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Ana Letícia Bandeira

Hérika de Almeida
Walison Pereira

EMPODERAMENTO FEMININO E O EXERCÍCIO RELIGIOSO


As possibilidades de participação feminina em cargos eclesiásticos

A expressão “empoderamento feminino” tornou-se muito conhecida em


diversos segmentos sociais, significando o domínio conquistado pelas
mulheres no que se refere à participação e autonomia feminina na vida em
sociedade.

Além da política e do mercado de trabalho, não é raro observar que a


representatividade feminina aos poucos foi sendo inserida no cenário
religioso,pois a liderança nas igrejas era uma responsabilidade exclusivamente
masculina.

É perceptível que as mulheres ganharam espaço nos altares evangélicos do


Brasil. Atualmente, pastoras, apóstolas, bispas, missionárias, ministras,
educadoras, diaconisas e dirigentes, são alguns exemplos de cargos ocupados
por elas dentro das igrejas.

Para a professora Sandra Duarte de Souza, de ciências sociais e religião da


Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), em muitas instituições
religiosas as mulheres conseguem conquistar com maior facilidade a empatia
da comunidade, ao contrário dos homens. Como exemplo disso, a professora
destaca que na Igreja Batista da Lagoinha, fundada em Belo Horizonte (MG),
44,6% do corpo pastoral é do sexo feminino.

A cantora Ana Paula Valadão, do Ministério de Louvor Diante do Trono, é uma


forte representante da capacidade que a mulher possui para exercer a função
de liderança. Isso nos leva a crer que não é o diploma que faz uma pastora,
pois o título se adquire na prática, comprovando a vocação e os dons
espirituais.

Especialistas apontam um aumento no número de ordenações de mulheres,


principalmente daquelas que estudam para atingir cargos mais expressivos
no meio religioso. Em virtude disso, a presença de participantes do sexo
feminino em seminários evangélicos cresceu há duas décadas. E vê-las
pregando em púlpitos, batizando, realizando casamentos, palestrando em
congressos e celebrando a ceia, são exemplos que se tornaram cada vez
mais frequentes nas igrejas.

Em Imperatriz, a Igreja Evangélica Nova Aliança, fundada em 20 de julho de


2005, atualmente dispõe de 15 congregações distribuídas em diversos bairros
da cidade. Essa denominação evangélica possui 37 pastoras exercendo o
ofício, pois além das mulheres que lideram o templo juntamente com o esposo,
existem ainda as que são responsáveis pelo ministério infantil, de adolescentes
ou de jovens, e por isso, buscam a consagração pastoral.

Nessa reportagem, conversamos com cinco mulheres que representam o


empoderamento feminino no exercício religioso. E acredita-se que por meio
dos cargos que possuem, se tornam referência para outras que desejam seguir
o mesmo caminho.

ESCOLHA DA RELIGIÃO

Elizabeth Ramos é pastora da Igreja Evangélica Nova Aliança Estrela da


Manhã - Parque Alvorada, decidiu pertencer a essa religião por acreditar em
Jesus, na bíblia sagrada e em seu poder. “No momento de aflição fui buscar
aquilo que sempre acreditei. Antes não tinha disposição para isso, mas hoje
aquilo que eu vivo é muito mais profundo do que uma religião, por isso, sigo a
Jesus de Nazaré”.
A missionária Cleia Coutinho da Mota Araújo Pereira, da Assembleia de Deus -
Congregação Jerusalém na Lagoa Verde, escolheu essa religião por ter
nascido em um lar cristão, e desde muito cedo foi ensinada a amar a Cristo e
seguir seus ensinos. Porém, a decisão veio aos 12 anos, quando entendeu o
que queria de verdade.

Lenilma de Castro Karan Rocha, foi consagrada pastora e posteriormente,


bispa na Comunidade Nova Vida. Ela relata que se tornou evangélica porque
conheceu a verdade, Jesus Cristo, através da palavra de Deus. “Ainda quando
criança, por meio do trabalho de uns pastores que eram nossos vizinhos e
ensinavam a palavra de Deus, eu fui muito tocada. E a partir daquele momento,
conheci Jesus Cristo e a minha vida mudou”.

