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Desde os tempos em que cabia às mulheres a exclusiva tarefa de ficar em casa,

cuidando dos afazeres domésticos e dos filhos, elas são maioria nas igrejas. Hoje,
essa presença maciça nas atividades eclesiásticas se mantém, mas com um
diferencial: o acesso ao local de mais destaque no templo, o púlpito. O ministério
feminino tem ganhado força num mundo onde cada vez mais suas representantes
se destacam. Em mais e mais igrejas evangélicas, tradicionais, pentecostais ou
neopentecostais, a figura das pastoras, diaconisas, presbíteras e até bispas já se
tornou rotineira. Em um cenário bem diferente do observado no passado, quando
lhes eram reservados papéis específicos, como cuidar de crianças ou lecionar na
Escola Dominical, a Igreja Evangélica brasileira apresenta uma face mais feminina
do que nunca.

Segundo a organização Servindo Pastores e Líderes (Sepal), mais de 55% dos


crentes brasileiros são mulheres, o que corresponde a um número acima de 23
milhões. “Nas últimas décadas, houve um incremento da participação delas em
cargos de liderança na Igreja, um reflexo do que aconteceu na sociedade brasileira
e no mundo. Nós tivemos mulheres fortes em posições de grande importância, e
isso trouxe reflexo na Igreja, porque elas tiveram seus direitos reconhecidos”,
avalia o missionário Daniel Vargas.

Nas Assembleias de Deus dos Estados Unidos, a presença delas nos púlpitos foi
oficializada em 1935. Nas décadas seguintes, foram seguidas por metodistas,
presbiterianos e luteranos. A experiência internacional inspirou as igrejas
Metodista, Evangélica de Confissão Luterana e Presbiteriana Independente, no
Brasil, a aceitar mulheres como pastoras.

“Elas são mais carinhosas no agir, no tratar, são mais preocupadas, estão mais
atentas às necessidades, têm mais disposição em ajudar e conseguir fazer algo
em prol do outro” – Lidice Meyer Ribeiro, professora de Teologia e Ciências da
Religião da Universidade Mackenzie, de São Paulo – Foto: Wilson Mack

Nas pentecostais e neopentecostais, foram as cantoras gospel que mais


contribuíram para a mudança. Um exemplo é Cassiane, da Assembleia de Deus,
maior denominação do país, que abriu precedente para que todas as mulheres de
presidentes do Ministério Madureira passassem a ser ordenadas.
E Ana Paula Valadão, da Igreja Batista Lagoinha, de Belo Horizonte (MG), quebrou
o tabu das tradicionais: hoje, pelo menos 45% do corpo pastoral é do sexo
feminino.
A Convenção Batista Brasileira (CBB) reconhece o pastoreio feminino desde 1999,
mas quem ordena as sacerdotisas é a igreja local. A Ordem dos Pastores Batistas
Brasileiros (OPBB) aprovou o ingresso das mulheres na entidade em janeiro de
2014, e já são 300 exercendo o ofício.

A Igreja Adventista do Sétimo Dia, apesar de não ser pentecostal, teve seu início a
partir de uma liderança feminina. Mas a denominação que mais ordena mulheres
no Brasil é a Quadrangular; são 7 mil pastoras. Maria Cristina Nunes faz parte
dessa estatística. Ela exerce o pastoreio há 32 anos e atualmente lidera com o
esposo a Primeira Igreja do Evangelho Quadrangular em São Leopoldo (RS).
Cristina explica essa evolução.

“A diferença é que nós temos a oportunidade para desenvolvermos nosso talento,


darmos o bom testemunho para multiplicarmos e, como mulheres dotadas de
emoção, carisma e amor, conseguimos alcançar mais pessoas, e a igreja cresce.
Isso nos traz motivação. Podemos avançar e conquistar mais pessoas, sem
limitações de ministérios”, comentou.

Para a doutora Lidice Meyer Ribeiro, professora de Teologia e Ciências da


Religião da Universidade Mackenzie, de São Paulo, em muitas dessas instituições
as mulheres conseguem criar uma empatia mais sólida com a comunidade do que
os homens. “Elas são mais carinhosas no agir, no tratar, são mais preocupadas,
estão mais atentas às necessidades, têm mais disposição em ajudar e conseguir
fazer algo em prol do outro. Por isso, na maioria das vezes o diaconato feminino
funciona melhor que o masculino”, defendeu.

