sen-
tido social, pois,
[...] o agente passa a inscrever-se numa relação de assalariamento
e a significação social do seu fazer passa a ter um sentido novo na
malha da reprodução das relações sociais. Em síntese: é com este
giro que o serviço social se constitui como profissão, inserindo-se
no mercado de trabalho, com todas as consequências daí decor-
rentes (principalmente com o seu agente tornando-se vendedor da
sua força de trabalho). [...] Na emergência profissional do serviço
social, não é este que se constitui para criar um dado espaço na
rede sócio-ocupacional, mas é a existência deste espaço que leva à
constituição profissional (NETTO, 2005, p. 72-73).

Para Netto (2005), não é a relação de continuidade com práticas da


igreja católica que explica a institucionalização profissional do serviço
social. O que define a constituição da profissão é a ruptura com a diretriz

– 18 –
O Serviço Social como Profissão Institucionalizada

religiosa, adotando práticas leigas, a partir de uma necessidade e, conse-


quentemente, a criação de um espaço ocupacional para o assistente social,
na divisão social do mercado de trabalho, pois é este que propicia a neces-
sidade desse profissional.
O espaço na divisão social e técnica no mercado de trabalho para o
serviço social, como uma profissão institucionalizada, surge no momento
em que o capitalismo monopolista se consolida.
De acordo com Netto (2005), o serviço social, como profissão, não
está relacionado exclusivamente com a evolução da caridade fundamen-
tada na filantropia realizada pelos profissionais leigos da igreja católica.
Para o autor, o serviço social público, e, socialmente com caráter profis-
sional, está vinculado literalmente à dinâmica da ordem monopólica, pois
é ela que propicia o espaço de necessidade social desta profissão.
No capitalismo monopolista, o Estado tem a necessidade de inter-
vir na questão social. Essa intervenção é realizada pelas políticas sociais
públicas, o que passa a requerer profissionais técnico-operativos para for-
mular e implementar essas políticas como resposta às diversas expressões
da questão social. Assim, está posto o mercado de trabalho do assistente
social como agente executor das políticas sociais.
O Estado Novo então instituído, defronta-se com duas deman-
das: absorver e controlar os setores urbanos emergentes e buscar,
nesses mesmos setores, legitimação política. Para isso adota uma
política de massa [...]. Ao mesmo tempo que desenvolve o controle
das demandas populares, institui ações normativas e assistenciais
como mecanismos de esvasiamento e de controle do potencial de
mobilização dos trabalhadores urbanos, servindo, igualmente, para
rebaixamento dos níveis salariais (SILVA, 1995, p. 24).

O assistente social torna-se um dos agentes que contribuem para


subordinar a classe trabalhadora às diretrizes das classes dominantes, em
contraposição aos movimentos socialistas realizados pelos trabalhadores,
em prol de direitos e contra todas as formas de exploração do trabalho.
O assistente social vai atuar na preservação e controle da força de
trabalho, conforme interesses do capital pois,
é somente na ordem societária comandada pelo monopólio que se
gestam as condições histórico-sociais para que na divisão social

– 19 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

(e técnica) do trabalho, constitua-se um espaço em que se pos-


sam mover práticas profissionais como as do assistente social
(NETTO, 2005, p. 73).

A função do assistente social, no capitalismo monopolista, é defender


os interesses da burguesia e, para tanto, ele se ergue como um profissio-
nal ligado à ideologia conservadora da igreja católica junto ao Estado,
atuando via políticas públicas sociais, para dar respostas à questão social.
A ação profissional vai independer da vontade do assistente social,
uma vez que ele se constituirá como vendedor de sua força de trabalho para
os donos do capital e são estes quem definirão sua prática profissional, pois
suas bases de legitimação são deslocadas para o Estado e para
os setores empresariais da sociedade, ao mesmo tempo em que o
assistente social se transforma numa típica categoria profissional
assalariada, que passa a absorver, além de representantes das elites
que constituem a predominância da composição dos profissionais,
setores médios e da pequena burguesia, que passam a se interessar
por essa profissão remunerada (SILVA, 1995, p. 25).

O alvo da intervenção profissional do assistente social são os trabalha-


dores e aqueles que estão à margem do mercado de trabalho. O caminho que
o usuário do serviço social vai percorrer para ser atendido pelo assistente
social perpassa pelos serviços prestados pelas instituições assistenciais.
Ao inserir-se na divisão do trabalho, o serviço social passa a ser uma
profissão institucionalizada com caráter interventivo nas relações sociais
entre classe dominante e classe trabalhadora.
Nessa perspectiva, Iamamoto e Carvalho (2005, p. 111) afirmam que
a profissão se institucionaliza dentro da divisão do trabalho como
partícipe de políticas específicas levadas a efeitos por organismos
públicos e privados, inscritos no esforço de legitimação do poder
de grupos e frações das classes dominantes que controlam ou têm
acesso ao aparato estatal.

Portanto, o serviço social, em sua origem, bem como em sua insti-


tucionalização, vai ter uma intervenção de caráter conservador, funda-
mentada em práticas assistencialistas, pois prima pela consolidação da
ordem societária estabelecida pelos donos do capital e pela difusão da
ideologia dominante.

– 20 –
O Serviço Social como Profissão Institucionalizada

No Brasil, a institucionalização do serviço social ocorre como uma


forma de doutrinação e controle do processo de organização política do
operariado. Os operários enfrentavam condições de vida precárias, o que
gerava um clima de intranquilidade no conflito capital x trabalho, em vir-
tude de reivindicações da classe trabalhadora.
O Estado, a priori, respondia minimamente as reivindicações dos
trabalhadores; porém, com a preocupação em coibir a violência advinda
dos conflitos sociais em virtude do agravamento na situação trabalhista e
sócio-econômica dos operários, em 1930, o Governo Getúlio Vargas cria
o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
A criação do ministério abriu procedentes para a criação do salário
mínimo e, após, a criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão. Em
1943, consolida-se o Conjunto de Leis do Trabalho – CLT, conquistas dire-
cionadas aos trabalhadores urbanos. Com a criação dessas leis, o governo
brasileiro se define como regulador das leis de proteção ao trabalhador e
utiliza desses mecanismos para instituir um sistema de dominação e con-
trole do trabalhador brasileiro. É nessa conjuntura que se consolidava o
serviço social, que já tem escolas formando profissionais no Brasil desde
1936; em 1942, é criada a Legião Brasileira de Assistência – LBA. Silva
(1995, p. 10) assevera que
inicialmente voltada para o atendimento dos pracinhas da Segunda
Guerra Mundial, estruturando-se, mais tarde, como o primeiro
grande órgão de assistência pública do país, direcionado para a
maternidade e a infância.

O serviço social se institucionaliza a partir de 1940, como profissão


emergente, que expressa, em sua prática, a prestação de serviços e orien-
tação individual de cunho neotomista. Tem sua institucionalização vin-
culada ao desenvolvimento das grandes instituições estatais de assistên-
cia. Os assistentes sociais atuavam utilizando-se dos instrumentais: visita
domiciliar e técnicas de entrevistas, objetivando reforçar os interesses ins-
titucionais de reprodução e manutenção do sistema capitalista de acúmulo
de lucros, com a expropriação da classe operária.
Após a institucionalização, a formação do assistente social, que se
detinha em uma doutrina de cunho neotomista, passa então a ser pautada

– 21 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

pela eficiência, neutralidade e modernização: esses elementos vêm de


encontro ao projeto de expansão do país. Os assistentes sociais trabalham
na perspectiva de manipulação política da classe trabalhadora e na ide-
ologia de integração dos trabalhadores em busca pela modernização de
industrialização do país.
Segundo Silva (1995), o milagre econômico, advindo da moderniza-
ção do país, só é possível mediante a repressão das tensões sociais exis-
tentes. Por isso são implementados políticas e programas em que se inse-
rem os profissionais assistentes sociais, desenvolvendo ações de cunho
tradicional convergentes com o sistema capitalista e o posicionamento
desenvolvimentista. A categoria dos assistentes sociais fica responsável
pelo gerenciamento e pelo trabalho nesses programas, sob a influência da
política de governo. Uma atuação do serviço social excluída dos proces-
sos de decisão e atribuindo à prática profissional fortes características de
assistencialismo, paternalismo, subordinação e clientelismo, em relação à
distribuição de benefícios vinculados às decisões institucionais.
Sob essa perspectiva, o serviço social atuava colaborando com o
Estado na questão de disciplinar os usuários da política social, para a
busca de um consenso, quanto ao regime político instituído.

Conclusão
Neste capítulo, apontamos o surgimento do serviço social de forma
intrínseca aos interesses da classe burguesa. Como necessidade de prá-
tica profissional que interviesse nos problemas sociais, para amenizar as
mazelas sociais e controlar as reivindicações dos trabalhadores, bem como
os confrontos entre capital e trabalho. Esse cenário, como vimos neste
capítulo, favoreceu a institucionalização do serviço social como profissão.
Apreendemos, ainda, que foi a necessidade dessa prática social que con-
sequentemente abriu caminho para a criação de um espaço ocupacional
no mercado de trabalho que demandou um profissional técnico, ou seja, o
assistente social.

– 22 –
3
O Serviço Social
e as Questões do
Sistema Capitalista
Monopolista

A questão social tem seu surgimento nos conflitos existen-


tes na sociedade capitalista, entre os trabalhadores e donos dos
meios de produção (capitalistas burgueses). A exploração da
força de trabalho, os salários baixos e o fomento do exército de
reserva são fatores que contribuem para a ampliação das mazelas
sociais que atingem os trabalhadores e se traduzem nas expres-
sões da questão social.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

3.1 A Questão Social no Capitalismo Monopolista


A questão social surgiu na Europa no século XIX, com o surgimento da
sociedade capitalista e pelas grandes transformações provocadas pelo pro-
cesso de industrialização, iniciado na Inglaterra com a Revolução Industrial.
Para retratar a questão social no modelo monopólico, faz-se neces-
sário contextualizar, embora de forma breve, o processo histórico do sur-
gimento do Sistema Capitalista e a instauração da Revolução Industrial.
A questão social está relacionada, diretamente, com os problemas
sociais, políticos, econômicos e culturais que afetam a vida dos indivíduos
em sociedade. Então,
por questão social, no sentido universal do termo, queremos sig-
nificar o conjunto de problemas políticos, sociais e econômincos
que a classe operária impôs no curso da constituição da sociedade
capitalista. Assim, a questão social está fundamentalmente vincu-
lada ao conflito entre o capital e o trabalho (CERQUEIRA citado
por NETTO, 2005, p. 17).

Como vimos, anteriormente, após a constituição do sistema capita-


lista, a sociedade se compos de classes: classe burguesa, média e operá-
ria, além do segmento social marginalizado, integrante dessa sociedade. A
grande polarização ocorre entre trabalhadores (classe operária) e a burgue-
sia (capitalistas). A modernização da produção no campo (demarcação de
grandes propriedades, mecanização da agricultura, etc.) expulsa os traba-
lhadores rurais para as cidades, pela expropriação da pequena propriedade
e redução da mão-de-obra rural.
Com o êxodo rural dos camponeses para a cidade, a questão social
se agrava, pois as cidades não tinham infra-estrutura adequada, nem mer-
cado de trabalho para acolher tantas pessoas. Alastram-se pela sociedade a
miséria, a pobreza, a fome, o desemprego, as doenças, a falta de moradia,
etc. denominadas de expressões da questão social. Como afirma Iama-
moto (2002, p. 27) a
questão social apreendida como o conjunto das expressões das
desigualdades da sociedade capitalista madura que tem uma raiz
comum: a produção social cada vez mais coletiva o trabalho torna-
-se amplamente social, como a apropriação dos seus frutos man-
tém-se privada, monopolizados por uma parte da sociedade.

– 24 –
O Serviço Social e as Questões do Sistema Capitalista Monopolista

No século XX, até a década de 1960, as contradições sociais provo-


cam os conflitos e as lutas dos trabalhadores, que se organizam nos sindi-
catos para defender seus direitos, proclamados nas constituições de países
democráticos, e não efetivados.
O Estado burguês passa a atender suas reivindicações, por meio de
intensas negociações, segundo Martinelli (1993, p. 93-94), uma vez que
o próprio Estado burguês, capturado diante das evidências, passara a
considerar mais atentamente as pautas de reivindicações dos traba-
lhadores, rendendo-se à realização de negociações coletivas. A pres-
são dos trabalhadores era encarada com mais seriedade, sendo pon-
derável sua influência sobre a organização do processo de trabalho.

A situação mundial do capitalismo, no final da segunda década do


século XX, torna-se crítica: após a 1ª Guerra Mundial (1914-1918), a
queda da produção, culminando na quebra da bolsa de valores de Nova
Iorque, gera a recessão, desemprego em massa, descontentamento genera-
lizado das classes média e proletária.
Outro fenômeno concorrencial com as sociedades capitalistas hege-
mônicas europeias e a norte americana deve-se à implantação, pela Revo-
lução Social na Rússia (1917), do regime socialista, com forte crescimento
da economia planejada e coletiva, investimento na saúde e educação para
toda a população. A ideologia socialista pregava a luta internacional para
a queda do capitalismo e ascensão do socialismo (e posteriormente do
comunismo), e inúmeros países do leste europeu, na Ásia, África e Amé-
rica Central, por meio de revolução, implantam o regime socialista.

Reflita

O Comunismo: prevê a eliminação do estado e a gestão autônoma da


produção e distribuição dos bens, acredita no coletivo social, elimi-
nando as desigualdades sociais.

Após a 2ª Guerra Mundial (1940-1945), inicia-se a chamada Guerra


Fria entre as lideranças dos dois blocos hegemônicos: EUA e União Sovi-
ética, disputando adesão dos países, com fortes medidas intervencionistas
nos países em disputa.

– 25 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Reflita

Segundo Karl Marx o Socialismo é a primeira etapa para implantação


do regime comunista: há a expropriação da propriedade privada dos
meios de produção; o Estado é o grande proprietário e gestor da socie-
dade. Existem as Produções coletivas, a redução das desigualdades
sociais, a universalização da educação e do atendimento à saúde.

Nesse contexto, os países hegemônicos capitalistas, liderados pelos


EUA, inspirados na teoria econômica de Keynes (1883-1946), introduzem
medidas para novamente provocar o crescimento da economia capitalista,
com intervenção do Estado para planejamento e apoio dos investimentos
às empresas. Surge a conhecida política do bem-estar social, com ações
sociais que melhorassem as condições dos trabalhadores, entre as quais,
instituição de teto salarial, a previdência social estatal para aposentadoria
e outros benefícios. As organizações, por sua vez, com base nessa nova
filosofia, irão ampliar suas ações sociais internas e externas em favor das
equipes de trabalho e projetos sociais que reduzissem as situações de
pobreza nas localidades onde se encontram.
Novas bases do capitalismo de monopólio são lançadas, conforme
Martinelli (1993, p. 94)
nessa busca de reerguimento do capitalismo, o Estado foi assu-
mindo um papel destacado na expansão dos investimentos e do
mercado e a industrialização capitalista passou a se fazer com um
elevado grau de monopólio. Criavam-se, assim, as bases para uma
nova fase do capitalismo, o monopolista.

A política de bem-estar social, como resposta aos problemas sociais


descritos acima, implementadas por meio de políticas sociais públicas,
prestação de serviços sociais (assistenciais e previdenciários) são anali-
sadas por Iamamoto e Carvalho (2000, p. 92) apontam que
[...] Tais serviços nada mais são, na sua realidade substancial, do
que uma forma transfigurada de parcela do valor criado pelos tra-
balhadores e apropriado pelos capitalistas e pelo Estado, que é
devolvido a toda sociedade (e em especial aos trabalhadores, que
deles mais fazem uso), sobre a forma de serviços sociais. Reafir-

– 26 –
O Serviço Social e as Questões do Sistema Capitalista Monopolista

mando: tais serviços públicos ou privados nada mais são do que a


devolução à classe trabalhadora de parcela mínima de produto por
ela criado mas não apropriado, sob nova roupagem: a de serviços
ou benefícios sociais.

A partir da prestação de serviços sociais, o Estado passa a adminis-


trar as expressões da questão social, para preservar e controlar a força
de trabalho e apresenta-se como mediador de interesses e conflitos entre
classe burguesa e classe operária. Netto (2005, p. 31) afirma que “[...] a
funcionalidade essencial da política social do Estado burguês no capita-
lismo monopolista se expressa nos processos referentes à preservação e ao
controle da força de trabalho”.

Saiba Mais

As Políticas Sociais Públicas são ações de enfrentamento das expres-


sões da questão social, orientadas para o bem comum. Desenvolvidas
pelo poder público municipal, estadual e federal, com a participação
da sociedade civil. Visa à concretização de direitos garantidos por lei
por meio da distribuição de bens e serviços sociais como respostas às
demandas sociais.

3.2 A Questão Social no Brasil


do Capital de Monopólios
No Brasil a questão social tem origem com as contradições e confli-
tos ocorridos entre capital e trabalho. O aprofundamento do modelo de
monopólio instituído pelo segmento coorporativista das empresas capi-
talistas, adotado pela politica econômica de industrialização provoca o
crescimento dos problemas enfrentados pelos operários.
Esse modelo econômico adota políticas de rebaixamento de sálarios,
desemprego, manutenção do exército de reserva, fazendo com que a popu-
lação que vive do trabalho fique ainda mais empobrecida. Ocorre uma
deterioração das condições de vida da classe trabalhadora, provocando
o crescimento das mazelas sociais que afetam as classe subalternas, tais

– 27 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

como moradias impróprias, doenças, analfabetismo, alcoolismo, prostitui-


ção, trabalho infantil, exploração das mulheres, entre outras.
No Brasil, a questão social e suas expressões eram consideradas caso
de polícia e as primeiras reinvindicações das classes trabalhadoras foram
fortemente reprimidas. Segundo Silva (2002, p. 7),
apesar da questão social ser considerada sobretudo caso de polí-
cia, constituindo-se responsabilidade dos aparelhos repressivos
do Estado, registram-se várias manifestações operárias, principal-
mente de 1917 a 1920, reinvindicando melhores salários, regula-
mentação do trabalho de mulheres e menores.

As conquistas da classe trabalhadora foram acontecendo de forma


lenta e em virtude do objetivo do Estado de controlar os conflitos sociais
e conseguir consenso entre a população subalternizada. Silva (2002, p. 9)
nos assevera que
o Estado apresenta-se como catalizador geral da nação, com o
papel fundamental de incorporar a classe trabalhadora no sistema
de dominção, e o serviço social surge, nesse contexto, como um de
seus instrumentos.

A questão social no Brasil, como na Europa, surge e se expande pro-


vocada pela acumulação de lucro do capital que se utiliza da força traba-
lhadora, desencadeando a deteriorização da vida social e econômica da
população urbana subalterna.
Essa deterioração ocorre de forma acelerada e essa conjuntura desen-
cadeia uma série de situações que compõem o conjunto de problemas
sociais associados à pobreza, sendo a principal massa de trabalhadores
que compunha um tecido social faminto que percorria as ruas em busca de
alimentos ou auxílio.
A estratégia de intervenção para modificar essa situação foi a criação
de politicas de intervenção, com a prática do profissional de serviço social.
O instrumento mais utilizado pelo profissional e mais usual era a visita
domiciliar, até porque esse instrumental permitia um maior contato com
os indivíduos e a abertura para influenciar os trabalhadores ao consenso
às ideias capitalistas de acumulação. Essa estratégia também objetivava
impor um certo receio ao trabalhador, em relação à prática de reinvindica-

– 28 –
O Serviço Social e as Questões do Sistema Capitalista Monopolista

ções e ao trabalho da moral e despolitização da classe operária. Segundo


Martinelli (1993), a visita domiciliar e o inquérito com muita frequencia
eram utilizados, então, como instrumento de intimidação do trabalhador
ou de fiscalização de sua vida pessoal e familiar.
Esse processo de intevenção da profissão foi um grande trampolim
para o aumento das expressões da questão social no Brasil. O trabalho
realizado com os trabalhadores era paliativo, de cunho assistencialista.
As políticas tinham o intuito de controle e não se tinha ainda os direitos
adquiridos e instituídos para todos os brasileiros. Os problemas se agrava-
ram com velocidade para uma dimensão alarmante e o processo rígido de
controle do trabalhador era a ordem do trabalho do assistente social.
Martinelli (1993, p. 105) afirma que
a desconfiança contra os trabalhadores era grande, até mesmo seus
problemas de saúde eram encarados como estratégias para fugir
das árduas jornadas de trabalho.

O esforço concentrado do trabalho do assistente social era voltado


para garantir a participação do trabalhador no processo de aumento da
produção e, consequentemente, a ampliação do lucro do capital. Podemos,
então, apontar que neste fato se encontra o campo fecundo para o aumento
das questões sociais: as intevenções eram paliativas e não propunham a
resolução dos problemas sociais das classes subalternas.

Conclusão
Neste capítulo, aprendemos como a questão social surgiu, a partir da
expansão do capital de monopólios, tanto nos países Europeus, quanto no
Brasil. Esse modelo econômico adotado deterioriza as condições de tra-
balho das classes operárias, aumentando a condição de pobreza da popu-
lação subalterna. O modelo monopolista adotado em função da busca por
aumento do lucro traz consequências nefastas para os empobrecidos, atin-
gidos pelas expressões da questão social, tais como: desemprego, baixos
salários, alcoolismo, trabalho infantil, exploração das mulheres, doenças,
entre outras.