Outro exemplo de mulher atuante no meio evangélico é a educadora religiosa


Helyonara Pinheiro Santana Lima, que atualmente desempenha suas
atividades na Igreja Batista Manancial, bairro Vila Lobão. Ela explica que
escolheu ser crente e pertencer a denominação batista, por compreender sua
seriedade e compromisso com o ensino e prática da palavra de Deus.

Conforme a tradição da igreja católica, a mulher não pode aspirar aos cargos
mais elevados na hierarquia da igreja, ocupando apenas funções subalternas e
de submissão. Em virtude disso, Maria do Socorro dos Santos, desempenha
dupla função na Comunidade Sagrado Coração de Jesus, bairro ... – é ministra
da palavra e de eucaristia. Ela esclarece que por influência dos pais, desde o
nascimento professa o catolicismo. “Além disso, pelo fato da minha madrinha
ser freira, nunca tive vontade de conhecer outra religião”.

INÍCIO DA TRAJETÓRIA

A pastora Elizabeth explica que está nessa função há apenas três anos, porque
sentiu a necessidade e o desejo de ajudar outras pessoas, da mesma forma
que foi orientada e ajudada.
Cleia relata que desde os 17 anos, sempre exerceu cargos de liderança na
igreja, atuando do departamento infantil ao coral de senhoras.

Helyonara declara que após concluir o curso de Educação Cristã, em 2012,


iniciou a função de educadora no ano seguinte e há oito anos trabalha na
igreja.

Maria do Socorro revela que há mais de 20 anos se tornou ministra por


necessidade de celebrante nas comunidades do bairro. Mas independente
disso, sentiu um chamado muito forte da parte de Deus e várias vezes sonhou
com o padre convidando-a para visitar os doentes. Por isso, teve vontade de
entrar nos ministérios de eucaristia e da palavra.

Lenilma esclarece que chegou ao cargo de bispa por meio do reconhecimento


dos pastores, que há 12 anos observaram nela e no esposo, um potencial para
o cargo. “Na época, na Comunidade Nova Vida, eu tinha uma célula de
mulheres e o meu esposo uma célula de homens e nós ganhávamos muitas
vidas para Jesus. Então, os pastores da igreja nos consagraram pastores”.

REQUISITOS PARA A FUNÇÃO

Elizabeth destaca que para exercer a função é fundamental amar a Deus e a


sua palavra, amar outras pessoas ao ponto de se importar e ajudá-las,
entender e ter convicção que é um chamado de Deus.

Cleia afirma que é essencial amar as pessoas, gostar de gente e sentir as


dores do outro sem ser evasiva. “Além disso, é preciso ter o chamado, a
certeza do que realmente quer, assim como o conhecimento das Escrituras.
Pois quanto mais preparada, melhor”,

Helyonara destaca a importância de ter o coração disponível à ação do Espírito


Santo de Deus, além de ser sensível às diversas mazelas físicas, materiais, e,
principalmente espirituais, que nós, seres humanos estamos expostos.
“Portanto, o requisito principal é permitir-se ser habitação de Deus”.

De acordo com Lenilma, é indispensável o amor por pessoas, o desejo de


servir, de ajudar ao próximo. “A bíblia manda a gente amar ao próximo como a
nós mesmos. Então, é o desejo de querer que a pessoa tenha uma qualidade
de vida”.

Por atuar em dois cargos, Maria do Socorro descreve separadamente os


requisitos para ingressar em cada um deles. “Para o ministério de eucaristia, é
necessário realizar os sacramentos – batizado, eucaristia, crisma; ter uma vida
digna, andar em santidade, fazer anualmente a renovação das vestes e do
compromisso”. E para exercer o ministério da Palavra, ela destaca a
importância de ter o dom. “É importante gostar de ler, estudar, conversar, não
ser tímida, se relacionar com pessoas, saber se expressar, pois a liturgia é
direcionada para várias pessoas. É uma profissão pública”.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

A pastora Elizabeth ensina a palavra de Deus em várias congregações, é


responsável pelas finanças da igreja, professora em cursos bíblicos, cuida e
supervisiona células, lidera o grupo de jovens, realiza atendimentos e
aconselhamentos e desenvolve o projeto para crianças carentes “Eu tenho um
sonho” – no bairro Parque Alvorada.

A missionária Cleia ministra aulas para senhoras, lidera grupo de jovens,


realiza aconselhamentos, visita famílias e acompanha o esposo - que é o
pastor da congregação, nos trabalhos ministeriais.