Mas os homens reconhecem a importância do sexo oposto na liderança. “Não dá


para negar que elas têm um papel fundamental dentro das igrejas. Apesar de
termos papéis diferentes estabelecidos na Bíblia, somos iguais perante o Senhor.
Além das injustiças que elas já sofrem, podemos estar pecando por não
reconhecer o que Deus estabeleceu”, declarou o pastor batista David Pina, de
Salvador (BA).
QUESTÃO CULTURAL

Nos últimos 10 anos, o número de ordenações femininas aumentou no país. Mas


não são todas as correntes que aceitam o pastoreio. Ainda é bem maior o
contingente de mulheres escaladas para tarefas como assessorar pastores em
visitas externas e liderar ministérios, trabalhos missionários e ações sociais. As
mulheres sustentam a Igreja em oração, têm múltiplas atividades e hoje passam a
ter funções e cargos ainda mais importantes na organização ministerial das
congregações.

Tê-las pregando em púlpitos, batizando, realizando casamentos e celebrando a


ceia é algo visto com normalidade e frequência em muitos templos. Esse
destaque, avalia Lidice, que também é antropóloga, tem a ver com a questão
histórico-cultural. A sociedade brasileira sempre foi matriarcal, com papel de
liderança e poder até hoje exercido pela mulher. As brasileiras também têm uma
forma de agir diferente em comparação às mulheres de outras sociedades.

“Várias denominações no país têm entendido a importância da estratégia de


mentoria para com as lideranças de igrejas locais, e isso contribui para o
crescimento do Reino. Sobretudo as mulheres precisam exercer sua liderança de
maneira saudável” – Ilaene Schüler, coordenadora do Ministério Mulheres
Mentoras

Outra questão é que desde o início da colonização coube à mulher o papel de


trazer a religião aos filhos. É ela que desempenha a função de ensinar as orações
e as histórias bíblicas em casa. Em 2 Timóteo 1:5, é mencionada sua atribuição
como guardiã da religião na família e na igreja, através de Eunice e Loide, mãe e
avó de Timóteo, respectivamente.
“Isso justifica o quanto a mulher sempre teve um papel de liderança. A Igreja
pentecostal vai se adequando à cultura brasileira e por isso o destaque feminino é
algo tão normal e frequente. Elas podem até ter papéis superiores aos dos
homens, o que é mais raro, mas na maioria das vezes o que vemos são marido e
esposa dividindo a liderança dessas igrejas”, destacou Lidice.
Para Zenilda Cintra, o ministério pastoral feminino é uma realidade irreversível. A
resistência é só ao título, já que grande parte das vocacionadas já exerce essa
atividade nas igrejas – Foto: Wellington Reis

Nas denominações tradicionais históricas, que vieram de outros países, por meio
de missionários que se instalaram no Brasil o quadro é diferente. Nessas
instituições, embora possam ensinar, dar aulas, dirigir louvor e até mesmo
administrar as finanças da Igreja, as mulheres não têm o direito de ser pastoras.

“Sempre há a necessidade da figura masculina de um pastor para fazer os atos


oficiais. Algumas igrejas não conseguem se firmar nominalmente pelo fato de não
ter uma liderança masculina. Um local onde o homem não está presente na figura
pastoral acaba se transformando em um ponto de pregação, mas nunca em uma
igreja oficialmente reconhecida. Isso é uma grande perda”, frisa Lidice.

O QUE DIZ A BÍBLIA

Há uma polêmica que paira sobre a abertura de espaço para a ordenação


eclesiástica de mulheres. O assunto não é unanimidade entre líderes e membros
tanto do Brasil quanto do exterior. Existem denominações mais tradicionais
contrárias à consagração de pastoras, presbíteras, diaconisas ou qualquer outro
cargo de liderança.

A Igreja Presbiteriana do Brasil firmou posicionamento na última reunião do


Supremo Concílio, em julho deste ano. A organização não permite a ordenação
feminina. “A pregação regular nas igrejas é feita pelos seus oficiais pastores e
presbíteros. Mulheres podem pregar quando não houver disponibilidade de oficiais,
mas sob a autoridade do pastor”, diz o documento da IPB.