– 29 –
4
A Atuação do Estado

Neste capítulo, vamos discutir a atuação do Estado no capi-


talismo monopolista. O Estado se constitui como instrumento de
preservação e controle da força de trabalho, por meio de políticas
públicas sociais para assegurar o desempenho dos trabalhadores
e para garantir o acúmulo de lucros para os donos do capital.
O Estado também intervém na administração das expres-
sões da questão social, para minimizar as mazelas sociais provo-
cadas e geradas pelo modo de produção capitalista, em sua fase
monopolista. No modelo monopólico, a inserção do indivíduo no
mercado de trabalho é de sua responsabilidade, sendo o fracasso
ou o sucesso com o trabalho atribuído ao indivíduo. Conforme
os autores trabalhados neste capítulo (IAMAMOTO, 2002;
NETTO, 2005), o Estado foi capturado pela lógica do modelo
monopólico e sua missão maior é propiciar condições necessá-
rias para asegurar a acumulação e a valorização do capital.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

4.1 O Estado e o Capitalismo Monopolista


Com a implantação do modelo monopólico de sociedade, a questão
social ganha maior dimensão, exigindo, por parte do Estado, respostas
de enfrentamento aos problemas sociais existentes. O Estado vai intervir
junto à classe empobrecida, para diminuir as mazelas sociais geradas pelo
modo de produção capitalista.
Em conformidade com Netto (2005), no modelo monopólico, o
Estado atua na organização econômica e sua função visa atender aos inte-
resses da classe dominante e contribuir diretamente para assegurar o acú-
mulo de lucros para os donos do capital.
Para alcançar o aumento dos lucros, pelo controle do mercado, o
monopólio vai intervir na atuação do Estado, procurando redimensioná-la.
O Estado detém o poder extra-econômico e, desde a ascensão da burgue-
sia, ele já intervinha no processo econômico capitalista. Importa ressaltar
que, nessa época, o Estado se apresentava como árbitro. Segundo a con-
cepção de Karl Marx, o Estado se apresentava e atuava como guardião e
garantidor da propriedade privada e intervinha na sociedade sempre que
os objetivos da burguesia fossem ameaçados.
Para Karl Marx, o Estado significa uma forma de dominação criada
pelos capitalistas, para manter a maioria submetida aos seus interesses e
determinações. Nessa perspectiva marxista, o Estado representa os inte-
resses da classe dominante, de modo que se utiliza, inclusive, da força
para garantir a ordem social existente.
Para atender os interesses do capitalismo monopolista, o Estado
assume funções diretas e indiretas.
a) Funções diretas:
22 insere-se como empresário e oferece, a baixo custo, energia
elétrica;
22 privatiza as instituições públicas para subsidiar o monopó-
lio para garantir seus lucros.
b) Funções indiretas:
22 investe em meios de transporte;

– 32 –
A Atuação do Estado

22 oferece infra-estrutura;
22 prepara a força de trabalho.
Netto (2005) certifica que o Estado foi capturado pela lógica do
modelo monopólico, tendo como missão precípua propiciar condições
necessárias para a acumulação e valorização do capital. Para tanto, ocorre
uma integração entre os aparatos privados do sistema capitalista monopo-
lista e as instituições do Estado. Essa integração prima por uma atuação
do Estado, em defesa dos interesses da burguesia em detrimento da defesa
dos interesses da classe trabalhadora.
Para garantir a legitimação do modelo monopólico, o Estado passa
a atuar, também, como instrumento de preservação e controle da força
de trabalho, garantindo direitos civis e sociais para a classe trabalhadora.
Dessa forma, o Estado assegura o desempenho dos trabalhadores, por
meio de políticas públicas sociais, para aumentar os lucros do capital.
Assim, Iamamoto (2002, p. 80) expõe que
esse processo é acompanhado de uma radicalização do poder
burguês, por intermédio do “Estado autocrático-burguês”, que
é fortalecido, concentrando a ação reguladora das relações
sociais e a capacidade de gerir a economia. Torna-se a reta-
guarda necessária à iniciativa privada na dinamização da acu-
mulação capitalista monopolista.

Ao atender às reivindicações da classe operária, a partir de suas mobi-


lizações, o Estado propicia a essa classe o sentimento de que é representada
por ele. Essas reivindicações são atendidas de forma fragmentada e ime-
diatista e são resultantes da luta de classes entre burguesia e trabalhadores,
por meio de grandes mobilizações dos operários que, ao serem atendidas,
o alvo principal será revertê-las em benefícios para o capital monopolista.
Na relação com a sociedade, o Estado vai atuar de diferentes for-
mas, de modo a manter a estabilidade e garantir o bem-estar dos cidadãos.
Todavia, quando se observa a organização de indivíduos e grupos contrá-
rios à ação do Estado em determinadas situações, estabelece-se o conflito.
É o que ocorre na relação com os movimentos reivindicatórios da classe
trabalhadora, especialmente quando se refere aos mais combativos e ques-
tionadores da ordem social imposta pelo sistema capitalista.

– 33 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Na perspectiva de Karl Marx, a sociedade é o lugar de embates e de


conflitos políticos e econômicos, onde os indivíduos convivem, divididos
em classes sociais, com projetos societários antagônicos, tendo como fator
preponderante as relações estabelecidas em torno do trabalho.
Na sociedade capitalista há uma tensão, que faz com que haja uma
luta constante entre aqueles que dominam os meios de produção, os
quais, para atender os seus interesses, exploram a classe dominada. Nesta
perspectiva, no capitalismo monopolista, o Estado passa a intervir como
mediador entre interesses dominantes e os interesses das classes subalter-
nas. Para mediar os conflitos existentes entre as classes, o Estado atua na
administração das expressões da questão social, para preservar e controlar
a força de trabalho e garantir que os interesses do capitalismo monopolista
sejam garantidos.
As contradições sociais são mediadas pelo Estado, a partir da ide-
ologia do capitalismo, em que prevalecem os interesses de uma classe
sobrepondo-se à maioria. Diante dessa situação, os trabalhadores são sub-
metidos a uma forma de vida em que são preparados apenas para manter
um sistema. No modelo monopólico, o sucesso do trabalho é de respon-
sabilidade do trabalhador. Se este não consegue inserir-se no mercado a
culpa é dele.
Ainda que o Estado implemente políticas públicas voltadas para aten-
der as sequelas da questão social, enfrentadas pelos trabalhadores, como o
desemprego, no modelo monopólico o fracasso ou o sucesso com o traba-
lho é atribuído ao indivíduo. Netto (2005, p. 35-36) esclarece que
[...] A ordem burguesa supõe necessariamente que, em última ins-
tância, o destino pessoal é função do indivíduo como tal; a conse-
quência inelutável é que tanto o êxito como os fracassos sociais
são creditados ao sujeito individual tomado como mônada social.
[...] A criação pela via de ações públicas, de condições sociais para
o desenvolvimento dos indivíduos não exclui sua responsabilidade
social e final pelo aproveitamento ou não das possibilidades que
lhes são tornadas acessíveis [...].

No capitalismo monopolista predomina a ótica do individualismo,


em contraposição à ótica da coletividade. Os problemas sociais são atri-
buídos ao indivíduo, pois o mesmo é livre para buscar e aproveitar as

– 34 –
A Atuação do Estado

possibilidades de desenvolvimento sociais que lhes são oferecidas por


meio do Estado. Netto (2005, p. 36), afirma que “[...] o Estado burguês
no capitalismo monopolista converte às refrações da questão social em
problemas sociais” com caráter individualista.

Conclusão
Neste capítulo, você aprendeu que, com o modelo monopólico de
sociedade, a questão social se agravou, o que exigiu, por parte do Estado,
respostas de enfrentamento aos problemas sociais existentes, para dimi-
nuir as mazelas sociais geradas pelo modo de produção capitalista. A atu-
ação do Estado contribui diretamente para assegurar o acúmulo de lucros
para os donos do capital. O monopólio intervém na atuação do Estado, o
qual passa a assumir funções diretas e indiretas. Nas funções diretas, o
Estado insere-se como empresário, oferecendo, a baixo custo, alguns ser-
viços. Privatiza as instituições públicas para subsidiar o monopólio para
garantir seus lucros. Nas funções indiretas, o Estado investe em serviços
diversificados. Dessa forma, o Estado é capturado pela lógica do modelo
monopólico e sua missão precípua é propiciar condições necessárias para
a acumulação e valorização do capital.
O Estado atua, também, como instrumento de preservação e controle
da força de trabalho, por meio de políticas públicas sociais para assegurar
o desempenho dos trabalhadores. O Estado atende às reivindicações da
classe operária, a partir de suas mobilizações e, assim, propicia a essa
classe o sentimento de que é representada por ele. No entanto, essas rei-
vindicações são atendidas de forma fragmentada e imediatista. O Estado
também intervém na administração das expressões da questão social. No
modelo monopólico, o sucesso do trabalho é de responsabilidade do tra-
balhador. O fracasso ou o sucesso com o trabalho é atribuído ao indivíduo.

– 35 –
5
O Serviço Social
como Prática Social

Neste capítulo, vamos conhecer o processo de surgimento


do serviço social como prática social e sua contribuição no con-
trole da força de trabalho, bem como no atendimento aos proble-
mas sociais provocados pelo sistema capitalista.
O Serviço Social, como prática social, surge com o advento
do modo de produção capitalista. Este serviço é desenvolvido
por agentes leigos que têm como missão maior defender os inte-
resses dos donos do capital. O Serviço Social contribui com o
capitalismo difundindo, junto à classe trabalhadora, a ideia de
que o trabalhador, para garantir sua sobrevivência, deve vender
sua força de trabalho e aceitar todas as condições de exploração
do trabalho impostos pelos donos do capital.
O Serviço Social, como prática social, é uma estratégia do
modo de produção capitalista, para se legitimár como sistema
hegemônico e alcançar seus interesses de acúmulo de riquezas.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

5.1 O Capitalismo e a Exploração


da Força de Trabalho
O Serviço Social, antes de ocupar espaço no campo universitário, já exis-
tia como prática social que respondia às demandas do sistema capitalista, no
atendimento da questão social, aberta pela exploração da força de trabalho.
Martinelli (2006, p. 53) afirma que o sistema capitalista é um “[...]
Modo de produção profudamente antagônico e pleno de contradições,
desde o início de sua fase industrial instituiu-se como um divisor de águas
na história da sociedade e das relações ente os homens”.
O capitalismo sempre utilizou estratégias, para alcançar o seu maior
interesse: acumular lucros. A expoloração da força de trabalho era uma
das estratégias, pois, conforme Martinelli (2006, p. 55)
visualizando a classes trabalhadora como um mero atributo do
capital, como um modo de existência deste, os capitalistas não
hesitavam em criar formas coercitiva de recrutamento do opera-
riado e de sua abusiva exploração.

A exploração da força de trabalho ganha maior dimensão, a partir da


Revolução Industrial, que se expande pelo mundo no século XIX e que
demandou intensiva mão-de-obra. Martinelli (2006, p. 57) afirma que
durante praticamente toda a primeira metade do século XIX, a bur-
guesia se utilizou seu poder de classe para manipular livremente
salários e condições de trabalho. Apoiando-se em um antigo dis-
positivo legal, cujas origens remontavam a longínquas épocas da
história da humanidade – Estatuto dos Trabalhadores, de 1349, que
proibia reclamações de salário e de organização do processo de
trabalho –, excluía o trabalhador das decisões sobre sua própria
vida trabalhista.

Os trabalhadores, que se recusavam a vender sua força de trabalho


para os capitalistas, poderiam ser recolhidos em casas de correção, que
ofereciam como penalidades a restrição alimentar, os trabalhos forçados,
entre outros. O estatuto do trabalhadores de 1349 assegurava às autorida-
des locais o direito de determinar o valor do salário a ser pago ao traba-
lhador, bem como formas de coerção para recrutamento de mão-de-obra.
Martinelli (2006, p. 57) afirma que

– 38 –
O Serviço Social como Prática Social

as alternativas do trabalhador empobrecido, em face das condições


de trabalho que os donos do capital estabeleciam, eram sombrias:
ou se rendia à lei geral da acumulação capitalista, vendendo sua
forção de trabalho a preços de concorrências cada vez mais vis,
ou capitulava diante da draconiana legislação urbana, tornando-
-se dependente do Estado, e no mesmo instante, decrarado não-
-cidadão, ou seja, indivíduo destituído de cidadania econômica, da
liberdade civil.

A força de trabalho, no modo de produção capitalista, foi mercantili-


zada. O trabalhador foi obrigado a vender sua mão-de-obra para os donos
do capital e se submeter a todo o processo de exploração do trabalho. Esse
processo implicou na organização da classe trabalhadora contra as formas
de exploração impostas pelo capitalismo. Os trabalhadores se organiza-
vam por meio de movimentos sindicais reivindicatórios, que tinham como
bandeira de luta as questões trabalhistas, como regulamentar a jornada de
trabalho que na época chegava a 14 horas diariamente. Assim Martinelli
(2006, p. 59) assevera que
as questões sindicais e trabalhistas continuavam, porém, a animar
o movimento operário que prosseguia em sua marcha, predomi-
nantemente sob o signo da prática sindical. Assim nenhuma das
medidas propostas pela legislação trabalhista, ao longo desse perí-
odo, significou uma concessão do poder público ou dos donos do
capital. Todas decorreram de árduas e complexas lutas e negocia-
ções dos trabalhadores.

Contamitantemente com a exploração da força de trabalho, o sistema


capitalista provocou inúmeros problemas sociais, decorrentes do cresci-
mento exorbitante da população urbana, visto que as cidades não tinha
infra-estrutura adequadas para comportar tantas pessoas. Assim, se alastra
pela sociedade uma crescente pobreza acompanhada da fome, de doenças,
de moradia precárias entre outros problemas. Todos os problemas sociais
são denominados de esxpressões da questão social.
Com o afloramento da questão social e, consequentemente, a mobili-
zação da classe trabalhadora por melhores condições de trabalho e sobre-
vivência, a burguesia passou a utilizar-se de estratégias para conter as rei-
vindicação dos trabalhadores, pois
obsecada por um pensamento fixo – o de expandir e consolidar
o modo burguês de produção, tornando-o irreversível -, a bur-

– 39 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

guesia se mantinha sempre em busca de estratégias e táticas que


pudessem viabilizar a consecussão de seus objetivos. A estrutura
petrificada de sua consciência erguia-se como uma verdadeira
muralha, através da qual tentava-se isolar-se e proteger-se dos
inúmeros problemas sociais produzidos pela expansão do capi-
talismo, injusto regime que se nutre do que suga do trabalhador,
da crescente exploração de sua força de trabalho (MARTINELLI,
2006, p. 60).

Várias são as estratégias utilizadas pela burguesia para conter a luta


da classe trabalhadora: primeiramente, ela leva essa luta para o âmbito da
legislação; depois, para o campo ideológico, propiciando condições para
o surgimento do serviço social como prática social.

5.2 Estratégias do Capitalismo para


alcançar seus Interesses
Para conter as reivindicações dos trabalhadores, “as classes dominan-
tes procuram direcionar as lutas populares, enquadrando-as no âmbito da
legislação burguesa, cuja tramitação e controle cabem ao Estado” (CAS-
TRO 2003, p. 45).
Ao perceber a necessidade de conter o movimento de luta da classe
trabalhadora, a burguesia criou leis para atender às reivindicações dos
trabalhadores, como regulamentar a jornada de trabalho. O objetivo era
resolver ou apasiguar os problemas e continuar alcançando seus objetivos:
aumentar suas riquezas. No entanto, conforme aponta Castro (2003, p. 46),
aquela legislação se foi definindo sob a aparência de conseções
burguesas – e, mesmo constituindo conquista popular, permite à
burguesia canalizar o protesto do povo e perceber que, se adquiri-
rem maior dimensão, aqueles germes de organização e combativi-
dade tornar-se-ão de difícil controle.

Essa legislação atendeu em especial aos interesses do capital e não


conseguiu conter a luta dos trabalhadores por melhores condições de
sobrevivência. A classe operária teve que se organizar, em função da
sua condição de assalariada e vendedora de sua única mercadoria (sua
força de trabalho), passando sua vida a ser dirigida conforme sua con-
dição de proletário.

– 40 –
O Serviço Social como Prática Social

O processo de adaptação a essa nova vida exigia profissionais para exer-


cer a função de adaptá-los à sua nova condição de assalariado. Assim, emerge,
no cenário da sociedade capitalista, o serviço social para assumir uma prática
social para controlar a força de trabalho e minimizar os problemas sociais.
Ao perceber que a luta de classe não poderia ganhar maior dimensão,
pois prejudicaria a legitimação do capital, o grupo hegemônico levou a
luta para o campo ideológico, visando a instaurar, na sociedade, mecanis-
mos de intervenção para dar continuidade ao desenvolvimento do capital.
É a partir dessa lógica de intervenção do capital que derivam critérios para
o desenvolvimento do serviço social. Para Martinelli (2006, p. 67),
[...] O serviço social era, pois, na verdade, um importante ins-
trumento da burguesia, que tratou de imediato de consolidar sua
identidade atribuída, afastando-o da trama das relações sociais, do
espaço social mais amplo da luta de classes e das contradições que
as engendram e são por ela engendrada.

Portanto, o Serviço Social, como prática social, teve a missão de difundir,


no seio das famílias proletárias, a ideia de que o trabalhador era o vendedor
de sua força de trabalho e, ainda, de conscientizar os trabalhadores a aceitar as
condições de exploração impostas pelos donos do capital. A competência do
serviço social seria a de difundir a ideologia da classe dominante para, assim,
contribuir para a consolidação e legitimação do sistema capitalista.

5.3 A Prática Social como Mecanismo


de Controle da Força de Trabalho
As relações entre classe burguesa e classe trabalhadora são marcadas por
interesses antagônicos. De um lado, a burguesia, detentora dos meios de pro-
dução e das propiedades privadas, para se legitimar como classe dominante e
aumentar cada vez mais suas riquezas, utiliza, como estratégia, a exploração
da força de trabalho. Do outro lado, a classe trabalhadora, detentora da força
de trabalho, para sobreviver precisa vendê-la para os donos do capital e, ao
mesmo tempo, ir de encontro com todas as formas de exploração do trabalho.
Os trabalhadores se unem para reivindicar condições dignas de trabalho, salá-
rios justos e denunciar os problemas sociais de diversas naturezas, gerados
pelo sistema capitalista. Nesta perspectiva, Martinelli (2006, p. 84) afirma que

– 41 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

as relações marcadamente antagônicas entre as classes determina-


vam um clima de tensão permanente na sociedade, onde interesses
contrapostos chocavam-se, produzindo consideráveis impactos
sociais. Tais impactos [...] com o adensamento da “questão social”
passavam a lhe trazer viva preocupação, adquirindo mesmo o sig-
nificado de um perigo iminente [...]. Temerosa e assustada, a classe
dominante procurava pensar estatégias que contivessem as amea-
ças que colocavam em risco as suas propriedades, e, no limite, o
própirio regime que as legitimava.

Para conter a mobilização da classe trabalhadora e o alastramento


dos problemas sociais, uma das estratégias da burguesia foi a criação
da Sociedade de Organização da Caridade, na Inglaterra, em 1869. Essa
Sociedade tinha como finalidade desenvolver ações assistenciais junto
à classe trabalhadora. Segundo Martinelli (2006), as ações desenvolvi-
das pela Sociedade de Organização da Caridade não foram legitimadas
pelos trabalhadores, uma vez que não respondiam a suas reivindica-
ções trabalhistas, bem como considerava a pobreza como problema de
caráter. Enfim, a Sociedade utilizava-se da assistência para controlar a
pobreza e corrigir as disfunções sociais. Embora não contando com o
apoio da classe trabalhadora, a Sociedade de Organização da Caridade
se expandiu no controle da pobreza e da miséria. Assim, como ensina
Martinelli (2006, p. 87),
a Sociedade de Organização da Caridade passou a incluir as ques-
tões de saúde em sua área de atuação. A ação social desejada pela
burguesia nessas décadas finais do século XIX, quando buscou a
aproximação com o Estado e tratou de fortalecer as alianças com
os agentes sociais, transcendia, porém, as questões particulares, ou
das situações específicas. O que preocupava era o processo social,
sobre o qual desejava exercer um controle mais rigoroso.

A burguesia faz uma aliança com o Estado, para garantir sua hege-
monia e, assim, assume a “direção da prática social, fazendo da Sociedade
de Organização da Caridade e de seus agentes os modernos guardiões da
questão social” (MARTINELLI, 2006, p. 87).
Ainda, de acordo com Martinelli (2006), os donos do capital, com o
auxílio dos agentes, dominavam a prática social que atendia, exclusiva-
mente, aos interesses da burguesia e contribuía para reproduzir as relações
sociais de produção capitalista.

– 42 –
O Serviço Social como Prática Social

Os agentes sociais tinham a missão de difundir a ideologia dominante


junto à classe trabalhadora, com o intuito de mascarar a luta e as contradi-
ções de classes e propagar uma sociedade homogênea e harmônica. Assim,
esvaziada de suas dimensões fundamentais, de construção histó-
rica, de tempo e movimento, distanciada da luta de classes e do
processo histórico real, a identidade atribuída, qual um amál-
gama, fixo e petrificado, composto pelos desejos e aspirações da
classe dominante, passou a determinar o percurso da prática social
(MARTINELLI, 2006, p. 88).

A prática social dos agentes foi direcionada para o controle dos pro-
blemas sociais e para conter as reivindicações da classe trabalhadora. Com
essa finalidade, cada vez mais eram fortalecidos os vínculos da prática
social com os interesses da classe dominante.

Conclusão
Você aprendeu neste capítulo que o serviço social, antes de ocupar
espaço no campo universitário, já existia como prática social para aten-
der aos interesses do sistema capitalista e contribuir com a expoloração
da força de trabalho. Juntamente com a exploração da força de trabalho,
o sistema capitalista provocou inúmeros problemas sociais, resultado do
crescimento descontrolado das cidades. Alastraram-se pela sociedade pro-
blemas como pobreza, fome, doenças, moradias precárias, entre outros.
Todos esses problemas sociais provocaram a mobilização da classe traba-
lhadora por melhores condições de trabalho e sobrevivência. A burguesia,
para se legitimar como classe hegemônica passou a utilizar estratégias
para conter as reivindicação dos trabalhadores. Uma de suas estratégias é
serviço social como prática social.
Antes do surgimento do serviço social, as classes dominantes procu-
raram direcionar as lutas populares para âmbito da legislação. No entanto,
essa legislação não conseguiu conter a luta dos trabalhadores. Para con-
ter a mobilização da classe trabalhadora e o alastramento dos problemas
sociais, uma das estratégias da burguesia foi a criação da Sociedade de
Organização da Caridade, na Inglaterra, em 1869, para desenvolver ações
assistenciais junto à classe trabalhadora.

– 43 –
6
O Papel da Igreja
Católica

Neste capítulo, vamos conhecer o papel desempenhado pela


igreja católica para o surgimento do serviço social. A igreja vai indi-
car a necessidade de intervenção nas expressões da questão social,
geradas pelo modo de produção capitalista. Essa intervenção se
realiza pelo serviço social, por meio de uma Ação Social, tendo
como base a caridade e a filantropia, defendidas pela doutrina social
da igreja católica. O Serviço Social passa a ser um instrumento da
igreja, paraatender aos interesses do sistema capitalista, no sentido
de controlar os movimentos reivindicatórios da classe trabalhadora.
A igreja também busca recuperar sua hegemonia como enti-
dade que orientava a vida em sociedade, visto que esta hege-
monia estava sendo ameaçada com os movimentos socialistas.
Vamos conhecer as influências das Encíclicas Papais Rerum
Novarum e Quadragésimo Anno, nas relações sociais, no modo
de produção capitalista.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

6.1 A Igreja Católica e o Surgimento


do Serviço Social
A Igreja Católica desempenhou um impotante papel no surgimento
do Serviço Social. De acordo com Castro (2003), a Igreja Católica exer-
cia, junto à sociedade, a função de elaborar as diretrizes gerais de com-
preensão dos problemas sociais que afetavam os operários, estabelecendo
normas para o exercício da fé cristã-católica, de forma doutrinária.
A prática social do serviço social era realizada a partir da doutrina
da igreja católica, que contribui com o Estado e com seus agentes cola-
boradores na organização da força de trabalho. Nesse processo, conforme
demonstra Castro (2003, p. 97),
cabia à igreja – a partir de seu ponto de vista particular – ser a
força moral orientadora deste processo, ser o justo meio que dire-
cionasse o destino da humanidade com o seu discurso caritativo e
bondoso, com a entrega incondicional de seus militantes, evitando
– tanto quanto possível – que o cientificismo e pragmatismo bur-
gueses, ou o ameaçador “materialismo” socialista, se colocassem
como alternativas ao evangelho católico.