A educadora religiosa Helyonara atua no atendimento de crianças e famílias no


projeto “Fé, Amor e Esperança” no bairro Vila Fiquene, dedicando-se
semanalmente durante 40 horas. Entre outras atividades, realiza ensino bíblico,
alfabetização e auxílio aos departamentos de Educação Cristã nas igrejas
batistas.
Lenilma destaca que o cargo de bispa é apenas uma nomenclatura utilizada
em algumas igrejas. “Na comunidade em que nós estávamos, você é ordenado
pastor quando está em uma célula, [que é um grupo de pessoas que recebe
um acompanhamento espiritual por um líder] cuidando de pessoa. E depois
que você aumenta aquela célula e vai liderar uma igreja, você é ordenado
bispo. E foi isso que aconteceu comigo e meu esposo. Então, usam essa
nomenclatura apenas por uma questão de organização”. Lenilma acrescenta
que o esposo tem um trabalho direcionado para o resgate de homens que
estão afundados nas drogas. E embora estejam em outra igreja atualmente,
permanecem com o objetivo de ajudarem as pessoas a serem restauradas,
conhecerem Jesus e terem uma vida plena.

Como ministra de eucaristia, Maria do Socorro realiza as celebrações e visita


os doentes para levar a comunhão. Como ministra da Palavra, auxilia o padre
na celebração, prepara a eucaristia e lidera os momentos da liturgia.

CURSOS DE FORMAÇÃO

Para desenvolver as atividades do ministério, Elizabeth comenta a necessidade


do aprendizado. É imprescindível que os pastores participem de alguns cursos,
como Curso de Crescimento Cristão – CCC (seis meses), Curso de
Treinamento de Líderes – CTL (seis meses), Escola Integral para a Formação
de Libertadores – Eifol (30 dias), além do Curso de Obreiros (dois anos). Todos
os cursos são oferecidos pela Igreja Evangélica Nova Aliança.

Cleia afirma que para atuar como missionária, durante três anos realizou o
curso “Um milhão de Líderes”, promovido pela Lidere Brasil, empresa mundial
fundada por Marcos Witt, que é um pastor evangélico estadunidense, com o
intuito de fomentar novos líderes no cenário gospel.

Helyonara acredita ser importante a pessoa estudar e se capacitar para não ser
mais um manipulador e mercenário religioso. Por isso, em 2012, formou-se em
Educação Cristã com ênfase em missões, no Seminário Teológico Batista do
Tocantins. O curso tem duração de quatro anos.
A respeito da necessidade de formação para exercício do cargo de bispa,
Lenilma explica que alguns ministérios exigem a formação teológica, outros
não. Em virtude disso, o critério fundamental é ter uma liderança e
conhecimento da Palavra de Deus. Mas, certamente é indicado realizar o curso
teológico, pois quanto mais conhecimento, melhor.

Maria do Socorro relata que para desenvolver o ministério de eucaristia é


imprescindível participar das reuniões de formação durante um ano, com o
intuito de aprender a realizar adequadamente a celebração eucarística. E para
exercer o ministério da palavra, é indispensável o curso de Formação para
Celebrantes, que tem duração de dois anos.

ESTRATÉGIAS DE CONCILIAÇÃO

A respeito das estratégias que utiliza para conciliar vida pessoal, profissional e
religiosa, a pastora revela que o segredo é administrar o tempo
adequadamente. “Acredito que hoje o maior desafio de uma pessoa que tem
muitas atividades a administrar é o tempo. Mas quando se ama o que se faz,
conseguimos conduzir a vida pessoal e profissional de forma harmônica”.

Para conciliar as três áreas, Cleia explica que a sua estratégia é fazer uma
coisa por vez. “Existem dias que eu entro em parafuso, porque exerço várias
funções: sou filha, esposa, mãe de duas heranças lindas, assistente social,
funcionária pública, esposa de pastor, missionária... tanto título para uma
pessoa só. Mas, com jeitinho, tudo se encaixa”.

Helyonara declara que a vida pessoal, profissional e religiosa andam na


mesma via. Por isso, vive intensamente cada uma delas, conciliando-as e
compreendendo que as atividades religiosas não se constituem em emprego,
mas, em missão de vida.