O Antigo e o Novo Testamento trazem exemplo de mulheres que exerceram


atividades para que o Evangelho fosse pregado. Algumas foram profetisas, como
Miriã, retratada no livro de Êxodo (15:20), e Ana, parte do texto de Lucas (2:36);
juíza instituída por Deus em Israel, como Débora (Jz 4:4); e obreiras, como
Priscila, esposa de Áquila, mencionada em Atos.
Fonte: IBGE/Sepal
No debate, aqueles que são contrários à presença feminina em cargos de
comando argumentam que Deus não ordenou mulheres em Seu ministério. E o
trecho bíblico da carta de Paulo à igreja de Corinto aparece constantemente como
base de defesa desse posicionamento. “As vossas mulheres estejam caladas nas
igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também
ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus
próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja” (1
Coríntios 14:34,35).

O reverendo Augustus Nicodemus, da Igreja Presbiteriana de Goiânia (GO),


recorreu a 1 Timóteo 3:1-13 ao argumentar que a liderança foi designada para
homens. O trecho bíblico fala das qualificações de pastores e presbíteros. “O papel
das mulheres é essencial e importante, mas não encontramos respaldo bíblico
para que elas sejam ordenadas ao ministério das igrejas cristãs”, opinou em um de
seus vídeos publicados na internet.
Embora haja controvérsias, Lidice Ribeiro sustenta que a figura da profetisa tem
crescido em muitas denominações e que, desde os primórdios da humanidade, a
mulher era vista como um ser mais próximo da divindade.

“Quando uma mulher aparece como a porta de Deus, é algo facilmente aceito na
humanidade. Isso está atrelado à nossa condição cultural de tê-las como guardiãs
da fé e do ensino religioso. E acaba aumentando ainda mais esse potencial de
liderança feminina no que se refere a questões espirituais”, justificou.

LIDERANÇA

Muitas mulheres fundamentam o exercício do seu pastorado em Gálatas 3:28:


“Nisto não há judeu nem grego; não há servo nem livre, não há macho nem fêmea;
porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Zenilda Reggiani Cintra, pastora da
Igreja Batista Esperança, de Taguatinga (DF), indica que muitas tiveram funções
importantes nas narrativas bíblicas, mas a ordem de Jesus, o “Ide”, é para todos.

“Nós tivemos mulheres fortes em posições de grande importância, e isso trouxe


reflexo na igreja, porque elas tiveram seus direitos reconhecidos” – Daniel Vargas,
missionário
“Todos nós, homens e mulheres, somos discípulos de Jesus. Deus ordenou que
rogássemos por ceifeiros para a Sua seara. Todos fomos comissionados a
cuidarmos uns dos outros e a testemunharmos do Evangelho de Cristo. Mas o
Espírito distribui dons específicos para o pastoreio e evangelização”, expressou.

Fonte: pesquisas com denominações

Há 30 anos, Zenilda e o esposo, Fernando de Oliveira Cintra, exercem juntos o


pastoreio.
Ela defende que, quando homem e mulher desempenham função de liderança na
igreja, os ministérios devem ser complementares. “Tem que trabalhar em parceria
para o Reino de Deus. O ministério de um pastor precisa da esposa para lidar com
as mulheres na igreja, aconselhar. O olhar feminino e masculino se completa no
cuidado com as ovelhas”, argumentou.

Zenilda concluiu o curso de Teologia em 1980, aos 22 anos. Mas, apesar de


exercer o ofício há tanto tempo, somente em 2004 recebeu o título de pastora.
“Quando estamos no centro da vontade de Deus, temos a alegria do Espírito,
apesar das lutas e provações. Deus me chamou desde menina, e direcionei a
minha vida para cumprir esse chamado. Mas tive de provar que seria capaz de
desenvolver esse trabalho”, diz.

Muitas delas buscam a face do Criador para direcionar a família e garantir atuação
importante na igreja, liderança, orando e discipulando, assim como fizeram as
figuras femininas no passado. “Nós precisamos de modelos de feminilidade e
masculinidade dentro das igrejas como referência.

As mulheres têm contribuindo muito para o avanço do Reino de Deus”, declarou a


missionária Ilaene Schüler, que também serviu no pastoreio por 12 anos e hoje
coordena o Ministério de Mulheres Mentoras no Brasil, cujo trabalho já capacitou,
mobilizou e qualificou mais de 6 mil lideranças femininas nos últimos oito anos.

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