Os agentes leigos da Igreja Católica desenvolveram um Serviço


Social, por meio de uma ação social de cunho assistencialista para conter
a luta dos movimentos de reivindicação dos trabalahdores por melhores
condições de trabalho. O Serviço Social tinha uma atuação fundamentada
na ação católica de orientar os trabalhadores a se organizarem, em função
da sua condição de assalariado, com vistas à sua adaptação como vende-
dor de sua força de trabalho para os donos do capital. Iamamoto (2002, p.
20) afirma que
o serviço social aparece aos militantes desses movimentos sociais
como um alternativa profissionalizante às suas atividades aposto-
lado social, num momento de profundas transformações sociais e
políticas. A Ação Social e Ação Católica logo se tornam uma das
fontes preferenciais de recrutamento desses profissionais.

A Igreja Católica partia de uma visão messiânica, que tinha, como


objetivo último, recristianizar a classe trabalhadora, que naquela época
estava recebendo orientações dos movimentos socialistas contra a explo-
ração da força de trabalho e com bases a-religiosas.

– 46 –
O Papel da Igreja Católica

Saiba Mais

Messianismo é um termo derivado da palavra hebraica mashiach (o


ungido pelo senhor). O messianismo caracteriza movimentos sociais
que esperam a chegada ou o retorno do enviado divino com vistas a
criar um mundo equilibrado de paz e justiça.

Segundo Castro (2003), para recristianizar a sociedade, a igreja pro-


pôs uma reforma social, orientada por um discurso político de cunho
humanista e antiliberal. O que a igreja pretendia, também, era recuperar
sua hegemonia política e ideológica que, na época, estava sendo ameaçada
pela mobilização provocada pelos movimentos sociais.
Para recuperar sua hegemonia e conquistar um outro espaço de inter-
venção no Estado Moderno, a igreja utilizou-se também das Encíclicas
Papais Rerum Novarum, divulgada pelo papa Leão XIII, em 15 de maio de
1891, e Quadragésimo Anno, divulgada pelo papa Pio XI, em 15 de maio
de 1931, justiçadas pela questão social.

Saiba Mais

Encíclica é uma Carta Circular Pontifícia. É uma carta do papa da Igreja


Católica Apostólica Romana a todos os bispos do mundo ou de deter-
minada nação (SANTOS, 1994).

6.2 O Papel da Encíclica Rerum Novarum


A Rerum Novarum foi divulgada no período de implantação do
processo de industrialização, que propiciou grandes transformações nas
relações de trabalho e inúmeros problemas sociais. Esse contexto foi
marcado pelo acirramento da luta do movimento operário por melhores
condições de trabalho.
Na época de divulgação da Rerum Novarum, deu-se o processo
de profissionalização do serviço social. Nesse período, o serviço social

– 47 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

começou a ter uma formação profissional de nível superior, pois até então
existia apenas como prática social.
Segundo Castro (2003), a encíclica Rerum Novarum salientou as for-
mas de exploração da força de trabalho e, com isso, a necessidade de se
tocar na questão social. Essa tarefa, segundo a enciclíca, competia à igreja,
pois ela tinha como luta propiciar à sociedade o bem comum. Ao mesmo
tempo que a encíclica critica a acumulação capitalista e a insensibilidade
dos donos do capital, enfrenta as propostas dos movimentos socialistas
realizados pelos trabalhadores, com a defesa do direito da propriedade
privada. Conforme aponta Castro (2003, p. 52-53),
a encíclica salienta as formas de exploração da força de trabalho
assalariada, que permitiriam a acumulação capitalista. E se é certo
que critica a insensibilidade dos homens riquíssimos e opulentos,
ela tem, igualmente, o objetivo de enfrentar as propostas socia-
listas que, à época, ganhava numerosos adeptos nas fileiras do
movimento operário, defendendo a propriedade privada, pilar fun-
damental das relações de produção capitalista. De acordo com a
encíclica, o direito à propriedade é um direito natural que procede
da generosidade divina: quando Deus concedeu a terra ao homem
– diz – , fê-lo para que use e desfrute sem que isto se oponha em
qualquer grau, à existência humana.

A Encíclica, comenta o mesmo autor, afirmou que a propriedade pri-


vada é um direito natural, dado por Deus e que a vontade divina é inques-
tionável. Sendo a terra um direito natural, só depende dos esforços dos
homens para adquirí-la. Nesta perspectiva, a Rerum Novarum aprova a
desigualdade social, visto que, nessa época, as propriedades privadas se
encontravam nas mãos dos capitalistas.
A Rerum Novarum defendeu, também, que o Estado estava sujeito à von-
tade de Deus e, assim, os socialistas não podiam lutar contra o Estado, pois
estariam contra a vontade divina, pois, de acordo com Castro (2003, p. 54),
assim como a propriedade é um direito natural outorgado e reco-
nhecido pela divindade, a organização do Estado e da sociedade
está sujeita à vontade de Deus – por isto, quando os socialistas
lutam contra o Estado operam “contra a justiça natural”.

Para Castro (2003), a Rerum Novarum defende que a desigualde é


natural e conveniente à coletividade, visto que é necessária a variedade de

– 48 –
O Papel da Igreja Católica

talentos e ofícios. Para a igreja, Deus tinha premiado alguns com riqueza
e outros com miséria. A igreja defende que as classes burguesa e operária
precisavam estar sempre em harmonia.
A Igreja pregava que a relação conflituosa entre capital e trabalho deve
buscar soluções conforme os desígnios da religião cristã, uma vez que só
ela pode trazer a união entre as classes. Capital e proletários precisavam
celebrar a compra e a venda da força de trabalho, submetendo-as à lógica e
leis do mercado. Nessa perspectiva, Castro (2003, p. 57) aponta que
o operário deveria contribuir para a conciliação de classe, aceitando
disciplinadamente a sua condição de explorado e, por consequência,
não só se negar a participar nos movimentos que pudessem atentar
contra a segurança do capital, mas, mais ainda: deveria militar con-
tra eles, especialmente contra as organizações sindicais proletárias,
emergentes graças aos influxos do pensamento anarco-socialista.

A Rerum Novarum traz também, no seu discusso, recomendações de


comportamento para os empresários no tratamento com os trabalhadores.
A Encíclica defende que os empresários devem ser piedosos com os ope-
rários no que se refere à exploração da força de trabalho e ao pagamento
de salários justos, pois oprimir os indigentes em benefício próprio e explo-
rar a pobreza alheia para maiores lucros é contrário a todo direito divino
e humano (CASTRO, 2003). O objetivo da igreja era humanizar a relação
entre os donos do capital e os trabalhadores e, assim, contribuir para trazer
a união e a concórdia entre as classes.
A Rerum Novarum indica, ainda, a necessidade do Estado intervir na
defesa e promoção dos intereses dos operários. Para este fim, na encíclica
“recomendava-se a criação de associações e outras entidades semelhantes,
que permitissem atender às necessidades tanto do operário e de sua família
[...]” (CASTRO, 2003, p. 59).
Portanto, a Encíclica Rerum Novarum é um documento de cunho
político, que tem, como finalidade, enfrentar as propostas do movimento
socialista, que, segundo o pensamento da igreja, iam de encontro a todas
as recomendações divinas. A Encíclica discute as relações de trabalho, no
modo de produção capitalista, com foco na exploração da força de traba-
lho e sugere normas e condutas para os empresários e para o Estado no
tratamento com os trabalhadores.

– 49 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

6.3 O Papel da Encíclica Quadragésimo Anno


A Quadragésimo Anno, em 1931, foi divulgada em comemoração
aos quarenta anos da Rerum Novarum. Ela traz as mesmas recomendações
da Rerum Novarum, mas de forma mais expressiva, tendo em vista que,
naquela época, a questão social tinha se agravado.
A Quadragésimo Anno, em seu discurso, recomendava normas de
comportamento para os empresários e para a classe operária. Para Castro
(2003), a encíclica se constitui como um código de deveres para favorecer
a união entre as classes, para assim reinar entre operários e capitalistas a
concórdia e a paz.
No modo de produção capitalista, o trabalhador não tem outra opção
para manter sua sobrevivencia a não ser vender sua força de trabalho para os
donos do capital, que utilizam-se dessa situação de dependência para mas-
carar uma falsa liberdade de compa e venda da força de trabalho. No que
concerne à liberdade dos trabalhadores, Castro (2003, p. 57) observa que
[...] a mensagem papal parte da ideia de que o operário faz uso da
liberdade ao aceitar o jugo do capital. Juridicamente isto é certo,
mas se trata de uma liberdade sem opção – a única maneira de
exercê-la é entregar-se ao dono do capital, que se beneficia daquela
“liberdade”. O capital, aliás, demanda este pré-requisito: necessita
que o operário, portador da mercadoria força de trabalho, esteja
livre da posse de meios de produção e liberado juridicamente de
qualquer servidão, para celebrar com ele um contrato de compra e
venda (força de trabalho versus salário) submetido totalmente às
leis do mercado, ao sacrossanto jogo da oferta e da procura.

A Igreja Católica, por meio do serviço social, contribui com o sistema


capitalista para difundir, junto aos operários, a necessidade de aceitar o
jugo do capital, sendo este jugo necessário para garantir a sobrevivência
dos trabalhadores.
Em 1925, na I Conferência Internacional da Igreja Católica, que
aconteceu em Milão, na Itália, foi criada a União Católica Internacional
de Serviço Social (UCISS), formada pelos grupos de escolas de serviço
social e pelas Associações de Auxiliares Sociais. O objetivo da UCISS
era destacar, junto à sociedade, a necessidade do serviço social, por meio
de uma concepção católica e, nessa perspectiva, contribuir para o avanço

– 50 –
O Papel da Igreja Católica

da profissão. Isso estimulou a criação de escolas de serviço social, sob a


influência do catolicismo. A Encíclica Quadragésimo Anno passou a ser,
por meio da UCISS, um centro de difusão da doutrina católica.
Nessa perspectiva, Castro (2003, p. 61) salienta que
no que se refere ao serviço social, recomendamos que, em 1925,
fundou-se em Milão (Itália), por ocasião da I Conferência Inter-
nacional da União Católica Internacional de Serviço Social
(UCISS), que compreendia duas seções: o Grupo de escolas de
serviço social e as Associações de Auxiliares Sociais, sendo o pro-
pósito de ambas enfatizar a necessidade e a eficência do serviço
social no mundo, assim como dar a conhecer a sua concepção
católica e assegurar o seu avanço – o que, na prática, significou o
estímulo à criação de escolas de serviço social em todo âmbito de
influência do catolicismo.

A UCISS colocava, em suas conferências, o debate do trabalho pro-


fissional do assistente social, tendo como tema O serviço social como
realizador da nova ordem cristã.
Castro (2003) certifica que a Igreja Católica, por meio da Quadragésimo
Anno, contribuiu para recuperar, junto às profissões, e, nesse caso, o ser-
viço social, os aspectos técnicos para dar eficiência ao trabalho assistencial,
estimulando os profissionais para ampliar seus estudos. Isso fez com que
a igreja estimulasse diretamente a criação de centros de formação superior
para modernizar o serviço social, na superação do trabalho leigo e voluntário.
Para o desempenho do trabalho social, fazia-se necessário uma formação
sistematizada, a partir do conhecimento de algumas disciplinas, bem como o
manejo de instrumentais técnicos. Castro (2003, p. 67) assevera que
a modernização, que significava para o serviço social a ocupação
de um lugar no esquema da educação superior [...] ademais, teve
um impacto particular, pois o reconhecimento social que alcançou
proporcionou-lhe uma base nova e mais ampla para a sua ação.

Com as recomendações das Encíclicas a Igreja Católica visava pro-


mover uma conciliação de classes, entre a classe burguesa e a classe ope-
rária. Foi naquela conjuntura histórica e política que o serviço social foi
encontrando seu espaço de intervenção, assumindo uma prática caritativa
e assistencial, fundamentada nos dogmas e ensinamentos da Doutrina
Social da Igreja.

– 51 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Conclusão
Neste capítulo, você conheceu o papel desempenhado pela igreja
católica no surgimento do serviço social. A prática social do serviço social
era realizada a partir da Doutrina da Igreja Católica e contribuiu com o
Estado na organização e controle da força de trabalho. O Serviço Social
era desenvolvido por meio de uma ação social de cunho assistencialista
para conter a luta dos movimentos de reivindicação dos trabalahdores por
melhores condições de trabalho.
Vimos ainda que a igreja católica partia de uma visão messiânica,
que tinha como objetivo último recristianizar a classe trabalhadora. A
igreja utilizou-se das Encíclicas Papais Rerum Novarum e Quadragésimo
Anno para recuperar sua hegemonia e conquistar um outro espaço de
intervenção no Estado Moderno.
A Rerum Novarum foi divulgada no período de implantação do pro-
cesso de industrialização. A Quadragésimo Anno, em 1931, foi divulgada
em comemoração aos quarenta anos da Rerum Novarum e, em seu dis-
curso, recomendava normas de comportamentos para os empresários e
para a classe operária, para favorecer a união entre as classes.
Verificamos também, que, em 1925, na I Conferência Internacional
da igreja católica, foi criada a União Católica Internacional de Serviço
Social (UCISS), formada pelos grupos de escolas de Serviço Social e
pelas Associações de Auxiliares Sociais.

– 52 –
7
Qualificação dos
Profissionais Leigos

Neste capítulo, vamos conhecer o processo de qualificação


dos agentes sociais leigos da igreja católica, que desevolviam um
trabalho social na sociedade, em especial com os operários.
A qualificação dos agentes é uma necessidade do sistema
capitalista, que precisa difundir sua ideologia dominante junto à
classe trabalhadora. Essa qualificação foi desenvolvida e organi-
zada pela igreja católica, que buscava cumprir sua missão política
e social e, ainda, recristianizar os trabalhdores para recuperar sua
hegemonia, como instituição que orientava a vida em sociedade.
A formação dos agentes católicos visava diminuir os impactos
negativos provocados pelo modelo monopólico de sociedade.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Conheceremos, também, o processo de criação das primeiras escolas


de serviço social, no mundo e no Brasil, que visavam formar profissionais
a partir de uma personalidade cristã, uma vez que foram criadas sob forte
influência da Doutrina Social da Igreja Católica.

7.1 A Influência da igreja Católica na


Qualificação dos Agentes Leigos
Ao final do século XIX passa a existir uma preocupação em qualificar
os agentes profissionais leigos, para o enfrentamento das expressões da
questão social. A igreja católica contribuiu diretamente para o surgimento
das primeiras escolas de serviço social no mundo, bem como no Brasil.
Sendo assim, o serviço social, de acordo com Silva (2002, p. 25),
apresenta-se como estratégia de qualificação do laicato da igreja
católica que, no contexto do desenvolvimento urbano, vinha
ampliando sua ação caritativa aos mais necessitados, para o desen-
volvimento de uma prática ideológica junto aos trabalhadores
urbanos e suas famílias. Procura-se, com isso, atender ao impera-
tivo da justiça e da caridade, em cumprimento da missão política
do apostolado social, em face do projeto de recristianização da
sociedade, cuja fonte de justificação e fundamento é encontrada na
Doutrina Social da igreja. (grifo nosso).

Saiba Mais

Segundo o Dicionário Aurélio o termo laicato – de laico, laicismo. Laico:


Que vive no, ou é próprio do mundo, do século; secular (por oposição a
eclesiástico). Laicismo: estado ou caráter de laico. Doutrina que proclama a
laicidade absoluta das instituições sócio-políticas e da cultura.

A igreja católica buscou qualificar os seus agentes sociais leigos, para


desenvolver uma atuação técnica junto aos trabalhadores. Ao qualificar
seus agentes, a igreja buscou cumprir sua missão política de contribuir
para minimizar os problemas sociais que afetavam os trabalhadores. A
igreja buscou, também, contribuir para atenuar os conflitos de classes e,
sobretudo, recristianizar a classe trabalhadora e recuperar sua hegemonia
como instituição que orientava a vida em sociedade.

– 54 –
Qualificação dos Profissionais Leigos

7.2 Criação das Primeiras


Escolas de Serviço Social
Antes da criação da primeira Escola de serviço social no mundo, foi
criada a Escola de Filantropia Aplicada, idealizada por Mary Richmond,
em 1897, em Toronto. Essa escola realizava cursos de aprendizagem da
aplicação científica da filantropia, visando, conforme afirma Martinelli
(2006, p. 106), a desenvolver “a tarefa assistencial como eminentemente
reintegradora e reformadora do caráter [...]”.
A tese de Mary Richmond convenceu os donos do capital de que
os problemas apresentados pela classe trabalhadora estavam associados
aos problemas de caráter. Assim, trabalhando e reformando o caráter do
indivíduo, contribuiria para retorná-lo para o mercado de trabalho. Esse
proposta resultou em um curso que ocorreu em 1898 em Nova York.

Saiba Mais

A expressão caráter foi utilizada por Mary Richmond para responder às


inquietações do serviço social da época. Na atualidade tal terminologia
é impensável no serviço social.

Após o referido curso, a ação social, realizada com base na filantro-


pia, caminhou rumo ao processo de institucionalização do serviço social.
Em 1899, foi fundada a primeira escola de serviço social no mundo, em
Amsterdã, capital da Holanda.
A primeira escola da América Latina foi criada em Santiago no Chile,
pelo Médico Alejandro Del Rio. O Serviço Social era considerado como
uma sub-profissão da medicina, pois auxiliava os médicos no atendimento
aos pacientes. O Serviço Social se resumia em fazer bem ao próximo por
amor a Deus, a partir de práticas imediatistas e assistencialistas.
No Brasil, o Serviço Social foi primeiramente implantado em São
Paulo, em 1936; depois, no Rio de Janeiro, em 1938.
Segundo Lima (2001), as escolas de Serviço Social visavam formar
profissionais, a partir de uma personalidade cristã. Não era necessário

– 55 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

somente a técnica profissional, necessitava-se de profissionais com uma


mentalidade cristã frente ao homem e à sociedade, na perspectiva da jus-
tiça social e da caridade, por amor a Deus e ao próximo.
O objetivo último das escolas era formar a personalidade dos pro-
fissonais. Tudo em prol de uma prática conservadora, fundamentada na
caridade cristã, por meio de uma prática assistencialista.

Saiba Mais

A prática assistencialista no serviço social está relacionada à questão da


ajuda e vem sendo superada ao longo dos anos por uma prática profis-
sional, na perspectiva da garantia de direitos.

O assistente social desenvolve, na sociedade, funções intelectuais ou


ideológicas, em organizações públicas ou privadas, por meio de prestação
de serviços sociais, para a classe trabalhadora. “Seu objetivo é transformar
a maneira de ver, de agir, de se comportar e de sentir dos indivíduos em
sua inserção na sociedade” (IAMAMOTO, 2002, p. 40).
O assistente social atua na administração de recursos institucionais.
A sua função intelectual resulta na distribuição e controle desses recursos
junto à população pobre para suprir suas necessidades de sobrevivência.

7.3 As Primeiras Escolas de Serviço


Social no Brasil: aspectos históricos
As primeiras instituições assistenciais surgiram no Brasil, em São
Paulo, com a Associação das Senhoras Brasileiras, em 1922 e, no Rio de
Janeiro, com a Liga das Senhoras Católicas, em 1923. Essas instituições
tinham como finalidade divulgar a doutrina da igreja católica, bem como
formar e organizar a gama de profissionais leigos das mesmas.
A formação dos agentes católicos resultava da necessidade de inter-
venção junto à classe empobrecida, para diminuir os impactos negativos
provocados pelo modelo monopólico de sociedade. Assim, conforme
apontam Iamamoto e Carvalho (2000, p. 166),

– 56 –
Qualificação dos Profissionais Leigos

o surgimento dessas instituições se dá dentro da primeira fase do


movimento de reação católica, da divulgação do pensamento social
da igreja e da formação das bases organizacionais e doutrinárias do
apostolado laico. Têm em vista não o socorro aos indigentes, mas,
já dentro de uma perspectiva embrionária de assistência preven-
tiva, de apostolado social, atender e atenuar determinadas sequelas
do desenvolvimento capitalista [...].

A organização dos profissionais leigos aconteceu a partir do desen-


volvimento das instituições assistenciais que criaram condições propícias
para implantar a ação social no Brasil, que teve como consequência a cria-
ção das primeiras escolas de serviço social.
Em 1932, foi criado, em São Paulo, o Centro de Estudos e Ação
Social (CEAS), com o apoio e a organização da igreja católica. O CEAS
tinha como objetivo ampliar as iniciativas realizadas sob fundamento da
filantropia, desenvolvida pela burguesia paulista.
O CEAS promoveu um curso destinado à formação de moças. O
curso foi realizado pela escola de serviço social de Bruxelas. Após o
curso, foi proposta uma organização da ação social com base na edu-
cação religiosa. Importa enfatizar que a maior finalidade do CEAS era
formar moças para atuar junto à classe trabalhadora, para afastá-las dos
movimentos sociais em prol de melhores condições de salário e trabalho,
por meio de práticas filantrópicas.
O CEAS realizava cursos de trabalhos manuais, informações sobre
higiene corporal. Os cursos eram voltados para as mulheres operárias
como estratégia para sua inserção na classe trabalhadora. O interesse do
CEAS com os trabalhos desenvolvidos pelas moças da igreja católica
se resumia
[...] aos olhos dessas ativistas, a consciência do posto que cabe
à mulher na preservação da ordem moral e social e o dever de
tornarem-se aptas para agir de acordo com suas c­onvicções e suas
responsabilidades. Incapazes de romper com essas representa-
ções, o apostolado permite àquelas mulheres, a partir da reificação
daquelas qualidades, uma participação ativa no empreendimento
político e ideólogico de sua classe, e da defesa de seus interesses.
Paralelamente, sua posição de classe lhes faculta um sentimento
de inferioridade e tutela em relação ao proletariado, que legitima a
intervenção (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000, p. 172).

– 57 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

Foi em 1936, a partir do grupo de moças que realizava trabalhos junto


aos operários, sob organização da hierarquia católica, que o CEAS funda a
escola de serviço social de São Paulo, a primeira do Brasil.
A sistematização técnica da ação social no Rio de Janeiro ocorre
em 1938. Nesta época, a cidade apresentava-se como grande pólo indus-
trial, era a capital federal do país e sediava os principais organismos da
igreja católica.
Nela se concentram, portanto, os centros nervosos da direção
política e econômica. [...] é a cidade onde mais se desenvolve a
infra-estrutura de serviços básicos, inclusive serviços sociais assis-
tenciais com forte participa ção do Estado (IAMAMOTO; CAR-
VALHO, 2000, p. 181).