Lenilma comenta que há dois anos não trabalha fora, por isso agora tudo é
mais tranquilo. Contudo, quando atuava como pedagoga, a situação era bem
delicada. “Meus filhos eram pequenos e eu tinha que conciliar os três: a casa,
as atividades na igreja e o trabalho. Mas eu sempre tive Deus em primeiro
lugar na minha vida e em segundo, priorizei minha família, pois a bíblia fala que
se não cuidarmos da nossa casa, nossa obra é em vão. Às vezes era um
pouco cansativo, mas consegui administrar bem. Não é fácil conciliar os três,
mas não é impossível”.

DIFICULDADES ENFRENTADAS

Durante o exercício religioso, Elizabeth ressalta que as principais dificuldades


são críticas por parte de pessoas que preferem exercer outra fé; não possuir
uma carga horária definida, e por esse motivo, acaba ultrapassando o limite e
dando mais atenção para outras pessoas do que para ela mesma; além do
cansaço emocional que acaba sentindo. Contudo, a pastora destaca que é
recompensada pela alegria em ver outras pessoas transformadas. “Uma vida
transformada, transforma outras vidas”,

A missionária Cleia destaca que ingratidão e falta de fé, são as dificuldades


mais comuns.

De acordo com a educadora, a ausência de colaboradores é um grande


problema. “As dificuldades são predominantemente falta de apoio humano,
pessoas com visão missionária e que se unam para nos ajudar com as mais
diversas problemáticas que vivenciamos nas comunidades em que
trabalhamos”.

Lenilma aponta que as cobranças são o maior desafio. “Em tudo o que você vai
fazer você é cobrado, as pessoas querem tempo, atenção, muitas vezes
exigem perfeição e você não é perfeito, porque ninguém é perfeito. Mas, diante
de todas as dificuldades, de todas as lutas que a gente passa, existe algo que
não tem como explicar, é algo de Deus, pois é gratificante estar ajudando o
outro e vale muito a pena”.

INCENTIVO
Como estímulo para mulheres que desejam exercer a função pastoral,
Elizabeth afirma que é primordial se preparar na oração, palavra e fé. “É
preciso ter em mente que fazer o bem em nome de Jesus Cristo, é muito mais
que um cargo ou função, é um estilo de vida que nos traz alegria”.

A orientação da missionária Cleia é que busquem a vontade de Deus para


terem certeza se é esse o chamado e a vocação de cada uma. “Pois se não
for, é melhor deixarem do que se frustrarem. Mas, se for o que realmente
querem, mantenham-se de cabeça erguida e vão à luta”.

Para aquelas que desejam ingressar no cargo de educadora religiosa,


Helyonara enfatiza a prática do amor. “Ame a Deus e ame pessoas. Esse amor
vertical e horizontal lhe impulsionará a servir a Deus com seus dons e talentos
na comunidade em que você está inserida. E, por fim, disponha-se. O dono do
Universo lhe conduzirá”.

Maria do Socorro deixa uma mensagem para mulheres que se sentem


vocacionadas e desejam atuar nos ministérios de eucaristia e da palavra:
promovam uma autorreflexão. “É importante avaliar como anda a vida pessoal,
pois o ministério da terra está ligado ao ministério do céu”.

Àquelas que desejam exercer a função de bispa, Lenilma afirma que se trata
de um chamado, não algo imposto. “Se você sente no seu coração que você
tem um chamado para cuidar de pessoas, então você vai renunciar algumas
coisas. Pois pastorear, significa cuidar. É preciso realmente ter um chamado,
um desejo de servir. E se você tem essas características, você pode fazer isso,
pois vai te fazer bem e você irá fazer melhor ainda para as pessoas que estão
ao seu redor. Se o seu coração sente paz, com certeza deve seguir esse
caminho”.
LEGENDA DAS FOTOS:

1 – Elizabeth Ramos: familiares e amigos admiram a função pastoral e


respeitam de forma bem honrosa.

2 – Cleia Coutinho: a profissão de assistente social lhe ajuda bastante a


compreender e a lidar com o outro.

3 – Lenilma Rocha: “religião não salva ninguém, quem salva é Jesus”.

4 – Helyonara Pinheiro: “espiritualidade não depende de diploma”.

5 – Maria do Socorro: “Nada é feito sem Deus”.

Obs.: Fonte das fotos 1,2,3 e 4 – arquivo pessoal / foto 5: Hérika de Almeida.

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