O Rio de Janeiro contou com a participação ativa de instituições


públicas para a realização da assistência e, ainda, com o apoio da adminis-
tração federal, de organismos católicos e juízo de menores.
A primeira Semana de Ação Social da capital foi organizada pela hie-
rarquia católica, em 1936, favorecendo a criação do serviço social. Esse
evento decorria da necessidade de se discutir sobre a situação da Ação
Social, dentre outros problemas sociais e, também, da necessidade de pro-
fissionais técnicos para realizar a assistência, visto que era grande a carên-
cia desses profissionais nas instituições públicas e privadas.
O juízo de menores começou a exigir agentes técnicos para pres-
tar assistência ao menor e sua família. Em 1936, é realizado, no Rio de
Janeiro, um curso na área do serviço social, que objetivava a realização
de um ciclo de palestras acerca de temas sociais que envolvia problemas
relacionados à situação de crianças abandonadas.

Saiba Mais

O termo menor, à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),


não é mais utilizado. O termo é estigmatizante e era utilizado na
época do Código de Menores, embora algumas legislações vigentes,
que ainda não foram reformuladas, continuem utilizando este termo.
Hoje, com o ECA, nos referimos à criança e ao adolescente.

– 58 –
Qualificação dos Profissionais Leigos

Em 1938, é implantada, na capital do país, a segunda escola de ser-


viço social do Brasil. A partir da criação dessa escola, várias outras foram
implantadas no Brasil, nas capitais dos estados.
O serviço social é implantado no Brasil com um caráter conservador,
fundamentado na doutrina católica a favor da consolidação dos interesses
dos donos do capital.
A prática profissional do assistente social era determinada por seus
empregadores e sua identidade profissional era balizada pelo capitalismo,
conforme os seus ideais. Sobre a identidade profissional Martinelli (2006,
p. 134) certifica que
a fragilidade da consciência social e do processo organizativo da
categoria profissional forneceu as bases necessárias para que se ins-
talasse o fenômeno da aristocracia profissional. Recriando os meca-
nismos próprios da sociedade de classe, produziu-se na categoria
um movimento de “estratificação social” [...] o que veio fragilizar
ainda mais a já enfraquecida identidade profissional. A reificação,
infiltrada na consciência dos profissionais, levava-os a reproduzir os
fetiches da sociedade capitalista, transformando a sua própria rela-
ção profissional em uma relação mediatizada por interesses econô-
micos, por posição no processo produtivo e por posições políticas.

Os assistentes sociais contribuíam para a difusão da ideologia hege-


mônica burguesa, em detrimento da defesa dos interesses do operariado.
O assistente social defendia, literalmente, os interesses dos grupos hege-
mônicos dominantes.
Portanto, o significado social da prática do assistente social é resul-
tado da relação capital/trabalho, firmada com a classe dominante quando
esse profissional se tornou socialmente necessário ao mercado de trabalho.

Conclusão
Neste capítulo, você conheceu o processo de criação das primeiras
escola de serviço social. Antes da criação da primeira escola de serviço
social no mundo, foi criada a Escola de Filantropia Aplicada, idealizada
por Mary Richmond, em 1897, em Toronto. Vimos que em 1899, foi fun-
dada a primeira escola de serviço social no mundo, em Amsterdã, capital

– 59 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I

da Holanda. A primeira escola da América Latina foi criado em Santiago


no Chile. No Brasil, o serviço social foi primeiramente implantado em São
Paulo, em 1936; depois, no Rio de Janeiro, em 1938. As escolas de ser-
viço social visavam a formar profissionais a partir de uma personalidade
cristã e tinham como objetivo formar a personalidade dos profissonais
para exercer uma prática conservadora e assitencialista, fundamentada na
caridade cristã. Em 1932, foi criado, em São Paulo, o Centro de Estudos e
Ação Social (CEAS), que tinha como objetivo ampliar as iniciativas reali-
zadas sob fundamento da filantropia desenvolvida pela burguesia paulista.

– 60 –
8
O Serviço Social e sua
atuação sob influência
da teoria Neotomista

O Serviço Social tem influência de várias teorias e pressu-


postos filosóficos em sua formação e atuação em diversas épocas
desde sua origem. Essas teorias perpassam a profissão desde seu
surgimento até o Movimento de Reconceituação da profissão em
meados dos anos 80. Trataremos, neste capítulo, da atuação do
Serviço Social pautada na influência católica sob orientação da
teoria neotomista.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

8.1 O Tomismo
A teoria filosófica de São Tomás de Aquino (1225-1274) da escola
medieval escolástica, o tomismo, discute o realismo e o nominalismo. Essa
teoria defende que o substância primeira é o indivíduo (nominalismo). Em
conformidade ao pensamento de Aristóteles defende que a filosofia é uma
imprescindível teoria para resolver os problemas do mundo.
Tomás de Aquino afirma que o intelecto humano deriva da vontade
de Deus, portanto, a vontade necessariamente tende para o bem. Existem
dois elementos fundamentais para um ato integralmente moral: a razão,
que é um elemento objetivo; e a vontade, que é um elemento subjetivo.
O homem é um animal social, considerado um ser político que vive em
sociedade. A primeira convivência social do homem é a família, a segunda
forma em que ele convive socialmente é o Estado.
Para São Tomás de Aquino, o Estado deve ser um meio para a con-
vivência social do indivíduo, e não o contrário. O Estado não pode e não
deve ter uma função puramente material e repressiva, mas deve também
ter uma função espiritual e organizadora da vida e sociedade. O ser deve
ser primordial, em detrimento de ideologias e posicionamentos políticos.
O que se deve privilegiar é o bem estar do ser. O Estado, apesar de sua
completude, deve ficar subordinado à religião, à moral e à Igreja.
Segundo assevera Aranha e Martins (1993, p. 103),
É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana
são absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a
ser impossível pensar que possamos ser falsos. Tampouco é permi-
tido considerar falso aquilo que cremos pela fé, e que Deus confir-
mou de maneira tão evidente. Já que só o falso constitui o contrário
do verdadeiro, como se conclui claramente a definição dos dois
conceitos, é impossível que a verdade seja contrária aos princípios
que a razão humana conhece em virtude das suas forças naturais.

Dessa forma, apontamos que a religião está ligada ao transcendental


e à metafísica, o que corresponde ao bem eterno das almas, segundo os
ensinamentos de Deus. São Tomás de Aquino afirma que a palavra de
Deus não pode ser ultrapassada pelo entendimento humano, e não se pode
alegar argumentos contra a fé cristã. A valorização deve estar voltada para
o universal, a autoridade, a verdade eterna representada pela fé.

– 62 –
O Serviço Social e sua atuação sob influência da teoria Neotomista

8.2 O Neotomismo
O Neotomismo tem seus preceitos teóricos baseados na teoria
Tomista de São Tomás de Aquino, com uma atenção voltada para a
pessoa humana, que tinha na existência uma dualidade: uma temporal,
outra atemporal. O temporal diz respeito às coisas terrenas do corpo e do
material; o atemporal diz respeito à alma, à transcendência que conduz
a pessoa à vida eterna.
Os princípios do neotomismo correspondem a princípios imutáveis,
considerados como verdade pura pela igreja católica. De acordo com esses
preceitos, o homem precisa do corpo e da sociedade para trabalhar sua
alma enquanto faz o bem; cumprir moralmente os desígnios de Deus, para
alcançar a transcendência e mundo metafísico.
Segundo Guedes (2000), o neotomismo apresenta o homem como um
ser composto de “corpo e alma”, um ser social completo. Esse ser utiliza
da sociedade para o cumprimento do fim último, que é alcançar o céu, a
transcendência da alma.
A Encíclica Papal Aerteni Patris, de 1879, partia da compreensão que
era preciso um retorno à filosofia de São Tomás de Aquino. Incentivava o
resgate das doutrinas tomistas, julgando-as necessárias para um trabalho
de doutrina dos católicos com as famílias, para que assim pudesse resol-
ver, por meio da moral e catequização, os problemas sociais advindos da
questão social.
Após a encíclica Arteni Patris, as encíclicas Rerum Novarum (1881)
e o Quadragésimo Ano (1921) também propõem o envolvimento de todos
os dissidentes da Igreja na resolução dos problemas sociais; inclusive o
Serviço Social, que tem sua formação e sua atuação tradicional, total-
mente, ligadas e voltadas para a Igreja Católica.
Segundo aponta Guedes citado por Malheiros (2000, p. 5),
A doutrina oficial da Igreja Católica (1930/1940) considera o
homem como pessoa sobre a qual é possível reconstruir os valo-
res morais da sociedade, que deve caminhar para o bem comum.
Segundo os primeiros assistentes sociais, o cumprimento desta
doutrina é assegurado por uma sólida formação moral.

– 63 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

8.3 O Serviço Social e sua atuação


sob influência do Netomismo
O Serviço Social atuou, de forma tradicional, sob as influências da dou-
trina neotomisma nos anos de 1939 a 1940. Tinha uma forte preocupação
em trabalhar sob as mazelas advindas do capitalismo, munido do propósito
de trabalhar a moral, a formação e o respeito à pessoa humana, de acordo
com os preceitos postulados pela perspectiva da filosofia neotomista.
O Serviço Social, segundo Guedes (2000), situava-se sob a ideia de
que o homem, como uma pessoa humana, era portador de um valor sobe-
rano ligado à metafísica e aos desígnios de Deus; e um valor temporal
ligado às coisas terrenas ou materiais próprios de sua vida terrena.
Sob essa perspectiva, faz-se necessário afirmar que o atemporal ou
soberano (alma) refere-se a elementos ligados aos princípios da fé, sendo
inquestionáveis. O atemporal se sobressaia em relação ao temporal ou
terreno (matéria). A vida na terra deve ser vivida para se fazer o bem e
praticar a obediência fiel às doutrinas da igreja; uma vez que praticando os
preceitos atemporais a pessoa humana caminha para a vida eterna.
Assim, podemos pontuar que os assistentes sociais acreditavam ser
guiados pelos preceitos da igreja católica. É preciso vida temporal em socie-
dade para que a pessoa humana possa realizar um bom caminho para se
chegar à verdadeira condição, que é o atemporal ou a transcendência. Essa
forma de entender a condição humana relegava a historicidade das relações
sociais e da exploração criadas pelo capitalismo, à inércia. Pois tende a con-
siderar que os homens devem aceitar os desígnios de sua própria condição
de miséria, que as condições de vida de cada um são uma forma de garantir
a vida na terra. É essa sobrevivência que permitirá ao homem viver, para
poder alcançar a solicitude da alma ou o seu caminho atemporal.
Conforme Araújo (1997), a visão neotomista afirma que o homem por
ser um ser humano à imagem e à semelhança de Deus tem direito a uma
vida digna e merece liberdade, saúde, emprego e habitação, mas não como
uma condição de direito e obrigação dos governos. Na visão dessa doutrina
religiosa, os dogmas cristãos devem ser privilegiados em detrimento de
ideologias políticas, posicionamentos partidários, governos e empresas.

– 64 –
O Serviço Social e sua atuação sob influência da teoria Neotomista

Podemos ressaltar para você que o Serviço Social tradicional difun-


dia a ideia de saúde, habitação, moradia; não defendendo um posiciona-
mento de luta por melhoria de qualidade de vida, mas uma ideia atribuída
à moral e religiosidade humana.
Os assistentes sociais tradicionais atuavam sob a formação de um
projeto societário que tinha o ideal de moral cristã. O aperfeiçoamento da
pessoa humana tinha como finalidade a vida eterna e atemporal, após o
cumprimento da vida material terrena. Mediante essa perspectiva, os assis-
tentes sociais criticavam e repudiavam as ideias comunistas e liberalistas.
As ideias comunistas eram consideradas contrárias às explicações
sobrenaturais religiosas: o homem pode fazer sua própria história voltada
para uma compreensão materialista do homem. As ideias liberais eram cri-
ticadas, pois eram individualistas e visavam à exploração e o lucro exces-
sivo. Desconsideravam que o homem, como um ser humano, tem direito
à dignidade; deve ter um mínimo de bem estar para poder viver sua exis-
tência física tão necessária para alcance da esfera a-temporal e metafísica,
como prega o neotomismo.
Conforme afirma Ferreira citado por Guedes (2000, p. 2),
Os primeiros assistentes sociais acreditavam que uma das maneiras
possíveis de alcançar o bem comum era o retorno aos antigos modelos
de corporações medievais, identificados como formas de preservar o
princípio natural da vida associativa necessária para que o homem,
ser incompleto sem a sociedade, possa atingir seu fim último.
Os assistentes sociais que atuavam sob a perspectiva neotomista
defendiam a volta de um sistema antigo de produção voltado para as cor-
porações do século medieval. Criticavam a vida moderna e as formatações
políticas do mundo moderno. Recriminavam também os valores morais
dos capitalistas e a exploração, segundo Mancini citado por Guedes
(2000). Difundiam que a crise do mundo moderno era uma crise espiritual,
o mundo sofre, sofrem o Estado e os homens.
Cabia, então, aos assistentes sociais realizar um trabalho de correção
moral com os indivíduos que os fizessem retornar para a obediência dos
desígnios naturais e a promoção humana, diferente de um trabalho politi-
zado que fortalecesse a promoção da cidadania e a luta por direitos sociais,
conforme a atuação contemporânea.

– 65 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Os assistentes sociais tinham por obrigação em seu exercício pro-


fissional garantir a obediência aos “verdadeiros valores” da sociedade, a
família, o trabalho e a religião. Segundo Ribera citado por Guedes (2000,
p. 4), o trabalho dos assistentes sociais, junto aos operários, “deveria gra-
vitar em torno da situação moral e física do trabalhador”.
A atuação do profissional se voltava para orientações vocacionais,
prevenir acidentes de trabalho, transformações na vida do operário e
sua família com vistas à correção moral e ao compromisso com a ordem
social; mediar as desavenças entre trabalhadores e capitalistas; garantir
o rendimento das empresas e estabilizar as condições de trabalho. Este
trabalho acabava por culpabilizar os trabalhadores e suas famílias, pois os
problemas advindos da questão social como consequências do capitalismo
eram considerados falta de moral e religião. O alcoolismo, prostituição,
moradias promíscuas, desemprego eram interpretados como problemas
individuais e passíveis de correção pelos assistentes sociais.
Segundo assevera Telles citado por Guedes (2000, p. 4),
A família, ambiente natural à formação dos homens, fica compro-
metida em quadros familiares que se constituem em ambientes pro-
míscuos e sem formação moral, os quais, muitas vezes devem-se:
à precariedade de habitações, situações como a do concubinato,
abandono de lar pelo chefe, mãe solteira, separações de cônjuges,
menores pervertidos e alcoolismo.

Os profissionais de Serviço Social ainda realizavam um trabalho de


construção da unidade entre os trabalhadores, não no sentido de lutar por
direitos e união da classe trabalhadora, mas com intuito de fazer frente
ao movimento comunista que contagiava os operários nos anos de 1920,
1930 e 1940. Fazia-se necessário aos assistentes sociais, conforme percep-
ção neotomista, abolir da vida dos operários as desagregações espirituais,
agitações, rebeldias e reivindicações.
A correção moral, frente às desagregações, era a garantia de espírito,
contribuição e pacificação entre as classes capital e trabalho, tão necessá-
rias para a justa ordem natural e moral. Tudo isso gerava uma harmonia na
sociedade, bem como a garantia de crescimento do capital. E ainda a jus-
tificativa de todas as coisas e pessoas tem seu lugar apropriado na ordem
natural da vida, como nos prega o neotomismo.

– 66 –
O Serviço Social e sua atuação sob influência da teoria Neotomista

Conclusão
Neste capítulo, compreendemos o Tomismo, o Neotomismo e a atua-
ção do Serviço Social sob influência dos fundamentos teóricos e filosóficos
do neotomismo. Apontamos para você que os assistentes sociais idealiza-
vam uma sociedade voltada para uma convivência harmônica entre capital
e trabalho. Acreditavam que questão social era na verdade a falta de moral
e religião que afetava a família dos operários, capitalistas e comunistas e
difundiam que valores morais, obediência e religiosidade eram a resolu-
ção para os problemas sociais, advindos da expansão capitalista.
Os assistentes sociais defendiam ainda a criação de uma nova socie-
dade voltada para o humanismo cristão. Acreditavam que os problemas
sociais poderiam ser resolvidos pelo esforço individual de cada cris-
tão. Esses profissionais entendiam que o homem tem uma dualidade: é
dotado de corpo e alma. A vida em sociedade é imprescindível para que
ele cumpra sua vida matéria corpórea e possa alcançar o fim maior: a
transcendência da alma. Vimos também que, na atuação profissional dos
assistentes sociais, nos anos 20, 30 e 40, o trabalho era realizado com as
famílias dos operários. O objetivo era combater as ideias comunistas e
valorizar a realização da pessoa humana. Desse modo, recuperar os qua-
dros sociais considerados imorais e degenerados que comprometiam a
moral cristã e, principalmente, a conquista do homem à esfera atemporal
alcançada na imortalidade, após uma caminhada de obediência na esfera
material na terra.

– 67 –
9
Positivismo, Funcionalismo
e sua influência na atuação
profissional do Serviço
Social Tradicional

A prática profissional do Assistente Social no decurso de


sua institucionalização na América Latina e no Brasil incorporou
várias correntes de pensamento, as quais deram sua contribuição
no processo de consolidação da profissão. As vertentes positi-
vista e funcionalista, apesar de suas limitações, serviram como
norteadoras para a prática profissional em seus primórdios de
implantação no Brasil.
O positivismo enquanto corrente de pensamento origi-
nária das ciências sociais tem por base a teoria sociológica, a
qual lhe serve de suporte. Esta vertente caracteriza-se como de
cunho conservador, cuja orientação é de manutenção do status
quo. O Assistente Social recebe influência dessa corrente e passa
a expressar sua prática pautada nas ideias conservadoras, con-
tribuindo assim para a manutenção e perpetuação da ideologia
dominante, legitimando-a.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

A referida corrente teórica revela suas limitações e restrições, pois


caracteriza-se pela visão fragmentada da realidade social, não considera a
subjetividade, apenas os fatos que podem ser observados, quantificados.
Outra característica fundamental é a despreocupação e desinteresse em
conhecer as causas dos fenômenos, limitando-se à consequências destes.
No que tange ao funcionalismo, esta corrente recebeu influência do
positivismo, cuja interpretação da realidade social se dá a partir do para-
lelo entre a sociedade e o organismo biológico, ou seja, comparam-se as
duas situações. Desse modo, assim como no positivismo, o funcionalismo
reflete uma visão fragmentada dos fenômenos sociais ao revelar que cada
parte tem sua função específica e que o todo funciona harmonicamente.
Diante disso, o Serviço Social pautou suas práticas sociais inserido
nessa concepção tradicional-conservadora desde sua gênese ao movimento
de ruptura com o tradicionalismo na profissão por ocasião do segundo
lustro dos anos 70, cuja prática voltava-se para correção de disfunções
sociais, contribuindo assim para o ajustamento do indivíduo ao meio.

9.1 O Positivismo
O Positivismo é uma corrente de pensamento que foi sistematizada
por August Comte, no século XIX, e que tem como ideia principal a pre-
missa de que a vida social é regida por leis que são similares às leis da
natureza. Os precursores desta teoria recorrem aos mesmos procedimen-
tos utilizados nas ciências naturais para a explicação dos fenômenos natu-
rais para explicar também os fenômenos sociais portando, esta corrente
teórica foi denominada “Física Social”.
A corrente do positivismo tem sua origem em uma das ciências
sociais: a sociologia. A sociologia é a base teórica que vai dar suporte
para os estudos teóricos e metodológicos do Serviço Social, a sociologia
é uma ciência social capaz de explicar/ interpretar a realidade social a fim
de intervir para legitimar uma realidade social ou transformá-la. Partindo
deste princípio podemos afirmar que a corrente teórica do positivismo foi
utilizada para legitimar a sociedade capitalista, uma vez que a sociolo-
gia positivista recorre aos mesmos procedimentos que as ciências naturais

– 70 –
Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação
profissional do Serviço Social Tradicional
utilizavam na explicação dos fenômenos naturais, assim naturalizando os
problemas sociais advindos da expansão do sistema capitalista tais como:
fome, miséria, exploração, doenças, essas mazelas da sociedade capita-
lista burguesa eram consideradas imutáveis, uma vez que para o positi-
vismo as leis da natureza são imutáveis.
Para o positivismo a sociedade foi concebida como um “organismo”
constituído de partes integradas que funcionam harmonicamente seguindo
um modelo físico ou mecânico. O que caracteriza o positivismo com o
nome de biologismo, fisiologismo ou mesmo como apontado parágrafos
acima, física social.
As principais características do Positivismo são:
22 visão isolada dos fenômenos sociais, analisar a realidade não de
forma totalitária, mas por partes isoladas;
22 a realidade é somente dos fatos sociais que podem ser observa-
dos, os desejos e as subjetividades não são considerados;
22 desinteresse pelas causas dos fenômenos, ou seja, não busca o
“porquê” dos acontecimentos sociais.
Segundo assevera Triviños (1987, p. 36).
Mas ao positivismo não interessavam as causas dos fenômenos,
porque isso não era positivo, não era tarefa da ciência. Buscar as
causas dos fatos, sejam elas primeiras ou finais, era crer demasiado
na capacidade de conhecer do ser humano, era ter uma visão des-
proporcionada da força intelectual do homem de sua razão. Isso
era metafísico.

A teoria do Positivismo defende a neutralidade científica, a ciência


deve estudar os fatos para conhecê-los, e apenas de modo desinteressado,
sem buscar a intervenção e muito menos a transformação. Segundo Tri-
viños (1987) “Este propósito do espírito positivo engendrou uma dimensão
que foi defendida com muito entusiasmo e ainda hoje, em alguns meios, se
levanta como a bandeira da verdade: a da neutralidade da ciência”. Para
a corrente teórica do positivismo toda afirmação sobre o mundo deve ser
analisada, confrontada e verificada, somente se constituindo em verdade o
fenômeno que pode ser comprovado por meio de experiência.

– 71 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

August Comte asseverou que a ordem do conjunto da sociedade é


que a levaria para o progresso, ele analisava a dinâmica social partindo
do conjunto para as particularidades. Para o positivismo de Comte, a ideia
natural do direito dos seres humanos é substituída pela ideia do dever, o
dever de todos para com todos é que faria a harmonia na sociedade, esta
deveria se organizar em torno da moral e do altruísmo (sacrifício e dedica-
ção de todos) para alcançar o progresso.

9.2 Funcionalismo
O Funcionalismo é uma corrente teórica trabalhada por Émile
Durkheim, tem origem no positivismo, e faz uma interpretação da reali-
dade social a partir da comparação da sociedade com um organismo bio-
lógico. O pensamento funcionalista parte do princípio de que a sociedade
é um “todo orgânico”, e cada parte que compõe a mesma tem sua função
específica e deve funcionar perfeitamente para a manutenção da ordem,
ou seja, o organismo social é um conjunto de órgãos em funcionamento,
assim como o organismo biológico do homem.
Durkheim afirmava que a sociedade é igual a um organismo social,
e assim como o organismo possui vários órgãos (coração, pulmão, rins)
o corpo social possui vários órgãos (instituições sociais, família, estado,
escola, igrejas, clubes, sindicatos, etc.) com funções específicas, cada
instituição possui objetivos próprios diferentes, contudo, um depende do
outro para funcionar bem. Se um órgão não vai bem o todo social (socie-
dade) ou o organismo se recente (adoece), e prejudica o bom funciona-
mento do organismo social.
Para Durkheim, a sociologia tinha por finalidade não só explicar
a sociedade como também encontrar soluções para a vida social.
A sociedade, como todo organismo, apresentaria estados normais
e patológicos, isto é, saudáveis e doentios. (COSTA, 1997, p. 61)

Para o bom funcionalismo ou harmonia desse organismo social


(sociedade), existem dois fatores segundo Durkheim: a moral social ou
consciência coletiva e a divisão social do trabalho.
A moral social ou consciência coletiva é o conjunto de normas de con-
duta ou de valores que são compartilhados pelos indivíduos na sociedade.

– 72 –
Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação
profissional do Serviço Social Tradicional
A consciência coletiva não se baseia na consciência de indivíduos
singulares ou grupos específicos, mas está espalhada por toda a
sociedade. Ela revelaria, segundo Durkheim, o “tipo psíquico da
sociedade”, que não seria apenas produto das consciências indivi-
duais, mas algo diferente, que se imporia aos indivíduos e perdura-
ria através das gerações. (COSTA, 1997, p. 62)

A moral social tem a função de manter ordem, de acordo com Emile


Durkheim sem leis de convivência a vida coletiva em sociedade seria
impossível, para esse teórico o que mantém o “organismo social” saudá-
vel é a moral, e quando não pode ser exercida, ou perde sua eficácia na
sociedade, faz com que apareçam problemas graves, dessa forma pode-
mos apontar que para o funcionalismo a causa dos problemas sociais nas
sociedades é exatamente a existência de uma crise moral.
A divisão social do trabalho no organismo social de Durkheim distri-
bui as tarefas, funções, profissões entre os indivíduos, essa divisão social
do trabalho causa uma interdependência entre os indivíduos e os orga-
nismos, provocando segundo essa teoria uma relação de cooperação e de
solidariedade entre os homens.
A sociologia Durkheimiana tem outro elemento importante para com-
preendermos a sociedade dita como um “todo orgânico,” de acordo com
essa teoria os “fatos sociais” devem ser tratados como coisas, o que ocorre
com os indivíduos na sociedade não está de fato relacionado ao contexto
vivido por estes, mas são fatos isolados, desconectados, que acontecem
por “culpa do próprio indivíduo”, como exemplo podemos apontar o sui-
cídio que foi também o foco de estudo de Émile Durkheim.
Procurando garantir à sociologia um método tão eficiente quanto o
desenvolvido pelas ciências naturais, Durkheim aconselhava o sociólogo
a encarar os fatos sociais como coisas, isto é, objetos que, lhe sendo exte-
riores, deveriam ser medidos, observados e comparados independente-
mente do que os indivíduos envolvidos pensassem ou declarassem a seu
respeito (COSTA, 1997, p. 61).
Para Émile Durkheim o funcionalismo explica ainda a solidariedade
social, esta se divide em solidariedade mecânica e solidariedade orgânica.
A solidariedade mecânica é o princípio que rege as organizações das socie-
dades primitivas, onde existe uma homogeneidade econômica e cultural

– 73 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

entre os clãs, as famílias os indivíduos. A solidariedade orgânica é produ-


zida nas sociedades contemporâneas, e imputada através da divisão do tra-
balho, onde existe a diferenciação e complementações de funções. A divi-
são social das funções no trabalho exige cooperação entre os indivíduos de
uma sociedade, imprimindo o conceito de que todos devem contribuir para
o funcionamento do trabalho e consenso entre as classes.
A partir dessa compreensão da solidariedade social apontamos que o
princípio que rege a solidariedade mecânica é a semelhança o consenso,
e o que rege a solidariedade orgânica é a diferença. Essa diferença na
sociedade orgânica para o funcionalismo não quer dizer exatamente a dis-
córdia ou o conflito, mas ao contrário, as diferenças entre as funções é que
fazem com que essas se complementem e cooperem entre si. Daí a impor-
tância da consciência coletiva ser estabelecida na solidariedade orgânica
como elemento que estabelece o equilíbrio e a forma de integração social
e funcionalismo das sociedades contemporâneas. A consciência coletiva
é responsável por estabelecer regras e normas que coletivamente estarão
ditando a integração e o bom funcionamento do organismo social.

9.3 O Serviço Social tradicional e a atuação


pautada no Positivismo e Funcionalismo
A atuação positivista, funcionalista, permeou a atuação tradicional
do Serviço Social conservador, esse período pode ser apontado desde a
gênese da profissão até meados dos anos 60, e tem uma ruptura com o
Movimento de Reconceituação após anos 70.
Durante esse longo período em que o Serviço Social tradicional atuou
pautado sob as concepções teóricas das correntes: neotomista, positivista
e funcionalista, esteve colaborando com a expansão do sistema capitalista
e legitimando-o. Esse fato pode ser confirmado a partir da constatação de
uma atuação assistencialista, de correção dos indivíduos (principalmente a
classe trabalhadora), desenvolvendo uma política que promova a integra-
ção e a cooperação entre as divergentes classes sociais capital/trabalho, e
ainda coibindo as iniciativas de reivindicação por parte dos trabalhadores
explorados pelo capital.

– 74 –
Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação
profissional do Serviço Social Tradicional
Está voltado para uma ação de soerguimento moral da família ope-
raria, atuando preferencialmente com mulheres e crianças. Através
de uma ação individualizadora entre as “massas atomizadas social e
moralmente”, busca estabelecer um contraponto às influências anarco-
-sindicalistas no proletariado urbano (IAMAMOTO, 2007, p. 19).

Conforme citação acima podemos apreender que o Serviço Social


tradicional positivista/ funcionalista, foi utilizado como um mecanismo
de sustentação do sistema capitalista como também foi instituído para cor-
rigir as ditas “disfunções” que por ventura pudessem atrapalhar o cresci-
mento da industrialização no Brasil, e assim garantir a força de trabalho
elemento indispensável à manutenção e reprodução do lucro do capital e
reprodução do sistema capitalista.
A mediação exercida pelo Assistente Social nas relações entre a
indústria e a vida privada do trabalhador se efetiva, ainda, pelo
controle do acesso e uso dos chamados “benefícios”, previstos
pela política de pessoal da empresa (empréstimo financeiros,
adiantamentos salariais para necessidades urgentes, cooperativas
de consumo etc), e pela política previdenciária. Esta área se revela
como uma instância privilegiada de interferência em decisões
que, no capitalismo, tem sido atribuída ao próprio trabalhador,
sem ingerência direta do capital. Trata-se de um empreendimento
de tutela e programação do cotidiano do operário, incutindo nesse
uma racionalidade de comportamento adequada à ordem capita-
lista (IAMAMOTO, 2007, p. 47).

O Serviço Social em sua atuação tradicional atuava sob grande influ-


ência da Igreja Católica, essa influência acompanha a profissão desde sua
gênese, mas também pode ser atribuída na tentativa da igreja católica em
resgatar um espaço perdido por esta instituição, como também contrapor-
-se as ideias comunistas que estavam sendo difundidas no país entre o
operariado. A atuação da profissão seguia os moldes doutrinários de manu-
tenção da ordem, com uma atuação missionária e evangelizadora da socie-
dade voltada para um projeto de recristianização da sociedade burguesa.
Os assistentes sociais reafirmavam a ideia liberal em que todos eram
livres e baseavam-se na ideia da lei natural, que todos os indivíduos têm
aptidões, capacidades e talentos, e podem vender sua força de trabalho livre-
mente, portanto, aptos para conquistarem uma posição social privilegiada.
O sucesso e o fracasso dos indivíduos são de responsabilidade exclusiva

– 75 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

destes, a conquista de uma posição social privilegiada estava condicionada


ao esforço pessoal de cada trabalhador. Uma vez afirmada essa condição,
os assistentes sociais “culpabilizavam” os indivíduos que por ventura não
estão em conformidade com esta ideia de acumulação e esforço para traba-
lhar para o capital e conseguir acumular bens por meio do trabalho.
A ideologia da classe dominante transfere das relações sociais de
produção para o preparo individual, para a capacidade e o mérito
pessoal, o vínculo causal responsável pela situação de privação
material em que a classe trabalhadora se encontra” (ROSSI, 1978,
p. 30).

Destarte, a profissão trabalhava com os “clientes” (terminologia utili-


zada para denominar os usuários) que todos têm as mesmas igualdades de
oportunidades no sistema capitalista, o que leva a camuflar o real sobre as
verdadeiras condições das classes sociais neste sistema de produção entre
capital/trabalho.
O termo cliente tão enfatizado pelo Serviço Social Tradicional,
deve ser questionado por estabelecer uma relação de dominação-
subordinação, onde o assistente social é considerado o dono do
saber da verdade, o agente do processo, enquanto o “cliente”, é um
ignorante que nada sabe, necessitando da ajuda profissional. Este
posicionamento reduz o “cliente” a um mero objeto manipulável,
uma vez que não crê no homem como um dotado de criatividade e
capacidade de agir (COSTA, 1992, p. 3).

Evidencia-se a intrínseca relação da profissão com o capital, e a afir-


mação das ideias positivistas/ funcionalistas, que se tornam instrumento
de orientação dos profissionais para buscar junto aos trabalhadores e suas
famílias uma adequação à ordem social e correção das “condutas desvia-
das”, já que os problemas advindos da questão social eram considerados
desvios de comportamento de quem não contribuía para a ordem e pro-
gresso, e sob orientação dessas correntes, incompatíveis com as normas
sociais e a dignidade humana.
Ao profissional assistente social era exigida a “neutralidade cientí-
fica” tônica do pensamento positivista, este profissional não poderia se
envolver com os problemas de seus clientes, e também não primava pela
transformação das situações em que se deparava, pois para o positivismo
os fenômenos sociais são acontecimentos naturais, portanto imutáveis.

– 76 –
Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação
profissional do Serviço Social Tradicional
Segundo Lowy (1975) “a sociedade é regida por leis naturais, quer dizer,
leis invariáveis, independentes da vontade e da ação humana”, a essência
do princípio do positivismo. Outra premissa básica do positivismo que
guiava a atuação profissional era que na sociedade reina uma harmonia
natural o que Lowy (1975) denomina como “naturalismo positivista”, afir-
mação que claramente escamoteia as contradições entre capital/ trabalho
nas sociedades modernas.
As ideias difundidas pelo Serviço Social na sociedade estavam pro-
fundamente carregadas de um conservadorismo positivista, com carac-
terísticas de estaticidade, empregadas da noção “ordem e progresso”,
inculcando consenso e harmonia social, primando pela manutenção da
consciência coletiva, essa ideias eram acompanhadas de uma atuação cari-
dosa que tinha na “ajuda’ o foco do exercício profissional. Segundo Lima
(1975) o objeto do Serviço Social tem sido o homem desvalido, desajus-
tado, desequilibrado, que não se adapta à ordem estabelecida. Trata-se de
qualquer homem que precise de controle e direção.
Para o estabelecimento do perfeito equilíbrio da ordem social era
necessária a colaboração de todos, e para que a sociedade mantivesse essa
harmonia era necessário um profissional que contivesse os conflitos e as
divergências existentes entre as classes sociais, o Serviço Social se encar-
regava desse papel, e para atingir esse propósito essa profissão estava sub-
metida a uma formação de prática conservadora, com forte característica
no empirismo, que tinha como meta o alcance da execução de atividades
preestabelecidas, com premissa no caráter imediatista e sem nenhuma
possibilidade de impactar ou transformar os problemas sociais postos à
profissão até meados dos anos 60.
Outro aspecto que permeava a formação do Serviço Social tradi-
cional e deve ser apontado era que os modelos teóricos operacionais
da profissão estavam submetidos à realidade europeia, sem a mínima
ligação com o contexto da realidade brasileira, uma vez que foram tra-
zidos por profissionais dos países hegemônicos europeus, esvaziados de
um teor crítico, e completamente divergentes dos anseios e necessidades
de nossa população, o que mais uma vez afirma o caráter positivista de
“neutralidade científica”.

– 77 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

A posição de “neutralidade” por parte do Assistente Social


implica num posicionamento totalmente conservador, pois, ele
está tomando partido pela omissão frente à realidade, assegurando
assim, a permanência da situação vigente que ele considera ser
compatível com o seu padrão de vida. Logo, não podemos consi-
derá-lo “neutro”, haja vista ele está praticando um ato político, ou
seja, a política do dominador (COSTA, 1992, p. 5).

A sociedade é entendida do ponto de vista do Serviço Social tradi-


cional positivista/ funcionalista, como um todo harmônico integrado, essa
integração corresponde à funcionalidade dos Papéis ou funções que cada
indivíduo deve desempenhar para o equilíbrio da sociedade. Quando não
se desempenha corretamente essas funções, coloca-se em desequilíbrio o
“todo social”, e a função do técnico assistente social, é justamente asse-
gurando a eficácia em sua atuação, corrigir as disfunções dos indivíduos.
Esse equilíbrio almejado na sociedade pelas teorias positivista/ fun-
cionalista, visa o “bem comum” e a “felicidade de todos”, tendo no Estado
seu representante maior de autoridade e naturalmente que assegura o equi-
líbrio, por meio da imposição do respeito e da coerção utilizando-se da
violência, em caso de necessidade de manutenção da ordem social. E o
profissional de Serviço Social serve a essa ordem conscientizando os indi-
víduos seus clientes, em relação aos valores universais, difundidos pela
ideologia dominante: dignidade, liberdade, perfectibilidade, autodeter-
minação, participação, colaboração, trabalho etc. Segundo Costa (1992)
partindo do pressuposto de que comprometimento com o desvendar o real,
a verdade é papel de toda profissão que pretende ser científica, o Serviço
Social tradicional se mostrou insuficiente, pois esteve longe de selar uma
prática ou compromisso que contribuísse para libertar o homem de seu
estado de domesticação em que se ­encontrava. Ao contrário o que pode
apontar foi uma ação voltada para humanização dos homens, harmoni-
zação da sociedade, e correção de tudo que não se encaixa na perfeição
da ordem, induzindo aos inaptos a se adaptar, integrar e colaborar com o
meio social em que produziam lucro para o capital.
O Serviço Social utilizava a metodologia de: caso, grupo e comuni-
dade, sendo a formação social, moral e intelectual das famílias a célula
básica do trabalho dos assistentes sociais, com intenção de instituir a hie-
rarquia e a ordem na família e no trabalho, desconsiderando a substân-

– 78 –
Positivismo, Funcionalismo e sua influência na atuação
profissional do Serviço Social Tradicional
cia profundamente desigual da sociedade capitalista, considerando como
natural as condições de exploração e as relações sociais que sustentavam
o trabalho alienado inerentes ao processo de dominação e manutenção da
ordem burguesa.

Conclusão
Neste capítulo compreendemos os fundamentos teóricos das cor-
rentes do Positivismo, Funcionalismo e a atuação do Serviço Social pau-
tado na orientação teórica destas correntes. Apontamos neste capítulo a
origem da corrente positivista que tem em August Comte seu precursor,
para esse teórico os fatos sociais devem ser explicados da mesma forma
que os fenômenos naturais, o que nos faz constatar que os fenômenos
sociais são imutáveis e devem ser naturalizados, pontuamos também
que o positivismo assevera que a sociedade é um todo harmônico e foi
concebida como um “organismo” constituído de partes integradas que
funcionam harmonicamente seguindo um modelo físico ou mecânico. O
que caracteriza o positivismo com o nome de biologismo, fisiologismo
ou mesmo como apontado parágrafos acima, física social. Aos assisten-
tes sociais positivistas era exigida uma “neutralidade científica” tônica
do pensamento positivista, o profissional não poderia se envolver com
os problemas sociais, e também atuava com intuito de provocar trans-
formação das situações problemas encontradas na sociedade, pois para o
positivismo os fenômenos sociais são acontecimentos naturais, portanto
imutáveis. Pontuamos ainda acerca do Funcionalismo corrente teórica
que tem como precursor Émile Durkheim, esse teórico faz uma interpre-
tação da realidade social a partir da comparação da sociedade com um
organismo biológico. O pensamento funcionalista parte do princípio de
que a sociedade é um “todo orgânico”, e cada parte que compõe a mesma
tem sua função ­específica e deve funcionar perfeitamente para a manu-
tenção da ordem, ou seja, o organismo social é um conjunto de órgãos em
funcionamento, assim como o organismo biológico do homem. O Ser-
viço Social tradicional entendia a sociedade sob o ponto de vista destas
correntes teóricas, a sociedade era como um todo harmônico integrado,
essa integração corresponde à funcionalidade dos papéis ou funções

– 79 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

que cada indivíduo deve desempenhar para o equilíbrio da sociedade.


Quando não se desempenha corretamente essas funções, coloca-se em
desequilíbrio o “todo social”, e a função do técnico assistente social, é
justamente assegurando a eficácia em sua atuação, corrigir as disfunções
dos indivíduos.

– 80 –
10
A aproximação do
Serviço Social com a
fenomenologia

A prática profissional do assistente social está sob “a luz”


de diversas vertentes, nos seus aspectos teológicos, filosóficos,
sociológicos etc, algumas vezes no discurso e na prática,
outras vezes no discurso, mas não na prática e vice-versa. Essa
divergência acontece, entre outros fatores explicativos, pelas
ações dos grupos ou indivíduos que podem apresentar: um
discurso teórico afinado com a prática; outras, um discurso, que,
na prática, não se efetiva pelas mais diversas razões políticas,
ideológicas e, principalmente, profissionais, isto é, condições de
trabalho. Na maioria das vezes, as instituições têm seus saberes,
concepções e visões próprias de mundo. A fenomenologia é uma
vertente de pensamento filosófico que se fez presente com grande
contribuição para o desenvolvimento do Serviço Social.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

10.1 A fenomenologia de Edmund Husserl


Para entendermos o que é fenomenologia, primeiramente, vamos
saber o que é fenômeno.
Para a fenomenologia, fenômeno é tudo que se mostra ou aparece,
o que se torna visível. Fenômeno da palavra grega phainómenom, que
semanticamente significa iluminar e também mostrar-se ou aparecer.
“Fenômeno é tudo que é percebido pelos sentidos ou pela consciência”
(SANTOS, 1995).
Entende-se por fenômeno tudo aquilo de que podemos ter consciên-
cia, seja qual for o modo, deste modo os fenômenos são “[...] não só os
objetos da consciência, mas os atos da consciência, sejam eles intelecti-
vos, volitivos ou afetivos (PAVÃO, 1981, p. 5)”.
Fenomenologia do termo grego phainesthai, aquilo que se apresenta
ou que se mostra, e logos, explicação, estudo.
A fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938) teve grande influ-
ência na filosofia contemporânea. A fenomenologia estuda o universal, o
que é conhecido por todos, o que é válido para todos os sujeitos. O que
eu conheço o que eu vivencio. Para Husserl a fenomenologia é a vivência
de todos, e por isso, o mundo que eu conheço é o mundo que pode ser
conhecido por todos.

Saiba mais

O filósofo Edmund Husserl (1859-1938), matemático e lógico, professor


em Göttingen e Freiburg im ­Breisgau, autor de Die Idee der Phänome-
nologie (A ideia da Fenomenologia – 1906) enfrenta o Psicologismo e o
Historicismo, e funda a Fenomenologia.

Para Husserl, fenomenologia é uma ciência eidética (eidos =


essência) descritiva da realidade vivida. Fenomenologia é uma ciência
eidética descritiva.
Para Husserl, a Fenomenologia é o “estudo das essências”, ou
podemos dizer o “estudo das significações”, por exemplo, a essência

– 82 –
A aproximação do Serviço Social com a fenomenologia

da percepção, a essência da consciência, a essência da imaginação, da


paixão etc.
Segundo Husserl, as ideias principais da fenomenologia como ciên-
cia, significa que ela é descritiva da estrutura essencial do vivido, que
ela é concreta, intencional, compreensiva e interpretativa. Descrever
o fenômeno, não explicar e nem analisar. O estudo da realidade social
se volta para a vida cotidiana. Os significados sociais que se busca
compreender e interpretar emergem da vida cotidiana.
A Fenomenologia não se interessa pela historicidade dos fenômenos.
Ela busca a essência dos fenômenos, e, para tanto defende o isolamento
do fenômeno visando compreender a pureza do fenômeno e, sobretudo
descrevê-lo.
Husserl combateu o psicologismo que afirmava que “pensar” e
“conhecer” eram eventos psíquicos e que, por isto, a lógica dependia das
leis psicológicas. Para Husserl, a lógica nada mais seria do que a técnica
do pensamento correto [...] a técnica nada mais é do que um caso particu-
lar de uma ciência geral e normativa.
Husserl apud CBCISS aponta que o caminho para chegar à evidência
das essências é “[...] a partir das vivências intencionais fundamentais. Os
atos intencionais são as vivências, por exemplo, do ato de significar, do
ato de perceber, do ato de querer, do ato de imaginar, do ato de agir etc.
A intencionalidade é outra ideia fundamental da fenomenologia. É
a intencionalidade da consciência que sempre está dirigida a um objeto, o
que nos remete ao princípio de que não existe objeto sem sujeito. Intenção
é a tendência para algo.
Segundo Gamboa
A fenomenologia consiste na compreensão dos fenômenos. Em
suas várias manifestações, na elucidação dos supostos, dos meca-
nismos ocultos e suas implicações, no contexto no qual se funda-
mentam os fenômenos. A compreensão supõe a interpretação, é
dizer, revelar o sentido dos sentidos, o significado que não se dá
imediatamente, razão pela qual necessitamos da hermenêutica, da
indagação, do esclarecimento das fases ocultas que se escondem
detrás dos fenômenos (1993, p. 19-20).

– 83 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

A fenomenologia, ao contrário da ciência empírico-analítica, não


confia na percepção imediata do objeto, é pela interpretação que des-
cobre a essência dos fenômenos. O empirismo significa estabelecer
argumentações à luz da experiência, do cotidiano, como, por exemplo,
aquele que trata doenças com remédios caseiros, sem noções científicas
sobre doenças. Ou aquele que constrói uma casa, ou movéis, sem ter
noções de matemática.
A fenomenologia apresenta outras categorias de análise em que não
nos deteremos neste texto, pois a ideia é apresentar a aproximação a pos-
tura do serviço social com essa corrente.

10.2 A aproximação do Serviço


Social com a fenomenologia
A prática profissional, na perspectiva da fenomenologia, leva em
conta a reflexão do vivido; no nível teórico possibilita ao profissional
questionar o valor do mundo, já no nível da prática, agir com responsa-
bilidade em relação a esse mundo. O que implica respeito à dignidade
humana e à capacidade de autodeterminação do homem.
A preocupação do Serviço Social está em proporcionar condições
para o homem agir, livre e conscientemente, e que para tal necessita de
uma atitude reflexiva, a partir de situações vividas, buscando novos modos
de ser, de modo crítico e consciente, estabelecendo relações com o mundo
e no mundo, e o próprio mundo em si.
As autoras do Serviço Social que representam esta proposta são Anna
Augusta de Almeida (1978) que sintetiza os seguintes pressupostos teó-
ricos: diálogo, pessoa e transformação social, e Ana Maria Braz Pavão
em seu livro “O Princípio de Autodeterminação no Serviço Social: visão
fenomenológica”, que entende que a filosofia é imprescindível na prática
profissional do assistente social, à medida que possibilita uma reflexão
sobre essa prática, aponta a preocupação do Serviço Social com o homem
a fim de torná-lo mais crítico e reflexivo. Entende que é um processo edu-
cativo, que o homem enfrenta os desafios da realidade de forma dialógica,
ao considerar a estrutura de vivido na sua historicidade e na sua cultura.

– 84 –
A aproximação do Serviço Social com a fenomenologia

Em relação ao mundo Pavão afirma que


O mundo é assim um conjunto de significados, e o homem tem
consciência de si mesmo à medida que percebe os significados que
são atribuídos por ele, inclusive o significado de sua própria pes-
soa, em relação ao ente que ele é, ou seja, experiência de ser si
mesmo (1981, p. 36).

É nesse sentido que o Serviço Social poderá possibilitar ao homem


a tomada de consciência de si em relação ao próprio mundo. Este mundo
são as estruturas de relações significativas nas quais o homem escolhe o
seu modo de ser.
O relacionamento entre o profissional e o usuário corresponde à
maneira pela qual ambos percebem o mundo e travam relações com ele.
O estabelecimento dessa relação, o acontecimento que é vivido irá refletir
na própria ação profissional. Há de se considerar que as relações sociais
estabelecidas não estão somente relacionadas à intenção de cada profissio-
nal, mas também com a realidade a sua volta, determinada por conjunturas
distintas em tempo e espaço.
Pavão (1981, p. 74) observa que:
Para o Serviço Social, trata-se de questionar, num sentido, num
sentido teórico, o valor do mundo, ou seja, da realidade encon-
trada e confrontá-la com um “dever-ser”. Na prática, esse agir
supõe compreender o valor ilimitado do mundo e colocá-lo a
distância, renovando sempre a responsabilidade em relação a ele.
Isso significa que o agir ético procura transformar o mundo para
lhe dar uma essência. Então, “teoricamente a questão se prende
ao sentido das ações, e na prática, a questão refere-se ao objetivo
das ações”.

A perspectiva da fenomenologia considera que o Serviço Social se


preocupa com o homem com o propósito de torná-lo mais crítico e refle-
xivo em relação à realidade em que está inserido. É uma ação educativa,
pois permite ao homem enfrentar os desafios da realidade, de forma dialó-
gica. Essa atitude crítico-reflexiva situa o homem no mundo, como atuante
e participante de um processo que o torna “ser no mundo em si mesmo e
ser com os outros”. Em síntese, é uma descoberta da “consciência em si”
e uma formação da “consciência crítica”.

– 85 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Conclusão
Você compreendeu neste capítulo que a fenomenologia de Edmund
Husserl estuda o universal, o que é conhecido por todos. É uma ciência
eidética, descritiva da realidade vivida. É o “estudo das significações”.
Não se interessa pela historicidade dos fenômenos. Ela busca a essência
dos fenômenos.
Você percebeu ainda, na discussão desta aula, que o Serviço Social
aproximou-se da fenomenologia que contribuiu para aproximar o Serviço
Social do homem, a fim de torná-lo mais crítico e reflexivo. Entende que
é um processo educativo que o homem enfrenta os desafios da realidade
de forma dialógica.

– 86 –
11
O Serviço Social e o
desenvolvimentismo

Neste capítulo iremos conhecer o contexto em que se deu


o desenvolvimentismo, importante momento histórico de firma-
mento da profissão de Serviço Social, suas configurações e rede-
finições no contexto de expansão capitalista via industrialização.
A atuação profissional do Serviço Social se deu nos proclamas
da perspectiva de manutenção do status quo, ou seja, na visão
funcionalista da sociedade.
E por falar em momento histórico, utilizaremos o pensa-
mento de Iamamoto (2004, p.150), cuja discussão teórica pro-
põe que “a prática profissional não tem o poder miraculoso de
revelar-se a si mesma. Ela adquire inteligibilidade e sentido na
história da sociedade da qual é parte e expressão.”
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Refletindo sobre o teor dessa citação, você pode se perguntar: o que


isso significa? Significa que o desvendamento da prática profissional do
Assistente Social é compreendido no contexto das relações sociais estabe-
lecidas, das correlações de forças existentes num dado momento histórico
e social, cujas configurações não podem ser vistas descoladas do cenário
sócio-econômico.
Face ao exposto, convém situarmos o Serviço Social e suas deman-
das profissionais no recinto das relações entre o Estado e a sociedade na
década de 60. No próximo item dessa aula, mencionaremos elementos
históricos que poderão lhe propiciar melhor compreensão das demandas
ao Serviço Social no processo de construção e implementação do seu pro-
jeto profissional.

11.1 Configurações do Serviço Social em


face da perspectiva desenvolvimentista
A Organização das Nações Unidas – ONU considerou a década de 60
como a década do desenvolvimento, focando o capital humano, o poten-
cial do homem, enquanto condição básica para tal. Trabalhar esse recurso
presume o emprego de mecanismos de ação voltados para a existência e
realidade comunitária, o que se dá com o Desenvolvimento de Comuni-
dade – DC, sobre o qual, no decurso de seu processo histórico, observa-se
“um conjunto de concepções que o realçam continuamente como meio de
autonomização e enfrentamento das preocupações e interesses da popula-
ção comunitária” (SOUZA, 1987, p. 56).
O cenário do primeiro lustro da década de 60, especialmente os anos
de 1960-1963, segundo Ammann (1987, p. 57), “representam, em parti-
cular, um período de gestação da consciência nacional-popular e de enga-
jamento de amplas camadas sociais na luta pelas reformas de estrutura.”
Constituiu-se, portanto, um período de efervescência das classes operárias
aliadas ao caráter audacioso e otimista do Governo Jk, o qual “conclama
os brasileiros à luta pela ‘libertação econômica’, que deveria vir com a
industrialização e seria capaz de trazer ao país a riqueza e a prosperidade
que beneficiaria a sociedade inteira”(AMMANN, 1987, p. 59).

– 88 –
O Serviço Social e o desenvolvimentismo

O Governo brasileiro, nesta época, era representado pela pessoa do


presidente Juscelino Kubitscheck. Souza (1987) afirma que, através da
industrialização, o país alcançaria níveis de riqueza que poderia abranger
a todo.
Conforme assinalam Vieira e outros (1987, p. 116), as mudanças
ocorridas na economia nacional, no período em voga, contêm elementos
caracterizados pela
deterioração das relações de troca, o esgotamento das reservas
monetárias e o crescente endividamento externo, aliada à luta para
criar condições favoráveis à expansão econômica nos marcos do
capitalismo dependente, são os elementos do quadro geral dentro
do qual se engendra a ideologia desenvolvimentista e se definem
as suas vertentes.

O governo JK ratifica essa ideologia, pois a palavra de ordem visa ao


crescimento econômico acelerado com metas de prosperidade, de gran-
deza material da nação, bem como da soberania daí decorrente, aliada à
paz e ordem social. A vertente juscelinista, na perspectiva desenvolvimen-
tista, tem como foco de preocupação: “A industrialização de base do país,
o crescimento econômico e a própria continuidade da expansão [...], o que
une, de forma categórica, desenvolvimento e industrialização” (Vieira e
outros, 1987, p. 116).
Diante disso, evidencia-se a magnitude do peso do componente
econômico nessa visão desenvolvimentista, enquanto parâmetro de
desenvolvimento.
O governo JK sentia os efeitos da miséria enquanto perigo à ordem
social, daí considerar importante a ajuda dos países desenvolvidos aos
subdesenvolvidos. Entretanto, a política do Estado reúne as condições de
acesso à penetração do capital monopolista e a ideologia desenvolvimen-
tista, afirma Souza (1987, p. 71).
Nesse ínterim, a ideologia desenvolvimentista adentra a vida profis-
sional, diluindo resistências e acelerando a adesão dos assistentes sociais
ao desenvolvimento.
Ao citar Maria Lúcia Carvalho da Silva, Vieira e outros (1987) afir-
mam que no intuito de superação do estágio transitório de subdesenvol-

– 89 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

vimento se estabelece intercâmbio com os EUA, engajando os assistentes


sociais brasileiros na proposta norte-americana de desenvolvimento de
comunidade “como técnica e como campo de intervenção profissional”.
Essa oferta é entendida como estratégia dos EUA de, sob sua hegemonia,
propiciar dinamicidade no desenvolvimento do capitalismo dependente
latino-americano.
Vale destacar que a matriz desenvolvimentista referencia-se como
proposta marcadamente funcionalista, cuja perspectiva de mudança não
questiona as estruturas sócio-econômicas, excluindo da análise as lutas
de classe. Mesmo assim, o desenvolvimento de comunidade constitui-se
como força, “instrumento eficaz para o desenvolvimento econômico e
social” (VIEIRA e outros, 1987, p. 117).
O Serviço Social, nessa conjuntura, moderniza-se. É inserido na
dinâmica social, o que não significa dizer que inexistia oposição por
parte de alguns assistentes sociais a esse projeto de cunho desenvolvi-
mentista-funcionalista.
A título de ilustração, utilizaremos o posicionamento de Cortez,
citado por Vieira e outros, em contraposição à referida concepção desen-
volvimentista. “A comunidade [...] é um sujeito histórico e, como tal,
capaz de reagir aos planos que lhe são impostos, ao assistente social, que é
sempre revolucionário contestador” (VIEIRA e outros,1987, p. 118).
No governo Jânio Quadros, o social em seus diversos aspectos cons-
titui-se alvo demagógico. O discurso janista traz em seu bojo a formação
de uma nação e de um povo forte, uma economia globalmente vigorosa.
Busca atenuar a pobreza para que no plano econômico se faça a democra-
cia e que desse modo, a nação possa se constituir em um todo harmônico
e equilibrado.
O Serviço Social, nesse contexto, “é situado como instrumento de
democracia, indispensável, portanto, para a consecução dos objetivos
nacionais, especialmente através de sua atuação ao nível das comunida-
des” (VIEIRA e outros, 1987, p. 119).
A XI Conferência Internacional de Serviço Social, ocorrida em Petró-
polis, no ano de 1962, representou momento de reflexão sobre a prática

– 90 –
O Serviço Social e o desenvolvimentismo

profissional, configurada nos moldes do desenvolvimentismo janista. O


evento revela apoio às estratégias desenvolvimentistas.
Com relação ao desenvolvimento de comunidade, Junqueira citada por
Vieira e outros afirma que ele passou a ser visto “como uma metodologia
adequada aos programas e projetos de desenvolvimento econômico-social,
como um instrumento de busca de bem-estar social” (1987, p. 119) .
Configura-se o cenário apropriado para o surgimento do assistente
social enquanto agente de mudança na perspectiva da ideologia domi-
nante. Diante disso, o profissional reorienta sua prática nos planos insti-
tucional, teórico e metodológico em função do projeto em vigor. Assume
uma postura modernizadora e reformista e busca respostas para os proble-
mas estruturais de cunho meramente técnicos.

11.2 Redefinições do Serviço Social


no processo de expansão capitalista
na era do desenvolvimentismo
No período de 1961 a 1968, a perspectiva em foco ganhou força no
Serviço Social, tanto no plano do discurso e do ensino, quanto no plano
da prática.
No plano do discurso, conforme já mencionamos, destacamos
alguns eventos como a XI Conferência Internacional de Serviço Social,
onde os assistentes sociais expressaram unanimidade em defesa do princí-
pio da mudança social e econômica equilibrada; o II Congresso Brasileiro
que ocorreu no Rio de Janeiro em 1961 com a temática “Desenvolvimento
nacional para o bem-estar social”. Esse evento contou com a presença do
então Presidente da República Jânio Quadros. Na ocasião explicitou em
seu discurso uma demanda dos setores dominantes ao Serviço Social.
O Serviço Social se transforma num instrumento de democracia ao
permitir a verdadeira integração do povo em todas as decisões da
comunidade.[...] cumpre estimular nas populações locais o espírito
progressista, a necessidade de criar novos hábitos, novos processos
e métodos de trabalho, a fim de, pelo aumento de emprego, melho-
rar as rendas da família. (VIEIRA e outros, p. 102).

– 91 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Nesse contexto, tendo em vista a realidade de subdesenvolvimento,


havia o entendimento da importância da necessidade de ação conjugada
dos diversos segmentos da sociedade e os assistentes sociais aí inseridos.
Os estudiosos Vieira e outros compreendem que
o desenvolvimento de comunidade, o mais novo ‘método’ aplicado
pelo Serviço Social na sua prática, pode se constituir num instru-
mento que contribua para o desenvolvimento da nação. A perspec-
tiva de desenvolvimento [...] é entendida pelos assistentes sociais
como dotada de forte conotação humanista cristã, envolvendo as
ideias de justiça social, caridade e de harmonia entre os fatores
econômicos e sociais (1987, p. 103).

O assistente social, nesse cenário, exerce o papel de líder indireto da


comunidade, intermediando as ações entre governo e povo, considerando
seu domínio do método de lidar com as pessoas, bem como do manejo de
técnicas. Vale ressaltar aqui a contribuição dada por esse profissional ao
aglutinar valores, ação, conhecimento e intermediação.
Outro evento marcante, ocorrido em 1967, promovido pelo
CBCISS (Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço
Social), foi a realização do Seminário de Teorização do Serviço Social.
Esse evento resultou na sistematização do pensamento dos assisten-
tes sociais da época – o Documento de Araxá. É ressaltado o papel
do Serviço Social de “levar as populações a formar consciência dos
problemas sociais, contribuindo, também, para o estabelecimento de
formas de integração popular no desenvolvimento do país” (VIEIRA e
outros, p. 106).
Nesse seminário, os assistentes sociais defendem também uma nova
perspectiva de metodologia para a profissão, integrando a docência ao
exercício profissional e à pesquisa. O referido Documento reflete o ecle-
tismo de propostas levantadas, porém, cabe salientar o predomínio de pro-
postas de cunho conservador.
No plano do ensino, as escassas escolas que ofereciam o curso de
Serviço Social sofriam influência das diretrizes educacionais implantadas
pelo Estado, regido pela Lei n. 1.889, de 13 de junho de 1953. Essa Lei
dispõe sobre os objetivos, estrutura e, também, sobre as prerrogativas dos
portadores de diplomas de assistentes sociais e agentes sociais. Convém

– 92 –
O Serviço Social e o desenvolvimentismo

mencionar aqui o Decreto-Lei n. 35.311 que regulamentou a referida Lei,


datado de 8 de abril de 1954.
As exigências quanto às novas orientações para a educação só se con-
solidaram com a Lei de Diretrizes e Bases de 1961. Essa Lei contempla o
caráter descentralizador da educação ao salientar que tanto o setor público
como o privado “têm o direito de ministrar o ensino no Brasil, em todos os
níveis e omitindo a questão da gratuidade do ensino.” (VIEIRA e outros,
p. 107) Acrescentam ainda as autoras que “O sistema educacional será
reestruturado para assegurar o controle social e político, colocando-se a
serviço dos interesses econômicos que orientam sua reformulação”.
Proliferam-se as escolas de Serviço Social, amplia-se o número de
assistentes sociais formados, o que favorece a criação dos Conselhos
Regionais de Assistentes Sociais (CRAS) e o Conselho Federal de Assis-
tentes Sociais (CFAS) em 1962, cuja finalidade é a de disciplinar o exer-
cício profissional.
As denominações acima foram alteradas respectivamente para Con-
selhos Regionais de Serviço Social (CRESS) e Conselho Federal de Ser-
viço Social (CFESS), conforme Art.6º da Lei n. 8.662, de 7 de junho de
1993, atual lei em vigor que regulamenta a profissão.
Vale destacar que o CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e
Intercâmbio de Serviços Sociais, nesse período de evolução do Serviço
Social brasileiro, teve papel de relevo no processo de disseminação da
ideologia desenvolvimentista. Não apenas pelas produções de textos
publicadas, mas também pela realização de cursos, inclusive para o corpo
docente. Teve uma grande importância na organização da XII Conferência
Internacional de Serviço Social. Organizou também o II e o III Congresso
Brasileiro de Serviço Social, que ocorreram, respectivamente, nos anos de
1961 e 1965, bem como o Seminário Nacional em Araxá no ano de 1967.
Este último é considerado como grande marco “na difusão da visão de
mundo desenvolvimentista no Serviço Social” (VIEIRA e outros, p. 112).
No plano da prática, a introdução da noção de Desenvolvimento
de Comunidade (DO), se deu por volta de 1960, ocasião em que os assis-
tentes sociais tiveram oportunidade de conhecer experiências desenvolvi-
das em colônias inglesas, através dos encontros internacionais de Serviço

– 93 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Social. A partir desse ano, o DO expandiu-se para áreas urbanas através


do Serviço Social da antiga Guanabara no Rio de Janeiro e de São Paulo.
Segundo Vieira e outros,
Na Guanabara, o assistente social trabalha ligado aos Conselhos de
Obras existentes em cada Administração Regional do Estado, com
a função de estudar os problemas da comunidade, sugerir soluções
e procurar envolver os grupos e associações dos bairros nos traba-
lhos (1987, p. 114).

As autoras informam ainda que a atuação dos assistentes sociais em


projetos urbanos eram extensivos a experiências de erradicação de fave-
las. Serviam como elo entre essas camadas subalternas e os demais profis-
sionais ou técnicos.
As iniciativas de desenvolvimento de comunidade em São Paulo
eram coordenadas por assistentes sociais. Segundo Cortez citado por
Vieira e outros (1987, p. 114), buscavam a “organização da comunidade
para a solução de seus próprios problemas, tornando-a agente de seu pró-
prio processo de desenvolvimento.”
É pertinente ressaltar que, nessa época, as experiências profissionais
davam ênfase à abordagem individual, ou seja, ao processo de caso indi-
vidualizado. Isso se deu devido ao desconhecimento de outros processos
com profundidade, conforme menciona Luiz Cava Neto citado por Vieira
e outros (1987). Contudo, a conjuntura desenvolvimentista foi se impondo
ao nosso país, os assistentes sociais inseriram-se num processo de com-
preensão do desenvolvimento econômico e social.
Ilustrando as afirmações acima, Castro (1984) assinala que esse cená-
rio da profissão ocorreu graças ao empenho da ONU em atuar no incentivo
às capacitações e qualificações de técnicos, visando cobrir as demandas
emergentes relativas aos níveis de administração do desenvolvimento.
O cenário socioeconômico, cultural e político do desenvolvimen-
tismo exigiu, por parte dos técnicos, sobretudo do assistente social, a pre-
paração e adesão aos trabalhos de cunho comunitário. O objetivo era de
engajar a comunidade, as massas subalternas na expansão da industrializa-
ção e, consequentemente, do desenvolvimentismo capitalista. A alegação
era de que o desenvolvimento propiciaria a melhoria da qualidade de vida

– 94 –
O Serviço Social e o desenvolvimentismo

de todos; na verdade estava subjacente a ideologia dominante, que comun-


gava interesses tanto da burguesia nacional quanto da estrangeira.

Conclusão
Neste capítulo, contextualizamos a trajetória e inserção do Serviço
Social face ao momento de forte expansão do sistema capitalista, denomi-
nado desenvolvimentismo. Essa política era respaldada pelos governos de
Juscelino Kubitschek e de Jânio Quadros, nos primórdios da década de 60.
Vimos que, nessa perspectiva modernizadora e reformista, os atores
sociais envolvidos respondiam aos interesses dominantes gestando nas
massas subalternizadas, através do mecanismo do Desenvolvimento de
Comunidade, o mito do desenvolvimento para todos, ocultando assim, os
reais interesses das elites nacionais e estrangeiras.
A estratégia do Desenvolvimento de Comunidade obteve impor-
tante adesão dos técnicos, sobretudo do Assistente Social, no processo de
expansão e fortalecimento da ideologia desenvolvimentista. O Assistente
Social é tido como profissional apropriado para atender às demandas da
comunidade. Foi envolvido no processo no sentido de mobilizar as massas
ou comunidades em prol do desenvolvimento.
Nesse cenário, pudemos analisar a realidade na qual o assistente social
se inseriu na década de 60, configurando e redefinindo seu papel no sen-
tido de dar respostas às demandas sociais emergentes naquele momento.
Diante disso, apreendemos que o contexto do desenvolvimentismo
favoreceu a expansão da profissão de Serviço Social, dentro do quadro
de expansão econômica, bem como realçou seu status enquanto profis-
são inserida na divisão sociotécnica do trabalho. Vale ressaltar que, nesse
momento histórico, sofreu forte influência do projeto desenvolvimentista,
reorientando-se no plano institucional, teórico e metodológico.

– 95 –
12
O Serviço Social e
a “Geração 1965”

Neste capítulo, iremos tratar dos caminhos da profissão de


Serviço Social no contexto da Ditadura Militar desde o Golpe até
os anos finais da década de 60. É importante conhecer esse perí-
odo para que possamos traçar um quadro histórico e social da tra-
jetória da referida profissão: as demandas societárias presentes,
as respostas profissionais nesse cenário e as construções teórico-
-metodológicas do novo projeto ético-político profissional.
Vale considerar que, em meados da década de 1960, o Ser-
viço Social já desfrutava do status de profissão liberal inscrita na
divisão social e técnica do trabalho com reconhecimento legal.
É nesse período que surgem fortes ­questionamentos quanto às
matrizes conservadoras subsidiárias do discurso e quanto à prá-
tica profissional, afirma Simionatto (2004).
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Estudos revelam que, com a crise do modelo desenvolvimentista,


o período entre 1961 e 1964 no Brasil e América Latina caracteriza-se
por profunda agitação política, ocasião em que segmentos da sociedade
insatisfeitos reivindicam mudanças. Silva e Silva (2007, p. 81) diz que
“setores da categoria profissional dos Assistentes Sociais esboçam algu-
mas tentativas de novas experiências de vinculação aos processos e lutas
por mudanças”.
Em 1965 emerge o Movimento de Reconceituação como marco de
questionamento dos referenciais teóricos e da prática profissional, atre-
lado às matrizes norte-americanas. É o momento de contestação das pro-
postas do Serviço Social Tradicional. Caracterizava-se, portanto, um pro-
cesso de crítica e ruptura inserido num cenário sociopolítico da América
Latina, quando se buscava romper com as amarras imperialistas de exclu-
são, dependência e exploração.
Segundo Simionatto (2004, p. 174),
Este movimento, que tem sua emergência em 1965 e seu exauri-
mento por volta de 1975, desenvolver-se-à a partir de várias ver-
tentes, desde a de natureza nitidamente desenvolvimentista até as
que, de forma mais radical, propunham a criação de um Serviço
Social comprometido com a realidade dos povos latino-america-
nos, cujo referencial deslocava-se da visão funcionalista para a
perspectiva dialética.

No Brasil, ante a realidade vigente do Golpe Militar, essa proposta


não encontrou espaço para se desenvolver. Nesse momento, afirma Simio-
natto (2004, p. 175) “a perspectiva modernizadora terminou por ser efeti-
vamente assumida pelo Serviço Social.”
Nessa época, o Movimento de Reconceituação perdeu impulso e
muitos de seus precursores foram perseguidos e exilados do país, outros
foram cooptados pelo governo mediante oferta de altos cargos e generosas
retribuições monetárias.
A seguir, abordaremos os acontecimentos da fase “Geração 1965” do
Serviço Social a partir do processo de instalação da Ditadura Militar no
B­rasil em 1964, reportando-nos aos rebates na formação profissional e sua
luta pela efetivação de um projeto ético profissional.

– 98 –
O Serviço Social e a “Geração 1965”

12.1 O Serviço Social e os ditames


da Ditadura a partir de 1964
No Brasil, início dos anos 60, o contexto em vigor era o do naciona-
lismo econômico e político onde se buscava um desenvolvimento capi-
talista autônomo, ou seja, sustentado internamente. Porém, com o golpe
militar de 1964, as ilusões nacionalistas foram à bancarrota revelando a
aliança da burguesia industrial nacional ao capital estrangeiro, bem como
o forte caráter conservador e autoritário da burguesia nacional ou classes
dominantes (VITA, 1999).
Em face dessa realidade de repressão, Simionatto (2004, p.175)
afirma que: “O projeto de cunho ‘nacional-desenvolvimentista’ cedeu
lugar a uma proposta ‘pragmático-tecnocrática’, destinada a responder às
necessidades do crescente processo de acumulação capitalista”.
Segundo Vieira e outros (1987), o período pós-Golpe trouxe marcas
profundas no que concerne à radicalização do modelo capitalista. Esse
modelo era escoltado por uma concentração exacerbada do poder estatal e
de um aniquilamento dos instrumentos de defesa das classes subalternas.
No governo Castelo Branco, o modelo desenvolvimentista tomou
fôlego utilizando a educação como um instrumento nesse processo,
mediante a abertura ao capital estrangeiro. Freitag citado por Vieira e
outros (1987, p. 107) afirma que “os aparelhos repressivos do Estado assu-
mem o controle dos mecanismos e aparelhos ideológicos [...]”. Evidencia-
-se, nesse período, uma tendência ao fortalecimento do ensino particular,
o que contribui para reformulação geral do ensino a partir de 1967.
A citação a seguir dá o tom das medidas implantadas pela reforma
universitária nesse período, através do Decreto-Lei 477, que atribuía às
autoridades universitárias e educacionais “o poder de desligar e suspender
estudantes envolvidos em atividades que fossem consideradas subversi-
vas, isto é, perigosas para a segurança nacional”. (VIEIRA e outros, p.
108). Vale salientar que tais medidas eram extensivas aos funcionários das
universidades e ao corpo docente.
Nesse cenário do Golpe Militar convém mencionar que houve
corte nos trabalhos desenvolvidos com a comunidade. Segundo Helena

– 99 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Junqueira e Maria Lúcia Carvalho da Silva citadas por Vieira e outros


(1987, p. 114), “o trabalho com a comunidade foi confundido, por
alguns dos usuários, com comunismo”. Isso se deu, principalmente,
em relação às práticas desenvolvidas extra âmbito estatal vinculadas à
Igreja ou a movimentos operários.
Nessa conjuntura política da Ditadura Militar, já consolidada no país,
ocorre uma forte expansão da demanda pelo trabalho com comunidades.
Nesse momento é imposta a ideia de participação popular, sendo o Assis-
tente Social chamado, conforme afirmam Vieira e outros (1987, p. 115),
“a atuar na implementação de estratégias que viabilizem esta participação
em planos de governo.”
Os Assistentes Sociais muito contribuíram na veiculação da ideologia
da integração nacional junto à população. Nesse ínterim, as práticas pro-
fissionais do Serviço Social multiplicaram-se conjuntamente com outros
profissionais, principalmente nas áreas rurais, com intuito de aplicar o
desenvolvimento de comunidade como processo educativo, criando con-
dições de envolver a população no progresso do país. A título de exemplo,
tivemos na ocasião as agências Sudene, Sudam, Sudesco e Sudesul.

12.1.1 Serviço Social na conjuntura de 1964 a 1968


As repercussões da conjuntura de opressão e repressão circuns-
crevem-se no âmbito do Serviço Social brasileiro de modo a frear sua
vertente crítica. Nesse primeiro momento do Regime Militar no país e
na América Latina, “o Serviço Social é bastante marcado em suas pers-
pectivas e possibilidades de avanços críticos” (SILVA, 2007, p. 29-30).
Este regime político esteve fundado na Doutrina de Segurança Nacional
e Desenvolvimento, que se atrelou “a teorias geopolíticas, ao antimar-
xismo e ao pensamento católico de tendência conservadora” (SILVA,
2007, p. 30).
A conjuntura, entretanto, é a de gestação do Movimento de Reconcei-
tuação do Serviço Social na América Latina. Esse movimento canalizou
as insatisfações profissionais no campo teórico-instrumental e político-
-ideológico. Isso se deu graças à tomada de consciência progressiva sobre
a realidade de subdesenvolvimento, dependência, dominação e opressão

– 100 –
O Serviço Social e a “Geração 1965”

das classes subalternas da sociedade civil por parte dos profissionais, asse-
vera Silva (2007).
A cisão do bloco histórico impõe uma realidade de desmobilização,
que culmina em mudanças de rumo dos movimentos políticos gestados
anteriormente numa conjuntura populista, como: o Movimento de Edu-
cação de Base (MEB), o sindicalismo rural, bem como as experiências
de Desenvolvimento de Comunidade, mencionadas na aula anterior. O
Estado passa, então, a controlar a relação capital-trabalho.
Essa realidade rebate no Serviço Social, pois resta-lhe atuar na exe-
cução de políticas sociais em expansão, assim como em programas de
Desenvolvimento Comunitário. Conforme já vimos anteriormente, essas
atividades visam à integração das populações aos programas de desenvol-
vimento tolhendo-as, o que caracteriza um retrocesso ou refluxo das lutas
em processo.
Vale ressaltar que é neste cenário que ocorrem, em 1961 e 1965, res-
pectivamente, o II e III Congressos Brasileiros de Serviço Social, bem
como os chamados “seminários de teorização do Serviço Social”, promo-
vidos pelo CBCISS. Esses momentos servem de reflexões profissionais
inscritas no processo de renovação do serviço social no Brasil, que culmi-
nou na elaboração do Documento de Araxá em 1967. Ainda em 1965, o
CBCISS lança o periódico Debates Sociais, o que constitui um relevante
meio de difusão editorial da profissão (NETTO, 1994).
Segundo Castro citado por Netto (1994, p. 138), “o assistente social
quer deixar de ser um ‘apóstolo’ para investir-se da condição de ‘agente
de mudança’.” O II Congresso Brasileiro, ocorrido no Rio de Janeiro, sig-
nificou não somente a descoberta do desenvolvimentismo, mas, “efetiva-
mente entronizou a intervenção profissional inscrita no Desenvolvimento
de Comunidade como aquela área do Serviço Social a receber dinamiza-
ção preferencial” [...], afirma Netto (1994, p. 138-139).
Na esteira da erosão do Serviço Social Tradicional, Netto (1994),
Iamamoto e Carvalho (1985) mencionam três elementos relevantes nesse
processo. O primeiro refere-se ao reconhecimento de que ou a profissão se
sintoniza com as demandas de mudança e crescimento da sociedade, em
condições de competir com os demais protagonistas, ou ficará relegada a

– 101 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

segundo plano. O segundo elemento decorre da exigência acima, requer o


aprimoramento profissional teórico, técnico, científico e cultural dos Assis-
tentes Sociais. O terceiro elemento revela o caráter subalterno da profis-
são, devido ao exercício em funções executivas. Reivindica-se, então, a
inserção do Serviço Social em funções que vão além da mera execução na
programação e implementação de projetos de desenvolvimento. Esses ele-
mentos caracterizam-se como sinalizadores da dinâmica do Serviço Social,
pois ainda não há uma intensa dinâmica ou crise no seio da profissão.
Nesse sentido, começa a ser posto em questão o Projeto Profissio-
nal que vinha sendo desenvolvido desde a institucionalização do Serviço
Social ao incitar buscas de novas bases teórico-políticas para a profissão.
Surgem dois outros projetos com direções diversas, permeados por novos
elementos de compreensão da metodologia do Serviço Social e de seu
instrumental técnico-operativo, bem como por concepções diferenciadas
de sociedade e profissão. Trata-se do Projeto Modernizador e do Projeto
de Ruptura, ocorridos no final da década de 60.
Diante disso, é pertinente que atentemos para as demandas e respos-
tas do Serviço Social na conjuntura mais rígida da Ditadura Militar, que
ocorreu no período de 1968 a 1974. A seguir, dialogaremos sobre as exi-
gências impostas à profissão e suas respostas neste cenário.

12.1.2 Panorama do Serviço Social no contexto


da Ditadura Militar a partir de 1968
A partir de 1968, inaugura-se nova conjuntura e novo momento para
o Serviço Social instituído com o Ato Institucional n. 5 (AI-5). Vivencia-
-se uma forte repressão à luz da ideologia da integração e do desenvolvi-
mento, pautada pela expressa e notória repressão da sociedade brasileira.
O período em foco, segundo Silva e Silva (2007, p. 310),
é marcado profundamente pela repressão aos setores populares orga-
nizados e àqueles considerados inimigos do regime, com abertura de
espaço para os conservadores, só sendo possível a sobrevivência das
organizações de oposição na clandestinidade (2007, p. 310).

Assim sendo, imprime-se a ‘cultura da tortura e do medo’, fortale-


cendo a imposição do silêncio. Esse modelo econômico, aliado ao poder

– 102 –
O Serviço Social e a “Geração 1965”

político, constitui-se momento de favorecimento da expansão do capital.


É o momento que o Brasil vive o chamado “milagre econômico”, cujo
Produto Interno Bruto (PIB) cresce aceleradamente. Segundo Singer
citado por Silva e Silva (2007, p. 31), “só é possível mediante a repressão
das tensões sociais que permite o estabelecimento de medidas importantes
na transformação das relações de trabalho.”
Daí você pode se questionar: Diante desse panorama social, político,
cultural e econômico, como se desenhava a política social? Convém refor-
çar que o desenvolvimento do capitalismo, nesse período, caracterizou-se
por intensa desmobilização dos movimentos organizados impondo medidas
importantes na transformação das relações de trabalho, ou seja, a política de
arrocho salarial, a substituição do sistema de estabilidade no emprego pelo
FGTS e abolição do direito de greve. Segundo Silva e Silva (2007, p. 32),
A política social se coloca como estratégia para atenuar sequelas
do desenvolvimento do capitalismo monopolista no Brasil, mar-
cado pela superexploração da força de trabalho e pela forte con-
centração de renda.

Constata-se um forte vínculo da política social com o sistema produ-


tivo. O objetivo é corrigir as distorções entre produção e consumo, afirma
Silva e Silva (2007). Acrescenta a autora, “a política social serve como parâ-
metro ou medida de impacto para legitimar o regime da Ditadura, mediante
o controle dos pontos de estrangulamento do crescimento econômico.”
O sistema educacional possível no âmbito de resistências às mudan-
ças exerce um papel fundamental nesse contexto. A ele é atribuída “a
tarefa de preparar recursos humanos para atendimento dos projetos de
investimento no campo econômico, destacando-se a política de profissio-
nalização e privatização da educação” (SILVA e SILVA, 2007, p. 32).
Em 1969, institui-se o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(MOBRAL). Vale ressaltar que esse cenário é disseminado praticamente
por todo o elenco de atividades institucionalizadas, operando na reprodu-
ção das relações sociais.
Na etapa de transição das décadas de 60 e 70, antes vivenciada por
um cenário ditatorial, o Estado brasileiro, no momento de redefinições
modernizadoras e de cunho conservador, reordena as políticas sociais.

– 103 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Diante disso, cabe ao Serviço Social se modernizar para atender aos


objetivos do Estado, constituindo-se uma tecnologia social enquanto parte
integrante do aparato técnico-burocrático. Assume a racionalização da
intervenção nas sequelas das expressões da questão social, geradas pelo
modelo econômico implantado durante o regime ditatorial.
Convém mencionar Faleiros (1985, p. 61), que ressalta essa realidade
no âmbito institucional ao afirmar que “A intervenção profissional passa a
ser enquadrada não em função da problemática real da população, mas em
função da perturbação da ordem institucional”.
Nesse ínterim, profissionais alinhados com a modernização passaram
a questionar a cientificidade da prática profissional, seus métodos e teorias;
sem questionar, contudo, seu papel político nesse contexto. Os Seminários
de Teorização do Serviço Social, ocorridos em Araxá (1967) e Teresópolis
(1970), refletem esse momento de redefinições enquanto esforço de alguns
segmentos da categoria em sistematizar teoria e prática profissional.
No próximo item, abordaremos o Seminário de Teorização do Ser-
viço Social ocorrido em Araxá.

12.1.3 Teorização do Serviço Social:


O Documento de Araxá
A partir de agora você conhecerá a relevância do processo de teori-
zação do Serviço Social focado no Encontro de Araxá. O Serviço Social
como prática institucionalizada, desafiado pelas exigências do processo de
desenvolvimento apoiado na ideologia desenvolvimentista, buscou inte-
grar-se na dinâmica da realidade em mudança como um dos instrumentos.
A proposta era a de propiciar ao homem meios à plena realização de sua
condição humana. Esse envolvimento suscitou a revisão do seu quadro de
referência em termos de objeto, objetivos, papéis, funções e metodologia
de ação (AMANN, 1984).
O CBCISS (Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Servi-
ços Sociais), antenado com a realidade do contexto do final da década de
60, reconheceu o imperativo inadiável dessa revisão, logo encetou esfor-
ços de teorização do Serviço Social.

– 104 –
O Serviço Social e a “Geração 1965”

O Encontro de Araxá ocorreu em Minas Gerais no ano de 1967. Reu-


niu 38 Assistentes Sociais de diversas partes do Brasil. Este evento foi
promovido pelo CBCISS e teve como objetivo repensar, de modo mais
profundo, a teoria básica e a metodologia do Serviço Social. Nessa oca-
sião, produziu-se o Documento de Araxá que teve expressiva ressonância
dentro e fora do Brasil.
Inicia-se, portanto, com o Seminário de Araxá o processo de recon-
ceituação. Segundo Amann (1984), esse processo caracteriza-se como
uma etapa de modernização; seu foco concentra-se na melhoria e adequa-
ção da tecnologia profissional às demandas institucionais, bem como na
busca por uma racionalidade científica. Embora reconheça contradições
no referido Documento, o mesmo expressa forte vínculo com essa ordem
quando o toma como base e como referência. Vejamos o que diz o docu-
mento citado por Netto (1994, p. 167).
[...] Como prática institucionalizada, o Serviço Social se caracte-
riza pela atuação junto a indivíduos com desajustamentos familiar
sociais. Tais desajustamentos muitas vezes decorrem de estruturas
sociais inadequadas.

Desse modo, a proposta de Araxá, segundo Amann (1984, p. 154)


“se coloca em função do aperfeiçoamento da ordem, passa a orientar as
discussões teóricas, a investigação científica, a prática profissional e a for-
mação profissional.” Netto (1994) afirma de modo enfático a notoriedade
da dominância teórica que dá forma ao Documento de Araxá, isto é, o
estrutural-funcionalismo, referencial que você estudou nas aulas um e dois
deste material.

Conclusão
Neste capítulo, você compreendeu o panorama do Serviço Social ao
longo do segundo lustro dos anos 60, sobretudo a partir da Ditadura Mili-
tar, em abril de 1964. Nas trilhas do movimento de crítica do chamado
“Serviço Social Tradicional”, estudamos um recorte modernizador atento
a questões micro-societárias em detrimento da visão macro, o que revela
um projeto profissional imbuído de forte caráter conservador. Contextu-
alizamos também a magnitude do impacto do Golpe de abril de 1964,

– 105 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

ou seja, seu rebate às mobilizações e discussões dos Assistentes Sociais,


repercutindo na redução da efervescência dos movimentos sociais vigen-
tes na época, sendo levados à clandestinidade. Nesse ínterim, abordamos o
marco de início da reconceituação, conhecido como Teorização do Serviço
Social, formatado e suscitado pelo CBCISS, iniciado durante o Seminário
de Araxá. O Documento resultante desse Seminário, apesar da agitação e
crítica da época, revela seu ecletismo e o vigor do caráter modernizador da
proposta profissional, referendado no estrutural-funcionalismo. Trata-se
da afirmação da perspectiva modernizadora no seio da profissão.

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13
Serviço Social
nos anos 70

Neste capítulo, trabalharemos sobre o momento de redefini-


ções do Serviço Social face às mudanças ocorridas num regime
político fortemente totalitário, a Ditadura Militar, nos anos 70,
cuja doutrina de Segurança Nacional justifica e legitima todo tipo
de prática de repressão, tortura e tolhimento das organizações
populares da época.
O Estado brasileiro buscava redefinir seu papel ante a moder-
nização num contexto de reordenamento das políticas sociais. O
Assistente Social assume nesse cenário a racionalização da inter-
venção nas sequelas da questão social diante do contexto de pre-
carização das condições socioeconômicas das camadas de baixo
poder aquisitivo.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

As décadas de 60 e 70 marcam uma conjuntura de profunda erosão


das práticas do Serviço Social até então inseridas no tradicionalismo pro-
fissional, ou seja, orientadas por uma ética liberal-burguesa, funcionalista,
cujas características ressaltam práticas empiristas, reiterativas, paliativas
e burocráticas.
Na esteira do processo de Renovação do Serviço Social, o Seminário
de Teresópolis em 1970 marcou o esforço de segmentos da categoria no
sentido de elaborar uma sistematização teórico-prática da profissão.
A seguir, contextualizamos os anos 70 enfocando a configuração das
políticas sociais vigentes, bem como o papel do Assistente Social nesse
cenário e suas mobilizações no sentido de repensar a prática profissional.

13.1 Política do Estado de Bem-Estar Social


no Brasil e Serviço Social nos Anos 70
A década em foco foi marcada por dois momentos: o primeiro, a
euforia do chamado “milagre econômico”; e o segundo, por uma crise.
A década de 70 foi palco de acelerado crescimento econômico, cons-
tituindo-se de motivos ou precondições que o favoreceram, segundo Jun-
queira e outros (1981, p. 9),
legitimação de um regime político autoritário e eliminação da
expressão e organização popular;
capacidade produtiva implantada em períodos anteriores, não utili-
zada plenamente até então;
forte controle governamental em relação aos instrumentos da polí-
tica econômica (salários, moeda, crédito, câmbio, preços);
existência de um grande exército de reserva, representado por for-
tes contingentes de desempregados e subempregados, que favore-
ciam o custo reduzido da mão-de-obra de baixa qualificação;
fase ascendente do comércio internacional e das transações no
mercado internacional de capitais.

Acrescentam as autoras que diante dessa realidade adotaram medidas


estratégicas, que viabilizaram o milagre econômico:

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Serviço Social nos anos 70

forte entrada de capital estrangeiro;


estímulo de formação de conglomerados industrial-financeiros;
aumentos significativo do poder aquisitivo das classes média e
alta, garantindo um consumidor interno, em detrimento das classes
inferiores (JUNQUEIRA, 1981, p. 9).

Assim sendo, fica explícito, com franca notoriedade, o compromisso


dos governos, até então no comando do país, com as minorias abastadas
da sociedade espoliando as camadas de baixo poder aquisitivo.
O período de crise, momento de afloramento dos problemas ine-
rentes ao modelo implantado, se consubstanciou no período de 1974 a
1978, no governo Geisel. O plano econômico apresentava crescentes
dificuldades em sua efetivação, o que incitou a necessidade de revisar a
política global da Ditadura, a qual com seu colossal aparato repressivo
já não atendia às reais demandas da sociedade, afirmam Junqueira e
outros (1981).
Diante disso, acentua-se consideravelmente o quadro de carências do
cidadão brasileiro em meados dos anos 70, depreendendo-se situar essa
crise não só no plano econômico, mas principalmente no social e político.
Ilustram-se as insatisfações existentes, o crescimento dos movimentos
populares, as manifestações sindicais e de vários profissionais liberais.
O cenário do capitalismo monopolista é fortemente marcado pela
magnitude da concentração de renda, bem como da superexploração da
força de trabalho, segundo Silva e Silva (2007, p. 32) “Até o II Plano
Nacional de Desenvolvimento (II PND) [...], até 1974, era atribuída à
política social a função de eliminação dos pontos de estrangulamento do
crescimento econômico [...]”.
No período de 1972-1974, vigência do I PND, Silva e Silva (2007,
p. 32) afirmam que “a política social é definida em termos de integração
social,­ ­significando articulação harmônica entre governo e setor privado;
entre União e Estados, entre regiões desenvolvidas e regiões subdesen-
volvidas [...]” Daí os programas de impacto como PIS/PASEP, BNH,
MOBRAL, FUNRURAL, PROTERRA, Projeto Rondon (1975), Centros
Sociais Urbanos e CRUTACs.

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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Nessa conjuntura de ampliação do aparato público, salienta Silva


e Silva (2007), vale destacar a importância da política social na área da
assistência social assumida pela Legião Brasileira de Assistência, FUNA-
BEM e o Ministério da Previdência e Assistência Social nas esferas Fede-
ral e Estadual.
Enfim, partindo desse desenho da política social vigente na década
de 70, você verá, no próximo item, como se deu a inserção do Assistente
Social nesse contexto.

13.1.1 Serviço Social e suas Respostas


às Demandas Societárias: o processo de
construção do novo Projeto Profissional
Considerando o panorama da política social descrito anteriormente,
você estudará neste item a contribuição do Serviço Social conforme as
demandas da sociedade, objetivando dar respostas significativas e condi-
zentes com a realidade vigente.
Nesse ínterim, entra em cena o Assistente Social, responsável direto
pela operacionalização da política social, a qual exerce forte influência na
profissão. Assumindo uma perspectiva modernizadora,
a formação profissional [...] passa a ser pautada pela busca de efici-
ência e da modernização da profissão, sendo que o planejamento, a
coordenação e a administração passam a desempenhar papel fun-
damental, aliado ao esforço de capacitação profissional para uma
atuação em nível macro e para participação em equipes interprofis-
sionais (SILVA e SILVA, 2007, p. 34).

Diante dessa realidade, alguns estudiosos apontam como sendo este


o início dos esforços de Reconceituação do Serviço Social, que culmina
na realização de vários encontros para discutir sobre a sistematização teó-
rico-prática da profissão, como Araxá (1967) e Teresópolis, em 1972. Esse
eventos reafirmam a diretriz tradicional do Serviço Social na perspectiva
da integração social, afirma Silva e Silva (2007).
Convém salientar que estudiosos do Movimento de Reconceitua-
ção enfatizam seus componentes básicos, os quais se encontram con-

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Serviço Social nos anos 70

substanciados pela fragilidade teórica, inadequação teórico/prática e


limitação profissional, ou seja, atividade profissional predominante-
mente institucionalizada.
Vale ressaltar também que os estudos de teorização do Serviço Social
contaram com a realização do III Seminário, em 1978, promovido pelo
CBCISS, enquanto possibilidade de novos questionamentos para siste-
matização teórica, afirma Ammann (1984). A autora ainda enfatiza: “É
somente neste Seminário que se realiza a reflexão sobre novas proposi-
ções que, naquele momento, estão a exigir um esforço de crítica e formu-
lação teórica” (p. 154).
Na ocasião desse seminário, Ammann (1984, p. 154) cita duas pro-
postas e questionamentos apresentados:
1.”O Serviço Social a partir de uma abordagem de compreensão”, ou
seja, interpretação fenomenológica do estudo científico do Serviço Social;
2.”O Serviço Social a partir de uma abordagem dialética”, ou seja,
teoria de interpretação com base no método dialético, entendido em sen-
tido metodológico: a relação entre o objeto construído por uma ciência, o
método empregado e o objeto real visado por essa ciência.
Quanto à fenomenologia, método não usual no desenvolvimento do
Serviço Social no Brasil, Netto (1994, p. 208) assinala que essa abordagem
emerge “como o insumo para a reelaboração teórica e prática da profissão”.
Após este breve panorama da política social configurada na década
de 70, bem como a inserção e o papel do Assistente Social nesse contexto,
você estudará no próximo item o que representou o Encontro de Teresópo-
lis no processo de organização política dos Assistentes Sociais, bem como
na construção do novo projeto ético-político da profissão.

13.1.2 Perspectiva de Reatualização do


Conservadorismo no Serviço Social
Neste item, tomaremos como referência a sistematização de Netto,
citada por Silva e Silva (2007), no que tange ao processo de renovação do
Serviço Social na perspectiva de reatualização do conservadorismo.

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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

O Documento de Teresópolis, consolidado na tessitura da autocra-


cia burguesa, reflete a mesma visão de mundo encetada pelo Seminário
de Araxá, afirma Ammann (1984). Assim sendo, assevera a mencionada
autora: “Não é de estranhar que o enfoque da intervenção do Serviço Social
seja no sentido de reforçar projetos que modernizem a situação dos grupos
atingidos sem atentar para os aspectos formativos da intervenção” (p. 154).
Tomando por base as análises de Netto (1994), a perspectiva moder-
nizadora se afirma no Documento de Teresópolis, sobretudo, enquanto
pauta interventiva, cristaliza-se a operacionalidade do sentido sociotéc-
nico do Serviço Social, privilegiando assim seu aspecto instrumental.
Desse modo, no campo do saber e do fazer profissional, é proposto tanto
uma redução quanto uma verticalização, ou seja, o Assistente Social ocupa
o status de funções meramente executivas, bem como precisa se apropriar
de técnicas de intervenção de cunho prático-imediatista.
Nesse contexto, o Serviço Social passou a ser questionado do ponto
de vista de sua cientificidade, de seus métodos e teorias, porém sem ques-
tionar seu papel político neste cenário. Havia uma visão endógena de que
partindo de uma metodologia bem organizada, os problemas da prática
profissional estariam resolvidos.
Diante disso, é pertinente ressaltar que apesar dos esforços empre-
endidos no processo de renovação do Serviço Social rumo à moderni-
zação, seja por ocasião do Documento de Araxá ou de Teresópolis, não
romperam com o tradicionalismo no seio da profissão. Entretanto, não se
consegue suplantar as implicações político-ideológicas que influenciam a
profissão desde os seus primórdios.
Segundo Iamamoto (1994), configura-se este processo como “atu-
alização da herança conservadora”, visto que o Serviço Social apesar
de promover um desenho histórico como resposta às novas demandas
societárias, não consegue suplantar a tendência conservadora mencio-
nada anteriormente.
Convém reforçar que a perspectiva modernizadora, cujo auge se deu
com os Encontros de Araxá e Teresópolis em virtude de não atender às
expectativas da categoria de Assistentes Sociais, perde sua hegemonia por
volta do segundo lustro dos anos 70, quando ressurge o espírito coletivo

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Serviço Social nos anos 70

questionador no seio da profissão, o qual tomará grande vulto na década


de 80, alcançando aí sua hegemonia (SILVA e SILVA, 2007).
Vale mencionar um outro momento histórico na trajetória do Ser-
viço Social, por volta de 1978 com o Encontro de Sumaré. Esse evento
“representa o deslocamento da vertente modernizadora no Movimento de
Reconceituação do Serviço Social no Brasil” (SILVA e SILVA, 2007, p.
98). A perspectiva modernizadora passa a dividir espaços com outras ver-
tentes, as quais emergem nas discussões da profissão como a referência ao
pensamento marxista.
É importante frisar que o cenário do regime autocrático exerceu forte
influência nas delimitações desse Projeto Profissional dificultando sua
expansão, cujo avanço se deu com a redemocratização do país na década
seguinte, sinalizando o Projeto Profissional de Ruptura.
Esse projeto, consubstanciado no conhecido “Método BH”, é “con-
siderado um marco do Projeto de Ruptura do Serviço Social, conforme
Silva e Silva (2007). Tem por base a proposta de segmentos de Assistentes
Sociais da Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas
Gerais, cuja preocupação está voltada para “critérios teóricos, metodoló-
gicos e interventivos, explicitamente direcionada aos interesses das clas-
ses e camadas exploradas e subalternas” (p. 101).
Nesse contexto, a partir de 1978, o Movimento de Reconceituação
recebe forte influência do teórico Gramsci. De acordo com Silva e Silva
(2007, p. 39) “procura se orientar por uma perspectiva dialética, com base
na concepção de Estado ampliado, que permite perceber a instituição
como espaço contraditório e de luta de classes”. Esse espaço foi anterior-
mente refutado enquanto campo de atuação do Serviço Social.

Conclusão
Neste capítulo, trilhamos brevemente os caminhos da política social
do Estado de Bem-Estar nos anos 70, ressaltando o papel do Serviço
Social ao expressar suas respostas às demandas vigentes naquela década.
O Serviço Social, nesse cenário, busca redefinir suas práticas imprimindo
cientificidade e eficiência técnica. Parte do Projeto de Modernização,

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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

passa pelo Projeto de Reatualização do Serviço Social e culmina com o


Projeto de Ruptura já sinalizado no final da década de 70, tomando vulto
nos anos 80. Pudemos perceber também a interlocução dessas perspecti-
vas na trajetória da profissão, bem como suas contribuições, semelhan-
ças e divergências. Diante disso, você pode verificar os avanços quanto à
construção do projeto profissional do Serviço Social diante das exigências
societárias num contexto de retomada de discussões imperativas antes da
Ditadura Militar.

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14
O Serviço Social
e o Marxismo

O Serviço Social tradicional atuava pautado nas perspecti-


vas das correntes teóricas do neotomismo, positivismo e funcio-
nalismo. A partir do final dos anos 70, no contexto da América
Latina e Brasil, a profissão inicia um processo de reflexão crítica
de seus posicionamentos políticos-ideológicos e interventivos.
Desencadeia mudanças em segmentos da categoria que absor-
vem uma nova corrente teórica capaz de explicar a realidade do
ponto de vista dialético e de provocar uma revolução na atuação
do Serviço Social voltada para a perspectiva de transformação da
realidade social brasileira.
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

14.1 O método do Materialismo Histórico Dialético


A doutrina da corrente filosófica do Materialismo Histórico Dialético
tem como fundador Karl Marx. Conforme Costa (1987, p. 71) é “a cor-
rente mais revolucionária do pensamento social nas consequências teóri-
cas e na prática social que propõe”. O marxismo, como corrente revolu-
cionária, apresentou mudanças radicais na forma de explicar e entender as
relações sociais e econômicas das sociedades modernas. Esse pensamento
desmistificou a relação capital/trabalho focando os aspectos do materia-
lismo dialético, do materialismo histórico e da economia política.
O materialismo dialético tem como premissa a interpretação na pers-
pectiva de visão de mundo, cujos princípios se fundamentam na dialética,
na matéria e na prática social. Tem como foco central a materialidade e a
superação na transformação da natureza em mercadoria. Estuda como as
relações sociais, imbuídas neste processo dialético, se desenvolvem em
uma dinâmica processual.
O método dialético impõe reciprocidade no mundo dos fenômenos.
Compreende e explica as mudanças que ocorrem na matéria, nas forças
produtivas e nas relações de produção existentes no mundo moderno. Esse
método tem como intenção entender o capitalismo, não apenas do ponto
de vista de desenvolvimento do aspecto científico, o qual trouxe contribui-
ção à ciência; mas, sobretudo, segundo Costa (COSTA, 1998, p. 84), na
proposição de uma ampla transformação política econômica e social para
as sociedades.
Há um alcance mais amplo nas suas formulações, que adquiriram
dimensões de ideal revolucionário e ação política efetiva. As con-
tradições básicas da sociedade capitalista e as possibilidades de
superação apontadas pela obra de Marx não puderam, pois, perma-
necer ignoradas pela sociologia.

Essa ciência, como estuda as leis sociológicas e a caracterização des-


sas leis para sociedade, entende a história e seu processo evolutivo no
desenvolvimento da humanidade. A historicidade tem força central para o
pensamento dialético, compreendendo os homens como capazes de força
motriz que conduz as mudanças que ocorrem nos fundamentos materiais
dos agrupamentos humanos.

– 116 –
O Serviço Social e o Marxismo

O materialismo histórico se constitui uma ciência filosófica esclare-


cedora dos seguintes conceitos como assevera Hermany:
Ser social: relações materiais dos homens com a natureza e entre
si que existem em forma objetiva, independente da consciência.
Consciência social: são as ideias política, jurídicas, filosóficas,
estéticas, religiosas, etc. Meios de produção: tudo o que os homens
empregam para originar bens materiais (máquinas, ferramentas,
energia, matérias químicas etc). Forças produtivas: são os meios
de produção, os homens, sua experiência de produção, seus hábitos
de trabalho. Relações de produção: podem ser de cooperação, de
submissão ou de tipo de relações que signifique transição entre as
formas assinaladas. Modos de produção: da comunidade primi-
tiva, escravista, feudalista, capitalista e comunista (grifo nosso).
(Disponível em: <http://www.unisc.br/cursos/graduacao/servico_
social/artigo_ines.doc>. Acesso em 13 set. 2008).

Assim sendo, a concepção materialista apresenta peculiaridades rele-


vantes como a materialidade do mundo, que considera os fenômenos como
reflexo das nossas sensações e delas independe; a dimensão da consciên-
cia, a qual reflete sobre a realidade objetiva, de sorte que se imbrica com a
realidade material. Isso revela uma forte relação entre as duas característi-
cas apontadas no universo do materialismo.

14.2 Relação capital/trabalho e mais-valia


As relações sociais de trabalho desenvolvidas no sistema capitalista
transformam a força de trabalho em mercadoria de compra e venda, carac-
terizando o trabalhador em um assalariado, que vende sua força de tra-
balho para os donos do capital, em troca de salário, mediante contrato. A
apreensão dessa relação de compra e venda da força de trabalho no modo
capitalista foi desvelada por força da construção da teoria marxista.
Sabemos que o capitalismo traz em seu bojo a intenção de produzir
para auferir lucro. Utiliza-se da força de trabalho alienada como mão de
obra explorada e desprovida dos meios de produção, de cujo produto do
trabalho realizado é alijada. Valendo lembrar que, nesse contexto, somente
as mercadorias vendáveis é que têm valor de troca, aquelas que servem
como bens de uso aglutinam apenas valor de uso.

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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

O capitalismo converteu o trabalho em mercadoria numa visão de


lucro, estabelecendo relações frias, impessoais e desiguais. Esse sistema
faz do trabalho uma alienação, porque o trabalho não é um prazer, uma
criação, mas diante desses fatos ele se torna exploração e alienação. O tra-
balho, neste sistema, tem um modo de produção fragmentado, onde cada
trabalhador faz uma parte do produto, não se apropriando do resultado
final do trabalho e nem de seus lucros.
A este fato Marx denomina trabalho alienado, o produto produ-
zido pelo trabalhador não lhe pertence. Ele participa de pequenas par-
tes do processo de produção, desconhecendo a totalidade do processo ou
do trabalho produzido. O trabalhador não consegue compreender essa
alienação, esse processo foi inteiramente desmitificado pela corrente do
materialismo histórico dialético, que explicitou o quanto esse processo de
alienação desencadeou a exploração e a degradação da classe operária.
Essa corrente teórica afirmou que quando o conjunto dos trabalhadores,
que Marx denominava a classe operária, entendesse o processo de aliena-
ção essa classe se revoltaria e destruiria o sistema capitalista criando um
mais racional: o socialismo.
O trabalhador, no sistema capitalista de produção, perdeu ainda
o controle do produto de seu trabalho, também apropriado pelo
capitalista. A industrialização, a propriedade privada e o assalaria-
mento separaram o trabalhador dos meios de produção e do fruto
de seu trabalho. Essa é a base da alienação econômica do homem
sob o capital (COSTA, 1987, p. 73).

Outro aspecto característico do sistema capitalista que contribui em


grande escala para a degradação econômica das classes menos favoreci-
das que vivem do trabalho é a mais-valia. A mais-valia pode ser carac-
terizada pela apropriação que o capitalista faz em relação ao excedente
produzido pelos trabalhadores. Para que você possa entender melhor
esse conceito, podemos pontuá-lo da seguinte maneira: os trabalhadores
concluem uma mercadoria, o capitalista vende as mercadorias por uma
quantia superior à quantia investida no início do processo, o lucro que
ele adquire com a venda, o excedente produzido pelo trabalhador, Marx
denominou mais-valia.
Suponhamos que o operário tenha uma jornada diária de nove
horas e confeccione um par de sapatos a cada três horas. Nestas

– 118 –
O Serviço Social e o Marxismo

três horas, ele cria uma quantidade de valor correspondente ao


seu salário, que é suficiente para obter o necessário à sua subsis-
tência. Como o capitalista lhe paga o valor de um dia de força
de trabalho, o restante do tempo, seis horas, o operário produz
mais mercadorias, que geram um valor maior do que lhe foi pago
na forma de salário. A duração de jornada de trabalho resulta,
portanto, de um cálculo que leva em consideração o quanto inte-
ressa ao capitalista produzir para obter lucro sem desvalorizar
seu produto (COSTA, 1997, p.89).

14.3 O Serviço Social e a aproximação


com a Teoria Marxista
O Movimento de Reconceituação do Serviço Social representou um
marco decisivo no processo de ruptura com as bases de atuação tradicio-
nais e a possibilidade de uma revisão crítica das concepções até então
influentes nesta profissão.
Esse movimento, que ocorreu com a profissão na America Latina,
possibilita um alargamento dos horizontes teóricos e de atuação da pro-
fissão, terreno fértil para mudanças e o encontro com a revolucionária
corrente teórica do método do Materialismo Histórico Dialético. Por volta
de 1970, a perspectiva marxista toma vulto no Serviço Social brasileiro,
a princípio com ideias vulgarizadas da corrente marxista, o que despertou
um pensamento equivocado de negação da prática institucionalizada no
interior das políticas públicas efetivadas pelo Estado brasileiro.
Conforme Lima e Rodrigues citados por Silva e Silva (2007, p. 91),
A necessidade de ruptura com a prática assistencialista, numa pers-
pectiva inicial do movimento, conduz à negação da assistência e,
consequentemente da prática desenvolvida no espaço institucional,
visto como “vínculo reprodutor do sistema e cristalizador do inte-
resse da classe dominante”.

Faleiros citado por Silva e Silva (2006, p. 91) acrescenta que essa
postura constitui-se numa falha do Movimento de Reconceituação pelo
fato de “superestimar a força da crítica, sem ter em conta as resistências
ao processo de mudanças institucional”, diante da dinâmica da correlação
de forças.

– 119 –
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

Vale destacar que o Método Belo Horizonte apresentou uma proposta


inovadora no campo da formação profissional do Serviço Social. A ideia
é aprofundar uma prática pautada na busca de apoio aos interesses dos
segmentos explorados que constituem a base de intervenção da profissão,
recolocando necessariamente a perspectiva de transformação das realida-
des sociais apresentadas no contexto brasileiro desenvolvimentista.
Nesta perspectiva, a profissão questiona a vinculação histórica do
Serviço Social com os interesses dos setores dominantes e aponta a neces-
sidade de desvendar a dimensão política da prática profissional e da busca
de novas bases de legitimação.
Na segunda metade da década de 70, instaura-se intensa mobilização
da categoria dos assistentes sociais que teve impacto nas três dimensões
que constituem a profissão:
a) A dimensão política organizativa das entidades como: Associa-
ção Brasileira de Ensino e Serviço Social; Conselho Federal de
Assistentes Sociais (essa nomenclatura era utilizada anterior-
mente); Associação Nacional de Assistentes Sociais.
b) Dimensão acadêmica com a criação de cursos de pós-graduação
para especialização dos profissionais assistentes sociais; inicia-
ção da pesquisa no campo do Serviço Social; iniciação de publi-
cações dos autores brasileiros; abertura da Cortez Editora.
c) Dimensão da intervenção profissional tanto inserida nas institui-
ções de políticas sociais implantadas e implementadas pelo Estado,
quanto nas Organizações não Governamentais, que ganharam
expressividade a partir da segunda metade da década de 70.
Depois de constituídas essas mudanças a profissão esboça os primei-
ros passos em direção à construção de articulações da categoria com os
interesses dos setores populares.
Segundo assevera Silva e Silva (2007, p. 96),
[...] O Movimento de Reconceituação do Serviço Social tornou
evidente o caráter político da profissão, buscando a ruptura com
uma prática historicamente articulada aos interesses dominantes
e colocando a possibilidade de desenvolvimento de uma prática
comprometida com os interesses populares.

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O Serviço Social e o Marxismo

A teoria marxista possibilita à profissão a compreensão dos conflitos


existentes nas relações capital trabalho e a divisão do trabalho no sistema
capitalista. Dessa forma, os assistentes sociais contemplam a historicidade
da divisão do trabalho e as formas que foram sendo implementadas. Os
profissionais, de posse do conhecimento da corrente materialista histórica
dialética, desmistificam a ideia positivista de naturalização dos aconteci-
mentos sociais e da exploração da classe trabalhadora.
O Serviço Social só pode afirmar-se como prática instituciona-
lizada e legitimada na sociedade ao responder as necessidades
sociais derivadas da prática histórica das classes sociais na pro-
dução e na reprodução dos meios de vida e de trabalho de forma
socialmente determinada (IAMAMOTO, 1994, p. 55).

A forma de apreensão da expansão do capital industrial, sob a perspec-


tiva das explicações marxistas, fez com que os profissionais entendessem
a complexidade das mazelas advindas da “questão social’, que se torna o
foco de atenção dos profissionais de Serviço Social. Essa categoria, após
descortinada a forma latente de exploração e mais-valia, tem por obrigato-
riedade a resolução dos problemas apresentados, assim como o despertar da
consciência de alienação e de exploração em que vive a classe trabalhadora.
Silva e Silva (2007, p. 96) ainda assevera que
[...] Ao preconizar, de forma explícita, a necessidade de assumir a
dimensão político-ideológica da profissão, desmistifica a suposta
neutralidade assumida pelo assistente social e evidencia a inserção
da profissão no contexto da forças sociais antagônicas, o que passa
a indicar a possibilidade do estabelecimento de vínculo de profis-
sionais com uma classe social determinada a partir de uma opção
voluntária e consciente.

Essa ruptura com o Serviço Social, que se apresenta na profissão após


a aproximação com o método do materialismo histórico dialético, não foi
um processo homogêneo na profissão, foi um processo hegemônico. Isso
quer dizer que nem todos os profissionais aderiram aos pensamentos mar-
xistas e as mudanças propostas nos posicionamentos políticos da profis-
são. Grande parte dos profissionais, à frente das instituições de pesquisa e
dos conselhos da categoria, aprovou esse novo projeto, criando, inclusive,
uma situação que pode ser traduzida como: “o projeto ético político da
profissão é hegemônico, mas não é homogêneo”.

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Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social II

A teoria marxista aponta uma compreensão da sociedade em sua


totalidade. O Serviço Social, após essa compreensão, busca a mudança
não apenas das relações econômicas, do estancamento da exploração e da
usurpação do lucro por parte dos capitalistas, mas busca, acima de tudo,
a implementação de mudanças nas ideias políticas difundidas pelo capi-
tal. A atuação volta-se para uma perspectiva transformadora e criadora
de um outro sistema que ande na contramão das ideologias capitalistas,
das ideias de subordinação e de estagnação dos antagonismos e pobreza
infringida à população minoritária.
Como afirma Silva e Silva (2007, p.152),
[...] a transformação social é compreendida, explicitamente, como
um processo histórico, que deriva da luta política de grupos sociais
organizados. Essa concepção extrapola o entendimento da trans-
formação social enquanto mera modificação das relações de pro-
dução, ou seja, a transformação das relações sociais extrapola o
âmbito do econômico, visto que se estende a todos os níveis que
compõem a totalidade social.

O Serviço Social torna-se uma profissão que luta por um processo


revolucionário com objetivo de atingir não apenas uma distribuição justa
de renda, mas também uma profissão que busca a articulação, organiza-
ção, mobilização, a conquista de espaços, interlocução e a participação de
diversos segmentos da sociedade contemporânea nos processos decisórios
que implementam as políticas sociais no cenário brasileiro.

Conclusão
Neste capítulo, apresentamos a você algumas especificidades da
influência da teoria marxista no âmbito do Serviço Social brasileiro. Estu-
damos também como esta corrente se tornou uma das mais presentes ou
expressivas na atuação dos Assistentes Sociais frente às expressões da
questão social. Abordamos os princípios preconizados pelo materialismo
histórico e dialético, bem como a relação capital-trabalho e mais-valia.
O objetivo foi o de oferecer uma melhor apreensão desses conceitos para
entender a teoria de Marx e sua interlocução com o Serviço Social, a partir
do segundo lustro da década de 70.

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Referências
Fundamentos Históricos, Teóricos e Metodológicos do Serviço Social I e II

Fundamentos Históricos, Teóricos e


Metodológicos do Serviço Social I
CASTRO, M. M. História do serviço social na América Latina. 6. ed.
São Paulo: Cortez, 2003.
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MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. 3. ed. São
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